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ESCULÁPIO – BOLETIM INFORMATIVO – ESPECIAL GESTÃO HOSPITALAR

N.º 29 • JUNHO • 20062

EDITORIAL

NOVOSDESAFIOS

Os novos desafios que se colocam ao Sindicatodos Médicos da Zona Centro no início do século XXIexigem dos dirigentes sindicais formas diversas dedesenvolver as suas actividades sem descurar osprincípios básicos até hoje seguidos.

As profundas alterações introduzidas noServiço Nacional de Saúde nos últimos anos têmsido profundamente negativas e reveladoras deintenções desde sempre conhecidas, conducentesà sua destruição, e obrigam a que os sindicatosmédicos busquem novas respostas.

São múltiplas e profundas as experiências queos sucessivos governos têm implementadonomeadamente na área de gestão dos serviçoscom os resultados que todos conhecemos -sucessiva degradação dos serviços e preparaçãoobjectiva da opinião pública para "aceitar" asprivatizações.

Intervindo desde sempre nesta problemática,interessados e intervenientes, fomos alertandopara a responsabilidade do poder - ministros daSaúde - na desresponsabilização contínua e nafalta de controle de administrações ineficazes eincompetentes.

Foi assim que decidimos realizar o Workshop"Gestão Hospitalar", de modo a permitirmos aosmédicos discutir esta problemática.

A adesão conseguida, consubstanciada naaltíssima qualidade dos palestrantes e nanumerosa participação dos médicos, revelam queo nosso Sindicato, e os profissionais, estãomotivados e interessados em responder aos novosdesafios.

Editorial ........................................... 2

Transparência nas Instituiçõesdo SNS ............................................. 3

WORHSHOP “Gestão Hospitalar”1 de Abril 2006 - CoimbraConclusões Gerais .......................... 10

Sessão de Abertura ........................ 16

SA e EPE /prós e contras ................ 19

Manuel Antunes e o modelo CRI .... 29

Como Funciona o SIGIC .................. 33

Futuro da Carreira Médica ............. 38

Conflito de Interesses em Saúde .... 46

As perspectivas dos hospitaisda Zona Centro .............................. 49

Comentadores ................................ 60

Os Médicos e a Gestão:que desafios? .................................. 66

Artigo de OpiniãoSIGIC: matéria de âmbito sindical? ... 74

ÍNDICE

FICHA TÉCNICA

Propriedade:Sindicato dos Médicos da Zona Centro

Coordenação:João Nunes / Ana Pinto / João Nuno

Redacção e Colaboração:Cristina Rodrigues

Maquetização e Impressão:PMP - Ser. e Equip. Graf., Lda.

Sérgio EsperançaPresidente SMZC

SINDICATO DOS MÉDICOS DA ZONA CENTRO

N.º 29 • JUNHO • 2006 3

TRANSPARÊNCIANAS INSTITUIÇÕES DO SNS*

*João RodriguesVice-Presidemte da CE da FNAM

Considera-se transparência a democratização do acesso às informações, emcontraposição ao sigilo das mesmas.

Por sua vez, “A avaliação pode ser caracterizada, em linhas gerais, como umaactividade dedicada à produção e análise de informações relevantes e pertinentes, arespeito da relação entre os actos públicos, seus resultados e impactos”, conformeentendimento de THOENIG (2.000: 72).

A implementação de uma avaliação eficaz e efectiva depende da qualidade evolume das informações disseminadas. Eis porque é possível afirmar-se que há umacorrelação directa entre transparência da administração pública e adopção daavaliação como instrumento de gestão democrática.

A ESTRUTURA TRADICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO

Tradicionalmente a organização das actividades do Estado faz-se de acordo com omodelo weberiano de organização, baseado na divisão vertical do trabalho, nadistribuição da autoridade ao longo da hierarquia, concentrando no topo daorganização a responsabilidade por todas as acções. O recurso à hierarquia é a soluçãoque permite a supervisão e o controlo das actividades e tarefas. As actividades sãoorganizadas de acordo com uma hierarquia de autoridade formal e de acordo com umsistema impessoal de regras. Na concepção tradicional de organização burocrática deMax Weber a coordenação hierárquica caracteriza-se pela definição de áreas deactuação, relações do tipo superior-subordinado e confiança nas regras e nos registos.A cadeia hierárquica permite implementar e desenvolver actividades e manter um controlocentralizado das mesmas. Subjacente ao modelo está a ideia de poder e autoridade,cuja amplitude pode variar e distribui-se ao longo da escala hierárquica.

O modelo assume que os funcionários implementam passivamente e de formaeficiente e efectiva as políticas do governo. É geralmente aceite que estas característicassão adequadas para a natureza das actividades do governo.

Controlo hierárquico, continuidade e estabilidade, carreira, regulamentos internos,imparcialidade e conformidade com as normas são algumas características evidenciadas.

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Os ministros controlam o sistema administrativo através da hierarquia, numaabordagem top-down. Estamos perante uma forma de coordenação e controlo directofeita através da ordem administrativa, de acordo com uma série de regras. A naturezacentralizada dos ministérios e a sua estrutura hierárquica permitem o controlo dosrecursos, objectivos e a forma como estes devem ser geridos: recrutamento, demissões,remuneração e organização das actividades. Em último caso, os ministros sãoresponsáveis pela actividade do sistema administrativo.

O modelo hierárquico tem subjacente reduzida flexibilidade no processo dedecisão e uma contínua relação com os níveis superiores da hierarquia para qualqueracção ou decisão a tomar, sobrecarregando os níveis superiores da hierarquia.

As limitações da coordenação e controlo através da hierarquia resultam dapreocupação com as normas e as regras em vez da produção de resultados ou dasatisfação dos utentes.

O principal argumento contra este modelo refere que a ausência de avaliação deresultados, quer em termos do volume de serviço fornecido (output) ou em termos dosresultados do serviço fornecido (outcome) irá necessariamente conduzir a uma gestãoineficiente. O funcionamento das organizações burocráticas e hierarquizadas é muitasvezes gerador de disfunções que afectam o seu desempenho. As linhas excessivas degestão, a falta de transparência e de responsabilização, a ausência de incentivos à iniciativae inovação, o desenvolvimento de uma cultura mais preocupada com os procedimentosdo que com o desempenho, são alguns dos problemas geralmente mencionados naliteratura que se debruça sobre o estudo das organizações.

ESTADO DA ARTE

No âmbito da criação das condições que permitem uma participação activa docidadão no sistema, no qual as instituições estabelecem e desempenham políticaspara e com os cidadãos, de forma a garantir e manter a sua confiança e envolvimento,a gestão da informação é crucial.

No entanto. a cultura herdada leva a que na administração pública tal comoem muitas entidades privadas, o reflexo imediato, a atitude natural, perante qualquerinformação, consiste em considerá-la confidencial. E a sua divulgação, em princípio,só parece ser decidida quando produz resultados benéficos para o seu “proprietário”.Se, no caso de entidades privadas, esta actuação se pode estranhar, mas talveznão condenar, já nas esferas públicas deve ser severamente criticada e energicamentecombatida. “A informação detida entre as mãos dos organismos públicos é detodos os cidadãos, a todos deve servir. Foi paga por eles, pertence-lhes, é a vidadeles, a eles deve estar acessível” (A. Barreto).

No actual estado de desenvolvimento do sistema de saúde português é importanteestabelecer a ideia da “informação mínima” a que todos os agentes envolvidos e opróprio cidadão-contribuinte tem direito no campo da saúde.

