assistência 24 horas - run100km.comrun100km.com/data/uploads/support_final-port.pdf ·...

15
Assistência 24 Horas Como é apoiar um corredor na ultramaratona mais difícil do mundo O Tor des Geants (TDG) é uma corrida de 339km nos alpes do noroeste da Itália, onde o país faz divisa com a França e a Suíça. O TDG é uma corrida de etapa única, na qual os corredores tem um limite de 150 horas para completar. Montanhas íngremes, terreno variado e brutal e rápidas variações climáticas fazem dessa a ultramaratona mais difícil do mundo desse tipo. O TDG é aberto a qualquer pessoa que aceite o desafio – e que consiga ter o número selecionado através de uma loteria. A corrida começa e termina na charmosa cidade de Courmayeur, que fica a uma hora e meia de carro de Genebra e duas horas e meia de Milão. Fatores que fazem essa corrida tão difícil Enquanto a maioria das pessoas se concentra no fato de que essa corrida cobre 339km, a distância sozinha não é o fator que a faz tão difícil. Essa corrida é “um tour dos gigantes” – uma volta pelo Vale d’Aosta, onde os corredores passam um pouco abaixo dos picos dos quatro alpes nessa área que tem mais de 4,000m de altitude: Mont Blanc (Monte Bianco), Gran Paradiso, Monte Rosa e Matterhorn (Cervinia). Se você não tem muita familiaridade com esses, basicamente significa que as subidas são íngremes e enormes e algumas partes vão acima de 3,000m de altitude. A corrida inclui 25 montanhas com mais de 2,000m de altitude e depois de adicionar todas as subidas, a altimetria total é de 31,000m. As constantes variações de altitude afetam muitas pessoas de diversas maneiras – problemas no sistema digestivo, inchaço, falta de ar, dores de cabeça, etc. O terreno varia muito. Enquanto que a maioria do percurso é em trilhas de montanha, há também rochas, campos de pedras (onde marcas de tinta flurescente em certas pedras indicam o caminho), trilhas estreitas na beira de precipícios (algumas partes possuem cordas fixadas em um paredão de pedra, assim corredores podem segurar em algo enquanto passam pelas partes mais estreitas – mas nem todas partes estreitas possuem essas cordas), escadas (ambas pavimentadas ou irregulares e há também partes com pedaços de metal encravados em pedras para servirem como degraus), asfalto ou paralelepídedos (a corrida passa por 34 municípios). O clima muda muito rapidamente. Esse ano os corredores passaram por variações de 28 graus até menos seis graus celsius, incluindo chuva, neve, ventos e dias ensolarados. Essas variações rápidas ocorrem devido a: Longa duração do evento – seis dias e seis horas Mudanças de altitude (o ponto mais elevado da corrida fica a 3,300m de altitude e o mais baixo, a 320m) Mudanças na geografia – os corredores vão de um lado de uma montanha a outro pelos chamados “cols” (uma parte mais baixa entre dois picos que liga dois lados diferentes de uma montanha) e cada um desses lados podem ter vegetação e clima completamente diferentes um do outro. Devido a elevação, terreno, variações climáticas e duração do evento (que fazem essencial que os corredores se alimentem, descansem e usem vários equipamentos, troquem de roupa, etc), os corredores se movem muito devagar (considerando as paradas, a velocidade média dos corredores de elite é de 4km/hr, e dos corredores médios é de 2km/hr – com velocidade média de movimento a 3km/hr). Isso significa que não há muito tempo para dormir nessa corrida (a maioria dos corredores dorme aproximadamente um total de dez horas para os seis dias, mas muitos dormem bem menos, enquanto que alguns atletas de elite não dormem nada) ou seja, os corredores passam por um terreno muito difícil enquanto estão deprivados de sono e encaram o percurso em todas as horas do dia e da noite, tendo que respeitar limites de tempo em vários pontos. A altimetria da corrida resume o constante sobre e desce Preparando a linha de partida

Upload: ngothuy

Post on 08-Feb-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Assistência 24 Horas

Como é apoiar um corredor na ultramaratona mais difícil do mundo O Tor des Geants (TDG) é uma corrida de 339km nos alpes do noroeste da Itália, onde o país faz divisa com a França e a Suíça. O TDG é uma corrida de etapa única, na qual os corredores tem um limite de 150 horas para completar. Montanhas íngremes, terreno variado e brutal e rápidas variações climáticas fazem dessa a ultramaratona mais difícil do mundo desse tipo. O TDG é aberto a qualquer pessoa que aceite o desafio – e que consiga ter o número selecionado através de uma loteria. A corrida começa e termina na charmosa cidade de Courmayeur, que fica a uma hora e meia de carro de Genebra e duas horas e meia de Milão.

Fatores que fazem essa corrida tão difícil Enquanto a maioria das pessoas se concentra no fato de que essa corrida cobre 339km, a distância sozinha não é o fator que a faz tão difícil.

Essa corrida é “um tour dos gigantes” – uma volta pelo Vale d’Aosta, onde os corredores passam um pouco abaixo dos picos dos quatro alpes nessa área que tem mais de 4,000m de altitude: Mont Blanc (Monte Bianco), Gran Paradiso, Monte Rosa e Matterhorn (Cervinia). Se você não tem muita familiaridade com esses, basicamente significa que as subidas são íngremes e enormes e algumas partes vão acima de 3,000m de altitude.

A corrida inclui 25 montanhas com mais de 2,000m de altitude e depois de adicionar todas as subidas, a altimetria total é de 31,000m. As constantes variações de altitude afetam muitas pessoas de diversas maneiras – problemas no sistema digestivo, inchaço, falta de ar, dores de cabeça, etc.

O terreno varia muito. Enquanto que a maioria do percurso é em trilhas de montanha, há também rochas, campos de pedras (onde marcas de tinta flurescente em certas pedras indicam o caminho), trilhas estreitas na beira de precipícios (algumas partes possuem cordas fixadas em um paredão de pedra, assim corredores podem segurar em algo enquanto passam pelas partes mais estreitas – mas nem todas partes estreitas possuem essas cordas), escadas (ambas pavimentadas ou irregulares e há também partes com pedaços de metal encravados em pedras para servirem como degraus), asfalto ou paralelepídedos (a corrida passa por 34 municípios).

O clima muda muito rapidamente. Esse ano os corredores passaram por variações de 28 graus até menos seis graus celsius, incluindo chuva, neve, ventos e dias ensolarados. Essas variações rápidas ocorrem devido a:

Longa duração do evento – seis dias e seis horas Mudanças de altitude (o ponto mais elevado da corrida fica a 3,300m de altitude e o mais baixo, a 320m) Mudanças na geografia – os corredores vão de um lado de uma montanha a outro pelos chamados “cols”

(uma parte mais baixa entre dois picos que liga dois lados diferentes de uma montanha) e cada um desses lados podem ter vegetação e clima completamente diferentes um do outro.

Devido a elevação, terreno, variações climáticas e duração do evento (que fazem essencial que os corredores se alimentem, descansem e usem vários equipamentos, troquem de roupa, etc), os corredores se movem muito devagar (considerando as paradas, a velocidade média dos corredores de elite é de 4km/hr, e dos corredores médios é de 2km/hr – com velocidade média de movimento a 3km/hr). Isso significa que não há muito tempo para dormir nessa corrida (a maioria dos corredores dorme aproximadamente um total de dez horas para os seis dias, mas muitos dormem bem menos, enquanto que alguns atletas de elite não dormem nada) ou seja, os corredores passam por um terreno muito difícil enquanto estão deprivados de sono e encaram o percurso em todas as horas do dia e da noite, tendo que respeitar limites de tempo em vários pontos.

