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BANCO CENTRAL DO BRASILDIRETORIA DE POLÍTICA MONETÁRIA - DIPOM
DEPARTAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA – DEDIP
CONSULTORIA DE ACOMPANHAMENTO E
ANÁLISE DAS FINANÇASPUBLICAS – COFIP
PROPOSTA PARA UM NOVO FEDERALISMO FISCAL:
NOVOS CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO PARA O FPM E
CIAÇÃO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DAS REGIÕES
METROPOLITANAS
MARCOS J. MENDES
Brasília, (DF), janeiro de 1994.
PROPOSTAS PARA UM NOVO FEDERALISMO FISCAL:
novos critérios de distribuição para o FPM e criação do
Fundo de Participação das Regiões Metropolitanas. (*)
Marcos J. Mendes (**)
*(*) O conteúdo do presente trabalho não representa posição oficial do Banco Central sendo de responsabilidade exclusiva do autor.
*(**) Mestre em Economia pela UnB e Analista da COFIP
“Poucos Municípios do interior nordestino.têm a Infra-estrutura que tem ltapipoca, no litoral norte do Ceará, a 132 quilômetros de Fortaleza. Com suas principais ruas asfaltadas, além de hospital, faculdade, mais de 30 creches e até estádio de futebol, ltapipoca dá a impressão de viver um período de prosperidade. Basta, no entanto, percorrer a zona rural para verificar que por trás da prosperidade há uma triste realidade, na qual as famílias precisam fazer milagre para conseguir um prato de comida. Segundo o Mapa da Fome III, Itapipoca figura como o Município Brasileiro com o maior número de indigentes”
(O GLOBO, 17/10/93, p. 8)
Colaboraram para a realização do presente trabalho, através de coleta de dados sobre a arrecadação tributária municipal, as Delegacias Regionais do Banco Central em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e Recife. O instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM nos franqueou acesso a seu banco de dados. Antônio Fernando Mendes e Wladeciro Camillo Menegassi fizeram significativas observações sobre as características geo-econômicas dos municípios. Vicente Fialkoski deu o suporte de informática. Calos Augusto Dias de Carvalho, Chefe do DEDIP, sugeriu o tema e orientou a redação do trabalho.
APRESENTAÇÃO
O Departamento da Divida Pública (DEDIP), tem como
missão, estabelecida no processo de Planejamento Estratégico do
Banco Central do Brasil, “ACOMPANHAR AS FINANÇAS
PÚBLICAS E EXERCER OS CONTROLES SOBRE O
ENDIVIDAMENTO DO SETOR PÚBLICO, EM CONSONÂNCIA
COM A POLÍTICA MONETÁRIA".
A partir dessa missão foi estabelecido, entre outros, o objetivo
de “BUSCAR A COMPATIBILIZAÇÃO DO ENDIVIDAMENTO
DO SETOR PÚBLICO COM A POLÍTICA MONETÁRIA”. insere-
se nesse objetivo o projeto de acompanhamento e análise das finanças
de Estados, Distrito Federal e Municípios.
O presente trabalho é um dos frutos desse projeto. Ele analisa
alguns problemas do federalismo fiscal instituído pela Constituição de
1988. Propõe mudanças nos critérios de distribuição do Fundo de
Participação doa Municípios (FPM) e a criação de um Fundo de
Participação das Regiões Metropolitanas. Trata-se de assunto de
grande importância para a racionalização das finanças públicas no
país, com reflexos positivos sobre a trajetória de endividamento dos
Governos Locais e a estabilidade macroeconômica.
RESUMO
O trabalho recorre aos fundamentos da teoria das finanças
públicas para definir o objetivo das transferências financeiras
intergovernamentais. Estabelece, com isso, que o Governo Central
transfere parte de sua receita tributária aos governos locais visando,
basicamente, a solucionar eventuais desequilíbrios entre a capacidade
financeira do governo local e a demanda de sua população por bens e
serviços públicos.
Com base nesse princípio são analisados os critérios de
distribuição do FPM, que parecem ser inadequados, produzindo
renúncia fiscal, desperdício de verbas públicas e iniqüidade
distributiva. Por isso, o trabalho sugere novos critérios da distribuição
para o Fundo.
São exploradas, também, considerações teóricas sobre o
fenômeno das Regiões Metropolitanas, chegando-se à sugestão de um
Fundo de Participação das Regiões Metropolitanas, a partir de
recursos hoje pertencentes ao FPM, FPE e às transferências de ICMS.
Tal fundo financiaria investimentos em infraestrutura urbana de uso
comum a todos os Municípios de uma região metropolitana.
INTRODUÇÃO
O inicio dos anos noventa tem sido marcado, no cenário político e
econômico brasileiro, pelo reconhecimento da importância do controle e boa
gerência das finanças públicas. A estabilidade macroeconômica, a retomada do
crescimento sustentado e a redução da pobreza passam, necessariamente, por
uma mudança de regime fiscal. Por mudança de regime fiscal entende-se o
combate à sonegação e ao desvio do dinheiro público, a racionalização do gasto
público e a supressão do financiamento inflacionário do Governo.
Um ponto fundamental na racionalização do gasto público está na
necessidade de remodelar o federalismo fiscal brasileiro. O Brasil vive uma fase
de privatização e descentralização fiscal. Os gastos dos Governos Locais
tendem a aumentar em relação ao Governo federal. As finanças de Estados e
Municípios tomam-se cada vez menos uma questão local, tendo importância
crescente na estabilização macroeconômica.
Surge, ademais, um desafio fundamental: determinar os custos reais
do fornecimento dos bens e serviços públicos e elaborar um sistema tributário,
com partilha e rateio de tributos, que permita a cada unidade de Governo arcar
com os gastos pelos quais é responsável.
Nesse contexto, o presente trabalho procura avaliar um instrumento
de partilha e rateio de tributos que constitui-se em fonte primordial de
financiamento dos Municípios brasileiros: o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM).
A primeira tese importante do trabalho é de que o FPM é,
atualmente, mal distribuído. Os atuais critérios de partilha não são capazes de
direcionar os recursos para os Municípios que, frente aos gastos pelos quais são
responsáveis, realmente necessitam de complementação financeira às suas
receitas próprias. A partir dessa constatação são sugeridos novos critérios para a
divisão do Fundo.
O segundo ponto fundamental do trabalho diz respeito às Regiões
Metropolitanas. O atual federalismo fiscal brasileiro não dá a devida
importância ao fenômeno metropolitano. Vários Municípios vizinhos se
fundem, como resultado do crescimento econômico, gerando complexos
problemas de uso do solo, transportes, saneamento e meio ambiente. Surge dai a
necessidade de investimento e custeio em infra-estrutura pública de alto custo
(trens urbanos, metrôs, projetos de despoluição, entre outros) que será utilizada
pelos moradores dos vários Municípios que integram a Região Metropolitana.
Propõe-se, a partir daí, a revitalização dos Conselhos Metropolitanos,
criados na década de setenta, que coordenariam estes investimentos e a
manutenção da infra-estrutura. A idéia é racionalizar este tipo de investimento,
através de uma ação cooperativa de todos os Municípios beneficiados. Os
investimentos e despesa de manutenção decididas por estes Conselhos seriam
financiadas por um Fundo de Participação das Regiões Metropolitanas (FPRM),
formado por parte dos recursos hoje distribuídos pelo FPM, pelo Fundo de
Participação dos Estados (FPE) e pelas transferências constitucionais de ICMS
dos Estados aos Municípios.
O trabalho divide-se em quatro partes. A primeira faz uma resenha
teórica sobre federalismo fiscal, ressaltando as vantagens comparativas
complementares do Governo Central e dos Governos Locais nesse sistema. A
segunda parte expõe um problema clássico do federalismo fiscal: as
responsabilidades de gastos dos Governos Locais tendem, em geral, a superar as
suas receitas próprias; fazendo-se necessárias transferências provenientes da
União ou do Estado. A partir dai discutem-se os critérios dessas transferências,
com foco no FPM. A terceira parte trata das Regiões Metropolitanas, seus
problemas e a necessidade de uma ação cooperativa, sugerindo-se a criação do
FPRM. Na quarta e última parte faz-se uma crítica a opiniões correntes de que
transferências como o FPM devem ter por objetivo a distribuição regional da
renda, o estímulo ao desenvolvimento regional ou o controle de fluxos
migratórios.
1) FEDERALISMO FISCAL E GOVERNOS LOCAIS
Um Estado federativo é aquele composto por dois ou mais níveis de
Governo: um Governo Central ou nacional e outros a nível sub-nacional. um
modelo de Governo unitário, não federativo, pode mostrar-se bastante eficiente
em nações de pequena área geográfica. No entanto, países de dimensões
continentais, como o Brasil, necessitam de algum tipo de divisão de trabalho no
cumprimento das ações públicas. Governo Central e Governos Locais possuem
diferentes vantagens comparativas que se complementam no fornecimento de
distintos tipos de bens públicos, o que possibilita uma eficiente divisão de
trabalho.
São várias as vantagens comparativas apresentadas pelo Governo
Central. Considere-se, inicialmente, o caso de um bem público consumido
igualmente por toda a população de um país. Tal bem deve ser fornecido pelo
Governo Central pois, assim, toda população consome e paga pelo bem. As
atividades voltadas para a segurança nacional e as políticas de colonização e
reforma agrária são exemplos deste tipo de bem.
Outra vantagem comparativa do Governo Central está no fato de que
apenas um Governo com poderes sobre todo o território nacional pode equalizar
as diferenças interestaduais e intermunicipais nas capacidades de tributação e de
fornecimento de bens públicos. Ou seja, o Governo Central pode dirigir uma
política de redistribuição dos recursos fiscais entre Governos sub-nacionais. O
FPE e o FPM são exemplos desse tipo de política no Brasil.
Essa vantagem também pode ser válida na execução de políticas de
distribuição da renda privada. Tal política jamais poderia ser implantada por um
Governo Sub-Nacional. Um Estado que instituísse um imposto de renda
progressivo para melhorar a distribuição da renda privada dentro de suas
fronteiras, por exemplo, levaria seus contribuintes de maior renda a migrar para
outro Estado, ao mesmo tempo em que atrairia população de baixa renda para
seu território, tendo como resultado uma erosão da base tributária e o fracasso
da política redistributiva.
Políticas macroeconômicas também devem ser executadas pelo
Governo Central. Um Governo Local que pretenda expandir as taxas de
crescimento e emprego dentro de suas fronteiras, via déficit fiscal, terá seu
objetivo total ou parcialmente frustrado, uma vez que os benefícios da política
expansionista podem escapar de suas fronteiras e beneficiar o setor produtivo
das regiões vizinhas.
