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Atuação do profissional farmacêutico na atenção básica de saúde Rosilene Rocha Ferreira 1 Juliana Oliveira de Toledo Nobrega 2 1 Farmacêutica: Responsável técnica pela Farmácia Municipal de São Gonçalo do Pará/MG. Aluna de Especialização em Vigilância Sanitária, pela Universidade Católica de Goiás-PUC/IFAR. 2 Orientadora: Farmacêutica- Bioquímica. Departamento de Farmácia - Faculdade Santana FAC LS - DF - Universidade de Brasília; Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde - Campus Universitário Darcy Ribeiro Brasília/DF Resumo Este artigo apresenta uma revisão e análise da assistência farmacêutica como parte integrante do sistema de atenção básica à saúde, no qual a qualidade do uso de medicamentos está diretamente relacionada à qualidade do serviço de saúde e aos elementos para a avaliação desta. Os medicamentos são considerados a principal ferramenta terapêutica para recuperação ou manutenção das condições de saúde da população. No entanto, o uso dos mesmos pela sociedade tem contribuído para o surgimento de muitos eventos adversos, com elevado impacto sobre a saúde e custos dos sistemas. Assim, a promoção do uso racional dos medicamentos é uma ferramenta importante de atuação junto à sociedade, para senão eliminar, minimizar o problema. Neste sentido, o farmacêutico pode contribuir sobremaneira, já que este é assunto pertinente a seu campo de atuação. Sua participação em equipes multidisciplinares acrescenta valor aos serviços e contribui para a promoção da saúde. Palavras-chaves: Uso racional de medicamentos. Farmacêutico. Promoção da saúde. Atenção farmacêutica Role of the pharmacist in primary health care Abstract This paper presents a review and analysis of Pharmacist Care as an integrated part of the Primary Health Care System, in which quality use of medicines is directly related to quality health service and to elements for its evaluation. Medicines are considered the main therapeutical tool for the treatment or maintenance of public health conditions. However, their use by society has contributed to the emergence of many adverse events with high impact on health and health systems costs. Thus, rational drug use promotion is an important tool to eliminate or minimize the problem. This is where the pharmacists can play an important role because this is a pertinent subject in their field of performance. Their participation in multidisciplinary teams adds value to health services and contributes to health promotion. Keywords: Rational drug use. Pharmacist. Health promotion. Pharmaceutical care

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Atuação do profissional farmacêutico na atenção básica de saúde

Rosilene Rocha Ferreira1

Juliana Oliveira de Toledo Nobrega 2

1Farmacêutica: Responsável técnica pela Farmácia Municipal de São Gonçalo do Pará/MG. Aluna de

Especialização em Vigilância Sanitária, pela Universidade Católica de Goiás-PUC/IFAR. 2Orientadora: Farmacêutica- Bioquímica. Departamento de Farmácia - Faculdade Santana FAC LS - DF -

Universidade de Brasília; Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde - Campus

Universitário Darcy Ribeiro – Brasília/DF

Resumo Este artigo apresenta uma revisão e análise da assistência farmacêutica como parte integrante do sistema de

atenção básica à saúde, no qual a qualidade do uso de medicamentos está diretamente relacionada à qualidade do

serviço de saúde e aos elementos para a avaliação desta. Os medicamentos são considerados a principal

ferramenta terapêutica para recuperação ou manutenção das condições de saúde da população. No entanto, o uso

dos mesmos pela sociedade tem contribuído para o surgimento de muitos eventos adversos, com elevado

impacto sobre a saúde e custos dos sistemas. Assim, a promoção do uso racional dos medicamentos é uma

ferramenta importante de atuação junto à sociedade, para senão eliminar, minimizar o problema. Neste sentido, o

farmacêutico pode contribuir sobremaneira, já que este é assunto pertinente a seu campo de atuação. Sua

participação em equipes multidisciplinares acrescenta valor aos serviços e contribui para a promoção da saúde.

Palavras-chaves: Uso racional de medicamentos. Farmacêutico. Promoção da saúde. Atenção farmacêutica

Role of the pharmacist in primary health care

Abstract This paper presents a review and analysis of Pharmacist Care as an integrated part of the Primary Health Care

System, in which quality use of medicines is directly related to quality health service and to elements for its

evaluation. Medicines are considered the main therapeutical tool for the treatment or maintenance of public

health conditions. However, their use by society has contributed to the emergence of many adverse events with

high impact on health and health systems costs. Thus, rational drug use promotion is an important tool to

eliminate or minimize the problem. This is where the pharmacists can play an important role because this is a

pertinent subject in their field of performance. Their participation in multidisciplinary teams adds value to health

services and contributes to health promotion.

Keywords: Rational drug use. Pharmacist. Health promotion. Pharmaceutical care

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1 INTRODUÇÃO

Segundo Brasil (2012), a Atenção Básica à Saúde constitui o primeiro nível de atenção

à saúde sendo o primeiro contato com o Sistema de Saúde. Compreende um conjunto de ações

e serviços de clínica médica, pediátrica, ginecologia, obstetrícia, além de encaminhamentos

para os demais níveis. A estratégia da organização da Atenção Básica é o PSF (Programa de

Saúde da Família). A responsabilidade da oferta de serviços é da gestão municipal e o

financiamento é responsabilidade dos três níveis de governo.

Sabe-se que a utilização de medicamentos é um processo complexo com múltiplos

determinantes e envolve diferentes fatores. Para que a utilização de medicamentos ocorra de

modo racional contamos com a influência de fatores de natureza cultural, social, econômica e

política em uma população que busca por melhor qualidade de vida. A Atenção Farmacêutica

(AF) é a provisão responsável da farmacoterapia com o objetivo de alcançar resultados

definidos que melhorem a qualidade de vida, podendo reduzir os problemas previníveis

relacionados à farmacoterapia, sendo muito importante como agente de promoção para o uso

racional dos medicamentos (MARQUES et al., 2011).

