bela sofie

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"Bela Sofie" traz uma história inspirada na bela jovem de pele branca como a neve e cabelos negros como ébano.... ou seria sobre a jovem que como por encanto caiu adormecida? O ebook compõe o projeto 'Alinhave', que objetiva criar uma narrativa que vai sendo construída através do uso de várias mídias, cada uma contribuindo para expandir o universo apresentado. O projeto é um trabalho de conclusão de curso do bacharelado em Arte e Mídia da UFCG, com direção de Samantha Pimentel e orientação do Prof. João de Lima Neto. www.facebook.com/alinhave

TRANSCRIPT

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Do milenar hábito de contar e recontar histórias, eis mais um fruto.

Agradecimentos a Marcos Moraes por tudo.

A Kleriston Vital pelas leituras e sugestões de sempre.

Aos futuros leitores pelo tempo dispensado a estas linhas.

- Samantha Pimentel -

ndavam agora pela oresta já sem o mesmo ânimo e sem a mesma disposição Ade antes. Há dois dias que percorriam trilhas entre árvores e arbustos, em busca de algum sinal de civilização, ou a presença de algum outro ser

humano naquele lugar para que as esperanças de sobreviver a tudo aquilo continuassem vivas.

Para Sofie estava sendo muito difícil enfrentar os últimos fatos. Dois dias atrás ela partia de seu país acompanhada do pai e mais alguns membros da comitiva que ia com destino a Lumix, tendo a decolagem acompanhada pelas emissoras de TV locais e correspondentes internacionais, vendo os acenos da população e os desejos de boa viagem vindos da multidão que acompanhava a partida de seu governante a uma missão de paz em terras estrangeiras. E agora... Agora tudo havia mudado drasticamente a sua volta, e era difícil digerir os últimos acontecimentos e continuar em frente com este quase desconhecido ao seu lado. Na verdade não teve tempo para digerir nada, precisava sobreviver, e isso se interpôs a todo o resto. Mal houve tempo para lamentar a morte de seu pai, e o choro interrompido ameaçava vir a tona a cada minuto.

Ainda não tinha entendido o que acontecera com a aeronave em que viajavam, só lembrava-se de estar olhando pela janela do avião a oresta verde abaixo deles, e ouvir seu pai acertando com seu assessor direto os últimos detalhes de como procederiam com as negociações de paz em Lumix, o que ofereceriam para ajudar o país a combater o Mal Gupier, uma doença até então sem cura que assolava a população e já havia vitimado centenas de pessoas, e mais outros assuntos sobre relações internacionais que ela ainda não entendia muito bem. Distraída, olhando a

paisagem pela janela, Sofie foi surpreendida por uma forte turbulência no avião, esperou algum aviso da cabine de pilotagem, mas não houve nenhum. Um dos seguranças tentou contato com Flora, a piloto responsável pela aeronave, mas a cabine não respondia ao rádio. O avião começou a perder altitude bruscamente, tudo aconteceu muito rápido.

Agora enquanto relembrava, tentava reconstituir os acontecimentos em sua cabeça, como se um filme passasse em sua mente, mas na realidade tudo isso havia se dado quase que simultaneamente, em um instante estava ouvindo seu pai trabalhar com os assessores e no momento seguinte estavam todos se desequilibrando dentro do avião, sem entender o que acontecia, sem conseguir contato com a piloto e começando a se desesperar. Sofie lembrava de seu pai ter agarrado forte em sua mão que estava embaixo da dele e segurava firme o apoio de braço da cadeira do avião, estava com tanto medo que não conseguia dizer nada, nem gritar, nem suplicar a Deus como ouviu alguém fazer, estava paralisada, com todos os músculos contraídos na cadeira, segurando firme, o mais firme que podia. A tensão que empregada nos braços e mãos fazia com que doessem. Quando se mexeu foi para virar o rosto em direção ao seu pai, que estava sentado ao seu lado, e ao se virar deu de cara com os seus olhos a encarando firmemente. Ele não parecia desesperado nem nada assim, seus olhos tinham uma melancolia e um pesar, ao mesmo tempo em que diziam que não importasse o que acontecesse ele estaria com ela, passariam por aquilo juntos, seja lá o que fosse, estaria ali para segurar sua mão e fazê-la ter...

- Vamos parar por aqui, vai anoitecer. Não dá pra caminhar na escuridão, e aqui temos alguns galhos secos pro fogo.

Sofie foi tirada de seus pensamentos pela fala do segurança, como se tivesse sido acordada de um sonho. Parou bruscamente, demorando longos três segundos para entender a mensagem vinda do homem que mal falava com ela, o que a angustiava ainda mais, por não ter com quem conversar. Tinha perdido o pai! Custava esse homem ser um pouco sensível e de vez em quando perguntar se ela estava bem? Ela não entendia como alguém podia ser assim...

