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Estudos Feministas, Florianópolis, 13(2): 256, maio-agosto/2005 403 TRANSAS E TRANSES: SEXO E GÊNERO NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS, UM SOBREVÔO Resumo esumo esumo esumo esumo: Através de um percurso na literatura sobre cultos afro-brasileiros, este artigo procura problematizar as formas pelas quais questões de gênero são tratadas em alguns trabalhos antropológicos recentes. Valoriza particularmente o tratamento que é dado à perspectiva das mulheres a respeito dos conflitos que vivem na esfera da família e a forma por meio da qual integram as entidades ‘sobrenaturais’ em suas vidas. Discute também de que modo uma perspectiva antropológica objetivista pode dificultar o reconhecimento da construção religiosa que dá sentido a certas relações de gênero. Palavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave: possessão, gênero, família, trajetórias, teorias da representação. PATRICIA BIRMAN Universidade do Estado do Rio de Janeiro Copyright ¤ 2005 by Revista Estudos Feministas 1 Raimundo de Nina Rodrigues, médico baiano, foi o primeiro de uma vasta linhagem de pesquisadores que buscou integrar o fenômeno da possessão em um quadro psiquiátrico (NINA RODRIGUES, 1935). 2 Estou utilizando o termo “médium” ou “filho-de-santo” sem me preocupar com a especificidade que esses termos possuem em certos contextos. O que importa aqui é identificá-los como indivíduos que praticam uma ou mais de uma forma de possessão em qualquer das vertentes reconhecidas no conjunto ‘afro-brasileiro’. Duas dificuldades têm recorrentemente acompanhado os estudos sobre os cultos de possessão no Brasil: uma, quase secular, diz respeito à relação dos pesquisadores com a própria noção de possessão – como compreender essa ‘crença’ dos indivíduos na realidade da possessão, principalmente as interações entre médiuns e seus santos, deuses e entidades? Um longo percurso separa os pesquisadores de hoje daqueles que associavam esses cultos à irracionalidade e ao primitivismo, sem falar nas interpretações psiquiátricas tão abundantes sobre esse estranho fenômeno. 1 A segunda dificuldade, mais recente mas não menos relevante, diz respeito aos embaraços que os comportamentos ‘pouco convencionais’ relativos ao gênero e à sexualidade dos médiuns 2 têm provocado nas interpretações antropológicas sobre esses cultos. Essas duas dificuldades, de fato, encontram-se intimamente conjugadas. Certos obstáculos que dificultaram a compreensão teórica da possessão se encontram, de fato, associados às dificuldades analíticas enfrentadas pelos pesquisadores diante dos comportamentos ‘desviantes’ em termos sexuais e de gênero dos seus praticantes nos centros de culto em todo o país.

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Artigo Patricia Birman