A proposta da OCDE (2001), descrita no quadro pode ser um bom ponto de partida.

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A informação mínima e o empoderamento do cidadão:

Oferta de cuidados

Serviços prestadores de cuidados existentes na zona em que os cidadãoshabitam ou trabalham e forma de lhes aceder;

Informação sobre a capacidade instalada em cada uma destas unidades desaúde e, se possível, estimativa do número de actos que é possível e desejávelesperar-se.

Desempenho das Unidades de Saúde

Produção das unidades de saúde em número de consultas, intervenções eurgências;

Publicitação das listas de espera (número de pessoas e tempos de espera) porcirurgia e consulta;

Indicação das taxas de cobertura dos centros de saúde e do número de cidadãossem médico de família;

Informação sobre projectos de qualidade existentes nas várias unidades desaúde e, se possível, suas conclusões, para aumentar não só o conhecimento queos cidadãos têm destas unidades mas também a sua transparência para com asociedade;

Informação sobre modernização e racionalização das unidades de saúde;Planode Actividades;Relatório de actividades.

Participação dos Cidadãos

Tipologia das reclamações nos serviços públicos de saúde e possibilidade decada cidadão ter acesso à fase em que está a sua reclamação;

Possibilidade de cada cidadão ter acesso, pelo número de utente, à sua posiçãona lista de espera.

Informação Genérica aos Cidadãos

Doenças mais vulgares e em relação às quais há algum espaço de intervençãodo cidadão para as evitar ou diminuir o seu impacto;

Sinais de risco e de alerta;Plano de vacinação aprovado;Medicamentos e farmácias;Hábitos propiciadores de uma vida saudável.

Fonte: OCDE (2001). Citizens as Partners: Information, Consultation and PublicParticipation in Policy making. OECD, Paris

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Vejamos alguns ex. práticos. Consultemos as páginas da ARS, e hospitais (exHUC, CHC, entre outros) à procura dos planos de actividades, contratos-programa,relatórios de actividades, lista de espera e marcação de consultas on-line. O queverificamos: que excepto raras excepções, por ex. CRI de Cardio-torácica dos HUC,estes dados não existem disponíveis nas respectivas páginas da net.

NOVAS EXIGÊNCIAS: Nova Cultura do Serviço Público

Entendendo estratégia enquanto visão para o futuro, escolha participada entrecenários possíveis, alvos e objectivos estratégicos traduzidos em mudança de estadoda organização, contratualização interna, em suma “nova gestão pública”, e quevisa substituir o modelo de administração burocrática tradicional de comando econtrolo que vive à margem de hierarquias técnicas, por um novo paradigma degestão, assente na descentralização, autonomia e responsabilização de cada serviço,na gestão contratualizada por programas e objectivos, na discriminação positivada remuneração, na visibilidade e transparência de resultados, além da avaliaçãoregular dos desempenhos, a qualquer nível de produção, conferindo-se assim, maiseficiência e responsabilidade à gestão da “causa” pública em geral.

De facto, o desenvolvimento das competências em gestão constitui não apenasuma condição indispensável de reforço dos processos de mudança e inovação nosector da saúde, como uma necessidade amplamente reconhecida. Por isso, qualquerum dos desideratos apontados suscita a necessidade de um papel mais activo dosdirigentes, de uma gestão efectiva, estratégica e participativa, capaz de influenciardinamicamente toda a organização.

Como vimos anteriormente a situação actual exige dos dirigentes da saúde,capacidades acrescidas, quer no domínio das técnicas de gestão, quer no domíniocomportamental, pois também as unidades de saúde passam pela boa conduçãoestratégica de processos de evolução e de dinâmicas susceptíveis de ganhar a adesãode todos os profissionais e colaboradores internos e externos.

Precisamos de profissionais de saúde motivados, que conhecem claramente osobjectivos definidos da sua unidade de saúde e saibam verificar se eles estão em sintoniacom os seus, exercendo a sua profissão com rigor, criando-se assim, um sentido deidentidade. Além disso, existem outras premissas que criam uma cultura positiva e deresponsabilidade, como sejam, o desenvolvimento pessoal em formação contínua, aperspectiva de progressão numa carreira, delegação de responsabilidades, cultura evalores partilhados por todos os recursos humanos, direcções de serviço empenhadase motivadas a atingir objectivos definidos por todos.

Em termos de Hospitais e Centros de Saúde, precisamos de médicos empenhadosem ocupar o seu espaço – a gestão da prática clínica – que começa no directorclínico (membros do CA, não executivo), na direcção do serviços (da responsabilidadelegal de um médico) e acaba na capacidade do médico para executar correctamentea sua autonomia técnico-cientifica. Felizmente que alguns médicos, precisamos demais, lideram processos de mudança, em prol das melhores práticas, em matéria de

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organização clínica, de gestão de altas, priorização do acesso dos doentes aointernamento e ao ambulatório, análise dos custos dos seus serviços, implementaçãode programas de qualidade e de satisfação dos utentes.

Com efeito, a dinâmica das organizações depende das acções de todos os seusprofissionais, mas carece, inevitavelmente, de um suporte institucional que, no seuinterior, tem de ser assegurado pela direcção de topo. A esta direcção são colocadosdesafios cada vez mais complexos, requerendo maiores e mais exigentes capacidades,só susceptíveis de resposta numa gestão profissional a nível dos serviços (e nãopolítica, sem exigências técnicas, nem perfil profissional, nem avaliação interna ouexterna) que faz apelo a implicações profundas aos diferentes níveis do Sector daSaúde, começando por acabar com as nomeações e passar a “escolher” por concursossimplificados e com mandato limitado e só renovável se os objectivos públicos tiveremsido atingidos.

Por sua vez, quero realçar que a introdução de novos modelos de gestão e novosestatutos jurídicos das Unidades de Saúde (ex. os Hospitais SA/EPE) não são umapanaceia que por si só vai resolver os problemas actuais do sistema de saúde. Paraalém dos problemas já referidos atrás, o desafio consiste em desenvolver novas práticase formas de abordar os problemas que promovam a colaboração activa entre gestores,profissionais, organizações representativas dos profissionais, autarquias e cidadãos.

A experiência da introdução do modelo de gestão do sector privado mostraque este desenvolve uma grande pressão sobre o pessoal e os gestores. O modelogestionário introduz novos valores que podem entrar em conflito com princípiosdos profissionais de saúde. Por exemplo, a preocupação com a eficiência e aeconomia e a imposição de custos pode colidir com a prestação de cuidadosmédicos de acordo com determinados princípios deontológicos. Em virtude dasdiferentes racionalidades entre gestores e profissionais é necessário encontrarum equilíbrio entre eles, que promova um espírito de cooperação e colaboração.Contudo, a dinâmica que se estabelece entre os gestores e os profissionais éconsiderada por alguns autores como dicotómica, defendendo que há uma tensãoentre o papel do gestor e o papel do profissional. Os primeiros têm preocupaçõesde índole organizacional e os segundos têm preocupações de índole profissional.Há estudos que mostram que existe uma relação complexa entre estas duasactividades em que os indivíduos procuram trabalhar com os valores subjacentesa estes dois grupos (Hewison, 2002). Constituiu um desafio importante mudar oestilo de liderança e desenvolver novas competências de gestão que reforcem opapel dos gestores como um orientador, facilitador, que procure encontrar soluçõespara os problemas, em conjunto com os profissionais. Mas há estudos que mostramque o impacto da contratação se traduziu na criação de um pequeno grupo degestores bem pagos que colocou grande pressão nos profissionais de saúde e nopessoal administrativo. A flexibilidade foi conseguida com prejuízo da segurançado trabalho, da estabilidade de emprego e do ânimo. Muitos profissionaisabandonaram a carreira pedindo a antecipação da reforma ou procurandoemprego noutros países (Maddock e Morgan, 1998). Neste caso, a mudança dosistema de gestão, que procurava obter ganhos de eficiência através de um estilode gestão mais incisivo teve um efeito perverso.