Ele olhou pra ela como se estivesse se perguntando o que ela ainda fazia ali parada, sem ação. Era um homem prático, de poucas palavras, e que havia aprendido a não se deixar levar por sentimentos, isso seria fraqueza.

- Fique ai, vou dar uma olhada em volta.

Falou ríspido e saiu.

Logo ao ouvir essas palavras Sofie teve impulso de segui-lo, de dizer que não a deixasse sozinha naquela oresta, ainda mais escurecendo. Mas o impulso não virou ação, e ela ficou ali parada, ainda imersa nos pensamentos sobre o acidente e tudo mais que a havia levado até aquele momento. Sem mais a fazer, sentou-se no chão.

Não entendera ainda como havia sobrevivido milagrosamente aquela tragédia. Nem entendia o que havia acontecido na cabine de pilotagem, e o que fizera o avião cair. Não havia estranhos na aeronave, era um voo particular com pessoas de confiança, não houve sequestro ao avião, Flora era um piloto experiente, por esta razão foi a escolhida para levar a comitiva... O avião, um Planar 38B era de alta tecnologia, desenvolvido de forma integrada entre os profissionais e os recursos técnicos de seu país, Trifior, e Hubier um país amigo que junto com Trifior divide o status de maior detentor de alta tecnologia. O Planar 38B era equipado com um avançado sistema de navegação e comunicação, que através de uma conexão móvel era capaz de transmitir a torre de controle não só comunicação via rádio mas também por teleconferência, se assim o piloto o desejasse, e a cada 2min uma câmera instalada acima do piloto registrava uma foto da cabine, que era automaticamente enviada a torre de comando, o que seria muito útil para identificar sequestros ao avião ou qualquer outro problema que pudesse vir a acontecer, permitindo ao comandante, em terra, tomar as medidas cabíveis. O sistema de comunicação interno era igualmente eficaz e possuía também um mecanismo de câmeras e o sistema de rádio comunicação que permitia o contato do piloto com a tripulação, mas no momento em que precisaram de comunicação com

Flora esse sistema não funcionou... Sofie não parava de se perguntar, o que havia acontecido naquela cabine? Talvez nunca soubesse.

O avião caiu, se chocando com várias árvores antes disso, Sofie bateu a cabeça e desmaiou. Acordou sendo sacudida por um dos seguranças de seu pai.

- Acorda.

- Precisamos sair agora.

- Vai explodir a qualquer momento.

Eram as únicas palavras de que se lembrava, se houveram outras, tinham se perdido em sua memória. O que ficou marcado foi a cena que viu ao recobrar a consciência. Todos ao seu redor estavam mortos, viu seu pai. Tentou abraça-lo, ir até ele, mas foi arrastada pelo braço. Depois o segurança a jogou nos ombros e a levou para fora do avião. A última visão que teve de seu pai foi a imagem embaçada pelas lágrimas de seu corpo jogado entre duas cadeiras do avião, seu rosto ensanguentado....

Ainda chorava e era carregada pelo segurança quando ouviu um forte estrondo e viu uma bola de fogo trazer um tom alaranjado a copa das árvores. Soltou um enorme grito que ecoou por toda a oresta, tentou se desvencilhar dos braços do segurança e sair correndo em direção ao clarão que via, mas sua força não era bastante para competir com a dele. Não podia fazer nada, a não ser chorar, e ver o clarão ficar cada vez mais longe de sua visão a cada passo dado pelo segurança. Sua cabeça girava com mil pensamentos. Sempre ouviu dizer que em momentos de morte eminente a pessoa vê sua vida passar como um filme em sua cabeça, relembra tudo o que fez, os momentos que viveu e as pessoas que são importantes na sua existência. Mas nunca tinham lhe dito que diante da morte de alguém que se ama muito vê-se um filme também, mas um filme de tudo mais que não será, de tudo que não mais poderá ser vivido, nem falado, nem sentido, de tudo que ficou a espera para acontecer e não mais se realizará. Sofie viu em sua cabeça o filme de todos os cafés da manhã que não