Tem ainda o Governo Central a vantagem de poder arrecadar tributos
de forma mais eficiente que os Governos sub-nacionais. Em primeiro lugar, o
Governo Central possui maiores condições de investigar e descobrir
informações relevantes sobre a base tributária. É difícil para um Município, por
exemplo, ter conhecimento de urna renda obtida por um contribuinte fora de
suas fronteiras. A tributação a nível federal também se coloca acima de
eventuais conflitos entre Governos Locais, evitando sucessivas reduções de
alíquotas na disputa para atrair investimentos privados para seus territórios.
Obviamente, a descoberta da existência de renda tributável é mais fácil, e as
oportunidades de transferência de atividades econômicas para outra jurisdição
são menores, quanto mais alto o nível de Governo que impõe a tributação.
O mais forte argumento em favor da existência de Governos Locais
está na alocação de bens públicos cujos benefícios atingem a áreas restritas de
um país. Não há razões para que a urbanização de uma cidade ou seu serviço de
coleta de lixo, por exemplo, sejam executados pelo Governo Central e custeados
com tributos pagos por todos os contribuintes do país. O fornecimento desse
tipo de bem pelo Governo Local, financiado por tributos locais, torna maior a
interseção entre o conjunto dos beneficiários e o conjunto dos financiadores da
produção do bem.
Além de proporcionar maior eqüidade, tal sistemática estimula maior
controle da população sobre as ações do Governo: os indivíduos, pagando pelo
serviço que utilizam, são induzidos a avaliar custos e benefícios; pressionam o
Governo para melhorar a qualidade, reduzir os custos ou alterar a cesta de bens
ofertados. Em suma, reproduz-se de forma aproximada, na esfera pública, a
relação de mercado entre benefícios recebidos pelo consumo de um bem e o
desembolso monetário para sua aquisição.
Existem alguns bens e serviços públicos que, além de beneficiar as
áreas em que são ofertados, produzem “externalidades’ positivas sobre uma área
significativa do país ou até mesmo sobre todo o território nacional. É o caso da
educação e da saúde. Ao oferecer educação formal à população de um
Município, o Governo Local não estará beneficiando apenas aqueles indivíduos
que freqüentam a sala de aula. Estará beneficiando todo o país, na medida em
que uma população melhor educada significa uma mão-de-obra mais
qualificada e produtiva, cidadãos mais conscientes e com maior participação e
responsabilidade política. Esses benefícios transcendem as fronteiras do
Município e atingem todo o pais. Da mesma forma, serviços de saneamento e
saúde beneficiam não só a população local mas também as populações vizinhas,
porque reduzem, por exemplo, as chances de epidemias
As externalidades desses bens públicos justificam uma colaboração
financeira do Governo Central, visando estimular a sua produção pelos
Governos Locais. Nesses casos, ainda que de forma menos visível, continua a
existir a relação entre custeadores e beneficiários dos bens públicos, mantendo-
se, também, a vantagem comparativa do Governo Local como fornecedor desse
bem.
Urna outra vantagem do fornecimento de bens públicos pelos
Governos sub-nacionais é a maior flexibilidade e melhor adaptação da
condução das atividades públicas ás preferências da população local. Cada
localidade pode compor a cesta de bens públicos que preferir, atingindo maior
satisfação de suas preferências (em geral com custos mais baixos); o que não
ocorreria se o Governo Central se encarregasse da tarefa.
Há também maior participação da população na formação das
políticas públicas. O Governo Local atua sobre um universo de pessoas
mais reduzido que o Governo Central. Por isso, as autoridades locais são mais
acessíveis ao eleitor, estando mais sujeitas a pressões que as autoridades do
Governo Central. Governos Locais participativos têm mais chances de criar
projetos de sucesso, uma vez que há um grande número de pessoas na
comunidade pensando em como resolver os problemas locais e como aumentar
o bem-estar social. Tais projetos podem, posteriormente, ser adotados por
outros Governos Locais.
Em suma, pode-se dizer que a grande vantagem do sistema federalista
é o aproveitamento e maximização das diferentes e complementares vantagens
comparativas dos Governos Central e sub-nacionais na execução das funções
públicas. Em termos gerais pode-se dizer que o Governo Central deve
responsabilizar-se por: políticas macroeconômicas, políticas redistributiva de
renda privada, políticas redistributiva de recursos fiscais entre Governos sub-
nacionais e pelo fornecimento de bens e serviços públicos consumidos a nível
nacional. Os Governos sub-nacionais devem responsabilizas-se
primordialmente pela oferta de bens e serviços públicos de consumo local,
ainda que estes produzam externalidades para o restante do país.
2) PROBLEMAS DO FEDERALISMO FISCAL 1: OS DESEQUILÍBRIOS
FISCAIS
Tendo sido estabelecida a racionalidade econômica para a existência
do federalismo fiscal, cabe dirigir a atenção para um problema especifico que
surge sob esta forma de Governo: os desequilíbrios entre a demanda por bens e
serviços públicos e as disponibilidades financeiras de cada nível de Governo.
As vantagens comparativas dos diferentes níveis de Governo, acima
descritas, definem com clareza quais funções cada um desses níveis deve
assumir. Esta divisão de trabalho não assegura, no entanto, que cada nível de
Governo disponha dos recursos fiscais necessários para cumprir as tarefas nas
quais possui vantagens comparativas. Pode caracterizar-se uma situação de
desequilíbrio fiscal: desequilíbrio entre demanda efetiva por bens e serviços
públicos e os recursos disponíveis para custeá-los.
O desequilíbrio fiscal vertical é caracterizado como uma situação
em que os Governos sub-nacionais não possuem fontes de recursos suficientes
para custear as funções que lhes são designadas, ao passo que o Governo
Central, com sua maior capacidade para arrecadação tributária, pode dispor de
recursos fiscais acima de suas necessidades de gastos.
O desequilíbrio fiscal horizontal refere-se ao desequilíbrio entre
unidades de Governo do mesmo nível. Uma vez que existam diferenças
consideráveis entre a renda, a riqueza e as operações comerciais e produtivas
(três fontes básicas de tributação) de diferentes Estados e Municípios, também
haverá diferenças em suas capacidades de arrecadação. Os Estados e
Municípios menos privilegiados, em termos de capacidade de arrecadação,
tendem a oferecer bens e serviços públicos em menor quantidade e qualidade
e/ou impor uma maior tributação per-capita sobre sua população (Hèrber,
1983).
Seria do interesse da federação minimizar estes desequilíbrios ou
deveria cada Governo Sub-Nacional “viver dentro de suas possibilidades”?
Desde que um grupo de Estados sub-nacionais escolheu a forma federativa de
Governo, em vez do isolamento, deve-se supor que eles aceitam a idéia de uma
equalização da qualidade e quantidade de bens e serviços públicos oferecidos
por cada um dos seus membros Do contrário, o alargamento das diferenças
através do tempo dissolveria a federação.
Restaria, então, estabelecer um mecanismo de reequilíbrio fiscal da
federação. Um instrumento muito utilizado em todo o mundo são as
transferências incondicionais. O Governo federal repassa parte da
arrecadação de seus tributos aos Governos estaduais e municipais, de acordo
com a demanda efetiva por bens e serviços públicos que cada um desses
Governos não pode suprir com recursos próprios.1 Trata-se de um mecanismo de
distribuição de recursos fiscais, através do qual tributos cobrados pela União em
Estados/Municípios de maior capacidade fiscal são transferidos para Governos
Locais de menor capacidade fiscal. Os Estados também podem executar o
mesmo tipo de política em relação aos Municípios.
Chega-se, então, a um ponto fundamental deste trabalho: a análise da
justificativa teórica para a existência das transferências incondicionais.2 2Como
visto acima, essas transferências visam equalizar as condições de cada um dos
Governos sub-nacionais para fornecer os bens e serviços públicos demandados
por sua população. É preciso, pois, definir, inicialmente, a demanda por bens e
serviços públicos em uma municipalidade. Comparando-se esta demanda com
as disponibilidades fiscais do Governo Local, pode-se concluir pela necessidade
1 O termo “demanda efetiva” pretende estabelecer uma relação causal na determinação dos gastos públicos de um Governo Local. Em uma sociedade onde não exista uma cultura estatizante, supõe-se que, primeiro, a sociedade manifeste uma demanda por bens e serviços públicos e, depois, o Governo tome providências para fornecer este bem ou serviço. O governo teria, então, uma atuação nos sentido de responder a uma demanda manifestada ou efetivada previamente. Não caberia ao governo o papel de um agente autônomo, aoutodefinindo a quantidade e a qualidade de seus gastos.
2 As transferências são chamadas “incondicionais” para serem diferenciadas daquelas em que o Governo central transfere os fundos condicionando o seu uso em tipos específicos de despesas, tais como educação, saúde, saneamento. As transferências condicionadas buscam estimular a produção de bens e serviços públicos geradores de externalidades.
ou não de complementação do orçamento desse Governo por meio de
transferências incondicionais provenientes do Governo Federal ou Estadual.
No entanto, é vago o conceito de demanda por bens e serviços
públicos. Além das dificuldades de mensuração, inexiste um mercado com
preços e quantidades de equilíbrio, que permita definir claramente esta
demanda. Portanto, são necessários critérios que estabeleçam, ainda que
aproximadamente, quais os Governos sub-nacionais que devem receber
transferências incondicionais. Ou seja, quais as municipalidades que, por suas
características econômicas e sociais, tendem a enfrentar uma demanda por bens
e serviços públicos superior ás suas disponibilidades fiscais.
2.1) DESEQUILÍBRIO ENTRE DEMANDA E OFERTA DE BENS
E SERVIÇOS PÚBLICOS
Uma forma de se estabelecer critérios para a distribuição das
transferências incondicionais pode ser a definição de fatores que levem, por um
lado, à alta demanda por bens e serviços públicos e, por outro lado, à baixa
capacidade financeira do Município para ofertá-los.
2.1.1) ALTA DEMANDA
Um primeiro fator de alta demanda é, obviamente. o tamanho da
população. Quanto maior esta, maior a necessidade de serviços públicos locais,
para que se tenha urna dada oferta per-capita de bens e serviços públicos.
