as sagradas escrituras -...
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As Sagradas Escrituras
Um comentário brasileiro da CFB1689 – 1.2-3
Por Marcus Paixão
Revisão por Luciano Kennedy Vieira
Edição Final e Capa por William Teixeira
1ª Edição: Setembro de 2018
Salvo indicação em contrário, as citações bíblicas usadas nesta tradução são da versão Almeida
Corrigida Fiel | ACF • Copyright © 1994, 1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.
Traduzido e publicado em Português pelo website oEstandarteDeCristo.com, com a permissão do
autor, sob a licença Creative Commons Attribution-NonCommercialNoDerivatives 4.0 International
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A Confissão de Fé Batista de 1689
Capítulo 1: As Sagradas Escrituras
Comentário por Marcus Paixão
Parágrafo 21
Sob o nome de Sagradas Escrituras, ou Palavra de Deus escrita, incluem-
se agora todos os Livros do Antigo e do Novo Testamento, que são estes:
DO ANTIGO TESTAMENTO: Gênesis; Êxodo; Levítico; Números; Deutero-
nômio; Josué; Juízes; Rute; 1Samuel, 2Samuel; 1Reis, 2Reis; 1Crônicas,
2Crônicas; Esdras; Neemias; Ester; Jó; Salmos; Provérbios; Eclesiastes;
Cantares de Salomão; Isaías; Jeremias, Lamentações; Ezequiel; Daniel;
Oséias; Joel; Amós; Obadias; Jonas; Miquéias; Naum; Habacuque;
Sofonias; Ageu; Zacarias; Malaquias.
DO NOVO TESTAMENTO: Os Evangelhos segundo Mateus, Marcos, Lucas
e João; Atos dos Apóstolos; as Epístolas de Paulo aos Romanos, 1Co-
ríntios, 2Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1Tessaloni-
censes, 2Tessalonicenses, 1Timóteo, 2Timóteo, Tito, Filemom; a Epístola
aos Hebreus; a Epístola de Tiago; a Primeira e Segunda Epístolas de
Pedro; a Primeira, Segunda e Terceira Epístolas de João; a Epístola de
Judas; Apocalipse.
Todos os quais são dados por inspiração de Deus, para ser a regra de fé
e vida.
O segundo parágrafo do primeiro capítulo da Confissão Batista apresenta a lista dos
livros que compõe a Bíblia. O parágrafo é idêntico ao da Confissão de Fé de
Westminster. Embora citar integralmente essa lista de livros possa parecer algo
desnecessário em nosso tempo, era imprescindível no século XVII. Como veremos
logo em seguida, a Igreja Católica Romana defendeu um cânon mais extenso, que
1 Leia o comentário do parágrafo 1 do capítulo 1 da CFB1689.
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acomodava mais livros que o cânon Protestante. Por isso, esse parágrafo apresenta
a nomeação de cada livro que os batistas, e o protestantismo Reformado em geral,
reconheceram como parte da Escritura Sagrada.
A Confissão diz que “Sob o nome de Sagradas Escrituras, ou Palavra de
Deus escrita” estão todos os livros que são reconhecidamente inspirados. Sagra-
das Escrituras é um termo que a própria Escritura utiliza para os textos inspirados,
mas geralmente apenas “Escritura” é citado. O termo “sagrada” referente à Escritura
é uma derivação da palavra santo. Em inglês, “Holy Bible” (Bíblia Sagrada) ou “Holy
Scriptures” (Sagradas Escrituras), ou mesmo “Santa Bíblia, Santa Escritura”. Isso
indica a Bíblia como um livro santo ou simplesmente “separado” de qualquer outro
livro ou escrito. Esse ponto é importante, porque mostra que os primeiros batistas
não consideravam a Bíblia apenas como um livro da antiguidade ou o compêndio de
histórias e tradições de um povo antigo. Também significa que a Bíblia era incom-
parável em relação a qualquer outro escrito religioso. Os batistas consideravam que
somente a Escritura, com sua revelação redentiva, era sagrada.