Preparando a linha de partida

A altimetria da corrida resume o constante sobre e desce

Preparando a linha de partida

Antes do início da corrida, cada corredor recebe uma sacola amarela com seu número nela. Nessa sacola, eles podem colocar tudo que acham que vão precisar para a corrida – roupas, comida extra, medicamentos, bandagens, tênis extra, etc (contanto que tudo caiba na sacola). Mas esse é apenas o equipamento extra para a corrida, pois os corredores têm também o equipamento obrigatório que deve ser carregado com eles o tempo todo. As sacolas amarelas são então entregues, a medida que cada corredor progride, em cada uma das seis “bases de vida”, os grandes checkpoints ao longo do percurso (que estão a cerca de 50km de distância de cada um). Essa corrida envolve um sistema complexo de logística, mas os organizadores tem um time especializado que cuida de todos esses detalhes para que os corredores possam se focar em seus planos. Além do acesso as sacolas, as bases de vida são lugares onde os corredores tem acesso a comida, chuveiros, camas, assistência médica e massagens. Os corredores podem optar a ter um(a) assistente (pessoa para apoio) para encontrá-los em cada uma das base de vida e/ou nos checkpoints. Porém muitos corredores não tem assistentes e dependem apenas do que está em sua sacola para qualquer equipamento extra. Em outras palavras, a importância da sacola aumenta consideravelmente se o corredor não tem assistente. Além das bases de vida, a corrida possui checkpoints menores (a cada 7km aproximadamente, existem 52 deles) –

alguns desses são apenas uma barraca ou gazebo com bebidas, ou um bivouac/caixa posicioada por helicóptero no topo de uma montanha (a preparação dos checkpoints começa duas semanas antes do início da corrida). Outros vão ter mais comida e também lugares para descansar (entretanto tempos de descanso fora das bases de vida são normalmente limitados a duas horas). Desses checkpoints, 12 podem ser acessados pelos assistentes (de carro) já que estão localizados em cidadezinhas ao longo do percurso, enquanto que outros, os “rifugi” são lugares que ficam em pontos altos das montanhas e muitos deles só podem ser acessados a pé – assistentes podem ir até lá se quiserem encarar uma boa caminhada. Assistentes não podem acompanhar os corredores no

percurso – mesmo considerando que a maior parte da corrida acontece em duas trilhas públicas, Alta Via 1 e 2,

os assistentes não são permitidos de acompanhar os corredores nessas trilhas e podem apenas ficar na torcida por eles perto dos checkpoints e enquanto fazem isso, nenhuma assistência é permitida e pode levar a desqualificação do corredor se forem pegos pelos comissários da corrida. Os comissários estão frequentemente no percurso e o conhecem bem e são eles quem conferem se os corredores estão obedecendo as regras da corrida, que também inclui sempre carregar o equipamento obrigatório (há uma lista com todo equipamento e os comissários podem pedir para conferir a qualquer momento), não pegar nenhum atalho, não dormir nas trilhas/nenhum outro lugar fora dos checkpoints, estar dentro do tempo-limite e, se requerido por um médico ou oficial da corrida, o corredor deve deixar a corrida. Isso pode acontecer se um médico acha que um corredor não está apto a prosseguir e fazê-lo pode por em risco a vida do mesmo. Isso não significa necessariamente que um corredor precisa abandonar a corrida no momento

Um voluntário em meio às sacolas na base de vida de Gressoney

O pequeno checkpoint de Planaval, 42km, que é apenas um gazebo

Base de vida de Donnas, 151km

O Dom saindo de um dos checkpoints

em que um médico mostra alguma preocupação, mas pode ser que o mesmo precise descansar, comer, beber, fazer o que for possível para que consiga se recuperar dentro do tempo que tem. Se conseguem se recuperar dentro do tempo-limite (e o médico concorda que o corredor esta em condicoes de continuar), o mesmo pode prosseguir. Os assistentes só podem ajudar os corredores nos checkpoints e cada corredor pode ter um assistente se quiserem. Ou deveria dizer, se eles conseguem encontrar alguém que esteja disposto a dirigir em estradas íngremes/cheias de curvas/remotas a qualquer hora do dia/noite para encontrar um corredor nos vários checkpoints e conseguir “recompô-los” física e emocionalmente para que consigam completar a corrida.

Isso pode envolver o quanto que você conseguir gerenciar como assistente – você pode trazer para o seu corredor comidas diferentes das que são oferecidas pelos organizadores, trazer trocas de roupas (às vezes lavar as que eles acabaram de usar), pode massagear, colocar bandagem nos pés deles, verificar seu estado emocional e físico, recarregar seus dispositivos eletrônicos, verificar/reabastecer a mochila, ajudar com decisões como, por exemplo, quanto tempo descansar ou quanto tempo eles têm até atingir os limites e verificar o percurso e as condições climáticas para a próxima etapa. Ser assistente nessa corrida é como ser mãe de uma criança – você esconde seus próprios problemas e tenta fazê-los sentir o melhor possível, pensando nessa pessoa primeiro e você cuida de si mesmo apenas o suficiente para funcionar e estar bem para eles. Você monitora tudo, desde os seus movimentos intestinais até a temperatura corporal e as postagens do Facebook e você enche essa pessoa de doces e outras guloseimas para fazê-la feliz e ir embora. Tendo viajado da Austrália apenas para apoiar meu marido que estava correndo, eu tinha certeza de que iria encontrar o "meu corredor" (Dom) em todos os

Rifugio (plural: rifugi) Rifugi são casas de montanha localizados nas trilhas. Eles normalmente vendem comida e têm acomodação simples para pessoas que caminham na área. Durante a corrida, os organizadores colocam alguns checkpoints nos rifugi, onde os corredores têm acesso gratuito a comida da corrida (e alguns também possuem lugares para descanso, mas normalmente esse são limitados a duas horas). Se quiserem, os corredores também podem comprar comidas/bebidas dos rifugi.

Rifugio Champillon

Checkpoint de Niel, 192km, onde há duas barracas com camas para os corredores. Dentro do prédio há comida e bebida a venda, mas fora estão as comidas/bebidas disponíveis aos corredores

Dom no checkpoint de La Thuile – enquanto estavam mostrando nosso documentário e ele estava também na tela grande!

pontos que eu pudesse – as seis bases de vida e mais 11 checkpoints – e eu já sabia que dormiria no carro na maioria do tempo. Como esta foi minha segunda vez de assistente nessa corrida, eu era a assistente "experiente" e ajudei outros um pouco com a navegação – assim que saimos de Courmayeur, outros dois carros de assistentes que conheci estavam atrás de mim. Nossa primeira parada foi a ensolarada La Thuile, onde o checkpoint é em um pequeno cinema. A corrida é um grande evento nesta cidadezinha, pois ainda está perto do início (19km) e os corredores estão muito próximos uns dos outros quando cruzam La Thuile no meio do dia. Um destaque para mim foi ver que o documentário que fiz sobre essa corrida no ano passado estava sendo mostrado na tela grande do cinema! Para aqueles que não viram ainda (e fiquem atentos, em breve sai o novo, com a corrida deste ano!): https://www.youtube.com/watch?v=lqVWZdiD1mE À medida que a corrida progride, os checkpoints acessíveis ficam um pouco mais longe uns dos outros e os corredores demoram mais para chegar a eles (os corredores tendem a se mover mais devagar), então encontrar um hotel ou quarto para alugar ao longo do caminho torna-se uma opção. O problema é que isso precisa acontecer no local e no

momento certos para o check-in/check out, por isso nem sempre é viável – é por isso que o carro e a casa de um casal de amigos foram minhas melhores opções . Conheci este casal, Valeriano e Simona, durante a corrida do ano passado, onde o Valeriano era um dos voluntários. Este ano ele voltou a ser voluntário e quando soube que o Dom e eu estávamos vindo para a corrida, ele imediatamente nos convidou para ficarmos na casa dele. Ele foi maravilhoso e nos ajudou muito, pude dormir algumas horas na casa dele, ele também me ajudou com direções, vendo os tempos estimados do Dom e ainda nos trouxe sorvete e balas durante a corrida! Eu apenas excluí um dos locais possíveis para encontrar o Dom, Sassa, já que para chegar lá era preciso passar por uma estrada muito estreita e íngreme e o Dom provavelmente não ficaria muito tempo lá (Sassa era apenas a 13 km de uma base de vida e 7 km do último ponto onde eu havia o encontrado). Além disso, no ano passado, acabei perdida em uma estrada muito assustadora enquanto tentava encontrar Sassa. O Valeriano gentilmente ofereceu para me levar até lá, mas começando o terceiro dia da corrida, eu queria muito dormir mais – até então eu tinha dormido apenas três horas.