tomaria mais com seu pai, de todos os compromissos presidenciais onde não mais o acompanharia, todos os conselhos e aprendizados que ele lhe negligenciou e que nunca mais teria, todos os abraços que não sentiria e as palavras que não seriam ditas por falta de alguém que as ouvisse. Sofie viu de sua vida tudo que não mais teria. Seu pai estava dentro daquele avião que agora ela viu ao longe em chamas, e embora soubesse que ele estava já sem vida, que não poderia fazer nada para salvá-lo se tivesse ficado naquele avião, Sofie queria estar ao seu lado, queria olhar para seu rosto pela última vez pelo tempo que fosse suficiente para convencer-se de sua morte, queria poder ao menos ter os restos mortais de seu pai para lhe prestar a última homenagem e dar-lhe um enterro com todas as honrarias que um chefe político merecia. Sentia como se um braço dela lhe tivesse sido arrancado enquanto dormia, e não havia se dado conta disso até acordar, e teria agora que conviver com essa perda, mesmo sem saber a causa ou o porque desse fato ter acontecido, sua vida havia mudado e agora teria de viver com um braço a menos. Seu pai lhe fora arrancado e não lhe sobrava nem seus restos mortais para se despedir. Agora teria que conviver esse buraco que sentia. Naquele instante sua vida havia mudado drasticamente.

O segurança voltou da oresta com alguns galhos e gravetos que juntou para fazer uma fogueira. Abriu a mochila com os suprimentos, kit de primeiros socorros, algumas ferramentas e outros objetos úteis que pegou do avião antes de acordar Sofie e saírem de lá. Nesses momentos, ela agradecia a Deus ou quem quer que estivesse no comando lá em cima, pelo segurança ter sobrevivido junto com ela ao acidente. Sofie não saberia o que fazer sozinha. Provavelmente sem ele já teria morrido naquela oresta ou mais provavelmente ainda, nem teria saído do avião.

Ele abriu a bolsa e tirou de lá dois pacotes de biscoitos e uma garrafa d'água, a última que tinham.

- Precisamos economizar.

Sofie abriu seu pacote de biscoitos e começou a comer. Ficaram em silêncio, a não ser pelo barulho do mastigar de ambos, até que Sofie falou.

- Posso lhe fazer uma pergunta?

- Já fez sem poder.

Ele nunca era muito receptivo a conversas, sempre reservado, com palavras curtas e diretas, mas ela não seu atenção a sua resposta ríspida, sabia que ele não queria falar sobre nada, mas insistiu. Precisava conversar com alguém.

- Todos os seguranças de Trifior sabem fazer fogo esfregando gravetos, se orientar pelo sol sem precisar de bússola e essas coisas?

- Não sei dos outros seguranças. De onde vim, todos aprendemos isso.

- De onde você veio?

Silêncio.

- Então tive muita sorte de você ter sobrevivido junto comigo ao acidente. Sem suas habilidades talvez já estivesse morta.

Ele de repente a encarou, como nunca havia feito, segurou o olhar por alguns segundos, que pareceram horas. Sofie estranhou e envergonhada desviou o olhar para baixo. Ele pareceu envergonhado também, mas não da mesma forma que ela, ele tinha um ar diferente que Sofie não entendeu bem o que era. Depois ele logo voltou ao seu jeito habitual.

- É, talvez. - respondeu seco - Vamos dormir, amanhã precisamos encontrar água.

Cortando a tentativa de conversa de Sofie ele começou a fazer o fogo, depois que conseguiu produzir as chamas deitou de costas para Sofie. Dormiu.

- Boa noite - ela disse timidamente.

Não houve resposta.

...

Quando Sofie acordou não encontrou o segurança por perto. Ficou de novo assustada como na noite anterior quando ele saiu para buscar galhos para a fogueira. A sensação de estar sozinha naquela oresta não lhe era nada agradável, apesar do jeito distante do segurança, Sofie se sentia segura com a sua presença.

Todas aquelas árvores ao seu redor, altas e com folhas muito verdes e largas não lhe permitiam ter horizonte, tinha a impressão de que não importava o quanto andassem estavam sempre no mesmo lugar, pois a visão que tinha ao seu redor lhe parecia sempre a mesma. De onde estava agora via a sua frente um pequeno caminho mais livre entre as árvores, como se uma trilha estreita tivesse sido aberta por alguém a muito tempo e estava agora sendo coberta pelos galhos. Ouvia diversos sons estranhos que faziam a sua imaginação uir. O farfalhar das folhas, o vento, barulho de galhos balançando, pássaros e outros animais, tudo isso foi uma música com a qual demorou a se acostumar. No primeiro dia em que buscavam sobreviver naquela oresta acordou sobressaltada várias vezes durante a madrugada ao menor barulho que ouvia, sempre pensando, como nos filmes, que ao abrir os olhos teria um lobo, um tigre ou um urso enorme a sua frente prestes a lhe atacar. Mas aos poucos essa sensação foi sendo amenizada, e agora não mais tremia só por ouvir o barulho do vento.