Outra nomeação que a Confissão apresenta para a Bíblia é “Palavra de Deus
escrita”. Esse título também deriva da própria Bíblia, especialmente quando Jesus
se refere a Deus Pai: “guardaram a tua palavra” (João 17:6), e “porque lhes dei as
palavras que tu me deste” (João 17:8); ou em textos em que Deus chama “minha
palavra” a sua revelação. Em Êxodo 24:4 somos informados de que “Moisés escre-
veu todas as palavras do Senhor”, tornando, assim, a Palavra de Deus, escrita.
Isaías também registrou a Palavra de Deus, escrevendo num livro as coisas que
ouviu: “Vai, pois, agora, escreve isto numa tábua perante eles e registra-o num livro”
(Isaías 30:8). Na tentação, a Palavra de Deus escrita é três vezes anunciada por
Jesus: “está escrito” (Mateus 4:4); “também está escrito” (4:7) e “porque está Escrito”
(4:10).
Ainda que por inferência, os dois termos citados na Confissão estão bem
coloca-dos, pois mesmo na palavra profética, quando se ler: “assim diz o Senhor”
ou “a boca do Senhor o disse”, fica demonstrado que o profeta é apenas um
instrumento na transmissão da Palavra que o próprio Deus disse. Assim, todas
essas referências evidenciam que se trata de uma alusão à revelação de Deus ou
Palavra de Deus.
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Os batistas não tinham a intenção de afirmar que a Escritura era conhecida
somente sob esses dois títulos: “Escritura Sagrada e Palavra de Deus”, pois há
inúmeros outros nomes que a própria Escritura toma para si. Mas esses dois títulos
escolhidos pela Confissão são, sem dúvida, bem representativos.
A construção dessa sentença é interessante. A Confissão afirma que sob o
nome de Sagradas Escrituras ou Palavra de Deus escrita “incluem-se agora todos
os Livros do Antigo e do Novo Testamento”. A construção “incluem-se agora”
parece indicar mais uma vez o fechamento do cânon. Especialmente o emprego da
palavra “agora”, seguida de “todos os Livros”, aponta na direção de um cânon
fechado em que nada mais pode ser acrescentado ou retirado. O parágrafo seguinte
vai ser um manifesto de repúdio contra as alterações católico romanas, que
acrescentaram livros apócrifos à Escritura.
Os Reformadores e os apócrifos
Note que o Cânon por muitos séculos esteve aberto2 e as Sagradas Escrituras
estavam sendo progressivamente escrita, isso à medida que a revelação redentiva
era comunicada aos escritores sagrados. Naquele período a Escritura estava
“aberta” e mais e mais revelação estava sendo acrescentada a ela, pela própria
vontade de Deus. Porém, os batistas entendem que o cânon está “agora” fechado e
que todo o conteúdo divinamente revelado está incluído nos livros do Antigo e do
Novo Testamento. Como o período era de intensos debates sobre o conteúdo do
cânon, e os católicos romanos apresentavam outra alternativa, acrescentando livros
ao cânon, era crucial que a Confissão apresentasse uma lista completa dos livros
que formavam as Sagradas Escrituras.
A lista apresentada na Confissão consta dos 39 livros do Antigo Testamento
seguidos pelos 27 livros do Novo Testamento, totalizando os 66 livros bíblicos
reconhecidos pela Igreja Antiga, pelo Protestantismo Reformado e pela totalidade
das igrejas evangélicas e protestantes da atualidade.
2 Não confundir aqui “cânon aberto” com o que os teólogos liberais dizem quando usam o
mesmo termo. cânon aberto neste ponto significa o cânon em processo de formação,
quando os livros estavam sendo escritos.
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Neste segundo parágrafo, os batistas afirmam quais livros têm autoridade sobre
a igreja, e aqui mais uma vez fica patente o contexto de disputa com a Igreja Católica
Romana, visto que os livros apócrifos da lista católico romana foram acrescentados
por ela, o que implica dizer que a Igreja de Roma tem autoridade e é a formadora do
cânon. Para os batistas, não é a Igreja que forma e tem autoridade sobre o cânon,
mas o cânon ou as Sagradas Escrituras é que detém autoridade sobre a Igreja. A
Igreja deve submeter-se obedientemente à Palavra de Deus.
