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WALTER OLIVEIRA LOSSIO JUNIOR AS RELAÇÕES CULTURAIS E AS VIAGENS ENTRE E O OCIDENTE EUROPEU E O ORIENTE MONGOL: O EXEMPLO DE MARCO POLO HISTÓRIA - UFPR CURITIBA 2006

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WALTER OLIVEIRA LOSSIO JUNIOR AS RELAÇÕES CULTURAIS E AS VIAGENS ENTRE E O OCIDENTE EUROPEU

E O ORIENTE MONGOL: O EXEMPLO DE MARCO POLO

HISTÓRIA - UFPR

CURITIBA 2006

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WALTER OLIVEIRA LOSSIO JUNIOR

AS RELAÇÕES CULTURAIS E AS VIAGENS ENTRE E O OCIDENTE EUROPEU E O ORIENTE MONGOL: O EXEMPLO DE MARCO POLO

Monografia apresentada ao curso de graduação

em História do Setor de Ciências Humanas,

Letras e Artes da Universidade Federal do

Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto

CURITIBA 2006

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Agradeço a Walter e Suzana Lossio,

pela ajuda dispendida durante todo o

processo de produção deste trabalho; e

a Renan Frighetto, professor, primeiro

leitor e amigo, indispensável para a

confecção do estudo que aqui se

apresenta.

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“Mas eu só disse a verdade, e nem metade do

que vi”

Marco Polo, em final de vida, respondendo aos

seus amigos que imploravam para que ele

abdicasse de suas mentiras com intuito de

alcançar a salvação eterna.

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SUMÁRIO

RESUMO...............................................................................................................................v

INTRODUÇÃO.....................................................................................................................1

CAPÍTULO I – CONTEXTO HISTÓRICO DA BAIXA IDADE MÉDIA OCIDENTAL:

A EUROPA E AS SUPERAÇÕES GEOGRÁFICAS............................................................6

CAPÍTULO II - O PROTÓTIPO DO VIAJANTE.............................................................29

CAPÍTULO III – O CONTATO ENTRE DOIS EXTREMOS REPRESENTADO POR

UM VENEZIANO................................................................................................................51

CONCLUSÃO.....................................................................................................................63

ANEXOS..............................................................................................................................68

REFERÊNCIAS..................................................................................................................77

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RESUMO

AS RELAÇÕES CULTURAIS E AS VIAGENS ENTRE E O OCIDENTE EUROPEU E O ORIENTE MONGOL: O EXEMPLO DE MARCO POLO

Autor: Walter Oliveira Lossio Junior Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto A presente monografia tem como objetivo analisar as relações estabelecidas entre a Europa e o Oriente no contexto entre os séculos XI e XIV, privilegiando o século XIII, representado, principalmente, pela viagem de Marco Polo. Entre 1271 e 1295, este veneziano percorre os territórios mongóis na Europa e na Ásia, na maioria deste intervalo permanece nos territórios chineses dominados pelo khan Kubilai, locais estes que viajaria, em diversas ocasiões, como emissário direto da aristocracia mongol. Apesar de, inicialmente, ser uma missão comercial e evangelizadora – a primeira sendo representada pelos próprios personagens que a realizavam; e segunda pelo patrocínio evidente da instituição máxima da Igreja católica, o papado –, a vinculação de Polo à burocracia mongol no império chinês dota o relato deixado por este europeu de aspectos mais amplos e bastante evidentes, tornando-se uma descrição social, cultural e política muito abrangente. Este fato causa, também, uma certa inversão de valores interessante no autor, que mesmo ainda intimamente ligado a suas origens européias, não deixa de exaltar toda a magnitude de um soberano que o havia acolhido em suas altas camadas, assumindo uma postura contrária a grande parte de seus contemporâneos. Esta viagem foi escolhida não por se constituir fato único e pioneiro no contexto que a engloba, mas sim por representar uma infinidade de outras viagens que, neste período, já se tornavam constantes e sistematizadas; e principalmente, por representar uma prática que muito além de simples trocas comerciais, começava a se tornar importante fato cultural e político de toda uma época. A proeminência comercial da península italiana e a importância de cidades como Gênova e Veneza – os dois grandes pontos de partida da Europa a estas empreitadas – em toda a Europa, apenas confirmam a grande mudança de significado que estas viagens apresentavam. Esta nova configuração, de uma prática não tão recente assim, é bastante notada quando, ao se analisar os relatos deixados pelos viajantes, tenta-se buscar seus motivos, suas vinculações a grupos maiores, as cartas de recomendação que portavam, e o contexto em que estes se inseriam. Com estas características traçadas, a escolha do estudo de uma viagem comercial para se entender a relação entre estes dois extremos se faz bastante clara, não apenas por ser uma prática que necessita uma análise mais completa de ambas partes envolvidas, mas sim por fornecer informações primordiais na tentativa de se entender o porquê desta integração ser tão fortemente, e recorrentemente, tentada durante tanto tempo.

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INTRODUÇÃO

O estudo apresentado nesta monografia se refere às relações culturais entre o

Ocidente católico e o Oriente mongol, entre os séculos XI e XIV, com ênfase no século

XIII, representado pela viagem do veneziano Marco Polo que, entre os anos de 1271 e

1295, permanece na corte mongol, estabelecida na China. A versão utilizada da obra de

Polo, o famoso “Livro das Maravilhas”, foi a traduzida por Elói Braga Júnior, lançada no

ano de 1999, pela editora de Porto Alegre, a L&PM. A escolha desta edição foi feita,

principalmente, pela destacada introdução e notas de Stéphane Yerasimos, importante

orientalista francês que interpreta a obra de Polo com uma sagacidade incomum as outras

opções. Outras fontes históricas foram, também, analisadas, mas nunca com a intensidade e

objetividade dedicada à obra de Polo. No entanto, estas foram de grande valia na ajuda da

caracterização de um contexto e dos personagens envolvidos em uma prática mercantil que

se tornava cada vez mais freqüente. Destaco entre estas obras o “Libro de Buoni Costumi”,

de autoria do italiano Paolo da Certaldo1; o relato deixado por Jacob D’Ancona, “Cidade de

Luz”2; e a obra de Francesco de Baldutti Pegolloti, “La pratica della Mercatura”, com

extratos presentes na obra de Roberto S. Lopez3 e na obra de Maria G. Pedrero-Sanchéz4.

A presente monografia se divide em três capítulos. O primeiro estabelece um

contexto do ocidente europeu, e de como a classe mercantil conseguiu os subsídios, tanto

econômicos quanto políticos, para se lançar em empreitadas tão longínquas. Ainda no

primeiro capítulo analisa-se o porquê da primazia italiana nas atividades mercantis deste

período, a relacionando com diversas outras questões desta sociedade, como políticas,

geográficas e culturais. No final deste, pondera-se sobre as grandes tentativas de unificação

do território italiano, tanto internas – principalmente pelo papado, em destaque pelas ações

cruzadas – como externas – representadas, primordialmente, pela linhagem dos

Hohenstaufen, que tanto com Frederico I, Henrique VI e Frederico II, possuíam planos

especiais para esta península.

1 CERTALDO, P. M. P. da. Libro di Buoni Costumi. Firenze: Schiaffini, 1945. 2 ANCONA. J. Cidade de Luz. Rio de Janeiro: Imago, 2001. 3 LOPEZ, R. O Nascimento da Europa. Lisboa: Edições Cosmos, 1965. 4 PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Unesp, 2000.

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O segundo capítulo traça as características principais de quem eram os personagens

que participavam destas viagens e quais rotas utilizavam. Para isso o estudo ultrapassou a

simples análise das famosas rotas ao distante Oriente. As inúmeras rotas internas européias,

percorridas por diversas camadas da sociedade, não apenas representavam o gradativo

contato que o âmago do continente apresentava, mas também, em grande parte delas, o

primeiro passo a jornadas muito mais longas. Terminada esta questão, no mesmo capítulo,

consta uma pequena abordagem dos relatos de alguns dos conhecidos viajantes que

partiram ao Levante. Mais do que um simples resumo de suas aventuras, este breve estudo

tem por finalidade, levantar os motivos culturais e políticos que os levavam a realizar tais

viagens, sem esquecer das filiações a grupos maiores que aconteciam e que, muitas vezes,

eram tão fundamentais a todo este processo. Ao final desta parte aparece, ainda, um sucinto

histórico do local que grande parte destes viajantes encontraria nas estâncias finais de suas

jornadas, os territórios chineses, à época, dominados pelos mongóis.

No terceiro e último capítulo, a pesquisa se volta à fonte escolhida, e a viagem de

Marco Polo é estudada com maior enfoque. Devido à grandiosidade desta empreitada, em

um simples capítulo é impossível percorrê-la em sua totalidade, por isso o foco da análise

foi direcionado a uma das inúmeras características que podem ser retiradas do texto, o

significado que o próprio Marco Polo dá a sua estadia em terras mongóis e, principalmente,

as relações que estabelece com a aristocracia dominante.

Ao final da monografia, além da conclusão, existem diversos anexos que ajudam no

esclarecimento geográfico e político do tema trabalhado, como diversos mapas das regiões

percorridas e das rotas utilizadas; e mesmo uma linhagem dos sucessores de Genghis Khan,

ou seja, dos personagens centrais das dinastias mongóis.

Quanto aos termos utilizados, a opção adotada foi manter, na medida do possível, a

grafia mais conhecida na historiografia mundial, em itálico. Termos como khans e

khanatos, foram utilizados no lugar de “Cã” e “Canados”; para o conhecido “Gengis-Cã”,

adotou-se a grafia Genghis Khan. O mesmo procedimento será utilizado na nomenclatura

das cidades mongóis, empregando, por exemplo, Karakorum, e não “Caracórum”. Para

personagens provenientes do Ocidente e cidades de regiões mais conhecidas, ou ainda, que

existam até hoje, adotou-se uma classificação um pouco diferente. Personagens como

Carpini e Rubruck, já bastante presentes em nossa historiografia, foram grafados como

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“Giovanni Pian de Carpini”, ao invés de, por exemplo, Plano, Plan, Pian, Carpine, ou

mesmo Plancarpin; e “Guilherme de Rubruck”, este com menos variações, mas ainda com

opções como Wilhelm, no prenome, e Rubruc ou ainda Ruysbroeck5 em seu sobrenome. Os

outros viajantes citados na obra, como Jacob D’Ancona, Oderico de Pordenone, Giovanni

de Montecorvino e o próprio Marco Polo, pouco sofrem com estas variações, e são

facilmente identificados com a grafia escolhida. Ainda referente à terminologia, em cidades

chinesas com nomes diferentes quando à dominação mongol, manteve-se a nomenclatura

usada pelos povos das estepes, o exemplo que melhor ilustra esta situação é o caso da

capital imperial que, apesar de ser a mesma “Pequim”, ou ainda “Beijing”, dos chineses,

será grafada Cambaluc, não apenas por ser como se referem a ela os mongóis, mas também

as fontes utilizadas neste trabalho.

Quanto à veracidade das fontes, é uma questão que pouco me coloco a debater.

Relatos como os de Marco Polo – em menor escala – e os de Jacob D’Ancona – em uma

escala muito maior – sempre possuem seus críticos, defensores convictos de que as

histórias narradas não passariam de simples contos de fada. Apesar de considerar uma

questão importante a ser considerada, aguardar por um resultado definitivo pode representar

uma espera de séculos.

No caso específico do mercador judeu, ainda constantemente discutido pela

historiografia ocidental, somente o utilizei como ponto de apoio em algumas questões de

contexto, e não como o grande foco a ser trabalhado. Esta análise se faz válida pelas

próprias críticas que a obra recebe; David Selbourne, historiador inglês que teria entrado

em contato com a fonte manuscrita, é sempre questionado pela sua opção de não revelar a

localização da mesma, mas poucos direcionam estas críticas aos fatos descritos e as

localidades visitadas, tornando-se assim, um julgamento mais metodológico do que de

conteúdo. Desta maneira, mesmo que o relato seja uma fraude, ele se ajusta à proposta

deste trabalho, apresentando uma prática que, sem dúvida alguma, ocorreu6 e comentada

por um renomado historiador que estuda o período.

5 Versão flamenga, de origem germânica. 6 Os judeus são os grandes responsáveis pelo comércio no Ocidente desde tempos imemoriais. Imaginar que nenhum tenha alcançado os territórios orientais, em um contexto que grande parte da atividade mercantil se direcionava a eles, é praticamente um anacronismo.

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No caso da obra de Polo – esta sim o centro do trabalho – estas questões são de um

impacto menor. Simplesmente adoto a opção de acreditar no relato do veneziano – como

grande parte da historiografia atual –, no entanto não se deve abdicar do exercício de uma

leitura crítica desta fonte, e os motivos para que esta seja realizada com muita atenção são

bastante evidentes neste caso específico. Sabe-se que a obra foi apenas ditada por Polo, no

entanto torna-se uma tarefa quase impossível identificar quais seriam as palavras reais do

mercador veneziano, e quais as adicionadas pelo monge, dominicano e literato, Rusticiano

de Pisa – companheiro de cela de Marco Polo entre 1298-1301 e redator da obra. Somente

considerar que a ideologia do monge pode, e deve, ter influenciado algumas passagens, já

se torna importante ferramenta na elucidação deste texto. O relato ter sido transcrito algum

tempo depois do autor ter presenciado os fatos, também é de fundamental importância à

compreensão de diversas inversões na rota e de acontecimentos descritos, ou ainda de

impressões que nunca poderiam ter sido pensadas há época, por abrangerem fatores que

ainda viriam a acontecer. A explicação para isto é muito simples, a memória de Polo o

havia traído.

Mesmo com estas idéias, nunca se pode deixar de considerar que alguns exageros

ou inversões de Polo não eram provenientes de sua vaga lembrança de alguns

acontecimentos ou da “liberdade poética” de Rusticiano, mas sim de uma parcialidade

imensa que a obra adquire a ser direcionada a um público específico, a nobreza européia.

A escolha do tema muito se deve ao meu interesse pessoal por culturas orientais e

pelas convencionadas Idades Antiga e Média. No entanto analisar a obra de Marco Polo se

tornou uma agradável surpresa, já que a idéia original do trabalho era bastante diferente

desta. Em um primeiro momento, minha intenção era estudar a sociedade japonesa. No

entanto logo percebi que seria uma tarefa pretensiosa demais, pois devido a uma lacuna

imensa na historiografia brasileira sobre o tema e a indisponibilidade de fontes na língua

portuguesa, elencar uma bibliografia para esta análise, mesmo a mínima necessária, seria

uma tarefa bastante complicada. Depois de diversas conversas com meu orientador, o Prof.

Dr. Renan Frighetto, decidi estudar uma fonte ocidental dentro de um contexto oriental.

Marco Polo foi uma escolha fácil, afinal é, sem dúvida alguma, o mais famoso dos viajantes

desta época, e seu relato é tão amplo que permite um estudo bastante abrangente das

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sociedades que ele representa. No entanto, quanto mais lia sobre o assunto, mais viajantes

eram citados, e uma relação entre estes dois pólos mais constante parecia.

Apesar de continuar com o enfoque na obra de Polo, percebi que um estudo não

apenas de seu relato, mas da caracterização dos personagens que realizavam estas viagens,

dos contextos que eles representavam em suas obras, e das relações interpessoais neste

âmbito era, não apenas possível, mas também deveras interessante. Assim formatou-se a

idéia final que aqui se apresenta, traçar os contextos tanto orientais como ocidentais,

procurar as razões que incitavam estes personagens a realizar estas viagens, e analisar,

muito mais do que um pólo ou o outro, as vias de relação entre eles, tornando o famoso

veneziano apenas como um exemplo de tantos outros.

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CAPÍTULO I

CONTEXTO HISTÓRICO DA BAIXA IDADE MÉDIA OCIDENTAL

A EUROPA E AS SUPERAÇÕES GEOGRÁFICAS

O destaque da figura do mercador na Europa data, em grande parte, de

meados do século X1. Essa ascensão foi marcada não apenas pelo conflito com a nobreza

dominante, mas também por uma aproximação destas duas camadas da sociedade, pois esta

encontrou no comércio uma atividade extremamente lucrativa. Sendo assim muitos nobres

começaram a se aventurar em viagens comerciais, e muitos comerciantes, por sua vez,

aproveitavam as fortes ligações com a nobreza para adentrarem no âmbito político, ainda

intimamente relacionado com a nobreza detentora de terras.

A grande representante européia da atividade mercantil nestes séculos foi a

península italiana. No âmbito europeu a proeminência italiana é indiscutível, era ponto de

entrada e escoamento de mercadorias de praticamente toda a Europa medieval. Seus únicos

pretensos concorrentes europeus se encontravam na parte setentrional do continente, na

Escandinávia. Mas o “norte viking” direcionava sua ambição marítima a territórios mais

próximos de sua realidade, como ao reino da Inglaterra e a Rússia siberiana, ou ainda ao

norte glacial, representado pelas suas colônias na Groelândia e na Islândia2.

Uma comparação a representantes fora do território europeu se torna mais arriscada.

Mas com o avanço dos estudos de uma relação entre a Europa e os territórios adjacentes a

ela tornam, esta, uma tentativa válida. No Oriente a atividade mercantil era de caráter muito

mais interno do que externo. Dados referentes à movimentação interna dos territórios

orientais deste período são efêmeros, portanto de difícil análise. Mas seus reflexos no

exterior ocidental3 são de mais fácil compreensão, já que o contexto é conhecido. A China,

mesmo com possibilidades de produzir grandes empreitadas marítimas – técnicas de

1 LOPEZ, R. O Nascimento da Europa. Lisboa: Edições Cosmos, 1965. p. 129. 2 Esse fato não é exclusivo. A presença viking em outras partes da Europa já foi confirmada com diversos achados arqueológicos, e uma suposição de que eles chegaram mais longe habita a mente dos mais entusiastas. Mas parece certo que eram casos isolados, pois a falta de uma presença maciça destes povos em áreas mais distantes, leva a crer que não existiam rotas sistematizadas ou empreitadas periódicas a estes extremos.

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navegação avançada, população em crescimento, posição geográfica privilegiada - possuía

uma população ainda mal distribuída em um território continental, o que favorecia

primeiramente uma colonização interna e, com isso, recursos voltados a esta tarefa. Por isso

pareciam ter mais vocação para receber mercadores do que para enviá-los4. A Índia, outro

território que possuía algumas características que também favoreciam a esta prática,

enfrentava querelas periódicas com os árabes e – posteriormente – com os mongóis,

constituindo outro exemplo que, por problemas internos, possuía pouco tempo para

estabelecer empreitadas marítimas externas constantemente. A África Negra era

extremamente dividida entre várias tribos, que dificilmente se voltavam ao mar. Por fim, a

América pré-colombiana, que hoje já se admite ter abrigado uma massa populacional

comparável a Europa ou a China, possuía também populações deveras autônomas e

dispersas para se lançar em larga escala aos oceanos5. O mundo mulçumano, que muito

provavelmente foi o grande concorrente europeu nesta empreitada de um comércio exterior

mais amplo, por motivos óbvios6, é pouco citado pelas fontes ocidentais da época. Mesmo

com estas dificuldades sabe-se que o Egito, por exemplo, ao estar em contato direto com o

mundo africano, mediterrâneo e indiano, além de possuir fortes relações com os territórios

mulçumanos na própria Europa7 - como a Hispânia muçulmana – foi um grande centro

comercial que rivalizava em termos de grandeza com as poderosas comunas italianas8. Uma

das mais proeminentes delas, Veneza, inclusive buscou sempre manter relações amigáveis

com o Egito, para o ter como aliado comercial.

Explicado algum dos fatores externos deve-se analisar o porquê da Itália ter sido a

grande representante no contexto europeu que possuía, além dos já citados “vikings do

3 Seguindo o movimento Oriente – Ocidente. 4 CHAUNU, P. A Expansão Européia do Século XIII ao XV. São Paulo: Pioneira, 1978. p. 40. 5 Ibid. 6 A Baixa Idade Média é o auge das hostilidades políticas entre os soberanos europeus e o mundo muçulmano. Não é à toa que as cruzadas se inserem neste contexto. 7 Em 633, tropas de Abu Bekr, primeiro califa, se encaminham a Síria. Em 642, o segundo califa, Omar, já alcança a região da Cilícia. Em 702 toda a costa da Berbéria está sob domínio muçulmano. O ano de 710 marca a chegada dos muçulmanos a Hispânia visigótica, e um ano depois a vitória destes sobre o monarca Roderico (já abalado por diversos conflitos internos), e a subjugação da monarquia visigótica de Córdoba. Em 721 as forças muçulmanas já atingem Toulouse e no ano seguinte a Gália interior, na região de Langres e Sens. 8 As comunas italianas eram territórios que muito se assemelhavam com as cidades-estados, herança ainda dos tempos clássicos. Com a falta de um poder central na península – poder este constantemente disputado pelo papado e alguns pretensos imperadores, principalmente germânicos, mas nunca efetivo na totalidade do

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norte”, diversos reinos que poderiam ter se lançado ao mar com a devida força para fazer

frente à península italiana. Primeiramente é importante citar que a expansão comercial está

intimamente ligada a um urbanismo que se apresenta cada vez mais presente na Europa

após o século X. A península italiana apresentava essa configuração anteriormente a seus

contemporâneos europeus. Seus territórios reduzidos e praticamente cercados pelo

Mediterrâneo e pelos Alpes limitaram, drasticamente, a dispersão da população dos centros

urbanos mesmo quando a tendência européia era geral neste sentido. Por não

compartilharem características rurais tão fortes como o resto da Europa no passado

próximo, se acostumaram – e se aproveitaram – de uma nova realidade mais rapidamente

do que seus vizinhos que, ainda ligados a uma tradição anterior, precisariam de mais tempo

para conseguir explorar, de forma efetiva, as vantagens que o novo sistema social abrangia.