Mas, o fato de ter compreendido os sons da oresta não significa que ela ainda não lhe causasse medo. Sim, tinha muito medo, inclusive agora, neste exato momento, tinha medo. Queria encontrar o segurança. Mas, não sabia para que lado ele teria ido, e também não lhe animava a ideia de ficar andando sozinha pela oresta, então só lhe restava mesmo esperar. Enquanto esperava começou a arrumar os cabelos. Claro, não havia muitos motivos para isso, estava no meio de uma oresta, longe sabe lá quantos quilômetros da civilização, sem ter como voltar para casa, agora órfão de mãe e pai, e a mais recente notícia: ficando sem água para sobreviver. De fato havia coisas muito mais importantes com as quais se ocupar. Mas já havia perdido coisas de mais em tão pouco tempo, sentia-se destruída por dentro, então que ao menos

pudesse manter uma aparência agradável por fora.

Soltou os longos cabelos pretos, que estavam presos em um coque no alto da cabeça. Sempre prendia os cabelos dessa forma antes de dormir, aprendeu com sua mãe. Das lembranças mais felizes que tem de sua infância na época em que a mãe ainda estava viva, estão os momentos em que era colocada para dormir por seus pais. Seu pai lhe lia uma história enquanto sua mãe lhe penteava os cabelos e os prendia em um coque. Quando a história e o penteado acabam ela dizia:

- Pronta para sonhar bela Sofie?

A menina deitava na cama enquanto sua mãe lhe cantava uma canção com voz suave e seu pai lhe beijava a testa....

Terezinha de Jesus de uma quedaFoi-se ao chãoAcodiram três cavalheirosTodos de chapéu na mão

Sofie com os cabelos caídos pelo ombro esquerdo os desembaraçava entre os dedos enquanto cantava.

O primeiro era seu paiO segundo o seu irmãoO terceiro foi aqueleA quem a Tereza deu a mão

O segurança que estava voltando de uma busca em volta de onde estavam querendo descobrir alguma fonte de água, foi andando lentamente a medida que se aproximava daquela cena. Parou atrás das árvores que haviam mais perto, não querendo atrapalhar a cantiga.

Terezinha levantou-seLevantou-se lá do chãoE sorrindo disse ao noivoEu te dou meu coração

Da laranja eu quero um gomoDo limão quero um pedaçoDa menina mais bonitaQuero um beijo e um abraço

Sempre notara que Sofie era uma mulher muito bonita, desde quando estavam em Trifior e a observava de longe, nunca imaginando que um dia estariam os dois juntos buscando sobreviver numa oresta. Mas agora, a visão de Sofie naquele momento o tinha deixado encantado. Mesmo com as roupas sujas e rasgadas, o rosto manchado de terra e sem a bela maquiagem com a qual habitualmente a via, ele a achou incrivelmente bela, como nunca tinha notado antes. Sob a luz do sol da manhã entrecortado pelos galhos das árvores, aquela mulher cantando e arrumando seus longos cabelos lhe parecia uma imagem...

- ... deslumbrante... - Murmurou.

Sofie assustou-se e virou de súbito para as árvores ao lado de si. O segurança percebendo seu olhar desviou os olhos para baixo. Sem saber bem porque, Sofie corou ao saber que ele a estava observando.

- Temos que ir. Encontrei pistas de onde acharemos água. - disse rapidamente o homem.

Sofie sem nada falar apenas o seguiu.

...

Andaram por horas sem parar. Sofie não aguentava mais caminhar, sentia o peso de cada passo como se fossem toneladas. Estava esgotada. Só queria parar em qualquer lugar, e deitar seu corpo exausto. Queria fazer isso ali mesmo. Agora. Não aguentava mais. Não daria mais um passo. Encostou-se em uma árvore e escorregou por seu tronco até estar sentada no chão com as pernas esticadas. O barulho desse movimento fez o segurança que estava um pouco mais a frente virar seu olhar para trás. Sofie nunca havia notado antes, mas ele tinha olhos cor de mel, que agora sob a luz do sol estavam ainda mais destacados. Era um homem bonito, tinha um jeito meio misterioso, mas parecia ter uma boa índole. Ela parecia gostar cada vez mais dele, e se interessava em buscar desvendar esse enigma que estava parado a sua frente.

- O que está fazendo? Nem pense em parar. Vamos. Vou seguir com ou sem você. - ameaçou.

Sofie relutou, mas assim que o viu sair de seu campo visão, desaparecendo entre o verde, deu um pulo e se pós de pé a segui-lo. Não queria de forma alguma ficar sozinha naquele lugar.

...