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Para terminar e em resumo cito da OCDE, 2001, os cinco passos preparatóriospreconizados para melhorar a transparência das Instituições da Saúde e logo parauma melhor gestão:

1. Melhorar a qualidade da política, utilizando variadas fontes de informação,perspectivas e soluções, respondendo aos desafios cada vez mais complexos e acrescentes pressões;

2. Responder a crescentes desafios da sociedade de informação, melhores e maisrápidas interacções com os cidadãos, assegurando uma melhor gestão doconhecimento;

3. Integrar os contributos dos cidadãos no processo político de tomada de decisãorespondendo às suas expectativas, ouvindo e tendo em conta os seus pontos de vista;

4. Responder à exigência de maior transparência e responsabilidade face aoaumento da análise detalhada das acções do Governo pelo público e pelos média;

5. Fortalecer a confiança pública no Governo e reverter o desinteresse edesconfiança do público nos políticos e nas instituições públicas.

Em suma, exige-se que os dirigentes públicos saibam ler adequadamente asorientações políticas, mas também que olhem para os seus profissionais,colaboradores e utilizadores/cidadão, e sejam capazes de encontrar as formascertas de aplicação das medidas de políticas capazes de dar resposta efectiva aosproblemas dos utentes.

Todos sabemos, mas poucos acreditam,que gerir a mudança implica uma culturaprópria pouco ou nada compatível com atradição dos nosso Estado que tende adesconfiar das experiências-piloto, datransparência de processos e resultados ouda valia da inovação e que tende a preferirsoluções centralizadas e universais, face aalternativas em rede com os apropriadosmecanismos de regulação.

Às organizações que queiram estar àaltura dos desafios de um mundo emmudança, onde as ideias e conhecimentosse inovam com rapidez, sejam elaspúblicas ou privadas, impõe-se que estacultura não seja formada ao acaso, énecessário que seja criada e dirigida. Nãochega(rá) legislar!

Em termos de Hospitais e Centros deSaúde, precisamos de médicos empenhadosem ocupar o seu espaço – a gestão da práticaclínica – que começa no director clínico(membros do CA, não executivo), na direcçãodo serviços (da responsabilidade legal de ummédico) e acaba na capacidade do médicopara executar correctamente a sua autonomiatécnico-cientifica. Felizmente que algunsmédicos, precisamos de mais, lideramprocessos de mudança, em prol das melhorespráticas, em matéria de organização clínica,de gestão de altas, priorização do acesso dosdoentes ao internamento e ao ambulatório,análise dos custos dos seus serviços,implementação de programas de qualidade ede satisfação dos utentes.

SINDICALIZE-SE • www.fnam.pt.smzc

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WORHSHOP “GESTÃO HOSPITALAR”1 DE ABRIL 2006 - COIMBRA

CONCLUSÕES GERAIS

O SMZC/FNAM mobilizou no passado dia 1 de Abril, em Coimbra, cerca de100 pessoas, a maioria médicos, muitos com responsabilidades de Gestão, membrosde Conselhos de Administração de diversos hospitais da zona Centro,Administradores Hospitalares e outros trabalhadores da Saúde interessados naproblemática da Gestão Hospitalar. O mérito da organização prende-seprincipalmente na actualidade do tema, nos pontos de vista polémicos,nomeadamente as visões empresarialistas da Saúde e da suposta superioridade dagestão privada em detrimento da gestão pública, além da evidente e quotidianapromiscuidade entre o privado e o público.

Desde logo, coloca-se a necessidade de desmistificar a questão da gestão públicae privada.

Aquilo que as distingue situa-se exclusivamente ao nível do quadro normativolegal em que são desenvolvidas e a quem se dirigem os ganhos obtidos. Ou seja, seesses ganhos revertem para os cidadãos ou para as contas dos accionistas.

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O resto são técnicas de gestão que podem ser aplicadas com maior ou menorcompetência pelos seus executores directos.

SUSTENTABILIDADE DO SISTEMA?

A evolução nos últimos 30 anos de um País atrasado para o 12º lugar dequalificação Mundial da Saúde marca, indelevelmente, o esforço para odesenvolvimento da assistência médica estabelecendo, de facto e de direito, um ServiçoNacional de Saúde modelar e respeitado. Dever-se-á salientar a história das tãodesgastantes reuniões e discussões havidas para a defesa do SNS, do passado Serviçoà Periferia, das Carreiras Médicas e toda a legislação fundamental para a qualificaçãoe diferenciação da assistência médica em Portugal. A Constituição Política Portuguesa,agora tão contestada, incluiu séria e justamente um Serviço de Saúde universal, gerale tendencialmente gratuito.

Relembrar que a equidade em saúde implica:-Igualdade de acesso para iguais necessidades;-Uso igual de serviços para necessidades iguais;-Respeito pelas diferenças;-Igual qualidade e atenção para todos.Respeitando as peculiaridades de cada caso, em termos: económicos,

demográficos, geográficos, sociais e culturais sem discriminação de idade, sexo,raça ou religião.

A CARREIRA MÉDICA HOSPITALAR

Um Serviço Nacional de Saúde inovador não deixa de necessitar de umaorganização hierárquica sustentada na igualdade, de oportunidades, na seriedadee rigor da progressão profissional. A defesa das Carreiras Médicas, é uma garantia

SNS

UNIVERSAL GERALTENDENCIALMENTE

GRATUITO

TODOS TÊM DIREITO À SAÚDE INDEPENDENTE DA SUA SITUAÇÃOSOCIAL OU ECONÓMICA

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de qualidade assistencial e de diferenciação técnica, e não um factor bloqueador aodesenvolvimento, como se comprova na evolução histórica.

Defendemos (proposta apresentada em Agosto de 2005 à Tutela) que o futuromodelo da carreira médica hospitalar possa ser aplicado, a todos os hospitais queintegrem a rede do S.N.S., independentemente do regime jurídico ou modelo degestão (Hospitais SPA, EPE, futuros PFI, gestão privada), de forma a facilitar amobilidade dos profissionais entre instituições e garantir a qualidade da medicinaprestada.

Estruturação geral da Carreira deve assentar numa estrutura piramidal porcategoria profissional, progressão na vertical (categorias) e evolução na horizontal(escalões) e uma remuneração assente em competências (avaliação externa - Graus),no desempenho (avaliação interna) e um terceiro eixo, considerando a criação deum sistema de incentivos (contratualização e avaliação).

UMA QUESTÃO DE (IN)CONSTITUCIONALIDADE

Da análise das Leis de gestão hospitalar em Portugal, um dos pontos maisimportantes a salientar e desenvolvido pelo Prof. Coutinho de Abreu (FDUC) foi ainconstitucionalidade (ver art. 89º da CRP) do DL nº 233/2005, de 29 de dezembrodos Hospitais EPE pela ausência de representante eleito dos trabalhadores, no C.A.,visto que os trabalhadores dos Hospitais EPE têm direito de eleger um representantepara os C.A., nos termos do art. 31º, 1, 2 e 3 da Lei nº46/79.