Eu tinha três sacolas que carregava aos checkpoints – uma com comida, a outra, roupas e a terceira, "tecnologia" - cabos, carregadores, câmeras, etc. Eu as organizava no carro com os ítens que achava que usaria, mas mesmo assim ainda tive que fazer muitas viagens de ida e volta para o carro para pegar outras coisas que eu precisava/esquecia / o Dom pedia. Isso apenas não era uma opção na primeira base de vida, Valgrisenche. O acesso à base de vida/ estacionamento é limitado, então os assistantes estacionavam em outro lugar e pegavam um ônibus gratuito (organizado pela corrida, operando o dia inteiro/noite) para a base de vida e de volta – cerca de 10 minutos cada trecho – então nesse caso, voltar ao carro para pegar algo demoraria muito. Como assistente, você precisa "restaurar" o seu corredor. Eles chegam aos checkpoints com vários sentimentos diferentes, mas geralmente você precisa estar preparado para o pior. Eles podem estar chocados com a dificuldade do percurso, por algumas partes muito perigosas, quando há muitas mudanças climáticas ou eles podem simplesmente estar devastados pelo cansaço e dor. O primeiro passo é retirar todo o peso que estão carregando (bastões de caminhada, mochila, lanterna), enquanto você escuta aos problems deles e faz perguntas para verificar se estão bem. Se estiver frio, cubra-os – mesmo se eles estiverem dentro de um lugar fechado e o corpo estiver quente, eles se resfriarão muito rapidamente se eles acabaram de chegar de um ambiente com ar frio. Faça com que troquem roupas molhadas imediatamente e coloque-as em algum lugar para secar. Em um checkpoint este ano, as roupas do Dom estavam úmidas e estávamos em um lugar onde ele pretendia dormir um pouco, mas ele pretendia sair com a mesma blusa, boné e luvas. Deixei suas roupas para secar num canto, mas enquanto ele dormia, eu vi que as roupas ainda estavam úmidas, então eu as vesti por cima da minha roupa para que elas se secassem melhor/mais rápido.

Minha casa nas montanhas…o chalet? Não, o pequeno Citroen!

Este evento é amplamente apoiado pelos adoráveis moradores do Valle d’Aosta, que não só são uma grande parte dos voluntários que trabalham muito para que a corrida aconteça, mas eles também participam de outras maneiras. Alguns fazem seus próprios bolos em casa, fazem café e/ou outras comidas para oferecer aos corredores ao longo do percurso, enquanto outros não perdem a chance de mostrar seu apoio quando um corredor passa. Enquanto que na Austrália os comentários que recebemos sobre corridas de longas distâncias podem ser resumidos a "vocês são loucos", os habitantes locais de Aosta têm um grande respeito por eles e tratam os corredores como heróis – quando os corredores

passam por um residente local, tudo o que eles ouvem é ... “bravo, brava, bravissimi! Forza!” O próximo passo é comida – quando os corredores chegam ao checkpoint, às vezes eles têm muita coisa para contar e/ou estão muito cansados para ir e escolher sua própria comida. Eles também devem comer o mais rápido possível, pois isso permitirá mais tempo de digestão antes de sair. O ideal é que você já tenha visto o que cada checkpoint tem para oferecer antes do seu corredor chegar para que você possa informá-los. Se você tem familiaridade o suficiente com o seu corredor e sabe quando ele/ela está se aproximando, tenha a comida que você acha que ele vai comer já separada, ou pergunte logo assim que chegam o que eles querem comer. Mas não se surpreenda se

eles não quiserem comer certas coisas, você tem que aceitar que jogar comida fora faz uma parte da rotina de ultramaratonas (mesmo depois que você come parte da comida que sobrou). A atividade extenuante em alta altitude causa vários problemas digestivos. Muitos dos alimentos que comprei o Dom não quiz – ele me disse que queria frango, então eu procurei por um frango em vários lugares até que encontrei um belo peito de frango grelhado. Então, depois de oferecê-lo ao Dom algumas vezes, o frango acabou viajando vários quilômetros no carro comigo e acabou na lixeira. Além disso, eu também tive que ouvir mais tarde como ele teve vontade de comer frango durante a corrida...mas não quando eu tinha o frango!

Na maioria dos checkpoints, as comidas disponíveis são: Massa (com ou sem molho de tomate), arroz, queijo, presunto, sopa, laranjas, biscoitos, crostata, chocolate, frutas secas, chá, café, sucos, coca-cola, isotônico e água. Os chekpoints menores têm menos opções (alguns têm apenas bebidas), enquanto outros, em particular as bases de vida, oferecem uma variedade maior, como ovos cozidos, batatas, presunto grelhado, polenta, frango, pão, atum, salame, salada, tomate, banana, salada de frutas, Nutella, geléia e bebidas energéticas. Alguns checkpoints têm cerveja e vinho, mas para o Dom que é tão sensível ao álcool, isso não era uma opção. No entanto, para o corredor japonês Makoto (um dos veteranos do TDG, que carrega uma enorme mochila e, portanto, conhecido como "uomo zaino" – o homem-mochila), a cerveja é uma das razões pelas quais ele faz essa corrida.

Dom entre algumas lindas garotas locais que torcem pelos corredores

Glorious checkpoint food

Bom uso de calor humano – secando a blusa e boné do Dom…em mim!

O carisma docorredor japonês Makoto’s é ainda maior do que sua enorme mochila

Intense charging…the charging station at checkpoints are mostly solar-powered

Para comidas quentes, há um cardápio (disponível em vários idiomas). Este ano, alguns checkpoints ofereciam pedaços enormes de presunto grelhado e foi enquanto Dom estava comendo um deles que um outro corredor, Kristian, veio e perguntou de onde ele era. Ele achava que Dom devia ser de algum lugar

como a Austrália para estar comendo um pedaço tão grande de carne. Um problema que Dom teve foi que a comida em checkpoints/bases de vida não muda muito e é diferente do que ele está acostumado a comer em treinamento. A maioria dos alimentos oferecidos pela corrida são carboidratos, enquanto mas ele está acostumado com muita proteína, então, entre os checkpoints onde eu o encontraria, sempre que possível eu ia a um supermercado para procurar algo que eu achava que ele gostaria de comer. Sempre que encontrava o Dom, eu perguntaria qual seria a comida que ele queria e tentava encontrar essa comida para o próximo checkpoint – nem sempre era possível ou as coisas mudavam. Em Donnas, a cidade de altitude mais baixa, onde o Dom passou no meio de um dia ensolarado de 28 graus, um sorvete caiu muito bem, mas não era o que ele queria quando o encontrei 35 horas mais tarde, às 3h30 da manhã em Champoluc com a temperatura a 4 graus. Outra razão para alimentar seu corredor logo é que a comida parece ter um poder incrível para restaurá-los. Enquanto o

Dom comia, então eu começava a recarregar tudo: telefone, baterias para lanternas, relógio, GPS, etc. A corrida fornece um GPS e os corredores não precisam se preocupar com ele, mas Dom tinha um extra que poderia enviar mensagens. Como assistente, eu deveria esconder meus próprios problemas dele e continuar apenas motivando-o e procurar não preocupá-lo com nada, mas quando eu achei que tinha apertado o botão "SOS" do seu GPS (que envia mensagens às equipes de resgate), entrei em pânico (e não consegui esconder isso). No entanto, pelo menos ele estava calmo e em bom estado e me assegurou que não seria possível que eu tivesse apertado o botão, pois o mesmo era coberto (coisa que eu sabia, mas tinha esquecido)... ah, sou apenas humana (e latino-americana). Mais tarde, Hailey, que estava ajudando seu namorado, Roger, me contou sobre os problemas que teve com seu carro (envolvendo mecânicos e tudo mais) logo antes de encontrá-lo em uma base de vida. Ao contrário de mim, ela simplesmente não contou nada ao Roger sobre seus problemas e quando o encontrou, ela simplesmente disse, “está tudo bem”!

Depois disso eu perguntava o que Dom gostaria de comer/beber na próxima parte da corrida durante o percurso (a comida/bebidas entre os checkpoints), para que eu pudesse reabastecer sua mochila enquanto ele descansava (se esse fosse o caso, ou imediatamente, se ele não fosse descansar). Para isso, também considerávamos a hora do dia, a temperatura, etc. Em seguida, verificávamos se havia qualquer lesão (ou potencial problema físico). Enquanto eu tinha tudo que precisava para reconstruir outro pé/perna com bandagem, os enfermeiros da corrida fazem um trabalho muito profissional, assim como os fisioterapeutas com seus diagnósticos de lesões, bandagem e massagens. O único problema é que centenas de corredores estão precisando da mesma assistência, por isso como assistente veja o que você pode fazer em termos de bandagens e massagens e, se algo for mais complicado e seu corredor puder dispor de algum tempo

Hailey, a assistente que consegue se manter calma e seu corredor, Roger

Recarregando...