O medicamento, produto farmacêutico usado com finalidade profilática, curativa,

paliativa ou para fins de diagnóstico se destaca como instrumento terapêutico utilizado para

aliviar o sofrimento causado por uma doença ou mesmo para curá-la. Todavia, sua utilização

indiscriminada, bem como sua falta, pode provocar danos muitas vezes irreparáveis à saúde

de uma coletividade. Por isso, na questão dos medicamentos, a compreensão das políticas

públicas e de suas interfaces reforça o papel do Estado, principalmente no tocante à produção

desses insumos. Essa produção requer a atuação estatal como interventor e regulador na área

farmacêutica, levando em consideração as necessidades em saúde que a população brasileira

apresenta, sobrepondo-se a lógica de mercado. Isso significa que a política de medicamentos

se encontra articulada com as demais políticas, como a de vigilância sanitária, a de ciência e

tecnologia e a de assistência farmacêutica, mas sobretudo ela não pode se afastar dos

princípios básicos da política de saúde, com características universais e igualitárias (PAULA

et al., 2009).

Segundo Vieira (2007), os serviços públicos, os governos e dirigentes discutem a

questão do abastecimento de medicamentos e as estratégias de financiamento, mas poucos

reconhecem que os medicamentos são apenas um instrumento da prestação de um serviço e

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geralmente não se preocupam com a estruturação e a organização deste serviço. A maioria das

farmácias de unidades básicas de saúde funciona porque um leigo ou profissional com parcos

conhecimentos sobre medicamentos atua na dispensação (auxiliares de enfermagem,

auxiliares administrativos, de cozinha, entre outros).

De modo geral, entende-se que um serviço de boa qualidade é aquele que cumpre os

requisitos estabelecidos de acordo com os recursos disponíveis, satisfazendo as aspirações de

obter o máximo benefício com um mínimo risco para a saúde, proporcionando o bem-estar

dos usuários. A ausência de serviço de farmácia adequado, que zele pelo uso racional de

medicamentos em parceria com os demais serviços e profissionais do sistema de saúde,

constitui um problema importante de saúde pública. A qualidade da atenção à saúde pode ser

caracterizada pelo grau de competência profissional, pela eficiência na utilização dos

recursos, pelo risco proporcionado aos pacientes, pela satisfação dos usuários e pelo efeito

favorável na saúde (ARAÚJO et al., 2008).

Este trabalho busca relatar pontos relevantes na Assistência Farmacêutica e

demonstrar a importância da educação para o farmacêutico como profissional de saúde, capaz

de intervir científica e criticamente sobre os problemas de saúde e sobre o sistema de saúde,

com competência para promover a integralidade da atenção à saúde, de forma ética e

interdisciplinar.

2 METODOLOGIA

Para a construção deste trabalho de revisão bibliográfica, foram selecionados livros,

manuais e artigos tendo como descritor de busca: Assistência Farmacêutica. A revisão foi

realizada com 07 (sete) artigos, 02 (dois) manuais e 01 (um) livro didático, publicados a partir

do ano 2006 ao ano de 2012, pesquisados em banco de dados da área da Saúde como Scielo,

Bireme, Pubmed além de pesquisas em sites eletrônicos.

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3 DISCUSSÃO

3.1 Breve Histórico sobre o surgimento da Assistência Farmacêutica no Brasil

Os autores Hepler e Strand realizaram uma análise sobre os três períodos que

consideram mais importantes da atividade farmacêutica no século XX, definindo-os como: o

tradicional, o de transição e o de desenvolvimento da atenção ao paciente. O papel tradicional

foi desenvolvido pelo boticário que preparava e vendia os medicamentos, fornecendo

orientações aos seus clientes sobre o uso dos mesmos. Era comum prescrevê-los (VIEIRA,

2007).

Conforme a indústria farmacêutica começou a se desenvolver, este papel do

farmacêutico paulatinamente foi diminuindo. Começa assim o período de transição. As

atividades farmacêuticas voltaram-se principalmente para a produção de medicamentos numa

abordagem técnico industrial. Os países do Primeiro Mundo concentraram- se no

desenvolvimento de novos fármacos e o Brasil, que possui um parque industrial farmacêutico

predominantemente multinacional, trabalhou a tecnologia farmacêutica adaptando as fórmulas

às condições climáticas do país (VIEIRA, 2007).

O lamentável desastre ocorrido em 1962, em virtude do uso da talidomida por

gestantes, ocasionando uma epidemia de focomelia, desencadeou um novo olhar sobre o uso

dos medicamentos e foi o marco para o surgimento das ações de farmacovigilância. Passou-se

então ao período de desenvolvimento da atenção ao paciente. Os países começaram a se

preocupar com a promoção do uso racional dos medicamentos, motivados pela publicação de

documentos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O primeiro passo neste sentido foi a

introdução do conceito de medicamentos essenciais em 1977 (VIEIRA, 2007).

Segundo Dra. Margaret Chan, diretora geral da OMS, “O conceito de medicamentos

essenciais é uma das maiores aquisições de saúde pública na história da OMS. É tão relevante

hoje como foi sua concepção há 30 anos” (BRASIL, 2012).

Dentro deste novo contexto da prática farmacêutica, no qual a preocupação com o bem

estar do paciente passa a ser a viga mestra das ações, o farmacêutico assume papel

fundamental, somando seus esforços aos dos outros profissionais de saúde e aos da

comunidade para a promoção da saúde (VIEIRA, 2007).

