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BIO LOGIA Psicologia Prof. Carlos Alberto Domingues do Nascimento Profª Charmênia Maria Braga Cartaxo 2 a edição | Nead - UPE 2013

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BIOL O G I A

P s i c o l o g i a

P r o f . C a r l o s A l b e r t o D o m i n g u e s d o N a s c i m e n t o

P r o f ª C h a r m ê n i a M a r i a B r a g a C a r t a x o

2a edição | Nead - UPE 2013

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Nascimento, Carlos Alberto Domingues do Biologia: psicologia/Carlos Alberto Domingues do Nascimento; Charmênia Maria Braga Cartaxo. – Recife: UPE/NEAD, 2011.

73 p.

ISBN - xxxxxxxxxxxxxxxxx

1. Psicologia 2. Aprendizagem 3. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

CDD – 17ed. – 150 Claudia Henriques – CRB4/1600 BFOP-108/2011

N244b

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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - UPE

ReitorProf. Carlos Fernando de Araújo Calado Vice-ReitorProf. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Pró-Reitor AdministrativoProf. Maria Rozangela Ferreira Silva

Pró-Reitor de PlanejamentoProf. Béda Barkokébas Jr.

Pró-Reitor de GraduaçãoProfa. Izabel Christina de Avelar Silva

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Viviane Colares Soares de Andrade Amorim

Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e ExtensãoProf. Rivaldo Mendes de Albuquerque

NEAD - NÚCLEO DE ESTUDO EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Coordenador GeralProf. Renato Medeiros de Moraes

Coordenador AdjuntoProf. Walmir Soares da Silva Júnior

Assessora da Coordenação GeralProfa. Waldete Arantes

Coordenação de CursoProf. José Souza Barros

Coordenação PedagógicaProfa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

Coordenação de Revisão GramaticalProfa. Angela Maria Borges CavalcantiProfa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva

Gerente de ProjetosProfa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes

Administração do AmbienteJosé Alexandro Viana Fonseca

Coordenação de Design e ProduçãoProf. Marcos Leite

Equipe de DesignAnita Sousa/ Gabriela Castro/Renata Moraes/ Rodrigo Sotero

Coordenação de SuporteAfonso Bione/ Wilma SaliProf. José Lopes Ferreira Júnior/ Valquíria de Oliveira Leal

Edição 2013Impresso no Brasil

Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife / PE - CEP. 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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Psicologia da aPrendizagem

Prof. Carlos Alberto Domingues do Nascimento Carga Horária | 10hProfª Charmênia Maria Braga Cartaxo

emenTa

Importância, conceito, características e ti-pos de aprendizagem. Perspectivas teóricas de aprendizagem. Fatores que interferem na aprendizagem.

carga HorÁria

60 horas

oBJeTiVo geral

Discutir o processo de aprendizagem, con-siderando sua conceituação, fatores interve-nientes, teorias e perspectivas de abordagem (disciplinar / interdisciplinar).

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o Processo de aPrendizagem: conceiTuação e caracTerização

Prof. Carlos Alberto Domingues do Nascimento Carga horária I 10hProfª Charmênia Maria Braga Cartaxo

oBJeTiVos esPecÍFicos

• Explicitar a importância da aprendiza-gem enquanto processo adaptativo.

• Determinar os fundamentos filosóficossubjacentes ao conceito de aprendiza-gem.

• Definiroconceitodeaprendizagem.

• Identificar os produtos da aprendiza-gem: cognitivo, motor e afetivo.

• Contraporocomportamentoaprendidoaos comportamentos instintivo e refle-xo.

• Estabeleceroconjuntodascaracterísti-cas básicas da aprendizagem.

inTrodução

Nada do que foi seráDe novo do jeito que já foi um diaTudo passa, tudo sempre passaráA vida vem em ondas como o mar

Num indo e vindo infinitoTudo que se vê não é

Igual ao que a gente viu há um segundoTudo muda o tempo todo no mundo(Composição: Como uma onda; Autor: Nelson Motta)

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8A letra desta música, ao ressaltar a dinâmica do mundo e da vida como um processo con-tínuo de transformação, permite situar, poeti-camente, a importância do processo de apren-dizagem.

Como lidar com o conjunto de transformações que ocorrem no mundo, se o ser humano não estiver, durante toda sua existência, submetido a um constante processo de aprendizagem? Se o ser humano, a partir de suas vivências e experiências, não empreender uma permanen-te estruturação e reestruturação de competên-cias e habilidades necessárias a sua adaptação?

Nos animais irracionais, o repertório de com-portamentos hereditários e inatos (instintivos e reflexos) é suficiente para a realização de seu processo adaptativo. Todavia, quando esse re-pertório falha, inviabilizando o ajustamento ao mundo, temos a morte do organismo e/ou de sua espécie, ocorrendo uma seleção que, como demonstra Darwin na Origem das Espé-cies, é natural.

Para esses animais, a aprendizagem, embora também ocorra, não é a tônica do processo adaptativo, pois não sobrevivem, apenas, em função do que aprendem, mas, fundamental-mente, a partir dos comportamentos que, fi-logeneticamente (hereditariedade da espécie), adquirem. Os instintos e os reflexos permitem e determinam a sobrevivência das espécies ani-mais em geral.

A condição humana é diferente da condição animal, já que seu aparato de comportamentos inatos e hereditários é mínimo. Em contrapar-tida, o nível de desenvolvimento da inteligên-cia humana é bem mais evoluído, permitindo-lhe formular, reformular e transmitir seu agir no mundo e, assim, melhor adaptar-se a essa realidade em transformação.

A sobrevivência individual e coletiva do ho-mem, no contexto social e físico, é determi-nada pelos comportamentos que, formal ou informalmente, ele aprende no âmbito da es-cola ou da vida. Para o homem, a adaptação, ou seja, lidar com as vicissitudes de sua rela-ção com o mundo, é aprender, ou fazendo um

trocadilho, diremos que é aprendendo que o homem se adapta às vicissitudes do mundo.Daí a importância de se compreender e pla-nejar o processo de aprendizagem, para que o homem não se afogue nas enormes e cons-tantes ondas das mudanças e, como sugere a letra da música, diante de tudo o que passa e de tudo o que virá, possa, por assim dizer, surfar na vida e no mundo. Esse papel e a im-portância da aprendizagem humana são devi-damente ressaltados por Campos (2005):

O estudo da aprendizagem, sua natureza, suas características e fatores que nela influenciam constituem, portanto, um dos problemas mais importantes para a psicologia e para o educa-dor, seja ele pai, professor, orientador ou ad-ministrador de instituições educativas. Explicar o mecanismo da aprendizagem é esclarecer a maneira pela qual o ser humano se desenvolve, toma conhecimento do mundo em que vive, organiza a sua conduta e se ajusta ao meio fí-sico e social. É, pois, pela aprendizagem que o homem se afirma como ser racional, forma sua personalidade e se prepara para o papel que lhe cabe no seio da sociedade (p.16).

Nos fascículos desta disciplina, pretende-se promover uma reflexão sobre o processo de aprendizagem, suas teorias e sua aplicabilida-de no contexto educacional. Para tanto, co-meçamos, aqui, apresentando concepções e argumentos que permitam conceituar e carac-terizar a aprendizagem.

FundamenTos FilosÓFicos da aPrendizagem

No âmbito da filosofia, a investigação sobre o conhecimento é denominada de Teoria do Conhecimento (Gnosiologia). Corresponde ao segmento do pensar filosófico que tenta res-ponder ao seguinte questionamento: o que é o conhecimento?

O desdobramento desta pergunta leva a ou-tras que, abordando o conhecimento e o ato de conhecer, interrogam sobre sua possibili-dade, origem, essência, tipologia e critério de verdade As concepções de autores, como Aris-

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9tóteles, Descartes, Kant, Hume, Hegel e tantos outros, são, dentre tantas outras coisas, for-mulações que respondem ou tentam respon-der a tais questionamentos, ainda que não o façam de forma linear, harmônica e definitiva.

Todavia, não interessa, aqui, enveredar por cada uma daquelas interrogações e, muito menos, pelas respostas dadas pelos diversos filósofos. Pretende-se, apenas, identificar os fundamentos gerais do ato de conhecer, es-clarecendo, numa abordagem fenomenológi-ca, aquela que se limita a descrever os traços gerais e essenciais de um fenômeno, quais são os traços gerais e essenciais do ato de conhe-cer, portanto, a estrutura básica e geral do co-nhecimento. Assim, como mostram Morente (1980) e Hessen (1987), o conhecimento tem as seguintes características:

• Ésempreumarelaçãoentredoiselemen-tos: o sujeito do conhecimento (sujeito cognoscente) e o objeto do conhecimento;

• Osujeitoéaqueleque,comsuaconsciên-cia, apreende as propriedades do objeto; o objeto é aquele que tem suas propriedades apreendidas pelo sujeito. Esse objeto pode ser real, quando está presente no âmbito da experiência imediata (externa ou inter-na), ou ideal, quando está apenas no âm-bito do pensamento;

• Noatodoconhecimento,éosujeitoque

muda, portanto o objeto é determinante, e o sujeito, determinado. O conhecimen-to resulta na determinação do sujeito pelo objeto. Essa determinação mostra que o sujeito é receptivo ao objeto. Quando agi-mos, temos uma situação diferente: é o sujeito quem determina, sendo o objeto determinado: na ação, o sujeito modifica o objeto.

Éinteressanteobservaraaplicabilidadedessesprincípios gerais ao processo de aprendiza-gem:

• Umaluno,naescola,porexemplo,aoteraula de biologia sobre uma das organelas da célula, o ribossomo, é o sujeito cognos-

cente, enquanto que o ribossomo e o con-junto de suas propriedades é o objeto do conhecimento.

• Oalunoésujeitocognoscente,pois,com

sua consciência - percepção, pensamento, memória etc –, é quem apreende as pro-priedades do objeto, dentre outras, que o ribossomo é constituído de RNA (Ácido Ri-bonucléico). Considerando que o aluno es-teja olhando e identificando o ribossomo através de um microscópio, ou seja, está numa situação de experimentação imedia-ta externa, temos o ribossomo como um objeto real. Na aula de matemática, ao es-tudar a relação entre os lados de um he-xágono e seus ângulos, temos um objeto ideal, pois essa relação é pensada, inferida, ou seja, não é e nem pode ser sensível, per-ceptível;

• Ao término da aula de biologia, diríamos

que o aluno foi receptivo ao objeto, pois foi ele que mudou ao receber a informa-ção de que o ribossomo é constituído de RNA, enquanto o ribossomo permaneceu o mesmo. O aluno, ao recepcionar esse novo conhecimento oriundo das propriedades do ribossomo, foi determinado, enquanto o ri-bossomo foi determinante. O primeiro so-freu a mudança, e o segundo foi o fator de mudança. Se o aluno for para o laboratório e, realizando experimentos sobre a síntese protéica, agir sobre o ribossomo, teremos uma situação contrária: o aluno é determi-nante, e o ribossomo, determinado.

• Esta análise comparativa evidencia que osprincípios gerais orientadores de toda e qual-quer forma de conhecimento também estão subjacentes ao processo de aprendizagem. Todavia, é importante ressaltar que enquanto a Filosofia se preocupa com a essência geral de toda e qualquer forma de conhecimento, a Psicologia, particularmente a Psicologia da Aprendizagem, visa compreender os proces-sos psíquicos que determinam o desenvolvi-mento e a aquisição do conhecimento, da aprendizagem.

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10A compreensão destes processos permite que um professor de Ciências Biológicas, Matemá-tica etc. medeie a relação do aluno (sujeito cog-noscente) com o objeto (biologia/matemática etc.), favorecendo a aquisição do conhecimento de forma efetiva e significativa. Podemos, tam-bém, imaginar que o desconhecimento de tais processos dificulte ou impossibilite tal aquisi-ção, tornando o ato de aprender algo deses-timulante ou, como os alunos dizem, difícil, chato, desestimulante, complicado etc.

aTiVidade 1 Considere essa situação de aprendizagem na qual você está inserido, ou seja, a leitura e o estudo deste fascículo e nela identifique as ca-racterísticas gerais do conhecimento: Quem é o sujeito, a consciência cognoscente? Quem é o objeto cujas propriedades estão sendo apre-endidas? Trata-se de um objeto real ou ideal? Quem é determinante e quem é determinado?

o insTinTo e o reFleXo

Para uma melhor compreensão do conceito de aprendizagem, é importante distinguir o comportamento aprendido de outros tipos de comportamentos, como o instintivo e o refle-xo.

O instinto é um comportamento para o qual é desnecessária a aprendizagem. Em verdade, observa-se que os conceitos de comporta-mento aprendido e comportamento instintivo são excludentes, ou seja, a afirmação de um é a negação do outro, portanto um compor-tamento é denominado de instintivo quando não precisa ser aprendido e vice-versa. Um ins-tinto compreende as seguintes características (adaptado de DAVIDOFF, 2001, p.99):

a) Éespecíficodaespécie,sendoinatoehere-ditário;

b) Altamente estereotipado e padronizado

para todos os indivíduos da espécie;

c) Uma vez iniciado, é completado automáti-ca e mecanicamente;

d) Resistente à mudança e serve à adaptação/sobrevivência da espécie;

e) Éacionadoporumestímuloespecíficoin-terno ou externo;

A seguinte descrição do comportamento re-produtor do salmão evidencia esse conjunto de características:

Quando um salmão sai de sua ova, no leito de um riacho, seus genes trazem as instruções do comportamento necessário a sua sobrevi-vência. O salmão sabe instintivamente como e para onde nadar, o que pode comer e como se proteger de predadores. Seguindo o plano imposto pelos genes, o salmão logo inicia uma jornada para o mar. Depois de cerca de qua-tro anos no oceano, o salmão maduro volta ao lugar onde nasceu. Nada por centenas de qui-lômetros até a foz do rio e de lá, guiado pelo cheiro de seu regato, dá início a uma odisséia contra a correnteza até o local da desova. Uma vez ali, o salmão procura as condições exatas de temperatura, seixos e fluxo de água que fa-cilitam a reprodução, depois acasala e morre (MYERS, 2002, p.174).

No caso do ser humano, dificilmente obser-vamos um comportamento que, como esse do salmão, atenda as características do ins-tinto. O comportamento sexual humano, por exemplo, é marcado pela diversidade, pois não podemos afirmá-lo como estereotipado/padronizado ou automático/mecânico, ao contrário, sua maior característica é a singu-laridade, a variação que apresenta de indiví-duo para indivíduo, de cultura para cultura, de gênero para gênero. O mesmo ocorre com o comportamento alimentar, motor, agressi-vo etc. Geralmente, quando se trata do ser humano, observa-se que tais comportamen-tos são diversificados, sendo tal diversificação oriunda da inter-relação de fatores subjetivos, sociais, culturais e históricos, portanto da aprendizagem à qual o sujeito está subme-tido.

O reflexo, por sua vez, corresponde a um com-portamento ou, na maioria das vezes, a uma resposta específica de um órgão efetor (mús-

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11culo ou glândula) a uma estimulação, também específica, dos receptores ou das vias nervosas.

Como o instinto, o reflexo é inato e hereditário, porém, diferentemente deste, não compreen-de um padrão de reações e respostas, mas, em geral, de uma única reação ou resposta, a qual, sensorial ou motora, é involuntária e automáti-ca. Dentre os muitos reflexos existentes, temos a contração da pupila pela estimulação luminosa, os atos orais de alimentação do recém-nascido ( sucção , deglutição , mordida e vômito ) , o reflexo de Babinski, o reflexo rotuliano etc. A título de exemplificação, consideremos a descri-ção desse último:

a) Uma pancada no joelho estimula os recepto-res sensitivos e gera o sinal nervoso;

b) O sinal segue pela via do nervo até à medula espinhal;

c) Na medula espinhal, ocorre a transmissão do sinal do nervo sensitivo ao nervo motor;

d) O nervo motor envia o sinal ao músculo da coxa;

e) O músculo contrai-se e flexiona o joelho. O reflexo completo é produzido sem nenhuma intervenção do cérebro.

Como se observa, a flexão do joelho é uma res-posta específica a uma estimulação específica, no caso, a pressão física (pancada) sobre o joe-lho. Outro tipo de estimulação, por exemplo, a luminosa, não produziria essa resposta. Por ou-tro lado, a flexão é involuntária e automática, já que independe da vontade do sujeito. Nascemos com este reflexo, que é hereditariamente trans-mitido a todos os indivíduos da espécie, portanto não precisa ser aprendido.

Os atos reflexos, como visto, são facilmente ob-servados no ser humano, mas os instintos nem tanto. A condição evolutiva do homem parece demonstrar que sua humanização, ou seja, sua condição de ser que pensa, deseja e tem cultura, ocorreu quando adquiriu condições de interagir com o mundo a partir do que aprende e, assim, adaptar-se mais eficazmente.

AQUISIÇÂO DE Y

Ai =x Af= x+y

OCORRÊNCIA DE MODIFICAÇÃO

AQUISIÇÂO DE Y

Ai = x Af= x

AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÃO

aTiVidade 2

Aplique, passo a passo, as características do com-portamento instintivo ao exemplo do salmão.

o conceiTo de aPrendizagem e de comPorTamenTo aPrendido

Consideremos a seguinte definição de aprendiza-gem, adaptada de vários autores (BRAGHIROLLI et al, 1990; DAVIDOFF, 2001; MYERS, 2002; CAMPOS 2005), para depois analisá-la:

Modificação sistemática do comportamento através do exercício ou da repetição, em função de condições biopsicossociais do indivíduo.

Como se observa, a modificação é uma pro-priedade essencial do conceito de aprendizagem. Supondo uma situação na qual esta ocorra, veri-ficaremos que, ao término do processo, o aluno ao final (Af) estará numa condição diferente da inicial (Ai), ou seja, apresentará o repertório de comportamentos iniciais (x), acrescido daquele que se pretendeu ensinar (y). Uma situação que, esquematicamente, pode ser assim representa-da:

Na ausência da aprendizagem, o aluno ao final (Af) terá a mesma condição inicial (Ai), portanto veremos que ele mantém o mesmo repertório de comportamentos iniciais (x), uma vez que não ocorreu a aquisição daquele comportamento ensinado (y):

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12A definição também sublinha que a modificação deve ser relativamente sistemática e oriunda da experiência e da repetição. Desta forma, não se consideram como aprendizagem as modifica-ções decorrentes, dentre outras, de tendências hereditárias e/ou inatas (crescimento físico), da maturação do organismo (características sexuais secundárias) ou de estados temporários de ajus-tamento (movimentos adaptativos a lesões mo-toras, fadiga, febre) (BRAGHIROLLI et al, 1990; DAVIDOFF, 2001; MYERS, 2002; CAMPOS, 2005).

As mudanças devem refletir um conjunto de al-terações associado a aspectos cognitivos, emo-cionais e motores que, vivenciadas e elaboradas em função de um ou de todos esses aspectos, promova o ajustamento e a adaptação do apren-diz no mundo. Desta forma, é importante com-preender que toda aprendizagem corresponde, necessariamente, a uma modificação comporta-mental, mas nem toda modificação comporta-mental corresponde, sempre e necessariamente, a uma aprendizagem.

Ao mesmo tempo, ao referir as condições biopsi-cossociais do indivíduo, a definição salienta que a aprendizagem depende das condições reais e potenciais do aluno, especialmente no que se refere a suas condições orgânicas (bio), a sua estruturação emocional e cognitiva (psicos) e ao conjunto dos aspectos culturais e históricos no qual ele está inserido (sociais). Portanto, o ato de aprender está subjugado à consideração da interação e influência deste conjunto de fatores, que deve ser considerado por aquele que ensina, que, no caso da escola, é o professor.

Na Psicologia, o conceito de comportamento pode ser definido como o conjunto estruturado de ações e reações cognitivas, emocionais, sociais e motoras que um indivíduo apresenta diante de um estímulo intrínseco ou extrínseco. Pelo que se argumenta, dizemos que o comportamento aprendido é esse conjunto de ações e reações adquirido a partir da interação do indivíduo com o contexto social, podendo essas ações e reações ser as mais diversas possíveis:

[Comportamento aprendido] não é tomado ape-nas no sentido de reações explícitas ou de ação direta sobre o ambiente físico, como manipular, locomover-se, juntar coisas, separá-las, construir, mas também, no de reações simbólicas, que tanto interessam à compreensão da vida social, observadas em gestos, na fala, na linguagem gráfica, como ainda, no de comportamentos im-plícitos, que as reações simbólicas vêm a permitir, como perceber, compreender, imaginar e pensar de modo coerente (CAMPOS, 2005, p.30).

aTiVidade 3

Observe a seguintes situações: Paulo não sabia falar inglês, fez curso de línguas e hoje fala e escreve fluentemente nesse idioma. Refletindo sobre a mesma, podemos aplicar, plenamente, a definição de aprendizagem tal qual formulada anteriormente? Explique.

os conTeÚdos da aPrendizagem

A mudança resultante da aprendizagem pode, como mencionado acima, ser subdividida em cognitiva, motora ou afetiva. Vejamos cada uma delas, segundo a sistematização proposta por Campos (2005):

Cognitiva - mudanças associadas à aquisição de informações ou conhecimentos, portanto de conteúdos ideativos (conceitos), decorrentes do uso das funções cognitivas (pensamento, per-cepção, linguagem etc.) (cf. tb. POZO, 2003). Essa aquisição pode refletir a memorização e/ou a compreensão do conteúdo. Pode-se, por exemplo, apenas memorizar a informação que define o ribossomo, ou seja, que é a organela responsável pela síntese protéica, ou, além de tal, compreender como nela efetivamente se dá o processo de síntese protéica e suas implicações para a vida.

Motora - nesse caso, temos as aquisições de habilidades, oriundas da coordenação de movi-mentos específicos ou globais, como, por exem-plo, escrever ou dirigir, respectivamente. Muitas vezes, devido à repetição, esses comportamen-

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13tos tornam-se automatizados (automatismos), sendo mecanicamente emitidos a partir de cer-tos estímulos específicos ou em função de deter-minadas situações.

Afetiva - consideram-se, aqui, as aquisições de atitudes, valores, crenças, sentimentos etc. asso-ciados às condutas do indivíduo em relação a si e aos outros, que são de grande importância para a interação e a integração social. Atitudes, como o preconceito e a intolerância religiosa, segundo as crenças e os valores que cada uma comporta, são exemplos deste tipo de aquisição.

Éimportanteobservarqueessasaquisiçõesnãoocorrem isoladamente, mas, concomitantemen-te. Uma criança, por exemplo, ao adquirir a es-crita, realiza mudanças de ordem ideativa (a dis-tinção entre a grafia das consoantes e vogais), motora (a coordenação dos movimentos que lhe permite representar ambos os fonemas) e afeti-va (o prazer ou desprazer vivenciados neste pro-cesso e o despertar do interesse ou desinteresse pela escrita, enquanto atividade simbólica). O aprender sempre comporta esses três produtos, embora, num certo contexto de aprendizagem, um deles possa ser mais enfatizado ou priorizado que o outro.

Como a aprendizagem se insere na prática edu-cativa, é pertinente observar que essas aquisições estão em estreita relação com o contexto social, culturalehistóricoondeocorrem.Éprecisocon-siderar cada um destes contextos para que a aprendizagem seja significativa e contribua para o desenvolvimento crítico e reflexivo do aluno, não se limitando, portanto, a ser uma mera mu-dança de comportamento, mas uma mudança que seja também um instrumento através do qual o aluno se situe e intervenha na realidade. Enquanto elemento constituinte do processo educativo, a aprendizagem tem por finalidade contribuir para a formação do homem ple-no, inteiro, uno, que alcance níveis cada vez mais competentes de integração das dimensões bási-cas – o eu e o mundo – a fim de que seja capaz de resolver-se, resolvendo os problemas globais e complexos que a vida lhe apresenta, e que seja capaz também de, produzindo conhecimentos, contribuir para a renovação da sociedade e a re-

solução dos problemas com que os diversos gru-pos sociais se defrontam (LÜCK, 1994, p.83).

aTiVidade 4

Uma criança, participando, de uma atividade esportiva, voleibol, aprendeu as regras e estraté-gias do jogo, desenvolveu habilidades como le-vantamento e cortada e modificou sua maneira de reagir agressivamente as situações de frustra-ção. Analise essa situação considerando as aqui-sições cognitivas, motoras e afetivas subjacentes à aprendizagem.

caracTerÍsTicas do Processo de aPrendizagem

Considerando a sistematização proposta por Campos (2005), abordemos, com alguns co-mentários complementares, as características básicas do processo de aprendizagem.

Dinâmico - Ao relacionar o processo de apren-dizagem à teoria do conhecimento, afirmamos que o ato de aprender ocorre pela recepção das propriedades do objeto de estudo pelo aluno. Todavia, é importante esclarecer que tal recepção pode ocorrer de duas formas: passi-va ou ativamente. Na primeira perspectiva, o aluno é um mero receptor de informações, e o professor, aquele que transmite / reproduz essas informações. Na segunda, o aluno, inte-ragindo sobre o objeto, mediante a atividade cognitiva, física e emocional, é o construtor do conhecimento. O professor favorece essa ação / recepção, ao criar estratégias que permitam, dinamicamente, a ação do aluno para a elabo-ração do conhecimento.

Contínuo - Quando começamos a aprender? O recém-nascido, ao empreender o ato de sucção, ainda que seja um ato reflexo, já está aprendendo, pois, sensorial e motoramente, começa a discriminar, por exemplo, proprieda-des como líquido/sólido ou quente/frio. Quan-do paramos de aprender? Na vida adulta e quando idoso, formulamos ou reformulamos muitos de nossos valores e empreendemos lei-turas através das quais adquirimos novos co-nhecimentos. Portanto, uma e outra situação, demonstram que o processo de aprendizagem

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14se estende do nascimento à morte. Isso é mais evidente, se relembramos que a aprendizagem serve à adaptação ao mundo e, devido as per-manentes mudanças do mundo, precisamos, conseqüentemente, estar permanentemen-te em adaptação, portanto, continuamente aprendendo: do nascimento à morte.

Global - Imaginemos um aluno que tenha difi-culdade de aprendizagem em relação a vários conteúdos de matemática, ciências e geogra-fia. Será que essa dificuldade decorre de um problema cognitivo, uma incapacidade de abs-tração? Ou a dificuldade está associada a sua condição emocional, pois, por exemplo, seus pais mantêm uma relação bastante conflituosa entre si e com ele? Ou, quem sabe, deve-se a sua condição social que, obrigando-o todo dia a ajudar os pais que são feirantes, não lhe per-mite o tempo necessário para estudar? Poderí-amos ainda supor que a criança tenha alguma dificuldade visual que a torna dispersa em sala-de-aula? Esses questionamentos alertam que o ato de aprender ou não aprender deve con-siderar o aluno, segundo a interação de sua condição cognitiva, emocional, social e física, portanto, em sua globalidade. Um aluno, nas diversas situações de vida, inclusive a escolar, apresenta-se com esse conjunto de fatores, portanto um ou todos podem favorecer ou di-ficultarsuaaprendizagem.Éprecisoconside-rar o aluno na complexidade de sua condição de sujeito, de aprendiz.

Pessoal - O ato de aprender é um ato individu-al: “Ninguém pode aprender por outrem, pois a aprendizagem é intransferível de um indiví-duo para outro (CAMPOS, 2005, p. 35)”. Sen-do assim, cabe um questionamento: se ato de aprender é pessoal, para que serve o professor e a escola? A resposta é aquela que não per-mite confundir o termo pessoal com solitário: o professor e a escola têm o papel de estimu-lar o desejo de aprender e, colocando o alu-no numa posição ativa, facilitar o processo de aprendizagem. Eles não podem fazer o aluno aprender, mas podem e devem promover uma adequada mediação do aluno com o conheci-mento para, assim, fazê-lo desejar aprender e construir sua aprendizagem. A aprendizagem sempre é pessoal, mas, necessariamente, não é solitária, é decorrente da interação entre alu-no-professor-escola-sociedade.

Gradativo - A gradação da aprendizagem deve ser colocada, segundo duas perspectivas: da-quilo que se quer ensinar e das condições de quem aprende. A primeira afirma a aprendi-zagem como um processo ascendente que vai da aquisição mais simples para a mais com-plexa. Assim, a aquisição de um novo concei-to pressupõe que, numa aprendizagem an-terior, tenham sido adquiridos os elementos conceituais constituintes deste novo conceito. Na Física, por exemplo, o conceito de força pressupõe a compreensão prévia de outros, como massa e aceleração. Em relação à se-gunda perspectiva, observa-se a necessidade de avaliar a maturação do aluno quanto ao seu grau de desenvolvimento motor, afetivo e cognitivo. Considerando esse último aspec-to a título de exemplificação, diríamos que o ensino dos conteúdos deve considerar o nível de inteligência do aluno, ou seja, se ele está no pré-operacional, nas operações concretas ou nas operações formais (ver apostila de Psi-cologia Evolutiva). Como ensinar conteúdos que exigem abstração, se o aluno, estando no pré-operacional, pensa egocentricamente? Para elaborar um conceito, como o de força, o aluno precisa ter saído do pré-operacional e acedido às operações concretas ou formais. Portanto, a aprendizagem implica tanto a ob-servação da gradação do conteúdo que se quer ensinar como o grau de maturação físi-ca, emocional e cognitiva do aluno que está aprendendo. Os materiais de ensino e as aulas devem atender a essa exigência, para que não sejam vistos como difíceis ou desinteressantes.