Trabalho pesado, sem parar

Camas em uma das bases de vida

Os checkpoints e suas diversas formas – esse era apenas uma “caixa”de vidro no topo de uma montanha

precioso, procure a ajuda dos profissionais. Às vezes essa pode ser uma decisão muito difícil, pois tira mais tempo do (já escasso) tempo para dormir. No caso de Dom, os banhos foram os ítens excluídos para economizar tempo. Apesar do fato que banhos ajudam os corredores a se sentirem melhor, o Dom só teve um e preferiu usar seu tempo para dormir ou ter algum tratamento. Além disso, depois de algumas bandagens nos pés/pernas, os banhos simplesmente não eram mais uma opção. O TDG este ano teve o apoio de cerca de 2.300 voluntários. Estes vão desde os locais que fazem esse evento acontecer, doando seu tempo em turnos longos/múltiplos para auxiliar na preparação, limpeza e atendimento de corredores, até os fisioterapeutas, médicos, enfermeiros e paramédicos altamente qualificados. Quando Dom teve um pouco de dor nas pernas, um fisioterapeuta que trabalhou com a equipe italiana de rugby o examinou e começou com uma longa explicação sobre os dois tipos diferentes de dor que ele tinha (enquanto que eu estava um pouco ansiosa e impaciente). Uma das dores era um problema mecânico para o qual ele devia evitar um certo movimento, enquanto o outro era um caso de bandagem para suportar o músculo e evitar que o mesmo se movesse demais (o fisioterapeuta fez um trabalho muito bom com a bandagem, que apoiou seus músculos). Com o primeiro problema, não havia muito o que poderia ser feito, mas ao entender o que estava causando a dor, o Dom mudou a maneira como estava correndo para reduzir essa dor. Finalmente entendi que havia uma razão para a longa explicação... enquanto eu queria apenas solucionar tudo rapidamente, aprendi que algumas coisas requeriam mais tempo e fazer algo bem feito para evitar problemas futuros era uma estratégia melhor. Eu coloquei uns curativos nos pés do Dom assim que ele teve os primeiros sinais de bolhas, mas mais tarde eu vi que o que eu fiz só causou mais problemas, pois era o tipo errado de curativo – isso acabou lhe custando um pedaço precioso de pele do pé. Mas pelo menos eu tive uma explicação sobre o meu erro e aprendi várias coisas, também foi bom observar com fazer um curativo profissional. E sobre a massagem que o Dom teve, o único comentário dele foi que a massagista "sabia o que estava fazendo". Bom… eu coloquei alguns anti-inflamatórios naturais nas pernas dele, e isso foi tudo que eu consegui fazer direito!

Depois de tudo isso, talvez seja hora de seu corredor descansar um pouco. A situação de descanso nessa corrida parece ser semelhante a alimentação – “doses” freqüentes e menores parecem funcionar melhor. Em média, um corredor dorme nessa corrida algo entre 8 a 12 horas nos 6 dias do evento. Aqueles que são mais lentos dormem menos ainda para conseguir terminar a corrida dentro dos limites de tempo.

Enquanto o Dom dormia, eu organizava mais coisas – eu começava com a mochila, jogando fora qualquer lixo e reabastecendo-a com comida e bebidas para a próxima etapa. Depois eram as roupas e equipamentos – e primeiro eu verificava a previsão do tempo. Os organizadores da corrida têm as previsões, mas se você tem tempo para ver mais detalhes na internet, sempre ajuda (obtenha o máximo de informação possível). Se chover, eles precisam permanecer secos e aquecidos, pois a hipotermia pode acontecer muito rapidamente. Em seguida, era protetor solar/óculos de sol/boné se for durante o dia, hidratante para os lábios (os lábios secam demais nas montanhas), gorro de lã/lanternas se for de noite. Nesta corrida, há várias medidas implementadas pelos organizadores para minimizar os impactos ambientais e um deles é que eles exigem que corredores levem sua própria caneca (para não usar copos descartáveis), e outra das minhas “tarefas” era limpar a caneca dele. Além da parte ambiental, o TDG também contribui para instituições de caridade – se um corredor não

conseguir entrar na corrida pelo competitivo sistema de loteria (e se registrar para a corrida por €650), eles podem optar por pagar mais (€2000) e o dinheiro vai para uma instituição de caridade. O tempo para descanso é, de alguma forma, também determinado pela hora do dia e pela previsão do tempo – se o Dom estivesse em uma base de vida no meio de um dia ensolarado, o descanso tinha menor duração, pois é sempre mais rápido/mais eficiente correr durante o dia. Se estava chovendo no meio da noite, então ele descansaava mais. Mas essa era apenas a diferença entre dormir menos de uma hora ou quase duas horas. No total, Dom dormiu cerca de 10 horas nos 6 dias de corrida. Como assistente, eu dormi aproximadamente o dobro disso. Algumas vezes eu me senti como se fosse uma enfermeira em um hospital de guerra – apesar de estar exausta, isso não era nada comparado aos corredores. Sempre que tinha uma chance, eu ofereceria assistência a outros corredores, alguns que eu conheci antes, alguns que logo se tornaram amigos e eles realmente apreciavam qualquer atenção que eu poderia oferecer. Trazendo uma bebida ou comida (que estavam apenas a alguns metros deles ) pareciam ser um grande favor. Às vezes, tudo o que eles precisavam era alguém para ouvi-los e eles se sentiam emocionalmente apoiados. Enquanto eu conversava com a Tay, uma corredora que conheci um pouco antes da corrida começar, ela me explicou sobre seu "alarme de gratidão", um alarme que ela colocou para cada duas horas. Quando ela ouvia esse alarme, ela parava, olhava a sua volta e apreciava a natureza e pensava como era grata por estar lá. Ela era uma daquelas corredoras que sempre estava feliz, com uma atitude positiva e ela estava realmente curtindo tudo. Também ajudei um pouco com interpretações e traduções, mas como o Vale de Aosta é uma área na Itália entre a França e a Suíça, a maioria das pessoas falam muitas línguas – teve uma hora quando ouvi os voluntários ensinando uns aos outros algumas palavras em alemão.

Foi muito especial testemunhar tudo isso, ver os corredores lutando e passando por todos os tipos de desafios e problemas – e às vezes esses problemas eram resolvidos com muita facilidade e com um pouco de ajuda. Um corredor que eu não conhecia (e não falava nenhuma das cinco línguas que eu falo) veio em minha direção com a garrafa que tinha uma semente de limão presa à tampa, que o impedia de beber. Ele parecia em tamanha agonia, com um grande problema que não podia ser resolvido. Peguei a tampa dele, bati forte contra a mesa e a semente saiu. Ele parecia realmente aliviado por isso. Em seguida, outra corredora, Amy, ficou muito feliz porque eu tinha um elástico de cabelo para dar para ela, já que ela tinha perdido o

dela, e mais tarde, um corredor mexicano, Erwin, estava me agradecendo por ensinar-lhe uma técnica de respiração para lidar com as subidas brutais. Era

tão fácil fazer as pessoas felizes! Às vezes, haviam situações mais estressantes e tristes, como quando Sandy, uma corredora australiana, estava muito enjoada e vomitou algumas vezes antes de chegar ao checkpoint. Depois de examiná-la, o médico disse que ela devia dormir um pouco e depois disso ele a examinaria novamente. Depois de meia hora de sono, o médico ainda não estava satisfeito com o estado dela e perguntou se ela tinha intenções de continuar a corrida, pois a recomendação dele era que ela parasse ali. Eu tentei ajudar com a interpretação/tradução e todos concordamos que ela iria descansar um pouco mais e depois conversar com o médico novamente e decidir o que fazer. Eu então tive que ir, mas mais tarde eu soube que seu marido (e também assistente) conseguiu “recompô-la” e ela continuou a corrida, e saiu otimista do checkpoint. Em ultramaratonas, especialmente os que são tão longas, todos nós temos que estar preparados para os "baixos" – eles vão acontecer, bem como os "altos", há tempo para tudo. O importante é conseguir sair dos "baixos" o mais rápido possível e os corredores podem precisar de seus assistentes para ajudá-los com isso. Depois teve a corredora Cinderela ... Tay me ligou assim que ela saiu de Donnas, a base de vida aos 151km. Ela teve os pés enfaixados e depois disso, o tênis estava muito apertado. Alguém disse a ela que não havia nenhuma loja de calçados ali perto, então ela estava ligando para os assistentes que conhecia, procurando alguém que tivesse um tênis que fosse do tamanho dela. Quando ela me ligou, eu estava com meu amigo que mora no local e que conhecia uma loja