Além disso, também juridicamente foi reforçada a tese de que regime jurídico SAou EPE aparecem como desnecessários mas também como inconvenientes para a(necessária) reforma dos hospitais públicos. As (ou algumas) figuras jurídicas têmtambém o seu “espírito”, não são absolutamente neutrais. O espírito da S.A. estácarregado de economia, lucro, capitalismo, logo contrariando as regras especificasdo sector da saúde.

INEFICIÊNCIA E DESPERDÍCIO

A deficiente gestão dos recursos materiais e humanos do nosso SNS constitui acausa principal do seu angustiante estado actual em termos de gestão.

O desperdício resultante da não utilização, da utilização indevida e da utilizaçãoabusiva dos recursos atinge, pelo menos, os 25 a 30%.

Por sua vez, o sistema centralista de organização da produção não é indutor daeficiência na utilização dos recursos nem da adequação da produção às necessidadese exigências dos consumidores/doentes.

Não tem havido um mínimo de responsabilização dos directores de departamento,serviço ou secção, a qualquer nível.

A necessidade de inovação e reorganização da Saúde em Portugal, o aumentoda produtividade e diminuição do desperdício não justificam a intenção privatizadora

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da tão propalada bandeira da empresarialização e da gestão privada; estes formatospseudo inovadores demonstraram já a sua verdadeira razão noutros Países como aInglaterra, Chile e mesmo nos EUA. O capitalismo tem por fim o lucro. Saliente-se,contudo, não ter sido a gestão empresarial/privada impeditiva da derrocada degrandes empresas, como a Enron e a WorldCom.

CONFLITO DE INTERESSES PÚBLICO-PRIVADO

Neste momento coexistem no SNS três sistemas de gestão diferentes que contribuempara agravar o conflito público - privado, e que geram ineficiências:

- Sistema de Gestão Público Administrativo que coexiste com a promiscuidadepúblico – privado;

- Sistema de Gestão Privado, assente na exploração privada de instalações e deequipamentos adquiridos com fundos públicos, e de serviços clínicos financiadospelo OE, que agrava conflito público-privado;

- Empresarialização, ou a Gestão Economicista da Saúde que agrava o conflitoentre bem público, que é a saúde, e a necessidades de reduzir o financiamento doEstado para reduzir défice orçamental.

A promiscuidade público-privado é a principal causa da falta de produtividadenos serviços hospitalares (“ A Doença da Saúde “ do Professor Manuel J. Antunes,: -pág. 46). Por sua vez, o conflito público/privado entre o Ministério da Saúde eentidades privadas, como no caso do Hospital Amadora-Sintra, demonstrou os maiorescustos para o OE e nenhuma melhoria de cuidados, antes pelo contrário mais custosde ineficiência.

A análise dos indicadores dos Hospitais S.A. não é pacífica: não se comprovouseriamente uma superioridade em relação à gestão pública (Hospitais do sector SPA),nem que esta última não possa ser melhorada com a aplicação de conceitos inovadorese de racionalidade; não há necessidade de privatização para agilizar e rentabilizara gestão hospitalar; a aplicação de conceitos de lucro na Saúde é inadequada eperigosa.

Este Sistema pressupõe a obrigatoriedade de separação clara dos sectorespúblico-privado.

É NECESSÁRIO GERIR MELHOR!

Não há necessidade de empresarialização para existir uma boa gestão, como secomprova, em Serviços com Directores empenhados, sérios e qualificados; a gestãodeverá ser orientada por princípios de eficiência e eficácia técnicas, com elevadograu de responsabilização.

Como tal, há que implementar medidas que conduzam á criação de um climainstitucional favorável à inovação, que só pode ser alcançada quando são estimuladas

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a formação e a aprendizagem contínuas. Caso contrário, assistiremos á decadênciainexorável das unidades hospitalares.

A partilha de responsabilidades e de informação, a determinação de objectivos ea programação coerente e sustentada, a qualificação e credibilização da Saúde,não têm que criar precaridade laboral (contratos individuais de trabalho semcontratação colectiva, como acontece actualmente nos hospitais EPE), não se retratamna desqualificação e indiferenciação dos médicos e na criação de mão de obrabarata, de tipo mercenária.

O papel dos Directores de Serviço, a desgovernamentalização e os CRI

Tudo o que é realmente importante na gestão de um HOSPITAL ocorre dentro dosdiversos serviços. A melhor equipa de gestão hospitalar não consegue nada semuma boa colaboração (e gestão) dos Directores de Serviço.

Logo, quem quiser melhorar a gestão de um hospital deve começar a nível dosServiços.

É de fundamental importância proceder á desgovernamentalização dasnomeações dos cargos de gestão, a começar pelos conselhos de administração,obedecendo estas a orçamentos-programa baseados naquilo que cada hospital“deve fazer”.

De acordo com esta perspectiva, os directores de serviço deveriam ser nomeadosem função da apresentação prévia de um contrato-programa devidamente articuladoe hierarquizado com a missão definida globalmente para o hospital.

No final de cada ano, todas as actividades do hospital teriam de ser objecto deuma avaliação criteriosa, na base de parâmetros objectivos e de uma efectivaresponsabilização pelos resultados obtidos.

Assim, sobressai a importância decisiva de existirem fortes estruturas intermédiasde gestão e dotadas de grande capacidade operacional.

A departamentação adequada dos serviços e directores de serviço dispondo demeios, de autonomia e de maior responsabilidade, são aspectos indissociáveis de umclima organizacional inovador e dinâmico.

No fundo, trata-se de assumir o papel central da gestão clínica como barreiraá intromissão de critérios e métodos alheios aos objectivos assistenciais aosdoentes.

Em suma: da necessidade de gestão inovadora o mais importante é aresponsabilização das chefias intermédias, a descentralização, a implementaçãodeterminada de Centros de Responsabilidade Integrados (CRIs), nãoconsubstanciadas nas tímidas experiências nacionais, atribuindo a cada um a“necessária autonomia a fim de se conseguir a adequada desconcentração depoderes e correspondente repartição de responsabilidades” (art. 7º do DL nº 19/88 de 21 de Janeiro).

Para isso, é necessário GESTÃO PÚBLICA DA SAÚDE orientada por critérios deeficiência, eficácia e responsabilização que exija a nível de cada unidade de saúdee também de cada serviço:

Um plano e um orçamento elaborado com a participação dos profissionais;

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Um Plano e um orçamento que garanta a plena e eficiente utilização dos meios eorientado para a satisfação das necessidades dos utentes/doentes;

Necessidade de responsabilização aos vários níveis pelo cumprimento do planoe do orçamento;

Incentivos de desempenho para discriminar positivamente os profissionais pelaqualidade e eficiência, e nunca para evitar custos necessários ou para que o doenteseja preterido em função da despesa.

A política orçamentista e economicista da Saúde, encoberta numa linguagemtécnica de chavões mais ou menos imperceptíveis, não são garantia de equidadeassistencial; a Saúde é um bem público, substituir doente por cliente, chamar demercadoria aos cuidados de saúde, faz adivinhar um futuro incerto e obscuro,que poderá conduzir perigosamente à mercantilização e desumanização daSaúde.