A Tabela 1 apresenta os quinze Municípios mais populosos do país
em 1992, exceto capitais, de acordo com a divisão municipal vigente em 1980.3
Todos possuem perfil industrial e/ou de cidade dormitório, exceto Ribeirão
Preto e Santos. Destaca-se a presença de municípios periféricos aos grandes
centros industriais: Guarulhos-SP, São Gonçalo-RJ, Nova Iguaçu-RJ, Duque de
Caxias-RJ, Jaboatão-PB, Niterói-RJ, São João do Meriti-RJ
TABELA 1
MUNICÍPIOS MAIS POPULOSOS DO PAÍS, EXCETO CAPITAIS:POPULAÇÃO EM 1992 E TAXA DE CRESCIMENTO POPULACIONAL ENTRE 1980 E 1992 (*)
(mil hab.) . MUNICÍPIOS U.F. POP. 92 AUMENTOCAMPINAS SP 846 27%GUARULHOS SP 786 47%SÃO GONÇALO RJ 779 27%NOVA IGUAÇU RJ 770 18%DUQUE DE CAXIAS RJ 665 16%SANTO ANDRÉ SP 615 11%OSASCO SP 567 20%SÃO BERNARDO DO CAMPO SP 566 33%JABOATÃO PE 487 47%CONTAGEM MG 449 60%SÃO JOSE DOS CAMPOS SP 442 53%NITEROI RJ 437 9%RIBEIRÃO PRETO SP 430 37%SÃO JOÃO DE MERITI RJ 425 7%SANTOS SP 417 3%MÉDIA DO GRUPO 579 28%MÉDIA DA AMOSTRA (**) 211 37%
FONTE: IBGE, CENSO DE 1980 E ESTIMATIVA PARA 1992;IBAM – BANCO DE DADOS MUNICIPAIS
(*) COM BASE NA DIVISÃO MUNICIPAL VIGENTE EM 1980 (**) FORAM INCLUÍDOS NA AMOSTRA OS MUNICÍPIOS QUE EM 1980 POSSUÍAM ACIMA DE 50 MIL HABITANTES OU QUE EM 1992 POSSUÍAM MAIS DE 70 MIL HABITANTES, TOTALIZANDO 380 MUNICÍPIOS.
Tão relevante quanto o tamanho da população é a taxa de
crescimento desta. De acordo com estudo do IBGE, “quanto maior o 3 Foram selecionados os 380 Municípios que em 1980 possuíam 50 mil habitantes ou mais ou que em 1992 possuíam 70 mil habitantes ou mais. As taxas de crescimento foram calculadas como se não tivesse ocorrido qualquer subdivisão dos Municípios existentes em 1980. O Banco de Dados sobre divisão e criação de Municípios dos Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) permitiu que se reconstituísse, para 1992,, as populações de cada Município de acordo com a divisão municipal de 1980.
crescimento demográfico, (...) menos eficiente é a infra-estrutura urbana”
(IBGE, 1977, V.3, p. 580). “Estabeleceu-se uma relação de que quando os
centros urbanos apresentam grande crescimento demográfico têm uma
população muito jovem e sua infra-estrutura é deficiente em relação à sua
população” (IBGE, 1977, V. 5, p. 467).
Afirma ainda o mesmo estudo que as cidades com maior deficiência
de infra-estrutura urbana “situam-se nas áreas metropolitanas, onde o processo
de metropolização leva os núcleos satélites e dormitórios a acusarem ritmo de
crescimento demográfico mais acelerado do que o da implantação de serviços”
(IBGE. 1977, V.3, p. 581). Além desses Municípios, o estudo identifica
deficiências de infra-estrutura em “cidades comerciais e de serviços localizadas
em áreas mais distantes dos centros metropolitanos ou, ainda, em áreas de
povoamento mais recente” (IBGB, 1971, V.3, p. 580-81).
A Tabela 2 mostra os quinze Municípios que mais cresceram entre
1980 e 1992. Os dados aproximam-se bastante da proposição do IBGE. Nove
dos quinze Municípios localizam-se na periferia de áreas metropolitanas,
funcionando como dormitórios ou áreas industriais (Aparecida de Goiânia-GO,
Francisco Morato-SP, Ibirité-MG, Luziânia-GO, Maranguape-CE, Santa Luzia-
MG, Itaquaquecetuba-SP, Sumaré-SP e Serra-ES). Os seis Municípios restantes
(Itupiranga-PA Marabá-PA, Altamira-PA, Boa Vista-RR, Porto Velho-RO, Ji-
Paraná-RO) são áreas de povoamento recente, com a economia baseada na
extração mineral e na agropecuária, incluindo-se aí duas capitais: Boa Vista-RR
e Porto Velho-RO. A taxa de crescimento médio dos Municípios da Tabela 2
(188%) é muito superior à taxa média de crescimento dos 380 Municípios da
amostra (37%).
TABELA 2MUNICÍPIOS COM AS MAIORES TAXAS DE CRESCIMENTO ENTRE 1980 E 1992, SEGUNDO A DIVISÃO MUNICIPAL DE 1980.
(mil hab.) . MUNICÍPIOS U.F. POP. 80 POP. 92 AUMENTO %ITUPIRANGA PA 16 72 350APARECIDA DE GOIÂNIA GO 43 185 330MARABÁ PA 60 204 240ALTAMIRA PA 46 156 239FRANCISCO MORATO SP 28 84 200IBIRITÉ MG 34 93 174BOA VISTA RR 67 182 172SERRA ES 82 221 170LUZIÂNIA GO 93 241 159MARANGUAPE CE 91 229 152PORTO VELHO RO 134 310 131SANTA LUZIA MG 60 138 130ITAQUACETUBA SP 73 165 126SUMARÉ SP 101 227 125JI-PARANÁ RO 122 268 120MÉDIA DO GRUPO 188MÉDIA DA AMOSTRA (*) 37
FONTE: IBGE, CENSO DE 1980 E ESTIMATIVA PARA 1992;IBAM – BANCO DE DADOS MUNICIPAIS
(*) FORAM INCLUÍDOS NA AMOSTRA OS MUNICÍPIOS QUE EM 1980 POSSUÍAM ACIMA DE 50 MIL HABITANTES OU QUE EM 1992 POSSUÍAM MAIS DE 70 MIL HABITANTES, TOTALIZANDO 380 MUNICÍPIOS.
As Tabelas 3A e 38 confirmam que a maioria dos Municípios que
exercem, ainda que não exclusivamente, a função de dormitório, apresentam
altas taxas de crescimento da população ou já são muito populosos. Na Tabela
3A foram agrupados dezessete Municípios dormitório, que possuíam menos de
200 mil habitantes em 1992. A taxa média de crescimento desses Municípios é,
de fato, muito superior à média da amostra (107% contra 37%).
TABELA 3AMUNICÍPIOS DORMITÓRIOS COM POPULAÇÃO INFERIOR A 200 MIL HABITANTES EM 1992: TAXA DE CRESCIMENTO ENTRE 1980 E 1992, DE ACORDO COM A DIVISÃO MUNICIPAL DE 1980
(mil hab.) . MUNICÍPIOS U.F. AUMENTO %APARECIDA DE GOIÂNIA GO 330FRANCISCO MORATO SP 200IBIRITÉ MG 174LUZIÂNIA GO 159MARANGUAPE CE 152ITAQUAQUECETUBA SP 126RIBEIRÃO NEVES MG 115ITAPEVI SP 104CAUCAIA CE 76FERRAZ DE VASCONCELOS SP 75GRAVATAÍ RS 73
TABOÃO DA SERRA SP 63ALVORADA RS 56POÁ SP 43CACHOEIRINHA RS 40ITAGUAÍ RJ 26NILÓPOLIS RJ 4MÉDIA DO GRUPO 107MÉDIA DA AMOSTRA (*) 37
FONTE: IBGE, CENSO DE 1980 E ESTIMATIVA PARA 1992;IBAM – BANCO DE DADOS MUNICIPAIS
(*) FORAM INCLUÍDOS NA AMOSTRA OS MUNICÍPIOS QUE EM 1980 POSSUÍAM ACIMA DE 50 MIL HABITANTES OU QUE EM 1992 POSSUÍAM MAIS DE 70 MIL HABITANTES, TOTALIZANDO 380 MUNICÍPIOS.
A Tabela 3B mostra quão populosos são os seis maiores Municípios
dormitório do país. A população média desses Municípios é de 508 mil
habitantes, conta uma média de 211 mil habitantes para os 380 Municípios da
amostra.
TABELA 3 BMUNICÍPIOS DORMITÓRIO COM POPULAÇÃO SUPERIOR A 200 MIL HABITANTES EM 1993, DE ACORDO COM A DIVISÃO MUNICIPAL DE 1992.
(mil hab.) . MUNICÍPIOS U.F. POP 92NOVA IGUAÇU RJ 770DUQUE DE CAXIAS RJ 665JABOATÃO PE 487SÃO JOÃO DO MIRITI RJ 425BELFORT ROXO RJ 360OLINDA PE 341MÉDIA DO GRUPO 508MÉDIA DA AMOSTRA (*) 211
FONTE: IBGE, ESTIMATIVA PARA 1992; (*) FORAM INCLUÍDOS NA AMOSTRA OS MUNICÍPIOS QUE EM 1980 POSSUÍAM ACIMA DE 50 MIL HABITANTES OU QUE EM 1992 POSSUÍAM MAIS DE 70 MIL HABITANTES, TOTALIZANDO 380 MUNICÍPIOS.
Assim, os municípios periféricos aos grandes centros e os de
colonização recente parecem ser fortes candidatos a receber transferências
incondicionais, devido a pressões de demanda por bens e serviços públicos.
2.1.2) BAIXA CAPACIDADE FINANCEIRA
Identificadas fontes de pressão de demanda por bens e serviços
públicos, é preciso detectar os fatores que levam à baixa capacidade financeira
para ofertar tais bens e serviços.
A falta de base tributária parece ser o principal fator de fragilidade
financeira de alguns Municípios. A inexistência de significativa atividade
industrial ou comercial, o predomínio de edificações e terrenos de baixo valor
comercial e a baixa renda dos munícipes implicam em pequena base para a
tributação local.
Tais características estio presentes, na maioria das vezes, nas cidades
dormitório, periféricas aos centros urbanos. De fato, como mostra estudo
recente do Banco Mundial (WORLD BANK, 1992, V.1, p. 26), os mirantes de
baixa renda, oriundos de regiões em crise ou em decadência econômica, tendem
a se instalar em Municípios localizados nas periferias dos grandes centros
industriais, formando as chamadas cidades dormitório. O baixo valor relativo
das terras e imóveis nesses Municípios e o fácil acesso ao mercado de trabalho
urbano fazem a população local crescer a uma taxa muito superior à taxa de
crescimento econômico do Município (fato ilustrado pelas Tabelas 2. 3A e 3B.
Esses Municípios enfrentam uma elevada e sempre crescente demanda por
serviços públicos (educação, transporte, saneamento, assistência à saúde) na
medida em que suas populações se expandem.