A posição geográfica da Itália também sempre a impulsionou em expansões

marítimas invejáveis ao resto da Europa. Com a “descoberta do Oriente” 9 essa vantagem

natural se acentuou, pois a Itália se localizava na porção mais oriental e meridional do

território europeu. Mesmo as invasões lombardas10, que normalmente poderiam se

constituir como um fator limitador, acabaram por incitar ainda mais esta atividade

mercantil. Cidades que naturalmente teria sido prejudicadas por estas ações como Veneza,

Amalfi e Nápoles – separadas do interior da península neste processo – utilizaram o

acontecimento para partir ao mar em busca de suprimentos. Gênova e Pisa, por sua vez

portos lombardos, iniciam sua história marítima após a destruição de seus campos pelos

muçulmanos, lançando sua contra-ofensiva através do Mediterrâneo11. Com o predomínio

naval italiano cada vez mais destoante, a dominação, em pleno século XI, por parte de

território – os grandes centros urbanos instituíram poderes soberanos e independentes a sua volta, e a cada centro deste dava-se o nome de “comune” . 9 Termo usado sem a inocência de analisar este contato entre o extremo oriente e a Europa como inédito, mas sim tendo em mente que pela primeira vez na história se instituiu um fluxo de mercadorias e pessoas freqüente e volumoso. Para relações entre a China e a península italiana em épocas clássicas ver: ASENJO, S. S. Vias de Relacion entre Roma y China. In: Semanas de Estúdios Romanos. vol. VI. Chile: Universidad Catolica de Valparaiso, 1991. 10 Os lombardos (em latim, langobardi) eram um povo germânico, oriundo da Escandinávia. Em 568 d.C., chefiados pelo monarca Alboíno, invadiram a Itália e derrotaram uma pequena guarnição bizantina em Milão, conquistando o norte da península italiana até a Toscana. A capital do novo Reino da Lombardia era Pavia. Até os dias de hoje se chama Lombardia a região da Itália setentrional, cuja capital é Milão. 11 LOPEZ, op. cit., p. 131.

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algumas comunas italianas de todas as extremidades ocidentais das quatro principais rotas

ao Oriente12 foi uma conseqüência totalmente previsível.

O comércio, na Itália, foi o grande motor das transformações sociais, econômicas e

culturais, sendo o surto comercial o causador de inúmeras inovações de técnicas em setores

variados da sociedade. Mas diferente das tendências da Antiguidade Clássica e de um

posterior Renascimento13, onde as “grandes descobertas” eram aclamadas em livros e por

sábios que a divulgavam, o processo técnico da Baixa Idade Média foi marcado por

“cintilações de pequenos achados”14, muitas vezes revelados posteriormente ou até mesmo

acidentalmente. Um exemplo interessante deste ciclo manufatureiro e tecnológico da época

é o tear de pedal, invenção de um anônimo, mas que não apenas desencadeou uma melhora

notável na produção manufaturada, como incentivou outras tecnologias, como a roda de

fiar15.

A urbanização também teve reflexos diretos na sociedade medieval. O número de

escravos da antiguidade, e de vassalos de um passado próximo, ao se adaptar as condições

servis do mundo urbano, diminuíram consideravelmente. Muitos dos avanços adquiridos no

setor agrícola possuem relação direta com este fato, já que com menos mão-de-obra

precisava-se melhorar a utilização da que restou para atingir uma produção em maior escala

do que o período anterior, pois desde o século X a Europa acompanhava uma expansão

populacional. A agricultura européia, no espaço de menos de três séculos (entre os séculos

XI e XIII), passou de um método de produção praticamente pré-histórico, com utilização

mínima de força animal e ferramentas quase que exclusivamente de madeira e pedra; a uma

agricultura amplamente beneficiada pela utilização de metais, culturas itinerantes,

afolhamento bienal e domesticação de forças auxiliares – como a animal e a natural;

atingindo assim o grande objetivo necessário a época, áreas cultivadas mais ampla e

rapidamente e diminuição dos períodos improdutivos, tornando assim a agricultura mais

rentável16.

Outro grande – e óbvio – avanço, relacionado diretamente com o comércio, foi o da

evolução das técnicas marítimas. O contato com técnicas provenientes do extremo Oriente

12 CHAUNU, op. cit., p. 64. 13 Característica que rendeu o injusto título de “Idade das Trevas” a grande parte da Idade Média. 14 LOPEZ, op. cit., p.140. 15 Ibid.

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e mesmo dos mulçumanos trouxeram algumas melhorias indispensáveis para a grande

epopéia marítima que a Europa iria firmar. Com os chineses aprenderam a usar a agulha

imantada, que mais tarde se transformaria na bússola; com os muçulmanos aprenderam a

importância de se manter um registro cartográfico freqüente em qualquer empreitada, seja

longa ou curta, por vias marítimas. Esse período marca também um avanço nas próprias

técnicas de construção das naus17, que em poucos anos iria se aperfeiçoar para atender as

exigências que os novos contatos comerciais – cada vez mais longínquos – apresentavam.

O sistema bancário – inédito nas proporções que tomaria na Itália – foi outro grande

beneficiado. Com as aventuras marítimas se tornando cada vez mais lucrativas, a

institucionalização de um sistema que protegeria o capital aplicado ou emprestado,

cobrando taxas para esta manutenção se tornou necessária. Contratos comerciais,

acompanhando a evolução de um sistema que os protegiam, eram cada vez mais rígidos e

detalhados. Os sistemas comerciais italianos, representados quase sempre pela Comandita18

– ou Commenda – e pela Colleganza19

, se tornavam cada vez mais freqüentes e formais.

Apesar de existirem diversos outros setores impulsionados pelo comércio, um dos

mais interessantes e intrigantes de se analisar é a cultura e os movimentos intelectuais. Em

uma primeira análise a relação entre comércio e cultura se torna um pouco obscura, afinal

parecem ser setores bastante distintos da sociedade, ainda mais no século XI, que marca a

associação de intelectualidade às universidades. Com isso se faz necessário discernir o

conceito – ou melhor – a aplicação desta intelectualidade nas diversas regiões da Europa.

Os reinos de França e Inglaterra parecem concordar que a universidade, como centro de

cultura, deve tender a um sistema clássico, com ênfase nos estudos do trivium20 e do

16 Ibid. p.135 e CHAUNU, op. cit., p. 54. 17 Para maiores detalhes sobre a evolução da técnica na construção de naus, ver: LOPEZ, op. cit., p.136. 18 Neste sistema um empregador aplicava todo o capital necessário e arcava com todas as eventuais perdas por três quartos do lucro, enquanto o comerciante arriscava seu trabalho pelo um quarto restante. Para maiores detalhes ver: LOPEZ, op. cit., p.143 e CHAUNU, op. cit., p.65. 19 Neste sistema, tanto investimento quanto lucros eram divididos entre as partes envolvidas. Colleganza é nome dado em Veneza. Em Gênova, que se falava latim, era chamado de Societas Maris. Novamente para maiores detalhes: LOPEZ, op. cit., p.143 e CHAUNU, op. cit., p.65. 20 Etimologicamente, trivium significa "o cruzamento e articulação de três ramos ou caminhos" conota um "cruzamento de estradas" acessível a todos. Seus estudos incluíam a dialética/lógica, "a arte do pensamento"; a gramática, "a arte de inventar símbolos e combiná-los para expressar pensamento"; e a retórica, "a arte de comunicar pensamento de uma mente a uma outra". O objetivo do trivium era dar disciplina à mente, posto esta encontrar expressão na linguagem.

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quadrivium21

, ou as chamadas artes liberais22. Universidades como as de Cambridge e

Oxford – no reino da Inglaterra – e Paris e Orleans – no reino de França – tornam-se os

centros do pensamento político e filosófico do medievo.

Fig. 1.1 - As sete artes liberais – Hortus deliciarum de Herrad von Landsberg (século XII).

Mesmo com a grande difusão destas instituições – por volta do ano de 1200 são

fundadas as primeiras universidades, depois de 1350 já seriam mais de trinta e cinco

espalhadas pela Europa23 – os principais centros do pensamento não se deslocavam. As

universidades, ao se espalharem pelo território, levavam o conhecimento a todos os

extremos do continente, mas o mesmo se consolidava, ainda, nos grandes centros. Os reinos

21 Por sua vez, "cruzamento de quatro ramos ou caminhos" - traduzia-se pelo estudo da matéria, incluindo, para isso, a instrução em aritmética, ou "a teoria do número"; em música, ou "a aplicação da teoria do número"; em geometria, ou "a teoria do espaço"; e em astronomia, ou "a aplicação da teoria do espaço". O objetivo dessas artes da quantidade era prover meios para o estudo da matéria, os quais seriam aprimorados nas disciplinas ditas superiores - medicina, direito e teologia. 22 Apesar do conceito de artes liberais datar do período clássico, a divisão dessas artes nos dois grupos citados foi dada somente na idade média.

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de França, Inglaterra – em maior freqüência – e a Península Ibérica – em menor freqüência,

representada, quase sempre, pelas universidades de Coimbra e Salamanca – se tornaram

grandes pontos de atração populacional. Fluxos cada vez maiores de estudiosos se dirigiam

a estas localidades quase como uma peregrinação intelectual. Como conseqüência todo um

mercado se criava para atender a demanda destas movimentações. Fixa-se, então, uma

relação, entre as universidades e as movimentações, de causa e conseqüência, e este padrão

seria o mais normal em quase toda a Europa medieval.

Talvez a única exceção fosse a Itália. Mesmo com um número de universidades

maior do que qualquer outro território europeu, e com algumas tão antigas como Oxford e

Paris – Bolonha e Salerno, por exemplo – nenhuma delas alcançaria o mesmo status de suas

contemporâneas. É um fato fácil de se notar, tendo em seu exemplo mais clássico, São

Tomás de Aquino, grande expoente filosófico da época que, mesmo nascido na Itália e

formado em filosofia pela universidade italiana de Nápoles, precisou se deslocar a Paris

para obter notoriedade.

O que acontece, na península italiana, é que as universidades, e o ensino em geral,

são muito mais uma conseqüência do fluxo populacional – e conseqüentemente de idéias –

causado pelo comércio do que a causa do mesmo. Inverte-se a equação. A Itália se tornara o

grande porto de entrada e saída da Europa, e a atividade comercial a havia colocado em

contato direto com ideologias do mundo muçulmano, do mundo judeu e até do extremo

oriente. As universidades aparecem para suprir uma falta de local próximo para se

condensar e sistematizar toda essa gama de conhecimentos. Sem as pretensões de suas

contemporâneas do interior do continente, as universidades italianas da Idade Média

adquiriram uma conotação mais prática do que as demais. Não que isso significasse uma

mudança trágica no currículo apresentado por elas, pois, como as demais, privilegiavam as

artes liberais da Antiguidade – afinal um preconceito existente às “artes mecânicas”24, que

persistia desde a Antiguidade Clássica, não se esvaeceria tão rapidamente –, no entanto a

aplicação destas artes liberais ou mesmo os campos abordados pelas universidades italianas

da época pareciam ser muito mais relacionados a uma prática mercantil do que suas

contemporâneas. Mesmo a alfabetização e os estudos primários eram ligados ao comércio,

23 LOPEZ, op. cit., p.370. 24 Ibid. p. 369.

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pois um mercador que não soubesse escrever suas contas ou interpretar um contrato não

poderia exercer seu ofício25.

Esta conotação mais “prática” da Itália na Idade Média alcançaria outros setores da

sociedade. A arquitetura é um outro aspecto que merece atenção. Com o urbanismo e o

crescimento acelerado das maiores cidades européias, um complexo de grandeza nesta

mudança de paradigmas foi bastante visível. As catedrais eram cada vez mais luxuosas, e as

próprias universidades cada vez maiores. Os custos destas construções eram colossais, e

muitas vezes a conseqüência das mesmas era um déficit econômico muito maior do que o

resultado estético. Nas comunas italianas, os maiores exemplos ditam exatamente o

contrário. As autoridades se contentavam com menos luxo e grandeza para investirem

diretamente na atividade mercantil. Veneza demorou séculos para construir a catedral de

São Marcos, e muito usou do saque à Constantinopla, em 1204; o bispo de Gênova se

contentava com uma catedral modesta, e investia quantias exorbitantes no forte comércio

da cidade.

Apesar de parecer um exagero, realmente a empolgação com o comércio atingiu

níveis, na Itália, nunca sequer imaginados. A população em geral participava da atividade

mercantil de acordo com a sua condição. A empolgação era tamanha que “nenhum objeto é

considerado excessivamente insignificante ou raro para se vender por grosso” 26. O fator

“tempo” assume importância nunca antes possuída. Contratos começam a conter não

apenas o dia, mas também a hora. O tempo se torna um bem precioso e que precisa ser

administrado. A inércia não é perdoada. Um autor da época, Paolo di Messer Pace, no seu

Livro de Boas Maneiras27 já instruía: “Se possuis fundos, evita de não fazeres nada com

eles e deixá-los gastar e perder valor em tua casa, pois mais vale agir em vão do que ser

ocioso em vão (...) Mesmo se não ganhares nada, não perderás o teu lugar no comércio,

ficas já a ganhar se, sem perder o capital, conservas a posição”. Esta fonte da época nos

mostra que mesmo conhecendo os riscos que o comércio acarretava, ceder a eles não era

25 Ibid. p. 264 26 Ibid. p. 263 27 CERTALDO, Paolo di Messer Pace da. Libro di buoni costumi. Firenze: Schiaffini, 1945.

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recomendável. Dante Alighieri28, outro renomado escritor da época, já reservava aos

preguiçosos um dos piores círculos do inferno, em sua famosa obra, a Divina Comédia.

E se os contatos comerciais italianos eram amplos, e as grandes e longas aventuras

aos extremos do globo, por constituir a “grande novidade” 29, eram as aventuras mais

exaltadas pela grande maioria; as pequenas rotas comerciais internas ainda eram os maiores

fluxos de mercadorias e de capital, e não raramente eram os financiadores indiretos30 das

grandes campanhas. Produtos bem menos dispendiosos, como gêneros alimentícios e

matérias-primas possuíam intenso fluxo interno. Qualquer mudança no cenário político e

geográfico poderia ocasionar em novas rotas para se chegar ao mesmo destino31, da mesma

maneira que alguns fluxos de mercadorias eram tão importantes, tanto para exportadores

como para importadores, que não houve querela alguma que os interrompessem. O Egito

muçulmano – mesmo durante as cruzadas – não parou de importar a madeira e o ferro da

Europa, assim como o envio de lã à Itália pelo norte africano e o envio de vinho gascão32 ao

reino da Inglaterra se constituíam em fluxos permanentes33.

A importância real deste comércio interno de mercadorias menos valiosas era,

inclusive, reconhecida na época. O mercador florentino, Francesco de Baldutti Pegolloti,

em seu “Manual de Prática Comercial” 34, lista mais de 288 “especiarias”35, que muito além

das drogas do Oriente – seja do próximo ou do extremo – possuía produtos bem menos

exóticos, como cera da Hispânia, Polônia e Riga; cobre da Europa central; papel de

28 Dante Alighieri (1265 - 1321). Nasceu e viveu grande parte da sua vida em Florença. Foi, junto com Tomás de Aquino, o grande pensador italiano do final da Idade Média. Sua obra máxima, "La Divina Commedia" (A Divina Comédia), é o culminar da afirmação do modo medieval de ver o mundo e a base da língua italiana moderna. A obra descreve uma viagem de Dante através do Inferno, Purgatório, e Paraíso, primeiramente guiado pelo poeta romano Virgílio, autor do poema épico Eneida, através do Inferno e do Purgatório e, depois, no Paraíso, pela mão da sua amada Beatriz. Talvez o mais interessante da obra seja sua própria parcialidade. A alocação de seus contemporâneos nestes três ambientes deixa bastante claro quem eram os amigos, e inimigos ideológicos ou mesmo políticos do autor. 29 Reforçando a idéia de que a grande novidade era o fluxo que as mesmas adquiriram, e não por constituir um fato inédito. 30 Não apenas forneciam um capital para estas empreitadas, mas muitas vezes formavam os laços necessários entre duas localidades para uma superação geográfica. 31 LOPEZ, op. cit., p.289 32 Gascogne, em francês, é uma região no sudoeste da França. Foi habitada por um povo de origem basca que falava uma mistura de dialetos românicos. 33 Ibid. p. 289. 34 "Pratica della Mercatura", redigido entre 1332 e 1345. 35 A não contemplação, pelo autor, de diversos artigos, como as peles da Europa setentrional, mostra o quão amplo era o significado deste termo.

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Fabriano36; e cola de Florença e Bolonha. O reino de Inglaterra, que praticamente só

exportava produtos de baixo valor comercial, com exceção da lã crua e de peças de pano,

estas com um valor relativamente alto37, atingia lucros superiores a um quarto de milhão de

libras esterlinas, valor bastante acentuado.

Ainda assim, é um valor extremamente abaixo dos quatro milhões anuais dos

genoveses, ou mesmo da colônia38 genovesa de Pera – em Constantinopla – com um fluxo

anual que chegava a um milhão, seiscentos e quarenta e oito mil liras genovesas anuais.

Esta diferença pode ser explicada não apenas pela demanda italiana ser muito maior do que

a do reino de Inglaterra, ou mesmo pelo menor valor das liras genovesas em relação às

libras esterlinas, mas também porque os produtos de escoamento de Gênova ao resto da

Europa se constituíam, principalmente, de artigos finos com preços elevados.

No século XII, as relações entre as cidades italianas com o Oriente estava em seu

auge. Era a hora de se explorar a outra extremidade do mediterrâneo, a saída ao Atlântico.

Apesar da travessia Atlântico-Mediterrâneo ser feita com facilidade e constantemente desde

o século X, o movimento contrário era limitado a poucas naus que conseguiam enfrentar as

grandes ondas do oceano. Gênova assume a dianteira neste movimento, e no último quarto

do século XIII, utiliza suas diversas colônias na Hispânia reconquistada para partir em

direção ao Flandres e ao reino de Inglaterra39. Veneza demoraria três décadas para

acompanhar este movimento. A primeira e mais imediata conseqüência desta “conquista”

das Colunas de Hércules40 pelas duas maiores potências mercantis européias foi uma rota

mais rápida de escoamento dos produtos do Levante ao Poente41.

Mas explorar apenas a parte costeira européia do Atlântico iria contra todos os

princípios tão bem aplicados ao Oceano Índico. As primeiras tentativas de uma rota

alternativa ao Oriente já datam do século XIII. Genoveses – com os irmãos Vivaldi – e

36 Comuna italiana da região dos Marche, província de Ancona. 37 LOPEZ, op. cit., p.289. 38 A palavra “colônia”, neste contexto, possuía uma conotação bastante diferente da que assumiria nos séculos seguintes (principalmente após o XV). Colônias, neste começo, eram representadas por entrepostos comerciais ou mesmo bairros de certos grupos populacionais em grandes cidades. O exemplo citado, inclusive, era o nome do bairro genovês na grande cidade de Constantinopla. 39 CHAUNU, op. cit., p. 66-67. 40 Nome mitológico ao estreito que liga o mar Mediterrâneo ao Atlântico. De acordo com a lenda, Hércules (herói grego, filho de Zeus com uma humana), em um de seus doze trabalhos precisou passar por este estreito marítimo. Como estava com pouco tempo resolveu abrir caminho com seus ombros. De um lado, ficou um grande rochedo, mais tarde chamado Gibraltar (monte Calpe) e do outro lado o monte Hacho (Abília). 41 Norte europeu, representado principalmente pelo reino de Inglaterra.

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Catalães – na expedição de Jaume Ferrer – foram os maiores expoentes desta tentativa

malograda, que no máximo serviu para redescobrir ilhas próximas à costa européia, como

as Canárias, Açores e Madeira42.

*

As grandes viagens da Itália ao extremo Oriente, sem dúvida alguma, elevam as

principais cidades portuárias da península italiana a um patamar sem igual na Europa

Ocidental. Mas todas elas dependiam diretamente de uma cidade situada na fronteira com o

Oriente e palco central das grandes transformações ocorridas na época, Constantinopla –

capital do Império Bizantino – foi o grande exemplo seguido, de perto, pelas comunas

italianas.