Cumulativo - Com a característica da conti-nuidade, argumentou-se que o indivíduo está sempre, realizando novas aquisições, mas é preciso não confundir a qualificação de nova com a de sui generis, naquilo que este último termo signifique uma total independência en-tre os comportamentos aprendidos: “a apren-dizagem constitui um processo cumulativo, em que a experiência atual aproveita-se das anteriores (CAMPOS, 2005, p. 36)”. O andar de um bebê, por exemplo, pressupõe toda sua experiência anterior de engatinhar. Do mes-mo modo, diremos que a construção de um texto por uma criança também depende, den-tre outras coisas, das aquisições vocabulares e sintáticas desta criança bem como de suas experiências anteriores de leitura. As aquisi-

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15ções prévias são o substrato das novas aqui-sições, e, assim, temos a aprendizagem como um processo acumulativo, o que não deve ser confundido com simples memorização de in-formação.

Essas características devem orientar o profes-sor, quando planeja o conteúdo, a didática e o processo avaliativo de sua disciplina, pois, ao considerá-las, valoriza a complexidade ine-rente ao ato de aprender, o que não significa torná-lo mais difícil ou exaustivo, ao contrário, talvez essas impressões negativas, tantas vezes verbalizadas por alunos e professores, sejam decorrentes da desconsideração/desvaloriza-ção de tais características.

aTiVidade 5

Observe a seguinte situação: Paulo é um me-nino de sete anos que tem grandes problemas de leitura. Mostra-se, também, muito inquie-to em sala de aula. Seus pais nunca foram às reuniões da escola. Um professor afirmou que ele não aprende porque é burro. Sendo você um professor e, considerando as característi-cas do processo de aprendizagem, que hipóte-ses levantaria para explicar essa dificuldade de aprendizagem de Paulo? Ou, simplesmente, concordaria com o outro professor? Explique.

conclusão

Podemos observar, neste fascículo, a relevân-cia da aprendizagem, enquanto instrumento de adaptação do homem ao mundo. Consi-deram-se, também, seus fundamentos filo-sóficos, os quais permitiram evidenciar que a aprendizagem, enquanto vinculada à teoria do conhecimento, é um processo orientado pela interação do sujeito com o objeto. Uma inte-ração que não é instintiva, mas fundamental-mente aprendida, decorrente do conhecimen-to adquirido.

Por outro lado, ao analisarmos as caracte-rísticas desta interação, observamos que a aprendizagem implica uma mudança de com-portamento que, considerando os contextos culturais, históricos e sociais do aluno, ocorre, concomitantemente, nas esferas cognitivas, motoras e afetivas. Finalmente, salientou-se o

conjunto de características próprias ao ato de aprender, ou seja, a dinamicidade, a globalida-de, a continuidade etc., o qual deve ser consi-derado pelo professor enquanto mediador da relação do aluno com seu objeto de conheci-mento, permitindo, assim, que a aprendiza-gem ocorra de forma efetiva.

reFerÊncias

BRAGHIROLLI, M.E. et. al. Psicologia Geral. Pe-trópolis: Vozes, 2001.

CAMPOS, D.M.S. Psicologia da Aprendizagem. Petrópolis (RJ): Vozes, 2005.

DAVIDOFF, L.L. Introdução à Psicologia. São Paulo: Makron Books, 2001.

HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Coimbra: Armênio Amado, 1987.

LÜCH, H. Pedagogia Interdisciplinar: Funda-mentos Teórico-Metodológicos. Petrópolis (RJ): Vozes, 1994.

MORENTE, M.G. Fundamentos de Filosofia. I : Lições Preliminares. São Paulo: Mestre Jou, 1980.

MYERS, D. Introdução à Psicologia Geral. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos, 1999.

POZO, J.I. Aquisição do Conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2004

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aPrendizagem: FaTores inTerVenienTes

Prof. Carlos Alberto Domingues do Nascimento Carga Horária I 10hProfª Charmênia Maria Braga Cartaxo

oBJeTiVos esPecÍFicos

• Caracterizar os fatores intrapessoais einterpessoais relacionados ao processo de ensino-aprendizagem

• Refletir, criticamente, sobre a interfe-rência dos fatores intrapessoais e inter-pessoais no processo de ensino-apren-dizagem.

• Discutiropapeldodocenteedodiscen-te em função dos fatores intrapessoais e interpessoais subjacentes ao processo de ensino-aprendizagem.

inTrodução

No fascículo anterior, definimos a aprendi-zagem como o processo a partir do qual ocorre, no aluno, um conjunto de mudan-ças comportamentais de ordem cognitiva, motora e afetiva. No âmbito da escola, es-sas mudanças ocorrem a partir das práticas pedagógicas através das quais o professor medeia a relação do aluno com o conheci-mento. Um conhecimento cujo conteúdo compreende a aprendizagem (a) dos con-ceitos explicativos dos fatos e acontecimen-tos do mundo, (b) dos procedimentos pelos quais se dá a obtenção destes conceitos e (c) da reflexão sobre as crenças, valores e ati-tudes que orientam o uso destes conceitos no âmbito sócio-cultural. O professor deve, portanto, empreender uma ação pedagógi-ca que leve a uma aprendizagem integral: do conceituar, do fazer, do viver e do ser.

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18Éimportantefrisarqueaaprendizagemnãoéum processo linear no qual o professor apenas transmite um conteúdo, o qual é imediata-menteabsorvidopeloaluno.É,antes,umpro-cesso transacional, sendo a prática pedagógica o meio pelo qual ocorre a “negociação” en-tre o professor e o aluno. Ao mesmo tempo, observa-se que muitos fatores podem inter-vir nesta individuais, transação/negociação, favorecendo ou dificultando a ocorrência da aprendizagem. Abordá-los é uma condição necessária à formulação ou reformulação da ação pedagógica e, conseqüentemente, da aprendizagem. Dada a impossibilidade de dis-cutir todos os fatores, que são muitos, cen-traremos nossa atenção em alguns de caráter intrapsicológico – autoconceito e auto-estima, diferenças individuais, ansiedade e motivação – e outros de caráter interpsicológico – as ex-pectativas entre professores e alunos, a intera-ção professor-aluno e a interação aluno-aluno. Passemos, então, a refletir sobre cada um de-les.

auToconceiTo e auTo-esTima

No contexto do ensino e da educação, é preci-so considerar o autoconceito do aluno: as re-presentações (juízos, crenças, idéias, imagens etc.) que ele tem sobre si mesmo (corporal, psicológica, social e moral). Essas representa-ções são formadas a partir das relações inter-pessoais vivenciadas ao longo do ciclo vital, especialmente no âmbito familiar (pais, irmão, tios etc.), das amizades ou vínculos sociais e dos relacionamentos vivenciados no contexto escolar (colegas e professores).

As dimensões englobadas no autoconceito são, dentre outras, as representações da per-cepção da aparência e as habilidades físicas, das competências e habilidades cognitivas, da estabilidade emocional, da criatividade, da ho-nestidade etc (COLL et al., 2000). O autocon-ceito também tem um caráter prospectivo, ou seja, compreende auto-imagem decorrente da percepção daquilo que se teme, espera, deseja ou gostaria de ser, o que, na terminologia de Markus & Nurius (apud COLL et al. 2000), con-siste nos “possíveis eu”.

Na escola, em especial, é importante observar também o autoconceito acadêmico: “a repre-sentação que o aluno tem de si mesmo como aprendiz, como pessoa dotada de determi-nadas características ou habilidades para en-frentar a aprendizagem em um contexto de ensino” (MIRAS, 2004, p.211).

O autoconceito mantém uma estreita re-lação com a auto-estima, a qual se refere à avaliação afetiva, positiva ou negativa que o indivíduo tem sobre suas representações. Os juízos avaliativos de auto-apreciação ou auto-depreciação mostram como a pessoa se sente em relação a si mesmo; assim, quando são positivos, dizemos que se trata de um sujeito que tem elevada auto-estima, e, quando ne-gativos, uma baixa auto-estima.

O autoconceito e a auto-estima são noções distintas, mas interligadas, cuja importância não pode ser desconsiderada pelo professor, uma vez que estão diretamente relacionados ao êxito e ao fracasso escolar:

Já que tal sistema organiza as interpretações pessoais sobre a própria experiência e dirige o comportamento da pessoa, parece lógico supor que tem uma incidência notável na conduta dos alunos e dos professores e no desenvolvimento dos processos educacionais escolares (MIRAS, 2004, p.212).

Trata-se de um sistema que, em sua relação com aprendizagem e o rendimento escolar, tanto pode ter uma relação de causa como de efeito. Enquanto causa, diríamos que um au-toconceito negativo e uma baixa auto-estima podem inibir a aprendizagem e o rendimen-to; contrariamente, um autoconceito positi-vo e uma elevada auto-estima podem incre-mentar ambos. Enquanto efeito, diremos, por um lado, que o êxito na aprendizagem e no rendimento pode melhorar o autoconceito e aumentar a auto-estima e, por outro, que o fracasso pode depreciar o autoconceito e baixar a estima. O professor deve, portanto, estar atento e manejar/adequar uma e outra possibilidade.

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aTiVidade 1Numa escola, temos um adolescente tímido e que teme participar da aula, pois acha que tudo que fala é besteira. Em algumas situa-ções, quando formulou perguntas, estas eram pertinentes, mas confusamente elaboradas. Alguns colegas diziam que ele é mais enrolado que um carretel de linha. Sua inibição tem se acentuado. Faça uma discussão desta situação considerando os conceitos de autoconceito e a auto-estima. Reflita sobre a interferência de ambos no processo de aprendizagem deste aluno.

diFerenças indiViduais

Quando se compara um indivíduo com outro, constatam-se diferenças individuais de ordem cognitiva, afetiva, social e moral, podendo se manifestar em vários aspectos do comporta-mento: agressividade, motivos, autoconceito, inteligência, habilidades, expectativas, crenças, valores etc.

No que se refere à origem dessas diferenças, observam-se três concepções básicas - a está-tica, a ambiental e a interacionista – que, em função de fatores genéticos, ambientais e das características grupais (etnia, religião, classe social, etc.), justificam a variabilidade interindividual (COLL & MIRAS, 2004). Mas o que são essas concepções?

A primeira afirma que as características são inerentes à pessoa e são estáveis; a segunda pressupõe que são dependentes dos fatores ambientais que influenciam o indivíduo e a terceira considera que decorrem da mútua in-fluência do potencial do indivíduo e dos fato-res ambientais, assumindo esse indivíduo um papel ativo na seleção, organização e incorpo-ração destas influências.

Esta última concepção é, atualmente, a que melhor orienta o processo de aprendizagem, pois mostra, no âmbito escolar, a necessida-de de uma abordagem direcionada ao aluno, sendo importante que o ensino se adapte e se ajuste a esse aluno e suas condições específi-cas de aprendizagem, e não, o inverso. Não existem, portanto, professores (e escolas) efi-

cazes a priori, pois serão mais eficazes aqueles que mais promovam a adequação do ensino ao aluno, ou seja, aqueles “capazes de adap-tar continuamente sua ação educacional e de ensino às características dos alunos e aos pro-cessos de aprendizagem que estes realizam na sala de aula” (COLL & MIRAS, 2004, p. 232).

Numa perspectiva construtivista, que será abordada no fascículo IV e V, esse processo de adaptação às diversidades individuais deve ser amplo, considerando tanto uma macroadap-tação, como uma microadaptação. Por exem-plo, a definição dos currículos e o material di-dático que o professor utiliza em sala de aula, respectivamente. Neste sentido se diria que:

O ajuste não remete às características individu-ais dos alunos e às características das formas de ensino, definidas ambas de forma estática e em termos absolutos, e, sim, à adequação progressiva e mutante entre as necessidades de ajuda que o aluno requer para continuar avançando no processo de construção dos sig-nificados e de atribuições de sentido no qual se encontra imerso, por um lado, e, por outro, o tipo de grau de ajudas concretas que o ensino lhe oferece (COLL & MIRAS, 2004, p. 236).

aTiVidade 2Observe a seguinte afirmação: A inteligência é uma das principais características individuais. Ela mostra o limite da adequação do ajusta-mento do ensino ao indivíduo . Nada po-demos fazer por crianças que apresentam um déficit de inteligência. Você concorda ou dis-corda? Justifique sua escolha.

ansiedade

A ansiedade é um estado emocional, com rea-ções bem definidas (rubor, palpitação, sudore-se, calafrios etc) e que tem uma função adap-tativa, ou seja, permitir ao indivíduo identificar e lidar com situações ameaçadoras (BRAGHI-ROLLI et al. 1990). Todavia, como toda emo-ção, dependendo de sua intensidade, tanto pode favorecer como desfavorecer a organiza-ção e o funcionamento psíquico e, portanto, a aprendizagem que se quer alcançar ou o ren-dimento em função do que se aprendeu.

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20Face à realização de uma prova, por exemplo, diremos que a ansiedade é positiva quando, diante da possibilidade de reprovação, gera um estado de alerta que nos leva a estudar para alcançar uma boa nota. Por outro lado, esta mesma ansiedade é negativa, quando, no momento da realização da prova, comprome-tendo nossa atenção, memória, pensamento etc, faz com que tenhamos “um branco” e ti-remos uma nota ruim. Existe, então, uma fun-ção adaptativa na ansiedade, mas que pres-supõe um nível ótimo de intensidade, o qual, não sendo alcançado ou sendo ultrapassado, pode gerar uma desadaptação. Essa situação é representada no gráfico abaixo:

No contexto escolar, observa-se uma relação direta entre ansiedade e aprendizagem: um ní-vel médio de ansiedade torna-a melhor e um nível muito baixo ou muito alto a compromete (Fierro, 1996). Essa relação depende, obvia-mente, das características individuais de cada aluno e, também, de outros aspectos, como o grau de dificuldade da tarefa, as expectativas dos alunos e professores, o ambiente relacio-nal na sala de aula etc. No que pese a evidên-cia desta relação, não há muita clareza dos mecanismos intrapsíquicos que a determinam.

Parece-nos claro que o professor, na sua rela-ção com o aluno, deve sempre buscar o nível ótimo dessa ansiedade, o que efetivamente se dá a partir de suas expectativas e das atitudes diante do aluno. No exercício diário do ensi-no, essa situação se materializa, por exemplo, através da didática e das metodologias utiliza-

das, ou, para ser mais específico, por exemplo, através do processo avaliativo. Uma avaliação que visa apenas punir é ansiogênica e pode comprometer o desempenho do aluno. A nota baixa que simplesmente pune, que castiga, compromete o autoconceito e a auto-estima do aluno, podendo desarticulá-lo do desejo de aprender, para articulá-lo ao medo do profes-sor e, conseqüentemente, de aprender.

aTiVidade 3Faça uma reflexão sobre o processo de avalia-ção, enquanto fator que pode gerar ansieda-de e, portanto, comprometer o processo de aprendizagem. Como o professor deve proce-der para evitar tal situação? Qual postura deve assumir?

moTiVação

Todo comportamento pressupõe a existência de um motivo ou estado motivacional, ou seja, uma condição de estimulação interna, cuja ori-gem pode ser intrínseca ou extrínseca ao in-divíduo e que orienta o comportamento para uma meta ou objetivo. Sendo que tais moti-vos podem ser classificados como fisiológicos, quando vinculados à sobrevivência (fome, sede, fadiga etc.) ou psicossociais, quando oriundos da interação de fatores psicológicos e/ou sócio-culturais (competitividade, realiza-ção, afiliação etc.) (DAVIDOFF, 2001; HUFF-MAN & VERNOY & VERNOY, 2003)

Para exemplificação, consideremos os motivos de fome e competitividade. O primeiro, de caráter fisiológico, leva a um conjunto de ações, dentre as quais, temos a mastigação do alimento (comportamento), para saciar a fome (meta). O segundo, com fortes determinantes psíquicos e sociais, faz, por exemplo, o golei-ro, numa disputa futebolística, defender os chutes do adversário (comportamento) para ser campeão (meta). Nestas situações, ambos os motivos são a força propulsora que leva a organização do comportamento a alcançar as metas estabelecidas.

Considerando, que a aprendizagem implica na aquisição de comportamentos, é pertinente questionar: a motivação é um fator relacio-

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21nado ao processo de ensino-aprendizagem? A resposta é afirmativa, pois, na literatura em geral, observa-se a concordância de que numa situação de aprendizagem, como numa aula, a tarefa a ser alcançada, por exemplo, a aquisição de certos conteúdos conceituais de ciências, depende de se estimular no aluno o desejo e o prazer de realizá-la. Como aprender quando não se deseja aprender? Ou quando tal desejo não é estimulado?

Desta forma, para favorecer a modificação de comportamento pretendido, é preciso produzir um estado motivacional no aluno e, ao mesmo tempo, permitir que, através da aprendizagem, ocorra a satisfação total ou parcial deste estado (WITTER & LOMÔNACO, 1984). Seguindo a sis-tematização proposta por Tapia e Garcia-Celay (1996), podemos, considerando o aluno, carac-terizar o processo de aprendizagem em função das seguintes metas:

a) Relacionadas à tarefa

• Experimentar a aprendizagem enquantodesenvolvimento das competências, ou seja, como um processo que permite as aquisições de novas competências e a con-solidação de outras já adquiridas.

• Vivenciaraaprendizagemcomoumaati-vidade que, também, corresponde ao seu interesse e a sua escolha pessoal.

• Experimentaraaprendizagemcomoumacuriosidade/novidade sobre a realidade e/ou de si mesmo.

b) Relacionadas ao “eu”

• Experimentar a aprendizagem com sen-timento de orgulho, ou seja, como uma atividade que valoriza a auto-estima e o autoconceito.

• Evitarqueofracassonaaprendizagemori-gine sentimentos de vergonha ou humilha-ção.

c) Relacionadas à valorização social

• Vincular a realização da aprendizagem a aprovação de pais, professores e demais adultos envolvidos e, ao mesmo tempo, evitar a rejeição destes.

• Experimentaraaprendizagemcomomeiode aprovação dos colegas e, ao mesmo tempo, evitar a rejeição destes.

d) Relacionadas à consecução de recompensas externas• Vincular a aprendizagem à gratificação

mediante o recebimento de prêmios, os quais, é importante frisar, não estão dire-tamente relacionados ao conteúdo apren-dido.

Observando essas metas, podemos identificar a motivação para a aprendizagem em decor-rência de uma motivação extrínseca (d) ou de uma motivação intrínseca (a, b e c). E um novo questionamento surge: Qual procedimento deve prevalecer, ou seja, o intrínseco ou o ex-trínseco?

A motivação extrínseca, como se observa no item d, é aquela que orienta a aprendizagem como uma situação para recebimento de um castigo ou de um prêmio. A avaliação escolar, enquanto atribuição de uma nota, é conside-rada em seus extremos, ou seja, zero ou dez, pode representar, respectivamente, aquelas situações. O mesmo ocorre quando os pais negam à criança, caso tire notas ruins, o rece-bimento de um brinquedo ou, inversamente, se tirar boas notas, prometem e dão o brin-quedo. Nestes casos, há um fator externo que estimula a aprendizagem, seja privando (casti-go), seja gratificando (prêmio).

Já os itens a, b e c apontam a motivação intrín-seca, a qual identifica no sentimento de auto-determinação pessoal o fator preponderante, para motivar o processo de aprendizagem:

[É] o sentimento que se experimenta na reali-zação da própria tarefa e que não depende de recompensas externas, dado que se baseia na escolha que o indivíduo faz da tarefa a realizar e na utilização ótima das próprias habilidades [...] Devido ao caráter motivador desse senti-mento, o sujeito – adulto ou criança – buscará situações que proporcionem um desafio frente o qual pode fazer um uso ótimo das próprias habilidades e, uma vez encontradas, tentará exercê-las, conquistando o desafio (TAPIA & GARCIA-CELAY, 1996, p. 165 - 166).

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22A autodeterminação, segundo Boruchovitch & Guimarães (2004), a partir dos estudos de vários autores, se apóia em três necessidades psicológicas inatas: de autonomia, de compe-tência e de vínculo:

Autonomia - O processo de aprendizagem deve considerar que o próprio aluno tem o desejo de também organizar suas experiên-cias, sem que essas passem, necessariamente, por um controle externo absoluto. Motiva-se o aluno quando o levamos a valorizar sua ca-pacidade de perceber as mudanças compor-tamentais como decorrência de suas ações e, portanto, que ele também “fixa metas pesso-ais, demonstra seus acertos e dificuldades, pla-neja as ações necessárias para viabilizar seus objetivos e avalia adequadamente seu progres-so” (BORUCHOVITCH & GUIMARÃES, 2004, p144). Contrariamente, quando o aluno tem a percepção de que é orientado ou, no dizer de Charms (apud BORUCHOVITCH & GUIMA-RÃES, 2004; TAPIA & GARCIA-CELAY, 1996), é, apenas, uma “marionete”, que passivamente atendendo aos comandos de outros, princi-palmente da escola e dos professores, sente-se desmotivado para aprender.

Competência - O organismo tem a capacidade inata para, na sua interação com o ambiente, agir e interagir de modo eficaz. Neste processo, o desenvolvimento de suas capacidades leva a uma vivencia gratificante que, no dizer de White (1975) (apud BORUCHOVITCH & GUI-MARÃES, 2004, p. 144), lhe dá um sentimen-to de eficácia, ou seja, aquele experimentado quando se domina uma tarefa desafiadora e, concomitantemente, percebe-se o aumento das competências associadas a tal domínio. O incremento dessas competências é motivador, pois, ao mesmo tempo em que mostra ao alu-no seu potencial para solucionar eficazmente os problemas decorrentes da sua relação com o meio, leva-o a mobilizá-los.

Vínculos - Também seria uma motivação ina-ta a procura pelo estabelecimento de vínculos emocionais, especialmente porque a interação interpessoal cria um ambiente de segurança: “Todas as pessoas seriam compelidas a esta-belecer e manter, pelo menos, em quantidade mínima, relacionamentos interpessoais po-sitivos, duradouros e significativos. Quando

essa necessidade é frustrada, ao menos em parte, suas conseqüências afetam o equilíbrio emocional e o bem-estar geral do indivíduo (BORUCHOVITCH & GUIMARÃES, 2004, p. 146)”. Portanto, durante a aprendizagem, o sentimento de aceitação, considerando-se o contexto das inter-relações escolares, ou seja, professor/aluno e aluno/aluno, seria um fator motivador, particularmente quando inibe as vi-vências de ameaça e rejeição.

Quando um professor elaborar e aplicar uma atividade escolar, deve ter em vista que a mo-tivação para ela, se esta é concebida como in-trínseca, está condicionada à satisfação destes motivos, os quais são interdependentes. Deve-rá, portanto, tendo em foco o aluno, estimular o desenvolvimento da autonomia, do aprimo-ramento das competências e da criação e ma-nutenção dos vínculos interpessoais. Asso-ciando a satisfação destes motivos à realização da tarefa, criam-se condições que estimulam o desejo e o interesse em aprender.

aTiVidade 4Observe a seguinte afirmação de um profes-sor: Ensinar não é difícil, é fácil, quando temos alunos motivados para aprender. A motivação é algo inato, ou seja, nascemos ou não com ela. Você concorda ou discorda dessa afirma-ção? Explique sua escolha considerando a dis-cussão anterior.

as eXPecTaTiVas enTre ProFessores e alunos

No âmbito escolar, o processo de aprendiza-gem transcorre numa relação interpessoal assimétrica na qual os participantes têm ex-pectativas definidas pelos papéis previamente definidos: o de professor e o de aluno. Do pro-fessor, por exemplo, espera-se o exercício de uma liderança que faça os alunos cumprirem, durante a aula, dentre outras regras, aquelas que normatizam o funcionamento da mesma (horário, freqüência, cooperação). Como con-trapartida dos alunos, espera-se que aceitem e cumpram essas regras e, assim sendo, reco-nheçam o professor como o líder. O conjunto das atitudes manifestas no âmbito desta inte-ração dependerá das representações que um

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23tem do outro, ou seja, das crenças, opiniões, juízos etc. que, reciprocamente, se atribuem.

Toda atitude comporta de três componentes: um cognitivo, um emocional e um compor-tamental. No contexto da interação profes-sor-aluno, o cognitivo corresponde às repre-sentações dos alunos sobre os professores e vice-versa; o emocional, ao valor afetivo destas representações, ou seja, se positivas ou nega-tivas, como, por exemplo, no estado de admi-ração ou medo. Já o comportamental corres-ponde às ações e reações que concretizam os outros dois e se manifesta, dentre outras, pela forma como são recebidas as atividades pro-posta para a aprendizagem, por exemplo, se de aceitação ou recusa destas, ou do tipo de relação entre os participantes, tal qual obser-vada no comportamento indisciplinar do alu-no ou na postura eminentemente autoritária e punitiva do professor.

As representações são os aspectos nucleares das atitudes, pois determinam e organizam os outros dois. Para sua formação, considera-se o conjunto da informação oriunda (a) da observação mútua e direta entre professores e alunos, principalmente, aquela dos primeiros contatos escolares, (b) do conhecimento pré-vio dos professores sobre os alunos (conversas informais entre professores, relatórios de ser-viços, reuniões com pais etc.) ou dos alunos sobre os professores (conversas informais em sala, atividades recreativas etc.) e (c) das im-pressões mútua e continuadamente formadas e reformuladas de professores e alunos duran-te o convívio na rotina escolar (COLL & MIRAS, 1996; COLL et al., 2000).

Essas representações não são uniformes e va-riam conforme as condições econômicas, de gênero, culturais, sociais etc dos alunos e pro-fessores, todavia é possível identificar alguns que são comuns a cada um destes grupos (COLL & MIRAS, 1996).

Os alunos, por exemplo, esperam que o pro-fessor, em relação aos aspectos afetivos e re-lacionais, seja disponível, tenha uma atitude positiva, demonstre respeito etc. Ao mesmo tempo, vinculam a idéia de que ele tem, por um lado, a função de disciplinador, regulan-do e normatizando as relações e atividades em

sala de aula, e, por outro, uma função instru-tiva, devendo, para tanto, recorrer a explica-ções claras e pertinentes, mostrar domínio do conteúdo, capacidade para motivar os alunos, lidar com situações conflituosas etc. (COLL & MIRAS, 1996).

Já os professores percebem os alunos em fun-ção de aspectos que salientam a conformidade e o esforço destes diante do objetivo proposto para concretização da aprendizagem: “ain-da que esta dimensão receba denominações distintas, segundo os autores, os aspectos implicados são, em linhas gerais, os mesmos: atenção, participação, motivação, responsabi-lidade, interesse pelo trabalho, constância, res-peito às normas de relação com os colegas e com o professor...; em suma, assunção das re-gras do jogo definidas pela instituição escolar para alcançar seus objetivos” (COLL & MIRAS, 1996, p. 270).

Esse conjunto de representações cria uma ide-alização recíproca e gera expectativas que po-dem interferir no processo de aprendizagem. Considerando, em particular, o professor, é importante observar a interferência positiva ou negativa que essas representações/expec-tativas poderão ter no rendimento do aluno, pois, enquanto componente cognitivo, são elas que orientam as atitudes do professor. Desta forma, poderá predispô-lo a agir em re-lação a um determinado aluno ou turma, de forma favorável ou desfavorável, conforme tais expectativas sejam, respectivamente, positivas ou negativas.

Um professor, a partir de sua observação e do conhecimento prévio repassado por outros professores, pode, por exemplo, pelas infor-mações recebidas, construir a expectativa de que os alunos serão agressivos e indisciplina-dos, criando um estado emocional aversivo e, assim, agir agressiva e desinteressadamente com eles, ocorrendo, ao final, a confirmação daquelas expectativas: os alunos realmente são agressivos e indisciplinados. Essa situação parece demonstrar que há uma correspondên-cia precisa entre as expectativas geradas pelas representações e o contexto no qual se dá a aprendizagem. Mas será que é realmente as-sim que as coisas se dão ou elas se tornam as-sim?

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24Talvez seja possível olhar o exemplo dado sob outro prisma e, para tanto, precisamos supor que os alunos não são ou têm de ser assim, mas que as expectativas negativas predispuse-ram o professor a agir de uma forma que aca-bou por confirmá-las ou reforçá-las. Será que, se as expectativas tivessem sido reformuladas e, conseqüentemente, tivesse havido uma va-loração positiva, permitindo uma ação educa-tiva também positiva, os alunos agiriam de ou-tra forma, ou seja, com menos agressividade e indisciplina? Ou seja, cumpriu-se a expectativa (profecia) que já estava “escritas” ou, por ter sido “escrita” nos termos em que foi, se fez cumprir? Não é possível deixar de considerar essa outra possibilidade.