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Na década de 1970, todas as ações em relação aos medicamentos foram centralizadas

em nível federal na Central de Medicamentos (CEME), criada em 1971, durante o governo

militar, com a justificativa de promover a segurança pública. À CEME cabia a

responsabilidade quanto à aquisição e distribuição dos medicamentos, bem como a elaboração

da Relação de Medicamentos Básicos (RMB). Sobre este tema, Araújo e colaboradores

(2006) lembram que:

[...] em razão do poder de compra do povo ser limitado, o setor privado limitou-se a

promover medicamentos para as classes média e alta urbanas e o estado assumiu a

responsabilidade de adquirir, distribuir e dispensar os medicamentos pela Central de

Medicamentos (Ceme), para o restante da população. Ao longo dos anos, a Ceme

não cumpriu seu papel apresentando grandes problemas de ineficiência, liquidez,

corrupção, incapacidade gerencial etc.

Finalmente, na década de 1980, começou a tentativa de reverter o modelo vigente,

com a definição do Sistema Único de Saúde (SUS) e suas políticas de integralidade, igualdade

de acesso e gestão democrática. Em 1983, a RMB (Relação de Medicamentos Básicos) sofreu

adequações para atender às exigências do serviço público de saúde, abrangendo mais

especialidades farmacêuticas, sendo então denominada de Relação Nacional de

Medicamentos Essenciais (RENAME). Neste contexto histórico, temos a definição legal da

Assistência Farmacêutica e das Políticas de Medicamentos, que até então não faziam parte da

pauta de discussão dos atores responsáveis pela definição das Políticas de Saúde. É neste

momento que o farmacêutico começa a atuar mais efetivamente na saúde pública, procurando

construir um espaço diferenciado para o medicamento no modelo assistencial (ARAÚJO et

al., 2006).

Nesta perspectiva, partimos do pressuposto de que o conhecimento sobre os

medicamentos e seu desdobramento na prestação de um serviço de saúde, consubstanciada no

Brasil no termo Assistência Farmacêutica, constitui, para nós, formas específicas de

tecnologia, demandando conhecimentos específicos para sua operacionalização (ARAÚJO et

al., 2006).

Nos anos 90, mais precisamente em 1997, devido a inúmeros problemas de ordem

técnico-administrativos, ocorreu a extinção da CEME que propiciou ações fragmentadas e

desarticuladas em relação à assistência farmacêutica em nível federal, cabendo aos diversos

órgãos do Ministério da Saúde a execução dessas ações. Essa desativação também promoveu

uma ruptura na responsabilidade da oferta de alguns produtos básicos, pois não houve um

planejamento adequado para o processo de descentralização do financiamento e para a gestão

da assistência farmacêutica. Assim, a necessidade da formulação de uma nova política de

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medicamentos e a explicitação do papel do Estado foram reforçadas diante do cenário

desfavorável que o setor de saúde brasileiro vivenciava (PAULA et al., 2009).

Nesse ano foi criado, pelo Ministério Saúde, o Programa Farmácia Básica (PFB), que

propunha fornecer os medicamentos para a atenção básica, com distribuição trimestral de um

conjunto fixo de 32 produtos farmacêuticos para os municípios que possuíssem até 21 mil

habitantes. Entretanto, o desenvolvimento desse programa não considerou algumas questões

centrais do processo saúde-doença, tais como: as distintas classificações das doenças e as

diferenças estruturais de um país de dimensões continentais, a baixa cobertura terapêutica

horizontal do conjunto de fármacos, os programas em realização pelos governos estaduais e a

importância da população dos municípios com mais de 21 mil habitantes, dentre outras

(PAULA et al., 2009).

Em 1999, houve a aprovação da Lei nº 9.787, estabelecendo os medicamentos

genéricos. Dessa forma, ficou estabelecido o arcabouço legal para a introdução de

medicamentos genéricos no país, assegurando a oferta de medicamentos de qualidade e baixo

custo no mercado e fomentando o acesso da população a estes medicamentos. Seguiu-se,

como marco referencial neste setor, a aprovação, em 2004, da Política Nacional de

Assistência Farmacêutica (PNAF), parte integrante da Política Nacional de Medicamentos

(PNM). A PNAF não se coloca como parte da PNM e sim da Política Nacional de Saúde

(PNS) (PAULA et al., 2009).

Ademais, em 2007 foi criado o quarto bloco de financiamento para assistência

farmacêutica, definindo três componentes: o Básico da Assistência Farmacêutica, o

Estratégico da Assistência Farmacêutica e o de Medicamentos de Dispensação Excepcional.

A partir de 2007, criou-se na OMS um subcomitê para direcionamento de medicamentos

essenciais para crianças. Em 2009, foram publicadas duas novas listas de medicamentos

essenciais: uma geral (a 16ª, contendo todos os medicamentos selecionados) e uma para

crianças (a 2ª ) (BRASIL, 2012).

Todavia, a definição desses componentes não conseguiu responder satisfatoriamente

às necessidades dos usuários dos serviços de saúde em relação ao acesso aos medicamentos,

cabendo aos usuários excluídos garantir o acesso aos medicamentos por meio da justiça.

Nesse sentido, percebe-se que ainda são muitos os desafios a serem superados pela PNM,

dentre eles, a questão da judicialização da área farmacêutica, que pode comprometer a

garantia do direito à saúde e acesso aos medicamentos (PAULA et al., 2009).

No Brasil, a sétima edição da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais

(RENAME) foi publicada em 2010, a qual se segue a nova versão do Formulário Terapêutico

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Nacional. O objetivo desses documentos é servir de ferramenta que oriente o uso racional de

medicamentos prioritários á saúde pública no Brasil, envolvendo aspectos relativos á atenção

á saúde, como prescrição, dispensação, administração e emprego pelo usuário, bem como

aqueles relacionados á gestão, abrangendo seleção, suprimento e acesso a eles pela população

(BRASIL, 2012).