A relação entre Constantinopla e as comunas italianas data desde princípio do

século IX, quando Bizâncio abriu seus portos a seus vassalos43 italianos. Convidando-os a

sua vida comercial, incentivou-os a participar de suas sociedades e a conhecer seus contatos

comerciais. No século X – com o império bizantino em seu auge – a decisão não poderia

parecer mais correta, mas a situação não demoraria a se inverter. Frente aos normandos44 e

aos turcos seljúcidas45, o imperador Aleixo I46 precisou recorrer ao auxílio dos venezianos

que, essenciais à vitória47 bizantina, souberam se aproveitar deste fato e adquiriram diversas

vantagens comerciais nos portos do império. Ficaram isentos de qualquer imposto

alfandegário e sem qualquer limitação residencial em todo o território bizantino. A

conquista posterior de vantagens parecidas pelas principais cidades mercantis italianas,

42 CHAUNU, op. cit., p. 68-69. 43 O Império Bizantino já se constitui em uma grande potência comercial, enquanto a atividade mercantil apenas dava seus primeiros passos na Europa medieval. 44 Etimologicamente “Homem do Norte”, conotação geral que o homem medieval atribuía aos germanos. 45 Os Turcos Seljúcidas eram uma tribo de nômades conduzidos por um homem chamado Seljuque. Instalaram-se perto de Bucara (agora no Uzbequistão) no final dos anos 900. 46 Aleixo I Comneno (ou Alexios I Komnenos, em grego) nasceu em 1048 e faleceu em 1118. Terceiro filho de João Comneno e sobrinho de Isaque I Comneno. Seu longo reinado (quase 37 anos) foi cheio de dificuldades, como enfrentar as dificuldades causadas pela chegada dos cavaleiros da Primeira Cruzada, que havia sido provocada, em grande medida, a seu próprio pedido, por intermédio de embaixadores enviados ao Papa Urbano II no Concílio de Piacenza de 1095. 47 Os Normandos foram contidos. Já os turcos após a batalha que confirmou a dominação bizantina na Ásia Menor, avançaram e fundaram o que viria a ser o Império Turco.

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como Gênova e Pisa, agravou a situação interna de Bizâncio, já que nem os mercadores

gregos partilhavam destas vantagens em seu próprio território48.

A relação entre as cidades italianas e o império bizantino seria gravemente abalada

pelas Cruzadas. A “Guerra Santa” foi um processo lento, mas irreversível, da derrocada da

dominação bizantina de Constantinopla. A relação entre a cristandade ocidental –

representada pelo papado – e a oriental – com centro em Bizâncio – não era das mais

amenas. Sempre que a cristandade ocidental tentava se expandir em direção ao Levante, era

barrada – geograficamente – pelos seus pretensos aliados da cristandade oriental49, que

freqüentemente se confrontavam com os seus vizinhos muçulmanos, não por questões

religiosas, mas sim por questões políticas e expansionistas.

As Cruzadas constituem muito mais um resultado de todo um contexto do que um

ponto de partida. Ela teria sido impensável sem características como o predomínio

marítimo italiano, a grande expansão demográfica européia, ou mesmo o restabelecimento

político do reino de França50. São nas cruzadas, também, que pela primeira vez na história

temos um movimento militar sistematizado com caráter permanente e sagrado.

A primeira cruzada foi convocada em 1095, pelo papa Urbano II. O papado

realizava uma antiga ambição, e movia uma ação militar, com ares de guerra santa, que

tentava unir toda a Europa cristã contra o inimigo mulçumano. Apesar de representarem o

ápice da influência do papado em questões, antes, totalmente excluídas do âmbito religioso,

a direção da guerra santa pelo papado era muito mais figurada do que real. Os papas

instituíam as campanhas e as planejavam, mas o controle efetivo estava nas mãos dos reis e

dos nobres que as lideravam nos campos de batalha.

Os próprios objetivos reais da guerra transcendiam à religiosidade pura e

simplesmente. Esconder os objetivos políticos e econômicos desta empreitada é enxergar

somente a coloração dada às batalhas contra os mouros do oriente como uma guerra pela fé

verdadeira51.

A grande disputa das cruzadas foi a Terra Santa para ambas as religiões envolvidas,

Jerusalém. Nos primeiros embates as vitórias tenderam ao lado católico, e graças a

48 LOPEZ, op. cit., p.290. 49 FERNANDES, F. R. Cruzadas na Idade Média. In: MAGNOLI. D. (org.). História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2006. p. 103. 50 LOPEZ, op. cit., p.253.

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plantações exóticas; fluxo constante de peregrinos; se constituir como ponto estratégico no

caminho do Ocidente ao Oriente; ter uma base econômica sólida; e instituições copiadas

dos franceses, um reino cristão de Jerusalém52 se sustentou com sucesso. Mas ao contrário

de Bizâncio, que há muito havia provado que guerras periódicas com objetivos limitados

eram o caminho a se seguir por duas religiões demasiadamente fortes para se aniquilarem53

mutuamente, os europeus não souberam administrar os tempos posteriores aos dos grandes

conflitos. O ódio sem razão ao inimigo muçulmano possuía partidários demais –

principalmente entre as ordens de monges guerreiros, como os templários54, os teutônicos55

e os hospitalários56 – para que uma tentativa de paz fosse levada a sério na região.

Os cruzados europeus encontrariam em Saladino57 o seu maior problema. Saladino

destacou-se pela primeira vez em batalhas no Egito, sendo logo nomeado vizir e –

posteriormente – sultão deste reino. Unifica o Egito, a Síria e a Mesopotâmia sob seu

51 Ibid. p. 254. 52 Jerusalém esta que possuía mais defesas naturais do que normalmente citado. Ao Ocidente se apoiava no mediterrâneo, dominado pelas esquadras italianas; ao Norte no pequeno estado armênico da Cilícia, criado por refugiados da Grande Armênia – em poder dos turcos – e no Império Bizantino; e ao Oriente e ao Sul cercado pelas montanhas e pelo deserto. 53 LOPEZ, op. cit., p. 256. 54 Criada em 1118, na cidade de Jerusalém, por nove cavaleiros de origem francesa, a Ordem dos Templários, cujo nome completo era Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, tornou-se, nos séculos seguintes, uma instituição de enorme poder político, militar e econômico. Seu lema era "Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini Tuo da gloriam" (Não a nós, Senhor, não a nós, dai a glória ao Vosso nome). À sua criação limitou-se a ocupar e defender os territórios cristãos conquistados na Terra Santa durante o movimento das Cruzadas. Nas décadas seguintes, mesmo com as derrotas no território oriental, o crescimento político e econômico da Ordem a beneficiaram com inúmeras doações de terras na Europa que lhe permitiram estabelecer uma rede de influências em todo o continente. 55 A Ordem Teutônica foi uma ordem militar cruzada, vinculada à Igreja Católica por votos religiosos ao papa Clemente III. Formada no final do século XII em São João D’Acre, na Palestina, usavam vestes brancas com uma cruz negra. Com a derrota das forças cristãs no Oriente Médio, se deslocaram para a Transilvânia, a convite do Rei André II da Hungria. Lá fundam a cidade de Kronstadt (atual Brasov, na Romênia), mas são expulsos em 1225. Transferiram-se, então, para o norte da Polônia, onde criaram o Estado independente da Ordem Teutônica. A agressividade colocava em risco reinos próximos, e uma coligação de monarcas da área a derrotou. A partir deste ponto o poderio militar da Ordem iria se esvaecer cada vez mais, até deixar de existir completamente. Ainda assim a ordem existe até os dias atuais, com conotação apenas religiosa, trabalhando primordialmente com objetivos assistenciais. A cruz teutônica está na origem da "cruz de ferro" ainda utilizada nas forças armadas alemãs. 56 A Ordem dos Hospitalários (ou Ordem de São João de Jerusalém) é de tradição Beneditina. Foi fundada no século XI, na Terra Santa, com a intenção de cuidar dos hospitais e centros de tratamento dos feridos nas batalhas contra os muçulmanos. Mas rapidamente se tornou uma Ordem militar cristã com regra própria. Com as derrotas e a conseqüente perda do território oriental, a Ordem passou a operar a partir da ilha de Rodes, onde era soberana, e mais tarde em Malta, como estado vassalo do Reino da Sicília. Pode-se afirmar que a extinção desta ordem se deu com a sua expulsão de Malta por Napoleão. No entanto, os mesmos cavaleiros iriam instalar-se na ilha de Malta, doada por Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico, adotando a designação de "Ordem de Malta". 57 Em árabe, Salah al-Din Yusuf.

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comando, se tornado o grande chefe militar e político do mundo muçulmano. Em 1187

reconquista Jerusalém, expulsando as forças cruzadas do território. Essa vitória seria o

grande motivo para a convocação da Terceira Cruzada, pelo papa Gregório VIII. Apesar de

ter sido considerado o grande fardo das cruzadas pelos europeus, a Itália se beneficiou com

as vitórias de Saladino, afinal o reino de Jerusalém havia se reduzido a uma estreita faixa

litorânea, e os italianos, como a maior força marítima da Europa, aproveitaram a

oportunidade para negociar diversas vantagens nos entrepostos comerciais ainda em poder

dos europeus.

A relação da Itália com as cruzadas, em sua grande maioria, foi de caráter mais

indireto do que os reinos europeus vizinhos. É notável o fluxo comercial que a Itália

possuía com os inimigos da cristandade mesmo nos períodos de batalhas mais acirradas.

Por mais contrários que papas ou imperadores se manifestassem, a atividade mercantil

nunca cedeu – em sua totalidade - a estas pressões políticas. Muçulmanos do levante, da

África do Norte e da Hispânia promoviam uma movimentação de capital e cultura tão farta

que não havia motivos suficientes para cessá-la. Este fato, inclusive, auxiliou os italianos a

possuírem diversas vantagens comerciais em portos que a cruzada sequer alcançou58.

O envolvimento direto59 dos italianos aconteceria apenas na Quarta Cruzada.

Também chamada de “Cruzada Comercial”, foi convocada pelo papa Inocêncio III, em

1198, ao doge60 veneziano Dândolo. Com objetivo de reconquistar Jerusalém, em posse dos

muçulmanos desde a vitória de Saladino, os cruzados sequer chegariam no território

destinado. Devido a vários contratempos que se apresentaram no início da campanha –

causando uma grande perda de investimentos – os cruzados resolveram conquistar Zara,

porto cristão do Adriático, concorrente61 de Veneza, que se localizava na Dalmácia. Mesmo

com a ameaça de serem excomungados pelo papa se atacassem território cristão, os

cruzados saqueiam e dominam a cidade. Passado o inverno partem em direção a Bizâncio –

58 LOPEZ, op. cit., p. 290. 59 FERNANDES, op. cit., p. 119. 60 Palavra vêneta, do latim dux. É a denominação do chefe, ou primeiro magistrado, eleito das antigas repúblicas de Gênova e Veneza. 61 DORÉ, A. Diplomacia e relações comerciais entre o Oriente e o Ocidente: duas experiências do século XIII. Tempo, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 137-158, dez. 2000. p. 139.

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grande aliada62 do papado – e em 1204 promovem um grande saque à cidade de

Constantinopla, a capital do império. Não se contentando em somente extrair as riquezas

deste território, nomeiam um imperador latino e dividem a extensão do império, estava

fundado o Reino Latino de Constantinopla. Este acontecimento serviu para que o abismo

entre as igrejas Ocidental e Oriental se estabelecesse definitivamente.

A cidade sofreu um golpe tão terrível que nunca mais conseguiu se recompor,

mesmo depois de voltar a ser grega em 1261. A ironia também era imensa, já que o golpe

final foi dado pelos maiores aliados e herdeiros de uma cultura bizantina, os venezianos.

*

As cruzadas não se constituíram como o único acontecimento externo a interferir de

forma crucial na organização política e cultural da Itália medieval. O chamado Império

Romano Germânico63, que compreendia os territórios da Francia Oriental64, era um vizinho

que, por suas características expansionistas e uma fronteira próxima, apresentava-se como

uma ameaça iminente, contida apenas pela própria convulsão política interna, que assolava

seus territórios constantemente.

Quando chega ao poder, em 1152, Frederico I65, por ter laços de parentesco com as

duas dinastias principais – e disputantes – do período, os Hohenstaufen66 (guibelinos) e os

Welf (guelfos), é aclamado como o “Príncipe da Paz” 67. Primeiramente trata de consolidar

sua hegemonia nos territórios internos – carentes, há séculos, de uma liderança central

efetiva – para depois se lançar à sua grande empreitada externa, restaurar o poder nas

comunas italianas – há muito independentes – e ao papado, detentor de enorme poder na

península italiana, principalmente após sua aliança com os normandos.

62 Mais por convenção do que por afinidade. As cristandades orientais e ocidentais nunca se tornariam única, mas ainda assim eram mais próximas uma da outra do que o eram do Islã. Bizâncio também era uma posição importante para se conservar cristã, afinal fazia fronteira com o inimigo muçulmano. 63 Algumas vezes referido como Império Romano da Nação Germânica. O adjetivo Sacro – ou Santo – iria aparecer, apenas, após o advento de Frederico I. 64 Atuais Alemanha, Bélgica, Países Baixos e Áustria. Comumente referida, também, como Germânia ou Regnum Teutonicorum. 65 Também conhecido como Frederico Barba-roxa, Barbarossa ou Barbarruiva. 66 A casa dos Hohenstaufen, ou dinastia Staufer, foi uma importante linhagem germânica que, durante os séculos XII e XIII, dominou o Sacro-Império Romano Germânico. Casamentos e alianças políticas fizeram esta família prosperar nas maiores casas reais européias. O nome deriva do castelo de Stauf.

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Frederico I começa sua campanha dominando algumas comunas italianas do norte.

Dirige-se então a Roma, que ainda se encontrava em meio a uma agitação política, causada

pela expulsão do papado e a constituição da comuna dominada pelo monge Arnaldo de

Bréscia, discípulo de Abelardo68. Em uma inteligente manobra para cativar a instituição

máxima da Igreja – um inimigo demasiadamente forte e necessário as intenções de

Frederico I – ao tomar a cidade de Roma, o barbaruiva captura Arnaldo e o entrega ao papa

Adriano IV em troca da coroa imperial. Já coroado imperador, com a ajuda de pequenas

cidades lombardas, cerca Milão e, em 1162, a saqueia e consolida um poder hegemônico

em grande parte da península. Após essa sucessão de vitórias na Itália, precisa voltar a

Germânia para reafirmar sua hegemonia abalada pelos príncipes eleitores. Na Germânia, de

fato, os imperadores eram apenas figuras escolhidas por uma oligarquia principesca69, esta

sim, detentora efetiva de um poder político. A questão italiana se torna importante a

Frederico I e seus descentes devido à constatação de que apenas com a coroação pelo sumo

pontífice romano poderia se obter um poder referente a toda Europa cristã.

Mas a independência das comunas italianas já estava devidamente impregnada no

pensamento político da época70, e qualquer poder que tentava as subjugar foi,

historicamente, combatido. Não poderia ser diferente no caso germânico. O início da

derrocada do poder de Frederico I viria em Legnano, no ano de 1176, quando uma liga de

cidades lombardas italianas, apoiadas pelo papa Alexandre III, Veneza e os normandos da

Sicília, reconstroem Milão – a chamando de Alexandria, em homenagem ao novo papa – e

vencem os exércitos do imperador71. A derrota política viria sete anos após a derrota militar

e, em 1183, Frederico I reconhece a liga lombarda, abdica de sua intervenção direta na

escolha dos magistrados das comunas italianas e fica restrito apenas a um poder de

investidura sobre as mesmas72. Apesar da efetiva derrota, tanto política quanto militar,

Frederico I soube lidar com a nova realidade, e nos anos finais de sua vida – morre em

1190 – teceu alianças pelo território, agora livre, da Itália e casou seu filho mais velho,

67 ORLANDI, E. (dir.). Os Grandes da História: Frederico II. Cacem: Verbo, 1976. p. 6. 68 Pedro Abelardo (1079 – 1142), importante filósofo de século XII. Sua obra máxima, “Dialética”, constantemente usada como manual nas universidades medievais, foi considerada uma das principais e mais influentes produções literárias sobre o assunto até meados do século XIII. Uma de suas teorias mais marcantes era a de se opor ao primado temporal da Igreja. 69 ORLANDI, op. cit., p. 6. 70 Essa tradição remonta aos tempos clássicos da antiguidade. 71 LOPEZ, op. cit., p. 230.

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Henrique VI, com a herdeira do reino normando da Sicília, fato que iria criar um novo

centro das tentativas germânicas de unificação da península italiana.

Henrique VI, após conseguir dominar o reino da Sicília, estende seus domínios a

Lombardia e consegue pressionar o Império Bizantino a ponto de dominar seus territórios

ocidentais. Força o papa a aceitar sua hegemonia, e ao render o monarca do reino da

Inglaterra, que retornava de uma cruzada, o fez pagar enorme resgate e lhe prestar

homenagens. Em 1197, Henrique VI era, talvez, mais poderoso que o pai, mas com certeza

mais temido e odiado. Morreu antes que seus inimigos pudessem se reestruturar e se unir

contra ele73.

Apesar da morte precoce de Henrique VI, e a impossibilidade de seu sucessor direto

tentar expandir seus planos – afinal Frederico II possuía apenas três anos quando à morte

do pai – a península italiana não conheceu um período de descanso político. Mas, diferente

das tentativas anteriores, o poder que agora tentava unificar o território era um “poder

interno”, o papado, na figura do pontífice Inocêncio III74.

Papas, de um modo geral, se achavam mais preparados para exercer um papel

internacional, afinal a religião possuía fronteiras mais amplas do que os territórios laicos.

Mas o poder do papado, mesmo no âmbito religioso, era bastante flutuante, e dependia não

apenas de quem assumia a posição de pontífice máximo, mas também de diversas

conjunturas sociais internas e externas.

Uma influência direta do papado era sentida apenas nos mais altos cargos da Igreja

católica, normalmente relacionada diretamente a cúria romana ou aos territórios papais75,

no centro da península italiana; o baixo clero se encontrava muito mais ligado aos poderes

laicos regionais. Outro fator limitador era que o papado, apesar de contar com o “aval

divino”, não possuía alguns apoios básicos e fundamentais para exercer um poder terreno

mais efetivo, lhes faltava características essenciais como o princípio dinástico e o prestígio

militar. Seu principal trunfo sempre foi a supremacia indiscutível sobre a ordem

eclesiástica, ainda assim este era um fator de cunho mais teórico do que prático.

Concordatas do século XII fizeram que reis e imperadores garantissem ao papa o direito de

72 ORLANDI, op. cit., p. 7. 73 LOPEZ, op. cit., p. 231. 74 Era, também, regente-guardião de Frederico II. 75 LOPEZ, op. cit., p. 225.

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dar aos altos prelados o comando religioso formal, mas ao mesmo tempo a nomeação

destes prelados se deviam aos poderes laicos, mudava-se apenas, regionalmente, o grau

desta ingerência76.

Imaginar, na Itália, a grande chance de realizar o seu reino terrestre, e tornar a

famosa “Doação de Constantino” 77 em uma realidade se tornava uma missão cada vez mais

difícil. Em meados do século XII, o norte italiano já contava com as cidades-estados

organizadas em um sistema de comunas independentes; ao sul Rogério II reunira os reinos

normandos em uma unidade política, mas como seus inimigos naturais eram os mesmos do

papado – imperadores teutônicos, bizantinos e potências muçulmanas na África – forjou-se

uma aliança natural com a Igreja.

No entanto, Inocêncio III, empregando sabiamente os vastíssimos recursos da Igreja

católica a serviço da política, consegue elevar a soberania da instituição católica a níveis

jamais alcançados anteriormente. Confirmou-se um poder efetivo nos territórios papais da

Itália central, converteu o reino da Sicília – ao assumir o posto de guardião do herdeiro,

Frederico II – a um protetorado da Igreja e estendeu um poder suserano efetivo aos reinos

cristãos entre a Bulgária e o reino da Inglaterra. Mas assim como Henrique VI morreu antes

de completar seus objetivos78.

A última e maior tentativa de unificação do território italiano sob uma hegemonia

germânica viria com Frederico II, herdeiro do trono do reino normando da Sicília e

protegido do papa Inocêncio III. Filho do casamento arranjado entre Henrique VI – filho do

barbarruiva – e Constança – filha do rei normando da Sicília, Rogério II – Frederico II

estaria envolvido com problemas políticos desde a sua infância. Com a morte de seu pai aos

seus três anos, sua mãe, Constança, assume o trono do reino da Sicília. Se na breve

convivência que possuíram, Henrique VI tentou transformar seu filho em um teutão como

ela, as intenções de sua mãe eram exatamente opostas79. Constança, já aliada ao papa

Inocêncio III, se opõe à ocupação no território siciliano das tropas germânicas, que

costumavam acompanhar seu marido, e não se delonga para expulsá-las. Com a morte

76 Ibid. 77 Documento apócrifo convenientemente falsificado pela própria Cúria Romana. Segundo este simulado protocolo, Constantino havia cedido ao Papa Silvestre I, e seus sucessores, não só o palácio de São João de Latrão, o que de fato fez, mas também a possessão de toda a Itália e a dignidade imperial. 78 LOPEZ, op. cit., p. 231. 79 ORLANDI, op. cit., p. 18.

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precoce de sua mãe, Frederico II é deixado aos cuidados do papa, que por possuir claras

intenções terrenas – como citado anteriormente – relegou papéis irrelevantes a Frederico II,

que mesmo atirado ao segundo plano, tratou de aproveitar a intima ligação com o papado

para receber uma educação ampla e formal.

Fig. 1.2 – Imagem de autoria desconhecida que retrata o nascimento de Frederico II.