Sandy em um ponto “alto” da corrida, no meio de um dia ensolarado

Amy feliz em La Thuile

de calçados perto de onde ela estava. Eu esperei a Tay chegar ao pequeno checkpoint de Pont Saint Martin, que era perto da loja. Ela deixou sua mochila no checkpoint e caminhamos até a loja que ficava a alguns quarteirões, e chegamos lá apenas meia hora antes da loja fechar. Ela encontrou seu tênis perfeito, depois voltou para o checkpoint, pegou sua mochila e saiu, sentindo-se muito feliz. Esse foi um momento mágico. Ela partiu apenas a tempo de perder o diabo. A lenda diz que o próprio diabo construiu a ponte em Saint Martin, e então pediu a alma de alguém (o primeiro a atravessar a ponte) em troca de seu trabalho. Mas o santo, San Martin enganou o diabo, e fez um cachorro atravessar a ponte primeiro e o diabo recebeu a alma do cachorro, e as pessoas da cidade ficaram com a ponte. Hoje em dia, todos os anos no carnaval há uma festa para queimar o diabo sob a ponte, mas durante a corrida até o diabo vem animar e torcer para os corredores do TDG. De volta à corrida, quando os corredores acordam, o trabalho começa novamente – eu acordava o Dom com um café e uma bolsa com as roupas (eu já deixava o número de corrida dele colocado na blusa que

ele usaria). Então eu tinha tudo pronto – mais uma bebida para ele beber enquanto se preparava, depois era hora de cremes – creme lubrificante para os pés, protetor solar (se durante o dia), hidratante para os lábios… Colocar meias de compressão em pernas inchadas era difícil – eu tentava ajudar, mas nem sempre dava certo. Ele mudou de tênis uma vez durante a corrida, já que havia um ponto que ele achava que seu par favorito estava ficando desconfortável. Depois era o equipamento – primeiro eu mostrava o que tinha colocado na mochila dele para comer/beber/onde as coisas estavam, então eu dava os equipamentos recarregados: telefone, câmera de filmagem (se durante o dia – o Dom vai como mídia nesta corrida, portanto, ele precisa gravar/tirar fotos quando possível), boné (ou touca), lanterna (ou óculos de sol), depois

ajudava-o a colocar a mochila, pegava os bastões de caminhada e ele partia. Era um alívio quando ele partia, mas era aí que eu rapidamente colocava tudo no carro, pegava a minha câmera e saia para filmar/fotografar mais (para ajudá-lo com mais imagens e filmagens) – se eu estava muito cansada, eu só filmava perto do checkpoint. Mas em algumas partes eu saia para filmar o percurso e mais corredores. Como eu não fui tão cuidadosa quanto o Dom com meus pés, acabei com mais bolhas do que ele, mesmo considerando que eu fiz partes muito mais curtas desse (brutal) percurso.

Em Gressoney (base de vida a 206km), o Dom decidiu dormir um pouco mais enquanto uma segunda corrida, Tot Dret, começaria. Ficando mais tempo na base de vida, o Dom poderia evitar a multidão saindo de lá. Mikael, um corredor sueco que conhecemos no ano passado estava nessa corrida, pois ele não conseguiu uma vaga no TDG deste ano. Tot Dret tem os mesmos organizadores que o TDG e passa por seus últimos 130km. Em sua primeira edição, é uma corrida muito mais rápida, com um limite de tempo de 38 horas. O Tot Dret começou de noite e apenas 57 pessoas conseguiram terminá-lo dentro do horário limite (298 começaram). Os organizadores decidiram aumentar o limite de tempo em 90 minutos (enquanto a corrida ainda acontecendo) e depois disso outras 28 pessoas terminaram. Um pouco polêmico! Em seguida, era voltar a dirigir para a próxima parada (e passando num supermercado sempre que possível), separando tudo nas sacolas de novo, e se eu tivesse a sorte (e se

não estivesse muito frio), eu teria algum tempo para dormir no carro. Houve momentos em que uma soneca tinha que acontecer – quando sentia que não poderia dirigir com segurança. A navegação na área é relativamente fácil, mas alguns lugares podem ser um pouco difíceis de encontrar, especialmente considerando que às vezes o sinal de internet era fraco/inexistente. Na maioria das vezes, você pode simplesmente dirigir para uma cidade e encontrar facilmente o

Os pés da Tay depois de enfaixados

Mikael na partida do Tot Dret

Atrás de um grande homem...

checkpoint pelas placas ou faixas do TDG, mas para chegar a Champoluc (222 km) por exemplo, eu tive que ligar e pedir para o Dom me colocar para falar com um voluntário pelo telefone para que eu pudesse encontrar o checkpoint. Este foi um checkpoint onde eu cheguei depois que o Dom já estava lá, então, depois que ele saiu, fiz todas as minhas filmagens, comi um pouco e perguntei como chegar ao próximo checkpoint, Saint-Jacques. Esse lugar era a menos de 4km (pelo percurso) de onde eu estava. Eles me disseram que o próximo checkpoint era a base de vida. Perguntei, e quanto a Saint-Jacques? Foi quando eles me disseram que não havia nada lá – no entanto, este ponto estava marcado no mapa da corrida da mesma forma que todos os outros checkpoints estavam! Eu não tinha muita certeza sobre o que fazer, pois o Dom não queria comer algo em Champoluc, dizendo que comeria em Saint Jacques. Então decidi ir para lá de qualquer maneira (me disseram que Saint-Jacques era a apenas cinco minutos de carro) para que eu pelo menos pudesse dar ao Dom o que queria comer lá. Cheguei lá, eram quase 5 da manhã e estava congelando. Encontrei um ponto de ônibus coberto e esperei lá. E esperei. Alguns corredores chegavam, bebiam alguma coisa e continuavam. Um casal de franceses chegou, eles também estavam esperando por um corredor, que apareceu alguns minutos depois. Depois que o corredor deles partiu, usei todo o meu (inexistente) francês para perguntá-los que horas aquele corredor saiu de Champoluc e eles disseram "por volta das 4h". Dom saiu de lá por volta desse horário (4:04 para ser mais precisa), então eu esperei. E esperei. Como muitas cidades, havia uma estátua de uma santa (ou talvez fosse uma Madonna) lindamente decorada e iluminada. Pedi a santa por um milagre e que me ajudasse a encontrar o Dom. Mais corredores chegaram e eu perguntei a que horas eles sairam de Champoluc, eles disseram 5hr... foi quando eu tive certeza de que Dom já havia passado. Eu disse a santa, eu precisava de um milagre, você não funciona! E eu fui ao próximo checkpoint. Mas fiquei feliz de ver que o Dom estava indo tão rápido! Cinquenta quilômetros depois, Oyace (275 km) era um checkpoint onde eu consegui organizar tudo antes do Dom

chegar. Eu sabia que ele estava se aproximando, eu tinha um bom acesso a internet e pensei que seria o lugar perfeito

para filmagens ao vivo pelo Facebook para a família e amigos na Austrália. Eu deixei as câmeras prontas depois de ter

organizado a comida/equipamento e saí no frio para gravar a chegada dele. Comecei a tirar algumas fotos/filmar,

mas quando o vi pela primeira vez, tive que parar com as filmagens, pois ele estava com um humor terrível. Como ele

descreveu, ele estava "mentalmente acabado" por causa da parte do

percurso onde ele tinha acabado de passar, com trilhas muito estreitas,

no escuro e perto de um precipício (o Dom tem medo de alturas). Eu

queria filmar mesmo assim, mas achei que se eu o fizesse, ele iria me

mandar colocar a câmera em algum lugar no qual eu já estava tendo

problemas devido à constipação. Eu poderia ter tentado melhor me

manter calma, mas depois finalmente me dei conta que ele estava apenas

apavorado com as alturas. Foi um alívio ler a mensagem escrita à mão na

saída deste checkpoint que dizia "Os últimos 60 km até Courmayeur"

(onde fica a linha de chegada).