A última parte deste parágrafo conclui com a seguinte declaração sobre os 66
livros listados: “Todos os quais são dados por inspiração de Deus, para ser a
regra de fé e vida”. Eis o motivo pelo qual a Confissão atribui total autoridade à
Escritura: a inspiração divina. A Escritura foi soprada por Deus (2 Timóteo 3:16), por
isso a afirmação da inspiração de todos os livros. Note que em 2 Timóteo 3:16 o que
é tido como inspirado é o texto sagrado: “toda a Escritura é inspirada por Deus”. Os
autores humanos foram escolhidos por Deus para essa tarefa, “falaram inspirados”
(2 Pedro 1:21) pelo Espírito Santo para escrever o texto inspirado (soprado). Em
suma, os autores não são inspirados, somente o produto que eles receberam de
Deus, a revelação redentiva ou Sagrada Escritura, é inspirada.
Embora na teologia sistemática a inspiração seja uma obra realizada pelo
Espírito Santo, a Confissão não erra em conferir a inspiração a Deus: “inspiração
de Deus”. Primeiro porque o Espírito é inequivocamente uma pessoa da Divindade.
Ele é Deus. Segundo, considerando Deus Pai, é dEle que o Espírito procede, sendo
enviado por Ele com a missão designada conforme o Seu plano eterno.
A Confissão de Fé Batista de 1689 está alicerçada sobre as Sagradas Escritu-
ras como um compêndio de afirmações teológicas verdadeiras, por isso, é funda-
mental declarar que toda a confiança posta na Escritura reside no fato de sua
inspiração divina, que a torna, dentre outras coisas, inerrante ou livre de qualquer
tipo de erro. O significado de inspiração para a Confissão tem lugar elevado e reflete
a ortodoxia cristã milenar. Para os batistas, a Escritura não “se torna” a Palavra de
Deus, como afirma a neo-ortodoxia encabeçada por Kierkegaard. Da mesma forma,
para os batistas de 1689, a Escritura não apenas “contém” a Palavra de Deus, como
declarou o liberalismo teológico algum tempo depois, alegando que algumas partes
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da Bíblia realmente contém a Palavra de Deus e são divinas, mas outras partes são
meramente humanas e possuem erros.
A Confissão Batista declara enfaticamente, e com uma variedade de afirma-
ções, que as Sagradas Escrituras “é” a Palavra de Deus. Ela não simplesmente
“contém” ou “torna-se” a Palavra de Deus. Ela é a Palavra de Deus. Embora esse
desenvolvimento no conceito da inspiração seja posterior à escrita da Confissão, os
batistas já afirmavam essa qualidade da Escritura, repudiando os erros da teologia
liberal e da neo-ortodoxia antecipadamente. A Confissão afirma que Deus inspirou
toda a Escritura, o que abrange todo o seu conteúdo e não somente algumas partes.
Assim, o conceito de uma inspiração verbal (o texto) e plenária (a totalidade do texto)
se firma na Confissão de 1689.
Alguns teólogos presbiterianos3 chegaram a questionar a doutrina da inerência
da Escritura, especialmente alegando que a “inerrância não se encontra nos padrões
de Westminster”.4 Note que eles não rejeitavam a Confissão de Fé de Westminster,
mas consideravam que labutava em erro quem procurava a doutrina da inspiração
e da inerrância naquele documento. Como o texto da Confissão de Fé Batista de
1689 é idêntico ao da Confissão de Fé de Westminster, vale apena fazer uma
observação nesse ponto.
Como o termo “inerrância” não se encontra na Confissão, surge o questiona-
mento de que essa doutrina não foi ensinada, e, dessa forma, alguém poderia pensar
que a Bíblia pode realmente conter alguns erros, como dizem os liberais. Mas
observe essa explicação:
É fácil ver a razão pela qual a palavra ‘inerrante’ não é usada. Há 350 anos, os
problemas críticos modernos e o ‘conflito’ entre ciência e Bíblia, ou as sérias ques-
3 Conforme o texto de Laird Harris, esses teólogos questionaram o pensamento dominante
da Igreja Presbiteriana, e criticaram os célebres teólogos Charles Hodge, Benjamin Warfield
e John Gresham Machen. Eles foram acusados de terem criado a doutrina da inspiração
verbal e da inspiração: “um desenvolvimento recente, o produto da escola de pensamento
de Hodge-Warfield-Machen no Seminário de Princeton”. Inspiração e Canonicidade da
Bíblia, p. 59.