Apesar de ter recebido a coroa do reino da Sicília em 1198 – em uma manobra de

Inocêncio III para beneficiar sua própria área de influência – é em 1208, quando completa

quatorze anos, e com isso a maioridade, que começaria a exercer papel fundamental e

efetivo nas relações políticas da região. Mesmo contando, ainda, com forte influência no

reinado e na pessoa de Frederico II, o papa Inocêncio III não pretendia se sentir pressionado

pelo mesmo monarca em suas divisas norte e sul, assim em 1209, coroa o guelfo – e com

isso opositor direto da família de Frederico II, os Hohenstaufen – Otão IV como imperador

do Sacro-Império Romano Germânico. Seria um equívoco, pois menos de um ano mais

tarde, Otão IV, em desacordo com os inúmeros tratados feitos com o papa, marcharia

diretamente aos reinos normandos da Itália de Cápua, Nápoles e Salerno. Apesar de ter sido

excomungado por Inocêncio III, o grande golpe que o faz voltar a Germânia e desistir da

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ofensiva italiana80 é a sua deposição por alguns bispos e príncipes germânicos que, em

1211, elegem Frederico II ao seu lugar81. Apesar de ter aceitado o grande legado de sua

mãe, transformando a Sicília no centro político e cultural de seu reino, Frederico II,

aceitando a coroa a ele oferecida pelos nobres germânicos, também deixava claro que as

intenções de uma unificação entre o reino da Sicília, a Itália setentrional e o Império

Germânico, estava definitivamente em seus planos futuros.

Apesar de ter sido eleito, o poder de Frederico II ainda era muito baseado nas ações

papais que o impulsionava, e um confronto – inevitável – com Otão IV, que possuía um

poder já consolidado no território germânico, era extremamente desfavorável ao monarca

siciliano. O papa, mais uma vez, interfere diretamente nas relações políticas e, ao forjar

uma aliança entre Frederico II e o rei Filipe Augusto, de França82, garante a vitória do

primeiro no território germânico. A solução imediatista que o papado havia arranjado ao

problema criado por Otão IV, recriou uma configuração política extremamente

desfavorável à instituição católica. Frederico II à frente dos reinos da Sicília e dos

territórios da Germânia pressionava, como antes fez seu avô e seu pai, os territórios papais

pelo norte e pelo sul. Voltou-se a configuração do “quebra-nozes”83 germânico. Mas

Inocêncio III, um dos grandes personagens a causar este resultado, pouco sofreria as

conseqüências, pois em 1216 – um ano, apenas, após a coroação formal de Frederico II na

Germânia – morreria de malária na cidade de Perugia.

Em 1220, Frederico II finalmente recebe a coroa imperial em Roma, e com isso o

título de imperador do Sacro-Império Romano Germânico. Depois da coroação, passou

seus dias ora na Sicília, ora em cruzadas, já que o novo papa, Honório III, era um grande

entusiasta das mesmas84, e seus acordos teriam, quase sempre, como condição uma ida ao

Oriente para se combater os “inimigos da fé verdadeira”. Para estabelecer, também, um

governo na Germânia sem que fosse preciso sua presença física promulga, no mesmo ano

de sua coroação a imperador, o Tratado com os príncipes da igreja85. Este acordo provia aos

bispos da Germânia o almejado poder secular, em troca de seu apoio à coroação de seu

80 Ibid. p. 25. 81 Manobra, esta, também articulada pelo pontífice máximo. 82 ORLANDI, op. cit., p. 26. 83 Ibid. p. 25. 84 Ibid. p 35. 85 “Confoederatio cum principibus ecclesiasticis”

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filho mais velho, Henrique, nestes territórios. No entanto, em 1231, Henrique se aliaria à

liga Lombarda contra seu pai, que ao derrotá-lo elevaria Conrado86, seu outro herdeiro e já

rei de Jerusalém, a rei da Germânia.

Resolvida a questão germânica, o imperador parte em campanhas militares sobre os

territórios setentrionais da Itália. Como estes eram aliados ao papa, o pontífice Gregório IX

excomunga Frederico II pela segunda vez87, e chega a chamá-lo de “Anti-Cristo”. Seu

grande objetivo, assim como o de todos que o antecederam na tentativa de unificação do

território italiano, era chegar a Roma – sede central do papado – e dominá-la. Mas o

caminho ao centro do poder religioso era longo e cheio de obstáculos. As campanhas eram

lentas e nem sempre avançavam em linha reta. Ainda assim, a sombra de Frederico II e seu

filho Enzio – nomeado vigário imperial da Itália setentrional – era cada vez maior em

Roma, e uma vitória destes parecia apenas uma questão de tempo. A grande chance de

Frederico II aparece quando o papa, ao convocar um concílio em Roma, é pego de surpresa

por um boicote da cidade guibelina de Pisa que, capturando os cardeais e prelados que se

encontravam num barco partindo de Gênova, enfraquecem as defesas romanas. O

imperador dirige suas tropas a civitas, deixando no caminho um rastro de cidades

arruinadas e queimadas, de Úmbria a Grottaferrata. Com as inúmeras derrotas, o papado faz

propostas de paz ao imperador, que aceita e se dirige a Roma pacificamente. No caminho a

cidade descobre que as condições ao tratado de paz incluíam sua rendição incondicional, e

se prepara para reiniciar as batalhas88. Mas em Agosto de 1241, o papa Gregório IX morre,

e Frederico querendo mostrar que a sua guerra não era dirigida contra a instituição da Igreja

de Roma, mas sim contra aquele papa, retira as suas tropas e liberta dois cardeais da prisão

de Cápua.

O processo de escolha do novo papa se inicia, e Frederico II solicita que seja um

escolhido um pontífice com objetivos conciliatórios. Godofredo Castiglione é escolhido

como novo pontífice, mas sob o nome de Celestino IV morre dezessete dias após ter sido

indicado. Em 1243 é eleito, finalmente, o novo papa, e a escolha não poderia ter sido pior

aos olhos do imperador. Sinibaldo de Fieschi, conde de Lavagna – com o nome de

86 Conrado é filho do segundo casamento de Frederico II, com Violante, a filha do rei de Jerusalém. Constança, sua primeira esposa, morreria em 1222. 87 É excomungado, pela primeira vez, logo na eleição do papa Gregório IX. Devido ao seu comportamento mais diplomático do que agressivo nas preparações à Sexta Cruzada.

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Inocêncio IV – assume a posição de pontífice máximo. O jurista genovês, agora papa, seria

inimigo irredutível de um Frederico II em fim de vida89.

As tentativas de um acordo são sempre boicotadas, ora por um lado, ora por outro; e

um acordo definitivo parece ser impossível de acontecer. Frederico II tenta chegar a Roma

pela força, mas o papa se refugia em Gênova. Nesta cidade, longe do alcance do imperador,

não apenas renova sua excomunhão, como a estende aos seus herdeiros Enzio e Manfredo.

É de Gênova, também, que consegue partir para Lyon, com intuito de convocar o concílio

que seu predecessor havia fracassado90. Mesmo com um número reduzido de prelados

presentes, a decisão foi tomada, Frederico II estava destituído do poder imperial. Inocêncio

IV também enviou somas consideráveis de dinheiro a Germânia para incitar uma revolta

contra seu inimigo. Em 1246 os planos do papa se convertem em resultados, e os príncipes

germânicos elegem um novo rei.

A caminho de Lyon, onde ele esperava finalmente resolver a disputa com o papa,

resolve a questão italiana nomeando diversos familiares ou amigos aos cargos de vigários

de várias terras; casando o seu filho Manfredo com a filha de Amedeo di Savoia; e

assegurando a submissão do marquês de Monferrato, conseguindo, assim, controlar as

passagens aos Alpes orientais. Inocêncio IV, temendo um ataque direto de Frederico II,

procura auxílio no monarca do reino de França, Luis IX, mas este, não desejando sair de

sua cômoda posição de neutralidade, recusa uma ajuda direta ao papado.

No entanto, Frederico II nunca chegaria a Lyon. Em 1247, a cidade lombarda de

Parma se aliaria aos guelfos e expulsaria todos os funcionários do império. O regente

Enzio, filho do imperador, pede ajuda a seu pai para retomar a cidade. Frederico II, já

doente, com poucos aliados e sem fundos para financiar um cerco longo, sofreria uma

derrota frente às forças aliadas ao papa da qual nunca se recuperaria, e veria na destruição

da cidade usada para cercar Parma o desmoronar do seu império91.

Morreu em 13 de Dezembro de 1250. Após sua morte a dinastia dos Hohenstaufen

nunca mais obteria a importância do passado. Frederico II também foi um imperador

aclamado pela sua cultura. Falava nove línguas e incentivava os estudos e artes em geral.

88 ORLANDI, op. cit., p. 66. 89 Ibid. p. 69. 90 Ibid. p. 70. 91 Ibid. p. 72.

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Fundou, em Nápoles, a primeira universidade laica92, e foi mestre da Escola Siciliana de

Poesia, e reescreveu, também, um manual sobre a arte da falcoaria93. Tentava, com isso, se

aproximar de uma herança da Antiguidade Clássica, sendo considerado, por alguns autores,

como um precursor do Renascimento94.

Todos estes movimentos ajudam a entender o porquê das tentativas de unificação

nacional terem sido tão tardios tanto na Germânia quanto na península italiana. Durante

séculos a única idéia de unificação era pensar nas duas realidades conjuntamente, mas havia

forças demais a se conciliar. Reproduzir um império nestas circunstâncias era uma tarefa

praticamente impossível, e um domínio efetivo não seria obtido em nenhuma das tentativas

citadas. Era mais fácil, e mais útil à época, esforçar-se menos a uma unidade do que à paz95.

*

Após traçar um breve contexto do Ocidente, passa-se ao estudo dos caminhos que

levariam ao Oriente, e de quais personagens se lançariam em tão perigosa empreitada.

92 Ibid. p. 41. 93 De arte venandi cum avibus ("Da arte de caçar com aves"). 94 LOPEZ, op. cit., p. 317. 95 Ibid. p. 231.

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CAPÍTULO II

O PROTÓTIPO DO VIAJANTE

Viajar é um hábito comum aos nossos tempos. Massas de turistas se deslocam

periodicamente através do globo em busca de diversão, descanso ou mesmo aventuras. A

prática se encontra tão intimamente ligada a algumas tecnologias atuais que imaginar esse

fenômeno em tempos remotos se torna uma tarefa difícil a grande maioria. Mas, como já

visto no capítulo anterior, longas viagens não são exclusividade de nossa época. O surto

comercial no medievo impulsionou os povos cada vez mais longe; as tecnologias

necessárias a estas empreitadas evoluíam cada vez mais rápidas; e as rotas mais utilizadas

se tornavam cada vez mais conhecidas e mapeadas.

Mas quais eram os personagens que atuavam nestas viagens? E, principalmente,

quais os motivos que os impeliam a realizá-las?

Entre os séculos XI e XIV, as grandes viagens ao Oriente, quase sempre em busca

de finas especiarias, são normalmente as mais lembradas e festejadas1 pela historiografia.

Entretanto, as pequenas rotas internas, não apenas comerciais, mas também diplomáticas,

foram, sem qualquer dúvida, o laboratório e as provedoras daquelas. As viagens, curtas ou

longas, são extremamente freqüentes na Idade Média. Nobres, ligados pelo sangue,

viajavam a diversas casas aristocráticas espalhadas pelo território europeu; viajavam por

questões administrativas; em direção as famosas feiras2; ou mesmo por lazer. As cortes

itinerantes também estavam bastante ligadas a necessidade de um monarca se fazer presente

na extensão de seu território, ainda mais nas áreas revoltosas ou pouco dispostas a

reconhecer sua soberania3. Estas comitivas oficiais chegavam a mobilizar centenas de

pessoas à volta de um nobre ou de um grupo destes4. A organização era tão prezada que

cada carruagem, cada integrante de uma caravana, possuía uma função definida; as

acomodações eram tão importantes que alguns itens da mobília pessoal do nobre eram

1 LE GOFF, J. O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, 1990. p. 32. 2 LOPEZ, R. O Nascimento da Europa. Lisboa: Edições Cosmos, 1965. p. 303. 3 LABARGE, M. W. Viajeiros Medievales: los ricos y los insatisfechos. Madrid: Nerea, 1992. p. 65. 4 Ibid. p. 11.

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levados com o intuito de o agradar durante toda a sua jornada. O alto sacerdócio também

viajava constantemente por diversas razões, visitava as dioceses para demonstrar um poder

presente e atento; atendia a concílios da Igreja em diversas localidades; e, periodicamente,

se dirigia a Cúria Papal, em Roma5.

Estas viagens de personagens proeminentes da época eram acompanhadas de grande

alarde. A passagem de uma comitiva por uma cidade – seja ela grande ou pequena – muitas

vezes era motivo de festa e assombro. Incitavam a curiosidade sobre quem seria o

personagem central de tão grande comoção, afinal, quanto maior a quantidade de

acompanhantes, de maior importância deveria ser o centro da comitiva. No entanto, muitas

vezes o espanto causado pela imensidão de uma comitiva se tornava um problema real. As

paradas destas caravanas eram pré-estabelecidas no momento do planejamento da rota, e os

pontos de parada mais privilegiados eram os castelos de nobres e os mosteiros, que muitas

vezes haviam sido construídos a beira das estradas com o intuito próprio de acolher

viajantes cansados, mesmo com o hábito da maioria das grandes caravanas de levar suas

próprias provisões e apenas procurar um lugar para prepará-las, poucos estabelecimentos

possuíam a infra-estrutura necessária para acomodar as comitivas cada vez maiores, e os

presentes dos nobres aos locais que os acolhiam dificilmente cobriam os custos provocados

pelos mesmos. Por isso estas viagens muitas vezes implicavam na proeminência de certos

estabelecimentos dotados da capacidade de acolher a comitiva que fosse – como Cluny6 –

ou mesmo na falência de tantos outros7.

Estas comitivas que transitavam nas rotas internas européias possuíam outro grande

diferencial das longas rotas comerciais, que constituía na preocupação com o tempo em

trânsito. Diferente das viagens mercantis, que almejavam chegar em menor tempo possível

a um local propício a se exercer a atividade comercial, as comitivas oficiais prezavam,

acima de tudo, o conforto dos nobres que as realizavam. A azáfama de atingir o destino

final estava restrita aos mensageiros, que deveriam anunciar a chegada da comitiva

principal. Muitas vezes, a lentidão de uma caravana era também determinada pelas forças

naturais, que ainda impunham grandes limites aos viajantes da época. Um simples rio sem

5 Ibid. p. 14. 6 Construída no séc. X, localiza-se na região da Borgonha, e se constitui como uma das abadias mais famosas do medievo. 7 LABARGE, op. cit., p. 53.

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ponte poderia ocasionar um desvio de dias de jornada ou a espera alongada de um vento

favorável para atravessá-lo; mudanças bruscas de temperatura também poderiam

interromper, por longos dias – ou mesmo definitivamente – algumas expedições,

representando, inclusive, o “grande terror”8 dos que realizavam rotas marítimas

freqüentemente.

No entanto, as rotas internas – em uma visão mais ampla – não representavam

apenas caminhos destinados a reinos vizinhos; constituíam-se, também, como as grandes

iniciadoras das rotas externas9. Um exemplo bastante claro desta relação é o grande fluxo

de pessoas e de melhorias nas rotas européias destinadas a Veneza e – em menor escala – a

Gênova10. Estas duas cidades italianas representavam os pontos de saída da Europa ao

Levante, e grande parte dos comerciantes que desejavam se dirigir ao longínquo Oriente,

primeiramente se colocavam a caminho destas cidades para acumular conhecimento e rotas

favoráveis a esta empreitada.

As longas viagens foram, também, as grandes impulsionadoras e utilizadoras das

tecnologias da época, ao invés de contar apenas com a memória ou a indicação de guias de

confiança – muitas vezes as bases geográficas de um nobre e sua corte – necessitavam de

mapas cada vez mais detalhados, muitas vezes produzidos pelos próprios comerciantes que

precediam os realizadores e melhorados pelos seus usuários posteriores. Outros artifícios,

como salvo condutos11, capital e conexões, deveriam ser bem estipulados e planejados12,

pois o risco de um empreendimento destes era consideravelmente alto. Ao perceber isso,

nota-se que o pioneirismo, tão aclamado nesta época sob diversas formas, não passava de

uma superação de marcas anteriores, já que quanto maior à distância do centro que apoiava

uma expedição, maior era a necessidade de uma conexão com uma cidade próxima, pré-

estabelecida. Essa constância das rotas mais longas que estabelece a importância das

ligações duradouras, o envolvimento de comerciantes em grandes acontecimentos

demonstra, claramente, a personificação de contatos entre grupos maiores que os

8 Ibid. p. 61. 9 PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Unesp, 2000. p. 152-153 10 LABARGE, op. cit., p. 55. 11 Objeto – placas de ouro, ou outros metais – ou documento que representava uma defesa – ainda que não garantida – contra a captura ou o pagamento de taxas internas de quem os portava. Nas viagens que atravessavam diversos reinos diferentes, eram necessários um para cada monarca, e muitas vezes representavam o maior risco ou dificuldade de uma jornada.

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escolheram como representantes13; filiação esta delimitada quase sempre pela religião,

afinal mesmo em uma viagem realizada por um mercador com intenções claras de lucro

financeiro, este se denominava, antes de tudo, cristão, judeu ou muçulmano14.

Os povos muçulmanos eram grandes entusiastas do comércio, muito antes dos

territórios europeus. Localizados a margem do mediterrâneo, ou já nas mediações das rotas

ao Oriente, as viagens com destino a este extremo deveriam acontecer freqüentemente. Um

estudo mais aprofundado é dificultado pela pouca bibliografia disponível na historiografia

Ocidental, que por muitos anos enxergou nestes o inimigo a ser combatido, visão que,

atualmente, apenas começa a ser contornada no âmbito intelectual.

Os judeus também se lançavam ao mar com freqüência, principalmente os

residentes da península italiana. A atividade comercial não era novidade a este povo;

favorecidos pela condenação cristã a usura, sempre estiveram à frente da economia

mercantil européia, encontrando rivais – por muito tempo – apenas no, supracitado, mundo

muçulmano. As comuns peregrinações religiosas rumo a Terra Santa, muitas vezes,

constituíam um primeiro passo de viagens comerciais mais longas que chegavam à Índia e a

China15. Outro fator determinante era a falta de um território fixo a este povo, que ao se

encontrar espalhado por toda a Europa – e por grande parte do Oriente próximo – possuía a

vantajosa configuração de inúmeros contatos comerciais necessários as grandes

empreitadas naturalmente. Esta diáspora não apenas auxiliava nestas conexões, mas dotava

os relatos deixados pelos judeus com características distintas dos deixados pelos cristãos ou

muçulmanos, pois além de descrever toda a burocracia, cultura, economia e diversos outros

aspectos de um território visitado, os judeus privilegiavam descrever as comunidades de

seu povo nestas regiões, incluindo dados como o número total de judeus de uma certa

cidade e as posições sociais ocupadas pelos mesmos.

Os cristãos seriam os últimos a explorar todo o potencial comercial que se

apresentava a eles. Os viajantes cristãos eram, quase sempre, divididos em dois grandes

12 LABARGE, op. cit., p. 38. 13 Ibid. p. 23. 14 É fato que estas não eram as únicas “religiões” a navegar pelos oceanos, mas na quase totalidade dos casos estudados pela nossa historiografia, estas três divisões são as únicas citadas. 15 Um testemunho desta abrangência foi feito por Ibn Khordâdhbeh, na obra “The Book of Ways and

Kingdoms”. apud. ADLER, E. N. Jewish Travellers in the Middle Ages. New York: Dover, 1987. p. 2.

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grupos, os comerciantes16, que na maioria das vezes realizavam viagens periódicas, contudo

rápidas, com o intuito bem definido de lucrar no destino almejado; e os religiosos,

normalmente ligados a alguma ordem monástica. Os primeiros pouco produziram17, seus

relatos quase sempre se resumiam a constatações econômicas e cambiais. Os segundos

eram missionários – franciscanos, dominicanos, beneditinos, entre outros – que

visualizavam no oriente mongol uma região ainda carente de uma religião

institucionalizada. e, com isso, com chances de conversão aparentemente bastante

favoráveis. Com esse viés religioso, bastante conveniente aos monges viajantes, por

diversas vezes os reinos cristãos os aproveitaram como emissários de um poder político que

também possuía fortes intenções direcionadas ao Levante. Os monges representavam o

labor, e os reis o capital que financiava as viagens. Parecia um “acordo”18 favorável as duas

partes envolvidas. Mas com a fixação da sede do império mongol na China, e a apropriação

da cultura chinesa nas bases da sociedade das estepes, qualquer êxito na tentativa de uma

conversão em massa estava fadado ao fracasso. Ainda assim as escassas conversões

pontuais foram suficientes para aumentar o número de mosteiros, igrejas e conventos nos

novos territórios. Este avanço só foi possível devido ao contato pacífico19 com os

nestorianos e outras seitas cristãs dissidentes da Ásia, permitindo estudos e debates sobre o

monoteísmo junto a povos acostumados ao politeísmo desde tempos imemoriais.