Já caminhavam o dia inteiro, dali a algumas poucas horas iria escurecer e não seria possível ver nada a muita distância do nariz. Seguiam o veio de um rio que havia secado, segundo o segurança se encontrassem a nascente achariam água, mas Sofie não pensava mais em água nem comida nem mais nada sobre a importância de sobreviverem aquele lugar. Estava esgotada, mal conseguia continuar de pé, mas ele ao contrário parecia com a mesma disposição com a qual tinham partido, ele nunca parecia se cansar, mas ela não estava acostumada a todo aquele esforço.

Depois que se pôs a caminhar novamente num impulso, por medo de ficar só naquele lugar, a sua disposição durou algumas poucas horas, mas logo o cansaço físico se fez

superior a sua vontade. Passou a quase arrastar-se atrás daquele homem, segurando-se de quando em quando em algum tronco de árvore próxima com medo de que desfalecesse no meio da oresta, sua visão já estava embaçada, suas pernas bambeavam e cada novo passo que conseguia dar era uma vitória. Sentia fome, sede e um esgotamento físico enorme, não aguentaria mais aquela jornada, seu corpo não lhe respondia e Sofie sentiu-se despencar em direção ao chão quando foi segurava por mãos firmes que a apoiaram nos braços fortes de um homem com cheiro de alecrim... Aquele cheiro e o contato humano com a pele e o corpo do segurança lhe deram um certo reconforto, lhe fizeram sentir segura. Ele a colocou nos ombros e passou a carregá-la pelo restante da caminhada que ainda tinham pela frente. Sofie sentia-se bem, apesar do cansaço, da perda do pai e todos os acontecimentos recentes, sentia-se quase feliz, como não se sentia desde que acordara naquele avião.

O segurança continuava a caminhar determinado a não parar até encontrar a nascente do rio, achava que devia estar perto, tinha que estar. Mas apesar do desejo de encontrar logo essa fonte de água e puderem se hidratar e descansar de todo o esforço feito, ele sentiria a perda de ter que largar o corpo de Sofie e retirá-lo de junto ao seu. O calor do corpo dela o fazia bem, sua pele delicada parecia de seda, muito branca e macia, seus cabelos negros como a noite que se aproximava e que tinham um cheiro maravilhoso que alcançava suas narinas e o fazia dar um meio sorriso de canto de boca. Ela era tão bela... começava a criar certa afeição por Sofie, mas no fundo sabia que aquilo não podia acontecer, era apenas um segurança de seu pai e ela a filha do presidente.

Continuava caminhando com Sofie em seus braços quando ouviu o som de água corrente. O barulho também foi ouvido por Sofie que levantou um pouco a cabeça e esboçou um sorriso ao ver que tinham conseguido. Com parte de suas forças renovadas o segurança a colocou no chão e a ajudou a caminhar lhe dando o braço como apoio caso precisasse, Sofie não sabia ao certo se de fato precisava, mas não queria afastar-se dele e aceitou o apoio mais por desejo que por necessidade.

Caminhavam com grande expectativa em direção ao som que ouviam até que seus

olhos alcançaram uma fina corrente de água, os olhos de Sofie brilhavam e uma alegria tremenda tomou conta dela, olhou para o segurança que apesar de não sorrir tinha um ar satisfeitíssimo e um brilho diferente no olhar, Sofie abriu um largo sorriso e abraçou-o animada por festejar a conquista de ambos. Ele pareceu surpreso por um segundo, até que seus braços foram, com certa hesitação, envolvendo o corpo de Sofie e retribuindo seu abraço. Ficaram ali abraçados por alguns longos segundos que pareceram maravilhosos a Sofie. O segurança deslizou as mãos pelas costas dela o que fez um arrepio percorrer toda a espinha de Sofie e foi lentamente se soltando de seu abraço, e os dois acabaram frente a frente, se olhando nos olhos com os rostos a alguns poucos centímetros de distância. O segurança parecia confuso, e realmente estava, brigava interiormente com os sentimentos que agora tinha certeza absoluta, estavam surgindo por aquela bela mulher, mas sentia perder a luta. Sofie o viu abrir um pouco os lábios como se fosse falar algo, mas nada disse, continuou a olhar em seus olhos por um segundo e bruscamente desviou o olhar e disse.

- Você precisa se hidratar - falou e começou logo após a beber a água que jorrava da nascente.

Sofie fez o mesmo.

Após beberem água deitaram exaustos no chão e logo adormeceram. Sofie dormiu relembrando o momento em que o segurança deslizou as mãos por seus costas e experimentando novamente o mesmo arrepio na espinha.

...

Acordaram ambos assustados, após ouvirem barulhos de vozes ao redor deles. O segurança foi o primeiro a pular do chão já colocando-se de pé, e encarando em volta as pessoas que os observavam. Sofie levantou-se mais devagar e parecia assustada com toda aquela gente os olhando como se fossem ET's. Não estavam armados mas a maioria deles tinha cara de poucos amigos, com a exceção de alguns, como uma senhora que aparentava ter uns 63 anos e que a olhava com ar simpático e amigável.