4 Ibid, p. 59.
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tões sobre a exatidão histórica ainda não tinham surgido. A Confissão fala da
verdade ‘infalível’ da Palavra de Deus e isso deveria ser suficiente. ‘Inerrante’ sig-
nifica ‘sem erro’; ‘infalível’ significa ‘incapaz de erro’. Essa é realmente uma palavra
mais forte... Assim, os padrões de Westminster realmente ensinam a inerrância
bíblica, embora não usem a terminologia moderna que foi desenvolvida para enfren-
tar o novo ataque (HARRIS, p. 60).
Quando o termo “infalível” surge na Confissão de 1689, ela realmente está
afirmando, assim como Westminster, a inerrância das Sagradas Escrituras. A
Confissão assegura a infalibilidade da Bíblia em decorrência da inspiração divina.
Waldron observou que não existe nenhuma crítica na Escritura a ela mesma, e que
não há em nenhum lugar da Bíblia uma declaração de que há algum erro em
qualquer de suas partes.5
A consequência da inspiração é óbvia: se o texto bíblico é divinamente
inspirado, então ele deve ser aceito como “a regra de fé e vida”. Isso significa que
toda a Escritura deve ser crida pela Igreja. Tudo que foi revelado deve ser crido e
não negado. As Sagradas Escrituras também são uma regra para a conduta. É a
“regra de fé e vida”, como foi frequentemente confessado no passado por todos os
batistas.
Parágrafo 3
Os livros comumente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração
divina, não fazem parte do cânon ou regra da Escritura; e, portanto, não
são de autoridade para a Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser
aprovados ou empregados, senão como escritos humanos.
Neste parágrafo o alvo da Confissão é defender o cânon sagrado e a inspiração. O
texto é deliberadamente contra os acréscimos promovidos pela Igreja Católica
Romana, que adicionou alguns escritos ao conjunto de livros reconhecidamente
canônicos e de inspiração divina. Os livros acrescentados são “comumente chama-
5 WALDRON, Samuel E. A Modern Esposition of the 1689 Baptist Cofession of Faith [Uma
Exposição Moderna da Confissão Batista de 1689], p. 34.
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dos Apócrifos”, e haviam sido adotados pela Igreja Romana há mais de um século,
no Concílio de Trento.
A palavra grega “apócrifo” é aplicada aos livros que, por não serem inspirados,
não fazem parte do cânon sagrado:
“Significava [no grego clássico] ‘oculto’ ou ‘difícil de entender’. Posteriormente,
tomou o sentido de esotérico, ou algo que só os iniciados podem entender, não
os de fora. Pela época de Irineu e de Jerônimo (séculos III e IV), o termo
apocrypha veio a ser aplicado aos livros não canônicos do Antigo Testamento
[...] Desde a era da Reforma, essa palavra tem sido usada para denotar os
escritos judaicos não canônicos originários do período intertestamentário”
(GEISLER; NIX, p. 91).
A controvérsia relacionada ao conteúdo do cânon, sobre quais livros eram
inspirados, teve seu apogeu na Reforma, quando Lutero atacou o ensino das
indulgências proposto pelo catolicismo romano. Lutero rejeitou todas as argumenta-
ções e alegou que somente a Escritura tinha a autoridade para dar um veredicto final
sobre a prática das indulgências, e não a Igreja ou o Papa. A Escritura tinha a
primazia, e não havia nenhum livro canônico que argumentasse em favor da
inovação Romanista. Desde então, questionou-se quais livros eram realmente parte
do cânon, isto é, quais livros eram realmente inspirados. Como parte da defesa das
indulgências estava alicerçada sob os livros apócrifos, a Igreja Católica Romana os
reconheceu como inspirados no Concílio de Trento (1545), e declarou anátema a
todos que os rejeitavam.6
Conforme a decisão tomada no concílio católico romano de Trento, “se alguém não
receber tais livros como sagrados e canônicos, em todas as suas partes, da forma
em que têm sido usados e lidos na Igreja Católica [...] seja anátema” (GEISLER;
NIX, p. 93).