Tais Municípios possuem um limitado potencial para cobrir os custos
desses serviços através da cobrança de taxas aos usuários, que recebem baixas
rendas. O Município também possui uma pequena base tributária pois as
principais atividades econômicas, geradoras de base tributária, desenvolvem-se
no(s) Município(s) vizinho(s).
Portanto, os Municípios dormitório, periféricos aos grandes centos,
que já foram apontados como locais onde há pressão de demanda por bens e
serviços públicos, também tendem a sofrer de baixa capacidade financeira para
ofertar esses bens e serviços. O desequilíbrio entre demanda e de oferta faz
desses Municípios candidatos naturais a receber transferências incondicionais.
2.2) TRANSFERÊNCIAS INCONDICIONAIS A GOVERNOS
MUNICIPAIS NO BRASIL: O FUNDO DE PARTICIPAÇÃO
DOS MUNICÍPIOS - FPM.
No Brasil, um tradicional instrumento de transferências
incondicionais da União para os Municípios é o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM). Esse fundo é composto por 22,5% da arrecadação dos
Impostos sobre a Renda (IR) e sobre Produtos Industrializados (IPI).4 Em 1992
o FPM distribuiu mais de US$ 5 bilhões.
O critério de divisão dos recursos do Fundo é o seguinte:5
a) 10% do total é dividido entre os Municípios das
capitais;
b) 90% aos demais Municípios.
A distribuição dos 10% entre as capitais faz-se na razão direta da
população do Município e na razão inversa da renda per-capita do Estado.
Dos 90% destinados aos demais Municípios, retira-se, inicialmente,
uma parcela de 4% a ser distribuída entre os Municípios com população
superior a 156 mil habitantes. O critério de distribuição ente esses Municípios é,
mais uma vez, uma combinação entre a população municipal e o inverso da
renda per-capita estadual.
Os 86,4% restantes (90% menos 4%) são distribuídos entre os demais
Municípios exclusivamente de acordo com suas populações.4 C.F., art. 159, alínea b.5 C.T.N., art. 91 e Res. N. 6 do TCU (D.O.U., 12/2/93)
Com base nessa descrição, pode-se avaliar se os critérios do FPM são
capazes de direcionar recursos para os Governos Locais que enfrentam
desequilíbrios entre demanda e disponibilidades fiscais, ou se os recursos são
mal distribuídos, fazendo-se necessária a sua alteração.
a) Taxa de Crescimento da População
Deve-se notar, em primeiro lugar, que 86,4% dos recursos são
distribuídos exclusivamente de acordo com a população municipal. Como visto
acima, não só a população absoluta é indicativo da demanda por bens e serviços
públicos, mas também a sua taxa de crescimento.
As Tabelas 1 e 2, acima, mostram que são muito diferentes os
Municípios de maior população absoluta daqueles de maior taxa de crescimento
populacional. Entre os de maior população há Municípios cuja taxa de
crescimento esteve estagnada nos últimos doze anos, como Santos-SP e Niterói-
RJ e que, por isso, devem ter enfrentado menor pressão de demanda por bens e
serviços públicos. Por outro lado, há Municípios como aqueles listados na
Tabela 2 (localizados em áreas de colonização recente e nas periferias urbanas,
que absorvem grandes contingentes de migrantes) que enfrentam crescente
demanda por bens e serviços públicos; e ficam prejudicados pois, muitas vezes,
o tamanho absoluto de suas populações lhes assegura transferências em valores
menores que o necessário.
Resulta dessas considerações a primeira proposta de aperfeiçoamento
do FPM: incluir a taxa de crescimento populacional nos seus critérios de
cálculo, ao lado do tamanho absoluto da população.
b) Transferências Per-Capita
Um segundo problema dos critérios de distribuição do FPM está no
limite a partir do qual o Município passa a fazer jus à cota máxima de
participação: 156 mil habitantes. Ocorre que é muito amplo o intervalo entre
156 mil habitantes e a maior população municipal do país (excluídas as capitais,
tem-se Campinas com 846 mil habitantes em 1992- Tabela 1), o que prejudica
os Municípios mais populosos.
A Tabela 4A mostra a receita per-capita de FPM dos quinze
Municípios mais populosos do país, exceto capitais, em dezembro de 1992. A
média do grupo ficou em US$ 0,7 por habitante, contra uma média de US$ 2,3
por habitante para os 380 Municípios da amostra. Note-se que, no grupo, o
Município que obteve a maior transferência per-capita (Jaboatão-PE, com US$
1,1 por habitante) recebeu menos da metade da média geral de USS 2,3.
Por outro lado, os Municípios com população abaixo de 150 mil
habitantes, em especial aqueles com menos de 50 mil habitantes, são
beneficiados pela atual partilha. Na Tabela 4 B estão listados os quinze
Municípios, entre os 380 da amostra, exceto capitais, que, em dezembro de
1992, receberam as maiores transferências per-capita de FPM: onze desses
Municípios possuem menos de 50 mil habitantes, e os quinze estão abaixo de
150 mil habitantes.
O grupo recebeu, em média, US$ 4,9 por habitante, contra US$ 2,3
da média da amostra. Note-se que enquanto São Raimundo Nonato - PI recebeu
US$ 6,9 por habitante e Piraquara-PR obteve US$ 6,3, Campinas-SP e São
Gonçalo-RJ receberam apenas US$ 0,4 e US$ 0,5 por habitante,
respectivamente.
TABELA 4AMUNICÍPIOS MAIS POPULOSOS DO BRASIL, EXCETO CAPITAIS, DE ACORDO COM A DIVISÃO MUNICIPAL DE 1992 E SUAS RECEITAS PER-CAPITA DE FPM EM DEZEMBRO DE 1992:
MUNICÍPIOS U.F. POP. 92(MIL HAB.)
FPM PER-CAPITA(US$/HAB.) (*)
CAMPINAS SP 846 0,4GUARULHOS SP 786 0,5SÃO GONÇALO RJ 779 0,5NOVA IGUAÇU RJ 770 0,6DUQUE DE CAXIAS RJ 665 0,6SANTO ANDRÉ SP 615 0,6OSASCO SP 567 0,6SÃO BERNARDO DO CAMPO SP 566 0,6JABOATÃO PE 487 1,1CONTAGEM MG 449 0,9SÃO JOSE DOS CAMPOS SP 442 0,8NITEROI RJ 437 0,8RIBEIRÃO PRETO SP 430 0,8SÃO JOÃO DE MERITI RJ 425 0,8SANTOS SP 417 0,8MÉDIA DO GRUPO 579 0,7MÉDIA DA AMOSTRA (**) 211 2,3
FONTE: DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 18/01/93; (*) TAXA DE CONVERSÃO CR$/US$: 11,00 (**) FORAM INCLUÍDOS NA AMOSTRA OS MUNICÍPIOS QUE EM 1980 POSSUÍAM ACIMA DE 50 MIL HABITANTES OU QUE EM 1992 POSSUÍAM MAIS DE 70 MIL HABITANTES, TOTALIZANDO 380 MUNICÍPIOS.
A distorção ora apontada implica em menor transferências por-capita
de FPM justamente para Municípios onde há maior demanda por bens e
serviços públicos (os Municípios mais populosos) e maior transferência por-
capita para onde há menor demanda.
Tendo em vista as considerações acima, acredita-se que deve ser
melhorada a distribuição do FPM quanto ao critério “população absoluta”. A
parcela do FPM dividida de acordo com esse critério deve resultar em
transferências per-capita mais eqüitativas.
TABELA 4BMUNICÍPIOS QUE RECEBERAM AS MAIORES TRANSFERÊNCIAS PER-CAPITA EM FPM EM DEZEMBRO DE 1992, EXCETO CAPITAIS, E SUAS RESPECTIVAS POPULAÇÕES, DE ACORDO COM A DIVISÃO MUNICIPAL DE 1992.
MUNICÍPIOS U.F. POP. 92(MIL HAB.)
FPM PER-CAPITA(US$/HAB.) (*)
S. RAIMUNDO NONATO PI 23 6,9
PIRAQUARA PR 31 6,3LARANJEIRAS DO SUL PR 32 5,7S. JOÃO DA BELA VISTA SP 7 5,6ANININDEUA PA 88 5,4ORTIGUEIRA PR 27 5,3MAL. CÂNDIDO RONDON PR 35 4,8ALTAMIRA PA 100 4,8S. DOMINGOS DO CAPIM PA 38 4,5PALMEIRAS DAS MISSÕES RS 39 4,4STA. QUITÉRIA CE 40 4,2CALENÇA RJ 61 4,2CAXIAS MA 147 4,1PTANGA PR 45 4,0AMAMBAÍ MS 26 4,0MÉDIA DO GRUPO 49 4,9MÉDIA DA AMOSTRA (**) 216 2,3
FONTE: DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 18/01/93; (*) TAXA DE CONVERSÃO CR$/US$: 11,00 (**) FORAM INCLUÍDOS NA AMOSTRA OS MUNICÍPIOS QUE EM 1980 POSSUÍAM ACIMA DE 50 MIL HABITANTES OU QUE EM 1992 POSSUÍAM MAIS DE 70 MIL HABITANTES, TOTALIZANDO 380 MUNICÍPIOS.
c) Pequena Base Tributária
Os critérios de partilha do FPM, falhos em detectar os Municípios de
maior demanda por bens e serviços públicos, não são mais felizes em
quantificar a capacidade financeira para ofertar tais bens e serviços. Isto porque
inexiste qualquer critério que direcione os recursos para os Municípios sem base
tributária.
Perdem os Municípios dormitório, de fraca atividade econômica que,
aliás, já foram prejudicados nos critérios definidores de demanda, uma vez que
possuem grandes populações e/ou altas taxas de crescimento populacional.
O prejuízo desses Municípios é ampliado pelo sistema de
distribuição da principal transferência incondicional a nível estadual. As
transferências do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
são feitas na base de três quartos proporcionalmente ao valor adicionado no
território de cada Município.6 Ou seja, as transferências são direcionadas
justamente para os Municípios de maior atividade econômica, em especial, os 6 C.F., art. 158, parágrafo único.
mais industrializados.
Por isso, uma terceira sugestão quanto ao FPM seria introduzir, como
mais um critério de distribuição, o inverso da arrecadação de ICMS no
Município: quanto menor a base tributária, maior a transferência recebida.
Note-se que essa proposta já é objeto do Projeto de Lei Complementar N. 94/91,
em tramitação no Congresso Nacional.
d) FPM das Capitais
A quarta critica que se pode fazer aos critérios do FPM diz respeito à
reserva de recursos para os Municípios das capitais. Como visto acima, 10% do
montante a ser distribuído pelo Fundo é reservado para as capitais, ficando os
90% para serem divididos entre os demais Municípios.