A ALTERNATIVA PASSA POR:

Um Sistema de Gestão Público orientada pelos princípios da eficácia, da eficiênciae responsabilização, que elimina o conflito público – privado e que visa garantir asustentabilidade do SNS;

·Racionalidade/optimização de escassos recursos com uma gestão de proximidade(CRI);

·Gerir de acordo a obter ganhos em saúde, traduzidos em resultados comqualidade e eficiência;

·Colmatar as necessidades de saúde das populações da sua área de abrangência,sem comprometer a equidade.

Na palestra final, o Vice-presidente da FNAM, Mário Jorge, colocou aos médicoshospitalares as seguintes interrogações e desafios:

- Os médicos estão dispostos a romper com as concepções atávicas que imperamna generalidade dos serviços?

- Estão dispostos a assumir maiores responsabilidades na gestão e inovação dosserviços?

- Estão dispostos a assumir uma avaliação dos resultados dos seus serviços?- Estão dispostos a tomar a iniciativa de serem o “motor” das mudanças?- Estão dispostos a desenvolverem movimentações que promovam a gestão clínica

e a desgovernamentalização dos hospitais?O SMZC/FNAM continua empenhado na dinamização de uma mudança que

reforce a autonomia e a independência técnico-científica da profissão médica, e aqualidade dos cuidados prestados aos cidadãos.

Só com a participação activa da grande maioria dos médicos é possível imporesta agenda de mudança.

A Direcção do SMZC

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SINDICATO DOS MÉDICOS DA ZONA CENTROPROMOVEU WORKSHOP

SESSÃO DE ABERTURA

Gestão hospitalar também é para médicos

Demonstrar que a gestão hospitalar é uma questão que também preocupa osmédicos e suscitar o debate sobre os novos modelos em curso foram os grandesobjectivos do Sindicato dos Médicos da Zona Centro (SMZC) ao promover, no passadodia 1 de Abril, o Workshop Gestão Hospitalar, no Hotel D. Luís. Uma iniciativa a que,nas palavras do presidente do SMZC, Sérgio Esperança, se seguirão, ainda esteano, mais duas realizações do género, que «habilitem os médicos a participar e adiscutir com conhecimento de causa a gestão da Saúde».

«Muitas vezes os médicos são acusados de pouco participarem e poucoconhecerem esta área de actuação, mas o que é certo é que há, entre nós, cada vezmais interessados, bons conhecedores do que é a gestão e bons gestores de saúde»,referiu Sérgio Esperança, na sessão de abertura dos trabalhos.

O responsável do SMZC considerou que «os últimos anos têm sido profícuos emalterações e em medidas tendentes à privatização dos serviços públicos de saúde,bem como a uma fragmentação progressiva do SNS», facto que preocupa seriamentea FNAM. A criação dos hospitais SA e agora a sua transformação em EPE temlevado, segundo as organizações sindicais médicas, «à desregulamentação laboral,através da instituição dos contratos individuais de trabalho, sendo uma tentativa clarade esquecer a hierarquia técnico-profissional e de desfazer a importância queatribuímos às carreiras médicas».

«Desde sempre temos defendido uma administração pública moderna, um SNSde qualidade, onde se inclua uma nova gestão, que vise substituir o modelo deadministração burocrática tradicional de comando e controle – que vive à margemde hierarquias técnicas – por um novo paradigma de gestão assente nadescentralização, autonomia e responsabilização de cada serviço», declarou SérgioEsperança, destacando ainda «a gestão contratualizada por programas e objectivos,a discriminação positiva de remuneração, a visibilidade e transparência deresultados, a avaliação regular dos desempenhos a qualquer nível de produção,com o objectivo de conferir mais eficiência e responsabilidade à gestão da causapública em geral».

Carreiras são garante de qualidade - Merlinde Madureira

A presidente da FNAM, Merlinde Madureira, considera a reforma do ServiçoNacional de Saúde (SNS) necessária, mas alerta para o risco da sua destruição

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justificada pela ineficiência. A responsável reclamou para os médicos um papelfundamental na mudança e sublinhou que «não é possível gerir estruturas de saúdecontra os seus profissionais».

A sindicalista quis recordar que «a FNAM se constituiu pela defesa da nossaprofissão, com enquadramento claro no SNS». Antes da existência da FNAM foramos médicos que reforçaram o serviço médico à periferia, no pós-25 de Abril,organizaram-se depois em comissão nacional de médicos policlínicos e, claramente,tudo isto resultaria numa organização mais avançada, sindical. Assim, referiu aresponsável, primeiro surgiram os sindicatos de zona – que negociaram o DL 310/82, forçaram a negociação do DL 73/90 e lançaram a proposta de revisão técnico-salarial – e depois foi constituída a FNAM.

«A FNAM não abandona os seus princípios e reclama sempre para si a defesade um SNS que se apoie em serviços públicos e profissionais de qualidade», sendocerto, no entender de Merlinde Madureira, que esta qualidade só existe «quandoexistem carreiras, quando há uma diferenciação técnica, quando a voz de comandoé assente numa hierarquia técnica de responsabilidade que, forçosamente, leve aorespeito dos outros profissionais. O comando só pelo poder, obviamente, resulta apenasno descrédito».

Proclamando a FNAM como uma «força de vanguarda», a sua presidente declarouque não serão aceites, de modo algum, «epítetos de corporativos e estagnantes».Pelo contrário, sempre «defendemos interesses legítimos dos profissionais, que só sãolegitimados porque também respondem aos interesses de quem de nós precisa, quesomos todos nós, a população em geral», sustentou.

Como «força de vanguarda», a FNAM também defende reformas. O que aconteceé que, ao longo dos anos, tem havido por parte dos sucessivos governos poucaclareza nas alterações a que se propõem. Na opinião da líder sindical, quando selançam para a opinião pública mensagens de que «os serviços públicos são maus enecessitam de reformas», na realidade o que os responsáveis governamentaispretendem é que «sejam substituídos esses mesmos serviços».

«Quando se diz que o SNS corre o risco de não ser sustentável, o que se querdizer, na realidade, é que é preciso extingui-lo.Mas nós não aceitamos isso. Os serviços públicospodem ser reformados». O SNS pode serreformado e, nessa tarefa, a responsávelesclareceu que os médicos estão dispostos a daro seu contributo, contributo pelo qual a FNAMtem, aliás, lutado.

Defendendo novas formas de gestão,Merlinde Madureira frisou que estas nuncapoderão significar que o médico é incapaz degerir ou de ter uma opinião sobre a gestão.«Não consideramos que o curso de Medicinaforneça capacidade de gestão, mas defendemosque não é possível gerir estruturas de saúdecontra os profissionais, neste caso contra os

A criação dos hospitais SA eagora a sua transformação em EPEtem levado «à desregulamentaçãolaboral através da instituição doscontratos individuais de trabalho,sendo uma tentativa clara deesquecer a hierarquia técnico-profissional e de desfazer aimportância que atribuímos àscarreiras médicas», sublinhou oPresidente do SMZC.

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médicos. Não é possível gerir sem saber oque é que os médicos pensam sobre odesenvolvimento das instituições, o que é queos profissionais preconizam para esse mesmodesenvolvimento», declarou.