Na maioria das vezes, eu apenas seguia as placas quando dirigia, mas também usei um mapa ou pedia informações. Às vezes o percurso pelas estradas era muito longo e técnico, com estradas sinuosas, íngremes e estreitas, o que fazia mais cansativo dirigir. No entanto, como assistente, você deve se lembrar que mesmo se você estiver completamente destruído pelo cansaço, você deve ser forte o suficiente para dar todo o apoio que seu corredor precisa, incluindo o apoio emocional, e lembrando-se de que você nunca estará mais cansado do que eles. Há vinte anos atrás eu trabalhei como comissária de bordo com a companhia aérea nacional italiana, a Alitalia, e por isso eu tenho uma conexão especial com os italianos e talvez eu seja suspeita para falar, mas eu os adoro... Chegando a Donnas e Pont Saint Martin foi como voltar para casa depois de um longo tempo, fui recebida com sorrisos e abraços de

The dark bus stop at 5am with a runner who wasn't Dom...

Alívio…

Fabrizio e sua assistente e esposa, Daniela

pessoas que conheci no ano passado. Perguntei a alguns dos (sempre sorridentes) voluntários por que eles escolheram fazer esse trabalho na corrida, e eles respondiam simplesmente "porque os corredores precisam". Eu me misturo muito rapidamente com os locais e me lembro que em um dos checkpoints ouvi os voluntários comentando um para o outro sobre o que eu fazia, de onde eu vinha, etc… Perguntei a um deles, "como você sabe disso tudo?" E ele disse: "você me disse" – eu não tinha nenhuma lembrança de ter dito isso! Se eu estava com muito sono e não podia dormir (na maioria das vezes), eu comia, mas mesmo assim, ser assistente por seis dias me fez perder 5 kg (e isso considerando que eu estava constipada – acho que alguns dos os banheiros de agachar ao longo do percurso tiveram algo a ver com isso, além da sobrecarga de massas). A falta de dormir se manifestou – eu esquecia coisas, estava achando difícil focar/ver certas coisas (eu tinha que carregar meus óculos de leitura em todos os lugares), em um ponto eu também estava misturando todas as línguas... era um pouco como estar bêbada. Sim, ser assistente nesta corrida faz com que você sinta como uma mãe bêbada e constipada que trabalha como enfermeira em um hospital de guerra. Embora a maioria das pessoas que conheci fosse legal, é claro que você encontra pessoas difíceis em todos os lugares e é um fato que certos corredores, quando cansados, se tornam bastante insuportáveis. Eu vi um corredor italiano com aquele tipo de atitude "tenho direito a tudo" – ele estava implicando com os massagistas, que tiveram que lembrá-lo de que eles estavam trabalhando na capacidade máxima, e que não podiam saber quanto tempo de espera haveria. Uma coisa interessante foi que os massagistas/enfermeiros não tinham tempo estipulado para os tratamentos – eles gastavam cerca de 10-15 minutos com cada corredor, mas o tempo gasto com cada um era baseado em "o quanto um corredor precisasse", então não era possível saber exatamente quanto tempo os tratamentos levariam – eles colocavam o nome em uma lista e os corredores tinham que prestar atenção quando seriam chamados e no final, é a decisão de cada um de sacrificar o precioso tempo de dormir pelo atendimento. Eu também ouvi a estória de uma assistente que estava chorando depois que seu corredor, um espanhol, ficou bravo porque ela não lhe trouxe Sprite para ele. Ela estava usando transportes públicos para se locomover na área (o que não é tão fácil). Depois que comecei a conversar um pouco com eles, ambos começaram a me pedir para fazer várias coisas durante a corrida. Na verdade, depois de um tempo era mais como me mandando fazer coisas para eles, até que eu estava muito ocupada porque Dom tinha acabado de chegar e ela me pediu para tirar uma foto deles. Eu respondi com um "não" bem expressivo, um daqueles que não deixam espaço para qualquer interpretação. Enfim, problema facilmente resolvido. O TDG é uma dessas corridas onde a maior conquista é chegar à linha de partida. O treinamento é muito intenso e estar na linha de partida significa que muito trabalho árduo foi completado. Estar na linha de partida mostra que esses corredores foram corajosos o suficiente para estarem lá, prestes a ir além de seus limites e fazer algo incrível e apenas esse fato deve ser motivo de orgulho. Mas, é claro, eles têm a linha de chegada como objetivo e à medida que a corrida progride, começamos a ouvir as estórias tristes dos que precisam abandonar a corrida. Em uma corrida onde o diabo é amigável e alguns santos não funcionam, qualquer coisa pode acontecer. Muitas pessoas estão correndo essa distância (e nesse tipo de terreno) pela primeira vez, o que torna difícil imaginar como vão reagir. Em algumas bases de vida, havia uma lista de todos os corredores e os que tinham saido da corrida tinham seus nomes marcados. Este ano, dos 867 corredores que começaram, 406 tiveram que sair da corrida e apenas 461 conseguiram terminar – e destes, haviam apenas 52 mulheres (das 106 que começaram). A razão mais freqüente parecia ser algum problema que exigia que o corredor levasse mais tempo para resolver. Foi isso que aconteceu com Dom no ano passado – antes de chegar a Niel, a 192km, houve uma enorme tempestade com relâmpagos, granizo e muita água. O Dom caiu e bateu na cabeça. Depois disso, ele ficou tonto e caiu muitas outras vezes. Ele demorou muito para chegar a Niel (por isso que esse ano, cada vez que ele demorava um pouco mais para chegar em algum lugar, eu sentia meu coração acelerando). No ano passado, quando o Dom finalmente chegou a Niel, a enfermeira o examinou, então ele se sentou por 15 minutos e tentou se levantar de novo, mas ele ainda estava muito tonto e não conseguimos saber qual era a extensão da lesão dele. Quando ele estava se aproximando do tempo limite para Niel, ele precisava decidir e a coisa segura a fazer era abandonar a corrida. Se ao menos ele tivesse mais tempo para descansar e ter certeza de que ele estava bem, ele poderia ter continuado. Portanto, a estratégia dele esse ano foi começar a corrida mais rapidamente, cobrindo 75km nas primeiras 24 horas (que ele conseguiu) e então ele poderia ter mais tempo de sobra em caso de problemas.

Outra coisa foi que no ano passado Dom não tinha idéia de que haveria pouco tempo para dormir durante a corrida. Antes da corrida deste ano, eu conheci o Helder, que estava apoiando sua esposa, Kátia, uma corredor brasileira. Ele me disse no início da corrida que o plano dela era dormir quatro horas por dia. Eu disse a ele, a menos que ela seja muito rápida, quatro horas por dia é muito para esta corrida e provavelmente não será possível se ela quiser terminar a tempo. Ela fez muito bem em mudar o plano, e conseguiu terminar a corrida na sua última hora (e com 6 horas de sono no total durante os 6 dias). A maioria das pessoas que fazem essa corrida leva um tempo para entender a situação do o sono e o ritmo geral. Muitos corredores fizeram corridas de 100 milhas antes de fazer o TDG (cerca de 160km). Essas corridas têm um ritmo diferente – geralmente são feitas para serem concluídas sem dormir (com limites de tempo entre 36-48 horas) e são corridas mais rápidas. Isso também muda outras coisas, como a nutrição, em particular a ingestão de fibra. Em corridas de 100 milhas, os corredores consumem pouca (ou nenhuma) fibra antes ou durante a corrida, pois tentam evitar viagens ao banheiro “para o nr. 2". No TDG, um problema que eu ouvi muitos corredores reclamando era que eles estavam com seus intestinos bloqueados (talvez mais ainda por causa do consumo de muita massa nos checkpoints) – simplesmente não se pode evitar por seis dias, e se você fizer isso, você provavelmente estará muito desconfortável, e carregando peso extra e desnecessário. Você vai ficar cheio de merda. Literalmente. Foi triste saber que, após os problemas de estômago, a Sandy não chegou à segunda base de vida a tempo, ela estava 3 minutos além do limite. Outros corredores que eu conhecia também tiveram problemas. A Amy teve que parar a 274km, e o Roger também decidiu parar no checkpoint a 309km porque achava que não chegaria a tempo da linha de chegada. Franco Collé, um dos favoritos para vencer (e líder da corrida até cerca de 294km) "hit the wall" e também abandonou a corrida a 309km. Isso mostra que não importa o quão perto você esteja, é impossível assumir que conseguirá chegar ao final. Muitas pessoas dizem que, para corridas assim tão longas, não depende mais só do corpo e é a mente que o leva. Fabrizio, que tinha sua esposa, Daniela, como assistente, queria parar já na segunda base de vida, mas ela conseguiu recuperar seu foco na corrida e ele continuou/terminou. Por outro lado, havia a Tay, a corredora que, na minha opinião, tinha a melhor atitude mental, mas como ela nunca consideraria desistir, seu corpo simplesmente desligou ...