Os livros apócrifos são os seguintes: Sabedoria de Salomão, Eclesiástico,
Tobias, Judite, 1 Esdras, 2 Esdras, 1 Macabeus, 2 Macabeus, Baruque, Epístola de
Jeremias, Adições em Ester, Oração de Azarias, Susana, Bel e o Dragão, Oração
de Manassés. Os apócrifos somam um total de 15 livros, e são todos classificados
6 Cf. BRUCE, F.F. O Cânon das Escrituras, pp. 92-96.
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pelos papistas como pertencentes ao Antigo Testamento. A Confissão Batista, con-
tudo, nega a inspiração, a canonicidade e a autoridade de tais livros, bem como
desaprova o seu uso.
A Confissão de 1689 faz quatro afirmações negativas a respeito dos livros
apócrifos. As declarações são progressivas, de modo que o argumento subsequente
é um desenvolvimento lógico do anterior.
Primeiro, “não sendo de inspiração divina”. O fato que leva os batistas a não
reconhecerem os apócrifos é a sua não inspiração. Não são Escritura Sagrada. Eles
contêm erros e em muitos pontos contradizem os textos inspirados. No livro de
Macabeus surge a oração pelos mortos, que se constituiu a base da defesa da Igreja
de Roma dessa prática. Mas a Escritura não ordena tal coisa, antes a proíbe. Como
a inspiração é livre de erro e da contradição de suas partes, os batistas rejeitam tais
livros.
Segundo, “não fazem parte do cânon ou regra da Escritura”. A afirmação é
dupla: teológica e histórica. Os apócrifos não fazem parte do cânon pelo fato de não
serem inspirados, conforme apresentado acima. O cânon só pode ser compreendido
por aqueles livros que foram soprados por Deus. Ao afirmar que não fazem parte da
regra das Escrituras, a Confissão se baseia em registros históricos, desde os pais
da Igreja, até o cânon judaico, que não reconhecia nenhum dos livros apócrifos. No
cânon judaico constam exatamente os mesmos livros que o protestantismo
reconhece como canônicos.
Terceiro, “não são de autoridade para a Igreja de Deus”. A Confissão já
declarou que a Escritura foi dada à igreja porque o seu conteúdo é a revelação re-
dentiva, sendo ela “a única, suficiente, correta e infalível regra de todo conheci-
mento, fé e obediência salvíficos”. Os livros apócrifos não têm essas qualifica-
ções. Não são regra para a igreja, antes, eles são insuficientes em si mesmos, estão
coalhados de equívocos teológicos, históricos e geográficos, são falíveis por não
serem inspirados, são nulos de autoridade para a igreja.
Quarto, “De modo algum podem ser aprovados ou empregados”. A Confis-
são não reconhece os apócrifos, portanto, não os aprova como Escritura, como fez
a Igreja De Roma. Os Batistas desaprovaram todos os escritos apócrifos, pseudepí-
grafos e deuterocanônicos, e com essa ênfase em desaprová-los. Os batistas
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11
seguem exatamente o caminho contrário da Igreja Romana. Essa é uma declaração
clara de rompimento e desacordo com a igreja papal. A proibição quanto ao uso está
na esfera de “revelação”. Não podem ser usados, empregados, como se fossem
inspirados e parte da revelação redentiva. Os apócrifos não passam de escritos
puramente humanos, e, por não serem inspirados por Deus, não têm nenhum valor
espiritual ou salvífico para a igreja.