Para que tal intervenção da classe médicaseja «válida e defensável», a responsávelentende que cabe aos médicos aresponsabilidade de se apetrecharem, deestudarem, de se actualizarem em tudo quantorespeita a gestão. «A gestão clínica é algo deque não podemos prescindir: não podemosprescrever sem saber quanto custa, pedirexames subsidiários sem saber qual é oinvestimento que tem de ser feito. Nãopodemos hoje admitir que haja umsubaproveitamento da tecnologia instaladanas nossas unidades hospitalares, nãopodemos subverter os nossos direitos – que são os direitos aos horários definidos eao repouso – sem pensar que eles têm de ser harmonizados e compatibilizados comos desenvolvimentos que desejamos», observou.

Sobre os ataques dos governos ao que chamam simplisticamente «corporações»,Merlinde Madureira referiu que todas as classes profissionais têm uma corporação,inclusive a dos políticos, e que as corporações não têm de ser encaradas como algode negativo. Atacar qualquer uma é, segundo a responsável, «uma tentativa dosgovernos em exercício para que todas as outras corporações a ataquem naquelemomento, e isto é profundamente negativo para o desenvolvimento harmonioso dequalquer sociedade».

«Da nossa parte estamos disponíveis para, lutando por serviços públicos e exigindoneles a necessária qualidade, realizar todas as discussões e lutar por tudo aquilo quepensamos que é correcto e justo», disse.

Desde logo, Merlinde Madureira considera que todos os médicos terão de «fazerpedagogia nos seus locais de trabalho, lutar contra alguns hábitos instalados entrenós e nas nossas mentalidades» e, sobretudo, «estar atentos para que as reformasque se preconizam para os serviços públicos de saúde, à sombra da rentabilização,não signifiquem, afinal, a sua extinção».

«A gestão clínica é algo de que nãopodemos prescindir: não podemosprescrever sem saber quanto custa,pedir exames subsidiários sem saberqual é o investimento que tem de serfeito. Não podemos hoje admitir quehaja um subaproveitamento datecnologia instalada nas nossasunidades hospitalares, não podemossubverter os nossos direitos – que sãoos direitos aos horários definidos e aorepouso – sem pensar que eles têm deser harmonizados e compatibilizadoscom os desenvolvimentos quedesejamos»

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APRESENTADOS OS PRÓS E CONTRAS DOS SA E EPE

«MÉDICOS: O MOTOR DA MUDANÇA NECESSÁRIO AO SNS»

Coutinho de Abreu, professor da Faculdade de Direito da Universidade deCoimbra, Álvaro Castro, ex-Presidente do Conselho de Administração do Hospital deAveiro, e José Couceiro, director clínico do Hospital Distrital da Figueira da Foz,foram os convidados para falar sobre Hospitais SA versus Hospitais Entidades PublicasEmpresariais (EPE). À parte das vantagens e das desvantagens apontadas a estemodelo, todos foram unânimes em considerar que não são necessários hospitais SAou EPE para melhorar a gestão da saúde.

Sendo o único interveniente jurista no Workshop sobre Gestão Hospitalar, Coutinhode Abreu, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), apresentouà assistência algumas notas sobre o regime jurídico dos hospitais EPE, sublinhandodiferenças e semelhanças com o regime dos hospitais SA.

Segundo a Lei de Gestão Hospitalar, de 2002, há três formas possíveis de hospitaisno SNS: os tradicionais, hospitais estabelecimentos públicos ou do SPA (Sector PúblicoAdministrativo); os hospitais EPE; e os hospitais SA (Sociedade Anónima). Em finaisde 2002 verificou-se a transformação de 31 hospitais estabelecimentos públicos emhospitais SA e, já em finais 2005, a transformação destes em EPE, o que vem engrossar

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o número de EPE’s no nosso país (onde seincluem, por exemplo, a CP, a Metro de Lisboa,a Refer). Assim, o grosso das EPE’s é agorahospitalar e deixaram de existir, para já,hospitais SA de capitais inteiramente públicos.

Coutinho de Abreu revelou que os diplomaslegais referem uma transformação dos hospitaisSA em EPE, mas, em determinados preceitos dosmesmos diplomas, é referido que os EPEsucedem aos SA, permanecendo, assim, adúvida entre a ruptura e a continuidade. «Diz-se em determinado artigo que cessaautomaticamente a relação da administração,mas, se em causa estiver a continuidade, e houver uma sucessão na administração, podedizer-se que houve exoneração sem justa causa e, logo, existe mais um motivo paraindemnizações. Por outro lado, se se entender que a própria transformação implica umanova orgânica – ainda que os órgãos tenham o mesmo nome – então aí poderá pensar-se que há uma caducidade e não propriamente uma exoneração. Uma situação delicadaque já está a levantar algumas questões», referiu o especialista em Direito Comercial.

O que é que se pode dizer das EPE, em geral? Que são pessoas colectivaspúblicas, sendo aquilo em que assenta a sua personalidade de carácter institucionalou patrimonial e não de carácter pessoal ou associativo como acontece, normalmente,nas sociedades. Neste aspecto, segundo Coutinho de Abreu, os hospitais EPE estãomais próximos dos hospitais estabelecimentos públicos do que dos hospitais SA.No entanto, apesar de serem pessoas colectivas de Direito Público, os EPE regem-se, sobretudo na actividade externa (isto é, fora do relacionamento com o Estado,através do Governo), pelo Direito Privado e por Direito não Privado mas aplicadoa entidades públicas e entidades privadas. Regem-se, por exemplo, pelo DireitoLaboral comum, pelo Direito Civil, pelo Direito Comercial, mas também pelo DireitoTributário, aplicável também a entidades privadas, pelo Direito Registral Comercial,etc., explicou.

ÓRGÃOS DE GESTÃO DOS HOSPITAIS EPE

No que se refere aos órgãos de gestão dos hospitais EPE, os estatutos anexos noDL 233/2005 dizem que existem três órgãos, os mesmos que já existiam nos hospitaisSA: Conselho de Administração (CA), Fiscal Único e Conselho Consultivo. O primeiroé o órgão de gestão, de administração e de representação; o Fiscal Único é o órgãode controlo, sobretudo de controlo das contas e da actuação dos membros daadministração ao nível contabilístico-financeiro; e o Conselho Consultivo, como opróprio nome indica, não decide, dá pareceres.

Coutinho de Abreu reparou, no entanto, que, depois de no artigo 5.º se referiremapenas estes três órgãos, no mesmo capítulo são referidos outros órgãos, como sejam

Nos hospitais SA nada se diziaquanto à participação dos trabalhadoresnos órgãos sociais. No diploma de 99sobre as empresas públicas em geral, EPEe sociedades, nada se diz e, nos váriosestatutos que têm sido aprovados pordecreto-lei, nada se tem dito, referiuCoutinho de Abreu, considerando talsituação «um desprezo notável pelaConstituição», cercado também por «umsilêncio notável

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os órgãos consultivos, as comissões de apoio técnico (ética, humanização, controlode infecção, farmácia e terapêutica) e ainda um auditor interno, «de estatuto algoduvidoso». «Parece que não será membro do CA, terá uma relação de trabalhosubordinado com o hospital, embora com um estatuto especial, tanto que é nomeadopor três anos, apenas renovável por um ano». Este auditor tem, segundo o especialistade Direito Comercial, «competências em parte idênticas às do Fiscal Único», quandotalvez fosse «mais cordial» incluir a auditoria no próprio CA, como é, aliás, a tendênciada moderna Corporate Governance.