Uma reserva deste tipo é feita com o objetivo de beneficiar ou gravar
o grupo alvo, concedendo a este uma participação maior ou menor que a média
dos Municípios. No entanto, isso não ocorre com os Municípios das capitais:
parte do grupo é beneficiada e parte é prejudicada.
A Tabela 5 mostra que há, por um lado, capitais recebendo
transferências per-capita muito superiores à média dos 380 Municípios da
amostra (US$ 2,3 por habitante em dezembro de 1992). Rio Branco-AC, por
exemplo, recebeu US$ 6,8. Por outro lado, há capitais recebendo valores muito
inferiores à média, como Goiânia-GO, que obteve apenas US$ 0,1. Com isso
deixa de ter sentido o fundo em separado para as capitais.
Note-se, ainda, que as cinco capitais mais prejudicadas (Porto
Alegre-RS, Brasília-DF, Rio de Janeiro-RJ, São Paulo-SP e Goiânia-GO) são
focos de atração de mão-de-obra, possuindo grandes populações e/ou altas taxas
de crescimento demográfico.
Por isso, uma quarta sugestão de alteração dos critérios do FPM seria
acabar com a distribuição de recursos à parte para os Municípios das capitais.
Elas seriam submetidas, como qualquer outro Município, a critérios que
incidiriam sobre 100% dos recursos a serem distribuídos.
TABELA 5MUNICÍPIOS DAS CAPITAIS: POPULAÇÃO EM 1992(*), E RECEITA PER-CAPITA DE FPM EM DEZEMBRO DE 1992:
MUNICÍPIOS U.F. POP. 92(MIL HAB.)
FPM PER-CAPITA(US$/HAB.) (**)
RIO BRANCO AC 190 6,8MACAPÁ AP 174 6,6BOA VISTA RR 151 5,7JOÃO PESSOA PB 508 3,5SÃO LUÍS MA 711 3,1PORTO VELHO RO 285 3,0TERESINA PI 613 2,9VITÓRIA ES 263 2,7FORTALEZA CE 1796 ,25FLORIANÓPOLIS SC 260 2,5ARACAJU SE 409 2,4MACEIÓ AL 643 2,2RECIFE PE 1303 2,2NATAL RN 619 2,1CUIABÁ MT 420 2,0BELÉM PA 1274 1,8SALVADOR BA 2110 1,4CAMPO GRANDE MS 548 1,3BELO HORIZONTE MG 2038 1,1CURITIBA PR 1337 0,9MANAUS AM 1047 0,9PORTO ALEGRE RS 1265 0,8BRASÍLIA DF 1639 0,5RIO DE JANEIRO RJ 5508 0,2SÃO PAULO SP 9728 0,1GOIÂNIA GO 941 0,1MÉDIA DO GRUPO 2,3MÉDIA DA AMOSTRA (***) 2,3
FONTE: DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 18/01/93; IBGE, ESTIMATIVA POPULACIONAL DE 1992 (*) DE ACORDO COM A DIVISÃO MUNICIPAL DE 1992
(**) TAXA DE CONVERSÃO CR$/US$ 11,00 (***) FORAM INCLUÍDOS NA AMOSTRA OS MUNICÍPIOS QUE EM 1980 POSSUÍAM ACIMA DE 50 MIL HABITANTES OU QUE EM 1992 POSSUÍAM MAIS DE 70 MIL HABITANTES, TOTALIZANDO 380 MUNICÍPIOS.
2.3) FPM E RENÚNCIA FISCAL
Uma importante conseqüência da má alocação de transferências
unilaterais é a renúncia fiscal. Critérios de distribuição dessas transferências que
falhem em detectar desequilíbrios entre oferta e demanda por bens e serviços
públicos, correm o risco de gerar um ‘overfunding' de alguns Governos Locais
às custas de um “underfunding” de outros Governos.
Aqueles em situação de ‘overfunding “ficam tentados a reduzir a
tributação local, pois isso rende dividendos políticos aos governantes. Alguns
Prefeitos chegam a ser apresentados na mídia como bons administradores por
terem ‘abolido” os impostos locais. Na verdade, a renúncia fiscal gera
significativas distorções.
Havendo renúncia fiscal a nível municipal, os bens e serviços
públicos de consumo local passam a ser financiados pelos contribuintes de todo
o pais. Não há qualquer motivo plausível para que toda a população de um país
contribua para o calçamento de ruas ou o pagamento do funcionalismo de um
determinado Município. Além da evidente iniqüidade, o distanciamento entre
beneficiários e custeadores desses bens e serviços implica em ineficiências: o
Governo Local e sua população passam a dar pouca importância à minimização
de custos. Afinal, o dinheiro carreado para o Governo vem “de fora”, não foi
retirado diretamente daquela comunidade. Uma menor fiscalização da
população sobre a gerência financeira do Governo abre espaço para desvios e
desperdícios de verbas.
Ainda que sejam escassos e um tanto imprecisos os dados sobre
finanças municipais no Brasil, é possível fazer algumas considerações sobre
renúncia fiscal a nível municipal. Foi possível coletar dados consistentes sobre
quatro importantes fontes de receita municipal (ISS, IPTU, transferências de
FPM e transferências de ICMS) para um grupo de 58 Municípios nos Estados
de SP, RJ, RS, ES, SC, PE e MG.
A Tabela 6A lista os quinze Municípios dessa amostra que
apresentaram maior dependência em relação às receitas de FPM, mostrando a
participação percentual das quatro fontes de receita no total.
TABELA 6ADIVISÃO PROPORCIONAL DA RECEITA DE MUNICÍPIOS COM ALTA DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS DE PFM, (DEZEMBRO DE 1992).
MUNICÍPIOS U.F. ISS IPTU FPM ICMS TOTALRIBEIRÃO NEVES MG 2% 3% 78% 17% 100%OLINDA PE 7% 3% 64% 27% 100%NILÓPOLIS RJ 1% 5% 60% 33% 100%SÃO LOURENÇO DA MATA PE 1% 0% 55% 44% 100%ALVORADA RS 6% 12% 54% 27% 100%ITABORAÍ RJ 5% 4% 52% 39% 100%MAJÉ RJ 4% 3% 52% 41% 100%CONSELHEIRO LAFAIETE MG 6% 1% 52% 41% 100%TEÓFILO OTONI MG 5% 9% 48% 38% 100%ITAGUAÍ RJ 14% 7% 47% 32% 100%ARAGUAI MG 2% 3% 37 58% 100%GOVERNADOR VALADARES MG 6% 5% 37% 52% 100%SUMARÉ SP 15% 18% 34% 33% 100%POÁ SP 5% 6% 34% 55% 100%COLATINA ES 7% 0% 34% 59% 100%MÉDIA DA AMOSTRA (*) 8% 7% 26% 59% 100%
FONTE: SECRETARIAS MUNICIPAIS DA FAZENDA (*) FORAM OBTIDOS DADOS CONSISTENTES PARA 58 MUNICÍPIOS DOS ESTADOS DE SP, RJ, RS, ES, SC, MG, PE.
A primeira observação que se faz é que, na média da amostra
observada, apenas 15% das receitas provêm de arrecadação própria dos
Municípios (8% de ISS e 7% de IPTU). Os 85% restantes vêm de transferências
(26% do FPM e 59% do ICMS). Isto significa que, no global, estão sendo
transferidos recursos em excesso para os Municípios e/ou há um baixo esforço
de arrecadação a nível municipal.7
Em uma análise caso a caso, pode-se dizer que a alta dependência em
relação ao FPM como fonte de receita pode indicar duas situações diversas: a) o
Município vive uma situação de “overfunding”, recebendo transferências
excessivas de FPM (e/ou de ICMS) e, por isso, reduz seu esforço de
arrecadação local, caminhando para uma situação de renúncia fiscal; b) o
Município tem pequena base tributária e, por isso, sua receita própria será
pequena, por maior que seja o seu esforço de arrecadação.
Para diferenciar uma situação da outra, pode-se recorrer a uma
medida de “esforço fiscal”. Optou-se pelo uso da relação (ISS/Transferências de
ICMS recebidas). O ISS representa a arrecadação local, e as transferências de
ICMS recebidas representam a base tributária8. Quanto maior esse coeficiente,
maior o esforço fiscal do Município.
TABELA 6 EESFORÇO FISCAL: RELAÇÃO (ISS/TRANSFERÊNCIAS DE ICMS) PARA OS MUNICÍPIOS COM ALTA DEPENDÊNCIA DE TRANSFERÊNCIAS DE FPM.MUNICÍPIOS U.F. ISS/ICMSSUMARÉ SP 45%ITAGUAÍ RJ 45%OLINDA PE 25%ALVORADA RS 22%RIBEIRÃO DAS NEVES MG 15%CONSELHEIRO LAFAIETE MG 15%ITABORÁI RJ 13%TEÓFILO OTONI MG 13%COLATINA ES 12%GOVERNADOR VALADARES MG 12%MAJÉ RJ 10%POÁ SP 9%NILÓPOLIS RJ 4%ARAGUARI MG 3%SÃO LOURENÇO DA MATA PE 1%
7 Um segundo ponto facilmente constatável é a maior importância das transferências de ICMS em relação às transferências de FPM. Isto pode estar decorrendo de um viés da amostra, e não necessariamente se manteria em uma análise mais abrangente. Isto porque os Municípios para os quais há dados financeiros mais organizados e disponíveis, são aqueles de maior porte, localizados nas áreas mais desenvolvidos do pais e que, por isso, têm um maior coeficientes de industrialização, gerador de grandes receitas de ICMS. São muito raros os dados para Municípios com menos de 50 mil habitantes que, como visto acima, são os maiores beneficiários da distribuição do FPM.8 Tendo em vista que ¾ das transferências de ICMS são distribuídas com base no valor agregado no Município, como visto anteriormente, essas transferências funcionam como uma “proxy” da base tributária municipal.
MÉDIA DA AMOSTRA (*) 15%FONTE: SECRETARIAS MUNICIPAIS DE FAZENDA(*) FORAM OBTIDOS DADOS CONSISTENTES PARA 58 MUNICÍPIOS DOS ESTADOS DE SP, RJ, RS, MG, PE.
A Tabela 6B calcula o coeficiente de esforço fiscal para os
Municípios da Tabela 6A, que apresentam alta participação do FPM em suas
receitas. Observa-se ali que Sumaré-SP (45%), Itaguai-RJ (45%), Olinda-PE
(25%), Alvorada-RS (22%), Ribeirão das Neves-MG (15%) e Conselheiro
Lafaiete-MG (15%) têm coeficientes de esforço fiscal iguais ou superiores à
média da amostra, que é de 15%. Isto provavelmente indica que não há renúncia
fiscal por parte desses Municípios. Por isso, a sua alta dependência em relação
às transferências de FPM deve resultar de uma estreita base tributária.