A única concessão que a Confissão faz aos apócrifos é igualá-los a quaisquer
outros “escritos humanos”. Como texto meramente humano, há alguma utilidade
neles, assim como há utilidade nos livros de historiadores, poetas, cronistas e até
nos livros ficcionais. Nessa perspectiva, escritos não inspirados têm alguma utilida-
de, e são até citados na Escritura, como o livro de Enoque, que é citado no livro
canônico de Judas (vv. 14-15). Além do livro de Enoque, Paulo cita alguns poetas
gregos, dos quais foram identificados os pagãos Epimênides, Cleanto, Arasto (Atos
17:18-28); Menandro (1 Coríntios 15:33). Os apóstolos e o Senhor Jesus Cristo reco-
nheceram os trinta e nove livros do Antigo Testamento como inspirados e canônicos,
fazendo citações do Antigo Testamento no Novo Testamento, mas nenhum dos
apócrifos jamais é citado como Escritura inspirada.
Especialmente sobre a utilidade dos apócrifos do Novo Testamento, Geisler e
Nix destacam três delas:
“Há diversas razões por que são importantes, e faziam parte das bibliotecas
devocionais e homiléticas das igrejas primitivas: 1) revelam os ensinos da igreja
do século II, 2) fornecem documentação da aceitação dos 27 livros canônicos
do Novo Testamento e 3) fornecem outras informações históricas a respeito da
igreja primitiva, no que concerne à sua doutrina e liturgia” (GEISLES; NIX, p.
119).
Reformadores como Lutero e Zuínglio chegaram a publicar em suas Bíblias os
apócrifos, mas sempre sob a ressalva de que eram meros escritos humanos, não
podendo ser equiparados aos textos inspirados.
“Lutero demonstrou sua aceitação da distinção feita por Jerônimo entre as duas
categorias de livros do Antigo Testamento ao reunir os Apócrifos em sua Bíblia
alemã como uma espécie de apêndice ao Antigo Testamento, ao invés de
deixá-los na posição que ocupavam na Vulgata [...] A sessão que os continha
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era intitulada: ‘Os Apócrifos: Livros que não devem ser considerados iguais à
Escritura Sagrada, mas que são úteis e bons para a leitura’” (BRUCE, p. 93).
Sobre Zuínglio, F. F. Bruce diz que “na Bíblia de Zurique, publicada por Zuínglio,
os livros apócrifos já haviam sido separados do restante do Antigo Testamento e
publicados num volume à parte” (p. 93). Segue, então, desde a Reforma Protestante
que os livros apócrifos não fazem parte da Bíblia que os reformadores utilizaram,
pelo menos não como reconhecidamente canônicos. Por outro lado, eles são
definitivamente reconhecidos e acrescentados ao cânon da Igreja Católica Romana
nessa mesma época.
Essa posição dos reformadores não foi acompanhada pela Confissão de 1689
e nem pelos reformadores radicais, os Anabatistas. Os Anabatistas não nutriam o
menor interesse pela tradição e muito menos pelos livros apócrifos contidos na
Vulgata, a Escritura Romanista padrão. Lutero e Zuínglio embora rebaixando e não
reconhecendo a inspiração deles, os mantiveram em suas versões bíblicas, o que
representa um certo grau de apreço pela literatura apócrifa. Contudo, é ponto
pacífico que eles não tinham tais livros como Escritura.
Os textos bíblicos que a Confissão utiliza contra os apócrifos papistas e como
prova do seu ponto, são respectivamente Lucas 24:27,44 e Romanos 3:2. Os dois
textos são neotestamentários, mas apontam para o cânon do Antigo Testamento.
No Evangelho de Lucas a referência é à totalidade das Escrituras do Antigo Testa-
mento: “começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele
se achava em todas as Escrituras” (v. 27), e “[...] convinha que se cumprisse tudo o
que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos” (v. 44).
Os dois textos têm a função de anular qualquer pretensão dada aos apócrifos
como Sagradas Escrituras. Os textos bíblicos apresentam as divisões do cânon
judaico, primeiro considerando “Moisés e os profetas” e, depois, modificando um
pouco essa divisão: “Lei de Moisés, profetas e Salmos”, onde o livro de Salmos é
acrescentado. Note que na passagem de Lucas os livros apócrifos não estão pre-
sentes no cânon judaico, sendo excluídos pelo próprio evangelista e pelo Senhor
Jesus.