Ainda quanto a órgãos, e relativamente aos hospitais SA, nota-se umadiferença: a não existência de Assembleia-Geral, que é, nas sociedades e

associações, um órgão deliberativo interno.«Todavia parece-me que não é por aqui que sepoderá dizer que há uma grande diferençarelativamente aos SA, porquanto os poderesantes atribuídos à Assembleia-Geral nos SA sãohoje confiados aos órgãos de superintendênciae tutela, ou seja, as competências que estavamna Assembleia-Geral aparecem-nos hoje comocompetências do ministro ou da tutela. E adiferença é ainda menor se nos lembrarmos quenuma sociedade unipessoal com um único sócio,

como os SA, a Assembleia-Geral é, no fundo, constituída por um sócio e accionistaúnico que é o Estado, representado por mandatários designados pelos ministrosdas Finanças e da Saúde, recordou o especialista.

O Conselho de Administração é um órgão plural e colegial, delibera, reúne ediscute com possibilidade de votação, embora o presidente, o director clínico e oenfermeiro director tenham algumas competências próprias e, por outro lado, possahaver delegação de competências do CA num ou mais desses membros e até emsujeitos que não são membros do CA. Os membros do CA são nomeados por despachodos ministros das Finanças e da Saúde e aplica-se-lhes o estatuto de gestor público,que é o estatuto que hoje ainda consta de um decreto-lei de 82.

DESPREZO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

A Constituição da República diz, no artigo 89.º, que nas unidades de produçãodo sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores narespectiva gestão e, noutro artigo, estabelece o direito das comissões de trabalhadorespromoverem a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociaisdas empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas nos termos dalei. Ora, sendo os hospitais EPE empresas públicas, estas normas da constituição sãoclaramente aplicáveis.

Não obstante, reparou Coutinho de Abreu, nos hospitais SA nada se dizia quantoà participação dos trabalhadores nos órgãos sociais, designadamente no órgão de

Esta empresarialização, primeiropor via dos hospitais SA e agora dosEPE, tem sido justificada sob abandeira da introdução da gestãoempresarial nos hospitais», mas estajá é referida em diplomas legaisdesde os anos 60, lembrou oespecialista em Direito Comercial

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administração dos hospitais. No diploma de 99 sobre as empresas públicas emgeral, EPE e sociedades, nada se diz e nos vários estatutos que têm sido aprovadospor decreto-lei nada se tem dito, «num desprezo notável pela Constituição, que temsido cercado por um silêncio também notável. Não tenho grandes dúvidas que istoconstitui, pelo menos, uma inconstitucionalidade por omissão”.

«Quanto ao Fiscal Único, tem-se discutido a inoperância do Conselho deFiscalização nas sociedades, a falta competência e de independência, etc., de modoque, nos últimos anos, mesmo a nível da legislação societária comum, a tendênciavinha sendo substituir os conselhos fiscais com o mínimo de três membros por só umRevisor Oficial de Contas. Há pouco tempo foi publicada uma extensa reforma docódigo das sociedades comerciais em que se tenta recuperar, de alguma maneira, oConselho Fiscal, com mais membros, mas também com mais competências e maisrequisitos de independência e qualificação dos respectivos membros», comentou.

No entender de Coutinho de Abreu, nos EPE justifica-se a existência de apenasum Fiscal Único, «primeiro porque a fiscalização não é tanto sobre a administraçãoem geral, mas sobretudo de carácter contabilístico, depois porque terá chegado aocupação por clientelas partidárias destes e doutros órgãos durante anos». Se istofor aplicado, «não há défice de fiscalização e controlo sobre a administração, porquetemos o controlo financeiro exercitável pelo Tribunal de Contas, pela Inspecção-Geralde Finanças e, sobretudo, o controlo que pode ser exercido pelos órgãos desuperintendência e pela tutela». Se as competências forem cumpridas não haverádéfice de controlo sobre o mérito e a actuaçãoda administração, «défice de controlo que temhavido sobre as empresas SA e outrasempresas de direito privado», acrescentou.

«É verdade que as EPE permitem umamaior intervenção a nível de superintendênciae de tutela, mas numa sociedade anónimade capitais inteiramente públicos, com umúnico accionista – o tal sócio representadopor mandatário que, em assembleia, vai fazer aquilo que hoje é atribuído àtutela e à superintendência – passa-se a mesma coisa», defendeu o especialistaem Direito Comercial.

Pode dizer-se que a Sociedade Anónima e, neste caso, os hospitais SA são ogrande instrumento do capitalismo e que têm como fim essencial o lucro. Pode tambémdizer-se que a EPE tem uma carga muitíssimo menor, até porque é uma figura jovemainda e percebe-se que representa um instrumento mais moldável, «mas esta não éuma forma que obstaculize uma privatização», atalhou Coutinho de Abreu.

RELAÇÃO DE EMPREGO

Quanto ao pessoal a contratar pelos hospitais EPE, fica, de acordo com oprofessor da FDUC, sujeito ao Direito Laboral comum, todavia também se estabelece

Seja com os SA, seja com os EPE oucom outro modelo, o processo demudança será sempre gradual; pensarque se podia mudar de um dia para ooutro e querer apresentar resultadosrapidamente foi um erro histórico»,declarou Álvaro Castro

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que os trabalhadores com relação de emprego público podem mantê-la ou optarpelo regime privado, semelhante ao que acontecia nos SA. Também não há diferençasubstancial em relação aos hospitais do sector público administrativo, já que aítambém se permite que se celebrem contratos de trabalho sujeitos ao Direito Laboralcomum e, não só na saúde mas noutros sectores, a tendência é ir acabando com oemprego público.

«Na altura em que houve a transformação em hospitais SA passou-se a ideia deque isso seria necessário como forma de agilizar as contratações de bens, serviços,

medicamentos, pessoal, porque as entidadespúblicas estão sujeitas a procedimentoscomplexos e morosos e as entidades de direitoprivado não. Acontece que os hospitais SA,como entidades públicas, têm de ficar sujeitosao cumprimento de alguns princípios mínimosda actividade administrativa, designadamenteaqueles ligados à imparcialidade, àconcorrência, à transparência, à igualdade deoportunidades, e, mesmo que não tenham de

estar sujeitos aos tais procedimentos burocratizados da contratação, têm de respeitaresses princípios através de outros instrumentos», notou Coutinho de Abreu.

Será que se justifica a empresarialização dos hospitais?, questionou o catedráticoda Universidade de Coimbra. Na sua opinião, «a empresarialização, primeiro porvia dos hospitais SA e agora dos EPE, tem sido justificada sob a bandeira da introduçãoda gestão empresarial nos hospitais», mas esta já é referida em diplomas legaisdesde os anos 60.

Coutinho de Abreu considerou que se confunde muitas vezes a gestão empresarialcom o princípio da racionalidade, que diz que devemos atingir o máximo de resultadoscom determinados meios ou alcançar um determinado fim com o mínimo de meiospossível. Já quando se fala em gestão empresarial, normalmente, «tem-se comoparadigma a gestão privada e aí a relação entre meios e fins leva à associação decustos, receitas e lucros, o pode ser perigoso e perfeitamente inadequado quando setrata de um bem como a saúde».

Acresce que, «se formos ao diploma da Gestão Hospitalar de 2002 verificamosque, ao nível dos grandes princípios de gestão, não há diferença alguma entre osprincípios de gestão aplicáveis aos hospitais do Sector Público Administrativo (SPA),aos hospitais SA e aos EPE», referiu, concluindo que é possível melhorar a gestãomesmo não recorrendo aos modelos dos EPE.