*

Os relatos deixados por estes diversos viajantes teriam um impacto imediato na

época que os acolhia. Em um primeiro momento, as viagens eram deveras perigosas não

apenas pelas forças naturais ainda bastante superiores as tecnologias humanas, mas também

a grande ignorância da maioria dos viajantes sobre os povos e a própria geografia que os

aguardava por todo trajeto. É com a intensa produção de diários – ou simples, mas

competentes, relatos – de viagens que, a partir do século XII20, este problema principia a ser

16 PEDRERO-SÁNCHEZ, op. cit., p. 152. 17 Generalizar seria um erro, afinal o relato do comerciante Marco Polo é uma das fontes mais estudadas e completas do período. 18 Nem sempre formal, e muitas vezes subliminar. 19 LOPEZ, op. cit., p. 382. 20 LABARGE, op. cit., p. 21.

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34

sanado. Com isso os países da Europa Ocidental, ou mesmo do Oriente próximo, se tornam

menos desconhecidos e conseqüentemente, menos perigosos. Apesar de trazer grandes

benefícios aos realizadores das grandes viagens, estes relatos nem sempre constituíam uma

tentativa real de ilustrar uma cultura desconhecida, deve-se, sempre, prestar atenção nos

produtores dos mesmos, afinal a afirmativa “Em qualquer época, o valor dos relatos

depende da inteligência de quem os observa”21 não poderia ser mais verdadeira. Diversos

autores, inspirando-se na leitura dos textos produzidos sobre terras distantes, criam

personagens fictícios que enfrentam perigos reais e imaginários derivados da fantasia da

época e da, agora, vasta documentação referente às viagens comerciais, diplomáticas ou

mesmo às longas batalhas cruzadas22. Um exemplo bastante distinto deste tipo de obra é

apresentado nas aventuras de John Mandeville, descrito como um cavaleiro cruzado inglês,

nascido em St. Albans, que marcha em direção a Terra Santa em 1322 e, a partir deste

acontecimento, viaja por todo o mundo conhecido e desconhecido. Apesar da intenção de

ser uma descrição de acontecimentos reais, nota-se, na obra, uma clara apropriação direta

de conceitos e acontecimentos de obras anteriores e menos duvidosas23, como o Speculum,

de Vicent de Beauvais; as Etimologias, de Isidoro de Sevilha; e mesmo relatos de viagens

como os de Guilherme de Rubruck, Pian de Carpini, Oderico de Pordenone e do próprio

Marco Polo24.

Mesmo nas produções mais sérias do período, hoje, é necessário utilizar-se de uma

leitura crítica, pois como homens de seu tempo, os realizadores destas empreitadas

possuíam um imaginário mitológico muito forte, sendo este aspecto presente na grande

maioria dos textos, seja se fundindo com características reais, seja como menções

secundárias. No entanto este “fator mitológico” muitas vezes ajuda o leitor a compreender,

em um estudo futuro, a verdadeira dimensão de uma rota utilizada, era muito comum nos

relatos da época escrever não apenas sobre os lugares fisicamente visitados, mas também

sobre lugares próximos, de que muito se havia ouvido falar durante o percurso, e os

21 Ibid. p. 22. 22 CHAUNU, P. A Expansão Européia do Século XIII ao XV. São Paulo: Pioneira, 1978. p. 63. 23 A palavra “certeza” neste contexto é muito difícil de ser usada. Mesmo os viajantes mais considerados na historiografia tradicional, como Marco Polo ou Guilherme de Rubruck, possuem seus implacáveis críticos que os consideram grandes inventores de estórias. 24 LABARGE, op. cit., p. 26.

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elementos fantasiosos tendiam a aparecer mais freqüentemente nestas menções

“indiretas”25 do que nos fatos presenciados diretamente26.

A prática de se nomear oficiais responsáveis pela documentação de uma empreitada

já se torna fato comum, e os relatos começam a incluir dados tão específicos como perda ou

ganho em trocas cambiais de moeda nas diferentes regiões27. As cartas náuticas também

recebem uma melhoria significativa, não apenas de produção, e sim de significado.

Aparecem acompanhando obras impressas, ajudando o leitor a visualizar uma realidade

apresentada; e tornam-se presentes comuns a se oferecer nas casas nobiliárquicas aliadas,

representando não apenas a cultura do seu detentor, mas também os bons contatos

comerciais entre os envolvidos.

*

O interesse pelas culturas distantes e pelo desconhecido era tão disseminado na

sociedade28 que, casos como o do veneziano Niccolo de Conti, se tornavam cada vez mais

freqüentes29. O comerciante iniciou sua trajetória em Damasco, onde aprendeu a falar

árabe; partiria, então, com uma caravana aos desertos da Arábia, passando pelo rio Eufrates

e pela cidade de Bagdá. Alcançou a Índia pelo golfo Pérsico e percorreu rios como o

Ganges e Irrawaddy para penetrar no sul da China antes de voltar a Veneza, vinte e cinco

anos mais tarde, onde seria obrigado a contar sua viagem ao secretário do papa Eugênio IV

como punição pela sua conversão compulsória ao islamismo.

Outro viajante que em muito contribuiu para a compreensão dos freqüentes contatos

entre os dois extremos geográficos foi Oderico de Pordenone, que durante sua permanência

na China não apenas descreveu os costumes dos povos que encontrou, mas também os

elementos europeus que o haviam precedido nestas expedições. Oderico nasceu por volta

do ano 1286, em Villa Nuova, na cidade de Pordenone, localizada ao norte da Itália, na

25 Entre aspas devido à prática comum dos autores de não deixar claro se haviam ou não visitado o local descrito. Artifício muitas vezes usado para engrandecer a viagem realizada, a tornando bem maior do que realmente foi. 26 LABARGE, op. cit., p. 15. 27 PEDRERO-SÁNCHEZ, op. cit., p. 160. 28 LOPEZ, op. cit., p. 380. 29 LABARGE, op. cit., p. 261.

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região de Fruili. Em Udine, se uniu a ordem dos franciscanos, já bastante requisitada nas

missões diplomáticas e evangelizadoras orientais. Partiu ao Levante, como missionário,

entre 1316-18; iniciou sua jornada, como grande parte de seus contemporâneos, em

Veneza, partindo desta cidade para Constantinopla. Rumou, por mar, para Trebizonda30, e

depois por terra para Tabriz e Soltaniyeh31. Dirigiu-se, então, ao golfo pérsico, onde, da

cidade de Ormuz partiria, por mar, a Índia. Durante sua permanência no território hindu,

seu relato coincidiria com o de outro religioso que por ali pregara, Jordão Catalani – ou

Jordão de Severac. Este dominicano, nascido em Severac32, havia partido em 1302,

acompanhando Thomas de Tolentino, através do Negroponto, em missão religiosa rumo

aos territórios chineses. No entanto, sua missão não alcançaria o objetivo almejado. A

interrupção aconteceria na forma da perseguição muçulmana aos cristãos nos territórios

indianos. Jordão Catalani, o único sobrevivente33, fugiria para o Norte da Pérsia. Após essa

fuga Jordão embutiria um tom profético em todos os seus relatos e na sua forma de agir

como missionário; apontando na grande maioria de suas cartas a necessidade de um maior

controle da Europa cristã a barbárie oriental. Ao voltar para a Europa é nomeado bispo

pelo papa João XXII, e assume o cargo em Malabar, no sul da Índia. Sua obra “Mirabilia”,

escrita – provavelmente – entre 1329-38, constitui uma ampla descrição da fauna, flora, do

clima, das populações, e de todos os aspectos sociais, econômicos e culturais que pode

observar nos territórios que visitou. Na mesma obra descreve, com bastante entusiasmo, o

lento progresso de seu apostolado34 em uma terra, de certa forma, hostil aos seus

ensinamentos.

Ao penetrar nos territórios hindus, Oderico de Pordenone entra em contato com toda

uma lenda em volta dos “mártires de Tana”, e resolve procurar os restos mortais destes, que

de acordo com alguns relatos haviam sido levados, por Jordão, até a cidade de Suppara,

30 Cidade portuária as margens do Mar Negro, localizada ao norte da Turquia atual. Foi um importante porto grego nas épocas clássica e medieval. 31 Cidades persas (Irã) que constituíam importantes pontos de parada das caravanas terrestres destinadas ao Oriente, possuíam diversas estalagens construídas pelas ordens monacais com o intuito próprio de abrigar os viajantes. 32 Cidade da região francesa de Aveyron, ao norte de Toulouse. 33 Seus quatro companheiros de viagem seriam chamados, posteriormente, como os “Quatro mártires de Tana”. 34 LOPEZ, op. cit., p. 383.

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alguns quilômetros ao norte de Bombaim. Ao encontrar estas relíquias35, Oderico as leva

consigo como um símbolo dos riscos e da importância de sua própria viagem. Da Índia,

partira pelo oceano Índico para Sumatra. Após visitar diversos portos desta ilha se colocou

em direção a Java, para logo após chega ao sul da China. Na China, visitaria diversas

cidades e deixaria impressões bastante detalhadas sobre a maioria delas, chega a citar a

cidade de Hangzhou como a maior e mais bela cidade do mundo36. Posteriormente alcança

Cambaluc37, sede da corte do grã-khan mongol. Na capital do império citaria com bastante

entusiasmo uma igreja construída por outro viajante que o havia precedido, o arcebispo

Giovanni de Montecorvino.

Sobre este último, a documentação é bastante escassa. Sabe que viveu entre 1247 e

1328-33 e que foi enviado a China em 1289, pelo papa Nicholas IV. Alcançou a cidade de

Cambaluc em 1294, e encontrou os khans tão familiarizados com as seitas nestorianas que

já possuíam o hábito de serem batizados, e Giovanni de Montecorvino usaria isso como

uma tentativa de traçar uma aliança mais efetiva com os líderes do Império Mongol.

Reconhecendo as constantes tentativas do missionário de promover uma aproximação entre

os mongóis e a fé cristã, o papa Clemente V, em 1307, o promove a arcebispo de Cambaluc

e patriarca da fé cristã no Oriente38. Os documentos que o oficializariam arcebispo foram

enviados, pelo pontífice, em uma missão composta de seis bispos católicos com destino à

China, somente três chegariam vivos ao porto de Zayton. Um deles, Gerard Albuni,

permaneceria na cidade; os outros dois - um dos quais Andréa de Perugia - partiriam para

junto de Giovanni que, em 1311, finalmente receberia os papéis que o legitimavam como o

grande representante da fé cristã no Oriente. Em 1318, o papa João XXII criaria a

arquidiocese de Cambaluc, e as atividades do arcebispo Giovanni de Montecorvino

incluiriam centenas de conversões, uma tradução da bíblia em idioma mongol e a criação

de diversas dioceses nos territórios adjacentes. A morte do arcebispo e as confluências

políticas que os mongóis começavam a adquirir com os muçulmanos terminaram,

35 Restos mortais de missionários, vítimas de uma perseguição muçulmana, se encaixavam perfeitamente na grande categoria das relíquias religiosas que habitaram o imaginário de grande parte do medievo. 36 Outros visitantes europeus a consideram igualmente admirável. Marco Polo a descreve como “(...) falarei

da sua magnificência, pois é, sem mentir, a mais bela e nobre cidade do mundo”. In: POLO, M. O Livro das Maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 205. 37 Atual Beijing, ou Pequim.

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definitivamente39, com o sonho da Igreja Católica medieval de uma expansão efetiva da sua

fé em direção ao Oriente.

A viagem de volta de Oderico de Pordenone, após entrar em contato com Giovanni

de Montecorvino, é bastante pontual, e os relatos perdem sua intensidade. O retorno é feito

pelas rotas terrestres. Deixa a China pelas terras de Prestes João40

, atravessa, então,

territórios Tibetanos, a Pérsia e chegaria, pelo porto de Tabriz, novamente a Veneza.

Escreveu seus relatos de viagem em Pádua41, período que permaneceu nas casas monásticas

de Santo Antônio, em 1330. Posteriormente, durante uma viagem a Avignon com a corte

papal, sente-se doente e, ao retornar para Udine – capital de sua região natal – falece.

Outro viajante deste período é Jacob de Ancona, comerciante judeu que, de acordo

com seus relatos, viajou da cidade italiana de Ancona42 até a cidade Zayton, na China

meridional, para exercer a atividade mercantil. O relato de Jacob possuía características

próprias de sua religiosidade, que o distancia de seus contemporâneos cristãos citados

anteriormente. Sua jornada se inicia em Ancona, cidade que possuía o segundo porto em

importância no Adriático43, no ano de 1270, aos quarenta e nove anos de Jacob44. Pelo

mediterrâneo chega a Damasco, desta cidade faz uma pequena travessia terrestre até Basra

para em seguida retomar as rotas marítimas. Contorna a margem sul de grande parte do

território asiático, mais precisamente até a cidade indiana de Comari, e desta segue para a

ilha de Sumatra. Seu destino seria o porto, de Zayton, na China meridional, cidade chamada

por ele, devido a sua grandiosidade, de “Cidade de Luz”. Sua viagem é de caráter mais

comercial do que as citadas anteriormente, e mesmo quando comparada a grande maioria

das empreitadas conhecidas. Apesar de levar cartas de apresentação, não as dá muita

importância, chegando sequer a citar a quem eram dirigidas; a viagem é relativamente

38 Informações retiradas da carta do papa João Paulo II ao Cardeal Josef Tomko, em celebração ao sétimo centenário da chegada de Giovanni Montecorvino a Pequim, escrita em 8 de Setembro de 1994. Disponível em < http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/1994/index_po.htm>. Acesso em 01 jul. 2006. 39 Um novo arcebispo nestas regiões só seria indicado no ano de 1991. 40 Essa lenda é recorrentemente citada pela quase maioria dos viajantes em direção ao Oriente, provável pólo geográfico onde este rei mitológico se situaria. A localização exata que cada viajante estipula a esta lenda é bastante pessoal, no caso de Oderico ele provavelmente estaria se referindo a Mongólia. 41 Cidade da região do Vêneto, cuja capital é Veneza, no norte da península italiana. 42 Aliada de Gênova. 43 Atrás apenas de Veneza. 44 ANCONA. J. Cidade de Luz. Rio de Janeiro: Imago, 2001. p. 21.

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rápida, já que apenas três anos depois da partida ele estaria de volta a Ancona – o que

demonstra pouquíssimas e rápidas paradas, apenas com o intuito de negociar.

Outro aspecto interessante deste relato é a importância da explanação de dados

sobre a comunidade judaica encontrada e seu comportamento em cada ponto de parada,

citações como “(...), chegamos afinal a Singoli, um país onde há mais de mil judeus (...).

Tão freqüentado é o lugar por mercadores judeus, e tão rico o comércio que trazemos, que

somos isentos de pedágio e tributo”45 são bastante freqüentes ao longo de todo o texto. A

relação do judaísmo com as outras religiões, aos olhos de um judeu, também é bastante

abordada no relato de Jacob; os judeus, obviamente, sempre são citados como exemplo

moral e comercial, por observarem as leis divinas e possuírem habilidades mercantis

superiores a todos os seus contemporâneos; os maometanos aparecem em seguida, no

âmbito religioso são respeitados por se considerarem filhos de Abraão e renderem

homenagens a Moisés; e no âmbito comercial são considerados quase tão hábeis quanto os

judeus46. Os cristãos seriam os últimos na escala de Jacob, os considerava insolentes com as

leis sagradas, e abominava o culto aos santos – chegava a chamá-los de idólatras, tanto

quanto os hindus ou budistas – e principalmente a reverencia à “aquele homem” – Jesus47;

na atividade comercial também os considerava inaptos, citando os bons comerciantes desta

religião sempre como raras exceções.

Devido a algumas rotas comuns do período, é interessante comparar relatos para

elucidação de alguns pontos certas vezes obscuros em alguns dos autores. Jacob de Ancona

ilustra essa capacidade ao passar pelas ilhas de Nicoverano. Apesar de não a ter diretamente

em seu itinerário, o veneziano Marco Polo as cita em sua obra por ouvir inúmeras histórias

sobre os povos estranhos que habitavam esta ilha, seriam homens de cauda, que com

certeza não seriam macacos. Jacob, ao presenciar as populações desta ilha pessoalmente

descreve “os homens cobrem os órgãos genitais com um pedaço de pano, e as mulheres os

seus com folhas, um cordão na cintura de duas longas fitas atrás. Como isso tem a

aparência de uma cauda, as pessoas que não os observam corretamente dizem que são

gente de rabo”48. Outro fator que o diferencia é o contato com uma civilização diferente da

45 Ibid. p. 88. 46 Ibid. p. 50. 47 Ibid. p. 84. 48 Ibid. p. 96.

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deparada pelos outros viajantes. Como sua viagem acontece entre 1270-73 e se restringe ao

sul do território chinês, ele se encontrada com uma dinastia chinesa expulsa da maioria de

seu território pelas forças mongóis. O medo de uma invasão pelos “tártaros das estepes”

permeia todo o texto, e a sua estadia reduzida na porção oriental do mapa muito se deve a

esta iminente ameaça. A viagem de volta é feita praticamente pela mesma rota utilizada

anteriormente, a única diferença é que ao chegar ao golfo pérsico, ele continua uma viagem

marítima até o Mar Vermelho para alcançar o Mediterrâneo – após atravessar os territórios

egípcios pelo Nilo.

De volta aos exemplos cristãos, dois casos de monges viajantes que não poderiam

deixar de serem citados são Giovanni Pian de Carpini e Guilherme de Rubruck. O primeiro

viaja as terras dos tártaros como emissário direto do papa Inocêncio IV, em 1245. O avanço

mongol, depois de 1241, alarmava diretamente os europeus, pois comandados por Oguedai

Khan, os tártaros haviam conquistado a Rússia meridional, os reinos da Polônia e da

Ucrânia, e se encontravam as portas de Viena. Antes de tomar qualquer providencia mais

drástica, o pontífice escolhe Carpini, um franciscano de renome na ordem – discípulo direto

de São Francisco de Assis – para estudar as intenções deste povo que cada vez mais

alarmava a civilização européia. As incertezas sobre a intensidade do perigo representado

pelos mongóis aparecem claramente no relato de Carpini, que considera este povo vindo

das estepes um “flagelo divino” 49

. Mas a Europa enfrentava um período difícil nas

cruzadas contra os muçulmanos50, estava bastante enfraquecida pelas disputas internas

entre o poder temporal e o poder secular51, portanto uma aliança com os mongóis, força que

constantemente ameaçava os domínios muçulmanos, era o único caminho a se seguir. A

missão de Pian de Carpini representa a primeira tentativa formal e oficial de se forjar esta

aliança. Carpini partiria de Lyon em abril de 1245, acompanhado por outro frei franciscano,

Estevão da Boêmia, em direção a Breslau, no reino da Polônia, onde se juntaria a missão

Benedito da Polônia, que agiria como intérprete da comitiva.

Chegariam a corte do khan Batu um ano após sua partida, em 1246. Ao apresentar

os motivos de sua viagem, Batu ordena a comitiva seguir viagem a Karakorum, residência

do Grã-khan, e que apenas ele teria a autoridade necessária para um assunto desta

49 LOPEZ, op. cit., p. 383. 50 Estavam entre a sexta e a sétima cruzada. 51 PHILLIPS, E. D. Os mongóis. Lisboa: Verbo, 1971. (Coleção história Mundi, n. 9). p. 91.

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importância. Após uma viagem desgastante, Carpini chega a capital do poder mongol, e se

depara com a coroação de um novo khan, Guyuk. A cerimônia reunia representantes de

inúmeras partes da realidade asiática, todos com oferendas ao novo soberano, indicando

claramente uma submissão ao poder mongol. Por não possuir nenhuma oferenda52, a

comitiva de Carpini apresenta somente a carta do papa. A resposta viria apenas oito meses

depois53, e não agradaria as intenções européias, representadas pelos monges franciscanos.

Para Guyuk khan, a carta do papa soava como um pedido de submissão – tanto política

como religiosa54 – dos mongóis frente aos reinos cristãos, para assim, unidos na bandeira

do cristianismo, derrotarem os inimigos islâmicos. O khan responde que se uma submissão

viesse a acontecer, deveria partir da direção contrária, com os europeus se curvando a

hegemonia mongol. Carpini retornaria, em 1247, com uma imagem fixa deixada pela

resposta do Grã-khan, e avisa que os europeus precisavam se unir55 contra a ameaça

mongol, pois estes queriam dominar o mundo.

Guilherme de Rubruck, outro franciscano, teria um relato menos profético sobre sua

viagem aos territórios dos tártaros mongóis. Depois de acompanhar o rei de França, Luís IX

– São Luís – no início da sétima cruzada (1248-1254), é enviado por este monarca, com o

pretexto de uma missão puramente religiosa56. A comitiva, formada em Constantinopla, era

composta, além de Rubruck, pelo frei Bartolomeu de Cremona, um clérigo chamado Gosset

– que seria o intérprete –, um escravo comprado na cidade, chamado Nicolau e mais dois

homens responsáveis pelos animais. Partiriam da capital bizantina em 1253, e pelo Mar

Negro atingiriam a Criméia. Chegam na corte de Sartak, soberano da Horda de Ouro,

depois de cruzar o rio Ural, e descobrem que os boatos da cristianização do mesmo são

falsos ao receberem a resposta de que uma missão evangelizadora deveria ser discutida com

52 Importante lembrar que os viajantes aqui citados são monges com voto de pobreza, levar presentes dispendiosos seria como uma negação das próprias normas da sua ordem. 53 A cerimônia de coroação de Guyuk data de Abril, a carta resposta de Novembro do mesmo ano, 1246. 54 A diferenciação entre poder secular e poder temporal é um conceito, quase que exclusivo, do mundo europeu. Os soberanos asiáticos, de uma forma geral, detinham os dois poderes em sua pessoa. Tornando-se uma idéia difícil de se conceber na ideologia mongol. 55 PHILLIPS, op. cit., p. 93. 56 Ao ver as tentativas anteriores fracassarem, Luis IX amenizaria a entonação política de sua carta ao khan e privilegiaria a vertente religiosa, que ao menos era aceita nas sociedades mongóis. Para mais ver, DORÉ, A. Diplomacia e relações comerciais entre o Oriente e o Ocidente: duas experiências do século XIII. Tempo, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 137-158, dez. 2000. p. 142.