Em Romanos 3:2, Paulo argumenta sobre o privilégio dos judeus, que recebe-
ram a revelação divina escrita, enquanto que outras nações jamais tiveram qualquer
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contato com o texto sagrado. Paulo diz a respeito dos judeus, “as palavras de Deus
lhe foram confiadas” (3.2). Novamente a Confissão frisa a importância do cânon
judaico, lembrando que os judeus receberam os oráculos de Deus, e que seu cânon
deve ser levado em conta ao analisar a lista canônica do Antigo Testamento. Os
apócrifos são livros que jamais foram contados no cânon judeu.
Comentando esse parágrafo da Confissão Batista, Russel Fuller cita o judeu
Flávio Josefo (contra Apion) e o Talmude Babilônico, Baba Bathra, como testemu-
nhos da rejeição dos livros apócrifos, e conclui que “os judeus aceitaram os trinta e
nove livros da Confissão, mas rejeitaram os apócrifos” (p. 22). Ele acrescenta: “Para
os Rabis o espírito da profecia desapareceu de Israel depois de Malaquias,
considerando os apócrifos sem autoridade profética e, assim, sem inspiração divina”
(p. 22).7
Com a citação dos dois textos bíblicos, a Confissão desmonta o acréscimo
papista feito pelo Concílio de Trento, expõe sua falta de autoridade, anula os apó-
crifos como Escritura inspirada, e confirma o cânon ortodoxo com os 39 livros do
Antigo Testamento que sempre foram reconhecidos pelos judeus, e os 27 livros do
Novo Testamento reconhecidos pela Igreja.
Sola Scriptura!
Sola Gratia!
Sola Fide!
Solus Christus!
Soli Deo Gloria!
7 FULLER, Russel. The Rule and Authority of Scripture [A Regra e Autoridade da
Escritura], In Founders Journal, spring 2016, nº 104.
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FONTES BIBLIOGRAFICAS
BRUCE, F.F. O Cânon das Escrituras: como os livros da Bíblia vieram a ser
reconhecidos como Escrituras Sagradas? Hagnos, São Paulo, 2011.
FULLER, Russel. The Rule and Authority of Scripture [A Regra e Autoridade da
Escritura], In Founders Journal, spring 2016, nº 104.
GEISLER, Norman; NIX, William. Introdução Bíblica: como a Bíblia chegou até nós.
Vida, São Paulo, 2005.
HARRIS, Laird. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. Cultura Cristã, São Paulo, 2004.
WALDRON, Samuel E. A Modern Esposition of the 1689 Baptist Cofession of Faith
[Uma Exposição Moderna da Confissão Batista de 1689]. Evangelical Press, England, 2009.
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15
2 Coríntios 4
1 Por isso, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos;
2 Antes, rejeitamos as coisas que por vergonha se ocultam, não andando com astúcia nem
falsificando a palavra de Deus; e assim nos recomendamos à consciência de todo o homem,
na presença de Deus, pela manifestação da verdade. 3 Mas, se ainda o nosso evangelho está
encoberto, para os que se perdem está encoberto. 4 Nos quais o deus deste século cegou os
entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória
de Cristo, que é a imagem de Deus. 5 Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo
Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus. 6 Porque Deus,
que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações,
para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo. 7 Temos, porém,
este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós. 8 Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados.
9 Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos;
10 Trazendo sempre
por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus
se manifeste também nos nossos corpos; 11
E assim nós, que vivemos, estamos sempre
entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na
nossa carne mortal. 12
De maneira que em nós opera a morte, mas em vós a vida. 13
E temos
portanto o mesmo espírito de fé, como está escrito: Cri, por isso falei; nós cremos também,
por isso também falamos. 14
Sabendo que o que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará
também por Jesus, e nos apresentará convosco. 15
Porque tudo isto é por amor de vós, para
que a graça, multiplicada por meio de muitos, faça abundar a ação de graças para glória de
Deus. 16
Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o
interior, contudo, se renova de dia em dia. 17
Porque a nossa leve e momentânea tribulação
produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; 18
Não atentando nós nas coisas
que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se
não veem são eternas.