Não é de surpreender que dos cinco Municípios de maior esforço
fiscal, quatro sejam Municípios dormitório. O único Município que não possui
fortes traços de Município dormitório, Sumaré-SP (na região industrial de
Campinas-SP), perdeu, recentemente, parcela significativa de sua arrecadação,
com a emancipação de Hortolândia-SP, o que provavelmente veio exigir um
maior esforço fiscal.
Como visto anteriormente, os critérios do FPM prejudicam os
Municípios dormitório, que acabam tendo que explorar ao máximo sua base
tributária, fazendo grande esforço fiscal, para poder custear os bens e serviços
públicos que lhes são demandados.
Bastante distintas é a situação dos Municípios de São Lourenço da
Mata-PE (1%), Araguari-MG (3%), Nilópolis-RJ (4%) e Poá-SP (9%); cujos
coeficientes parecem apontar para uma insuficiente exploração da base
tributária própria, indicando uma situação de renúncia fiscal.9
9 A presença de dois Municípios dormitório neste grupo, Nilópolis-RJ e Poá-SP, indica que nem todos os Municípios com essas características tem vivido uma situação de “underfunding”.
A Tabela 6C avança um pouco mais na questão da renúncia fiscal.
Ela apresenta os Municípios que, entre os 58 da amostra, apresentaram as
menores relações (ISS/Transferências de ICMS). Mostra, também, a
arrecadação per-capita de ISS desses Municípios em dezembro de 1992. Além
da baixa relação ISS/ICMS, esses Municípios apresentam uma arrecadação
média per-capita de ISS equivalente a apenas um terço daquela verificada para a
média da amostra (US$ 1,04 contra US$ 3,22). Apenas o Município de Betim-
MG apresenta uma arrecadação per-capita de ISS (US$ 3,9 por habitante)
superior à média da amostra (US$3,2). Isso parece reforçar a tese da existência
de renúncia fiscal entre alguns Municípios brasileiros.
TABELA 6CESFORÇO FISCAL: MUNICÍPIOS COM MENOR RELAÇÃO ISS/ICMS E SUAS ARRECADAÇÕES PER-CAPITA DE ISS, DEZEMBRO DE 1992
MUNICÍPIOS U.F. ISS/ICMS ISS PER-CAPITA(US$/HAB.) (*)
VARGINHA MG 9% 2.72CHAPECÓ SC 7% 0.48LINHARES ES 7% 0.27UBERABA MG 7% 2.14PAULISTA PE 6% 0.19PASSO FUNDO RS 6% 0.29BETIM MG 5% 3.94CACHOEIRINHA RS 4% 0.21NILÓPOLIS RJ 4% 0.05SANTA CRUZ DO SUL RS 4% 0.53ARAGUARI MG 3% 0.55RESENDE RJ 3% 2.11MAUÁ SP 3% 1.59VALENÇA RJ 2% 0.51SÃO LOURENÇO DA MATA PE 1% 0.02MÉDIA DO GRUPO 1.04MÉDIA DA AMOSTRA (**) 3.22
FONTE: SECRETARIAS DE FAZENDADIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 18/01/93;
(*) TAXA DE CONVERSÃO CR$/US$: 11,00 (***) FORAM OBTIDOS DADOS CONSISTENTES PARA 58 MUNICÍPIOS DOS ESTADOS DE SP, RJ, RS, ES, SC, MG, PE.
A renúncia fiscal provavelmente decorre de:
- excessivas transferências de FPM e ICMS recebidas por todos os
Municípios;
- critérios de distribuição que não detectam adequadamente os
desequilíbrios entre a demanda por bens e serviços públicos e as
disponibilidades financeiras de cada município para ofertar esses bens e
serviços, ampliando o “overfunding” de alguns Municípios.
Tendo em vista as conseqüências danosas da renúncia fiscal, acima
ressaltadas, uma proposta adicional para a distribuição do FPM seria a inclusão,
entre seus critérios, de um índice de esforço fiscal. Quanto maior o esforço,
maior a participação dos recursos do FPM. Esse índice poderia ser representado
pela relação entre a arrecadação própria do Município e a arrecadação estadual
ocorrida no Município.
Sintetizando a presente seção, pode-se dizer que os atuais critérios de
distribuição do FPM não são adequados ao cumprimento da principal função de
uma transferência incondicional, qual seja: equilibrar demanda e capacidade de
oferta de bens e serviços públicos. Dai a necessidade de se alterar a distribuição
do Fundo. São sugeridos quatro critérios: população absoluta (com uma
distribuição per-capita mais eqüitativa que a atual), taxa de crescimento da
população, o inverso da arrecadação de ICMS no Município e a relação entre a
arrecadação própria do Município e a arrecadação estadual ocorrida no
Município.
3) PROBLEMAS DO FEDERALISMO FISCAL II: REGIÕES
METROPOLITANAS E GANHOS DE ESCALA
Tratou-se na seção 2, acima, de um problema do federalismo fiscal:
os desequilíbrios fiscais e a conseqüente necessidade de se fazer transferências
aos Municípios. A presente seção analisa outro problema do federalismo: a
divisão dos níveis de Governo entre União, Estados e Municípios não leva em
conta o fenômeno das Regiões Metropolitanas, seus bens e serviços comuns e as
economias de escala ai implícitas.
As Regiões Metropolitanas resultam do crescimento das economias
industriais, que tendem a concentrar a produção e a população de um país em
determinadas áreas geográficas. “Em decorrência disso, algumas cidades se
expandiram, do ponto de vista físico e demográfico, rápida e ininterruptamente,
extrapolando seus limites territoriais, adentrando-se em áreas espaciais de
municípios vizinhos e absorvendo outros centros urbanos menores, que
anteriormente constituíam cidades autônomas. A absorção de cidades limítrofes
pela cidade-centro, por sua vez, acarretou um crescimento das primeiras,
surgindo daí uma crescente interdependência de suas respectivas economias”.
(Dias, 1980, p. 189). As cidades limítrofes tomaram-se distritos industriais,
produtores de serviços ou residenciais, com fortes vínculos sócio-econômicos
com o centro da Região Metropolitana, formando “macrocidades”.
“Emana desse processo de urbanização uma série de problemas
decorrentes da má utilização do solo, tais como deficiências do sistema de
transporte, precariedade dos serviços de infra-estrutura de saneamento,
habitação e uma seqüela de outras situações, concorrendo todas para uma
degenerescência da qualidade de vida da população” (Dias, 1980, p. 190).
Paralelamente, surge nessas Regiões o conceito de ‘serviços
comuns’. São bens e serviços públicos cujo uso se dá pela população dos
diversos Municípios integrantes da Região Metropolitana. Podem ser citados
como exemplos: uma via urbana que atravesse vários Municípios, um projeto de
despoluição de um rio que também corte vários Municípios, um sistema de
saneamento em um único Município que reduza a incidência de epidemias em
toda a região. Nesses casos toma-se inoperante a mera divisão administrativa
tendo por base apenas limites territoriais.
“Dentro de uma perspectiva histórica, está-se assistindo a uma crise
de adequação institucional, na medida em que os níveis de poder da
administração pública foram criados em outras épocas, respondendo às
necessidades político-administrativas das pequenas cidades e das áreas agrícolas
circunvizinhas. Atualmente, esta estrutura administrativa se mostra incapaz de
fazer frente aos problemas político-administrativos das grandes metrópoles,
principalmente para a execução dos serviços comuns”. (Francisconi e de Souza,
1976, p. 167).10
Frente a estas peculiaridades, cabe a criação de entidades nas
Regiões Metropolitanas que coordenem os investimentos em infra-estrutura
urbana de uso comum, bem como a sua manutenção. Trata-se, pois, de uma
ação cooperativa dos Municípios metropolitanos, visando a racionalizar a
aplicação de recursos públicos e atingir economias de escala na produção de
bens e serviços públicos de uso comum.
Ganham destaque nesse cenário de economias de escala os
investimentos em equipamentos urbanos de grande porte, bem como a sua
manutenção, nas áreas de: transporte (anéis rodoviários, trens urbanos, metrô),
saneamento (sistema metropolitano de água e esgoto) e meio ambiente
(despoluição de rios e canais, controles de qualidade do ar, tratamento de
resíduos industriais).11
10 Não é simples a caracterização de “serviços comuns”. O serviço comum pode ser caracterizado “pela continuidade física (sistema vários), pela complementaridade funcional (uso do solo), pelo efeitos físicos (poluição ) e por externalidades, sendo este último o de mais difícil caracterização. Um exemplo seriam as linha de metrô, que mesmo mantendo-se dentro dos limites municipais têm efeito de natureza sócio-econômica de difícil avaliação e mensuração nas municipalidades vizinha” (Francisconi de e Souza, 1976, p. 152).11 Também poderiam ser incluídos neste grupo os hospitais de referência, que atendem a casos mais complexos e são procurados pelos moradores de vários Municípios cuja assistência à saúde se faz apenas a nível básico. No entanto, esse não é um fenômeno exclusivo das Regiões metropolitanas. Há descolamentos interestaduais em busca de atendimento médico. O Hospital de Base do Distrito federal, por exemplo, é procurado por habitantes de diversos estados nordestinos, de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. Por isso, seria preferível que o financiamento dos principais centros hospitalares públicos do país se desse por outro mecanismo. O Sistema Único de Saúde parece ser o foro mais adequado para tratar a questão.
Tal entidade coordenadora precisa receber recursos em montante
compatível com os elevados custos de investimento e custeio que administrará.
Por isso, seria interessante que uma parte das transferências de FPM, FPE e
ICMS recebidas pelos Municípios metropolitanos não fosse pulverizada
(entregue a cada um dos Municípios, isoladamente). Uma parcela dessas
transferências poderia formar um Fundo de Participação das Regiões
Metropolitanas (FPRM), a ser administrado por Conselhos das Regiões
Metropolitanas (composto por todos os Prefeitos da área, por exemplo) que
decidiriam quanto à aplicação em bens e serviços públicos de uso comum.
Uma simulação dos valores envolvidos neste fundo permite
visualizar o seu grande poder de alavancagem financeira. Essa simulação deve
levar em conta que:
- as propostas de alteração dos critérios do FPM, feitos na seção 2,
teriam como um de seus resultados o aumento das transferências para
Municípios metropolitanos;
- os Municípios metropolitanos já recebem, atualmente, parcela
significativa das transferências de ICMS, pois, como visto acima, essas
transferências são direcionadas para os Municípios mais industrializados.