Depois no seu "episódio de Cinderela" aos 152km, 150km mais tarde (cerca de 302km na corrida), outros corredores disseram que ela saiu do percurso, sentou-se, começou a chorar e a falar uma língua estrangeira. Tay acordou no hospital, ela foi diagnosticada com hipotermia extrema e ela não se lembrava de

nada disso. Ela teve muita sorte de ter outras pessoas perto quando isso aconteceu.

Eu também corro ultramaratonas e quando vou para uma longa corrida no mato, eu sempre penso na possibilidade da morte. Isso não é uma coisa ruim, é sobre não assumir nada e tomar medidas para evitar algum problema maior. No entanto, sendo realista, as chances de morte nas minhas corridas são muito remotas. Mas este não é o caso no TDG – você só precisa olhar para cima e ver onde esses corredores estão indo. Caminhos estreitos, grandes precipícios, obstáculos, mudanças climáticas, dia e noite... eles passam por tudo isso enquanto estão deprivados de sono. Nesta corrida, a morte é uma possibilidade muito maior e já aconteceu antes. Em 2013, um corredor chinês morreu depois de cair e bater a cabeça nas pedras durante a primeira noite chuvosa da corrida (você já ouviu falar de uma estória semelhante em algum lugar?).

Depois de encontrar o Dom na última base de vida, eu estava precisando muito de uma soneca. Conversei com a minha nova amiga, Daniela, que conheci no início da corrida (ela também era uma das voluntárias que ajudava a limpar o percurso). Ela estava indo para um rifugio para encontrar seu corredor, o Fabrizio. Durante a corrida eu já havia subido três montanhas para filmar/fotografar, mas ainda não tinha chegado a um rifugio, então eu decidi abrir mão da minha tão desejada soneca e parti com a Daniela – e tinha que ser tudo rápido se quisesse encontrar nossos corredores, então eu apenas joguei tudo no carro e partimos. Não havia tempo para comer. Eu bebi um pouco de água, arrumei algumas

A Tay feliz depois de resolver seus problemas com os pés e tênis

ATay triste, depois de ter acordado no hospital e sem se lembrar do que tinha acontecido

O Dom saindo do Rifugio Champillon – antes de eu ter conseguido chegar lá

coisas e fomos – era agora ou nunca. Ela começou a dirigir (eu estava dirigindo atrás dela) e a direção parecia errada – ela suspeitava do mesmo, percebendo que as informações que alguém passou a ela deviam estar erradas. Nós então voltamos para onde achávamos que deviamos estar, mas não tínhamos conexão de internet para usar o navegador do celular, então paramos em um estacionamento e pedimos instruções. Estávamos a apenas 12km de distância e fiquei muito feliz quando a mulher que estava nos dando instruções disse que

"praticamente se dirige até esse rifugio", pois eu não tinha muita energia para grandes caminhadas. Daniela sugeriu que eu deixasse meu carro lá para que pudéssemos ir juntas no seu carro. A idéia foi muito bem-vinda, pois poderíamos conversar (e eu também poderia simplesmente aproveitar para ver a paisagem). Dirigimos até o final da estrada e dava para ver o rifugio de lá – estava a apenas 1km de distância, mas nesse tipo de terreno, demorou mais de 40 minutos para chegar lá. Tentar manter o mesmo ritmo que a Daniela era difícil – ela é professora de educação física e era como uma máquina naquela subida. Comecei a sentir dor no fígado, ao invés do nó no estômago que senti as outras três vezes que subi as montanhas. O ar em altitudes elevadas tem menos oxigênio e isso faz com que o corpo lute para fornecer todo o oxigênio que os órgãos vitais precisam. Este processo é exacerbado se você estiver tentando se mover rapidamente (e espero que esse tenha sido o único motivo para a dor que senti). Eu também estava gravando/tirando fotos, era fascinante por lá, então eu reduzi minha velocidade um pouco e isso me fez melhorar. Chegamos ao rifugio e alguns minutos depois, o Fabrizio chegou. Foi quando perdi a esperança de encontrar o Dom (pois ele tinha saido do último checkpoint antes do Fabrizio), mas fiquei muito feliz em estar no meu primeiro rifugio, Champillon – aliás, olhando minhas fotos mais tarde, percebi que fotografei Dom pois ele era uma das pessoas que subiam a montanha depois esse rifugio. Eu fotografei tudo o que queria e foi quando comecei a me perguntar onde a Daniela estava – a última vez que a vi, ela ainda estava subindo as montanhas. Minha única conclusão foi que ela decidiu caminhar até o col. Por um minuto, queria ter percebido a tempo de me juntar a ela, pois eu também queria ir ao col. Mas eu decidi aceitar que perdi aquela chance e, ao invés disso, entrei no rifugio quentinho e esperei até que ela voltasse. Depois de um tempo, comecei a pensar se ela estava tão cansada que se esqueceu de mim e voltou ao carro dela sozinha. Foi quando eu considerei voltar ao carro sozinha, mas isso também significaria que eu precisava andar ou correr os 12km até o meu carro! Esperei um pouco mais e ela chegou. Ela tinha ido ao col e estava dizendo como era linda a vista do Mont Blanc de lá. Eu só pensei: "Ah, da próxima vez eu vou!". Nós fomos até o carro dela e dirigimos para o meu carro, que não conseguíamos encontrar. Parecia bem fácil chegar lá, mas ambas estávamos muito cansadas, e demorou um pouco para encontrar o carro. Parecíamos loucas (e eu poderia dizer que a memória dela era muito melhor do que a minha, pelo menos ela lembrou que estávamos perto de uma escola). Eu só servia para encontrar as placas indicando a escola. Quando cheguei ao meu carro, ela foi embora e comi uma coisa enquanto eu tentava descobrir em que direção ir. Fiquei muito perdida por cerca de meia hora e, nesse tempo, recebi uma mensagem do Dom com o horário que ele achava que chegaria ao próximo checkpoint. Eu claramente não chegaria lá antes disso.Peguei meu mapa e tentei não entrar em pânico e, eventualmente, encontrei meu caminho – e o carro da Daniela de repente apareceu na minha frente – ela também estava perdida por esse tempo todo. O pânico começou quando percebi que eu precisava dar para o Dom as baterias da lanterna que estavam comigo para recarregar – na nossa última parada não consegui recarregá-las a tempo e depois da minha aventura ao rifugio, eu esqueci e acabei não recarregando muito as baterias (e eu tinha um enorme carregador comigo, mas esqueci disso). Isso mostra o quanto é fácil cometer erros grandes. Eu e a Daniela finalmente chegamos ao checkpoint e Dom e o Fabrizio ainda não estavam lá. Foi ótimo que o Dom superestimou seus tempos e chegou cerca de 30 minutos mais tarde. Alívio. No entanto, na última parte da corrida, Dom teve que trocar as baterias da lanterna várias vezes, pois eu não tinha recarregado as baterias completamente. Quando Dom saiu do último checkpoint onde eu poderia encontrá-lo, eu disse a ele para ir com calma e que descansasse um pouco nos dois rifugi que ainda estavam à frente (mesmo que este fosse o último ponto em que eu pudesse encontrá-lo, nós sabíamos que ele ainda tinha pelo menos mais 10 horas até a linha de chegada). Estava claro