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Batu, pai de Sartak, e khan da parte oeste da Horda de Ouro57. Batu, por sua vez os ordenou

a tratar deste assunto diretamente com o novo Grã-khan, Mongka.

Os primeiros contatos não seriam nada favoráveis as intenções de Rubruck, mas

devido ao inverno o franciscano pede para permanecer na corte de Mongka, que os acolhe

em sua viagem a Karakorum. O aspecto cosmopolita da cidade chama a atenção de

Rubruck, que identifica inúmeros estrangeiros em suas mediações, inclusive europeus

capturados durante os ataques à Europa Oriental alguns anos antes58. Nesta cidade

participou de uma discussão entre vários sábios de diversas religiões, com intuito de

esclarecer ao khan a diferença das mesmas. Seria após estes debates que, em conversa

particular com Mongka khan, este o diria que apesar do povo mongol ter a idéia de um

Deus único, os caminhos que levavam ao paraíso eram muitos, o que impediria uma

profunda aceitação do cristianismo Ocidental. Com a missão evangelizadora praticamente

impossibilitada, Guilherme de Rubruck inicia uma série de apontamentos sobre a geografia,

cultura e a sociedade mongol, mais aprofundados do que qualquer viajante havia feito

anteriormente. Não apenas descreve as cortes, mas observa a população comum, desde sua

vida cotidiana até as práticas medicinais e a escrita59. Analisa as línguas escutadas pelo

trajeto da viagem, e pela primeira vez em um relato medieval assinala, o parentesco de

idiomas turcos e comanos com o uigur; de idiomas húngaros com o bashkir; do gótico da

Criméia com o alemão e afinidades entre as línguas eslavas com a escrita chinesa, tibetana,

tangut e uigur60.

Após receber a carta resposta que, apesar de conter um tom menos arrogante que a

entregue a Carpini, ainda pedia submissão dos europeus frente ao Grã-khan mongol, iniciou

sua viagem, em Julho de 1254, de volta à Europa. O itinerário até a corte de Batu foi o

mesmo, partiram então pelo Cáucaso e pela Anatólia ao Chipre, onde esperavam encontrar

o rei Luís IX para lhe entregar a carta. No entanto, o monarca já havia regressado ao reino

de França, e a carta foi enviada por meio de um intermediário à sua pessoa.

57 Apesar de constituírem uma única região do poder mongol desde 1250 (data aproximada), a Horda de Ouro ainda era dividida entre Horda Branca (Leste) e Horda Azul (Oeste) até 1378-80, quando o khan Tokhtamysh efetivamente as unificou. 58 Um exemplo é o mestre Guilherme de Paris (Guillaume Bouchier), artesão. Era prática comum deste povo poupar, de suas chacinas, hábeis artesãos, para utilizá-los no embelezamento das cortes. 59 DORÉ, op. cit. p. 144

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43

*

A China, apesar de ser vista como um território bárbaro em geral pelos europeus da

Idade Média, possuía uma sociedade extremamente avançada em aspectos políticos,

culturais e sociais, a ponto de rivalizar – ou até mesmo ultrapassar – os maiores centros

ocidentais contemporâneos. O comércio chinês – focado nas rotas internas, devido ao

continentalismo da região – era deveras avançado, e possuíam rotas – marítimas e terrestres

– usadas não apenas até os nossos dias, mas também pelos ocidentais da época. A

sociedade era bastante disciplinada, e devido à falta da ostentação tornava-se muito mais

regrada e produtiva que os seus correspondentes europeus, marcados pelo estilo de vida

perdulário. A elite chinesa também em nada devia as famosas cortes européias, era culta e

dedicada às artes; adoravam a música e o teatro e comerciavam quando necessário. Mas a

grande maioria dos viajantes aqui trabalhada conhece o território chinês em um momento

único da história da região, onde a dinastia dominante, ou seja, a linhagem que governava,

não era chinesa, mas sim mongol61. No entanto, antes do século XIII, este povo

representava, apenas, uma das inúmeras tribos nômades que habitavam as várias estepes

que se estendiam desde a região da China até a Sibéria62. É com o advento de Genghis

Khan, e a unificação das diversas tribos sob sua liderança que os mongóis assumiriam papel

primordial no contexto que os englobava. Temudjin, seu verdadeiro nome, nasce no ano de

1162, e desde cedo mostraria a intenção de seguir os passos que seu pai – Yesugei63 – havia

trilhado64.

Aos treze anos, Temudjin já inspirava medo e respeito em seus adversários.

Técnicas como torturar seus inimigos até a morte em caldeirões contendo água ou óleo

fervente; pregar prisioneiros em cavalos de madeira, esquartejá-los, ou ainda esfolá-los

60 LOPEZ, op. cit. p. 383. 61 Os povos da ilha hoje conhecida como Japão, inclusive, sempre recorrem a este período para demonstrar, na visão deles, a superioridade da linhagem de poder nipônica à chinesa, pois enquanto a China não apenas encarou diversas mudanças de dinastia ao longo da sua história, foi também dominada por uma linhagem estrangeira; ao contrário da ilha japonesa, que desde sua unificação é governada – até os dias de hoje – pela mesma. 62 COLLIS, M. Marco Polo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1955. p. 12. 63 Apesar de existirem pouquíssimos dados históricos sobre este personagem, sabe-se que foi um dos – senão o – primeiros lideres mongóis a buscar a unificação das sociedades das estepes. 64 CHAUNU, P. A Expansão Européia do Século XIII ao XV. São Paulo: Pioneira, 1978. p. 57.

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vivos, eram recorrentes argumentos de sua soberania65. O exército mongol era muito

diferente dos seus contemporâneos ocidentais, muçulmanos, ou mesmo dos apresentados

pelas civilizações sedentárias do extremo Oriente; possuíam uma fidelidade pessoal com o

soberano que defendiam, sendo treinados desde pequenos; seus arqueiros a cavalo, além de

grande inovação às estratégias militares, eram ágeis – devido à utilização de cavalos

menores – e possuíam maior mobilidade no terreno; costumavam utilizar a surpresa e o

medo como poderosas armas nos confrontos militares, atacando sempre antes do previsto,

em diversas direções e a distância, desmoralizando as tropas inimigas antes de entrar em

contato direto com as forças opositoras66.

Fig. 2.1 – Representação de autoria desconhecida de Genghis Khan. Ilustrando exatamente sua

maior força militar, os arqueiros a cavalo.

65 DURANT, W. Nossa Herança Oriental. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, [s.d.]. p. 514. 66 COLLIS. op. cit. p. 13.

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Temudjin unificou, primeiramente, os nômades das estepes no próprio território

mongol. Após o sucesso desta empreitada avançou sobre os nômades da fronteira com a

China – já bastante acostumados à cultura do império chinês -, sobre os nômades da

fronteira russa e praticamente sobre todas as tribos que se localizavam nesta região.

Recebeu, então, em 1206, o titulo de Genghis Khan67, e com isso Temudjin se posicionava

no centro de uma monarquia de direito divino68, sendo considerado pelos xamãs, o

escolhido de Tengri, o "Céu Eterno"69.

Seus consecutivos sucessos militares não passariam desapercebidos pelos povos

vizinhos as suas dominações e, logo após de ser nomeado o grande chefe das tribos

mongóis, o imperador chinês da dinastia Sung, Nin Tsung, mandaria uma carta ao khan

mongol exigindo a imediata submissão das tribos bárbaras ao grande império da China70.

Genghis Khan partiria então para dominar os povos sedentários, adotando uma nova

postura militar mais adequada à nova realidade dos inimigos enfrentados. Sabia que se

praticasse as normais pilhagens promovidas pelos mongóis, nos povos sedentários que os

cercavam, estas representariam apenas um impacto imediato nas almejadas conquistas,

ocasionando uma chance de rápida recuperação e sublevação dos territórios atingidos por

essa prática. Adotou, então, cobranças de tributos e exigência da participação de não-

mongóis em suas forças militares, criando vínculos, entre o dominador e os dominados,

bem mais difíceis de se romper. Comandou pessoalmente as primeiras conquistas no Norte

da China (1209), no Turquestão (1218) e na Corásmia71 (1220). Na conquista das terras

caucasianas – submetendo os turcos quiptchaques72, do norte do mar Cáspio – e nas

pilhagens do principado de Kiev (1222), enviou seus melhores oficiais, Djebe e Subotai.

Uma nova campanha contra a China seria interrompida pela morte do soberano, em

1227. Antes de morrer, no entanto, deixou claras instruções de como deveria ser

67 O termo Genghis Khan, é uma adaptação fonética para o português de Tchinggis Khan, título proveniente das palavras Tchinggis, que significa “oceânico”; e Khan, com o significado de “chefe”. 68 CONRAD, P. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro: Ferni, 1978. p. 163. 69 Maiores detalhes sobre o xamanismo mongol e a crença no "Céu Eterno" em: ELIADE, M. Religiões da Eurásia antiga: turco-mongóis, fino-úgricos, balto-eslavos. In: _____. História das crenças e das idéias religiosas: de Maomé à Idade das Reformas. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. t. 3. p. 17-38. 70 DURANT. op. cit. p. 514. 71 Ou Khwarezm, na época dominada pelos turco-iranianos, islâmicos. Hoje corresponde à parte norte do Irã, ao Afeganistão e a Transoxiana. 72 Muitas vezes mencionados como polovtses ou cumanos.

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administrado o grande império que legava a seus inúmeros descendentes73. Ao seu filho

mais velho, Djutchi, legou as terras em torno dos rios Volga e Ural, contudo, como morrera

pouco antes de Genghis Khan, Batu – filho de Djutchi – foi quem as herdou. A Tchagatai,

seu segundo filho, transmitiu os territórios entre a Ásia central e a Pérsia. Oguedai, favorito

de Genghis Khan e indicado a sucedê-lo como Grã-khan, assumiria o comando de um

ulus74 próprio, a leste do lago Balcache. E a Tolui, seu filho mais novo, deixou os

territórios da Mongólia.

Mesmo sendo o favorito de Genghis Khan, Oguedai precisou se submeter a uma

kurultai75para ser considerado o novo Grã-khan, fato que ocorreu em 1229. Como Grã-khan

continuaria os passos de seu antecessor. Enviaria seu sobrinho, Batu, contra a Europa,

conquistando o sul da Rússia, territórios húngaros e poloneses, culminando na derrota dos

germanos da Silesia, em Leignitz – apenas cento e cinqüenta quilômetros de Berlim76. Esta

campanha seria interrompida somente pela convocação de uma nova kurultai, devido à

morte de Oguedai, em 1241, a qual Batu necessitava estar presente. Mesmo com a

indicação de Oguedai Khan favorecendo como sucessor seu neto, Shiramun, Toreguene77,

viúva do soberano, conseguiu influenciar78 o resultado assegurando a escolha de seu filho,

Guyuk, como o novo Grã-khan, na kurultai realizada em 1246. Batu Khan, que comandava

a Horda de Ouro79, foi formalmente contra esta escolha, e mesmo sendo súdito do

Imperador, nunca prestou vassalagem a Guyuk Khan. Formou-se, então, uma clara disputa

73 A poligamia era a regra-comum entre as tribos mongóis. Enquanto o patriarca vivesse, todos os seus descendentes, seja de qualquer uma de suas esposas, seja os adotados, teriam iguais direitos. Com a morte do pai, somente os filhos gerados pela primeira esposa ganhariam o direito da divisão dos espólios. 74 Designação mongol para um povo específico ou um grupo destes. 75 Também grafada como Qorıltay, Qurultay, Kurulmak, ou ainda Khural, significa “reunir”. Assembléia dos lideres mongóis com intuito de traçar planos militares, estabelecer divisões territoriais, ou indicar lideranças e títulos militares. 76 COLLIS. op. cit. p. 14. 77 As mulheres parecem ter desempenhado importante papel no Império Mongol. Logo após o falecimento de um Grã-khan, a regência cabia à viúva do morto até que se decidisse qual dos seus sucessores assumiria o posto. Para maiores informações sobre este assunto ver, ROSSABI, M. Women of the Mongol Court. Disponível em <www.woodrow.org/teachers/history/world/modules/mongol/sexrexandhex.html> Acesso em 30 mai. 2006. 78 PHILLIPS, op. cit., p. 90. 79 Compreendida nos territórios da atual Rússia européia meridional-oriental, da Ucrânia, do Cáucaso e do Cazaquistão. Sobre a origem do nome, existem duas teorias, a mais aceita atualmente segue as indicações de que as cores preto, azul, vermelho, branco e amarelo (ou dourado), representavam às tribos mongóis respectivamente, Norte, Leste, Sul, Oeste e Centro, fornecendo uma explicação geográfica para o nome. A segunda teoria relaciona o nome a uma enorme tenda dourada que Batu Khan iria estabelecer como mercado na sua futura capital, perto do Volga.

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pelo poder entre os descendentes de Tolui - Mongka, Hulagu e Kubilai –, o descendente de

Djutchi – Batu –, e o de Oguedai – Guyuk80.

Contando com mais opositores do que aliados, Guyuk Khan seria marcado por um

curto e difícil reinado. Com sua legitimidade contestada por alguns de seus aliados naturais,

o império mongol, pela primeira vez, encontrou querelas sistemáticas no interior de seu

território. Batu Khan praticamente declarou guerra aberta contra Guyuk, e todos estes

problemas internos impossibilitaram os planos externos planejados pelo terceiro Grã-khan.

A guerra contra a dinastia Sung, na China, produziu somente derrotas aos mongóis, e as

investidas contra os muçulmanos foram praticamente nulas. Morre apenas dois anos depois

de ser eleito Grã-khan, em 1248, e sua viúva, Oghul Ghaimish, assume o poder regencial.

Sem perder tempo, Batu convoca uma kurultai em seus domínios para estabelecer os

termos de sucessão, mas os poucos apoiadores de Guyuk logo a rejeitam por não ser sediada

nos territórios da Mongólia, ainda sede do poder central do Império. Batu Khan pede então

para que seu irmão, Berke Khan, convoque a kurultai em um território reconhecido. Este o

faz, e em 1251 elege-se o novo Grã-khan, Mongka, aliado de Batu.

As empreitadas militares de Mongka Khan se dirigiram aos sultanatos muçulmanos

próximos. Conquista a cidade de Bagdá e Damasco e derrota as forças dos sultões da Síria,

impelindo a fuga destes para o único território dos islamitas que permaneceria fora da

dominação mongol após Mongka, o sultanato do Egito81. No Oriente conquista algumas

regiões chinesas e os territórios da Indochina, mas nunca a ponto de estabelecer outro

grande foco de poder mongol, fato que iria acontecer apenas após a sua morte (1259) e a

eleição de seu irmão, Kubilai, ao posto de Grã-khan, na kurultai de 1260. As incursões a

China, comandadas por este imperador, começam, efetivamente, em 1268. O território

chinês era mais populoso que todo o império mongol, neste quesito rivalizava, sozinha,

com as cristandades ocidentais e orientais e mais uma parte do mundo muçulmano, por isso

os ataques dos tártaros da estepe demoram a apresentar resultados. Apenas em 1273 – 5

anos após o inicio das batalhas – os resultados começam a favorecer os mongóis, que

conseguem um domínio até o rio Yang-Tse. A região costeira, a sudoeste do território

80 SAUNDERS, J. J. The History of the Mongol Conquests. London: Routledge & Kegan Paul, 1971. p. 105-106. 81 COLLIS. op. cit. p. 14.

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chinês, demoraria mais três anos para ser conquistada, com os conflitos cessando apenas

em 1279. Estava instaurada, em 1280, a dinastia mongol – ou Yuan – na China.

A curta duração desta dinastia – os chineses reassumiriam o controle político em

1368 – é explicada por diversos fatores. A cultura chinesa era muito mais intensa do que a

do povo que a dominara, causando um movimento de apropriação em direção contrária, os

mongóis se adaptavam a cultura do grande império que haviam dominado. A

sedentarização das populações mongóis, na China e na Pérsia, também foram motivos de

grande estagnação e até de críticas internas das populações que permaneciam nômades,

como as da Horda de Ouro82. A burocracia chinesa também era mais definida do que a

mongol, e implantá-la em um Império pouco acostumado prejudicou todo o aparelho

administrativo criado devido à anexação do Império chinês83. A morte de Kubilai, em 1294,

foi o marco do início da derrocada não apenas do domínio mongol na China, mas do

Império como um todo. No caso chinês, a formação de uma elite política baseada nos

instrumentos burocráticos dos dominados, logo produziu uma transferência desta

aristocracia das mãos mongóis para as chinesas, que estavam muito mais acostumadas a

lidar com essa realidade84. Com a ascensão destas populações chinesas a cargos mais

elevados, uma retomada do poder central era questão de tempo, fato que ocorreu, em 1368,

com a revolta comandada por um sacerdote budista, Zhu Yuanzhang. A dinastia criada após

esta retomada seria a mais importante – junto com a dinastia Han85 – da história chinesa, a

dinastia Ming.

Todo esse trajeto da dominação mongol foi acompanhado de perto pelos europeus,

que já por volta do ano 1200 recebiam informações em seus postos orientais cruzados de

uma força militar que estava se formando nas estepes da Mongólia. Quatro décadas mais

tarde os mongóis representariam um perigo real a Europa com o avanço de Batu a diversas

cidades européias. A vitória sobre a coligação dos príncipes germanos, em 1241,

subordinados a Frederico II, já preocupava as monarquias ocidentais, tanto que este

imperador já enunciava uma necessária aliança contra este perigo comum a todo a

82 CHAUNU. op. cit. p. 58, COLLIS. op. cit. p. 15 e DURANT. op. cit. p. 515. 83 Com a anexação da China, a corte principal é transferida a Cambaluc – Pequim –, os khanatos da Pérsia, da Horda de Ouro e da Mongólia, então, passavam a ser todos subordinados do novo khanato chinês. 84 Apenas o primeiro khan chinês, Kubilai, conseguiu manter uma aristocracia mongol durante todo o seu reinado, seus sucessores indicariam cada vez mais chineses para estes cargos. Para maiores detalhes da burocracia mongol na China, ver: DURANT. op. cit. p. 516.

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Europa86. A relação entre mongóis e ocidentais ficaria mais amena na devida proporção que

os primeiros se expandiam, e muito mais do que conquistar novos territórios, precisavam

manter os já conquistados87. Como estes territórios eram de maioria muçulmana, a

expansão serviu ainda mais para aproximar os mongóis das monarquias católicas, tornando

o islã um inimigo comum aos dois. Ainda assim uma aliança formal e duradoura nunca foi

possível entre as duas partes, devido à intolerância de alguns pontos recorrentemente

apresentados. No entanto uma relação, ao menos, tolerável, se forja entre estes dois

extremos. Os mongóis são mais receptivos que os chineses88, e mesmo com a adoção do

budismo como religião oficial do Império, os khans possuíam uma tolerância amigável ao

cristianismo, principalmente o nestoriano. Kubilai, inclusive, cria na sede do Império um

departamento com intuito de administrar o culto cristão – o Tch’ongfu-sseu89

- em seu

território.

Um exemplo claro desta crescente interação é trabalhado em um dicionário latim-

persa-comano compilado, provavelmente, por um genovês, em 1303. Esta fonte cita

diversas colônias comerciais genovesas em território mongol; frotas abundantes no mar

Cáspio e no golfo pérsico; um astrônomo genovês no observatório de Hulagu Khan – em

Maragha –; casamentos mistos, crianças da aristocracia genovesa batizadas com nomes

como Hulagu e Abagha; e um relato sobre um mercador pisano que entregou ao ministro

persa, Rachid Ad-Din, uma história da Europa resumida para que este a publicasse em sua

enciclopédia histórica, a qual também possuía uma breve história da China90.

A “pax mongolica”, que constituía na proibição de lutas internas nos territórios

dominados pelos herdeiros de Genghis Khan – neste contexto, grande parte da Eurásia –

apesar de muitas vezes teórica, favoreceu – efetivamente – os comerciantes europeus. A

comunicação entre a Europa e o extremo Oriente, que acontecia desde a época clássica91,

havia sido quase que completamente interrompida pelas conquistas muçulmanas, a partir do

séc VII, em grande parte dos territórios que separavam os dois pólos envolvidos. A

85 Que durou do séc III a. C. até o séc III d. C. 86 LOPEZ. op. cit. p. 292. 87 Ibid. p. 382. 88 Ibid. p. 384. 89 CHAUNU. op. cit. p. 58. 90 LOPEZ. op. cit. p. 384. 91 COLLIS. op. cit. p. 15.