A partir dai, suponha, a título de exemplo, que 10% dos valores hoje
transferidos a titulo de FPM, FPE e transferências de ICMS sejam carreados
para o FPRM.12 Supondo que o fluido de cada Região Metropolitana receba
mensalmente uma parcela deste montante proporcional à sua população, chega-
se a um fluxo mensal total de US$ 132,6 milhões. Um empréstimo para
investimento em infra-estrutura urbana junto a um organismo internacional 12 De janeiro a setembro de 1993, foram os seguintes os valores médios mensais de transferências de FPM, FPE e ECMS, respectivamente: US$ 411 milhões, US$ 392 milhões, US$ 526 milhões.
como o Banco Mundial pode ser obtido por uma taxa de 6% ao ano, para
pagamento em 240 meses. Dai resulta que a capacidade de endividamento das
Regiões Metropolitanas chegaria a US$ 19 bilhões, o que demonstra os grandes
ganhos de escala da concentração de recursos hoje bastante dispersos.
TABELA 7ESTIMATIVA DA CAPACIDADE DE ENDIVIDAMENTO DAS REGIÕES METROPOLITANAS A PARTIR DE UM FLUXO DE CAIXA MENSAL SIMULADO DO FPRM.
REGIÃOMETROPOLITANA
RECEITA MENSAL SIMUNLADA (*)
CAPACIDADE DE ENDIVIDAMENTO (**)
SALVADOR 7.6 1,074FORTALEZA 7.2 1,018BELO HORIZONTE 10.7 1,516BELÉM 4.2 591CURITIBA 6.3 884RECIFE 8.9 1,259RIO DE JANEIRO 30.3 4,284PORTO ALEGRE 9.5 1,340SÃO PAULO 48.0 6,782TOTAL 1321,6 18,748
FONTE: BACEN/DEDIP – BOLETIM DAS DÍVIDAS ESTADUAIS E MUNICIPAIS(*) SUPONDO QUE O FPRM SEJA COMPSTO POR 10% DOS VALORES HOJE TRANSFERIDOS PELO FPM, FPE E ICMS.(**) PERÍODO DE AMORTIZAÇÃO: 240 MESES TX. DE JUROS: 0,48% AO MÊS OU 6% AO ANO.
Para evitar os custos da criação de um aparato burocrático em tomo
dos Conselhos das Regiões Metropolitanas e da gerência financeira dos recursos
a eles destinados, os procedimentos operacionais (aplicação dos saldos de caixa,
liberação de recursos, pagamentos a fornecedores) poderiam ficar a cargo do
BNDES.
Atualmente, os investimentos e o custeio da infra-estrutura urbana de
uso comum e alto custo, nas Regiões Metropolitanas, têm sido feitos com
recursos Estaduais e Federais. No entanto, transferir essas atribuições
municipais para os níveis superiores de Governo implica em vários
inconvenientes. Estabelece-se uma iniqüidade a nível estadual ou federal entre
os contribuintes residentes em Regiões Metropolitanas e os residentes nas
demais áreas. Porque um contribuinte da zona rural de um Estado, por exemplo,
teria que custear a implantação de um metrô na Região Metropolitana?13 Em
segundo lugar, há uma perda de autonomia por parte dos Municípios das
Regiões Metropolitanas, que passam a depender da vontade política dos
governantes a nível Estadual e Federal para viabilizar a implantação e
manutenção de infra-estrutura urbana. Há, ainda, Regiões Metropolitanas que
envolvem Municípios de mais de um Estado, inviabilizando a participação do
Governo estadual na solução dos problemas metropolitanos.
Os Municípios metropolitanos continuariam a fornecer,
isoladamente, os bens e serviços públicos não caracterizados como de uso
comum. Note-se que nas Regiões Metropolitanas normalmente ocorrem
problemas relacionados a estes bens e serviços. Como visto anteriormente,
alguns Municípios caracterizados como cidades dormitório possuem estreita
base tributária. Por isso não conseguem fornecer à sua população os serviços
locais básicos como educação e assistência à saúde. Dada a grande proximidade
e facilidade de acesso intermunicipal nas Regiões Metropolitanas, os estudantes
dos Municípios sem recursos fiscais tendem a ser matriculados em escolas de
Municípios vizinhos, de maior capacidade fiscal. Os doentes também recorrem
à assistência médica dos Governos vizinhos.
Instala-se, a partir dai, uma situação de iniqüidade e até de conflito,
onde os contribuintes dos Municípios de maior capacidade fiscal financiam os
serviços utilizados pela população de Municípios vizinhos. A título de exemplo,
vale registrar que no primeiro semestre de 1993 a Prefeitura do Município do
Rio de Janeiro anunciou que seus hospitais deixariam de assistir moradores de
outros Municípios
13 Vale lembrar que a presente proposta transfere para o FPRM apenas recursos que, segundo os novos critérios de distribuição do FPM, seriam destinados aos Municípios metropolitanos. Não há drenagem de recursos de outros Municípios para as áreas metropolitanas.
Este tipo de problema, contudo, já teria sido solucionado ou, no
mínimo, amenizado pela modificação dos critérios de distribuição do FPM,
proposta na seção anterior. Por isso, o FPRM voltar-se-ia estritamente para
financiar o investimento e custeio dos bens e serviços públicos de uso comum,
sujeitos a economias de escala.
3.1) AS REGIÕES METROPOLITANAS NO BRASIL: o fracasso
da experiência recente.
A Constituição Federal de 1967 dispunha que a União, por meio de
Lei Complementar, poderia estabelecer Regiões Metropolitanas, constituídas
por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa,
fizessem parte da mesma comunidade sócio-econômica, visando à realização de
serviços comuns.14
Leis complementares definiram nove Regiões Metropolitanas, em
torno dos Municípios de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte,
Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.15
Cada Região Metropolitana passaria a contar com um Conselho
Consultivo e um Conselho Deliberativo, a serem criados por lei estadual. As
principais funções desses conselhos seriam a elaboração de um Plano de
Desenvolvimento Integrado das Regiões Metropolitana e a programação de
serviços comuns; bem como coordenar a execução de programas e projetos de
interesse da Região Metropolitana buscando a unificação dos serviços comuns.
14 C.F. de 1967, Art. 164, com redação dada pela Emenda Constitucional N. 1 de 17/10/69.15 Lei Complementar N. 14, de 8/6/73, Lei Complementar N. 20 de 1/7/74 e Lei Complementar N. 27 de 3/11/75.
Os principais instrumentos de unificação de serviços comuns seriam
a concessão dos serviços a entidades estaduais e a criação de empresas
metropolitanas.
Uma primeira crítica a este modelo diz respeito à delimitação
geográfica das Regiões Metropolitanas estabelecidas pelo Governo Federal.
Essa delimitação parece ter obedecido a critérios políticos e de prestígio
regional em vez de buscar aspectos qualitativos caracterizadores de uma Região
Metropolitana. As principais capitais do país foram definidas como centros
metropolitanos e alguns Municípios à sua volta como pertencentes à Região
Metropolitana. No entanto, a região de Campinas, por exemplo, apresenta
problemas metropolitanos mais complexos que Belém ou Fortaleza. Londrina e
Maringá têm maior relacionamento que Curitiba com algumas cidades de sua
região (Francisconni e de Souza, 1976, p. 150).
No entanto, a critica mais importante refere-se à inexistência de uma
fonte de recursos pré-definida e segura para financiar as ações dos Conselhos
Metropolitanos. As diversas leis complementares referentes ao assunto citam
como fontes de financiamento:
- operações de crédito;
- recursos de natureza orçamentária e extra-orçamentária que
lhes forem (eventualmente) destinados pelo Governo Federal;
- transferências recebidas dos Estados em caráter voluntário.16
Note-se que não há qualquer fonte segura e perene de recursos, como
seria o caso do FPRM proposto pelo presente trabalho. Como poderiam, por
exemplo, as Regiões Metropolitanas financiarem-se por meio de operações de
16 Lei Complementar N. 14 de 8/6/73 e Lei Complementar N. 20, 1/7/75.
crédito se não possuíam um fluxo de caixa próprio e regular que permitisse a
amortização das dívidas?
Sem fontes de financiamento definidas, em um quadro de
concentração dos recursos fiscais a nível federal, os conselhos metropolitanos
ficaram sem ação. Nem mesmo os Estados, carentes de recursos fiscais,
poderiam financiar as ações a nível metropolitano.
A Constituição de 1988 limita-se a delegar poderes aos Estados para
criar Regiões Metropolitanas, transferindo poder que antes pertencia à União.17
Permanece, todavia, o problema do financiamento das ações metropolitanas.
Ainda que Estados e Municípios não vivam mais “a pão e água” em termos de
recursos fiscais, não se pode esperar uma canalização espontânea de recursos
para os bens e serviços comuns. É mais provável que, por uma questão de
prestígio do governante frente a seu eleitorado, os Municípios, mesmo aqueles
em situação de “overfunding”, procurem manter as suas disponibilidades
financeiras comprometidas com as despesas de caráter local, alocando recursos
dentro de suas fronteiras ou, simplesmente, reduzindo a carga tributária local.
Como resultado, Governadores e Prefeitos dos Municípios centrais
das Regiões Metropolitanas passam a pressionar o Governo Federal visando a
obter transferências negociadas para financiar investimentos em infra-estrutura
metropolitana. Os episódios recentes da Linha Vermelha, no Rio de Janeiro, e
do Metrô de Brasília, ilustram esta situação. Daí a importância de uma pré-
definição de verbas via Fundo de Participação das Regiões Metropolitanas.
Com o FPRM o Governo Federal obteria um alivio financeiro, na
medida em que não precisaria financiar diretamente investimentos de grande
17 C.F., Art 25, parágrafo 3o
porte em infraestrutura urbana. Seu papel estaria limitado a dar os avais
necessários à obtenção de crédito externo pelas Regiões Metropolitanas, e um
dispositivo legal poderia abrir a possibilidade de as transferências do FPRM
serem usadas como contragarantias a esses avais.
4) OS ENFOQUES “DISTRIBUTIVO”, “DESENVOLVIMENTISTA” E
DE “CONTROLE DE MIGRAÇÕES” DAS TRANSFERÊNCIAS
INCONDICIONAIS
Como visto ao longo deste trabalho, a função básica das
transferências incondicionais é permitir o equilíbrio entre oferta e demanda
efetiva de bens e serviços públicos. No entanto, muitas vezes essas
transferências são interpretadas como instrumentos de políticas distributiva,
desenvolvimentista ou de controle de migrações. Usar as transferências
incondicionais com estas finalidades implica em distorções do instrumento,
resultando em ineficiências e iniqüidades. Analisam-se, a seguir, cada um
desses enfoques, apontando-se suas fragilidades.