que ele poderia terminar a corrida, então eu disse a ele que não se apressasse, mas o desejo de chegar ao final era enorme – e na verdade, ao contrário da maioria dos corredores, Dom começou a se mover muito mais rápido quando se aproximou do final. Depois que ele saiu do checkpoint, organizei toda a bagunça, filmei, mas a energia era outra. Eu não tinha que preparar nada, apenas colocar tudo no carro, comer e eu também poderia dormir! Comecei então a pensar se deveria reservar um hotel, mas pensei nisso depois das 9hr da noite. Comecei a procurar um, mas a minha conexão de internet era ruim. Liguei para alguns lugares, mas nem sabia se devia reservar algo, pois não tinha certeza que horas o Dom terminaria. E eu estava muito cansada. A única coisa que decidi foi que eu não conseguia tomar decisões, então comecei a voltar para Courmayeur, o lugar onde a corrida começa e termina. Courmayeur estava bem longe de onde eu estava, então eu tive que parar em um estacionamento para dormir. Eu tinha o aquecedor ligado enquanto eu estava dirigindo, mas uma soneca de cerca de uma hora era tudo que eu conseguia antes de acordar tremendo de frio (mesmo usando um cobertor térmico). Então eu dirigi um pouco mais para aquecer o carro, parei de novo e dormi um pouco mais. Às 4.30 da manhã eu verifiquei pela internet que Dom ainda não tinha passado o último rifugio (e pensei que seria pelo menos 2 horas de l até a linha de chegada). Cheguei a Courmayeur quase às 5h30 e fui até a linha de chegada. Perto da linha de chegada havia uma sala onde a mídia se encontrava, pensei que se estivesse aberta, eu poderia ficar em um lugar quente enquanto consultava aonde o Dom estava e também poderia reservar um hotel. Mas estava fechado. Eu andei pela linha de chegada. Estava gelado, com apenas algumas pessoas ao redor e sem corredores chegando. Pensei em ir ao Centro Esportivo, a "sede" da corrida (onde os corredores que chegam podem ir dormir – é também aonde tem o briefing da corrida, verificação de equipamento e cerimônia de fechamento), já que achei que lá eu poderia ter um lugar aquecido para verificar onde Dom estava, reservar o hotel, etc. Foi bom porque eu já havia encontrado o melhor lugar para estacionar perto da linha de chegada, então eu só precisava estar lá antes que Dom chegasse. Enquanto estacionava no Centro Esportivo (cerca de 2kms da linha de chegada), Dom me liga... com a voz mais feliz do mundo, ele me pergunta: "adivinhe onde eu estou?" Eu estava um pouco desconfiada, mas eu disse: "Rifugio Bertone?" Você adivinhou, ele estava na linha de chegada! Ele chegou às 5h42! Eu dirigi lá em alguns minutos, com todos os tipos de emoções (errei o caminho, mesmo considerando que euconhecia o caminho muito bem). Eu não acreditava que eu estava na linha de chegada alguns minutos antes dele chegar, e que eu perdi o momento da sua chegada! No entanto, não haviam muitas pessoas lá, e ninguém tinha problemas em fazer uma "reencenação" e ele CORREU em direção à linha de chegada – PELA SEGUNDA VEZ!!! O Dom não só terminou a corrida, mas ele estava "inteiro". Seus pés estavam bem, ele disse que uma das pernas estava inchada, mas mal percebi – eu tinha visto as pernas de outros corredores e algumas estavam muito mais inchadas. O Dom perdeu a sensação na pele da parte inferior de uma perna. O médico disse que o músculo estava inflamado e provavelmente estava pressionando os nervos. O médico recomendou que ele elevasse as pernas e que isso deveria melhorar em poucos dias, ou se não melhorasse, ele deveria fazer uma ressonância magnética quando de volta à Austrália. Eu estava repleta de felicidade. Sua conquista foi enorme. O Dom não é um corredor típico de ultramaratonas. Na verdade, ele fez poucas ultramaratonas – apenas três (de 100km) além de sua tentativa do TDG no ano passado e as primeiras duas corridas foram há quase 10 anos atrás, e depois disso ele passou alguns anos competindo em powerlifting (e quebrando vários records australianos e internacionais). A maioria dos atletas em esportes de força não se aproximam de corridas, da mesma forma que muitos corredores não se importam com treinamentos de força, mas o Dom queria mostrar que você pode fazer os dois e de fato, as duas atividades podem se ajudar – durante o TDG eu ouvi (algumas vezes) corredores dizendo como eles queriam que

Kátia, a única corredora brasileira esse ano e seu marido/assistente Helder, logo depois que ela terminou a corrida

Eu e o Dom na linha de chegada

O sorriso do voluntário Roberto dá as boas-vindas aos corredores na linha de chegada

fossem mais fortes. Outro motivo de orgulho para o Dom é que as maiores conquistas esportivas dele aconteceram depois dos seus 40 anos de idade. Eu adoro a oportunidade que esta corrida oferece para a interação com pessoas de todos os tipos. Eu compartilhei

momentos com as pessoas mais diferentes. Conheci a Harriet, uma corredora que é adepta do veganismo cru, come muito pouco e fabrica violinos como profissão; Helder, uma neurocirurgião que estava como assistente para sua esposa; um residente local com alguns dentes faltando que estava assistindo a corrida e depois de uma conversa de dez minutos me contou sobre seus problemas com depressão... Todos, de uma forma ou outra, estavam conectados por esse evento. Agradecimentos especiais ao Roberto, o voluntário que trabalha muito e está sempre compartilhando seu enorme sorriso na linha de chegada, independentemente

da hora do dia ou da noite! O Roberto mora perto de Turim e todos os anos ele vai ao Vale d’Aosta para trabalhar como voluntário (este ano ele

chegou duas semanas antes da corrida para ajudar a arrumar os checkpoints). O que me atrai em longas corridas é uma sensação de escapismo – eu gosto de fugir da minha vida diária tão chata, onde eu passo meus dias no trabalho, presa em um escritório, sentada o dia todo. Isso me faz sentir como se estivesse apenas observando o mundo passar. Quando corro, sinto-me viva, estou experimentando tudo o que a natureza tem para oferecer e estou me concentrando no que é importante para mim, em como meu corpo se adapta a estar nesse ambiente e eu continuo absorvendo toda a beleza, todas as emoções. Em corridas longas, posso fazer isso por 12-16 horas. Em eventos, eu já fiz isso por até 36 horas, mas o TDG oferece uma semana disso. Durante seis dias da corrida, eu não tinha idéia do que aconteceu no mundo e, ao invés disso, vivi nesse outro mundo, onde assisti a todas essas pessoas alcançando o que a maioria nunca nem sonha, superando seus limites, ajudando-se , com um cenário dramático de fundo, a natureza em seu poder total e uma comunidade inteira, juntamente com pessoas de todo o mundo, se unindo para apoiar os corredores. Dia após dia, cada um teve sua própria história incrível, e todos estavam sendo incríveis juntos. Tenho muita sorte de ter participado deste evento tão especial.

Principais dicas para assistentes • Sempre tenha um pedaço de papel e caneta e faça listas/anotações. Você esquecerá coisas com muita facilidade. • Coloque aparelhos para recarregar assim que seu corredor chega. • Assim que eles partirem, se possível, lave as roupas que eles usaram. Esta é uma corrida longa que exige muita roupa e há roupas que eles preferem usar ou às vezes o tempo significa que algumas roupas serão necessárias mais frequentemente do que outras. Então, mesmo que seu corredor tenha trazido várias roupas, é uma boa idéia ter outras roupas prontas para serem usadas novamente. Se não der para lavar, pelo menos tente secá-las. Esse pode ser o caso se se chover muito, e mesmo que não chova muito, essa corrida tem muitos pontos onde é difícil de se manter seco. • Tenha um recarregador portátil/powerbank (ou mais) com você. Existem "estações de recarregamento" nas bases de vida/ alguns dos checkpoints, mas esses podem estar cheios. • Coloque o número do seu corredor em todos equipamentos que deixar recarregando. • Coloque adesivos com números em baterias recarregáveis se todas forem iguais (para sua própria referência). • Tenha uma lanterna de cabeça para você mesmo – facilita o processo de organizar as coisas durante a noite. • Leve um pequeno travesseiro e um cobertor – o cobertor é a maneira mais mais fácil de enrolar seu corredor quando ele chega aos checkpoints e o travesseiro pode fazer qualquer lugar apropriado para uma soneca. • Sempre que possível, chegue ao seu destino antes de tirar uma soneca, já que você nunca sabe o quanto tempo levará para chegar lá ou se seu corredor estará mais rápido ou mais lento (o GPS da corrida nem sempre é confiável, além disso, muitas áreas não têm cobertura de internet para que você possa verificar). Se você realmente precisa dormir para dirigir com segurança, coloque um alarme e durma apenas o suficiente para poder dirigir com segurança novamente. Depois durma mais no seu destino se você tiver tempo. • Não fique chateado por nada (ou, pelo menos, não mostre isso ao seu corredor) e tente sempre levantar seu humor. Podem ser necessários alguns tapas na cara deles, mas faça isso com um sorriso no rosto enquanto mostra seu amor incondicional.

Dom e seus “outros assistentes”, Valeriano e Simona, com o lindo mapa que eles o presentearam