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conquista mongol destes territórios e o interesse dos mesmos pelo comércio estabelecido

com o ocidente seriam fundamentais para restabelecer esse contato.

*

Inúmeros outros viajantes, como Ascelin e André de Longjumeau (1247), tomaram

parte em missões diplomáticas e evangelizadoras no Oriente, mas enumerar todos é uma

tarefa que este trabalho não tem como objetivo, portanto o foco se volta, agora, para o mais

famoso de todos os já citados, o veneziano Marco Polo.

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CAPÍTULO III

O CONTATO ENTRE DOIS EXTREMOS REPRESENTADO POR UM

VENEZIANO

A viagem dos Polo é um resultado direto da proeminência veneziana nas

longas viagens ao Oriente, já fortemente consolidada no século XIII. A cidade era a capital

do império1 mais abastado da Itália do Norte – e provavelmente de toda a Europa

Ocidental. Representava, também, depois de 1204, a grande potência que detinha o poder

efetivo no Império Latino, estabelecido em Constantinopla. Sua área de influência

alcançava diversas cidades da Ásia Menor e do Mar Negro, muitas vezes feitorias ou

dominadas por estabelecimentos venezianos. Seus contatos próximos com os muçulmanos,

mesmo no auge das querelas dos cruzados, os forneceram um conhecimento das práticas

Orientais e muitas vezes dos idiomas falados pelos mesmos. Não se torna coincidência que

a aventura da família Polo começasse, então, na cidade de Constantinopla.

No ano de 1260, Nicolo Polo – pai de Marco – já possuía uma casa em Sudak, na

Criméia, posto comercial dos mongóis liderados pelo khan Barka – irmão de Batu. Parte

em direção a esta cidade na companhia de seu irmão, Mafeu, com muitas jóias, produtos

leves, fáceis de se esconder e de valor bastante elevado2. Após conseguirem vender todos

os seus produtos e de lucrar muito com isso, pensam em voltar para a cidade de

Constantinopla, mas um distúrbio na “pax mongolica” os faria mudar de itinerário. No

relato de Marco Polo, o único motivo para o estabelecimento de novas rotas é citado nas

batalhas entre o khan da Pérsia, Hulagu, que ao enviar tropas contra Barka, teria tornado

inacessível uma volta pelo mesmo caminho utilizado anteriormente3. Mas como as batalhas

entre estes dois khans se desenrolam apenas pontualmente entre os anos de 1262-63,

causando somente um grande embate, de resultado indecisivo, no Cáucaso, é, sem dúvida,

apenas uma prerrogativa para não se citar todas as preocupações que afligiam aos irmãos

Polo à época. A retomada de Constantinopla pelo imperador bizantino Miguel Paleólogo,

1 Abrangia parte dos territórios Lombardos, uma parte da costa do Adriático e inúmeras ilhas gregas. 2 COLLIS, M. Marco Polo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1955. p. 18. 3 Ibid. p. 19.

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com ajuda dos genoveses, transformou o Mar Negro em monopólio genovês4, e este fato,

provavelmente, influenciou mais diretamente a mudança de planos dos Polo. Cortados

então de sua saída original, rumaram pelo único caminho sem obstrução, ao norte do

Cáspio e em seguida ao Leste, penetrando nos territórios do Afeganistão.

Ao chegarem na cidade de Bukhara, realizam mais negócios, e aí permanecem por

alguns anos. Foi então, em 1265, que emissários de Hulagu, em viagem a corte do Grã-

khan, na China, se espantam por encontrar ocidentais tão integrados à sociedade mongol, e

lhes convidam a os acompanharem em sua jornada, pois o principal soberano mongol iria

ficar bastante grato de tê-los em sua companhia5. Como estavam habituados aos costumes e

mesmo ao idioma mongol, além de perceberem mais uma ótima oportunidade para exercer

a atividade mercantil, aceitaram o convite e partiram em uma longa e desconhecida – por

eles – jornada. A travessia de Bukhara a Cambaluc duraria um ano. Foi realizada por umas

das mais antigas ramificações da rota da seda, passando pelos oásis de Turfan e Hami.

Perto de Tun-Huang havia uma convergência entre as rotas do sul e do norte, e após a

travessia da caverna dos mil Budhas6, alcançariam o rio Amarelo7 e dele, a capital do

império.

A estadia dos irmãos Polo na cidade do khan é pouco relatada por Marco Polo,

sabe-se apenas que, um ano após a chegada, Nicolo e Mafeu, pediriam permissão ao

soberano para voltar a Veneza. Kubilai Khan, neto de Genghis Khan, Grã-khan mongol e

soberano mongol na China, permite que estes voltem, mas como condição à viagem, ordena

que eles retornem a sua corte, o mais rápido possível, com a companhia de uma centena de

sábios da cristandade, designando os irmãos venezianos como seus representantes diretos

junto aos reinos ocidentais, os entregando uma carta endereçada ao pontífice. Ainda, mais

importante do que tudo, concedeu-lhes uma placa de ouro com os dizeres “pelos poderes do

ciclo eterno, Santo seja o nome do khan. Que aquele que não render cortesia, seja morto”8,

que serviria como salvo-conduto por toda a extensão dos domínios mongóis.

4 YERASIMOS, S. Sob os olhos do Ocidente [Introdução de 1980 para o relato de Marco Polo]. In: POLO, M. O livro das maravilhas. Porto Alegre: L & PM, 1999. p. 9-37. p. 14. 5 COLLIS. op. cit. p. 20. 6 Caverna fechada em Dunhuang, no nordeste da China. 7 Segundo maior rio do território chinês, também conhecido como Huang He. 8 COLLIS. op. cit. p. 21.

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A viagem de volta duraria cerca de três anos. O barão da corte mongol que os

acompanhava logo ficou enfermo, e teve que ser deixado em uma cidade para receber os

cuidados médicos necessários. A rota até Bukhara fora a mesma de antes, mas desta cidade

rumaram ao Sul, passando pela Síria e pela Pérsia. Chegariam na cidade de Layas, noroeste

do Mediterrâneo, e dela partiriam para a Palestina. Em 1269, na cidade de São João D’Acre

receberiam a noticia de que o papa Clemente IV havia falecido. O legado papal em Acre,

Teobaldo Visconti9, os informa que os processos para uma eleição papal já haviam

começado. Os irmãos voltam, então, a Veneza, e encontram o filho de Nicolo, Marco, agora

com quinze anos e sem os cuidados maternos, pois esta havia falecido. A eleição papal se

prorroga por mais dois anos, e receosos de uma maior delonga, partem novamente, agora a

três, a cidade de São João D’Acre, para se aconselhar com o legado que os havia recebido

anteriormente. Na cidade, o legado Teobaldo os aconselha a partir mesmo sem a carta papal

e os sacerdotes requisitados pelo soberano mongol, e escreve uma carta a este explicando a

situação que a Santa Sé se encontrava. Preparam a viagem e partem o mais rápido possível

ao Oriente, mas logo que deixam a cidade, recebem a noticia que o legado que os havia

ajudado teria sido eleito papa, sob o nome de Gregório X. Decidem voltar a cidade de Acre,

onde o, agora, papa os recebe com bastante satisfação. O pontífice escreve uma nova carta

ao Grã-khan e ordena dois sacerdotes missionários para acompanhá-los na viagem, sendo

um destes Guilherme de Trípoli10, erudito cristão autor de alguns livros e de certa fama no

medievo.

Esse papel de “duplos embaixadores” que a comitiva de Marco Polo assume é

bastante importante ao contexto europeu. Se, em uma visão bastante simplista, os

comerciantes apenas buscavam novos, e ricos, contatos comerciais no Oriente; o papa um

terreno fértil para expandir seu território religioso; e os monarcas católicos aliados para

combater o inimigo muçulmano, a missão de Marco Polo englobava claramente cada

aspecto citado, não que isso fosse exclusividade desta11, mas a consciência desta

9 Ibid. 10 Ibid. p. 22. 11 Afinal, a maioria – para não dizer todas – das viagens possuíam estas diversas facetas em uma análise pormenorizada.

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importância12, mesmo que incompleta, notada por alguns traços do relato deixado por este

veneziano, é diferente da concepção que a maioria dos viajantes apresentava.

A rota, novamente, teria como primeiro destino, a cidade de Layas, no

Mediterrâneo. Seguiriam, depois, pelo caminho terrestre da Pérsia. Marco Polo observava

muito dos costumes locais e escutava diversas lendas sobre as proximidades que visitava.

Seus relatos, por tentarem abranger tanto o primeiro caso, como o segundo, nem sempre

retratam de forma objetiva a rota utilizada por ele e sua caravana13. Na cidade de Saveh, na

Pérsia, escreveria sobre a lenda dos três reis magos, que de acordo com crenças locais

estariam enterrados em algum lugar da cidade, nesta cidade também descreve muito sobre

os animais que tanto admirava, os cavalos. Ao encontrar com os puros-sangues árabes da

região, os exalta como alguns dos melhores cavalos do mundo, e indica em seu relato,

dados que iriam do preço oferecido por eles as milhas diárias capazes pelos animais14.

Dois desvios e duas grandes paradas15 marcariam o resto da viagem até chegarem a

China, primeiramente desviaram de sua rota original na Armênia Maior, ao sul do Cáucaso,

para evitar uma incursão ao norte da Síria – dominado pelo sultanato do Egito; o segundo

desvio se constitui em uma escolha pela rota terrestre atravessando a Pérsia, pela cidade de

Khorasam, desistindo de uma rota marítima anteriormente proposta. As paradas

aconteceram, primeiro, no Alto Afeganistão, onde Marco Polo precisou se recuperar de

uma doença; e a segunda já nas imediações dos territórios chineses, esperando pela

autorização do khan.

Durante todo este percurso, e mesmo nas viagens posteriores, Marco Polo concede

especial atenção a diversos detalhes das sociedades que visitava. Todos os aspectos que

observava eram dignos de menção, dizia a religião que os povos praticavam16, seus

12 YERASIMOS,. op. cit. p. 14-15. 13 COLLIS. op. cit. p. 24. 14 Ibid. p. 28. 15 YERASIMOS. op. cit. p. 16. 16 Neste aspecto é importante notar os diferentes termos usados. Na edição usada para este trabalho a diferenciação entre os povos que adoravam Maomé se dá pelos termos “muçulmanos” e “sarracenos”, o primeiro tem uma conotação não tão negativa, e serve apenas para designar os habitantes pacíficos das regiões islâmicas; o segundo já se apresenta uma conotação bastante negativa, designando os bandidos que assolavam esta mesma região. Os budistas e hindus presentes nestes territórios, e mais predominantemente nos territórios chineses e indianos, são sempre chamados de “idólatras”, sem qualquer diferenciação. Os cristãos nestorianos, hereges na Europa, são quase sempre referidos apenas como seguidores da fé cristã, podiam não ser os representantes ideais na visão européia, mas eram, praticamente, as únicas referências que podiam ser encontradas nestes territórios.

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costumes, a vestimenta e alimentação local, o principal produto da região, sua geografia,

suas lendas regionais17, e mesmo situações como as comemorações oficiais promovidas

pelo khan em sua corte, e as diversas moradias que o soberano usava em algumas estações

ou ocasiões específicas.

Fig 3.1 – Marco Polo chega à corte do Khan. Imagem de um pergaminho antigo, de autoria

desconhecida.

Quando a comitiva chega a capital imperial e se apresenta a corte mongol, este

interesse de Polo, já bastante notável no início do longo percurso necessário a chegada em

Cambaluc, seria notado por Kubilai Khan que, decidido a aproveitar esta característica do

europeu, logo o indica como um de seus emissários imperiais. Apesar de se constituir um

fator bastante claro, esta razão não deve ser considerada como o único motivo desta filiação

tão incomum. O império mongol não atravessava sua época mais pacífica, khanatos mais

nômades18 estavam insatisfeitos com o assentamento populacional provocado pelos

khanatos da China e da Pérsia, e apesar de dificilmente se transformar em conflitos reais, a

tensão existia. Com isso, a figura de um europeu submisso ao imperador mongol se

transformava em uma importante ferramenta política, não apenas simulando uma

submissão da Europa ao soberano, mas também dos próprios khanatos, que tinham como

sua maior meta a expansão geográfica a este ponto no mapa19.

17 Como, por exemplo, o relato detalhado que nos deixa sobre “Aladino, o velho da montanha”, ao visitar a região de Mulhed. In: POLO, M. O Livro das Maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 81. 18 Representados pelos khanatos da Ordem de Ouro e dos territórios da Mongólia 19 Hipótese ainda mais aparente quando se ressalta a imensidão do império mongol e, principalmente, a área que Marco Polo percorre em suas missões à corte mongol. A China, recém-conquistada, apesar de já possuir um contato um tanto freqüente com representantes deste pólo geográfico, ainda pouco se aplicava a conhecê-

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Essa questão é pouco apresentada nas obras que se dedicam ao estudo deste

personagem, e mesmo considerando uma questão fundamental para se entender toda a

trajetória deste em suas viagens ao Oriente, não irei me aprofundar neste assunto. O

importante – para este trabalho – é que esta filiação ocorreu, e que iria mudar

completamente o relato deixado pelo veneziano. Mudança esta, apresentada, sobretudo, na

segunda parte – das três – de sua obra. O primeiro parágrafo já descreveria toda a

tonalidade que esta seção da obra iria adquirir:

Vou relatar agora as grandes proezas e maravilhas do Grã-Cã que reina atualmente, chamado Cublai, o que no nosso idioma quer dizer senhor dos senhores. E dão-lhe este título com, pois é sabido de todos que ele é o homem mais poderoso da Terra, em tesouros e em exércitos; nunca os houve maiores desde Adão, nosso primeiro pai; e nunca os houve até nossos dias.20

O elogio ao soberano que o havia acolhido é insofismável21. Diferente da maioria de

seus contemporâneos, que insistiam em considerar os mongóis como uma sociedade

propensa à barbárie, Polo a descreve como uma grande civilização, tão ou mais imponente

às suas rivais européias. Mas é fato que esta análise não se desprende de certas raízes, afinal

mesmo estando presente em um contexto oriental por quase duas décadas, Polo nunca deixa

de ser um europeu presenciando uma realidade mongol, externa as suas concepções

originais. A grande inovação prevalece na relativização da classificação adotada, a corte

mongol que, não apenas o acolheu, mas que o transformou – de certa maneira - em seu

representante, era o símbolo da civilidade em uma terra de barbárie. Esta, inclusive, se

torna uma das mais constantes críticas que a obra de Polo recebe, privilegiar a dominação

mongol em detrimento às populações chinesas dominadas22.

No entanto, esta característica se torna muito mais aparente do que real. Ainda que o

grande foco de suas observações estejam nos costumes da aristocracia mongol, a adesão

desta a uma cultura chinesa anterior acaba por providenciar evidências das características

que não são abordadas freqüentemente no texto, como nas citações:

los profundamente, tornando Marco Polo não apenas representante de uma região, mas sim de todo um continente. 20 POLO. op. cit. p. 128. 21 A obra foi escrita em um período posterior ao da viagem e por mãos alheias de Polo, por isso este elogio representa não apenas as primeiras impressões do autor, mas sim toda uma concepção construída durante vários anos e a interpretação de seu redator. A presente questão é referida na introdução deste trabalho. 22 LOPEZ, R. O Nascimento da Europa. Lisboa: Edições Cosmos, 1965. p. 383.

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Os habitantes de Catai bebem vinho assim fabricado: fazem uma bebida com um arroz fermentado e outras espécies de gramíneas e preparam-na, fazendo-a melhor do que qualquer outro vinho, pois é muito forte.23 Há em toda a província de Catai, umas pedras negras, que são arrancadas das montanhas, como os minerais, e queimadas como se fossem pedaços de madeira. E o fogo é mais intenso e resistente que o da madeira; e, se as acenderem ao princípio da noite, guardam o lume até a manhã. Em toda a província de Catai queimam essas pedras. Não faltam bosques que dêem madeira para queimar; mas essas pedras custam menos e duram mais.24

Passagens como estas são, realmente, muito inconstantes no texto, mas isso se deve

ao próprio ambiente que Marco Polo encontraria em suas viagens pelo território mongol na

China, sendo quase sempre acompanhado pela aristocracia dominante à época, ou seja,

personagens ligados, primordialmente, a uma cultura mongol25.

Seus primeiros momentos na capital imperial provavelmente foram de

aperfeiçoamento no idioma mongol, já aprendido em sua maioria no percurso. Pelas suas

descrições, aproveita este tempo para conhecer a burocracia e os locais que freqüentavam a

aristocracia mongol, com isso deixa um relato bastante extenso, sobre os costumes do khan,

e do grupo que o apoiava; da dimensão de seus palácios; da disposição dos exércitos e da

guarda pessoal de Kubilai Khan; das caçadas; e de tantos outros aspectos que de certa

forma chamavam sua atenção. Em seguida, partiria em missão oficial – como representante

do khan – na direção as terras do poente, enquanto seu pai e seu tio se dedicavam, quase

que exclusivamente, à atividade comercial26.

Inicia-se, então, uma série de pequenos relatos sobre todas as localidades pelas

quais passava sua comitiva. As duas maiores características do relato de Polo são

facilmente notadas neste extrato de sua obra, a tentativa de se abranger todas as localidades

que visitava, em contraponto com uma clara tendência a priorizar os grandes centros. Todas

23 Referente a bebida conhecida como saquê, típica das regiões chinesas e japonesas. In: POLO. op. cit. p. 156-157. 24 Agora, citando o uso de carvão, já bastante difundido na China à época, mais ainda quase desconhecido na Europa. In: Ibid. p. 157. 25 Explica, até mesmo, a ausência de algumas menções na obra de hábitos chineses – como a utilização dos hachis (os famosos “palitinhos”) na culinária. 26 COLLIS. op. cit. p. 11.

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as paradas são relatadas, e mesmo que tenha permanecido em um local por pouco tempo

estabelece um relatório genérico, como na breve descrição da cidade de Gioguim27:

(...) e uma grande cidade chamada Gioguim, onde há mosteiros de idólatras. A população vive do comércio e da indústria. Os habitantes tecem formosos panos de ouro e brocados de seda e têm muitas hospedarias para os viajantes. Ao sair da cidade, e a uma milha de distância, há dois caminhos, um para o Poente, o outro para o Oriente; o do Poente atravessa a província do Catai, e o do Oriente vai à província de Mangi.28

Esta primeira empreitada de Polo, a serviço do khan mongol, se situa,

provavelmente29, entre os anos de 1277-78. Nos anos seguintes parece ter permanecido na

capital imperial, sendo testemunha, inclusive, do assassinato do ministro das finanças de

Kubilai, fato ocorrido no ano de 128230. Seria logo após este acontecimento que Marco

Polo atuaria efetivamente como um membro da nobreza dominante. Diferente das viagens

anteriores, onde exercera função de um simples embaixador itinerante, viajando por

diversas regiões dominadas pelos mongóis; Polo seria, agora, enviado a uma província

específica para exercer uma função na burocracia local. O cargo ocupado pelo veneziano,

na cidade de Yangzhu, é incerto. Em seu relato sua figura aparece como o governante da

localidade, mas provavelmente sua função não tenha sido tão privilegiada. Apesar da

dúvida sobre qual seria o cargo ocupado por Polo31, a grande importância deste

acontecimento se reflete na satisfação do autor por contar com tamanha confiança do

soberano de um império tão vasto e poderoso,

Depois da cidade de Cingiu, acha-se uma região fertilíssima, povoada de castelos e granjas em quantidade, encontrando-se uma cidade populosa, chamada Iangiu. É tão grande que, sob seu domínio, tem 27 grandes povoações, que são vilas grandes e de comércio. Esta cidade é governada por um dos doze barões do Grã-Cã. Misser Marco Polo, que ditou estas notas, governou esta terra durante três anos. Os habitantes são idólatras e têm moeda de papel do Grã-Cã. Vivem do comércio e da indústria. Os correeiros da cidade fazem couraças e arreios para os cavalos dos guerreiros, que são os mais finos trabalhados, ornados com muita fantasia. Na cidade e arredores vivem homens importantes e poderosos.32

27 Atual Zhuonxian 28 POLO. op. cit. p. 159. 29 Uma cronologia exata de toda a viagem é impossibilitada por diversas razões. A menção de datas é uma prática incomum no relato, aparecendo apenas em raras ocasiões; as viagens descritas, também, não obedecem, estritamente, a uma ordem direta, já que Marco Polo, ao contar suas aventuras ao seu redator, muitas vezes foi traído por sua memória. 30 YERASIMOS. op. cit. p. 16. 31 Stéphane Yerasimos, na sua introdução à obra de Polo, indica que possivelmente teria sido o cargo de fiscal aduaneiro. In: YERASIMOS. op. cit. p.16. 32 POLO. op. cit. p. 195-196.

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tornando-se claro o porquê da exaltação de sua própria missão, mesmo não correspondendo

a uma realidade. O próprio relato, descrito acima, denota alguns paradoxos claros.