- Como estão viajantes? - falou a senhora com voz melodiosa.

- Quem são vocês? - perguntou Leon em tom forte.

- Somos amigos, não se preocupe - falou uma jovem que estava ao lado da senhora.

Sofie e Leon se olharam, sem saber ao certo o que pensar sobre aquelas pessoas, se podiam ou não confiar neles. O fato é que confiavam um no outro, e seja lá o que acontecesse, estariam juntos. - Vejo que precisam de descanso, um banho e roupas limpas. Venham conosco que serão acolhidos em nossa aldeia - Falou a senhora - Eu me chamo Urien e vocês são meus convidados. São bem vindos na Rudó Maine da oresta Prama. Como devo chamá-los?

Novamente Sofie e Leon se olharam, até que ele falou rapidamente antes que Sofie se pronunciasse.

- Me chamo Leon e esta é minha esposa, Victória.

Sofie ficou surpresa mas disfarçou seu espanto não deixando transparecer aos desconhecidos. Esposa? Victória? Porque ele havia mentido sobre a relação deles e sobre o nome dela? Mas seja qual fosse a história que Leon contasse, ela confirmaria suas palavras.

Leon falou que eles estavam acampando na oresta com um grupo de amigos, quando ele e a esposa saíram para dar uma volta nos aerodores de onde estavam acampados, mas se distraíram fotografando várias árvores diferentes, uma vez que sua mulher é botânica, e acabaram por se perder. Vagaram durante esses dias em busca de encontrar seus amigos, mas não acharam o acampamento onde estavam, e acabaram indo parar ali seguindo o curso do rio em busca de água. Sofie confirmou toda história contada por ele com afirmações de cabeça e uma ou outra expressão que

enfatizava o que ele dizia.

Levados a aldeia foram alojados por Urien e a jovem Ester, sua neta, em uma casa muito simples, mas que trazia uma sensação aconchegante que Sofie não sabia se era próprio do lugar ou era o fato de ter andado sem rumo por uma oresta desconhecia durante dias, que a fazia achar aquele lugar rústico, com uma cama simples, banheiro e cobertores limpos, tão encantador. Como para todos se tratavam de um casal, foram acomodados num quatro próprio para tal. Após tomarem banho e vestirem roupas limpas, tinham, caso quisessem dormir, que dividir a mesma cama.

Mas Sofie no momento estava mais interessada em entender o porque Leon havia mentido sobre eles e ocultado seu nome verdadeiro. Isso não saiu de sua cabeça desde de que ouviu a história contada pelo segurança as pessoas do lugar. E se eles tivessem um meio de ajudá-los a voltar para casa? Precisavam contar a verdade, sobre quem ela era, e que se eles ajudassem poderiam ser recompensados por isso. Porque afinal Leon mentira?

- Então somos casados e me chamo Victória?

Leon a olhou com atenção.

- Não queria revelar a eles seu nome verdadeiro. Não conhecemos essa gente, não sabemos o que pretendem. E falei que éramos casados para poder ficarmos juntos.

O coração de Sofie acelerou e suas faces coraram ao ouvir essas últimas palavras da boca de Leon. Ele ficou igualmente desconcertado quando se deu conta do que havia dito, e logo emendou.

- Digo... que ficando juntos é mais seguro. Posso te proteger de uma possível ameaça. Estaria aqui por perto caso precisasse de algo.

Suas palavras embora saíssem sem muita convicção, desapontaram um pouco Sofie.

- Mas e se eles puderem nos ajudar a voltar para casa? - falou ela após alguns segundo

de silêncio.

- Não podem.

- Como sabe? É a única chance que temos desde que aquele avião explodiu... eles devem conhecer um meio de sairmos daqui.

- Estamos bem aqui.

- A pouco tempo você dizia que não podíamos confiar nesse povo, que não sabe suas intenções, por isso mentiu sobre meu nome... e agora vem me dizer que "estamos bem aqui"? Não entendo...

- Estamos mais seguros aqui, acredite - ele falou após encarar fixamente os olhos de Sofie.

Como assim? Em casa, com seu irmão, seus amigos, no seu país, estaria segura, bem mais segura do que estava agora, numa oresta com pessoas desconhecidas e órfã. Ele parecia querer verdadeiramente lhe proteger de algo, mas Sofie não sabia o que, e Leon parecia não estar disposto a contar-lhe. Mesmo assim, ela queria saber o que ele escondia e iria conseguir arrancar dele a verdade, tinha seus meios para isso...