Qualquer que seja a resposta a esses questio-namentos, é importante sublinhar que as re-presentações, enquanto fatores cognitivos que orientam o componente emocional e compor-tamental das atitudes, portanto, que predis-põem a ação, especialmente a prática educa-tiva do professor, necessitam ser permanentes avaliadas para que, voluntária ou involuntaria-mente, especialmente quando negativas, não terminem por se concretizar, ou seja, funcio-nem como profecias que se auto-realizam e, assim, comprometam a aquisição e/ou o de-sempenho da aprendizagem (COLL & MIRAS, 1996; COLl et al. 2000).

aTiVidade 5 Numa escola, entre os professores, havia um consenso sobre determinado aluno, ou seja, todos o achavam um mau aluno: indisciplina-do e desinteressado. Diziam que ele era a me-lhor expressão do ditado pau que nasce torto, morre torto. Em todos os anos escolares, esse aluno, tem apresentado um mau desempe-nho. Discuta sobre a importância destas repre-sentações para favorecer, ou comprometer, o processo de aprendizagem deste aluno.

a inTeração ProFessor-aluno

Ao observar o processo ensino-aprendizagem, tem-se uma evidência óbvia, ou seja, que ele transcorre na estreita dependência da inte-ração professor-aluno, sendo inconcebível pensá-lo à margem desta. Portanto, não se

trata de questionar sobre a importância desta interação para a efetivação da aprendizagem, mas, de identificar suas características e como estas interferem na aprendizagem.

Um dos enfoques possíveis é aquele que abor-da o comportamento e os estilos do professor como um fator diretamente responsável pelo maior ou menor desempenho do aluno. Essa perspectiva é conhecida como a eficácia do-cente (COLL et al 2000; COLOMINA & ONRU-BIA & ROCHERA, 2004).

Medeley (apud Montero, 1996) aponta algu-mas características que definem o professor eficaz:

a) Possui traços ou características de perso-nalidade como liderança, prudência, coo-peração, responsabilidade, boa aparência, magnetismo pessoal etc;

b) Utiliza métodos eficazes, despertando

a curiosidade do aluno e favorecendo a compreensão do conteúdo;

c) Cria um ambiente de convívio adequado

na interação em sala-de-aula tanto do pro-fessor com os alunos como destes entre si;

d) Domina e utiliza um conjunto de compe-

tências e habilidades necessárias ao ensi-no (grau de conhecimento, formulação de questionamentos, clareza expositiva etc.).

Dando especial atenção ao comportamento instrutivo do professor, ou seja, aquele me-diante o qual desenvolve a atividade de ensino em sala de aula, Brophy e Good (apud COLL et al, 2000) sintetizaram algumas ações/atitudes que contribuem para a boa eficácia do docen-te:

a) Quantidade e ritmo de ensino - no contex-to de uma aula, é importante atentar para alguns fatores que envolvem todo ato de ensino: boa organização didática, fluidez no ritmo de transmissão do conteúdo, definição clara dos papéis e responsa-bilidades dos participantes, diversificação das tarefas e adequação destas ao nível de maturidade dos alunos, favorecimento da independência do aluno e, ao mesmo

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25tempo, quando a dependência se faz ne-cessária, o suporte as suas necessidades e dificuldades;

b) Agrupamento dos alunos - deve prevalecer

a realização de atividades que envolvam todo o grupo ou pequenos grupos, sendo que, neste último caso, é importante ob-servar as especificidades que emergem nos vários agrupamentos, o que exige maior planejamento e controle das atividades.

c) Fornecimento das Informações - a estrutu-

ração e a seqüenciação dos conteúdos de-vem permitir uma visão global do tópico em discussão e, ao mesmo tempo, evidenciar a relação entre os subtópicos constituintes. Concomitantemente, é preciso uma apre-sentação entusiástica que prime pela cla-reza (exemplificação, demonstração, ana-logias etc.) e, quando necessário, recorra à revisão, para que o conteúdo abordado seja recapitulado.

d) Formulação de Perguntas / Reação as Res-

postas - as perguntas devem ser formuladas num nível de dificuldade condizente com a maturidade cognitiva dos alunos, permitindo algumnívelde resposta.É importantequeas perguntas sejam claramente formuladas, ou seja, evitem ambigüidades, e todos os alunos sejam estimulados a respondê-las ou participar da formulação das respostas. Uma vez que as respostas são emitidas, devem ser recebidas com demonstração de interesse e respeito. Quando a resposta for incorreta, é preciso insistir na formulação da correta ou, diante da impossibilidade de sua ocorrência, explicitá-la e explicá-la claramente. É igual-mente importante valorizar e articular os co-mentários relevantes à pergunta.

e) Estabelecimento de Tarefas Independentes

(realizadas em sala de aula ou em casa) - essas atividades devem permitir ao aluno o exercício e a prática e, para tanto, é preci-so que sejam interessantes, diversificadas e instigadoras da curiosidade. Devem ser pre-viamente explicadas e exemplificadas, mos-trando-se a disponibilidade para auxiliar na resolução destas e, se necessário, proceder à retomada ou complementação das informa-ções.

f) Adequação ao Contexto de Ensino - é preci-so considerar a adequação da atividade ao nível de escolaridade do aluno e a caracte-rísticas como condição sócio-econômica, an-siedade, vida afetiva, motivação etc. Confor-me a avaliação destas, ocorre uma postura de maior ou menor controle e estruturação da situação de aula.

Esse conjunto de recomendações contribui para um ensino eficaz e, como tal, deve ser considerado, todavia, numa perspectiva atu-al, a interação professor-aluno é vista como permeada por um conjunto de outros fatores (contextuais, situacionais, cognitivos, sociais, intrapsíquicos, interpsicológicos etc.), o que impossibilita eleger o comportamento do pro-fessor, em seu grau de maior ou menor eficá-cia, como o único ou mais importante fator que determina a aprendizagem (ou não) do aluno.

A aprendizagem é uma interação na qual a efi-cácia do docente deve ser valorizada, mas sem que se deixe de valorizar o intercâmbio entre o conhecimento do professor e o conhecimento do aluno. Assim, gradativamente, o professor deve fortalecer o controle do aluno sobre sua aprendizagem, o que significa, por um lado, torná-lo o mais independente possível e, por outro, lhe permitir autonomia para construir seu conhecimento e realizar sua aprendizagem (COLOMINA & ONRUBIA & ROCHERA, 2004).

O professor, considerando as condições sócio-culturais nas quais ocorre o processo de apren-dizagem, deve mediar a relação do aluno com os conteúdos do ensino, permitindo que ele, em função de suas condições cognitivas, seja o agente da construção de seu conhecimento. O professor verdadeiramente eficaz é aquele que, numa interação discursiva com o aluno, favorece o intercâmbio e o partilhamento de conceitos, especialmente daqueles relaciona-dos ao objetivo educacional proposto, como por exemplo, objetivos propostos na disciplina de ciências.

aTiVidade 6 Analisando sua história de vida, particularmen-te a educacional, reflita e caracterize seu con-texto de aprendizagem em função da relação

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26professor-aluno: os seus professores assumiam uma postura de eficácia? Atendiam aquelas características mencionadas?

A INTERAÇÃO ALUNO-ALUNO

Será que a relação entre os alunos em sala de aula é um fator que favorece ou compromete o processo de aprendizagem? Esse questiona-mento só é pertinente quando se imagi-na a sala de aula como um templo em que o professor, andando de um lado para o outro, numa postura sacerdotal - severa e ameaçado-ra - faz o silêncio e a individualização se sobre-porem ao diálogo e à interatividade. Fora des-ta perspectiva, não há como negar o valor da interação aluno-aluno para o desenvolvimento da aprendizagem.

A observação da relação entre os alunos per-mite estabelecer as seguintes estruturas de in-teração (COLOMINA & ONRUBINA, 2004):

a) Cooperativa: as metas são convergentes, o que determina que um aluno só alcançará a sua, se o outro também alcançar.

b) Competitiva: as metas são divergentes, o

que determina que um aluno só alcançará a sua, se o outro não alcançar a dele.

c) Individualista: as metas são independen-

tes, o que determina que um aluno pode alcançar a sua, tendo o outro alcançado ou não a dele.

Em geral, observa-se que a estrutura coopera-tiva, no contexto da aprendizagem, favorece os seguintes aspectos: o processo de sociali-zação mediante o desenvolvimento dos papéis sociais em seus aspectos comunicativos, agres-sivos, cooperativos e defensivos; a aquisição de competências sociais, especialmente quanto a uma postura mais extrovertida; vivência e aqui-sição de mecanismos que regulam e contro-lam os impulsos agressivos; distanciamento de uma posição egocêntrica, adquirindo a capaci-dade de relativizar seu ponto de vista em fun-ção do outro; e o incremento de aspirações e do rendimento, estimulando a aprendizagem em curso e o incremento de novas aprendiza-gens (COLL & COLOMINA, 1996).

Neste contexto, o “professor aparece como essencial para a produtividade e efetividade do trabalho cooperativo entre alunos e para a atualização de suas contribuições potenciais para a aprendizagem que estes realizam nas si-tuações de sala de aula” (COLOMINA & ONRU-BINA, 2004, p. 292). Assim, deve estar atento a alguns aspectos que emergem e constituem esta interação, dentre os quais citamos:

• Aestimulaçãodosconflitoscognitivosde-correntes da confrontação dos diversos pontos de vista colocados em questão pelo grupo, os quais, gerando controvérsias conceituais, enriquecem a aprendizagem. Essas controvérsias se caracterizam como momentos para firmar, formular ou reformular o conhecimento. Mas é im-portante que o professor não deixe esses conflitos insolúveis, pois assim pode de-sestimular a aprendizagem, uma vez que o conflito é desvirtuado de seu caráter posi-tivo.

• O favorecimento damediação discursiva,

ou seja, da atividade comunicativa como mecanismo de desenvolvimento da apren-dizagem e regulação da relação entre os membrosdogrupo.Épelalinguagemqueos alunos vão expressando suas concep-ções e, ao mesmo tempo, estruturando a situação no que se refere aos papéis e à colaboraçãodecadaum.É,também,pelalinguagem que o conhecimento é co-cons-truído.

• O estabelecimento de atividades que re-

almente se caracterizem como tarefas de grupo, ou seja, aquelas cuja solução im-põem certa colaboração de todos os par-ticipantes. Sendo importante observar que os recursos exigidos para a solução da ta-refa – habilidades, informações, conheci-mento de mundo etc. – não deve ser do domínio de um único aluno, para que se estimule a troca em torno desses recursos. Ao professor, também cabe especificar e detalhar o processo de resolução da tarefa.

Finalmente, é importante salientar que a estru-tura competitiva e a individualista, conforme o objetivo da aprendizagem, podem favore-cer a aprendizagem. Não se trata, portanto,

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27de escolher uma estrutura de interação, mas, de adequar a turma, conforme o momento de aprendizagem, ao tipo de estrutura mais ade-quado, embora a cooperativa, pelos aspectos levantados, deve ser prevalente.

aTiVidade 7Observe a seguinte afirmação: “Vivemos num mundo competitivo: tem mais quem pode mais. A escola não pode se desvincular destas que são as características do mundo moderno, ou seja, a competitividade e o individualismo. Portanto, os alunos devem aprender num con-texto que reforce tais posturas. As aulas devem funcionar mediante atividades de grupo que incrementem a competitividade e o individua-lismo”. Você concorda ou discorda dessa afir-mação? Justifique sua escolha.

conclusão

Toda a discussão precedente buscou propiciar uma visão geral de alguns dos aspectos que in-fluenciam o processo de aprendizagem. Trata-se, portanto, de uma temática ampla, e que, certamente, não poderia e não foi esgotada. Outros aspectos como, por exemplo, os estilos de ensino ou as condições de privação socioe-conômica, dentre tantos outros, poderiam ser abordados, e também seriam de extrema rele-vância para refletir a complexidade do proces-so de aprendizagem. Mesmo estes que foram aqui considerados poderiam ser mais aprofun-dados e articulados com outros.

Desta forma, é pertinente esclarecer que o pre-sente fascículo é um ponto de partida para o estudo das variáveis que intervêm no processo de aprendizagem e não, uma explanação con-clusiva, ou seja, que o aluno, ao invés de dar por encerrada uma discussão tão complexa, considere-a apenas iniciada.

reFerÊncias

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28MONTERO, M.L. Comportamento do profes-sor e resultados da aprendizagem: análise de algumas relações. In: COLL, C. & PALACIOS, J. & MARCHESI, Á. (org.). Desenvolvimento psi-cológico e educação – Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1996.

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a concePção BeHaViorisTa da aPrendizagem

Prof. Carlos Alberto Domingues do Nascimento Carga horária I 10hProfa. Charmênia Maria Braga Cartaxo

oBJeTiVos esPecÍFicos

• Distinguir as concepções behavioristasde aprendizagem: o condicionamento respondente e condicionamento ope-rante.

• Explicar os princípios e conceitos queorientam o processo de aprendizagem no condicionamento operante.

• Discutir a aplicabilidade da aprendiza-gem por condicionamento operante no contexto da prática educacional.

inTrodução

Neste fascículo e nos seguintes, o IV e o V, discutiremos algumas das mais relevan-tes teorias de aprendizagem – o condicio-namento operante, o construtivismo e o sócio-construtivismo - segundo seus prin-cipais teóricos, respectivamente, Skinner, Piaget e Vygotsky. Para tanto, buscaremos apresentar os princípios e conceitos que as fundamentam e relacioná-las ao processo de aprendizagem.

O behaviorismo pode ser subdividido em dois tipos: o respondente, no qual Ivan Pa-vlov (1849-1936) é o principal teórico, e o operante, em que Burrhus Skinner (1904-1990) é, reconhecidamente, o expoente. O condicionamento clássico, por suas limita-ções teórico-práticas, tem um uso limita-

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30do, principalmente no âmbito da educação; já o operante tornou-se um modelo de grande aplicabilidade, tendo, ainda hoje, grande influ-ência na definição do conceito e das estraté-gias de ensino-aprendizagem.

o condicionamenTo resPondenTe

Observando as ações humanas, constatamos um tipo de comportamento, denominado comportamento respondente, o qual corres-ponde a uma resposta específica que é elidida a partir de certo estímulo específico oriundo do ambiente. A presença do estímulo (E) pode desencadear, automaticamente, a resposta (R).

A salivação, considerando-se um estado de fome, é eliciada pela percepção do alimento. Desta forma, diremos que a salivação é uma resposta reflexa ou um comportamento res-pondente e, portanto, específica de um estí-mulo que também lhe é específico, o alimento, já que outros, por exemplo, o acender de uma lâmpada ou o toque de uma música são inca-pazes de produzi-la. Guardam, entre si, uma relação necessária. O mesmo se dá na vincula-ção entre a resposta de piscar os olhos diante de uma luz intensa e da flexão do joelho em face de um toque físico com certa intensidade. Uma e outra são respostas específicas elididas por estímulos específicos, respectivamente, a luz e o toque físico. Tal qual se observa na sa-livação, o estímulo e a resposta também man-têm uma relação necessária.

Pavlov, fisiologista russo, durante seus estudos sobre a ativação dos processos digestivos com cães, especialmente quanto à secreção da sa-liva na boca e do suco gástrico no estômago, demonstrou que é possível transformar um comportamento respondente numa resposta aprendida.

Observou, então, que a resposta de salivação do animal, elidida quando tinha a visão/chei-ro/gosto do alimento e que chamaremos de resposta incondicionada, podia se transformar numa resposta condicionada, ou seja, ser emi-tida diante de um estímulo inespecífico. Para tanto, o estímulo específico que a produzia, o estímulo incondicionado, no caso, o alimento, era associado a outro inicialmente neutro, por

exemplo, o toque de um sino, que denomina-remos de estímulo condicionado.

O processo de condicionamento ocorria quan-do, ao mesmo tempo em que se apresentava a comida, também se apresentava o toque do sino, até então um estímulo neutro, criando uma conexão entre ambos. Desta forma, o cão salivava tanto ao perceber o alimento (estímu-lo incondicionado) e, também, quando escuta-va o toque do sino (estímulo condicionado). A salivação, inicialmente uma resposta incondi-cionada, ou seja, reflexa, transforma-se numa resposta condicionada, sendo sua emissão provocada por um estímulo até então inespe-cífico, o toque do sino. Nestas circunstâncias, a emissão da resposta de salivação, dada uma nova associação estímulo-resposta, torna-se aprendida: Toque do Sino (E) Salivação (R). Esquematizando esse processo, teríamos as seguintes etapas:

O exemplo colocado considerou o toque de um sino, mas este poderia ser substituído por qualquer outro estímulo neutro, por exemplo, uma luz amarela ou vermelha, uma música, uma determinada pessoa etc. Havendo a as-sociação de qualquer um deles ao estímulo in-condicionado, poderiam ser transformados em estímulos condicionados e produzir a salivação como uma resposta condicionada. O princípio de aprendizagem sobre o qual se fundamenta essa descoberta de Pavlov pode ser enunciado assim: “Se um estímulo neutro for pareado em um certo número de vezes a um estímulo eli-ciador, este estímulo, previamente neutro, irá evocar a mesma espécie de resposta” (KELLER, 1973, p.12).

Segundo a terminologia de Pavlov, adotada pelo behaviorismo, o estímulo incondiciona-do é um reforço, ou seja, é o elemento que

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31fortalece a conexão entre o estímulo incondi-cionado e a resposta. Mas a aplicação deste reforço não pode ser aleatória. O toque do sino, ou qualquer outro estímulo neutro (luz, figura etc.), para se transformar num estímulo condicionado, deve, quando aplicado, permi-tir que se evidencie e estabeleça a sua relação com o estímulo incondicionado (alimento), pois, se assim não for, a conexão entre ambos não será reforçada, impossibilitando a mudan-ça da resposta reflexa para uma condicionada (aprendida). Desta forma, o estímulo neutro só se tornará condicionado ao ser simultânea ou contigüamente pareado ao incondicionado, sendo o intervalo de tempo entre ambos um fator determinante para que haja o condicio-namento da resposta. Ao mesmo tempo, ob-serva-se, em geral, que uma única situação de pareamento é insuficiente, sendo necessário a repetição de várias, até que seja consolidada a conexão entre o estímulo condicionado e a resposta.

Pavlov fundamenta sua análise da aprendiza-gem através de experimentos com animais, mas, como demonstraram John B. Watson e Rosalie Rayner (apud NEY, 2002), é possível transpô-la e aplicá-la a seres humanos:

Eles [Watson e Rayner] condicionaram um bebê de 11 meses, chamado Albert a ter medo de um rato branco ao repetidamente apre-sentarem o rato no mesmo momento em que criavam um barulho alto (ao bater um martelo contra uma barra de aço). Eles sabiam de an-temão, por meio de testes, que o barulho alto evocava uma reação de medo (um compor-tamento respondente) de Albert. Assim, pela combinação do barulho alto e o rato branco (para o qual o menino inicialmente não de-monstrou nenhum medo), o rato finalmente veio trazer respostas de medo (p. 58-59).

O condicionamento respondente, como se observa, é um tipo de aprendizagem aplicável aos seres humanos: mediante o reforçamento, também é possível transformar suas respostas incondicionadas (reação de medo ao barulho) em condicionadas (reação de medo ao rato branco). Este tipo de aprendizagem, nesta concepção, estaria na base dos processos atra-vés dos quais é constituído o repertório dos

comportamentos humanos de caráter emocio-nal: medo, raiva, alegria, euforia, tristeza etc.

Fizemos uma breve síntese do condicionamen-to respondente, a qual, a primeira vista, sugere que este tipo de aprendizagem tem condições de explicar a variedade dos comportamentos humanos aprendidos. Todavia, um olhar mais cuidadoso, revela que este é bastante limitado. Épossívelfazerocachorrosalivarcomotoquedo sino, uma luz ou uma música, mas sem-pre o faremos salivar; também é possível fazer Albert ter uma reação de medo a um rato, a um pássaro ou a um elefante, mas sempre o faremos ter uma reação de medo. O condi-cionamento respondente limita-se a criar uma nova situação de estimulação na qual uma mesma resposta reflexa, já existente no orga-nismo – salivação / reação de medo, segundo nossos exemplos -, é produzida, ou melhor, é reproduzida. Muda-se o estímulo condiciona-do, mas permanece a resposta condicionada. Temos, então, um tipo de aprendizagem cujo poder de aplicação é intrinsecamente limitado, especialmente para a explicação da aquisição dos comportamentos que não sejam reflexos, por exemplo, dirigir um automóvel, aprender uma língua, realizar hábitos de higiene etc. O condicionamento operante supera essa limita-ção teórica.

aTiVidade 1Observe a seguinte situação: João foi ao circo com seu pai e viu os cachorros pulando por dentro de arcos e os o macacos dançando valsa um com o outro. Ele perguntou ao pai: como eles fazem isso? Os cachorros nascem sabendo pular por dentro de arcos e os ma-cacos dançando? Considerando o condiciona-mento respondente, formule uma explicação que permita ao pai de João dizer-lhe como se dão tais ocorrências.

o condicionamenTo oPeranTe

John Watson, com a publicação do seu livro Psychology from the Standpoint of a Behavio-rist (1919), nos Estados Unidos, institui a idéia de que a Psicologia deve, por um lado, relevar uma abordagem mentalista com explicações

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32obscuras orientadas pela suposição de estados internos (pensamentos e sentimentos) e, por outro, desconsiderar o determinismo genético. É na relação do organismo com o ambienteque encontramos o objeto de estudo da psi-cologia: o comportamento. Portanto, seu foco de estudo é o comportamento observável e sua descrição em função da relação que man-tém com o ambiente. Segundo o autor, obser-vando-se como o ambiente intervém sobre o comportamento, podemos, manipulando este ambiente, moldar a aprendizagem das ações e reações dos indivíduos: diz-me o ambiente que tens que, controlando-o, te direi quem és: se médico, músico, advogado ladrão, etc. Uma idéia bastante questionável e perigosa, mas era assim que pensava Watson.

Skinner, diferentemente Watson, considerou a existência e a importância de fatores como os estados intermos (pensamentos e sentimen-tos) e a herança genética para a determinação do comportamento, todavia, como aquele, afirma ser desnecessário considerá-los para ex-plicar o comportamento humano. Adotando uma perspectiva ambientalista e determinista, também enfatizou que o comportamento hu-mano, interno (pensamentos e sentimentos) ou externo (verbal e motor), deve ser explicado em função da aprendizagem, e esta, por sua vez, enquanto efeito da interferência do con-texto ambiental.

São as condições ambientais, imediatas ou presentes na história de vida de cada um, que permitem compreender o comportamento de um indivíduo ou coletividade e, se necessário, pela manipulação delas, modificá-lo. O condi-cionamento operante, tal qual formulado nos estudos de Skinner, seu principal teórico, é, em última instância, a descrição e a explicação de como o ambiente – pais, professores, amigos, escola, cultura, Estado etc – condiciona e de-termina o comportamento humano.

O termo operante que, segundo o dicionário, significa a ação de um poder ou faculdade de que resulta certo efeito, traduz a diferença es-sencial entre o condicionamento respondente e o condicionamento operante. No primeiro, vimos, temos um estímulo, o estímulo incon-dicionado, que precede e desencadeia (elide) a resposta. O organismo, um indivíduo qual-

quer, seja ele um cão ou um ser humano, é passivo, pois a resposta é um ato reflexo com o qual nascemos (inato) e adquirido através da herança filo e ontogenética (hereditariedade individual e da espécie). No segundo, diferen-temente deste outro, o comportamento é re-sultante da ação, da atividade, da operação, do organismo sobre o ambiente, ou seja, são aquelas respostas que ele cria, de forma autô-noma ou por indução, ao explorar ativamen-te o ambiente, por exemplo, a criança que, curiosa, tenta mexer na tomada de energia ou, ensinada pela mãe ou qualquer outra pessoa, emite palavras como mamãe ou papai:

Operantes são as respostas que não podem ser classificadas como respondentes. Um operante é uma resposta que ocorre espontaneamente, sem ter sido desencadeada por um estímulo incondicionado. Por exemplo, ao estendermos as pernas, ao levantarmos as mãos ou mexer-mo-nos, quando sentados numa cadeira, não existem estímulos incondicionados que auto-maticamente desencadeiem estas respostas (SPRINTHALL & SPRINTHALL, 1990, p.227).

Mas qual será o papel do ambiente diante da resposta emitida pelo organismo? Segundo Skinner, cabe ao ambiente propiciar o reforço da resposta. E o que é, segundo ele, o refor-ço?Éoestímuloque,subseqüenteàemissãoda resposta, aumenta a probabilidade de sua ocorrência ou de alguma que lhe seja similar. Temos, então, uma resposta (R) que leva a um estímulo reforçador (ER):

Essa relação reflete, no âmbito da aprendiza-gem, tanto o papel ativo do organismo, pois é este que ao operar sobre o ambiente cria a resposta, como também o caráter determinan-te deste ambiente, uma vez que os reforços que propicia definem quais respostas serão integradas ao comportamento do indivíduo. Evidentemente que o estabelecimento desta conexão exige a repetição da situação de re-forçamento, pois a aprendizagem, na maioria das vezes, não se consolida com uma única ocorrência de reforçamento. Por outro lado, é este reforço, ou melhor, sua busca, que irá desencadear a repetição da resposta. Postula-

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33se, em tese, que o comportamento individual seja a expressão dos reforços ambientais. Para exemplificar esse processo, recorramos a uma situação hipotética, como a descrita abaixo:

1- Uma criança, operando sobre o ambiente, ou seja, brincando com sua boneca, seu chocalho, seu travesseiro e sua mãe, diz, olhando para os objetos, o som mã.

2- No momento em que olha para a mãe e

emite este som, recebe, quase que imedia-tamente, um sorriso, afagos e palmas. Ad-mitamos que a situação aconteça algumas tantas vezes.

3- Quando a criança vê a mãe, imediatamen-

te emite o som mã, parecendo esperar que esta lhe sorria, faça afagos e bata palmas.

Cada um destes momentos pode ser analisado teoricamente:

1- A criança é um organismo que, operando ativamente sobre o ambiente, cria e emite respostas motoras e verbais que, no caso, nomeiam ou podem servir para nomear objetos. Essas respostas são voluntárias e espontâneas, portanto, diferentes das re-flexas que são involuntárias e automáticas.

2- A mãe, que é parte do ambiente, produz

um conjunto de estímulos - sorriso, afago e palmas - que escolhe e reforça a resposta da criança, no caso, aquela relacionada à veiculação do som mã para nomear o ob-jeto mãe. Diríamos, então, que, como con-seqüência de sua resposta, a criança rece-be o reforço - um sorriso, afagos e palmas – fazendo a seguinte conexão operante: a nomeação do objeto mãe pelo som mã (R) leva ao recebimento (“) de sorriso, afagos e palmas (ER). Ressaltamos que o estímu-lo reforçador é subseqüente e imediato à produção da resposta pela criança, para que se efetive a conexão entre a resposta (R) e o estímulo reforçador (ER).

3- Na expectativa do reforço, a criança passa

a repetição da resposta aprendida: emite a resposta nomeação do objeto mãe pelo som mã (R) para receber, do ambiente, o estímulo reforçador (RE), ou seja, o sorri-

so, os afagos e as palmas. Há, portanto, a aprendizagem de um novo comporta-mento, nomeação do objeto mãe, que é integrado ao comportamento lingüístico da criança.

Esse exemplo, como qualquer processo de condicionamento operante, pode ser siste-matizado, segundo um conjunto de etapas: a) a emissão de uma resposta operante, b) a apresentação de um estímulo reforçador c) o aumento da probabilidade da ocorrência da resposta (SPRINTHALL & SPRINTHALL, 1990; CARRARA, 2004). Observemos, ainda, que, no condicionamento operante, a relação entre a resposta e o estímulo reforçador é con-tingente, definida conforme o objetivo da situa-ção de aprendizagem. Esta condição de contin-gência configura uma relação resposta-estímulo para esse tipo de aprendizagem, portanto, diferente daquela do respondente, cuja espe-cificidade impõe a relação estímulo-resposta.