As listas modelos são revisadas a cada dois anos. A 17ª Lista Modelo de

Medicamentos Essenciais da OMS foi elaborada pelo comitê de especialistas reunido em

2011, em Accra, Gana (BRASIL, 2012).

3.2 Organização e Estruturação dos serviços de Farmácia

A organização é a base fundamental de sustentabilidade de qualquer serviço, atividade

ou sistema de produção de trabalho. Está diretamente relacionada com a funcionalidade dos

serviços, tendo por objetivo o gerenciamento eficiente e eficaz. Um serviço organizado gera

resolubilidade, otimiza tempo e recursos, além de refletir positivamente na credibilidade da

instituição, setor/serviço, sistema de saúde e usuário, favorecendo a todos os envolvidos no

processo. A organização nos serviços de farmácia assegura o acesso aos medicamentos com

qualidade e uso racional (BRASIL, 2006).

De acordo com a Constituição Brasileira de 1988 todas as pessoas têm o direito à

saúde, preventiva, curativa e farmacêutica integral conforme descrito nos artigo 196.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação.

Segundo Brasil (2012), os medicamentos são parte importante da atenção á saúde. Não

só salvam vidas e promovem a saúde, como previnem epidemias e doenças. Acesso a

medicamentos é direito humano fundamental conforme descrito nos artigo 2º, da Lei no 8.080

de 19 de Setembro de 1990.

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover

as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de

políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros

agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e

igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da

sociedade.

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Os medicamentos constituem poderosa ferramenta para promover saúde equitativa, já

que têm comprovado impacto em acesso, por serem um dos elementos mais custo-efetivos

nos cuidados á saúde. Assim, construir lista de medicamentos essenciais pode ajudar os países

a racionalizar compra e distribuição de medicamentos, reduzindo custos e garantindo

apropriada qualidade de atendimento (BRASIL, 2012).

O reconhecimento de que o modelo de atendimento centrado no medicamento não

consegue atender às necessidades do usuário, talvez, seja o ponto de partida de outros

processos que poderão tomar forma em relação à prática farmacêutica na rede básica de saúde

(ARAÚJO et al., 2006).

Segundo estudo realizado na farmácia da unidade básica de saúde da cidade de São

João da Mata, Minas Gerais, Brasil a maioria dos pacientes não soube responder do que se

tratava o tema Atenção Farmacêutica (AF) e somente após explicação clara e simples do

assunto fornecida pela pesquisadora puderam responder. Os resultados foram: 45,71%

ouviram falar em AF, 22,85% afirmaram saber do que se trata e 31,42% nunca ouviram falar

em AF. Isto evidencia a necessidade de maior atuação do farmacêutico dentro dos programas

de saúde pública. Quando questionados sobre a implantação da AF, 100% das mulheres

entrevistadas foram receptivas a sua implantação, enquanto 28,57% dos homens entrevistados

não gostariam de ser acompanhados por um farmacêutico em seu tratamento (MARQUES et

al., 2011).

Assim, a estruturação das ações de atenção farmacêutica dentro do serviço de farmácia

constitui uma abordagem imprescindível para a promoção da saúde. O quadro 1 relaciona

algumas destas ações que podem ser adotadas para que este serviço seja reestruturado.

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Quadro 1

∙ Aumentar a aderência ao tratamento;

∙ Prevenir intoxicações;

∙ Promover o uso e o armazenamento de forma segura;

∙ Prevenir o surgimento de problemas relacionados aos medicamentos;

∙ Disposição de instalações, ambientes e equipamentos adequados;

∙ Estabelecimento de manuais de boas práticas de armazenamento e dispensação;

∙ Capacitação dos funcionários da farmácia;

∙ Fornecimento de educação continuada aos demais profissionais de saúde para assuntos relativos a

medicamentos;

∙ Redução de filas para o atendimento (principalmente no serviço público);

∙ Oferta de informação com qualidade;

∙ Integração entre farmacêutico e equipe e, da farmácia aos demais serviços de saúde;

∙ Elaboração de educação em saúde e campanhas vinculadas às necessidades da comunidade (perfil

epidemiológico);

∙ Melhora da qualidade da comunicação com o paciente.

Fonte: Vieira, 2007

O processo de reorientação da Assistência Farmacêutica (AF) fundamenta-se:

· Na descentralização da gestão.

· Na promoção do uso racional dos medicamentos.

· Na otimização e na eficácia do sistema de distribuição no setor público.

· No desenvolvimento de iniciativas que possibilitam a redução dos preços dos produtos,

viabilizando, inclusive, o acesso da população aos produtos do setor privado (VIEIRA, 2007).

O Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos

(DAF/SCTIE/MS) tem como um de seus eixos de atuação a qualificação da assistência

farmacêutica no âmbito do SUS. Qualificar um serviço de saúde compreende,

necessariamente, contar com profissionais adequadamente formados e preparados para

gerenciar o serviço e as pessoas, inovar, integrar e cuidar, com base em critérios científicos e

éticos para a consolidação dos princípios do SUS. Portanto, a questão da qualificação

profissional, e em especial do farmacêutico, é fundamental para a estruturação de serviços de

Assistência Farmacêutica qualificados em todos os níveis de gestão (BRASIL, 2008).