- Está bem. Se não deseja voltar pode ficar morando aqui nesta aldeia, prometo contar a todos o que fez por mim e seu nome será amplamente homenageado em Trifior, será um herói. Mas eu, pretendo voltar a minha casa e vou falar com a senhora Urien agora mesmo, quem sabe ela pode me ajudar? Vou contar-lhe toda a verdade.

Sofie se dirigiu até a porta mas Leon movendo-se rapidamente parou em sua frente impedindo que ela passasse por ela. Olhando para Sofie com certo ar de apreensão ele disse em tom sério e preocupado.

- Não podemos voltar.

Sofie ficou com expressão incrédula. - Como assim? Temos que voltar!

- Acredite, não vai querer voltar.

- É tudo que quero! - Sofie não entendia o que se passava na cabeça dele. O que pensava? Que ela ficaria o resto de sua vida morando no meio daquela oresta? Abdicando de seu país, sua vida, sua casa, amigos... seu irmão... Sentia saudades dele, agora ele era sua única família.

- Você corre perigo.

Ela ia falar, mas não saiu nenhum som de sua boca. O que ele queria exatamente dizer com "você corre perigo" ?

Ele ficou olhando fixamente para ela, por longos segundos ou minutos, que lhe pareceram horas, até que começou a falar.

- Me desculpe... eu não sei por onde começar a lhe contar... - falou baixo, quase sussurrando. - Pelo início parece bom - Sofie falou em tom de brincadeira, tentando quebrar um pouco a tensão que se instalou naquela conversa entre eles.

Ele respirou fundo. - Isso vai lhe parecer estranho e sem sentido, mas acredite em mim, estou falando a verdade... - Respirou fundo mais uma vez enquanto fechava os olhos e os abria novamente encarando os olhos atentos e curiosos de Sofie. - Seu irmão planeja lhe matar. Bem ele planejou matar você e seu pai também, mas quanto a ele infelizmente não posso fazer nada mais para ajudá-lo.... Mas você não pode voltar, ele vai descobrir que está viva e com certeza não vai ficar feliz com isso. Vai tentar matá-la novamente, parece estranho, eu sei, mas acredite, ele planejou tudo junto com o vice-presidente, ele se beneficiaria com a morte de seu pai, ficaria no governo pelos próximos três anos e guiaria o país como bem entendesse, você deve saber que ele e seu pai vinham tendo diferenças nos últimos tempos e... Sofie? está me ouvindo?

Ela estava ouvindo, mas não podia acreditar no que chegava a seus ouvidos. Seu

irmão e ela nunca tiveram uma relação das mais amorosas e tranquilas, brigavam muito, tinham grandes diferenças de pensamento e personalidade, e ela sabia que ele sentia ciúmes da atenção e carinho que o pai dispensava a ela mas... planejar matá-la? Tramar a sua morte e a de seu próprio pai?

- Porque...? Porque ele faria isso? E como ele iria me matar num outro país, com seguranças fazendo nossa escolta a todo momento... não isso não faz nenhum sentido! - conseguiu finalmente falar para um olhar atento que a fitava com ansiedade e medo.

Mais uma longa respiração. - Ele não faria, quer dizer não com as próprias mãos... Eu faria.

Sofie gelou. Esse homem que salvou sua vida a tirando daquele avião, que a protegeu naquela oresta, por quem ela estava.... Esse homem planejava matá-la? Ela não sabia mais o que pensar, ou se podia confiar nele, se sentia uma idiota por ter se envolvido por aqueles olhos cor de mel. Ele ia matá-la!? Sofie estava sem chão.

Leon ficou ainda mais preocupado e tenso com a visível perturbação de Sofie, parecia ler em seus olhos os seus pensamentos. Cada palavra que ele dizia cortava-o como faca, pois sabia o quanto a estava perturbando aquela história toda, saber que seu irmão queria matá-la, não era uma notícia fácil de se receber. E o que mais o machucava era ter que confessar que seu irmão planejava matá-la com a ajuda dele, Leon, em quem ela passou a mostrar tanta confiança, e que ele faria isso tudo por dinheiro. Se arrependia muito de ter aceitado participar disso tudo, e apesar de toda tragédia, agradecia ao destino pelo acidente de avião, sem ele teria que executar seu trabalho e assassinar Sofie e seu pai, coisa que ele sabia assim que olhou para ela quando embarcaram naquele avião, que não seria capaz.

Mesmo sabendo que corria o risco de perder a confiança que Sofie já depositava nele, e que ela provavelmente o odiaria para sempre, ele seria sincero com ela e contaria toda a verdade.