Os reforços emitidos pelo ambiente, segun-do Skinner, podem ser subdivididos em posi-tivos e negativos. É importante salientar queesta caracterização independe da percepção emocional que o organismo tem do reforço, ou seja, deste lhe ser satisfatório ou insatisfa-tório, para refletir, apenas, a conseqüência de seu efeito sobre a resposta tal qual desejado pelo ambiente, ou seja, o fortalecimento ou o enfraquecimento desta resposta (comporta-mento) (KELLER, 1973; NYE, 2002; CARRARA, 2004). Enquanto um reforço positivo fortalece a resposta que o produz, o negativo é aquele cuja apresentação enfraquece a resposta que o produz e fortalece a resposta que o remove. Desta forma, um e outro tipo pode ser per-cebido como satisfatório ou insatisfatório, va-lendo para ambos a definição anteriormente fornecida: são estímulos que aumentam a pro-babilidade de uma resposta:

Algo não pode ser considerado um reforço po-sitivo, ou um reforço negativo (estímulo aver-sivo), até que seus efeitos tenham sido obser-vados. Antes de chamar algo de um reforço positivo, precisamos determinar se a sua adição aumentou a probabilidade de uma resposta; para um reforço negativo, a sua remoção pre-cisa ser observada para aumentar a probabili-dade de resposta. Esse tipo de especificidade

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34explícita previne confusão, quando estivermos tentando prever e controlar o comportamento (NYE, 2002, p. 64). Vejamos, segundo os exemplo abaixo, as pos-sibilidades de reforçamento positivo e negati-vo:

a) O professor, após a resolução do exercício, gratifica os alunos, fazendo-lhes elogios e promete um ponto para a próxima pro-va. Nas aulas seguintes, vemos os alunos empenhados em realizar novos exercícios. Dizemos que houve um reforçamento po-sitivo, uma vez que os elogios e a promes-sa de pontuação fortaleceram a resposta que o produz: realização de exercícios. E o reforço é satisfatório.

b) Uma professora, após a resolução do exer-

cício, que os alunos fizeram com bastante empenho, ameaça-os dizendo-lhes que a prova será bastante difícil. Nas aulas se-guintes, vemos os alunos ainda mais em-penhados em realizar os exercícios. Houve um reforçamento positivo, pois fortaleceu a resposta que o produz: realização de exercícios, embora o reforço seja insatisfa-tório.

c) A turma mostra-se bastante atenta ao

conteúdo. O professor, pensando em re-forçar esse comportamento, informa que a nota de avaliação será uma auto-avaliação. Aos poucos, observa um comportamento dispersão: os alunos conversam e faltam as aulas. A auto-avaliação foi um refor-çamento negativo, pois sua apresentação levou ao enfraquecimento da resposta que o produz – comportamento de atenção - e fortalecimento de outra que a remove: o comportamento de dispersão, embora o reforço seja satisfatório.

d) Os alunos, brincando e conversando, mos-

tram-se relapsos diante dos exercícios. O professor emite uma ameaça: tirará pontos de quem não fizer o exercício e avisa que a próxima prova, se a situação continuar como tal, será a mais difícil do ano. Os alu-nos passam a realizar os exercícios. A ame-aça foi um reforçamento negativo, pois sua apresentação levou ao enfraquecimento da

resposta que o produz - desatenção na re-alização dos exercícios fortalecimento – e ao fortalecimento daquela que o remove – dedicação à realização dos exercícios. E o reforço é insatisfatório.

Os reforços também podem ser tipificados em primários e secundários. No primeiro caso, temos aqueles que naturalmente aumentam a probabilidade de uma resposta, como, por exemplo, o alimento numa situação fome ou a bebida numa de sede. A merenda escolar, por exemplo, funcionaria, muitas vezes, como um reforço primário. Já os reforços secundários são os estímulos que, no contexto da apren-dizagem social, adquiriram a capacidade de aumentar a probabilidade de uma resposta, por exemplo, as notas escolares e os elogios ou repreensões do professor. Em geral, suge-re-se que os reforços secundários guardariam, em sua origem, algum tipo de relação com os primários. As notas escolares, por exemplo, são reforçadores secundários porque, grada-tivamente, levam a uma profissão, e esta, ao dinheiro que permite a satisfação de necessi-dades básicas, como a fome e a sede (reforços primários).

Uma outra distinção relevante, esta sim rela-cionada ao caráter satisfatório e insatisfatório do reforço para o organismo, é sua tipificação enquanto uma recompensa (prêmio) ou pu-nição (castigo). Quando um pai, reforçando o comportamento de seu filho para que esta estude, oferece um certo brinquedo, dizemos que está utilizando uma recompensa. O mes-mo ocorre quando o professor, em aula, tece elogios públicos ao desempenho de um ado-lescente, demonstra-lhe atenção, aprovação e afeição. Em ambas as situações, a emissão da resposta e sua manutenção, tanto pela criança como pelo adolescente, são reforçadas, pelo pai e pelo professor, respectivamente, a partir de uma estimulação gratificante. Esse estado de satisfação associado ao reforçamento ca-racteriza-o como uma recompensa.

Contrariamente, teremos a punição em situa-ções nas quais, por exemplo, o pai proíba o filho, por não querer estudar, de assistir ao seu filme predileto na TV ou o professor suspenda o aluno que insiste em conversar e bagunçar em sala. Com a criança, a punição ocorreu

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35pela remoção do reforço positivo – assistir ao filme - e com o adolescente pela apresentação de um reforço negativo: suspensão das aulas. Em ambas, observamos o reforçamento como uma estimulação geradora de insatisfação, daí o seu caráter punitivo. Todavia, é preciso uma certa precaução na utilização deste tipo de reforço. Considerando o adolescente men-cionado, poderíamos supor que, se ele tivesse uma certa repulsa ao estudo, poderia perceber a suspensão aplicada pelo professor como gra-tificante e, portanto, como um reforço positivo a sua indisciplina. Nas próximas aulas, pode-ria conversar ainda mais para, novamente, ser suspenso, ou até mesmo, expulso da escola. Os behavioristas, em geral, se opõem ao uso do reforço punitivo.

Para uma melhor compreensão do processo de condicionamento operante, abordemos al-guns conceitos que esclarecem a utilização do reforçamento:

Estratégias de reforçamento - podemos aplicar o reforço de forma contínua ou intermitente-mente. No primeiro caso, sempre que a res-posta é emitida, temos a aplicação do reforço. Um exemplo seria a situação na qual, todo dia, ao iniciar a aula, a professora elogia os alunos pontuais e critica os atrasados. No segundo caso, temos a aplicação do reforço, segundo um intervalo de tempo entre as respostas emi-tidas – o professor, quinzenalmente, faz consi-derações positivas e negativas sobre a discipli-na da turma - ou uma razão entre o número de respostas dadas – durante a realização de um exercício, a cada três acertos do aluno, o professor atribui uma pontuação. A definição de uma estratégia de reforçamento é impor-tante, pois, através de um programa previa-mente estabelecido de reforços, asseguramos tanto a aprendizagem de um comportamento como também a sua manutenção.

Generalização - quando uma resposta é con-dicionada diante de um certo estímulo, é possível que um outro estímulo, para o qual não houve o condicionamento, mas que lhe é semelhante, provoque a evocação da mesma resposta. Para exemplificar, imaginemos um aluno que tenha o comportamento de pontu-alidade reforçado por determinado professor. Épossívelqueessarespostanãofiquerestrita

a este professor e a esta disciplina, mas se es-tenda a todos os professores e todas as disci-plinas.Épossível, inclusive,postularqueessapontualidade se estenda a todas as atividades acadêmicas que realiza. E mais ainda: a todas as suas atividades profissionais futuras. Assim sendo, teríamos uma generalização da respos-ta, mostrando que a aprendizagem de uma determinada resposta pode ser estendida para uma classe de estímulos, desde que estes guar-dem uma assemelhamento. Portanto, em ge-ral, o reforçamento não se dá de uma resposta para um estímulo, mas, de uma resposta para uma classe de estímulos. Sem a generalização, o ato de aprender seria intenso, redundante e exaustivo.

Discriminação - o reforçamento de uma res-posta pressupõe a diferenciação dos estímulos para as quais ocorre e das condições operati-vas nas quais se dá essa ocorrência, evitando-se, assim, uma generalização indevida. Diante da conversa dos alunos em sala de aula, por exemplo, o professor, ao querer condicionar a resposta de silêncio, deveria reforçar, de forma precisa e clara, o comportamento desejado, ou seja, positivamente, o silêncio e, negativamen-te, a conversa. O uso impreciso do reforço, como no caso em que os alunos conversassem, e o professor fizesse uma brincadeira, impossi-bilitaria ao aluno discriminar o comportamen-to desejado. Por outro lado, o uso indiscrimi-nado de reforços para fortalecer a resposta de silêncio, sem discriminar quando esta é ou não adequada, poderia fazer o aluno ficar inibido, quando tivesse uma dúvida ou quando fosse realizar atividades em grupo. Essas situações evidenciariam uma generalização da resposta de silêncio a toda e qualquer situação de aula. Portanto, ao aplicar os reforços, o professor deveria discriminar, por um lado, o momen-to em que a interação verbal é procedente e necessária, por exemplo, numa atividade de grupo ou na aula, quando se trata de abordar o conteúdo, e, por outro, o tipo de interação verbal pertinente em aula, ou seja, quando serve a orientações, debates, esclarecimentos, sínteses etc. sobre o conteúdo abordado.

Modelagem - muitas vezes, a estruturação de uma resposta se dá por um reforçamento em estágios sucessivos, ou seja, diferenciam-se e discriminam-se as respostas próximas daque-

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36la desejada, as quais são reforçadas, até que, gradativamente, se chega àquela desejada. Portanto, começa-se com a variabilidade de comportamentos emitidos para, em seguida, reforçar aqueles intermediários ao comporta-mento desejado, até que, com aproximações sucessivas, o alcançamos. A seguinte descrição de Nye (2002) ilustra esse processo: “Conside-re-se a criança que está aprendendo a falar: de início qualquer aproximação a palavras é refor-çada; depois, o reforço não está mais disponí-vel para esse comportamento, e aproximações mais próximas são necessárias; por fim, apenas pronúncias relativamente exatas são reforça-das” (p.69).

Extinção - o processo de extinção de uma resposta já condicionada compreende a di-minuição da sua freqüência emissão ou sua completa eliminação. Para tanto, recorre-se à suspensão do reforço utilizado ou sua subs-tituição por outro negativo e punitivo.

Uma criança condicionada a dormir cedo, me-diante histórias e cantigas de ninar verbaliza-das pela mãe, poderá passar a dormir tarde, se tal reforço for suspenso. O aluno que chega atrasado à aula e, até então, é bem recebido pelo professor, portanto, tem sido reforçado positivamente, deixará de fazê-lo, se este mes-mo professor substituir o reforço por um nega-tivo: repreensões verbais públicas, proibições de participar da aula, realização de tarefas ex-traclasse etc.

Como vimos, a teoria do condicionamento, concebe que o comportamento humano pode ser descrito e analisado em função dos refor-ços a que estamos submetidos e pelos quais fomos condicionados. Em última instância, se-gundo a perspectiva behaviorista, o compor-tamento de indivíduos e grupos é resultante dos reforços, positivos e negativos, advindos do ambiente, seja este um outro indivíduo – pai, mãe, professor, amigo etc. – ou o contex-to sócio-cultural em seu sentido mais amplo e diverso: grupos de convívio, crenças religiosas, regras morais, normas jurídicas, hábitos e tra-dições culturais, mídia etc. Neste contexto, fica implícito e explícito que todo comportamento é aprendido em função da condição operante do sujeito sobre o meio e de como este, por reforços, o condiciona.

A aplicabilidade deste tipo de aprendizagem, segundo Nye (2002, p.56), abrange, dentre outras, as seguintes possibilidades: “(a) o de-sempenho de alunos (Skinner foi um pioneiro no desenvolvimento da instrução programa-da, máquinas de ensino e outras inovações educacionais); (b) o tratamento de crianças autistas, pessoas retardadas e psicóticas; (c) gerenciamento industrial; e (d) terapia beha-viorista para o comportamento problemático”. O primeiro item, que nos interessa diretamen-te, pressupõe que a escola e, mais especifica-mente, o professor, atue influenciando o com-portamento para aumentar as competências e habilidades do aluno. Para tanto, é preciso uma estratégia que, segundo autores como Sprinthall & Sprinthall (1990), Carrara, (2004) e José Del Rio (1996), atenda a alguns pressu-postos básicos:

a) Formulação de objetivos educacionais cla-ros, precisos, específicos e globais em ter-mos operacionais, para que tanto o pro-fessor como os alunos saibam quais são os comportamentos que devem ser atingidos;

b) Análise e avaliação da situação inicial do

aluno e do contexto de aprendizagem me-diante a observação, para estabelecer seu nível operante, ou seja, uma descrição do comportamento já existente em relação ao tema a ser abordado e do potencial efe-tivo de realização do mesmo pelo aluno. Trata-se de observar se ele tem ou não os pré-requisitos necessários para adqui-rir o conteúdo estabelecido dos objetivos propostos e o nível de seu conhecimento prévio;

c) Seqüenciamento do conteúdo e identifi-

cação das tarefas e seus subcomponentes para estabelecer aquelas que o aluno re-alizará. Neste momento, programa-se o tipo de interação que o professor deverá facilitar, os materiais que empregará e os tipos de instruções verbais adequadas à si-tuação;

d) Aplicação das estratégias de modificação

do comportamento mediante a aplicação dos reforços positivos e negativos estabele-cidosnoâmbitodastarefas.Éimprescindí-vel a aplicação consistente destes reforços,

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37ou seja, deverá ser dado após a resposta e quando esta efetivamente ocorrer. Esse re-forçamento considerará as respostas a se-rem adquiridas ou, sendo o caso, a serem extintas.

e) Avaliações freqüentes, parciais e globais

que permitam observar a consecução dos objetivos estipulados. Estas consideram tanto as aquisições dos alunos e, portan-to, a modificação do seu comportamento, como os procedimentos utilizados. Desta forma, torna-se necessário um permanen-te e detalhado registro do processo de en-sino-aprendizagem utilizado.

Esses pressupostos se encontram subjacentes às diversas técnicas de ensino-aprendizagem propostas no âmbito do condicionamento, dentre as quais, abordemos duas bastante co-nhecidas que são:

• Modelagem ou técnica de aproximações sucessivas - é uma estratégia que, partin-do de uma atividade já existente do aluno (conduta inicial), visa alcançar uma nova (objetivo terminal): o objetivo terminal é conseguido mediante o estabelecimento gradual de pequenos passos intermediá-rios ou aproximações sucessivas, que vão sendo reforçadas seletivamente, ao mes-mo tempo em que vão sendo extintos os subcomponentes de menor similitude, até a obtenção do referido objetivo terminal (JOSÉDELRIO,1996,p.39).Oserrossãopercebidos como avanços parciais e signi-ficativos, para que se alcance o objetivo terminal.

• Sistema de economia de fichas - trata-se

de um procedimento no qual o aluno rece-be fichas com determinada pontuação, as quais, à medida que as tarefas estipuladas são realizadas, podem ser trocadas por ob-jetos ou atividades gratificantes. Os pontos são acumulados diariamente e trocados semanalmente. Esse sistema apresenta as-pectos positivos, como a manutenção de uma taxa diária de resposta e a experiência deadiamentodagratificação.Énecessárioobservar que a utilização das fichas é um procedimento temporário, e sua retirada pode ocasionar a extinção do comporta-mento aprendido.

O behaviorismo, por sua visão mecanicista e determinista, tem recebido críticas diversas e questionamentos contundentes, como os se-guintes: Os objetivos estabelecidos pelo pro-fessor e pela escola representam os aspectos relevantes da realidade do aluno? O processo avaliativo, por sua ênfase no produto, a res-posta certa, não é limitadora da atividade ela-borativa do professor e do aluno? O condicio-namento, pelo seu caráter de automatismo, não estabelece, implicitamente, uma equiva-lência nociva entre memorização/acúmulo de informações e aprendizagem, portanto, de mera reprodução do conhecimento? Estes e outros questionamentos apontam os sérios li-mites desta concepção que, no Brasil, nos anos 60, com o advento da ditadura militar, insti-tuiu o chamado tecnicismo em nossa educa-ção (BEHENS, 2005; FRANCISCO FILHO, 2005). Uma herança vigorosa e ainda presente, prin-cipalmente no âmbito do ensino público.

aTiVidade 2Observe as seguintes descrições de respostas presentes em nossa vida diária: dirigindo o car-ro, paramos quando vemos um sinal verme-lho; no banco, por mais pressa que tenhamos, evitamos furar a fila; no restaurante, mesmo que tenhamos vontade, evitamos comer com as mãos. Explique essas respostas, consideran-do o condicionamento operante.

aTiVidade 3Observe a seguinte descrição: “João, de 7 anos, estava numa loja de brinquedos. Que-ria um carrinho, mas sua mãe, por não ter condições, disse que não compraria. João comportou-se de forma mal-criada: chorou, xingou e gritou com ela. Ao chegar em casa, a mãe, por estar com muita raiva, preferiu não abordar o acontecido, mas, dias depois, para que ele não repetisse o comportamento de mal-criação, conversou com ele e o colocou de castigo: ficou sem ver televisão por um dia. Semanas depois, indo à mesma loja, diante de um novo brinquedo, que a mãe também não comprou, João novamente foi mal-criado com ela: chorou, xingou e gritou”. Considerando os fundamentos teóricos do behaviorismo tal qual apresentados, explique o ocorrido, es-

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38pecialmente o fato de João ter permanecido com o comportamento de mal-criação. O que deu errado? Recorrendo ao condicionamento, como daria certo?

aTiVidade 4

O aluno, sem estudar os conteúdos ministra-dos pelo professor, tira sucessivas notas baixas. Num certo momento, para não ser reprovado, passa a estudar com afinco. Nas avaliações se-guintes vai, gradativamente, melhorando suas notas e passa de ano. Explique essa situação recorrendo à teoria do condicionamento?

conclusão

Os conceitos apresentados e a análise reali-zada demonstram que a aprendizagem, en-quanto conexão de uma resposta a um es-tímulo reforçador é, apenas, aparentemente, um procedimento simples. Ao utilizar o re-forçamento, é preciso fazê-lo em função de alguns questionamentos e decisões norteado-res, como por exemplo: Qual tipo de reforço é mais adequado e como deverá ser utilizado? Que estratégia de reforçamento usar: contí-nua ou intermitente? Qual a possibilidade de generalização da resposta? Esses ques-tionamentos, dentre muitos outros possíveis, demonstram que, como todo processo de aprendizagem, o condicionamento operante exige planejamento e preparo teórico-prático do docente.

Desvinculado deste rigor, corre-se o risco de apreender o condicionamento, segundo as crenças divulgadas pelo senso comum, que geralmente o confunde com uma simples oferta de prêmios ou castigos aos alunos, e que, ao final, tem como resultado a simpló-ria e vazia caracterização do professor como amigo ou severo. Para ir além e usar o condi-cionamento operante, caso se faça a opção por seu uso, no que pese as críticas que esta concepção recebe, é preciso reconhecer sua complexidade e usá-lo conforme seus funda-mentos teóricos. Dessa forma, apenas, fun-cionará como uma real estratégia de apren-dizagem.

reFerÊncias

BEHRENS, M.A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

CARRARA, K. Behaviorismo, Análise do Com-portamento e Educação. In: CARRARA, K. (org.). Introdução à Psicologia da Educação: seis abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004.

FRANCISCO FILHO, G. A psicologia no contex-to educacional. Campinas, SP: Átomo, 2005.

GOULART, I.B. Psicologia da Educação: funda-mentos teóricos e práticos à prática pedagógi-ca. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

JOSÉ DEL RIO, M. Comportamento e apren-dizagem: teorias e aplicações escolares. In: COLL, C.; MARCHESI, Á. & PALACIOS, J. (org.). Desenvolvimento psicológico e educação – Psi-cologia da Educação Escolar. Porto Alegre: Art-med, 2004.

KELLER, F.S. Aprendizagem: teoria do reforço. São Paulo: EPU, 1973.

NYE, R.D. Três psicologias: idéias de Freud, Skinner e Rogers. São Paulo: Pioneira, 2002.

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a concePção consTruTiVisTada aPrendizagem

Prof. Carlos Alberto Domingues do Nascimento Carga horária I 10hProfa. Charmênia Maria Braga Cartaxo

oBJeTiVos esPecÍFicos

• Explicar os princípios que fundamen-tam o processo de aprendizagem na concepção construtivista.

• Apresentar os estágios do desenvolvi-mento cognitivo relacionando-os ao processo de aprendizagem.

• Refletirsobreaaplicabilidadedocons-trutivismo no contexto da prática peda-gógica.

inTrodução

O behaviorismo, como vimos, explica a aprendizagem de um comportamento, en-fatizando que é desnecessário o conheci-mento dos processos cognitivos subjacentes a sua constituição. Para entendê-lo, é sufi-ciente descrever as condições de estimula-ção pelas quais é integrado ou excluído no repertório de respostas do organismo (indi-víduo). O estudo do comportamento e sua aprendizagem é, então, a descrição do pro-cesso pelo qual se dá a conexão , ou seja, entre a resposta (R) e o estímulo refor-çador (ER), que a fortalece ou a enfraquece. A ocorrência e a importância dos processos cognitivos é relevada, sendo a consciência uma “caixa-preta” que não pode e nem deve ser aberta e, muito menos, explicada, mas, apenas, descrita enquanto conexões do tipo estímulo-resposta.

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40O construtivismo, tal qual formulado nos estu-dos de Piaget (1896-1980), assume uma pers-pectiva oposta a essa concepção. Estudando o desenvolvimento cognitivo, levantou e siste-matizou um conjunto de dados para explicar como o ser humano, em sua interação com o ambiente, com os objetos do mundo, de-senvolve os processos cognitivos subjacentes a toda a aprendizagem. Permite, então, que se vá além da descrição do comportamen-to, é cognitivamente formulado e aprendido. Piaget, além de negar que a consciência seja uma “caixa-preta”, resolve abri-la e explicar seu funcionamento, o que resulta numa das mais significativas contribuições para a com-preensão, no âmbito escolar, do processo de aprendizagem. Neste fascículo, apresentemos algumas de suas idéias básicas.

a ePisTemologia genÉTica

Na Filosofia, a denominação Teoria do Co-nhecimento (Gnosiologia) refere o conjunto de questionamentos gerais sobre o problema do conhecimento e, dentre esses, aquele que questiona a possibilidade de sua ocorrência: É possível ao sujeito conhecer os objetos do mundo? A concepção piagetiana, denomina-da de Epistemologia Genética, também elege o problema do conhecimento como foco de sua investigação, todavia, diferentemente da filosófica, não discute se esse conhecimento é ou não possível, mas como ele muda e evolui, ou seja, sua psicogênese. Focalizando o desen-volvimento da inteligência, entre a infância e a vida adulta, explica a gênese psicológica sub-jacente ao processo de organização do conhe-cimento pelo qual apreendemos a realidade.

Éimportantefrisarqueotermoconhecimento, para Piaget, não é sinônimo de conteúdo. Des-ta maneira, sua investigação não é direcionada a compreensão de como se processa a aquisi-ção de determinado conteúdo, por exemplo, de química, de biologia, de matemática etc. Seu interesse é identificar e explicar as ações físicas e, principalmente, mentais - ordenar, classificar, seriar etc. – através das quais o su-jeito forma seus esquemas, ou seja, um deter-minado conjunto de operações mentais com as quais percebe e organiza todo e qualquer conteúdo e, conseqüentemente, a realidade. Esses esquemas asseguram uma estrutura na

qual se ergue uma determinada organização do conhecimento sobre a realidade e seus constituintes (COLL et al., 2000; COLL e MAR-TÍ, 2004; DOLLE, 1983; NICOLAS, 1978).

Exemplificando, diríamos que Piaget não se preocupa em compreender como as crianças diferenciam, especificamente, o conceito de vertebrado e invertebrado, mas, partindo des-tes, tenta observar como adquirem e operam com a noção de exclusão, presente nesta rela-ção conceitual (se é vertebrado, então não é invertebrado) e, também, noutras como feu-dalismos / capitalismo, vírus / bactéria, movi-mento / inércia etc. A presença ou a ausência desta noção se apresenta como parte de um esquema que regula a relação do indivíduo com a realidade: quando presente, compreen-demos o homem e a borboleta como seres de classes distintas e, quando ausente, como de uma mesma classe. O enfoque epistemológico de Piaget se situa na descrição e explicação dos esquemas mentais que levam à construção do conhecimento geral e irrestrito.

Lembremos que; para se distanciar da especu-lação filosófica, Piaget cria um método próprio de investigação, o método clínico, que consis-te num misto de observação e experimenta-ção. Seu uso decorre de uma situação de in-teração verbal em que o examinador formula perguntas sobre o tema que almeja investigar, por exemplo, o conceito de tempo (Por que anoitece?). Em função das respostas dadas, ele desenvolve novas argüições para que, me-diante novas formulações do sujeito, se reve-le as características da atividade cognitiva em questão. Outras vezes, essa interação é asso-ciada à apresentação de uma situação experi-mental, em função da qual o sujeito é argüido para explicá-la (mostra-se uma bola caindo e se pergunta, por exemplo, por que ela caiu). Uma característica marcante desse método é a ausência de um procedimento padrão como, por exemplo, o dos testes psicológicos, já que se deseja observar o processamento cognitivo do sujeito.

aTiVidade 1Defina, diferenciando, os seguintes conceitos: Teoria do Conhecimento, Gnosiologia, Episte-mologia, Epistemologia Científica, Epistemologia Genética.

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41a origem do conHecimenTo

Em termos filosóficos, no que se refere à ori-gem do conhecimento, quando Piaget inicia seus estudos e publicações, a abordagem da inteligência compreende duas possibilidades dicotômicas: a inatista e a ambientalista (NI-COLAS, 1978; PALANGANA, 1994). Na primei-ra, temos uma explicação que a interpreta a partir de fatores endógenos, ou seja, a inteli-gência é a expressão da hereditariedade e da maturação orgânica. A segunda, por sua vez, confere aos fatores exógenos, as experiências vividas no contexto ambiental do sujeito, um papel determinante na sua constituição. Pia-get, com suas investigações, é levado a uma posição intermediária, ou seja, a inteligência se apóia em fatores hereditários e maturacionais (inatos), os quais, para se desenvolver, depen-dem da interação com os objetos do mundo (ambiente). O comportamento inteligente não está posto a priori (inatismo) e, tão pouco, é imposto a posteriori (ambientalismo), mas é fruto de um processo interativo entre o sujeito e os objetos do ambiente:

Piaget sempre rejeitou firmemente ambas as posições [inatista e ambientalista]. Ele não crê em idéias inatas, mas, em um conhecimento construído por cada indivíduo na interação com o ambiente. Tampouco chega o indiví-duo a conhecer passivamente recebendo e co-piando conhecimento do meio; ele o procura, organiza e assimila a seu estado anterior de conhecimento. Assim, Piaget não é nem ina-tista, nem empirista, mas antes interacionista (PULASKI, 1986, p. 16).

A experiência não é suficiente para explicar o conhecimento e seu desenvolvimento. A he-rança e a maturação também não são: deter-minam zonas de possibilidades e impossibilida-des, mas requerem o aporte da experiência. O interacionismo de Piaget é uma alternativa tan-to às teses empiristas como às inatistas (COLL & MARTÍ, 2004, p.47)

O mais correto, então, não é afirmar que nas-cemos ou adquirimos uma inteligência e seus comportamentos correlatos, mas que a cons-truímos, daí, muitas vezes, a concepção teórica de Piaget ser denominada de construtivismo: “Assim, o ponto essencial do construtivismo

piagetiano é que o sujeito vai construindo es-pontaneamente os seus conhecimentos por meio da interação com a realidade que o en-volve” (COOl et al., 2000). Segundo Piaget, o processo de interação/construção da inteligên-cia compreende a influência de quatro fatores (DOLLE, 1983; PULASKKI, 1986; WADSWOR-TH, 1997):

Maturação orgânica - o desenvolvimento cognitivo em geral e, em particular, da inte-ligência, não é, como apregoa a concepção inatista, determinado pela constituição orgâ-nica hereditária, embora sofra sua influência. O desenvolvimento do sistema nervoso e suas conexões nervosas são de extrema relevância para a formação das estruturas cognitivas, to-davia, embora a maturação nervosa seja uma condição necessária, não é suficiente. O mes-mo se pode dizer em relação à maturação físi-ca e à atividade sensorial e perceptiva, já que, nos primeiros anos de vida, correspondem aos principais meios de interação do sujeito com os objetos.

Experiência - as manipulações físicas e cog-nitivas do sujeito sobre os objetos permite a construção do conhecimento e a possibilidade de operar mentalmente com ele. Tocando num objeto quente e noutro frio, por exemplo, uma criança vivencia uma experiência sensorial re-levante que a ajuda a discriminar um e outro estado da matéria. A partir de então, pode, mentalmente, estabelecer uma relação de ex-clusão – os objetos são quentes ou frios - que, sendo generalizada, lhe permite distinguir e classificar muitos dos objetos do mundo em frios e quentes.