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3.3 Ações e Serviços de Assistência Farmacêutica

Pensar sobre a integralidade das ações e serviços de saúde também significa pensar

sobre as ações e serviços de Assistência Farmacêutica. Considerando que a maioria das

intervenções em saúde envolve o uso de medicamentos e que este uso pode ser determinante

para a obtenção de menor ou maior resultado, é imperativo que a Assistência Farmacêutica

seja vista sob ótica integral. O avanço no plano estatal, pelo menos no aspecto legislativo,

pode-se observar na atual PNM, em que se busca melhor detalhamento de funções e

responsabilidades quanto à Assistência Farmacêutica. Neste sentido, incluem-se as atividades

de seleção, programação, aquisição, armazenamento e distribuição, controle de qualidade e

utilização de medicamentos com base em critérios epidemiológicos (ARAÚJO et al., 2006).

Não é suficiente considerar que se está oferecendo atenção integral à saúde quando a

Assistência Farmacêutica é reduzida à logística de medicamentos (adquirir, armazenar e

distribuir). É preciso agregar valor às ações e aos serviços de saúde, por meio do

desenvolvimento da Assistência Farmacêutica. Para tanto é necessário integrar a Assistência

Farmacêutica ao sistema de saúde; ter trabalhadores qualificados; selecionar os medicamentos

mais seguros, eficazes e custo-efetivos; programar adequadamente as aquisições; adquirir a

quantidade certa e no momento oportuno; armazenar, distribuir e transportar adequadamente

para garantir a manutenção da qualidade do produto farmacêutico; gerenciar os estoques;

disponibilizar protocolos e diretrizes de tratamento, além de formulário terapêutico;

prescrever racionalmente; dispensar (ou seja, entregar o medicamento ao usuário com

orientação do uso); e monitorar o surgimento de reações adversas, entre tantas outras ações

(BRASIL, 2006).

Para que a Assistência Farmacêutica seja de qualidade, além de recursos disponíveis e

planejamento adequado, devem-se seguir corretamente as etapas do ciclo, tais como: seleção

dos medicamentos, programação, aquisição, armazenamento, distribuição, prescrição,

dispensação e utilização dos medicamentos, conforme se observa na Figura 1. Dessa forma,

pode-se evidenciar que a Atenção Farmacêutica está presente na etapa final da Assistência

Farmacêutica, ou seja, no momento da dispensação e utilização dos medicamentos.

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Figura 1 – Ciclo da Assistência Farmacêutica

Fonte: Brasil, 2006

A Política Nacional de Assistência Farmacêutica foi aprovada por meio da Resolução

do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 338, de 6 de maio de 2004, num conceito de maior

amplitude, na perspectiva de integralidade das ações, como uma política norteadora para

formulação de políticas setoriais, tais como: políticas de medicamentos, ciência e tecnologia,

desenvolvimento industrial, formação de recursos humanos, entre outras, garantindo a

intersetorialidade inerente ao SUS, envolvendo tanto o setor público como o privado de

atenção à saúde (BRASIL, 2006).

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De acordo com a Resolução no 338/2004, Assistência Farmacêutica é:

Conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto

individual como coletiva, tendo o medicamento como insumo essencial e visando ao

acesso e ao seu uso racional. Este conjunto envolve a pesquisa, o desenvolvimento e

a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação,

aquisição, distribuição, dispensação, garantia da qualidade dos produtos e serviços,

acompanhamento e avaliação de sua utilização, na perspectiva da obtenção de

resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da população (BRASIL,

2006).

Sendo assim entendido a dispensação como o ato essencialmente de orientação quanto

ao uso adequado dos medicamentos e sendo privativa do profissional farmacêutico. Araújo e

colaboradores (2008) afirmam que o farmacêutico ocupa papel-chave nessa assistência, na

medida em que é o único profissional da equipe de saúde que tem sua formação técnico-

científica fundamentada na articulação de conhecimentos das áreas biológicas e exatas. E

como profissional de medicamentos, traz também para essa área de atuação conhecimentos de

análises clínicas e toxicológicas e de processamento e controle de qualidade de alimentos.

A assistência farmacêutica no Brasil pode ser considerada como parte indissociável do

modelo assistencial existente, sendo de caráter multiprofissional e intersetorial. Considerando

os parâmetros delimitados pelas definições, a assistência farmacêutica é uma grande área

composta por, pelo menos, duas subáreas distintas, porém complementares, ou seja, uma

relacionada à tecnologia de gestão do medicamento (garantia de acesso) e a outra relacionada

à tecnologia do uso do medicamento (utilização correta do medicamento). A execução desta

depende da primeira, uma vez que a disponibilidade do medicamento é fruto da gestão, sendo

que a atenção farmacêutica pode ser considerada como uma especialidade da tecnologia do

uso do medicamento e privativa do farmacêutico (ARAÚJO et al., 2008).

Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, busca-se uma Assistência

Farmacêutica plena e de qualidade, garantindo principalmente acesso da população aos

medicamentos da atenção primária, pois com o fortalecimento da Assistência Farmacêutica

será possível aprofundar as discussões para a implantação e implementação de uma Atenção

Farmacêutica sólida em nosso país (PEREIRA et al., 2008).

Segundo Araújo et al. (2008), o problema das interações medicamentosas e do

conhecimento sobre o uso de medicamentos parece ser de natureza bastante complexa,

envolvendo diversos fatores. Entretanto, torna-se imprescindível o envolvimento do

profissional farmacêutico, principalmente para um maior conhecimento da natureza do

problema, buscando melhorar a adesão dos usuários e reduzir possíveis problemas

relacionados aos medicamentos que possam surgir durante o tratamento.