- Sofie - ele falou baixo e com certa hesitação - Estava tudo planejado, seu irmão e o vice presidente me pagariam um bom valor pela... - ele hesitou, respirou fundo e continuou a falar - pela sua morte e de seu pai. - Falou essas palavras de olhos fechados, pois não teve coragem de olhar para Sofie. - Também seria promovido a chefe da segurança presidencial, eu.... eu acabei aceitando. - falou envergonhado - Só senti o peso do que iria fazer quando embarcamos naquele avião. - Ele a olhou fixamente, iria contar tudo a ela, não queria mais mentir mesmo que isso significasse ter o seu desprezo - Sofie, quando olhei para você naquele avião eu sabia que jamais conseguiria lhe fazer mal. Eu jamais seria capaz de lhe machucar. Eu.... - ele hesitou, respirou fundo, encarou os olhos espantados de Sofie, e falou - Me apaixonei por você Sofie. Sei que é absurdo e que não estou a sua altura e que nada entre nós jamais aconteceria, e agora você deve me odiar por saber de tudo, por saber que eu trai seu pai por dinheiro, mas é a verdade, e eu só queria lhe contar tudo. Me sinto melhor agora. - ele falava sem parar, quase sem respirar entre uma frase e outra, com medo de calar e ouvir as palavras duras que Sofie diria a ele, por medo que ela verbalizasse toda raiva que agora devia sentir agora, ele não queria ouvi-las, embora soubesse que as merecia, por isso continuava a falar desenfreadamente - Não se preocupe Sofie, eu vou embora assim que tiver certeza que ficará mesmo segura aqui com essas pessoas, você nunca mais precisa me ver. Só te peço uma coisa, sei que não tenho direito de pedir nada, mas, por favor, não volte, sua vida estará em risco se voltar, seu irmão n...

Ele não conseguia mais falar, Sofie o havia interrompido pondo uma de suas mãos em sua boca. Estava cansada de ouvir aquela enxurrada de palavras. Mil coisas passaram por sua cabeça enquanto aquele homem lhe falava, e precisava de silêncio para organizar seus pensamentos. Ficaram os dois ali, parados, em silêncio, olhando um no olho do outro, Sofie ainda com a mão na boca de Leon pensava em tudo que ele lhe havia dito. Se seu irmão e o vice presidente de fato haviam planejado matá-la, então precisava mesmo voltar, não podia deixar o país ser governado por aquele homem. Contaria a verdade a todos, provaria as intenções do vice-presidente e de seu irmão, eles não poderiam ficar impunes. Mas se preocuparia em como fazer isso depois. Seu pai infelizmente morrera, mas num acidente e não pela trama do irmão, então deste

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crime ele estava livre, e isso aliviava Sofie, não se sentiria bem creditando ao irmão o rancor por ter perdido o pai. E ela, por trama do destino havia sobrevivido, e passara por muitas coisas nos últimos dias, quase todas elas ruins, mas uma coisa boa havia acontecido em meio a tudo isso, e era a ela que Sofie queria se apegar nesse momento.

Aquele homem a sua frente, um poço de mistério, se abria finalmente, e ele tinha declarado os sentimentos que nutria por ela, sentimentos que ela também tinha sentido por ele, depois de tudo que passaram juntos naquela oresta e de como ele a protegeu e salvou sua vida, do toque de seus corpos quando ele a carregou nos braços, dos olhares, Sofie havia ficado muito mexida por aqueles olhos cor de mel, sentia-se atraída por aquele homem e agora descobrira que ele também por ela... Estavam sozinhos ali, e Sofie resolveria todos os problemas depois, agora havia algo de mais urgente a fazer.

Sofie retirou a mão que tapava a boca de Leon, ele continuou em silêncio, parado, sem saber como agir diante daquela situação, Sofie o olho profundamente nos olhos e se aproximou mais dele, que pareceu surpreso, mas continuou sem se mexer. Sofie levantou a mão lentamente em direção ao seu rosto, ele fechou os olhos acreditando que Sofie iria lhe dar um tapa, mas ao contrário do que pensou ela o acariciou, e ele abriu os olhos surpreso. Sofie olhou em seus olhos mais uma vez e o beijou. Ele pareceu hesitar por um segundo, mas logo depois a envolveu em seus braços e retribuiu o beijo.

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a l n h a v e- - - - - - -inarrativa transmídia

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Este ebook é parte integrante do projeto ‘Construção de uma narrativa transmídia acerca do universo dos contos de fadas’ desenvolvido dentro das atividades do componente curricular Projeto Multimídia do Bacharelado em Arte e Mídia da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG, sob orientação do prof. João de Lima Neto.

Texto, capa e diagramação de Samantha Pimentel

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