4.1) O ENFOQUE DE CONTROLE DE MIGRAÇÕES
As transferências incondicionais são vistas, muitas vezes, como um
instrumento que tem por objetivo conter o fluxo migratório para os grandes
centros. Afirma-se que é preciso distribuir recursos para Municípios que são,
tradicionalmente, focos de emigração. Boa infra-estrutura e bons serviços
públicos seriam, por essa ótica, capazes de reter a população em seu município
de origem, arrefecendo a emigração e minimizando o inchaço das grandes
cidades.
Se assim fosse, as propostas feitas neste trabalho deveriam ser
rejeitadas, uma vez que entre suas conseqüências está um maior aporte de
recursos para as cidades dormitório periféricas aos grandes centros, o que
induziria a uma aceleração do inchaço das grandes cidades.
Em primeiro lugar deve ser dito que as propostas aqui apresentadas
não pretendem reduzir a qualidade ou a quantidade dos bens e serviços públicos
oferecidos pelos Municípios fora dos grandes centos. Parte-se do pressuposto de
que há excesso de transferências para alguns Municípios. Os dados de renúncia
fiscal apresentados acima indicam que, de fato, esses excessos ocorrem.
Realocar o excedente não significa reduzir a oferta de bens e serviços públicos
mas sim reduzir a renúncia fiscal e otimizar a alocação dos recursos disponíveis.
Todo Município tem direito a dispor dos recursos fiscais necessários ao
fornecimento dos bens e serviços públicos demandados por sua população, com
a maior qualidade possível. Mas não deve ter direito a receber mais recursos do
que realmente necessita às custas de demanda insatisfeita por bens e serviços
públicos em outras áreas.
O ponto fundamental, porém, é que os movimentos migratórios em
uma economia capitalista não ocorrem em busca de serviços públicos, mas sim
em busca de trabalho e de melhores perspectivas profissionais. O que estimula o
fluxo migratório é a expectativa de obter renda monetária, presente e futura,
superior àquela que se pode ganhar na cidade de origem.
Na verdade, bons serviços públicos de educação e saúde ofertados
pelo Governo de um Município onde não há boas perspectivas profissionais, em
vez de inibir, estimulam a emigração. Uma força de trabalho saudável e bem
preparada ganha mais mobilidade, na medida em que se torna capaz de disputar
postos de trabalho em qualquer região do país.
Ao se atribuir às transferências incondicionais o papel de um
instrumento de política de controle de migrações, incorre-se em uma lógica
perversa, que pode ser assim enunciada: “deixemos os pobres das periferias e
favelas urbanas sem luz, água, esgoto e tratamento de lixo para que não haja
mais gente querendo mudar-se para estes lugares”. Se isso funcionasse, as
favelas dos grandes centros urbanos já teriam deixado de crescer há muitos
anos.
Nada impede que um serviço público com poder de direcionar
pequenos fluxos migratórios, como é o caso de escolas de ensino superior e/ou
especializado, seja distribuído dentro do território de um Estado com vistas a
revitalizar uma região ou descomprimir a concentração nas grandes cidades. No
entanto, esta é uma política que atua na margem e não tem poder de direcionar
grandes fluxos migratórios. Uma política de controle de migrações mais
ambiciosa deve ser feita através de instrumentos mais adequados e mais
potentes, tais como projetos de colonização e reforma agrária e projetos de
criação de pólos de desenvolvimento em áreas de baixa densidade demográfica.
As transferências incondicionais, portanto, não devem tentar atuar
contra as forças do mercado, que definem as direções dos fluxos migratórios,
simplesmente porque elas não são um instrumento suficientemente forte para
fazê-lo. Elas devem, na verdade, dar sustentação às forças do mercado,
fornecendo recursos fiscais aos Governos que são sobrecarregados pela
demanda excessiva de bens e serviços públicos nos pólos de atração de mão-de-
obra. (WORLD BANK, 1992, v. 2, p. 36)
4.2) O ENFOQUE DISTRIBUTIVO
E comum ouvir-se políticos e economistas referirem-se às
transferências incondicionais como um instrumento de distribuição de renda.
Elas deveriam retirar recursos fiscais das áreas de alta renda per-capita
transferindo-os para as áreas de baixa renda per-capita. Esse raciocínio levaria à
rejeição imediata das propostas feitas por este trabalho, uma vez que delas
resultaria a transferência de recursos para áreas de alta renda per-capita.
Ocorre que o conceito de renda per-capita é uma medida estatística
de média. Sabe-se que a capacidade de uma media espelhar a realidade de uma
amostra é tão menor quanto maior for a dispersão desta amostra. Ou seja, se
houver grande concentração da renda em um país, como é o caso do Brasil, uma
região de alta renda per-capita pode ter uma população de muitos pobres e uns
poucos ricos.
Dai é possível que uma política de transferir recursos fiscais de uma
região de alta renda per-capita para outra de baixa renda per-capita pode estar,
na verdade, transferindo renda dos pobres que vivem na região “rica” para os
ricos que vivem na região “pobre” (WORLD BANK 1992, V. 2, p. 33-4).
É bem provável que um fenômeno deste tipo ocorra em um país
como o Brasil, cuja estrutura tributária, baseada em impostos indiretos, é
regressiva, ao passo que o acesso aos gastos públicos depende de influência
política e poder econômico. Com isso, utilizar as transferências incondicionais
como instrumento de distribuição de renda pode resultar, na verdade, em maior
concentração da renda.
E comum o excesso de recursos fiscais recebidos por Municípios de
baixa renda desembocar em obras públicas não prioritárias ou no aumento da
folha de pagamentos, políticas condenáveis pelas ineficiências alocativas que
geram (principalmente quando se fazem às custas da falta de bens e serviços
públicos essenciais em outras regiões).
A citação de artigo do jornal O Globo, feita na abertura desse
trabalho, mostra quão ineficaz é a política de carrear recursos fiscais para
governos de Municípios onde há grande concentração de pobreza. No
Município de Itapipoca-CE uma cara e complexa infra-estrutura pública
convive com o recorde nacional de indigência.
Portanto, políticas de distribuição de rendas devem ser feitas com os
instrumentos adequados, e as transferências incondicionais não o são. Estrutura
tributária progressiva, reforma agrária e políticas públicas voltadas para reduzir
a pobreza seriam instrumentos mais eficazes para uma política redistributiva.
Não deve passar despercebido, contudo, o impacto distributivo das
propostas feitas neste trabalho. Os Municípios dormitório, periféricos às
grandes cidades, e aqueles de ocupação recente (em especial as áreas de
garimpo), beneficiários da nova política de distribuição do FPM aqui proposta,
concentram grandes contingentes de trabalhadores com pouca qualificação e de
baixa renda. Essa população convive com fortes carências de serviços públicos
como saneamento, urbanização, saúde e educação. Carrear recursos financeiros
para essas áreas permitirá maior oferta de bens e serviços públicos realmente
demandados pela população local, melhorando a qualidade de vida e as
possibilidades de ascensão social dessa parcela da população.
4.3) O ENFOQUE DESENVOLVIMENTISTA
Há, também, a idéia de que as transferências incondicionais visam a
estimular o desenvolvimento econômico das regiões mais atrasadas. Essa visão
apontaria para a inconveniência da canalização de recursos para as regiões mais
desenvolvidas do país, que resultaria da mudança nos critérios do FPM.
No entanto, um Governo Local não possui instrumentos adequados
para implantar uma política de estimulo ao investimento privado em sua região.
A possibilidade mais evidente seria a concessão de incentivos fiscais. Mas
parece fora de propósito a União transferir recursos aos Municípios para
patrocinar uma disputa fiscal intermunicipal pela localização de investimentos.
O financiamento direto de investimentos parece uma atividade
pouco apropriada para Governos Locais. Como visto no inicio deste trabalho,
um dos principais objetivos do federalismo fiscal é justamente promover uma
divisão do trabalho entre os diversos níveis de Governo, de acordo com as
vantagens comparativas que cada um deles apresenta. Conceder financiamento
a investimentos não é uma função em que um Governo Municipal possua
vantagens comparativas. Existem instituições financeiras públicas, nacionais e
estrangeiras, como Banco do Nordeste do Brasil, Banco Mundial e Banco
Interamericano de Desenvolvimento com vantagens comparativas óbvias na
execução dessas funções.
Portanto, assim como são ineficazes como instrumento de política de
controle de migrações e de distribuição de renda, as transferências
incondicionais também não devem ser utilizadas como um instrumento de
estímulo ao desenvolvimento de áreas deprimidas.
5) CONCLUSÃO
Este trabalho analisou os atuais critérios de distribuição do FPM.
Concluiu que eles são insuficientes para que o Fundo cumpra a sua função
básica, estabelecida pela teoria das finanças públicas, qual seja: fornecer
recursos financeiros suficientes para preencher o “gap” entre as disponibilidades
financeiras locais e a demanda efetiva por bens e serviços públicos.
Nesse sentido, o trabalho propõe a substituição dos atuais critérios,
que são, basicamente, o tamanho populacional e o inverso da renda per-capita.
Propõem os seguintes novos critérios: taxa de crescimento da população, uma
medida da base tributária local e uma medida de esforço fiscal do Município;
mantendo-se o critério população (uma vez corrigido o viés que atualmente
prejudica os Municípios mais populosos). Assim, quanto maior a população, a
taxa de crescimento da população e o esforço fiscal do Município, e quanto
menor a sua base tributária, maior a cota de participação no FPM. Além disso,
propõe-se o fim do tratamento diferenciado aos Municípios das capitais, uma
vez que este privilegia algumas capitais em prejuízo de outras, sem que haja
qualquer motivação lógica para isso.
O Trabalho também propõe a criação de um Fundo de Participação
das Regiões Metropolitanas (FPRM) que financiaria bens e serviços públicos de
uso comum pelos diversos Municípios metropolitanos. O Fundo daria
sustentação financeira a uma ação cooperativa desses Municípios, que resultaria
em economias de escala e significativa racionalização dos gastos públicos.
Por fim, o trabalho faz uma critica a opiniões que dão sustentação aos
atuais critérios de distribuição do FPM. Afirma-se que esse fundo, e outras
transferências a Governos municipais e estaduais, sejam instrumentos de
distribuição de renda, de desenvolvimento regional e de controle de migrações.
A mudança de filosofia para distribuição das transferências
incondicionais, propostas neste trabalho, inserem-se no atual esforço da
sociedade brasileira para reformular o seu federalismo fiscal. Resultaria dai a
racionalização e otimização do gasto público. Impactos favoráveis seriam
sentidos tanto ao nível de estabilidade macroeconômica quanto ao nível de
distribuição de renda.
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