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Nas últimas décadas, o farmacêutico reorientou sua formação principalmente para o

medicamento, esquecendo-se de seu objetivo principal que é o paciente. Entretanto, nos dias

atuais, devido ao modelo implantado pelo serviço de saúde, tornou-se primordial uma nova

relação profissional do farmacêutico, assumindo um papel central no

seguimento/acompanhamento farmacoterapêutico dos usuários portadores de patologias

crônicas. Dentro dessa necessidade poderiam ser organizados no serviço de saúde, com mais

frequência, cursos de gerência ou oficinas para esses profissionais, auxiliando-os na solução

de problemas operacionais relacionados ao atendimento de populações específicas, como os

idosos, diabéticos, hipertensos, epilépticos e portadores de HIV/AIDS (ARAÚJO et al.,

2008).

De modo geral, as concepções sobre a Assistência Farmacêutica refletem as

representações dos profissionais farmacêuticos sobre o seu próprio processo de trabalho

rotineiro na unidade de saúde. Nesta visão, o medicamento se destaca como o mais evidente

objeto de trabalho farmacêutico na unidade de saúde, fortemente marcado pela gestão

burocrática, ou seja, garantir a disponibilidade do medicamento ao usuário. Ainda que haja

uma clareza desses profissionais quanto à existência de dois processos diferentes na

Assistência Farmacêutica, a orientação das atividades é vinculada ao controle de estoque,

ancorada na justificativa da garantia do acesso ao medicamento, o qual norteia todas as

atividades no interior da farmácia (ARAÚJO et al., 2006).

Devido a isso, a profissão farmacêutica tem passado por transformações no perfil

desse profissional, centrando sua formação acadêmica no cuidado aos pacientes, através da

implantação do currículo generalista, que permite ao farmacêutico integrar-se

profissionalmente ao sistema de saúde, assumindo um papel importante na informação sobre a

utilização correta dos medicamentos e desenvolvimento pleno da assistência farmacêutica

(ARAÚJO et al., 2008).

Dentre os objetivos da Assistência Farmacêutica estão: assegurar a acessibilidade de

medicamentos e farmacoterapia de qualidade à população, com ênfase nos grupos de risco;

garantir o uso racional de medicamentos e de insumos farmacêuticos; oferecer serviços

farmacêuticos e cuidados ao paciente e à comunidade, complementando a atuação de outros

serviços de atenção à saúde e contribuir de maneira eficaz e efetiva para transformar o

investimento com medicamentos em incremento de saúde e de qualidade de vida (ARAÚJO et

al., 2006).

Deste ponto de vista a Assistência Farmacêutica inclui não somente as atividades

ligadas à compra e distribuição de medicamentos, mas todas aquelas direcionadas ao uso

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racional e melhoria do sistema logístico, com uso de mecanismos de mercado e de controle

comunitário (ARAÚJO et al., 2006).

3.3.1 Desafios

Segundo Loch-Neckel (2007), um dos principais fatores que dificultam a prática da

interdisciplinaridade no trabalho das equipes é a formação dos profissionais de saúde, que

prioriza conhecimentos técnicos adquiridos e desconsidera práticas populares da comunidade

na qual a equipe é inserida. Além disso, privilegia o trabalho individual em relação ao

coletivo, o que prejudica a integração da equipe e a aplicação da prática necessária.

Observa-se que todas as iniciativas tomadas no sentido de garantir maior promoção,

proteção e recuperação da saúde, individual e coletiva, tendo o medicamento como foco,

envolvem uma complicada articulação entre setores, que inclui desde a

pesquisa/desenvolvimento/produção, bem como as etapas relacionadas à garantia de que a

população terá acesso a um produto (medicamento) de qualidade, em quantidade suficiente,

sob orientação profissional competente, capaz de assegurar seu uso racional (PAULA et al.,

2009)

Na maioria das unidades de saúde, o fluxo de usuários é alto e os recursos humanos

escassos, portanto o tempo de atendimento é sacrificado em benefício do processo de gestão.

O serviço farmacêutico é o elo final da cadeia, o usuário, quase sempre, cansado pela espera,

na fila da farmácia ou outra, está mais preocupado com a redução do tempo do que com a

orientação propriamente dita. Nesta realidade, o tempo investido na orientação representa para

o usuário maior desconforto e para o farmacêutico maior probabilidade de reclamações, sendo

isto um reflexo das precárias condições de atendimento às diretrizes políticas, notadamente no

que se refere à garantia, aos usuários, do recebimento dos medicamentos necessários e das

informações pertinentes ao seu uso correto (PEREIRA et al., 2008).

Entretanto, ainda permanecem inúmeras denúncias referente ao excesso e à falta de

medicamentos nos serviços públicos de saúde, determinando, entre outras consequências, o

aumento de ações judiciais contra os gestores do SUS. Desse modo, percebe-se que ainda

existem muitos desafios a serem enfrentados pela política de medicamentos brasileira, dentre

os quais se destaca a garantia de toda população ao acesso aos medicamentos essenciais e à

assistência farmacêutica. O acesso aos medicamentos ocorre de forma injusta,

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comprometendo a resolução nos sistemas de saúde e sendo, portanto, um dos grandes desafios

a serem enfrentados pelas políticas públicas, em especial por uma política de medicamentos

que tenha como um dos seus princípios a melhoria da equidade (PAULA et al., 2009).

Grande proporção de profissionais da saúde, em todos os níveis da gestão pública,

desconhece as listas de medicamentos essenciais existentes no País. Constitui um desafio a

divulgação dessas listas, abrangendo o maior número possível de prescritores, setores

acadêmicos, serviços de saúde e organismos profissionais (BRASIL, 2012).

Outra dificuldade consiste na falta de adesão dos profissionais em prescrever

medicamentos essenciais. Estudo mostrou que “a prescrição medicamentosa era irrestrita, e

que os médicos prescreviam muitas vezes as mais onerosas alternativas” e que “5-10% das

prescrições continham o mesmo antibiótico sob diferentes nomes comerciais” (BRASIL,

2012).