Primeiramente Marco Polo descreve a região como sendo governada por um dos doze

barões do khan,

O grande senhor escolheu doze homens dos principais de seu reino, que fossem entendidos em todos os negócios (...). O conselho por eles formado tem o nome de Feng, que quer dizer a suprema autoridade, e nada há mais poderoso do que ele, a não ser o Grã-Cã. Esta é a maior dignidade que há na corte do grande senhor, pois tem o direito de fazer o que quiser.33

e não restam dúvidas de que Marco Polo não fazia parte deste seleto grupo. Se colocar

acima destes, ou, na mais humilde das hipóteses, no mesmo patamar, pode uma tentativa de

auto-afirmação do próprio Polo, em um contexto que sempre o impelia para camadas mais

baixas; ou mesmo de uma aproximação feita por Rusticiano do autor e seu público alvo, a

nobreza européia. O final da descrição referente à cidade em que Polo assumiria este cargo

oficial ajudam a confirmar estas conjecturas, pois ao colocar “homens importantes e

poderosos” sob sua competência, reafirma a importância do seu encargo.

Fig. 3.2 – Estátua de Marco Polo na cidade de Yangzhou.

33 Ibid. p. 153-154.

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Após o término desta, por volta de 1284, novamente assumiu seu papel anterior, e

viajou por mais algumas dezenas de províncias representando o poder central. Em suas

missões diplomáticas atinge o Ceilão e, posteriormente, o Vietnã, na região de Champa.

Parte então ao Levante, e ao atingir a costa chinesa descreve outra passagem importante da

história mongol que não havia presenciado, mas de certo muito contada pelas suas

companhias, a tentativa de dominação da ilha de Cipango, conhecida atualmente como

Japão.

Cipango é uma ilha do Levante, que está afastada da terra 1.500 milhas. É uma ilha muito grande. Os indígenas são brancos, de boas maneiras e formosos. São idólatras e livres, têm rei próprio, que não é tributário de nenhum outro. Têm ouro em abundância, mas o rei não deixa levar, e por essa razão há lá poucos mercadores e poucas vezes ali vão as naus. Nenhum negociante ou estrangeiro chegou ao interior da ilha. Falarei a respeito dum palácio maravilhoso que um grande senhor da ilha possui. É um palácio grande, todo coberto de ouro fino, tal como são cobertas de chumbo as nossas igrejas. É dum valor incalculável.34

Estas descrições de riqueza chamariam a atenção de Kubilai Khan, que não tardaria

para enviar suas forças armadas em direção a esta ilha, com intuito de conquistá-la. As

empreitadas dos mongóis em direção a Cipango acontecem em algumas ocasiões, mas a

repassada a história é a narrada por Polo, quando ao enviar um grande exército, as forças de

Kubilai teriam sido surpreendidas por uma grande tempestade que, ao assolar a costa da

ilha, forçaria as tropas do khan mongol a procurar abrigo em suas naus, conseqüentemente

afastando-os da costa que tentavam dominar. Pior do que os atrasos causados seriam as

baixas das tropas. De acordo com Polo, apenas 30.000 dos soldados iniciais das hostes

mongóis haviam sobrevivido, e muito pior do que este número era o local em que haviam

conseguido refúgio, em uma ilha menor, a quatro milhas da costa de Cipango, dominada

pelos habitantes desta. Ao perceber que seu inimigo estava desguarnecido, o soberano da

ilha levou sua armada para render seus inimigos que se encontravam na ilha vizinha. Os

acontecimentos a seguir, na narração de Polo, tomam os ares próximos a uma cruzada. Ao

perceber que seu inimigo desembarcava na ilha, os sobreviventes mongóis fugiram ao

interior desta, e ao começar uma perseguição eles retornam a costa por um caminho

diferente e se apoderam dos navios inimigos. Seguiram em direção a Cipango, e tomando a

bandeira da ilha como sua, adentraram no interior e dominaram a capital, que se encontrava

34 Ibid. p. 220-221

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com as defesas bastante reduzidas. As tropas do soberano de Cipango logo retornaram e

iniciaram um cerco em volta da capital para retomá-la. As tropas mongóis resistiriam sete

meses, sem ajuda externa, pois não tinham artifícios para avisar ao khan o que estava

acontecendo. O embate seria resolvido apenas após a parlamentação entre ambos os lados,

forçando uma trégua. Pelo relato de Polo, os mongóis sobreviventes viveriam nas terras de

Cipango até os dias em que esta história havia chegado a ele35.

Novamente encontramos uma passagem a qual Marco Polo, ao escutar algumas

histórias locais a repassa como uma verdade absoluta. A descrição do palácio de ouro, o

qual, na obra, ele chega a descrever como é disposto interiormente36, praticamente nega a

sua afirmação de que “nenhum negociante ou estrangeiro chegou ao interior da ilha”. O

castelo citado, provavelmente, se refere ao, ainda hoje existente, kinkakuji37

, que se localiza

na cidade de Kyoto, no interior da ilha japonesa. Informações tão detalhadas sobre este

somente poderiam ter chegado, ao conhecimento de Polo, depois alguns contatos, de certa

maneira freqüentes, entre estrangeiros e o próprio castelo. A questão da vitória parcial dos

mongóis na batalha da ilha também é bastante discutida. De acordo com outras versões, os

mongóis não teriam tido o êxito temporário de dominar a capital da ilha. Esta dominação é

outro grande artifício que o veneziano encontra para afirmar o poderio de um império, o

qual ele faz parte durante os anos que passa no Oriente. Não que seja impossível de ter

acontecido, mas além de improvável, a certeza indubitável de Polo ao contar esta versão

deixa uma impressão forte de que este procedimento teria sido usado mais uma vez.

Apesar de ter se tornado uma figura ativa na sociedade mongol, o envelhecimento

da comitiva e, principalmente, do khan que os acolhera, começava a preocupar os Polos,

que temiam pela incerteza de seus destinos em um possível processo de sucessão imperial.

Tentavam, então, planejar sua volta à Europa, mas a “burocracia celeste”38 não dispensava

seus membros sem um fundamento forte para esta requisição. A oportunidade apareceria,

apenas, em meados do ano de 1291, quando Arghun, neto de Hulagu, e soberano do

khanato da Pérsia, ao resolver se casar envia um emissário a corte de Kubilai Khan

requisitando uma jovem da mesma tribo de sua primeira esposa, famosa por possuir as

35 Ibid. p. 221-223. 36 Ibid. p. 221. 37 Em uma tradução aproximada, Templo Dourado. A descrição desta riqueza imensurável foi um dos grandes motivos da tentativa de Colombo de chegar as Índias pelo Atlântico.

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mulheres mais bonitas de todo o império. A viagem necessária para realizar esta missão era

especialmente perigosa, os territórios centrais do império ainda apresentavam uma rebelião

endêmica contra a sedentarização representada pelos khanatos da Pérsia e da China39.

Marco Polo, não apenas por conhecer a área extremamente bem – devido a suas inúmeras

viagens anteriores –, mas também por imaginar que esta seria a única grande chance que se

apresentaria em algum tempo, se oferece como guia por uma rota alternativa, representando

a primeira parte de sua viagem de volta a Veneza. Kubilai Khan aceita, e depois de longos

preparativos a comitiva parte em direção aos domínios da Pérsia, pelos mares do sul.

A viagem seria tão difícil e longa como a anterior. Logo em Sumatra, ainda no

início de seu caminho, são obrigados a fazer uma parada de cinco meses. Navegam às

costas indianas e dela partem ao golfo Pérsico. Antes de chegarem na capital dos territórios

de Arghun; este, a maioria dos embaixadores que os acompanhavam na viagem, e o próprio

Kubilai Khan morrem. Mas os Polo, e a princesa Cogatim sobrevivem à viagem, e ao

chegar nos territórios da Pérsia, confiam-na ao filho do soberano falecido. Aportariam em

Veneza no ano de 1295, três anos depois de partir da China, e quase um quarto de século

depois do início da empreitada, causando surpresa e admiração em seus conhecidos, que já

os julgavam perdidos para sempre40. Logo ao voltar, Marco Polo se envolve no comércio e

na vida de sua cidade, e no ano de 1298 é capturado nas guerras entre Veneza e Gênova.

Apesar desta disputa marcar toda a ascensão das duas cidades, as batalhas haviam se

intensificado após o domínio, por parte dos genoveses, do Mar Negro, concessão esta feita

por Miguel VIII, Paleólogo, e que havia deixado os genoveses em uma posição tão

privilegiada quanto os venezianos41. Seria durante este cativeiro, que duraria três anos, que

Polo ditaria suas viagens ao seu companheiro de cela, Rusticiano de Pisa.

Sua vida após estes acontecimentos é pouco documentada, sabe-se que casou, teve

três filhas, e morreu rico, nas honras da república veneziana, em 132442.

38 Denominação da burocracia mongol. 39 YERASIMOS. op. cit. p. 17. 40 COLLIS. op. cit. p. 11. 41 PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Unesp, 2000. p. 159. 42 YERASIMOS. op. cit. p. 18.

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CONCLUSÃO

Ao se estudar as viagens representadas, em grande parte, pelo exemplo da

empreitada do veneziano Marco Polo, a primeira e grande impressão é que estas se

constituíam em aventuras singulares e pioneiras e, muito mais que isso, despendiam de uma

força de vontade e de superação enormes, pois o caminho a se seguir era deveras

desconhecido. O grande objetivo deste trabalho é desmistificar grande parte destes

conceitos, e através da análise de algumas fontes e da bibliografia sobre esta época,

estabelecer que este contato entre os dois distantes pólos era freqüente e sistematizado

muito antes do que grande parte da historiografia admite.

Já no inicio do século X, a aproximação de cidades como Gênova, em menor escala,

e de Veneza, muito mais efetiva, ao Império Bizantino – grande potência mercantil e

detentor dos contatos mais orientais do Ocidente – seria o inicio da configuração necessária

a hegemonia que a Itália possuiria por todo o período da Baixa Idade Média neste aspecto.

Como discutido no capítulo I, é notável o direcionamento da maioria das atividades sociais

e culturais na península a esta atividade. O ritmo que se impôs com o passar dos anos,

representado tanto por fatores externos – como a decadência do império bizantino e a

efetivação das cidades italianas como os grandes centros mercantis da Europa – como por

fatores internos – simbolizados tanto pela urbanização, de certa forma precoce, da

península, como por tantos outros motivos já apresentados – era irreversível, pois afetava a

sociedade em suas mais profundas camadas. A população, de forma quase geral,

participava do comércio, todos queriam aproveitar as oportunidades, e mesmo os de

escassas posses, investiam o pouco que tinham nesta atividade. Com tamanha empolgação

social, o comércio se tornou o grande motor neste contexto do território italiano, e nesta

tentativa de ir cada vez mais longe, o Oriente distante se tornava cada vez mais próximo.

O contato entre estas duas culturas não foi iniciado nestas circunstâncias. As duas

sociedades já possuíam conhecimento uma da outra a mais tempo do que se imagina –

como cada vez mais apontam os estudos que se propõe a analisar esta questão –, mas é

neste contexto que estas missões em direção a este ponto do mapa adquirem uma

importância muito maior do que simples embaixadas, ou mesmo singelas viagens

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comerciais. E esta característica está, sim, diretamente ligada ao fato do advento de uma

nova força militar, os mongóis. A Europa católica estava em uma guerra indefinida contra o

islã, as cruzadas. Apesar de temporariamente conseguir alguns resultados positivos nestes

embates, a situação não demorava a se reverter, ficando cada vez mais claro que as duas

partes envolvidas eram demasiadamente poderosas para conseguirem uma vitória efetiva

favorável a qualquer lado sem uma ajuda externa. Este foi o papel relegado as civilizações

nômades das estepes mongólicas, representando a grande chance de uma aliança definitiva

e necessária ao lado que se sagraria vencedor. Apesar de soar um tanto providencial, esta

noção não foi construída em cima de bases inexistentes. Apesar de aparecer, inicialmente,

como um perigo imediato às civilizações européias – principalmente após o domínio de

grande parte dos territórios orientais deste continente, chegando a quase atingir a Europa

central – com a conquista do império chinês e o relativo assentamento das populações nos

territórios persas e chineses – inclusive grande cisma entre estes e os territórios mais

nômades – essa pressão à Europa iria diminuir, e ao conquistarem praticamente todos os

territórios dominados pelos muçulmanos, a efetiva aliança parecia cada vez mais próxima.

As tentativas oficiais de se forjar esta aliança começam com as viagens de Carpini –

enviado do papa Inocêncio IV em 1245 – e de Rubruck – embaixador de São Luís, no ano

de 1253.

As respostas negativas fornecidas a estes dois monges representariam toda a

tonalidade de, não somente esta, mas também de todas as missões posteriores que partiriam

com este propósito. A causa do desentendimento entre os dois lados, apesar das

similaridades que pareciam possuir, é facilmente entendida, e de certo modo remete ao

mesmo motivo das cruzadas possuírem resultados tão periódicos e incertos tanto aos

católicos quanto aos muçulmanos. O papado e os monarcas ao tentarem forjar esta aliança,

sempre imporiam a condição de submissão mongol às hostes católicas européias, e em sua

resposta, os mongóis não tardavam a propor o contrário. Imaginar que os mongóis estariam

negando uma aliança com os cristãos por aspectos puramente religiosos é bastante

questionável, já que a idéia de uma religião institucionalizada era bastante nova para este

povo. Prova disso está não apenas na demora a se adotar o budismo em seu centro político,

mas também ao se mostrar bastante flexível tanto com as diversas seitas que existiam em

todo o seu território, como também aceitar que diferentes regiões instituíssem outras

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religiões como suas principais – vários khanatos da Pérsia, por exemplo, possuíam o

islamismo como religião oficial. A submissão que não se admitia era a política e,

principalmente, militar, e insistir nesta questão foi um dos grandes fatores que levaram

estas embaixadas ao fracasso.

Apesar de parecer um viés estritamente político da questão analisada, uma possível

solução se encontra na consideração de outros aspectos, e um que se destaca nesta questão é

um olhar cultural, bastante presente na obra que serviria como grande base deste estudo, o

relato de Marco Polo.

Polo não é um embaixador comum, seu pai e seu tio partem primeiramente em uma

viagem com restritos objetivos mercantis. A empreitada destes dois venezianos apenas

começa a se transformar em uma missão oficial quando, após muito negociar nos domínios

do khanato da Ordem de Ouro, estes se dirigem a corte do khan, na China, e são indicados

pelo soberano mongol para representar sua pessoa diante do papa, em uma tentativa de

conversão dos mongóis ao cristianismo. De uma simples missão comercial, lançaram-se em

uma empreitada quase sagrada, ainda mais importante pela iniciativa ter partido do lado

Oriental.

Quando voltaram à China, com o jovem Marco na comitiva, a sociedade mongol já

estava profundamente atrelada às instituições chinesas, e a conversão se tornava

impossível. Mesmo com este aspecto da viagem completamente fracassado, ambas as

partes iriam tirar proveito da situação. O Grã-khan mongol viu, na figura do jovem Polo,

uma chance de simbolizar uma possível filiação da Europa a seus domínios, não demorando

então a indicá-lo como seu funcionário imperial. Esta tentativa não apenas se tornava uma

grande ferramenta política e cultural aos povos recém conquistados na China, mas também

aos khanatos mais nômades – e conseqüentemente mais rebeldes ante a sedentarização de

populações mongóis – que, não apenas dominavam algumas regiões da Europa, mas

também almejavam uma maior projeção do império a estas regiões. Os Polo, por sua vez,

com as graças do khan, teriam a possibilidade de exercer a atividade mercantil em todo o

vastíssimo império mongol, e o jovem Marco, com seu cargo de embaixador, poderia

visitar diversas regiões em uma tentativa de conhecer melhor esta civilização que tanto

permeava os anseios ocidentais.

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E a exaltação da grandiosidade da sociedade mongol, feita no relato de Marco Polo,

responderia facilmente a questão levantada anteriormente. Uma submissão dos mongóis

ante as sociedades européias era simplesmente inviável por causa do próprio poderio

daqueles. Fica bastante claro, na obra do veneziano, que as culturas orientais – aqui

representadas pelos povos mongóis, que ao dominar quase toda a extensão entre a Europa e

o Mar do Japão, agregaram as várias culturas como sua – em nada deviam às culturas

ocidentais européias.

Talvez uma tentativa de aliança entre iguais tivesse obtido uma resposta positiva,

mas ao ser pretensiosa e tentar fornecer um lado dominante, a Europa sempre receberia a

mesma resposta.

No entanto essa exaltação exagerada de Polo deve ser analisada com cuidado. A

“mongolização” deste personagem é um tanto relativa, pois ainda que se diferencie de

grande parte de seus contemporâneos, o relato de Polo ainda não se desprende de certas

raízes, afinal mesmo estando presente em um contexto oriental por quase duas décadas, ele

nunca deixa de ser um europeu presenciando uma realidade mongol, externa as suas

concepções originais. A grande inovação prevalece na relativização da classificação

adotada, a corte mongol que, não apenas o acolheu, mas que o transformou – de certa

maneira - em seu representante, era o símbolo da civilidade em uma terra de barbárie.

A real importância de Polo nas cortes mongóis é impossível de se estabelecer, no

entanto o fato que se deve levar em consideração para o entendimento desta questão é o

quanto ele próprio se considerava primordial a esta. E, de acordo com seus relatos, ele foi

personagem destacado neste contexto. Com isso a exaltação de uma sociedade da qual ele

próprio era peça fundamental, acaba se tornando não apenas um elogio à sua pessoa, mas

aquilo que ele representa, neste caso, a Europa. As passagens de sua obra que melhor

ilustram esta característica da obra são, seu cargo burocrático, durante três anos, na cidade

de Yangzhu; e ao narrar a tentativa de dominação do khan à ilha de Cipango.

No primeiro caso, esta relação é bastante direta. Ao se dizer governante da

província, Polo estaria se descrevendo como um dos personagens mais proeminentes da

corte de Kubilai Khan, pois não cansa de repetir, ao longo de toda sua obra, que o khan

apenas relegava funções de tamanha importância a personagens proeminentes de sua corte.

No segundo caso, esta relação se torna relativamente indireta, mas de fácil percepção. Ao

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descrever o insucesso da missão mongol a Cipango como uma vitória parcial das tropas do

khan, Marco Polo deixa claro que sua vinculação a corte do mesmo nunca poderia ser

permeada por um fracasso, ainda mais no âmbito militar. Com isso Polo tenta exaltar não

um exército qualquer, mas sim o exército que defendia um patrimônio do qual ele era

personagem central.

Assim temos uma rara situação onde ambos os lados envolvidos lucraram bastante

com tal filiação tão incomum. O sucesso pelo lado Oriental se torna um pouco mais difícil

de se estipular, já que fontes diretas não são encontradas. Mas se a viagem de Polo

realmente possui a vastidão que ele descreve, este pode ser o fator principal nesta avaliação,

pois é certo que o khan mongol não o mandaria a tantos lugares se o seu propósito não

estivesse sendo alcançado. Já no lado ocidental é um tanto mais fácil, já que o sucesso de

Polo pode ser medido pela popularidade de seu livro, e dizer que esta obra foi amplamente

divulgada desde sua primeira aparição não constitui em nenhuma surpresa. O essencial é

saber o porquê deste sucesso, e as razões não são poucas. É claro que a magnitude da

viagem, os perigos corridos e todos estes recursos quase literários – aqui se deve muito ao

redator da obra, Rusticiano – eram alguns destes fatores, no entanto o fator que mais

agradou a Europa foi que o livro de Polo retratava a sociedade mongol exatamente como os

europeus a imaginavam, rica, distante e amigável ao Ocidente católico.

E nada mais normal, pois diferente do que Polo disse sobre sua obra, ele nunca

escreveu sobre o que viu, mas sim sobre o que quis ver.

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FONTES ANCONA. J. Cidade de Luz. Rio de Janeiro: Imago, 2001. CERTALDO, P. M. P. da. Libro di Buoni Costumi. Firenze: Schiaffini, 1945. POLO, M. O Livro das Maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 1999.

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ANEXOS

LISTA DE ANEXOS:

ANEXO 1 – Quadro genealógico (p. 69): os sucessores de Gêngis Cã (1227-1336). Fonte:

http://www.bartleby.com/67/images/mongol01.gif

ANEXO 2 – Mapas:

• Mapa 1 (p. 70): As Comunas Italianas entre os séculos XII e XIII.

• Mapa 2 (p. 71): As Universidades Européias na Idade Média. Fonte:

http://www.lib.utexas.edu/maps/historical/shepherd/mediaeval_universities.jpg

• Mapa 3 (p. 72): As Quatro Primeiras Cruzadas. Fonte:

http://www.uoregon.edu/~klio/maps/med/crusades.jpg

• Mapa 4 (p. 73): As Principais Ramificações da Rota da Seda. Fonte:

gallery.sjsu.edu/ silkroad/map.htm

• Mapa 5 (p. 74): Tribos Mongóis antes de Genghis Khan. Fonte:

http://images.nationmaster.com/images/maps/kz-map.gif

• Mapa 6 (p. 75): Os Domínios Mongóis entre os anos 1300-1405. Fonte: http://www.lib.utexas.edu/maps/historical/shepherd/mongol_dominions.jpg

• Mapa 7 (p. 76): A Rota dos Polos em sua duas Viagens a China. Fonte:

http://www.silk-road.com/maps/images/polomap.jpg

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