Transmissão social - as informações advindas do meio e, em particular, da escola, favore-cem o desenvolvimento cognitivo, mais ainda quando pais, professores e colegas, mediante a atividade verbal ou prática, fazem a criança e o adolescente interrogarem os acontecimentos da realidade: Por que essa pena cai mais len-tamente que essa bola de ferro? O rádio tem uma voz, ele é vivo? O gato tem quatro patas, o cachorro também, por que chamamos esse de gato e esse de cachorro? Colocando o indi-víduo em face de questionamentos e contradi-ções, ajudamos o desenvolvimento da cogni-ção em geral e, em particular, da inteligência, pois estimulamos a reflexão.

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42Equilibração - o desenvolvimento da inteligên-cia, tal qual ocorre com os processos biológi-cos, caracteriza-se pelo movimento contínuo e cíclico de um estado de desequilíbrio para ou-tro de equilíbrio. Diante da fome, por exemplo, temos um estado de desequilíbrio, no caso, homeostático, que leva o organismo a bus-car o alimento para, recorrendo ao processo digestivo, regular o nível de nutrientes neces-sários à sobrevivência. Situação análoga vive a criança quando, no primeiro mês de vida, tem a percepção auditiva e visual dissociada da motricidade, quer dizer, ela vê e escuta, por exemplo, um chocalho, mas não é capaz de organizar a ação motora de pegá-lo, embora o queira. Todavia, gradativamente, coordena a percepção com a motricidade e, depois, num lampejo de inteligência, “planeja” e executa a ação de pegar e colocar na boca o chocalho que vê / escuta. Nas duas situações, identifica-mos um processo de equilibração: um estado de desequilíbrio (déficit de nutrientes / desco-ordenação perceptual-motora) leva a um de equilíbrio (nível adequado de nutrientes / co-ordenação perceptual-motora).

aTiVidade 2 Observe a seguinte afirmação: Como a inte-ligência é biológica, dois gêmeos univitelinos terão, segundo a concepção de Piaget, um mesmo processo de desenvolvimento da inteli-gência. Você concorda? Explique sua resposta.

conceiTos BÁsicos: inTeligÊncia, assimilação e acomodação

As idéias de Piaget foram influenciadas pela biologia, área na qual inicia sua formação acadêmica. Em seus estudos, observa que os organismos vivos, tanto no nível ontognético (hereditariedade individual) como filogenéti-co (hereditariedade da espécie), muitas vezes experienciam estados de desadaptação, princi-palmente quando o ambiente se torna adver-so, gerando uma situação de desorganização. Desta forma, para restituir a organização, re-correm a uma auto-regulação do comporta-mento e, assim, criam mecanismos de adapta-ção que harmonizam sua relação com o meio.

Essa situação pode ser exemplificada a partir do sudum, uma planta cujo habitat natural são as regiões de clima quente. Segundo Pulaski (1986), Piaget constatou que esta, quando levada para uma região de clima frio, produz folhas menores e mais espessas, reduzindo, assim, sua exposição à temperatura ambien-te. Ao mesmo tempo, aumenta a produção de clorofila e, conseqüentemente, a fotossínte-se. Esse processo exemplifica, em nível orgâ-nico, por causa da mudança de temperatura, a passagem de um estado de desadaptação/desorganização para outro de adaptação/orga-nização. A planta, auto-regulando seu funcio-namento, se adapta à mudança ambiental e, passando do estado de desorganização para um de organização, alcança a equilibração.

Para Piaget (1983), a inteligência guarda uma estreita correspondência com o desenvolvi-mento biológico, especialmente no que se re-fere ao processo de adaptação, sendo, segun-do ele, um mecanismo adaptativo. Interagindo com o meio, o indivíduo, durante o desenvol-vimento, vivencia situações de desadaptação cognitiva, sendo os estágios de desenvolvi-mento – senso-motor, pré-operacional, ope-rações concretas e operações formais – um processo de auto-regulação, uma vez que cor-respondem a formas distintas e aprimoradas de organização do conhecimento em sistemas coerentes e, conseqüentemente, de uma com-preensão, também, coerente da realidade.

Os estágios do desenvolvimento cognitivo, a serem abordados posteriormente, refletem essa tendência, ou seja, o estágio precedente é um novo estado de organização/adaptação em relação a desorganização/desadaptação do antecedente, naquilo que expressa uma fun-cionamento cognitivo qualitativamente. supe-rior. Por exemplo, no período pré-operatório, a criança não opera com a inclusão de classe (ver adiante), mas o faz quando acede às opera-ções concretas. Essa mudança, análoga aquela da planta do exemplo citado, também reflete a tendência à equilibração cognitiva.

Os mecanismos pelos quais pelos quais se dá a adaptação são a assimilação e a acomodação. Na assimilação, temos o processo pelo qual o organismo, a partir de seus esquemas, apreen-de e organiza os objetos da realidade; na aco-

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43modação, temos, inversamente, as mudanças que o organismo, em função dos objetos da realidade, empreende em seu esquema cog-nitivo para poder apreender e organizar esses objetos (BIAGGIO, 1988; COOL et al. 2000; PALANGANA, 1994). Na assimilação, o objeto é transformado pelo sujeito; na acomodação, é o objeto que transforma o sujeito. Quando a utilização de ambos os mecanismos é nivelada, ocorre uma adaptação cognitiva e, portanto, a equilibração. Para maior clareza, observemos a descrição feita por Gomes (2002):

Piaget defende a idéia de que a estrutura cog-nitiva funciona através do movimento contí-nuo e dialético entre a assimilação do real e sua acomodação. O conceito de assimilação define que todo ser humano primeiro filtra e interpreta os estímulos do mundo, segundo a capacidade de sua estrutura cognitiva interna. Uma criança de quatro anos assimila, ou seja, interage com o mundo diferentemente de um adulto, pelo simples motivo de que suas estru-turas cognitivas (da criança e do adulto) são qualitativamente diferentes. Já o conceito de acomodação define que a estrutura cognitiva é capaz de ser modificada pelo mundo, pelos objetos que interagem com o indivíduo (p. 41).

Para exemplificar essa situação, imaginemos uma criança diante de um quilo de chumbo e um quilo de algodão. Questionada sobre quem pesa mais, com certa dúvida, dirá que um e outro têm o mesmo peso. Colocando ambos na balança, confirma sua hipótese e afirma categoricamente: ambos são iguais no peso. Nesta situação, vemos que a criança se acomodou a uma relação lógica existente en-tre as propriedades do objeto - o peso inde-pende do volume – fazendo-a concluir que um maior volume não implica, necessariamente, num maior peso. Se a criança internalizar esse tipo de relação aos seus esquemas e, portanto, generalizá-lo para outras situações, também terá realizada uma assimilação. A confluência desses mecanismos gera, então, uma mudança qualitativa na estrutura cognitiva, acarretando uma maior adaptação à realidade, pois a crian-ça, agora, é capaz de organizá-la admitindo a independência entre certas propriedades do objeto, podendo, inclusive, generalizá-la para outras situações, por exemplo, entre a veloci-dade e o comprimento.

Pelo que foi visto, a inteligência é um pro-cesso adaptativo e interativo no qual o co-nhecimento é construído a partir de ações e operações apoiadas nos mecanismos de assi-milação e acomodação. Piaget vincula o co-nhecimento a ação, e esta, por sua vez, que é física e, especialmente, mental, se apóia na experimentação, originando os dois tipos de conhecimento pelos quais ocorre a estrutura-ção cognitiva: o físico e o lógico-matemático. No primeiro caso, o sujeito identifica e dife-rencia as propriedades materiais dos objetos: cor, forma, textura etc. Apreendendo essas dis-tinções, poderá, por exemplo, organizar a re-alidade em função de uma categorização dos objetos em coloridos e incolores. No segundo, temos as experiências decorrentes do estabe-lecimento de operações do sujeito - relações, comparações, ordenações etc. - sobre os obje-tos (maior/menor, acima/abaixo, antes/depois, perder/ganhar etc.). Também aqui se evidencia uma forma de organização da realidade, por exemplo, a criança poderá dispor seus colegas de turma em função de suas alturas, ou seja, do maior para o menor ou do menor para o maior. Nesses exemplos, a internalização das ações – de categorização (física) e de seriação (lógico-matemática) - leva à organização cog-nitiva da realidade.

O comportamento inteligente é, então, um processo dialético de assimilação e acomoda-ção a partir das ações que geram tanto a ex-periência física como a lógico-matemática. Ao longo do desenvolvimento cognitivo, em fun-ção das sucessivas equilibrações que ocorrem, registram-se mudanças qualitativas na forma de organização do conhecimento e, portanto, na forma de apreender e aprender a realida-de. Essas mudanças sustentam o processo de aprendizagem, uma vez que ele é construído em função da estruturação cognitiva que, a partir do aluno, lhe é subjacente: “Qualquer aprendizagem terá de ser medida em relação às competências cognitivas próprias de cada estágio, já que estes indicam, segundo Pia-get, as possibilidades que o sujeitos têm de aprender e, por isso, será necessário identificar seu nível cognitivo antes de iniciar as sessões de aprendizagem” (COLL & MARTÍ, 2004, p.

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4446). A aprendizagem, decorrente da interação adaptativa do sujeito com o objeto, é indisso-ciável do desenvolvimento dos estágios cogni-tivos, pelos quais a inteligência é construída.

aTiVidade 3Veja a seguinte situação: “Perguntaram a João, de 4 anos, qual o animal mais veloz. Quem era mais veloz: um coelho ou um elefante? João respondeu: o elefante, porque é maior”. Con-siderando os conceitos abordados, explique a resposta de João.

os esTÁgios do desenVolVimenTo cogniTiVo

Como vimos anteriormente, Piaget caracteriza o desenvolvimento cognitivo a partir de uma sucessão de estágios que, repitamos, são os seguintes: senso-motor, pré-operacional, ope-rações concretas e operações formais. Esses estágios se caracterizam pela “forma particu-lar de como os esquemas – de ação ou con-ceituais – se organizam e combinam entre si formando estruturas” (COLL & MARTÍ, 2004, p. 46). Discutamos, agora, cada uma deles e suas respectivas estruturas:

Senso-motor (0-24 meses) – neste estágio, temos, inicialmente, uma criança desprovida de linguagem e que, como sinaliza a denomi-nação dada, interage com os objetos a partir de suas sensações e ações motoras. Todavia, como bem observa Pulaski (1986), a partir des-se aparato mínimo, devem ocorrer profundas transformações:

Piaget denomina de período sensório-motor esse período mais primitivo do desenvolvimen-to cognitivo porque as primeiras manifestações de inteligência do bebê aparecem em suas per-cepções sensoriais e em suas atividades mo-toras. Seus olhos seguem os objetos móveis; sua cabeça se volta em resposta a um ruídos; ele começa a estender os braços e a agarrar seus brinquedos. Estas podem figurar-se como realizações insignificantes e muitos pais não consideram interessantes os seus bebês pe-queninos. Apesar disso, Piaget assinala que a criança, em seus dois primeiros anos, efetua “uma revolução copernicana em miniatura”.

A princípio, ela se acha desamparada, sem consciência do mundo a seu redor, consciente, apenas, de seu próprio ser – centro de seu pe-queno universo. À medida que cresce e se vol-ta para fora, tanto mental quanto fisicamente, torna-se gradativamente mais consciente das outras pessoas, de seus arredores físicos e dos objetos que existem independentemente dela. Já não é mais o centro de seu próprio mun-do pequenino, mas faz parte de um universo mais amplo, que experimenta como externo a si próprio. E isso não é uma realização peque-na (p. 32).

Nos primeiros meses do senso-motor, temos uma inteligência prática, a qual se caracteriza por situações de simultaneidade entre o fazer e o pensar, e, inclusive, muitas vezes, situações em que o fazer precede o pensar, por exem-plo, quando empurra casualmente um objeto e, depois, rindo, repete essa ação. Mas, grada-tivamente, adquire uma inteligência simbólica: o pensar, mediante a representação mental dos objetos, precede o fazer, deixando a ação de ser casual para expressar uma intenção previamente representada e planejada simbo-licamente. Essa transição compreende os se-guintes subestágios (BIAGGIO, 1988; PULASKI, 1986, PIAGET, 1987; RAPPAPORT et al. 1981):

O exercício dos reflexos (0-1 mês) - sua inte-ração com os objetos – mãe, chocalho, ma-madeira etc. - é feita a partir de atos reflexos – sugar, pegar, chorar etc. – e atos motores descoordenados e desordenados, ou seja, sem um objetivo específico.

Reação circular primária (1-4 meses) - ações dissociadas, como sugar e movimentar a mão, são coordenadas num esquema: leva a mão à boca e suga. Ao mesmo tempo, desenvolve sua percepção auditiva e visual, mostrando-se atenta e curiosa diante dos objetos. Também se observa o incremento da atividade motora: deita-se de costas, mexe as mãos, balança os pés etc.

Reação circular secundária (4-8 meses) - fami-liarizada fisicamente com seu corpo e com o mundo, a criança explora ambos. Neste con-texto, ações que ocorrem casualmente, por exemplo, quando bate num chocalho, são, em seguida, intencionalmente reproduzidas.

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45No estágio anterior, as reações envolviam a própria criança, e neste envolvem também o mundo.

Comportamentos intencionais (8-12 meses) - quando a criança deseja pegar um brinquedo que está a sua frente, é capaz de empurrar um outro que se interponha entre ambos e, em seguida, pegá-lo. O comportamento mostra um planejamento para sua execução, portan-to, uma intenção, configurando-se como um ato inteligente propriamente dito. Ao mesmo tempo, escutando a mãe falar noutro cômodo, é capaz de reconhecer a voz e começar a rir ou chorar, como se, pensando, expressasse que deseja vê-la ou que a verá.

Reação circular terciária (12-18 meses) - nes-te momento, a criança não se limita a repetir, mas cria e varia suas ações para ver as conse-qüências. Tomando banho, por exemplo, afun-da os objetos para vê-lo submergir e emergir e o faz aplicando diferentes intensidades de for-ça. Descobre e cria novos meios para alcançar um objetivo que ela mesma estabelece, como utilizar uma vassoura para puxar a boneca que está distante. Mas tudo isso mediante ações práticas, concretas, que geralmente configu-ram tentativas que ora dão certo e ora dão er-radas (ensaio-e-erro).

Invenção de novos meios pela atividade sim-bólica (18-24 meses) - imaginemos a seguin-te situação: no terraço, a mãe pega a bola e coloca na prateleira, fora do campo de visão da criança que, em seguida, depois de ficar olhando para a prateleira, vai à cozinha, puxa uma cadeira para o terraço, sobe e pega a bola. A criança criou um meio de solucionar o problema (pegar a bola) através de uma ação planejada mentalmente com a representação simbólica que, agora, tem dos objetos.

Os três últimos subestágios se caracterizam, também, por uma conquista fundamental para o desenvolvimento da inteligência: a per-manência de objeto. Com essa aquisição, a criança consegue pensar os objetos indepen-dentemente de esses estarem imediatamente presentes em seu campo perceptivo. Como se vê na situação descrita no último subestágio, a ação é organizada a partir da representa-ção simbólica dos objetos bola e cadeira e das

ações de subir e pegar, posto que tais objetos e ações estão imediatamente ausentes de sua consciência. Mas do que isso: a criança esta-belece uma relação entre essas representações e, mentalmente, planeja sua ação. Com o ad-vento da linguagem, a representação mental dos objetos e ações constituirá os conceitos, dando lugar ao pensamento conceitual. A per-manência dos objetos é uma condição básica para a transição da ação física para a ação mental, pois com ela temos o instante em que o pensamento precede o ato.

Encerrando essa descrição do senso-motor, observemos que a criança também adquire noções de tempo (identificará uma seqüência para os acontecimentos: banho/almoço/dor-mir), de espaço (saberá mapear o espaço que a circunda: os brinquedos ficam no quarto) e de causalidade (certas ações provocam certos re-sultados: mexendo no carrinho ele anda). São noções ainda bastante rudimentares, mas de-monstram uma efetiva evolução da atividade cognitiva, afinal, no princípio, era só o reflexo.

Pré-operatório (2-7 anos) – Piaget, ao usar o termo operatório, faz referência aos esquemas conceituais que organizam lógica e objetiva-mente o conhecimento. Desta forma, ao de-nominar o presente estágio de pré-operatório, acentua o caráter ilógico e subjetivo da inte-ligência, quando organiza o conhecimento. Tanto é assim que a característica básica des-te estágio é o egocentrismo, no qual as ações mentais são reguladas pelo eu do sujeito, a margem do ponto de vista do outro e da rea-lidade objetiva:

A criança, com suas necessidades e objetivos, ainda é a raison d`être do universo; tudo é fei-to para os homens e as crianças, segundo um plano determinado e bem elaborado que tem o homem em seu centro (...) As novas expe-riências, palavras e problemas são assimilados a seu fundo muito limitado de informações. Assim, a criança só pode interpretá-los em ter-mos de suas próprias experiências, necessida-des e desejos” (Pulaski, 1986, p. 52-53).

Dentre as características que evidenciam essa forma de pensar, temos, seguindo a descrição de Dolle (1983) e Pulaski (1986), as seguintes:

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46Animismo – os seres do mundo, inclusive os inanimados bem como certos fenômenos na-turais são apreendidos como detentores de uma consciência capaz, inclusive de estabele-cer objetivos para suas ações. Existe uma con-fusão entre a criança e o mundo. Desta forma, dirá que a bicicleta é viva porque anda e que o sol a acompanha, quando ela passeia de carro.

Artificialismo – os fenômenos naturais são criados pelo homem ou explicados em função dele: a lua é uma bola que os homens fizeram e mandaram para o céu; as nuvens são feitas pela fumaça do cigarro; o sol brilha porque o homem o acendeu.

Realismo – a criança estabelece uma relação necessária entre seu ponto de vista e a realida-de, o que torna real tudo aquilo que para ele pareça evidente e objetivo. Desta forma, ima-gina que ela não pode ter outro nome que não seja aquele que lhe foi dado e que os sonhos, mesmo depois de acordada, são acontecimen-tos reais.

Raciocínio sincrético – as relações entre os ob-jetos ou fenômenos não são lógicas, mas de-terminadas pela contigüidade ou associação: o carro se move porque a buzina toca; a lua não cai porque está alta, e não há sol.

Centração – o pensamento se orienta por cer-tas propriedades do estímulo que ocupam sua atenção, desconsiderando a dependência ou independência entre duas ou mais proprieda-des simultaneamente: diante de duas fileiras de fichas com espaçamentos distintos, dirá que a mais comprida contém mais fichas. Neste caso, o conceito de quantidade é definido pela per-cepção do comprimento. A criança é incapaz de reverter a situação, por exemplo, pareando as fileiras e constatar que a quantidade está inalterada, independe do comprimento.

Esse estágio também demarca a entrada da criança no mundo da linguagem, no qual, pelo domínio dos signos, conseguirá interagir socialmente e pensar. Piaget diz que a crian-ça acede a um funcionamento simbólico, em-bora ainda não utilize conceitos e, sim, pré-conceitos (PULASKI, 1986). Pelo vínculo que mantêm com o egocentrismo, são formados mediante uma generalização vaga e impre-

cisa, na qual a relação entre a classe e seus membros é subjetivamente confundida: meu pai é homem, logo todos os homens são pais. Posteriormente, terá um raciocínio pré-lógico, ou seja, perceberá que um conceito se estru-tura em função de uma ou mais propriedades comuns aos objetos, mas, ao mesmo tempo, desconhecerá que tais propriedades deveriam emergir da abstração objetiva feita sobre a re-alidade, ao invés de uma atribuição subjetiva, do seu eu: meu cachorro é brabo, então todos os cachorros são brabos. O raciocínio não é, como impõe a lógica, objetivo, mas subjetivo e intuitivo.

Operações concretas (7-12 anos) – neste es-tágio, o uso do termo operação acentua o caráter lógico do pensamento, pois a criança, saindo do egocentrismo, estabelece relações pertinentes às propriedades dos objetos e en-tre os objetos. Diferentemente do estágio an-terior, a criança se distancia do objeto: “À me-dida que a criança se aproxima dos sete anos, a tradicional idade da razão, começamos a ver o fruto de todos os seus anos de experimen-tação com objetos, imagens e símbolos e, fi-nalmente, com pensamentos. Ela caminha em direção ao período das operações concretas, que se caracteriza pela capacidade de racio-cinar logicamente, organizar os pensamentos em estruturas coerentes e totais e dispô-los em relações hierárquicas ou seqüenciais” (PU-LASKI, 1986, p. 65). A ascensão a esse estágio implica a superação das características ego-cêntricas e a aquisição de outras lógicas que, segundo Biaggio (1988), Dolle (1983), Piaget (1983) e Pulaski (1986), são, dentre outras, as seguintes:

Reversibilidade – a criança adquire a com-petência para acompanhar um processo de transformação de uma situação inicial para uma final e, mentalmente, realizar a opera-ção inversa, através da qual restitui a situação inicial. Por exemplo, diante de duas bolas de barro – A e B – de massas iguais, em que B é transformada num filete comprido, ao ser questionada se houve uma alteração do peso de B, afirmará que é o mesmo. Questionada sobre a correção de sua resposta, modifica o filete, dando-lhe novamente a forma de uma bola (B) e, comparando com a outra (A), com-prova que não ocorreu nenhum acréscimo a

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47sua massa, portanto, ao seu peso. Essa ação se torna possível porque, mentalmente, a criança reverte a forma final de B (filete) para a inicial (bola). O pensamento é reversível: “mais rápi-do, mais flexível, capaz de percorrer o passado e antever o futuro” (PULASKI, 1986, p. 66).

Conservação – a correção da resposta no exemplo anterior também decorre de outro fator: a criança é capaz de operar simultane-amente com outras propriedades e, compa-rando-as, observar que umas se conservam, são invariantes, porque mantêm uma relação de compensação com as demais. Desta forma, no exemplo anterior, a criança apreende que o peso da bola B, quando transformada num filete, é conservado porque há uma compen-sação, ou seja, embora fique mais comprida, também fica menos espessa. Com a apreensão dessa relação, constata que o peso, neste con-texto de transformação (comprimento e espes-sura), é uma propriedade invariante do objeto. Piaget também se dedicará à investigação da aquisição da conservação de outras proprie-dades, tais como substância, volume, espaço, superfície etc.

Classificação – essa aquisição reflete a com-petência da criança para agrupar os objetos do mundo em classes, o que realiza conside-rando, por um lado, a identificação das pro-priedades comuns ao objeto, e, por outro, a quantidade de objetos que têm essas proprie-dades (extensão). A classificação é o processo pelo qual a criança elabora, ordena e opera com os conceitos, pois, de um ponto de vista lógico, um conceito corresponde a uma classe de objetos. Mas Piaget mostrará que, além de construir classes (conceitos), a criança opera logicamente com elas, por exemplo, é capaz de perceber a relação parte-todo, a inclusão de classe. Assim, uma criança, diante de ursos de brinquedos, cinco marrons e dez pretos, ao ser questionada se há mais ursos ou mais ur-sos pretos, responderá que há mais ursos. Ra-ciocinando de forma aditiva, apreende que a parte (urso marrom ou urso preto) não pode ser maior que o todo (ursos), sendo este re-sultante da soma das partes (ursos marrons + ursos pretos). Muitas operações matemáticas têm seu fundamento nas operações de classi-ficação.

Seriação – diante de um agrupamento, a criança consegue, relacionando as proprieda-des dos objetos (altura, largura, comprimento, peso etc.), estabelecer relações de reciproci-dade entre eles. Saberá ordenar logicamente os elementos e operar conclusões, também lógicas, em função das relações compatíveis e incompatíveis decorrentes e inerentes a essa ordenação. Desta forma, uma criança, diante de diferentes bastões de diferentes larguras, saberá seriá-los, segundo uma ordem crescen-te ou decrescente de largura ou comprimento. Na vida diária, a criança passa a reconhecer, por exemplo, que seu irmão mais velho, por ser mais velho, nasceu antes dela e de seu outro irmão mais novo.

A seriação está na base de posteriores raciocí-nios lógico-abstratos presentes na matemáti-ca, como por exemplo: se A> B, C < B, então, A > C.

No pré-operacional, as situações exemplifica-das seriam apreendidas da seguinte forma: o filete, por ser mais comprido, tem mais peso; existem mais ursos pretos do que ursos, e as varetas seriam dispostas aleatoriamente. Por-tanto, uma compreensão egocêntrica própria a um pensamento irreversível e centrado. As operações concretas mostram, claramente, a passagem do pensamento mágico e onipo-tente presente no pré-operacional, dado o seu caráter egocêntrico, para um objetivo segundo as relações lógicas existentes entre as proprie-dades do objeto e dos objetos entre si. Desta situação deriva, obviamente, uma nova orga-nização da realidade, vista, a partir de então, objetivamente, pois o sujeito não mais se con-funde com o objeto, estando seu eu diferen-ciado do outro.

Concluindo, esclareçamos que a utilização do termo concreto busca ressaltar que tais ope-rações não ocorrem de forma abstrata, ten-do a criança que agir e manipular a realidade para chegar a suas conclusões. Assim, precisa ter diante de si as bolas de massa, os ursos de brinquedo e as varetas. O pensar necessita da ação, da concretude do agir e do fazer.

Operações formais (12 – 17 anos) – o termo formal acentua a principal característica des-te estágio que se inicia com a adolescência: o

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48pensamento se desvincula da realidade ime-diata, passando a operar com as proposições e, através de hipóteses, chega, assim, a indu-ções e deduções. Ocorre, então, a organização dos esquemas do pensamento hipotético de-dutivo: “o adolescente se liberta dos grilhões da realidade física [do qual era prisioneiro nos estágios anteriores] para elevar-se a grandes alturas no domínio das possibilidades hipotéti-cas” (PULASKI, 1986, p. 84). Assim, diante de um carro com o vidro quebrado e questionado sobre a possível causa deste dano, responde-rá em função das hipóteses possíveis que ela-borará: Alguém atirou uma pedra e quebrou o vidro? O dono esqueceu a chave dentro e, para pegá-la, resolveu quebrar o vidro? Hou-ve um assalto? Quebrou-se por causa de uma mudança brusca de temperatura, já que estava quente e, agora, resfriou bastante? Construí-das as hipóteses, buscará, como todo bom in-vestigador, as evidências que levem à resposta. Ou, contrariamente, partindo das evidências, construirá um conjunto de proposições que, relacionadas, induzirão uma hipótese expli-cativa: considerando que não havia nenhuma pedra próxima ao carro, que o dono do carro estava com a chave nas mãos, que não houve assalto e, por outro lado, que estava muito quente e, repentinamente, ficou muito frio, então, o vidro provavelmente se quebrou pela variação brusca de temperatura. Numa e nou-tra situação o problema foi solucionado a par-tir da elaboração de hipóteses, e não, pela re-alidade imediata, concreta. A realidade passa, então, a ser vista, segundo suas possibilidades explicativas.

As operações formais são o último nível de es-truturação da inteligência, sendo, também, as que caracterizam o pensamento na vida adul-ta. Uma vez alcançada a abstração, tudo pode ser pensado, com ou sem a realidade imediata. O raciocínio hipotético-dedutivo singulariza o pensamento humano, pois possibilita articular a realidade face o que ela foi, é ou pode ser: “[é a elaboração] de hipóteses que tornou possível ao homem o pouso na lua. Os feitos dos cien-tistas que explodiram bombas de hidrogênio e dominaram a energia do átomo são exemplos dos resultados desse raciocínio. Ninguém ja-mais viu os átomos ou as partículas elétricas; não obstante, os extraordinários progressos da teoria nuclear vêm-se tornando parte de nossa vida cotidiana” (PULASKI, 1986, p. 77).

É importanteobservarqueessasucessãodosestágios não é um processo aleatório, mas or-denado em função de alguns princípios gerais que, segundo Dolle (1983), são:

• Suaordeméconstante,emboraacrono-logia, ou seja, a idade em que ocorre no indivíduo, possa variar, seja pela influência das características individuais ou do con-texto sócio-cultural. Já vimos que a matu-ração, a experiência e transmissão social interferem no desenvolvimento.

• Têmum caráter integrativo, portanto, os

esquemas desenvolvidos no anterior estão presentes e podem ser utilizados no sub-seqüente. As conquistas do senso-motor, por exemplo, estarão presentes naquelas do pré-operacional, sendo, inclusive, uma condição para sua aquisição.

• Configuram uma totalidade, pois não é

uma determinada aquisição que inclui ou exclui o indivíduo de um estágio, mas um conjunto delas, as quais, coordenadas, de-finem uma forma de organizar o conheci-mento e apreender a realidade.

• Umestágiodimensiona,porumlado,umasituação de preparação, já que suas aqui-sições condicionam a passagem ao subse-qüente, e, por outro, de acabamento, pois define o término daquele que lhe é ante-rior.

• Compreendemdoismomentos: ode for-mação, quando os esquemas estão sendo adquiridos e o de equilíbrio final, quando as aquisições foram coordenadas numa to-talidade (estrutura).