A implantação da Atenção Farmacêutica nas Farmácias Comunitárias enfrenta

obstáculos que incluem o vínculo empregatício do profissional farmacêutico e a rejeição do

programa por gerentes e proprietários, além da insegurança e desmotivação por parte dos

farmacêuticos, devido ao excesso de trabalho e falta de tempo para se dedicar ao atendimento,

perdendo a concorrência para os balconistas em busca de comissões sobre vendas. Há

necessidade de estimular a atuação profissional, principalmente de acadêmicos, sendo esse o

primeiro passo para o sucesso da Atenção Farmacêutica, uma vez que a sociedade começa a

reconhecer a importância do atendimento realizado pelo farmacêutico (PEREIRA et al.,

2008).

As Unidades Básicas de Saúde constituem a principal porta de entrada do sistema de

assistência à saúde estatal em nosso país. Entretanto, o vínculo do serviço farmacêutico está

relacionado com o modelo curativo, centrado na consulta médica e pronto atendimento, com a

farmácia apenas atendendo a essas demandas.

A racionalização da utilização dos medicamentos pelos gestores é fundamental desde

a prescrição até a utilização por parte do usuário. Uma alternativa seria estimular a criação de

Comissões Municipais de Farmácia e Terapêutica que promovam a confecção de protocolos

clínicos de tratamento das principais patologias crônicas, propondo desde a padronização

racional dos medicamentos até a prescrição destes (ARAÚJO et al., 2008).

De modo geral, a Assistência Farmacêutica no Brasil trata-se de uma área ainda

incipiente. A falta de um modelo que norteie as práticas da Assistência Farmacêutica nos

sistemas locais é um dos fatores que tem dificultado sua evolução. Este modelo deve ser

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construído de forma sistêmica e suas tecnologias devem ser adequadas às necessidades do

sistema e dos usuários (ARAÚJO et al., 2006).

3.4 Uso racional de medicamentos

A promoção do uso racional de medicamentos envolve as etapas de produção,

comercialização, prescrição e a utilização de medicamentos genéricos, através de ações

intersetoriais. Ela também propicia o acesso às informações que dizem respeito às

repercussões sociais e econômicas do receituário médico, enfatizando a educação dos usuários

no tocante aos riscos da automedicação, da interrupção ou da troca da medicação prescrita.

Além disso, esta promoção possibilita a adequação dos currículos dos cursos de formação dos

profissionais de saúde e a nova regulamentação da propaganda dos produtos farmacêuticos

para os médicos, para o comércio de produtos farmacêuticos e para a população leiga. Essa

nova legislação entrou em vigor em junho de 2009, seguindo as exigências da Resolução da

Diretoria Colegiada (RDC) nº 96, publicada pela Anvisa em dezembro de 2008 (PAULA et

al., 2009).

Para realizar uso racional de medicamentos, é preciso selecionar informações

provenientes de conhecimentos sólidos e independentes e, por isso, confiáveis. Essa postura

corresponde ao paradigma conceituado por David L. Sackett como “o uso consciente,

explícito e judicioso da melhor evidência disponível para a tomada de decisão em pacientes

individuais”. Esse constitui um processo sistemático e contínuo de autoaprendizado e

autoavaliação, sem o que as condutas se tornam rapidamente desatualizadas e não racionais

(BRASIL, 2012).

As decisões em saúde pública tomadas por vários atores – gestores, financiadores,

profissionais, público – crescentemente se fundamentam em evidências. Para isso, é

necessário filtrar eficientemente a informação relevante para uma prática em particular ou

uma determinada política, por meio de análise e síntese dos múltiplos esforços de pesquisa

(BRASIL, 2012).

Busca-se, desse modo, garantir o uso racional do medicamento, o qual inclui série de

estratégias que vão melhorar a prescrição e a dispensação de medicamentos, dentre as quais

têm-se: promover estudos sobre utilização de medicamentos e discutir seus resultados com os

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profissionais e promover programas de informação ao cidadão e ao doente (ARAÚJO et al.,

2006).

São frequentes na mídia as denúncias tanto de excesso de medicamentos, levando à

imobilização de capital e à perda por vencimento, quanto de escassez, culminando sempre

com a desassistência aos usuários e a interrupção de tratamentos, comprometendo a

resolutividade das ações de saúde. Somam-se a estes problemas aqueles ligados ao uso não

racional de medicamentos, que além de contribuir sinergicamente para o desperdício, pode

causar sérios problemas tanto no nível individual como no coletivo, como é o caso da

emergência de cepas de microrganismos resistentes aos antibióticos disponíveis (PAULA et

al., 2009).

No Brasil, o uso incorreto de medicamentos deve-se comumente a alguns fatores

como: polifarmácia, uso indiscriminado de antibióticos, prescrição não orientada por

diretrizes, automedicação inapropriada. Estes fatores acarretam pontos desfavoráveis e

críticos quando pensamos na Assistência Farmacêutica de uma forma eficaz, sendo que o uso

abusivo, insuficiente ou inadequado de medicamentos lesa a população e desperdiça os

recursos públicos (BRASIL, 2012).

Segundo a OMS, a forma mais efetiva de prevenir o uso incorreto de medicamentos na

atenção primária em países em desenvolvimento é a combinação de educação e supervisão

dos profissionais de saúde, educação do consumidor e garantia de adequado acesso a

medicamentos apropriados (BRASIL, 2012).

Segundo Paula e colaboradores (2009), a definição de tecnologias adequadas para a

promoção do uso racional dos medicamentos no sistema de saúde passa pela análise do

estágio atual de organização da Assistência Farmacêutica no Brasil, no qual temos esta como

parte indissociável do modelo assistencial existente.