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Esfuoos Feminisfos, Florionpolis, 13(2}. 25, moio-oQosfo/2005403!PANSAS E !PANSES. SEXO E GNEPONOS C0L!OS AFPO-BPAS|LE|POS, 0MSOBPEvO! !! !!"#$%& "#$%& "#$%& "#$%& "#$%&' )*+,-.# /" $% 0"+1$+#& 2, 34*"+,*$+, #&5+" 1$3* ,6+&75+,#43"4+ "#*" ,+*49& 0+&1$+,0+&53"%,*4:,+ ,# 6&+%,# 0"3,# ;$,4# ;$"#*& +"3494,;$" /J #"2*4/& , 1"+*,# +"3,I& " U&14"/,/", n. 11,p. 104-132, 184.FPY, Pefer. "Meoiunioooe e sexuolioooe". !"3494>& " U&14"/,/", n. 1, p. 105-123, 177.. "Romossexuolioooe mosoulino e oulfos ofro-brosileiros". |n. K,+, 4293=# -"+. Pio oeJoneiro. ohor Eoifores, 182. p. 54-73.. "Apresenfooo". |n. LANDES, Pufh. ) 14/,/" /,# %$3?"+"#. Pio oe Joneiro. Eoiforooo 0FPJ, 2002. p. 23-30.G|S DAN!AS, Beofriz. B&-@ V,9W " K,0,4 T+,21&' $# " ,5$# /, X6+41, 2& T+,#43. Pio oeJoneiro. Grool. 188.RALPEP|N, Doniel. "Memrio e 'oonsoinoio' em umo reliQioo ofro-brosileiro. o !ombor oeMino oo Moronhoo". !"3494>& " U&14"/,/", v. 1, n. 2, p. 77-102, 1.RAYES, Kelly Bloo. Y,941 ,* *?" Y,+942#' Y,1$%5, 42 !4& /" Z,2"4+&A )2 S*?2&9+,0?41)2,3M#4# &6 , !"3494&$# P46". 2004. Ph.D in Risfory of PeliQions, 0niversify of ChiooQo.LANDES, Pufh. ) 14/,/" /,# %$3?"+"#. Pio oe Joneiro. Civilizooo Brosileiro, 17.MAGG|E, Yvonne. Y"/& /& 6"4*4I&' +"3,I&"U&14"/,/",n.4, p.143-1,ouf.17.LEO!E|XE|PA,MorioLino."LoroQun.ioenfioooessexuoisepooernooonoombl".|n.MAPCONDES DE MO0PA, C. EuQnio (OrQ.}. L,2/&%53.' +"3494>& /" 1&+0& " ,3%,. SooPoulo. Pollos, 2000. p. 33-52.PA!P|C|A B|PMAN414Esfuoos Feminisfos, Florionpolis, 13(2}. 403-414, moio-oQosfo/2005!P|NDADE, Liono. "Exu. reinferprefoes inoiviouolizooos oe um mifo". !"3494>& " U&14"/,/",n. 8, p. 2-3, 182.WAFEP,Jim.O?"O,#*"&6T3&&/'U04+4*K#"##4&242T+,:434,2L,2/&%53..Philooelphio.0niversify of Pennsylvonio Press, 11.] ]] ]]O OO OO+,2#,#^ ,2/ O +,2#,#^ ,2/ O +,2#,#^ ,2/ O +,2#,#^ ,2/ O +,2#,#^ ,2/ O+,21"#' +,21"#' +,21"#' +,21"#' +,21"#' U"N ,2/ Q"2/"+ 42 ) U"N ,2/ Q"2/"+ 42 ) U"N ,2/ Q"2/"+ 42 ) U"N ,2/ Q"2/"+ 42 ) U"N ,2/ Q"2/"+ 42 )6+& 6+& 6+& 6+& 6+&7 77 77T+,:434,2 L$3*#8 ,2 [-"+ T+,:434,2 L$3*#8 ,2 [-"+ T+,:434,2 L$3*#8 ,2 [-"+ T+,:434,2 L$3*#8 ,2 [-"+ T+,:434,2 L$3*#8 ,2 [-"+-4"_ -4"_ -4"_ -4"_ -4"_)5#*+,1* )5#*+,1* )5#*+,1* )5#*+,1* )5#*+,1*' P&&`429 *?+&$9? *?" 34*"+,*$+" 1&21"+2429 )6+&7T+,:434,2 1$3*#8 *?4# 0,0"+ /",3# _4*?*?" 4##$"&6 9"2/"+42 #&%" +"1"2* ,2*?+&0&3&941,3 #*$/4"#A Y*3M8 4*+,4#"#;$"#*4&2# 6&+_&%"2 42 *"+%# &6 *?"1&26341*#5"*_""2 6,%43M 346" ,2/ *?" 42*"9+,*4&2 &6 #$0"+2,*$+,3 "2*4*4"#42*?"4+34-"#AO?"+"4#,3#&,/4#1$##4&21&21"+2429*?"_,M,2]&5H"1*4-4#*41^,2*?+&0&3&9M1&$3/ ?,%0"+*?" +"1&924*4&2 &6 , +"3494&$# 1&2#*+$1* _?41? %49?* "3$14/,*"#&%" 9"2/"++"3,*4&2#Aa"M b a"M b a"M b a"M b a"M b&+/# &+/# &+/# &+/# &+/#' K#"##4&28 9"2/"+8 6,%43M8 *+,H"1*&+4"#8 *?"&+4"# &6 +"0+"#"2*,*4&2A