Caracterizado os estágios, poderíamos ques-tionar: Qual sua implicação para o processo de aprendizagem? Parece-nos que, na ótica piagetiana, o desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem estão, como su-blinhamos anteriormente, entrelaçados. A transmissão de um conteúdo (história, biolo-gia, matemática etc) que, na escola, configura o objeto do conhecimento, deve considerar, dentre outros fatores, a competência cognitiva do aluno, entendendo-se por essa os esque-

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49mas construídos ou em construção, pois, é a partir deles, que o conhecimento é elaborado.

Em função desse enfoque, diríamos que a ade-quação entre a aprendizagem e a competência cognitiva ocorre quando, avaliada as aquisi-ções cognitivas do aluno, o professor estimula o aluno a usá-las para agir e operar sobre o conteúdo. O próprio aluno constrói seu conhe-cimento e o faz desenvolvendo sua capacidade abstrativa e reflexiva, ou seja, realizando ativi-dades que o levam à conceituação, combina-ção, relação, dedução, indução etc. Por outro lado, desconsiderando-se a competência cog-nitiva, talvez tenhamos uma aprendizagem ca-racterizada pela acumulação de informações, já que, por um lado, há a desconsideração dos esquemas de abstração e reflexão do aluno e, por outro, a inexistência de atividades estimu-lem seu desenvolvimento. Neste contexto, o aluno tem a repetição e a memorização como meios de construção, ou melhor, de reprodu-ção do conhecimento.

O processo de aprendizagem também pode favorecer a construção das estruturas lógicas. Desta forma, os conteúdos e as atividades escolares devem estar, por um lado, adequa-dos aos esquemas atuais do aluno e, por ou-tro, desajustados, ou seja, devem demandar o uso dos esquemas ainda não estruturados. Essa demanda, em função da defasagem do aluno, gera conflitos cognitivos e estados de desequilíbrio, os quais servem para estimular o desenvolvimento das noções e conceitos (classificação, relações de classe, conservação, formulações hipotéticas etc.) que instrumenta-lizam o pensamento abstrato e reflexivo. Nes-te sentido, os “erros” do aluno são positivos, pois, com sua observação e análise, permitem que o professor formule novas estratégias de aprendizagem, ajudando o aluno a construir os esquemas necessários a solução dos confli-tos e a equilibração.

aTiVidade 4Monte um quadro comparativo com todos os estágios cognitivos e suas principais caracterís-ticas.

conclusão

Um das maiores contribuições de Piaget foi demonstrar que a aprendizagem pode e deve ser um processo cognitivamente ativo e intera-tivo, não se reduzindo a uma simples conexão estímulo-resposta. O conhecimento é algo a ser construído, ao invés de, passivamente, re-cepcionado. Desta forma, surge uma questão: Como ensinar, se não sabemos como o aluno pensa? Essa é uma tarefa impossível, ao me-nos para quem entende que aprender não é só acumular informações, mas, principalmen-te, compreender e organizar as informações que recebe. O construtivismo propõe que o aluno, além de aprender conteúdos, aprenda, também, a aprender, mediante a abstração e a reflexão, desenvolvida em acordo com os es-quemas de cada estágio. Para tanto, ensina-nos como o aluno pensa e, assim, delega-nos a responsabilidade de fazê-lo, sempre, pensar.

Essa postura é assumida quando o professor se põe, efetivamente, como um mediador da aprendizagem, assumindo o papel de criar as condições para que o aluno, utilizando a estru-tura cognitiva já desenvolvida, como também aquela que está desenvolvendo, se aproprie e crie o conhecimento: “Compreender é desco-brir, ou reconstruir através do redescobrimen-to, e tais condições (os métodos ativos) deve-rão ser satisfeitas, caso, no futuro, se deseje formar indivíduos capazes de produção e cria-tividade, e não simplesmente [como propõe o behaviorismo] de repetição” (PIAGET apud PULASKI, 1986, p. 211). Aprender é um ato permanente de pesquisa.

reFerÊncia

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a concePção sÓcio-HisTÓrica da aPrendizagem

Prof. Carlos Alberto Domingues do Nascimento Carga horária I 10 hProfª Charmênia Maria Braga Cartaxo

oBJeTiVos esPecÍFicos

• Explicaralgunsdosprincípioseconcei-tos que fundamentam o processo de aprendizagem na concepção sócio-his-tórica.

• Refletir sobre a aplicabilidade da con-cepção sócio-histórica ao contexto da prática pedagógica.

inTrodução

Nossa análise do behaviorismo evidenciou um processo de aprendizagem desvincu-lado da compreensão do desenvolvimento dos processos psicológicos (pensamento, memória, linguagem etc.), reduzindo-o ao estabelecimento de conexões entre respos-tas e reforços ambientais. Já o construtivis-mo, como vimos, numa perspectiva anta-gônica a behaviorista, estabelece um sólido elo entre a aprendizagem e os processos psicológicos, principalmente a inteligência, caracterizada pela aquisição de estruturas cognitivas desenvolvidas na interação do sujeito com os objetos do ambiente.

No que pese serem posições teóricas distin-tas, há um ponto de semelhança em am-bas, especialmente no que se refere a uma percepção higiênica do ambiente onde se dá a aprendizagem. O ambiente é visto como uma entidade neutra, o que torna o reforço e o objeto entidades descaracteriza-das culturalmente.

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52Na concepção sócio-histórica, também deno-minada de histórico-cultural, sociocultural ou sócio-interacionista, que tem Vygotsky como seu principal representante, vemos uma posi-ção que se contrapõe a essas outras. A apren-dizagem é apreendida como diretamente in-fluenciada pelo contexto cultural oriundo das condições sociais e históricas que determinam sua formação, sendo a desconsideração des-te contexto um fator que impossibilita com-preender o processo de aprendizagem e in-tervir sobre seu desenvolvimento, ao menos, da aprendizagem dos seres humanos. Mas, mesmo com essa diferença de enfoque, res-saltemos que Vygotsky mantém-se próximo da concepção construtivista e distante da beha-viorista, pois, como aquela, também valoriza a abordagem dos processos psicológicos inter-nos como fator necessário e imprescindível à compreensão da aprendizagem.

Apesar de sua morte precoce, com 37 anos, em 1934, Vygotsky deixou inúmeras contribui-ções teóricas para a Psicologia e, em particular, para a Psicologia da Educação, sendo muitas delas desenvolvidas conjuntamente com seus colaboradores Luria e Leontiev. Escrita entre os anos 20 e 30 do século passado, até hoje sua obra mostra-se vigorosa e com intensa repercussão nas discussões e formulações so-bre a prática educacional atual, especialmente quanto à definição e compreensão do papel da aprendizagem, formal ou informal, para a constituição do sujeito em geral, e, em espe-cial, do aluno em escolarização. Discutiremos, aqui, alguns de suas concepções teóricas mais relevantes.

FundamenTos gerais

O pensamento de Vygotsky articula-se, afirmati-va ou negativamente, com as idéias de autores, como Spinoza, Janet, Durkheim, Lévy-Bruhl etc. Todavia, as formulações de Marx, especialmen-te aquelas que versam sobre o materialismo histórico dialético e seu enfoque das relações sociais, são particularmente relevantes, inclusi-ve porque Vygotsky viveu num contexto sócio-político, o da Rússia pós-revolucionária, que gravitava em torno das idéias marxistas. Mas, é importante frisar que essa afinidade filosófica e ideológica com sua época não desmerece o caráter científico de sua obra.

Nos anos 20 do século passado, estudando a produção de diversos autores, dentre ou-tros, Wundt e Pavlov, por um lado, e Dilthey e Spranger, por outro, levaram Vygotsky a con-cluir que a Psicologia compreendia duas ten-dências: uma de caráter mecanicista e experi-mental que, enfatizando a dimensão biológica, reduzia o estudo dos processos psicológicos à investigação das reações sensoriais e reflexas, organicamente determinadas, aos estímulos ambientais; e outra, idealista e introspectiva, que propunha a observação e descrição dos processos mentais como fenômenos subje-tivos (LURIA, 1998). Assim, a abordagem do comportamento situava-se numa perspectiva dicotômica: ou natural ou mental.

Vygotsky se propõe, então, à realização de uma síntese dessas duas perspectivas, contudo não o faz buscando um ponto de acordo entre ambas, mas empreendendo uma nova forma de abordagem do comportamento humano, a qual refletisse a integração de ambas as perspectivas em função das condições sócio-históricas, nas quais se dá o desenvolvimento dos processos psicológicos (OLIVEIRA, 1997). Essas condições, conforme o materialismo his-tórico-dialético, tal qual exposto por Marx, são determinadas pelo trabalho humano, a partir do qual, historicamente, se alicerça a estrutura social:

É, através do trabalho, uma atividade práti-ca e consciente, que o homem atua sobre a natureza. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material. A noção de produção pelo trabalho (encarado como motor do processo histórico) não apenas diferencia o homem dos animais como também o explica: é pela produção que se desvenda o caráter social e histórico do ho-mem. O homem é um ser social e histórico e é a satisfação de suas necessidades que o leva a trabalhar e transformar a natureza, estabe-lecer relações com seus semelhantes, produzir conhecimentos, construir a sociedade e fazer a história. É entendido assim como um ser em permanente construção, que vai se cons-tituindo no espaço social e no tempo histórico (REGO, 1995, p. 97).

A condição sócio-histórica leva à constituição de um contexto cultural no qual temos o con-

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53junto de crenças, idéias, valores etc. que pro-duz e reproduz as relações sociais, sendo este o real e o verdadeiro ambiente no qual se dá o desenvolvimento dos processos psicológicos. Para Vygotsky, é em função deste contexto que definimos alguns princípios básicos subjacen-tes ao desenvolvimento dos processos psicoló-gicos humanos. Conforme Rego (1995), pode-mos sintetizá-los da seguinte forma:

• Ocomportamentohumanoseconstituinainteração dialética e historicamente cons-tituída entre o indivíduo e a sociedade, o que o faz modificar e ser modificado pela cultura.

• Odesenvolvimentodas funçõespsíquicasnão é estático e padronizado, pois guarda uma estreita relação com o contexto sócio-cultural em que ocorre, correspondendo, então, à internalização dos processos cul-turalmente utilizados pelos indivíduos para agir e operar no mundo.

• O cérebro e, portanto, a constituição or-gânica subjacente às funções psíquicas, possui uma grande plasticidade adaptati-va, determinada pelas influências culturais que recebe ou deixa de receber.

• A relaçãodohomemcomomundonãoé, na maioria das vezes, uma relação dire-ta, mas mediada por instrumentos cultu-rais construídos historicamente, dentre os quais a linguagem é o mais relevante.

• Aanálisepsicológicadosprocessospsico-lógicos humanos torna imprescindível a descrição e a explicação de sua aquisição e desenvolvimento como um produto da história social refletida no contexto cultu-ral.

No ser humano, o processo de aprendizagem, permeado pela cultura, é o responsável dire-to por nosso desenvolvimento, muito mais do que, como nos animais, as condições he-reditárias e maturacionais. O sujeito desen-volve suas funções psíquicas através do que aprende interativamente com os outros, com aqueles que materializam a cultura: pais, ami-gos, professores etc. Por exemplo, nascemos com o potencial de adquirir uma língua, mas

só conseguimos aprendê-la, se interagirmos com os outros, tal qual o bebê com sua mãe. Ao mesmo tempo, através aprendizagem, nos apropriamos da cultura, de uma forma social e histórica de perceber, pensar e agir sobre o mundo. Voltando ao exemplo, diríamos que, aprendendo uma língua, aprendemos, tam-bém, uma forma de representar o mundo.

Para Vygotsky (1984), pelo elo que estabelece entre o homem e seu contexto sócio-cultural, a aprendizagem, além de um meio de aquisição de conhecimento, é também o meio através do qual, desenvolvendo os processos psicoló-gicos, nos humanizamos, saindo da condição natural para a cultural, social e histórica.

aTiVidade 1

Realize leituras que lhe permitam a compre-ensão de alguns conceitos de Marx que per-meiam a obra de Vygotsky, tais como materia-lismo histórico dialético, classe social, relação de produção e trabalho.

os Processos PsicolÓgicos

O comportamento animal e o comportamento humano têm diferenças que impõem limites e, muitas vezes, a inviabilidade da transposição da análise das observações do primeiro para o segundo. Para Vygotsky, segundo Rego (1995), tais diferenças, que se apóiam nos princípios vistos, são as seguintes:

• O comportamento animal é orientadopara a satisfação de necessidades básicas, como a fome, a sede, a sobrevivência etc. Já o comportamento humano, além das básicas, compreende outras instituídas cul-turalmente, como a curiosidade, o status, a realização, a comunicação etc. Mesmo as necessidades básicas, como a fome, são marcadas culturalmente, como se eviden-cia nos distintos hábitos alimentares dos diversos indivíduos e povos: comemos o cru ou o assado; com as mãos ou com os talheres.

• Ohomem,diferentementedosanimais,e

a partir de suas experiências e vivências in-dividuais e coletivas, constitui a linguagem,

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54e, com essa, uma representação mental do mundo que lhe permite planejar e executar suas ações. Consegue, assim, interagir com a realidade, mesmo quando essa não lhe é imediatamente presente. Para o animal, contrariamente, o mundo tem existência enquanto diante de sua percepção, quan-do lhe é imediato. Um cão, por exemplo, quando solto na rua, para retornar à casa do dono, o fará, se tiver as sensações olfa-tivas ou visuais que o ajudem a identificar o percurso de volta e, na ausência destas, certamente se perderá; já o homem, diante de uma situação análoga, planejaria men-talmente seu trajeto com os conceitos que tem de casa, rua, ônibus etc e, depois, o executaria.

• Osanimaiscomportam-senomundoatra-

vés de seu aparato biológico inato e here-ditário – instintos, atos reflexos etc. - e de suas experiências imediatas. Na inexistência destes, em geral, sucumbem. Um pingüim, por si só, jamais sobreviveria ao calor do sertão nordestino. Com isso, obviamente, não se exclui a aprendizagem animal, mas se ressalva que esta e, conseqüentemente, sua adaptação à realidade, são limitadas: no circo, o salto de um leão por dentro de um círculo de fogo só ocorre quando esse é imediatamente presente e demonstra uma habilidade cuja aprendizagem só foi possí-vel por se apoiar noutra inata e hereditária: saltar. Com o homem, temos uma situação oposta, pois, além do aparato hereditário e da experiência imediata individual, há aquela historicamente acumulada e trans-mitida cultural e socialmente. No pólo Sul, embora não tenha condições biológicas para se adaptar ao frio, o homem se adap-ta, pois, com o conhecimento adquirido durante sua aprendizagem, transforma o couro de um animal numa vestimenta e, aquecendo-se, sobrevive.

Tais características diferenciam o comporta-mento animal do humano, segundo, respec-tivamente, os processos psíquicos elemen-tares (processos elementares) e os processos psíquicos superiores (processos superiores) (VYGOTSKY, 2000).

Os processos elementares compreendem, dentre outros, os reflexos, a inteligência não-simbólica, a memória natural, a atenção in-voluntária, as reações emocionais instintivas etc. Trata-se de funções inatas, que se desen-volvem, segundo a herança biológica deter-minada pela espécie (filogeneticamente). Os comportamentos decorrentes destas funções configuram, em geral, uma reação à determi-nada estimulação ambiental por conexões es-tímulo-resposta e têm um caráter involuntário. Para seu desenvolvimento, é fundamental a maturação do organismo e, claro, a estimula-ção ambiental oriunda das propriedades físicas dos objetos: cor, som, odor, textura, forma etc.

Imaginemos a seguinte situação: um cão que, estando deitado, ao ver seu dono entrar em casa após chegar do trabalho, corre em sua direção esperando um afago. Temos uma re-ação mostrando a conexão de um estímulo – dono – com uma resposta – afago – a qual emerge involuntariamente, pela percepção do dono, ou seja, se este continuasse no traba-lho, provavelmente o cão não a realizaria. O estímulo precede a resposta, não sendo esta, portanto, a expressão de uma intenção previa-mente estabelecida. Foi a percepção do estí-mulo – odor, forma, cor etc. do dono – que, acionando a atenção e a memória do animal, fê-lo comportar-se assim. Esse funcionamento decorreu de condições biológicas inatas ao cão – percepção de cheiro, locomoção etc. – que foram maturadas e estimuladas em seu desen-volvimento. Constata-se uma aprendizagem, embora restrita ao que é possível em sua he-rança biológica. Colocando a foto do dono, a resposta não ocorreria, e o cão continuaria deitado.

Os processos superiores, por sua vez, são aque-les que, tal qual se observa nos seres humanos, permitem uma ação voluntária (intencional) prévia e conscientemente planejada. Para tan-to, temos as funções psíquicas – a memória voluntária, a percepção e a atenção conscien-te, a inteligência simbólica etc. – atreladas à utilização de símbolos, como aqueles da lin-guagem verbal (signos e gestos), dos símbolos matemáticos (números e variáveis), dos grá-ficos (diagrama e mapas) etc., que permitem

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55uma atividade cognitiva calcada na abstração, no estabelecimento de relações, na identifica-ção de causas, na realização de previsões etc (REGO, 1995). Qualificamos um processo psí-quico como superior, quando ocorre através de um sistema simbólico. O homem pensa, percebe, lembra etc. com símbolos que, repre-sentando o mundo, lhe permitem apreendê-lo, ainda que imediatamente ausente da cons-ciência.

Vejamos uma situação análoga à do cão, sen-do que, agora, com uma criança: no entarde-cer, antes da mãe retornar do trabalho, após olhar o vestido da mãe, ela exclama “mamãe vai chegar” e, dirigindo-se à porta, fica espe-rando-a. Temos uma ação – dirigir-se à por-ta – que precede o estímulo mãe. Ao mesmo tempo, constatamos que a ação é intencional-mente elaborada a partir do estímulo vestido, o qual, por seu valor simbólico, levou a criança a lembrar de sua mãe e do período em que ela comumente chega (entardecer). Desta ativida-de rememorativa decorreu um ato pensante no qual se abstraiu a relação empírica entre o tempo – entardecer – e uma ocorrência: a chegada da mãe. A criança, prevendo um acontecimento – a chegada da mãe -, planeja e executa sua ação: esperá-la. Com os símbo-los, ela recorreu a sua percepção, memória e pensamento para, operando o mundo men-talmente, estruturar o comportamento. Essa capacidade operativa, bastante superior à do cão, se apóia na representação mental do ob-jeto mãe, imediatamente ausente de sua cons-ciência, mas, simbolicamente, presente.

Vygotsky (1984, 1988; 2000) enfatizará que o desenvolvimento desses processos superiores, diferentemente do que ocorre com os elemen-tares, não se deve, apenas, à herança bioló-gica e sua maturação, mas, principalmente, à aprendizagem. Na interação com o outro (pro-fessor, pais, amigos etc.), e através dos sistemas simbólicos que este transmite, é despertado o desenvolvimento e a estruturação da ativi-dade cognitiva. Na ausência desta interação, que privaria o indivíduo da internalização do sistema simbólico humano, a cognição ficaria, como nos animais, circunscrita aos processos elementares. Sem a mediação do outro, porta-voz da cultura, inexiste a aquisição dos pro-cessos superiores e a humanização que esses

acarretam. Ao mesmo tempo, sendo o siste-ma simbólico um legado do contexto cultural, diríamos que, desarticulado desse contexto, o homem, mesmo possuindo as condições bio-lógicas necessárias à aquisição dos processos superiores, ver-se-ia privado deles:

Por isso, o meio social e cultural é que dispõe dos signos e dos sistemas de signos neces-sários para formar os processos psicológicos superiores, pois o desenvolvimento individual consiste, em boa parte, no acesso progressivo a esses signos e sistemas de signos ou, em ou-tras palavras, na aprendizagem dos signos e da sua utilização (COLL et al., 2000, p. 259).

Recorrendo à sistematização feita por Baque-ro (1998), apontamos os seguintes atributos para diferenciar os processos superiores dos elementares:

• Estaremconstituídosnavidasocialeseremespecíficos dos seres humanos;

• Regularem a ação em função deum controle voluntário, superando sua dependência e controle por parte do meio ambiente;

• Estaremreguladosconscientementeoute-rem necessitado dessa regulação conscien-te em algum momento de sua constituição (ainda que seu exercício reiterado possa haver “automatizado” sua execução, com-prometendo, uma vez consolidada, em menor medida, a atividade consciente);

• Ofatodesevalerem,emsuaorganização,do uso de instrumentos de mediação. Den-tro destas formas de mediação, a media-ção simbólica será a que ocupará um lugar de maior relevância (p. 26).

aTiVidade 2Observe a seguinte situação: um macaco, com fome, observa um cacho de banana pendurado numa parede. Diante de si, existem varas que se encaixam. Fica manipulando as varas. Em certo momento, encaixa uma na outra. Pega a vara, derruba algumas bananas, e come-as. Considerando a distinção entre processos ele-mentares e superiores, explique essa situação.

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56a mediação simBÓlica

A inserção do homem no mundo, como visto, segundo Marx, se dá pelo trabalho e seu cará-ter transformador. Com o trabalho, vemos o homem modificando a natureza e instituindo a cultura: uma árvore, por exemplo, transfor-ma-se num violino ou numa casa; o minério de ferro, numa faca, carro ou avião; um mo-vimento de locomoção, numa dança ou ritual. Vemos, também, uma relação de reciprocida-de: a cultura, resultante da ação sobre a na-tureza, transforma o primata e sua condição natural em um ser humano subjugado a uma condição cultural construída social e historica-mente. O trabalho transforma, irreversivelmen-te, a dimensão natural e animal do homem em cultural e humana:

O trabalho é, em primeiro lugar, um processo de que participam igualmente o homem e a natureza, e no qual o homem espontaneamen-te inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprio e a natureza. Ele se opõe à natureza como uma de suas próprias forças, pondo em movimento braços e pernas, as for-ças naturais de seu corpo, a fim de apropriar-se das produções da natureza de forma ajustada a suas próprias necessidades. Pois, atuando as-sim sobre o mundo exterior e modificando-o, ao mesmo tempo ele modifica a sua própria natureza. Ele desenvolve seus poderes inativos e compele-os a agir em obediência à sua pró-pria autoridade (MARX, 1998, p. 197).

As formigas são exemplos evidentes de que o trabalho também é parte da atividade animal, todavia, é possível dizer apenas produzem e re-produzem a natureza, ao invés de transformá-la. Ao mesmo tempo, é um trabalho decorren-te de uma ação direta do organismo sobre o meio. No caso do trabalho humano, além de seu aspecto transformador, observamos uma outra peculiaridade: sua ocorrência se dá pela criação de instrumentos que medeiam a rela-ção do organismo, no caso o homem, com a natureza. Enquanto a formiga utiliza seu apa-relho bucal para triturar as folhas ou construir o formigueiro, o carpinteiro, por exemplo, para fazer uma cadeira, recorre a um machado e a uma faca, instrumentos por ele imaginados e produzidos para mediar sua relação com a

árvore (natureza). O trabalho humano, dife-rentemente do animal, é geralmente mediado por instrumentos por ele criados.

Vygotsky (1984), tomando por base essa idéia de Marx, dirá que todo trabalho humano, físi-co ou intelectual, é mediado por instrumentos. Para o primeiro, temos as ferramentas mate-riais que modificam diretamente os objetos: o martelo, a roda, o barco etc. Em relação ao segundo, temos os sistemas simbólicos que facultam a possibilidade de representar e tra-balhar cognitivamente o mundo: “existem ou-tros instrumentos que não modificam direta-mente os objetos do mundo, mas que alteram completamente a forma como o ser humano relaciona-se com a realidade, alterando o pró-prio homem: são os símbolos e os signos da cultura. Os instrumentos psicológicos alteram o modo de o ser humano perceber, resolver problemas etc., ou seja, modificam as funções cognitivas humanas e abrangem a escrita, a notação simbólica da matemática, o uso de esquemas gráficos” (GOMES, 2002, p. 53).

Os signos, enquanto instrumentos psicológi-cos, permitem o domínio consciente do mun-do e do comportamento:

Essa capacidade de lidar com representações que substituem o próprio real é que possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planos e ter intenções [...] Essa possibilidade de operação não constitui uma relação direta com o mundo real fisicamente presente; a relação é mediada pelos signos internalizados que representam os elementos do mundo, libertando o homem da necessidade de interação concreta com os objetos de seu pensamento (OLIVEIRA, 1997, p.35).

No exemplo do tópico anterior, o vestido é utilizado como um símbolo do objeto mãe e, como tal, permite evocá-lo, mesmo estando ausente. Por outro lado, é um símbolo que aciona outros símbolos – entardecer, chegar, trabalho - permitindo a criança planejar e or-ganizar um comportamento que, lembremos,

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57foi o de esperar a chegada da mãe. O conjunto das funções psíquicas utilizadas nessa situação – o pensamento, a percepção, a memória, a atenção etc – está, em maior ou menor esca-la, regulado pelo sistema simbólico da crian-ça. Os signos internalizados funcionam como um instrumento cognitivo que, mentalmente, medeia sua relação com o mundo, no caso, o objeto mãe.

O caráter instrumental dos símbolos é funda-mental para distinguir entre os processos ele-mentares e os superiores. A inexistência de um sistema simbólico nos animais impõe, por um lado, a determinação do comportamento em função da herança biológica e da maturação e, por outro, sua circunscrição ao aqui e agora do mundo, ao contexto que lhe é imediatamente presente. Contrariamente, com a internaliza-ção do sistema simbólico, transmitido social-mente, o homem estrutura seu funcionamen-to psíquico como uma atividade consciente, regulada voluntariamente e independente do contexto imediato. A mediação decorrente da linguagem aciona o salto qualitativo que dife-rencia o funcionamento psíquico do ser huma-no (superior) daquele dos animais (elementar). Como os signos são adquiridos, os processos superiores mantêm estreita dependência da aprendizagem vivenciada no contexto cultura. A inserção do homem num processo interativo permite a aquisição do sistema simbólico, e, com este, o instrumento para a aquisição dos processos superiores.

aTiVidade 3Observe a seguinte situação: uma criança que ainda não sabe falar, ao chegar no parque, olha para sua mãe e faz movimentos com os braços de baixo para cima. A mãe o pega pela mão e o leva para o pula-pula. A criança sorri e começa a brincar. Como explicaríamos essa situação a partir do conceito de mediação?

a linguagem VerBal e os signos

Para Vygotsky (2000), o sistema simbólico hu-mano, por excelência, é a linguagem verbal, em sua forma escrita ou oral. Os signos que a constituem têm seus sentidos construídos his-

toricamente, e, como mostra a lógica, evo-cam as propriedades essenciais e acidentais do objeto. Por essencial, temos aquelas pro-priedades peculiares ao objeto, sem as quais ele não é reconhecido como tal e que, de certa maneira, independem do contexto de uso. Um signo sempre evoca as proprieda-des essenciais do objeto por ele designado. No que se refere às propriedades aciden-tais, temos aquelas que o objeto pode ou não apresentar, sendo sua designação, pelo nome, circunstancial, ou seja, sua atribuição e evocação dependem da intenção do emis-sor e do contexto cultural, social e histórico de uso do signo.

A palavra mãe, por exemplo, significa, con-forme o dicionário, qualquer fêmea que deu à luz um ou mais filhos. Uma definição que recorre a um atributo essencial ao objeto mãe e, como tal, a um traço semântico que sempreoacompanha.Éconcebívelumamãeque não seja uma fêmea? Parece-nos que não, assim, tal traço sempre está associado a esse signo. Todavia, outros traços semânti-cos como boa, dona-de-casa etc., muitas ve-zes associados a essa palavra, são acidentais, sendo a atribuição deles oriunda da intenção de quem o utiliza e do contexto histórico e/ou sócio-cultural em que é utilizado. Antes, no Brasil dos anos 20 do século passado, o atributo dona-de-casa era um traço da pala-vra mãe, mas hoje, depois dos movimentos feministas e da inserção da mulher no mer-cado de trabalho, essa vinculação é bastante refutada ou, pelo menos, não é vista como natural ou necessária.

Os signos da linguagem verbal, por sua ca-racterística de designar e representar deter-minado objeto ou, como veremos, classes de objetos e suas propriedades (essenciais ou acidentais), é o instrumento psicológico bá-sico da mediação do homem com o mundo e para a aquisição dos processos superiores, enquanto instrumento mediador é decisivo para regular o desenvolvimento, a organiza-ção e a reorganização da atividade psicoló-gica humana.