4 CONCLUSÃO

Pelo exposto com este trabalho de revisão bibliográfica foi constatado que a

organização e estruturação dos serviços de farmácia, o conhecimento dos desafios para

implementação de ações e serviços de Assistência Farmacêutica eficaz e o uso racional de

medicamentos são pontos relevantes na Assistência Farmacêutica.

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As unidades básicas de saúde constituem a principal porta de entrada para o sistema

nacional de assistência à saúde em nosso país, portanto os serviços farmacêuticos de atenção

básica (primária) contribuem para a diminuição da internação ou do tempo de permanência no

hospital, à assistência aos portadores de doenças crônicas, à prática de educação em saúde e,

para uma intervenção terapêutica mais custo-efetiva.

Dentro desta lógica, o serviço de farmácia deve assumir papel complementar ao

serviço médico na atenção à saúde. O paciente que sai do consultório com uma receita terá

maior resolução de seus problemas se tiver acesso ao tratamento prescrito e se a prescrição

atender à racionalidade terapêutica, sendo também necessário avaliar os fatores que

potencialmente podem interferir em seu tratamento, como: hábitos alimentares, tabagismo,

histórico de reações alérgicas, uso de outros medicamentos ou drogas, outras doenças, etc. ou

até mesmo a falta de adesão. Esta avaliação, com a possibilidade de intervenção visando à

efetividade terapêutica, pode ser alcançada com a implantação da atenção farmacêutica.

Faz parte das atribuições do farmacêutico a promoção da saúde, principalmente

através da disposição de um serviço de farmácia com qualidade (e neste aspecto incluem-se a

orientação e o acompanhamento farmacêutico) e, da educação em saúde, de fácil acesso à

população.

O uso irracional de medicamentos é um importante problema de saúde pública;

portanto, é preciso considerar o potencial de contribuição do farmacêutico e efetivamente

incorporá-lo às equipes de saúde a fim de que se garanta a melhoria da utilização dos

medicamentos, com redução dos riscos de morbimortalidade e que seu trabalho proporcione

meios para que os custos relacionados à farmacoterapia sejam os menores possíveis para a

sociedade.

Em todos os níveis de atenção à saúde, percebe-se a necessidade do trabalho

interdisciplinar, uma vez que é justamente a partir de tal trabalho que se almeja alcançar uma

abordagem integral sobre os fenômenos que interferem na saúde da população. A partir desta

abordagem, objetiva-se atingir maior eficiência e eficácia dos programas e serviços oferecidos

à população.

A partir disto, os Conselhos Federais e Regionais de cada categoria profissional vêm

se organizando e lutando pela inserção de seus trabalhadores nos serviços de saúde pública, o

que inclui o Programa Saúde da Família.

Isto acontece a partir de movimentos para a conscientização da importância de outros

profissionais para a atenção integral da população, através de participação nas conferências de

saúde, de mudanças curriculares, entre outros.

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A reorientação da assistência farmacêutica não pode ser restrita ao ato de adquirir e de

distribuir os medicamentos, como já explicitado, mas deve garantir também a atenção

farmacêutica, habilitação específica do profissional farmacêutico, com o acompanhamento

dos pacientes durante o uso dos medicamentos prescritos. Ao realizar a identificação, a

correção, a prevenção ou a redução dos possíveis agravos ocorridos devido à má utilização

dos medicamentos, o farmacêutico pode estabelecer um vínculo maior com os usuários do

sistema. Isso possibilita o resgate do papel do farmacêutico como profissional do

medicamento a serviço da coletividade e não a favor do mercado.

O acesso aos medicamentos essenciais deve ser ampliado no sentido de contemplar

não somente a garantia do acesso igualitário e universal da população brasileira, mas também

na garantia de acesso aos demais medicamentos como uma questão de direito social

legitimado na constituição do SUS. Para tanto, o Estado deve ter papel central neste processo,

atuando juntamente com os demais atores sociais, usuários, prescritores e dispensadores de

medicamentos, bem como aqueles envolvidos no comércio, distribuição e venda desses

insumos.

A atividade de orientação aos usuários na farmácia das Unidades Básicas de Saúde

torna-se praticamente impossível, pois na farmácia deságuam quase todas as mazelas do

sistema de saúde, por estar no elo final do processo de atendimento. A solução do problema,

no âmbito geral, não será simples, se mantida a forma como o serviço está estruturado, pois

grande parte das pressões de demanda não depende do serviço de saúde em si, mas de

políticas sociais inclusivas, as quais têm impacto direto nas condições de saúde da população.

No âmbito específico, é fundamental que os gestores racionalizem a utilização dos

medicamentos desde a prescrição até a utilização por parte do usuário.

O farmacêutico tem uma interação limitada com a equipe de saúde, por ter seu tempo

preenchido através da resolução de problemas operacionais referentes à gestão dos estoques e

atendimento aos usuários. Neste rol de atividades, qualquer ação no sentido de reduzir a fila é

valorizada; entretanto, não muda o fluxo já estabelecido pelo serviço de saúde, ou seja, qual a

solução para atender a uma demanda que parece ser infinitamente crescente e ao mesmo

tempo não desumanizar o serviço? Uma das sugestões é a melhora do controle informatizado,

mas é necessária uma análise mais cuidadosa dessa premissa.

Portanto, a Atenção Farmacêutica com acompanhamento/seguimento

farmacoterapêutico pode promover melhor controle da patologia dos pacientes, devido ao

maior conhecimento em relação aos medicamentos e melhor comunicação entre a equipe de

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saúde. Estes parâmetros contribuem para a redução dos erros de medicação e reações

adversas.

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