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aTiVidade 4

Analise o sentido das palavras negro e por-tuguês, quando, segundo nosso contexto sócio-cultual, fazemos “piadas” com um indi-víduo português ou negro. Procure identificar e explicar as propriedades essenciais e aciden-tais que lhes atribuímos em nosso uso diário.

linguagem, PensamenTo e desenVolVimenTo

Os signos, vimos, instituem uma represen-tação do mundo, e esta, segundo Vygotsky (2000), serve a duas funções interdependen-tes: o intercâmbio social e a generalização. No intercâmbio social, a linguagem (lingua-gem racional) propicia que o indivíduo inte-raja socialmente, expressando sua inten-ção comunicativa - idéias, crenças, desejos e estados emocionais - e, ao mesmo tempo, apreendendo a intenção dos outros. Inter-nalizados como um sistema socialmente co-mum a todos, os signos da linguagem verbal tornam-se um instrumento que, voluntária e conscientemente, permitem ao indivíduo se socializar e trocar de informações. Já função generalizante, ocorre quando o signo equi-vale a um conceito, ou seja, designando um conjunto de objetos do mundo, propicia que se identifique, categorize e relacione cogniti-vamenteessesobjetos.É,portanto,amaté-ria-prima da ação elaborativa do pensamento (pensamento verbal) sobre a realidade: “A lin-guagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual” (OLIVEIRA, 1977, p.43).

O conceito é formado a partir da discrimina-ção, combinação, abstração e generalização das propriedades dos objetos, favorecendo, pela nomeação de sua classe, a atividade cog-nitiva de planejamento das ações e solução de problemas, o que não ocorre nos animais devido à ausência do pensamento verbal. Oli-veira (1992) define o conceito e sintetiza sua função nos seguintes termos:

Ao utilizar a linguagem para nomear deter-minados objetos, estamos, na verdade, clas-sificando esse objeto numa categoria, numa classe de objetos que têm em comum certos atributos. A utilização da linguagem favorece, assim, processos de abstração e generalização. Os atributos relevantes [essenciais] têm de ser abstraídos da totalidade da experiência (para que um objeto seja denominado “triângulo”, ele deve ter três lados, independentemente de sua cor ou tamanho, por exemplo), e a pre-sença de um mesmo conjunto de atributos relevantes permite a aplicação de um mesmo nome a objetos diversos (um pastor alemão e um pequinês são ambos cachorros, apesar de suas diferenças [atributos acidentais]: os atributos de que compartilham permitem que sejam classificados numa mesma categoria conceitual). As palavras, portanto, como sig-nos mediadores da relação do homem com o mundo, são, em si, generalizações: cada pala-vra refere-se a uma classe de objetos, consis-tindo num signo, numa forma de representa-ção dessa categoria de objetos, desse conceito (p. 27-28).

Observando o desenvolvimento do pensa-mento na criança, Vygotsky constata que as observações, experiências e vivências sociais estimulam o processo de formação dos con-ceitos, os quais, dado este caráter interativo, denominou de cotidianos ou espontâneos (VYGOTSKY, 2000). Esse tipo de conceito com-preende três estágios de categorização: o sincrético, constituído por nexos subjetivos oriundos de percepções ou idéias (todo obje-to que anda é vivo); o complexo, no qual são estabelecidas relações a partir de um ou mais atributos concretos e factuais (cachorro tanto designa o animal real como o brinquedo) e o conceitual, orientado pela identificação, intui-tiva, dos atributos essenciais e acidentais do objeto (cachorro designa o que é vivo, mamí-fero e late, podendo ou não, ser branco). Os dois primeiros estágios são típicos da infância; e o terceiro, que mostra a objetivação do pro-cesso de conceituação na adolescência.

Na formação dos conceitos espontâneos não há, por parte da criança ou adolescente, uma consciência de como se processa sua estrutu-ração. Desta forma, Vygotsky (2000) salienta a importância da escola para, mediante a apren-

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59dizagem formal, favorecer o trânsito do con-ceito espontâneo ou cotidiano para o conceito científico. O sujeito (aluno) é, então, coloca-do diante dos conceitos e de um processo de “conscientização do seu significado em relação a uma estrutura ou sistema conceitual de con-junto no qual [os conceitos] tomam sentido” (COLLetal.,2000,p.261).Élevadoaperce-ber que os fatores subjacentes à estruturação conceitual, como, por exemplo, a identificação e diferenciação das propriedades essenciais e acidentais. Ao mesmo tempo, a escola permi-te a observação das relações hierárquicas dos conceitos entre si (por exemplo, animado-ma-mífero-humano) e do estabelecimento de re-lações conceituais, como, dentre outras, uma relação de inclusão (animais: insetos e mamífe-ros) ou de exclusão (ou insetos ou mamíferos). Lembremos, também, os novos conceitos que podem ser ensinados a partir dos conteúdos das diversas disciplinas escolares (força, célula, respiração etc). A relação entre esses tipos de conceitos é, portanto, complementar:

O ponto-chave é que para Vigotsky, o desen-volvimento conceitual demanda que ambos os tipos de processos interatuem: sem o processo de explicitação e de conscientização das rela-ções entre os conceitos que o ensino possibili-ta, os conceitos espontâneos nunca chegariam a se estruturar como conceitos científicos; ao mesmo tempo, sem o suporte suficiente dos conceitos espontâneos, os conceitos científicos podem não ter um significado autêntico para o aluno, e a sua aprendizagem pode transfor-mar-se em uma tarefa estritamente mecânica e irrelevante do ponto de vista do desenvolvi-mento (COLL et al., 2000, p.262).

O espaço escolar, pela aprendizagem, deve contribuir para a formação do conceito cien-tífico, instituindo, diferentemente de outras concepções, por exemplo, a behaviorista, o pensamento verbal como o processo essencial à aquisição do conhecimento.

Nesta perspectiva, temos o conhecer e o fazer humano tal qual descrito por Marx, ao compa-rar o trabalho humano com o trabalho animal:

Uma aranha leva a cabo operações que lem-bram as de um tecelão, e uma abelha deixa envergonhados muitos arquitetos na constru-

ção de suas colméias. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor das abelhas é que o arquiteto ergue a construção em sua mente antes de a erguer na realidade (MARX, 1998, p. 197).

A linguagem racional e o pensamento genera-lizante mostram a plena associação e interde-pendência entre os processos de linguagem e pensamento, todavia essa é uma situação re-sultante da aprendizagem, pois, nos primeiros meses de vida, segundo Vygotsky (2000), são processos dissociados. A criança, desprovida dos signos, interage e se comunica, mas, ape-nas, através de gestos, choro, riso e balbucio, e, muitas vezes, sem que haja um endereça-mento intencional ao outro. Ao mesmo tem-po, ela executa ações inteligentes sobre o am-biente, embora eminentemente práticas, por exemplo, quando, sem falar, mas balbuciando, puxa um lençol tentando pegar um chocalho que há em cima dele. Temos, respectivamen-te, o estágio pré-intelectual da fala e o estágio pré-lingüístico do pensamento. O processo de interiorização da linguagem, até que esta se torne simultaneamente um instrumento de co-municação e pensamento, segue uma suces-são de estágios:

Discurso socializado – a fala é utilizada para se comunicar, portanto, prevalece a função interativa com o outro, tendo por foco o es-tabelecimento e desenvolvimento do relacio-namento social mediante o intercâmbio de informações e/ou a expressão emocional. Por exemplo, quando uma criança solicita algum esclarecimento ou emite uma reclamação so-bre alguém ou um acontecimento.

Discurso egocêntrico - a verbalização ocorre em voz alta, mas, ao mesmo tempo, sem se endereçar ao outro, mas a si mesmo. O sujeito, dialogando consigo sobre sua ação no mundo, expressa o pensamento que simultaneamente executa: “serve para planejar e solucionar um problema, só que é como se planejasse em voz alta, antes ou ao longo da realização da ati-vidade (por exemplo: “Como eu posso pegar aquele brigadeiro que está tão longe? Ah... já sei! Vou subir na mesa”)” (REGO, 1995, p.67).

Discurso interior – dialogando consigo, mas, agora, sem verbalização e indo além da expe-

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60riência imediata, o sujeito elabora uma ação futura: “a criança estabelece um diálogo com ela mesma sem vocalização, com vistas a en-contrar uma forma de solucionar o problema (é como se ela falasse para ela mesma: “Preciso arrumar um jeito de alcançar esse doce. Pos-so usar uma escada ou banco”). Portanto, a fala passa a preceder a ação e funcionar como auxílio de um plano já concebido, mas ainda não executado” (REGO, 1995, p.66). Neste instante, tem-se a emergência do pensamento verbal.

Esses estágios evidenciam duas características básicas do processo de desenvolvimento: a) a aquisição das funções psicológicas compre-ende a transição de uma função interpsíquica (cultural) para uma intrapsíquica (individual), o que se observa pela passagem do discurso social (interpsíquico) para o discurso interior (intrapsíquico), assim inexistindo o contexto cultural e a aprendizagem, o que impossibili-taria a primeira função, não alcançaríamos a segunda e b) o processo de aquisição que se observa no nível ontogenético (indivíduo) tem estreita relação com o filogenético (espécie), assim, o desenvolvimento da espécie humana (filogenético), tal qual o da criança (ontogené-tico), compreendeu a seqüência discurso social - discurso egocêntrico - discurso interior, ou seja, inicialmente usamos a função comunica-tiva da linguagem e, depois, pela interferência da cultura e da aprendizagem, a função ge-neralizante. A relação entre o desenvolvimen-to e a aprendizagem é, então, caracterizada pela internalização: “um processo em que certos aspectos da estrutura da atividade rea-lizada em um plano externo [interpsicológico] passam ser executados em um plano interno [intrapsicológico]” (WERTSCH apud CUBERO & LUQUE, 2004, p. 98).

Essas características, as quais são comuns à constituição de todas as demais funções psi-cológicas, mostram a reciprocidade entre o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem, a bidirecionalidade que envolve ambos os processos: o homem se desenvolve aprendendo e, para aprender, precisa alcançar certo nível de desenvolvimento. Essa interde-pendência entre desenvolvimento e aprendiza-gem, no âmbito escolar, remete ao conceito de zona proximal do desenvolvimento.

aTiVidade 5 Um professor apresentou o seguinte problema ao seu aluno: Carlos é irmão de Paulo. Paulo é tio de João que é filho da irmã de sua esposa. Em seguida, perguntou: Carlos é tio de João? O aluno ficou em silêncio e, pouco depois, dis-se: não. Considerando os conceitos discutidos anteriormente, explique essa situação.

zona ProXimal do desenVolVimenTo

Quando se avalia o nível de desenvolvimento de uma criança ou adolescente, procura-se, geralmente, identificar as capacidades e as competências já adquiridas por eles. Vygotsky (1988) considera que este tipo de avaliação, que tem um valor retrospectivo, identifica o nível maturacional alcançado e o conjunto das aprendizagens já realizadas. Afere, segundo a denominação utilizada por ele, o nível de de-senvolvimento real do sujeito, ou seja, por um lado, o conhecimento já adquirido e, por ou-tro, as funções psicológicas já desenvolvidas e o nível desse desenvolvimento.

Mas, será que esta perspectiva é a que melhor favorece a formulação de uma estratégia de ensino-aprendizagem? Vygotsky (1988) dirá que não, e o faz colocando a necessidade de que a avaliação do desenvolvimento também seja prospectiva, considere o que chama de nível de desenvolvimento potencial. Trata-se, então, da identificação da capacidade do su-jeito para realizar tarefas e adquirir novos co-nhecimentos com a ajuda do outro, o qual, na escola, é tanto o professor como os demais co-legas e, também os livros, vídeos, suporte de informática etc. Cubero & Luque (2004).

O intervalo compreendido entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvi-mento potencial constitui a zona de desenvol-vimento proximal:

Não é senão a distância entre o nível real de desenvolvimento, determinado pela capacida-de de resolver independentemente um proble-ma, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um pro-

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61blema sob orientação de um adulto ou em co-laboração com outro companheiro mais capaz (VYGOTSKY, 1984, p.97)

A zona de desenvolvimento proximal traduz o espaço cognitivo no qual o sujeito, sozinho, se vê impossibilitado de adquirir certos conceitos, resolver problemas ou realizar determinadas tarefas, mas que, interativamente, com o apoio de outro, vence tais desafios cognitivos e, ao mesmo tempo, internaliza o funcionamento psíquico que lhe é subjacente. Reflete, tam-bém, a possibilidade do sujeito passar de uma função interpsicológica para, com a interação social e a mediação simbólica, uma intrapsi-cológica. Uma passagem que pode e deve ser estimulada pela aprendizagem, especialmen-te aquela escolar, pois o “bom aprendizado” é aquele que se adianta ao desenvolvimento (VYGOTSKY, 1984). Desta forma, na escola, “o ensino deve ser dirigido precisamente para criar zonas de desenvolvimento proximal e, as-sim, atuar como um motor do desenvolvi-mento” (COLL et al., 2000, p. 261).

aTiVidade 6

Um professor, numa reunião com os pais, afir-mou: um professor consciente deve orientar a atividade de ensino por uma adequada avalia-ção do nível de maturidade física da criança, caso não queira criar um grau de conflito e ansiedade que comprometa a aprendizagem. Você concorda ou discorda? Fundamente sua escolha, utilizando o conceito de zona proxi-mal do desenvolvimento.

conclusão

Os temas aqui discutidos não configuram um conhecimento aprofundado e sistemático da obra de Vygotsky, mas, apenas, introdutório, ou, talvez, o que seria melhor, instigador de sua leitura. Muitas outras de suas idéias sobre o desenvolvimento dos processos psicológicos, a aprendizagem, o papel da escolarização, do ensino etc. foram relevadas, embora, de forma alguma, sejam irrelevantes. São idéias que, de-vido a sua morte precoce, não foram por ele sistematizadas, todavia, pelo que foi aborda-

do, delineemos algumas considerações básicas sobre sua concepção da aprendizagem:

• O contexto cultural, enquanto expres-são do desenvolvimento social e histórico do homem, é o ambiente no qual e pelo qual se dá a aprendizagem, permitindo a transformação de uma função psicológica interpsíquica em intrapsíquica. O ato de aprender é, portanto, um ato de inserção na cultural e que, pela apropriação desta, permite ao sujeito (aluno), dialeticamente, ser transformado pelo mundo e transfor-má-lo. Aprender é um ato de desenvolvi-mento da consciência e de conscientização do mundo, da dinâmica das relações so-ciais.

• A linguagem verbal e todos os demaissistemas simbólicos humanos são os ins-trumentos básicos, embora não sejam os únicos, ao qual o professor, no contexto da aprendizagem, recorre enquanto meio de interação com o aluno, favorecendo, assim, seu aprimoramento da linguagem racional e do pensamento verbal, os quais, respectivamente, permitem o intercâmbio social e a atividade cognitiva generalizan-te.

• Aescoladeveserumambientequefavo-rece a aprendizagem dos conceitos cientí-ficos, mas sempre considerando sua arti-culação com os conceitos espontâneos já elaborados pelo aluno e que refletem sua interação com a cultura. Trata-se de uma condição básica para que o ato de apren-der seja um ato significativo, contextuali-zado, segundo a realidade do aluno, uma vez que os conceitos espontâneos são es-truturados a partir de sua vivência e experi-ência cultural.

• Oprofessor, aoplanejar suas aulas e ati-vidades de ensino, focalizará a zona pro-ximal do desenvolvimento, o que, como vimos, impõe uma permanente avaliação das condições de aprendizagem do aluno. Como conseqüência desta atitude, tere-mos um material didático que estimulará

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62o conflito cognitivo para, com a mediação do professor, fazer o aluno avançar em seu desenvolvimento e aprendizagem. Ao mesmo tempo, o ato de avaliar deixa de ser a mera atribuição a uma nota (prêmio ou castigo), passando a ter uma função diagnóstica e, conseqüentemente, com uma nova intervenção mediadora do pro-fessor, focada nas condições cognitivas do aluno, permitirá que esse aluno transforme seu potencial de aprendizagem em uma aquisição real.

Essa sistematização não deve ser apreendida como uma “receita”, mas como uma bússola que ajude a orientar a reflexão sobre o proces-so de aprendizagem.

reFerÊncias

BAQUERO, R. Vygotsky e a aprendizagem es-colar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

CUBERO, R. & LUQUE, A. Desenvolvimento, educação e educação escolar: a teoria socio-cultural do desenvolvimento e da aprendiza-gem. In: COLL, C.; MARCHESI, Á.; PALACIOS, J. (org.). Desenvolvimento psicológico e edu-cação – Psicologia da Educação Escolar. Porto Alegre: Artmed, 2004.

COLL, C. et al. Psicologia do ensino. Porto Ale-gre: Artmed, 2000.

GOMES, C. M. A. Feuerstein e a construção mediada do conhecimento. Porto Alegre: Art-med, 2002.

LURIA, A. R. Vygotsky. In: VIGOTSKY, L. S; LU-RIA, A. R. e LEONTIEV, A. Linguagem, desen-volvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988.

MARX, K. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky e o processo de for-mação de conceitos. In: LA TAILLE, Y. (org.). Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéti-cas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

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REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva históri-co-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fonte, 1984.

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VYGOTSK, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fonte, 2000.

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o aPrender e suas PersPecTiVas:disciPlinaridade ou inTerdisciPlinaridade?

Prof. Carlos Alberto Domingues do Nascimento Carga Horária I 10 hProfª Charmênia Maria Braga Cartaxo

oBJeTiVos esPecÍFicos

• Situarosfundamentoshistóricosefilo-sóficos subjacentes à disciplinaridade e à interdisciplinaridade.

• Diferenciar o processo de aprendiza-gem, segundo os fundamentos teóri-co-metodológicos da disciplinaridade e da interdisciplinaridade.

inTrodução

Encerrando as reflexões desenvolvidas nos fascículos precedentes, abordaremos, agora, um dos aspectos que, atualmente, envolve a discussão sobre os fundamentos teórico-práticos do processo de aprendiza-gem: a transmissão do conhecimento de forma disciplinar ou interdisciplinar.

Para tanto, realizaremos algumas conside-rações e reflexões que permitam, por um lado, apreender os fundamentos episte-mológicos subjacentes aos paradigmas que sustentam essas duas perspectivas e, por outro, as concepções de aprendiza-gem, até certo ponto antagônicas, de cada uma delas. Estaremos, em última instância,

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64debatendo e, ao mesmo tempo, afirmando a necessidade de transição de um modelo para o outro: do disciplinar para o interdisciplinar.

a aPrendizagem e a disciPlinaridade

Comecemos definindo o conceito de para-digma: “Modelo de pensar e ser capaz de engendrar determinadas teorias e linhas de pensamento dando certa homogeneidade a um modo de o homem ser no mundo, nos diversos momentos históricos” (CARDOSO, 1995, p.17). A ciência moderna, instituída en-tre os séculos XVI e XIX, através dos estudos de Copérnico (leis do movimento dos planetas), Galileu (leis da queda dos corpos), Descartes (método científico) e Newton (leis da mecâni-ca), encontra na racionalidade o fundamento epistemológico de seu paradigma científico.

A razão, apoiada na objetividade e na experi-mentação, torna-se, no conjunto dos estudos destes autores, e, principalmente, no pensa-mento de Descartes e Newton, o instrumento humano para deduzir as leis que tanto expli-cam o funcionamento da natureza como fa-vorecem seu domínio e controle pelo homem.

Esse paradigma, denominado de clássico, do-minante ou newton-cartesiano, estabelece que, para se alcançar a racionalidade, é pre-ciso, dentre outros aspectos, empreender a fragmentação ou atomização da realidade em unidades menores de análise. Um pressuposto que deu à ciência moderna o seu caráter de disciplinaridade, de uma ciência disciplinar: a disciplina (ciência) [é] um conjunto específico de conhecimentos de características próprias, obtido por meio de método analítico, atomi-zador e linear da realidade, que produz um conhecimento aprofundado e parcelar (espe-cializado) (LÜCK, 1994, p.37-38).

Em Descartes (1979), encontramos a sistema-tização desse pressuposto. No seu magistral livro, O Discurso do Método, o filósofo ensina como se deve proceder durante o ato de pen-sar, especialmente no âmbito da ciência, para que, como num sonho, não ocorra o engano que confunde o pensamento falso com o ver-dadeiro, o subjetivo com o objetivo, o ilusório com o real. Segundo o autor, o pensamento

(racionalidade), utilizado com ordem e rigor, é o instrumento que orienta o homem em seu conhecimento e ação sobre a realidade. Daí o título do livro: um discurso sobre o método para o pensar correto, verdadeiro, que traduz a realidade como ela é, e não como desejamos que ela seja.

omado por esta preocupação, o filósofo es-tabelece os preceitos que fundamentam o pensamento racional-científico, aliás, precei-tos que até hoje, explicita ou explicitamente, vigoram nos diversos manuais de metodologia científica existentes. Em número de quatro, são: o da evidência, o da análise, o da síntese e o da enumeração. O segundo, em particu-lar, pela atitude analítica que propõe, coloca a fragmentação do conhecimento como um princípio nuclear da disciplinaridade.

Com este preceito, o autor estabelece que, para formular um questionamento (problema) sobre a realidade, é preciso, antes, dividir os questionamentos que temos e, portanto, tam-bém a realidade, em tantas parcelas quantas necessárias, pois só assim se torna claro e pre-ciso o que se quer conhecer e o objeto desse conhecimento. A análise delimita o questiona-mento e o aspecto da realidade a serem inves-tigados, permitindo chegar a um conhecimen-to verdadeiro, que corresponde à realidade. Abordando o todo, confundimos a razão e chegamos ao erro, a um conhecimento falso.

Não podemos, por exemplo, estudar, simulta-neamente, todos os seres que habitam a Terra. Para Descartes, seria preciso delimitar o obje-to no qual se focaliza a ação investigativa, por exemplo: se os seres orgânicos ou os inorgâni-cos. E optando pelos orgânicos, uma nova de-limitação se impõe: os animais ou os vegetais. E escolhendo os animais, mais uma delimita-ção: os mamíferos ou as aves. E, atendo-se aos mamíferos, outra delimitação: os humanos ou as baleias. E assim sucessivamente. Esse pro-cesso de análise, decompondo e delimitando o objeto a ser investigado, evita deduções falsas, como, por exemplo, todos os seres vivos são mamíferos, e permite alcançar a verdadeira: todos os seres humanos são mamíferos. De-compondo o todo (a realidade) em suas partes elementares, dissipamos as ambigüidades e as confusões que obscurecem a verdade.

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65Essa perspectiva analítica é extensiva à estrutu-ração da ciência, levando-a, também, a ser de-composta em várias outras ciências ou discipli-nas. Considerando-se, por exemplo, o Homem enquanto objeto do conhecimento, diremos que, ao estudá-lo, é preciso dividi-lo em di-versas unidades: biológica, histórica, cultural, econômica etc. Por conseguinte, o estudo do Homem também se dá mediante a decompo-sição da ciência em várias outras ciências: Bio-logia, História, Antropologia, Economia etc. A fragmentação da realidade ocasiona uma frag-mentação do conhecimento e, assim, tem-se que, para cada unidade da realidade, corres-ponde uma unidade do conhecimento (disci-plina).

É interessanteobservarqueesteprocessodeanálise se estende ao interior de cada ciência/disciplina, subdividindo-a em outras que, entre si, são independentes. A Biologia, por exem-plo, sofre um processo de decomposição inter-na: Embriologia e Genética, Zoologia, Micro-biologia, Parasitologia, Ecologia etc. A análise prossegue e acaba por decompor cada uma destas em outras: a Ecologia, por exemplo, comportará a Ecologia de Populações, a Eco-logia Animal, a Ecologia Humana etc. Há um extenso e quase infinito processo de departa-mentalização do conhecimento e, por conse-qüência, uma percepção cada vez mais frag-mentada da realidade.

Neste contexto, a aquisição do conhecimento fica condicionada, por um lado, ao domínio de determinada unidade da realidade, e, por ou-tro, a um elemento ou a alguns elementos des-sa unidade, ou seja, o conhecimento é sempre e mais especializado. Retomando a Biologia, diremos que os biólogos são especialistas em Microbiologia, Biologia Parasitária, Citologia Clínica, Biologia Marinha etc. Essa especiali-zação pode avançar assumindo um contorno ainda mais delimitado: especialista em Biolo-gia Vegetal Tropical, por exemplo. Portanto, o preceito analítico, estendendo-se à formação profissional, configura-a como uma aquisição de certo conjunto de conhecimento específico sobre determinado fragmento da realidade: sabe-se cada vez mais sobre cada vez menos.

Newton, como dito antes, também foi de suma importância para o estabelecimento do

paradigma clássico. Sua teoria gravitacional, dentre outras, unificando as teorias de Gali-leu e Kepler, e em plena consonância com as concepções cartesianas, empreende uma revo-lução científica e consolida uma nova percep-ção da realidade (REALE & ANTISERI, 2004). O modelo newtoniano, apresentado nos Philo-sophiae naturalis principia mathematica, obra que explicita os fundamentos epistemológicos da ciência moderna, apresenta uma visão me-canicista do mundo, a qual, tendo sido adota-da por toda a ciência, ganha uma abrangência que transcende o domínio estrito do pensa-mento científico para, irradiando influências diversas, instituir uma nova percepção da re-alidade:

Entretanto, durante os cento e cinqüenta anos que decorrem entre Copérnico e Newton, não é apenas a imagem do mundo que se trans-forma. Vinculada a essa transformação, está a mudança – que também foi lenta e tortuosa, mas decisiva – das idéias sobre o homem, so-bre a ciência, sobre o homem de ciência, sobre o trabalho científico e as instituições científi-cas, sobre as relações entre a ciência e a so-ciedade, entre a ciência e a filosofia e entre o saber científico e a fé religiosa [grifos do autor] (REALE & ANTISERI, 2004, p.142).

Desde então, todos os acontecimentos da re-alidade, no âmbito terrestre ou celestial, são aprendidos como ocorrências simples e unifor-mes, a serem descritos, segundo as relações de causa e feito que seus fenômenos ou os seus componentes guardam entre si. Uma situação claramente observada com a lei da gravidade – toda a partícula material no Universo atrai ou-tras com uma força diretamente proporcional ao produto das massas das partículas e inver-samente proporcional ao quadrado da distân-cia entre elas – que tanto descreve e explica, de forma simples (matemática) e uniforme, a queda de uma maçã da macieira, como a gra-vitação dos planetas em torno do sol.

Essa perspectiva determina uma visão linear do mundo. Mas o que significa linear: “Que dá a idéia de seguir uma linha reta; sem desvios, ou complicações, ou complexidade, ou, às vezes, profundeza;claro,simples,direto” (AURÉLIO,1987, p. 840). Newton, em plena consonância com Descartes, adotando a linearidade como

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66perspectiva de percepção da realidade, des-creve-a segundo uma metáfora: um relógio. A mundo e a natureza têm a mágica do relógio, são feitos de peças que funcionam sincroni-camente e, assim, observando cada uma em separado (unidades) e explicando linearmente as relações que mantêm entre si (leis), pode-mos, tal qual o relojoeiro faz com o relógio, compreendê-la e intervir sobre ela. Conser-tamos ou modificamos suas peças para que continue funcionando ou funcione, segundo nossas necessidades. Com a ciência na mão, o homem é o relojoeiro; a realidade, com suas peças e funcionamento sincrônico, o relógio. Desde então, a realidade é uma máquina, uma engrenagem.

Podemos, agora, elaborar um questionamen-to: quais as conseqüências dessa perspectiva de abordagem para a educação em geral e, em particular, para o processo de aprendiza-gem? Historicamente, a prática pedagógica e, portanto, o processo de aprendizagem, foi visceralmente associado à disciplinaridade ins-tituída pela ciência moderna. Uma situação facilmente constatada, quando se observa a organização curricular dos cursos e ciclos de escolaridade em geral, nas quais, se identifica uma estrutura constituída por um conjunto de disciplinas seqüenciadas e dissociadas e, como tal, prima por uma abordagem fragmentada e isolada dos conteúdos. Essa concepção de escola e aprendizagem é bem explicitada por Moraes (1997):

Uma escola que continua dividindo o conhe-cimento em assuntos, especialidades, subes-pecialidades, fragmentando o todo em partes, separando o corpo em cabeça, tronco e mem-bros, as flores em pétalas, a história em fatos isolados, sem se preocupar com a integração, a interação, a continuidade e a síntese. É o professor o único responsável pela transmissão do conhecimento, e, em nome da transmissão do conhecimento, continua vendo o aprendiz como uma tábula rasa, produzindo seres sub-servientes, obedientes, castrados em sua capa-cidade criativa, destituídos de outras as forma de expressão e solidariedade (p.51).

Behrens (2005) reafirma essa situação:

A sociedade caracterizada no século XX como “sociedade de produção de massa” passa, no

final do século a ser designada como “socieda-de do conhecimento” (Tofler, 1995). A práti-ca pedagógica desenvolvida pelos professores numa sociedade de produção de massa leva à reprodução do conhecimento, à repetição e a uma visão mecanicista do ensino e da apren-dizagem. A influência do pensamento newto-niano-cartesiano foi contemplada nos últimos quinhentos anos na história da educação no Brasil. (p.40).

Sob a influência deste paradigma, o processo de aprendizagem introjetou, como fundamen-to metodológico, a aquisição de conteúdos que, por um lado, são apresentados de forma seqüencial e ordenada e, por outro, sem um vínculo entre si e com os das demais discipli-nas (BEHRENS, 2005, p.43). Quando o aluno aprende, por exemplo, Biologia, observa-se, em geral, uma aquisição fragmentada, tan-to em relação aos conteúdos desta disciplina como destes com os de outras, por exemplo, Geografia. O mesmo ocorre quando se estuda Português, História, Religião etc. O aluno não é estimulado a perceber a interligação e a in-terdependência entre os conteúdos estudados.

A Biologia, como dissemos, é desvinculada da Geografia, mas, se pensarmos nos fenôme-nos ecológicos e, portanto, na disciplina de Ecologia, área de especialização da Biologia, facilmente observaremos a necessidade da in-tercomunicação entre ambas: é possível pen-sar os fenômenos ecológicos sem observar a interdependência destes com os fenômenos biológicos e geográficos? O desmatamento, desertificando regiões e extinguindo espécies, mostra que não, que há uma interligação ne-cessária entre ambas, pois na realidade estão juntas. Ao mesmo tempo, vemos o desvincu-lamento do conhecimento da vida do aluno, observado nas já clássicas perguntas: Para que estudo isso? Qual sua importância na minha vida? O conhecimento é separado da própria vida, como uma entidade que tem existência e consistência em si mesma. Nagasaki e Hi-roshima mostraram, contundentemente, que a ciência está na vida e na morte, e a vida e a morte estão na ciência.

No âmbito da Biologia, se a tomamos como exemplo, observamos que o conhecimento so-bre o conteúdo célula, como todos os outros

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67que a constitui, é transmitido, sem que se enfa-tize sua relação com aqueles relativos ao estu-do de outros conteúdos como tecidos, órgãos, processos bioquímicos etc. O próprio estudo da célula é feito de forma fragmentada, pois é analiticamente atomizado em conteúdos, como membrana, citoplasma e núcleo, sendo cada um abordado dissociadamente. E cada um deles, por exemplo, o citoplasma, também é atomizado: estuda-se separadamente, o retí-culo endoplasmático liso, o retículo endoplas-mático rugoso, os ribossomos etc.

Essa fragmentação acaba por caracterizar o currículo escolar como um conjunto de conhe-cimentos dispersos, terminando por se refletir na percepção do aluno sobre a realidade, a qual é, então, apreendida como um mosaico. Não percebe uma realidade integrada, mas diversas realidades desconectadas entre si, ou seja, para o aluno existe, isoladamente, as re-alidades biológica, histórica e econômica etc. Todavia, é importante reafirmar que a realida-de é una e complexa; o homem, estudando-a, torna-a fragmentada e linear, e, por isso, per-cebe-a fragmentada.

É importanteobservarqueestavisãoda rea-lidade apóia-se numa concepção de apren-dizagem que, no âmbito da disciplinaridade, equivale a armazenar informações. A fragmen-tação proposta no modelo newton-cartesiano, conjugada à teoria do condicionamento de Skinner, fez do ato de aprender, além de ato-mizador, um exercício contínuo, árduo e des-prazeroso de associação e memorização de informações (BEHRENS, 2005). O aluno apren-de quando, treinando e repetindo, mediante reforços, armazena informações. A cópia e a imitação são as estratégias privilegiadas à assi-milação dos conteúdos.

Neste contexto, o aluno é um mero espectador, e, como tal, deve ser condicionado, responsivo e acrítico; e o professor, por sua vez, é aquele que expõe e define atividades, as quais, pela incessante repetição, levam o aluno a fixar, na memória, o conteúdo dado (BEHRENS, 2005). Desconsidera-se uma formação compreensiva (reflexiva e crítica) e enfatiza-se uma memora-tiva (reprodutivista):

A visão fragmentada levou os professores e os alunos a processos que se restringem à repro-dução do conhecimento. As metodologias uti-lizadas pelos docentes têm estado assentadas na reprodução, na cópia e na imitação. A ênfa-se do processo pedagógico recai no produto, no resultado, na memorização do conteúdo, restringindo-se em cumprir tarefas repetitivas que, muitas vezes, não apresentam sentido ou significado para quem as realiza (p.23).

Coroando a perspectiva disciplinar, temos a es-pecialização como parâmetro para a formação epráticaprofissional:“Éhojereconhecidoquea excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um ignoran-te especializado e que isso acarreta efeitos negativos” (SANTOS, 1998, p.46). Mas, além do cientista, temos, também, todo aquele que aprende os conteúdos do conhecimento cien-tífico, dos anos iniciais de estudo (ciclo infantil) até, principalmente, a formação superior (uni-versitária). Em todos esses níveis, a aprendiza-gem foi abordada em função da delimitação e do aprofundamento do conhecimento de cer-to fragmento da realidade.

Retomando a Biologia como exemplo, vemos que um aluno desse curso, quando universi-tário, será estimulado pela tradição disciplinar a delimitar seu interesse de estudo, por exem-plo, na parasitologia e, dentro desta, talvez, nos protozoários, e neste grupo, quem sabe, a um tipo bem específico, como a giárdia lam-blia. Espera-se, portanto, que o aluno se torne um especialista, domine uma grande quan-tidade de informações que reproduzam um conhecimento aprofundado sobre determi-nado aspecto da realidade, no caso do nosso exemplo, os protozoários e a giárdia lamblia. Essa situação é aplicável a todas as áreas do conhecimento. Na História, encontramos o especialista em História Antiga, e nesta, o es-pecialista em História Egípcia. Na Medicina, te-mos o especialista em Cirurgia, e dentro desta o especialista em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. O mesmo qua-dro vale para a Psicologia, Pedagogia, Física, Química etc. Em todas, temos o especialista: alguém que sabe muito sobre muito pouco.

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68No que pese essa apresentação crítica e ne-gativa do paradigma da ciência moderna e, por extensão, do conhecimento e da aprendi-zagem disciplinar, é importante ressaltar que também apresentou aspectos positivos. Dentre estes, sublinhamos o avanço que o conheci-mento humano alcançou em diversas áreas, como Biologia, Química, Física etc. Outro as-pecto a se destacar é o desenvolvimento tec-nológico observado na saúde, transporte, te-lecomunicaçõesetc.Éinegávelopapelqueaciência moderna, baseada na disciplinaridade, teve e tem tido para as mudanças ocorridas desde o século XIX. Todavia, surge a necessi-dade de outros ganhos, especialmente aqueles que introduzam uma visão de mundo mais in-tegrada para, inclusive, lidar melhor com seus impasses. A interdisciplinaridade, que a partir de agora abordaremos, é uma tentativa que, apoiada num novo paradigma de ciência, ten-ta superar os aspectos negativos da disciplina-ridade, sem abandonar os positivos, propondo e propõe um novo parâmetro de abordagem da educação e da aprendizagem.

aTiVidade 1Fazendo uma análise da grade curricular deste curso de licenciatura, você diria que ele é dis-ciplinar? Justifique.Observando, também, sua história de aprendizagem, você diria que foi disciplinar? Justifique.

a aPrendizagem e a inTerdisciPlinaridade

O paradigma clássico, com sua percepção fragmentada da realidade, entrou em crise a partir das descobertas da relatividade de Einstein, da física quântica de Planck, Bohn e Heisenberg, das estruturas dissipativas de Pri-gogine e tantos outros autores. Seus estudos evidenciaram a necessidade da “superação das distinções tão familiares e óbvias que até pou-co considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inani-mado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoal” (SANTOS, 1998, p.40).

Essa superação preconiza e introduz uma nova percepção da realidade, ou seja, que não a

apreendamos como um conjunto de unida-des, átomos, mas como uma teia de relações, o que se torna possível quando é estabelecida a interdependência entre os diversos conhe-cimentos, ao invés de sua dissociação. Neste contexto, surge um novo paradigma, denomi-nado de paradigma emergente ou, seguindo a reflexão de Morin (2000), o paradigma da complexidade, no qual o preceito da análise (disciplinaridade), tal qual formulado por Des-cartes, é substituído pelo preceito da integra-ção (interdisciplinaridade). E com este surge uma nova concepção de educação e, conse-qüentemente, de aprendizagem, na qual so-bressai a integração conteúdo-ética-pesquisa.

A dimensão de integração coloca em oposição ao enfoque da fragmentação da realidade o enfoque da complexidade da realidade. No primeiro, quando percebemos um fenômeno, tomamô-lo como se fosse uma realidade em si e, portanto, dissociada de tudo o mais. Não olhamos o relógio, mas suas peças; olhamos a parte sem o todo. No segundo, o fenômeno é visto em função de sua interação com outros e, assim, considerando a teia de relações na qual está envolvido e pela qual envolve outros, acredita-se ser possível compreendê-lo melhor. Não olhamos a peça do relógio ou o relógio, mas o relógio e a peça como uma unidade; olhamos o todo na parte e a parte, no todo.

A chuva, por exemplo, observada enquanto fe-nômeno restrito à abordagem geográfica, seria apenas a maior ou menor precipitação da água das nuvens sobre a superfície terrestre. Mas, observada em sua complexidade, veremos que é mais do que isto, é multidimensional, sen-do, também, um fenômeno sócio-econômico, químico, físico, biológico etc. As mudanças do seu ciclo decorrem, por exemplo, das intercor-rências do El Niño, o qual, por sua vez, se al-tera pelo aquecimento global denominado de efeito estufa (fenômeno também químico e fí-sico), decorrente da emissão de gases poluen-tes e desmatamentos (fenômeno socioeconô-mico). Por outro lado, ou melhor, pelo mesmo lado, a alteração do ciclo de chuvas também ocasiona alterações em vários aspectos da realidade, uma vez que, dentre outras tantas conseqüências, temos, nas muitas regiões do planeta, modificações das condições agrícolas (fenômeno socioeconômico) e de vida de di-

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69versas espécies (fenômeno biológico). Assim, no âmbito da complexidade, não há um acon-tecimento isolado, atomizado, mas interliga-do, que, sendo determinado e determinante, assume uma dimensão global:

O global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional. Dessa maneira, uma sociedade é mais do que um contexto: é o todo organizador de que fazemos parte. O planeta terra é mais do que um contexto: é o todo ao mesmo tempo organizador e de-sorganizador de que fazemos parte. O todo tem qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes, se estas estiverem iso-ladas uma das outras, e certas qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restrições provenientes do todo. Marcel Mauss dizia: “É preciso recompor o todo [grifo do autor]. É preciso efetivamente recompor o todo para conhecer as partes ((MORIN, 2000, p. 37).

Esta dimensão de globalidade exige que a per-cepção e o pensamento sejam complexos:

Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade, quando elementos di-ferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o sociológico, o psicoló-gico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto do conhecimento e seu contex-to, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos próprios a nossa era plane-tária nos confrontam cada vez mais e de ma-neira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade (MORIN, 2000, p. 38).

O conhecimento interdisciplinar é aquele que percebe e pensa a realidade enquanto um acontecimento global e multidimensional, e como tal, por oposição a uma visão fragmen-tada, é complexo. Neste sentido, a interdisci-plinaridade busca atenuar ou superar as fron-teiras do conhecimento, partindo do princípio de que só a interação entre os diversos conte-údos das diversas disciplinas permite a apreen-são da realidade, segundo as conexões entre seus diversos constituintes.

Esta superação só é possível mediante a inter-comunicação e a equivalência dos saberes - re-ligião, artes, biologia, filosofia, física etc –, ou seja, através de um diálogo permanente entre estes e a clareza de que todos são relevantes e necessários à compreensão e intervenção so-brearealidade.Épossíveldizerque,emúltimainstância, a interdisciplinaridade é uma nova atitude face a produção, transmissão e o uso do conhecimento, sendo a integração dos con-teúdos uma de suas marcas (FAZENDA, 2002).

A complexidade impõe uma redefinição na concepção da educação e do processo de aprendizagem: “as escolas, em todos os níveis de ensino, precisam ultrapassar o paradigma conservador [clássico], que caracterizou uma prática pedagógica baseada na transmissão, na apresentação e na organização dos con-teúdos na perspectiva disciplinar” (BEHRENS, 2006, p.25-26).

Uma proposta deste teor impõe a substituição do modelo curricular linear que departamen-taliza o conhecimento por outro que o aborda sistemicamente. Neste tipo de abordagem, vis-lumbra-se aquela que valoriza a conexão entre os conteúdos das diversas disciplinas: geogra-fia, química, física, história etc. Uma conexão que pode ser feita por um mesmo professor, quando responsável por conteúdos distintos, ou por diversos professores, quando cada um é responsável por determinado conteúdo. No primeiro caso, um mesmo professor faria os saberes dialogarem entre si; no segundo, os diversos professores, intercomunicando-se, portanto, coletivizando a responsabilidade so-bre o conteúdo, promoveriam o diálogo dos saberes. Numa e noutra situação, os saberes convergiriam, sem perderem suas especificida-des, para um saber que não seria único, mas integrado.

Desta forma, o sujeito aprenderá determinado conteúdo, construindo sua relação com outros e, ao mesmo tempo, por um processo de me-ta-aprendizagem, aprenderá a perceber e a re-fletir sobre a realidade em função de sua com-plexidade, pois evidenciará que esta, como o conhecimento que a explica, é uma teia de re-lações. O conhecimento, para ser o mais fide-digno possível à realidade, deve, também, ser produzido e transmitido numa perspectiva que

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70sublinhe a interdependência existente nela: sua complexidade. A aprendizagem, reformu-lando a definição dada no fascículo I, não é só uma mudança de comportamento pela aqui-sição de conteúdos mas, uma mudança pela aquisição de conteúdos na qual se ressaltam as relações que mantêm entre si, para que mostre a realidade e sua teia de relações, ao invés de um conjunto de constituintes fragmentados e dissociados entre si.

O paradigma clássico, em função de sua abor-dagem fragmentadora, também desvinculou o sujeito do conhecimento do sujeito da ação, inibindo a reflexão crítica e ética das conse-qüências subjacentes ao uso do conhecimen-to. Neste sentido, quando se dá a aplicação deste conhecimento, especialmente dos avan-ços tecnológicos que produz, desconsidera-se a perspectiva de suas implicações para a tota-lidade do mundo e das gerações subseqüentes de indivíduos tanto a curto como a médio e longo prazo. Na disciplinaridade, observa-se uma postura ética em que o uso do conheci-mento, naquilo que a visão global da realidade é inibida, gera conseqüências que refletem um usufruto imediatista, egocêntrico e individua-lista: “A visão enganosa de que os fenômenos ocorrem isoladamente levou parte da popula-ção a agir de maneira irresponsável frente aos seus semelhantes, aos animais e à natureza” (BEHRENS,2006,p.15).Éaéticadoolhardiri-gido à parte e não, ao todo.

Estabelece-se uma miopia ou alienação, segun-do a qual as ações não repercutem no todo. Assim, alguém que dirige um carro, por pensar fragmentadamente, não apreende a implica-ção global de seu ato. Imagina, com sua per-cepção linear e mecanicista, que o único efeito do combustível utilizado é movimentar o veí-culo com o qual se desloca para o trabalho ou lazer e, quando muito, que a poluição emitida terá um efeito localizado, circunscrito a sua rua ou bairro e, quando muito, a sua cidade, o que, aliás, embora não seja pouco, é percebi-do como mínimo. Essa poluição é vista como um fato isolado e não, em sua dimensão glo-bal, planetária, ou seja, de que muitos carros, inclusive o seu, usando combustível, poluem mais do que uma rua, bairro ou cidade, po-luem todo o planeta.

Todavia, quem pensa de forma complexa, me-diante a integração dos conteúdos e a conco-mitante reflexão sobre o uso deste no âmbito global, é capaz de contextualizar sua ação e a dos demais e, assim, observar a implicação globalizante de seu ato individual e coletivo para todo o planeta e as futuras gerações. Te-ríamos, então, um pensamento complexo, o qual, orientando tanto a ação individual como coletiva, permitiria, por exemplo, refletir sobre a importância e responsabilidade do uso de combustível para a produção de outros males que, como o efeito estufa, ameaçam a quali-dade de vida das pessoas e a própria vida na Terra, ou seja, a chuva ácida:

A queima de carvão e de combustíveis fósseis e os poluentes industriais lançam dióxido de en-xofre e de nitrogênio na atmosfera. Esses ga-ses combinam-se com o hidrogênio presente na atmosfera sob a forma de vapor de água. O resultado, as chuvas ácidas. As águas da chuva assim como a geada, a neve e a neblina ficam carregadas de ácido sulfúrico ou de ácido ní-trico. Ao caírem na superfície, alteram a com-posição química do solo e das águas, atingem as cadeias alimentares, destroem florestas e lavouras, atacam estruturas metálicas, monu-mentos e edificações. (http://educar.sc.usp.br/licenciatura/2000/chuva/ChuvaAcida.htm).

O pensamento complexo, permitindo a com-preensão e a percepção global deste fenôme-no e sua relação com o uso do combustível, ajudaria a promover indivíduos e coletividades, esta última, inclusive, no âmbito governamen-tal, engajadas numa atitude comprometida com o bem-estar global e geracional. A cons-ciência ética decorrente de um pensamento complexo é um fator determinante para res-tringir o uso dos combustíveis, tanto no carro utilizado individualmente como nas indústrias dos países desenvolvidos. É o caminho parauma responsabilização individual e coletiva.

Diferentemente da disciplinaridade, a interdis-ciplinaridade concebe que a formação escolar não se dá apenas pela aquisição de conteúdos, sendo necessária também a aquisição de uma nova atitude sobre o uso deste. Desta forma, a escola e o processo de aprendizagem devem ser um espaço de reflexão sobre a ética. Evi-dentemente que não se trata de apresentar

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71aos alunos autores e teorias sobre ética, por exemplo, os princípios morais propostos por Aristóteles e Kant, o que seria instituir uma nova disciplina, mas, de levá-los a refletir cri-ticamente sobre as conseqüências do uso do conhecimento, naquilo que este, intervindo sobre a realidade, irá modificá-la, para melhor ou pior, de imediato ou a posteriori: “A ética não poderia ser ensinada por meio de lições de moral. Deve formar mentes com base na cons-ciência de que o humano é, ao mesmo tempo, indivíduo, parte da sociedade, parte da espé-cie. Carregamos em nós essa tríplice realida-de” (MORIN, 2002, p.17). Assim, um professor de geografia, considerando a exemplificação dada, não deve apenas explicar o conceito de chuva mas também promover uma consciên-cia ética sobre os fatores que, decorrentes da ação humana, no uso do conhecimento, inter-ferem nela, repercutindo globalmente.

O mesmo vale para o professor de Ciências Biológicas, quando explica, por exemplo, o processo reprodutivo humano. Seu objetivo não deveria estar limitado apenas a explicar o aparelho reprodutor masculino e feminino mas também a discutir temas, como o aborto, o infanticídio, o controle de natalidade etc. Um professor de Religião, por sua vez, não deveria, também, discutir apenas conteúdos, como o fundamentalismo islâmico e o catolicismo mas levar o aluno a refletir sobre aspectos, como o preconceito e a tolerância religiosa. E, inte-grando-se os conteúdos, o professor ou pro-fessores deveriam promover a discussão sobre, por exemplo, o tema do aborto tanto de um ponto de vista biológico (aparelho reprodutor) como religioso (catolicismo/fundamentalismo islâmico).

Ao professor, evidentemente, não cabe esta-belecer o que é certo ou errado, pois não se trata de catequizar mas de incutir no aluno uma reflexão sobre valores universais, como, por exemplo, a liberdade de expressão e uma postura crítica geral, face o uso que ele aluno, enquanto cidadão e profissional (médico, psi-cólogo, pedagogo, etc.), dará ao seu conhe-cimento. Trata-se, então, de promover uma aprendizagem que integre o conhecimento à vida vivida, à ética, superando a dicotomia que a disciplinaridade estabeleceu entre o conheci-mento e a responsabilidade sobre seu uso:

A humanidade precisa retomar o foco de ser vivente responsável pelo futuro do universo e acreditar que como tal faz parte de uma co-munidade planetária. Enfatiza-se que todos os atos dos seres humanos, sejam positivos ou negativos, afetam o meio ambiente e compro-metem a convivência fraterna e responsável no universo. A educação tem papel relevante nesse movimento de reconstrução, pois preci-sa propiciar meios para soterrar o paradigma conservador vigente e com ele o processo de injustiça, a visão individualista e competitiva, a violência e o desrespeito aos direitos humanos (BEHRENS, 2006, p.17).

A aprendizagem disciplinar, como vimos, por seu vínculo com a concepção behaviorista, está voltada para a reprodução/repetição do conhecimento. Em geral, trata a aquisição dos conteúdos como se não fossem significativos, desvinculados da realidade e de qualquer fina-lidade prática, tornando o ato de aprender um exercício mecânico de associação memorativa de conteúdos: regras gramaticais, fórmulas de matemática, física e química, de nomes e datas históricas etc. Neste contexto, ocorre, por um lado, uma profunda convergência en-tre a aprendizagem e a memória e, por outro, emerge uma dicotomia entre a aprendizagem e a pesquisa, enquanto atividade criativa.

O processo de aprendizagem interdisciplinar, como bem coloca Fazenda (1996), assumin-do a pesquisa como estratégia metodológica, busca a superação desta dicotomia. Não se trata, portanto, de uma aprendizagem volta-da para a acumulação da informação, mas de uma na qual, além de acumular informações, o que deve ocorrer em função da própria vivên-cia e construção do conhecimento, favoreça o desenvolvimento de uma atitude investigativa, crítica e reflexiva face a realidade.

O ato de aprender deve obedecer à lógica da pesquisa científica, ou seja, inicialmente, uma ação contemplativa diante da realidade que permita gerar um problema e, depois, a bus-ca de uma explicação que o resolva (Bagno, 1998). Desta forma, o aluno assume uma ati-tude problematizadora que tanto lhe permite aprender o conteúdo como aprender a apren-der, ou seja, a desenvolver um espírito inves-tigativo, aquele que valoriza a dúvida e a in-

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72certeza, enquanto fundamento primeiro para a construção e elaboração do conhecimento. É interessante observar o que afirma Cunha(1997):

Pesquisar é trabalhar com a dúvida de que é seu pressuposto básico. O erro e a incerteza é que gabaritam os caminhos da investigação. Os conhecimentos construídos são sempre provisórios, não há certezas permanentes. A repetição é punida, mesmo que simbolicamen-te. O pensamento divergente qualifica e enri-quece os processos de trabalho, e a emancipa-ção é o que torna um investigador qualificado. A indissociabiliadade do ensino e da pesquisa terá de ter esta tensão analisada, sob pena de não se tornar real. Para pensar o ensino com pesquisa, será preciso reverter a lógica do ensi-no tradicional e tentar formulá-lo com base na lógica da pesquisa (p.83).

Poderíamos exemplificar essa situação, recor-rendo à aprendizagem do conceito de conden-sação. Um professor, ao ensiná-lo de forma tradicional e disciplinar, provavelmente daria uma explicação sobre este, formularia alguns exemplos e, por fim, colocaria sua definição no quadro para que fosse copiada. Em seguida ou em casa, o aluno se encarregaria de, repetin-do-a, memorizá-la. Na avaliação escolar, me-diante uma questão como Qual o conceito de condensação? Explique-o com suas palavras, o aluno transporia o conceito da memória para a prova e, tendo sucesso, receberia uma boa nota. Estaria, assim, evidenciada a ocorrência de uma aprendizagem, ou seja, o aluno acu-mulou mais uma nova informação: que a con-densação é a mudança de fase de vapor para líquido.

No dizer de Martins (2001), essa situação descreve uma aprendizagem superficial: “a memorização de conteúdos, por vezes, desco-nectados dos contextos, destinados apenas a alcançar sucesso em provas ou avaliações, mas que logo são esquecidos” (p.20). O professor, observa-se, é um instrutor que mecanicamente transmite informações a serem reproduzidas; o aluno é aquele que as recebe mecanicamen-te. O conhecimento é servido à moda dos res-taurantes em que matamos a fome, mas não satisfazemos, prazerosamente, o desejo de co-mer: como quem come um prato feito.

Outro professor, mais investigativo, ao invés de fornecer a definição pronta, geraria, conjunta-mente com os alunos, questionamentos como: Por que uma garrafa de refrigerante gelado apresenta, externamente, gotículas de água? Por que uma garrafa de refrigerante natural não apresenta essas gotículas? Será que a água passa pelo vidro? Por que ela passaria numa situação e não passaria na outra? Depois, colo-cando água para ferver e pondo um anteparo diante da chaleira, mostraria o surgimento de água em estado líquido no anteparo. E nova-mente questionaria: Por que apareceu água no anteparo? Onde estava a água? Os alunos, com a ajuda do professor, certamente conclui-riam que a água passou do estado líquido para o gasoso e que o ar comporta partículas de água em estado gasoso, a mesma que aparece na garrafa do refrigerante.

A incerteza provocada pelos questionamentos, com a mediação do professor, levaria os alunos a construírem, ativamente, um conhecimento sobre o conceito de condensação. Ao final, também o teriam, naturalmente, memoriza-do, como fazem em relação ao jogo de fute-bol ou filme que, empolgados, participam ou assistem, sem que precisem se dedicar exclusi-vamente à retenção da informação. Além de aprender o conceito de condensação, apren-deriam a aprender a aprender, a desenvolver o espírito investigativo, enquanto desejo de problematizar e explicar a realidade. Voltando a nossa metáfora do restaurante, diríamos que o aluno degustaria o conhecimento como uma refeição escolhida, também, segundo o seu sa-bor e preparada com o requinte e a arte dos bons temperos.

Teríamos uma aprendizagem profunda, na qual, investigando para aprender, o aluno é levado a “adquirir conhecimentos, desenvolver habilidades, mudar comportamentos, desco-brir o sentido das coisas e dos fatos” (MAR-TINS, 2001, p.20). Ao professor, cabe o papel essencial de levar o aluno a produzir seu co-nhecimento, de orientá-los a “buscar os ca-minhos e a produzir o conhecimento, dentro do seu contexto próprio, partindo do que já sabem, dos saberes do senso comum” (MAR-TINS, 2001, p.23). Neste contexto, a interdis-ciplinaridade assume a pesquisa como sua es-tratégia metodológica:

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73Pesquisa significa diálogo crítico e criativo com a realidade, culminando na elaboração própria e na capacidade de elaboração. A pesquisa é uma atitude do aprender a aprender e, como tal, faz parte do processo educativo e emanci-patório (DEMO, 1996, p.13).

aTiVidade 2 Retomando sua análise da grade curricular des-te curso de licenciatura em Ciências Biológicas, o que seria necessário fazer para torná-lo inter-disciplinar? Quais propostas e ações você acha que devem ser realizadas em função da grade curricular, metodologia e avaliação?

conclusão

A contraposição entre a disciplinaridade e a interdisciplinaridade reafirma o conceito de aprendizagem enquanto mudança de compor-tamento, mas, ao mesmo tempo, põe em de-bate os princípios que orientam essa mudança, uma vez que se trata de perspectivas essencial-mente divergentes.

Não se trata, então, de uma mera alteração ter-minológica, a qual bradando a novidade, faça, silenciosamente, tudo permanecer como está. A interdisciplinaridade não é um modismo, mas, pela dimensão de globalização da realidade e pela emergência do paradigma da complexida-de, uma necessidade imperiosa que, inexora-velmente, atinge o processo de aprendizagem e, claro, a concepção de escola, de aluno e de professor. Por maiores que sejam as dificulda-des de pensar e agir interdisciplinarmente, é inevitável assumi-la, pois é impossível continuar conhecendo e agindo sobre a realidade de for-ma fragmentada. Sua complexidade exige uma nova forma de conhecimento e ação.

Diríamos, seguindo Coll (1994), que esta apren-dizagem tem de abarcar três níveis de conteú-do: o conceitual: aprender sobre alguma coisa; o atitudinal: aprender uma forma de ser e se comportar; e o procedimental: aprender a fazer o saber. Vendo-os sob o prisma da interdiscipli-naridade, teríamos, respectivamente: aprender sobre alguma coisa mediante a integração do conhecimento; aprender uma forma de ser e se comportar que considere a responsabilidade ética diante do mundo e de todos os seres e

aprender a fazer o saber mediante o espírito in-vestigativo da pesquisa. Esses níveis orientam a aprendizagem segundo a integração conteúdo-ética-pesquisa.

reFerÊncial

BAGNO, M. Pesquisa na escola – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1998.

BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

BEHRENS, M. A. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos didáticos e portfólios. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

CARDOSO, C. M. A canção da inteireza - uma visão holística da educação. São Paulo: Sum-mus, 1995.

COLL, C. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 1994.

CUNHA, M. I. Aula universitária: inovação e pesquisa. In: MOROSINI, F. & LEITE, D. (org.). Universidade flutuante - produção do ensino e suas relações. Campinas: Papirus, 1996.

DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: Abril Cultural: 1979 (Coleção Os pensadores).

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MARTINS, J. S. O trabalho com projetos de pes-quisa: do ensino fundamental ao ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2001.

MORAES, M. G. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.