EXPERIÊNCIAS DOS SA - Álvaro Castro

Álvaro Castro levou ao workshop algumas experiências vividas enquantoPresidente do CA do Hospital Distrital de Aveiro, uma reflexão sobre os números,mas também uma análise dos recursos humanos, do movimento assistencial e da

Os acréscimos de produção foraminduzidos. No aumento de consultas ouno movimento do bloco operatório,tratou-se, simplesmente, de aproveitarmelhor a capacidade instalada», frisouo ex-administrador do Hospital deAveiro

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vertente económica (investimento, resultados e controle de custos). «Em termosestratégicos, o principal erro que se cometeu nos hospitais SA foi colocar a sua primeiraprioridade na vertente económica», começou por dizer.

A propósito dos polémicos contratos individuais de trabalho, Álvaro Castro referiuque neste, como noutros aspectos, falhou-se porque as pessoas estavam em pólosopostos, quando, na realidade, deviam estar do mesmo lado: «A administração sótem resultados quando conta com os profissionais ao seu lado. Os gestores e osadministradores – mesmo os de renome – não terão resultados se actuarem à margemda especificidade que tem a saúde».

Sublinhando as dificuldades que causaram «10 meses de discussão dos contratosde trabalho», o ex-Presidente do CA lembrou que a lei saiu em Dezembro de 2002 e,logo a seguir, «cada hospital tinha o seu próprio contrato de trabalho para oferecer,resultando deste facto a diferente oferta de remunerações». Álvaro Castro referiu, atítulo de exemplo, a situação vivida no Porto, «onde um determinado hospital SAconseguiu aliciar os quadros do Hospital de Santo António com salários maiselevados». Curiosamente, os mesmos tornariam, segundo o administrador, ao hospitalde origem, depois deste se ter tornado também um hospital SA.

«Os hospitais contratavam médicos como quem contrata jogadores da bola e, naaltura, criaram-se bastantes problemas, nomeadamente para os hospitais que tinhammaiores constrangimentos financeiros», revelou Álvaro Castro.

No que se refere à vertente económica, o controlo de custos era a grandepreocupação. Na opinião do ex-Presidente do Hospital de Aveiro, é necessáriocontrolar as despesas, mas mesmo isso tem de ser feito com regra e em áreas em que,na maior parte das vezes, é fácil fazê-lo: «onde se gasta 700 contos em despesas dejardinagem, pode passar a gastar-se, por exemplo, 120 contos de três em três meses».Já no que respeita às prescrições, recorrendo a alguns estudos realizados em parceriacom o Centro de Medicina Baseada na Evidência pode, por exemplo, definir-se operfil terapêutico dos médicos, «actuando sobre eles de forma racional efundamentada, e nunca fazendo os cortes selvagens», frisou.

DESPESAS IMPOSTAS

As despesas inerentes ao plano traçado para o Euro 2004 e as despesas com osmédicos internos foram apontadas por Álvaro Castro como exemplo de despesasnão requeridas nem controladas pelos hospitais SA. «Entravam-nos pela porta dentrosem nós termos nada que ver com elas», disse.

«Numa sociedade comercial eu não sou obrigado a ter uma actividade que nãoquero, mas nos hospitais SA existiam actividades e despesas que saíam do nossocontrolo: mais uma valência, mais uma despesa, mais um número de internos. Nãoestou a dizer que os internos não representem um investimento necessário – os hospitaistambém têm a formação como missão –, mas estes gastos devem ser assumidosenquanto sociedade anónima, para que eu tenha direito a reivindicar que me paguemisso», explicou.

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Álvaro Castro referiu-se ainda às questões culturais que se colocam quando se falaem implementar novas formas de gestão: «seja com os SA, seja com os EPE ou com outromodelo, o processo de mudança será sempre gradual; pensar que se podia mudar de umdia para o outro e querer apresentar resultados rapidamente foi um erro histórico».

Álvaro Castro sublinhou a necessidade de apostar no «capital humano dasunidades hospitalares», situando aí a chave do sucesso de todas as administrações.Para o conseguir, apontou o diálogo e o consenso: «as reuniões com os directores deserviço, a análise conjunta de soluções, a apresentação de propostas dos profissionais,as reuniões sobre os tempos de ocupação de salas operatórias ou sobre o Projecto deRevisão de Utilização (PRU)».

MELHORES ANOS DA FIGUEIRA DA FOZ, SEGUNDO JOSÉ COUCEIRO

Os anos em que o Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF) foi SA foram osmelhores de sempre, segundo o seu director clínico. José Couceiro manteve a dúvidalançada por Coutinho de Abreu sobre a necessidade ou não de estatutos de SA paraque a melhoria de gestão seja efectiva, mas mostrou-se convicto de que a solução, naFigueira da Foz e noutros hospitais, está na gestão clínica.

«Uma coisa é linear no meu pensamento de hoje: o que é preciso é uma melhorgestão, resolver problemas com seriedade e é, fundamentalmente, na gestão clínicaque está a solução para os problemas dos serviços públicos de saúde e do SNS»,declarou.

Sendo assim, porque é que foi o estatuto de SA na Figueira da Foz que permitiuter «os melhores anos de sempre» em produtividade e acessibilidade? Porque é atravésdele que se melhoram e clarificam as questõesdo financiamento do hospital. Para JoséCouceiro, «a questão do capital social veio,pela primeira vez, calçar uns sapatos numaspessoas da Figueira da Foz que há 30 anosnão conseguiam viabilizar um projectoestruturante, que há 30 anos estãodependentes de um PIDDAC do Estado quenão lhes viabiliza nada e, aliás, com despesasenormes no erário público».

A primeira questão analisada por José Couceiro teve a ver com a autonomia degestão. O médico considerou que o estatuto SA trouxe ao hospital uma maiorcapacidade decisória e que só o facto de ter o seu capital social permitiu-lhe, pelaprimeira vez, discutir estratégias, de uma forma absolutamente regional. «Do pontode vista de gestão clínica, o HDFF decidiu as suas estratégias em áreas que são,numa perspectiva de empresa, deficitárias, como sejam a Oncologia, a criação dehospitais de dia ou a área de ambulatório. Isto porque tivemos condições objectivas,aspectos formais de financiamento, que nos permitiram lançar as nossas própriasestratégias».

Deparávamo-nos com uma estruturadecrépita e mesmo com alguns sectoresem risco de ruir. As possibilidades quenos foram dadas enquanto hospitais SA– financiamento e autonomia de gestão– foram vitais», destacou José Couceiro,director clínico do HDFF

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EXIGIR DIREITOS E DEVERES

Independentemente de ser ou não possível fazer mudanças sem o estatuto de SA,este deu ao HDFF, desde logo, a possibilidade de «mexer com a instituição», desuscitar a discussão, de reorganizar e de responsabilizar, nomeadamente, os directoresde serviço, apontou o director clínico. Permitiu, por exemplo, que muitas destasdinâmicas deixassem se ser apenas pensadas em termos de direitos para serem situadastambém, com rigor, na esfera dos deveres.

«Se algum sucesso houve nestes dois anos, ele teve, de facto, a ver com apossibilidade de fazer uma melhor gestão clínica, de nos organizarmos melhor, deresponsabilizarmos mais os serviços, de avançar com a criação de departamentosnuma estratégia de organização, de ter maior capacidade para investir em sistemasde informação (que nos permitiu reduzir custos e torna hoje possível discutir contratos-programa numa base operacional completamente diferente)», assegurou JoséCouceiro. Acresce que, enquanto SA, o Hospital da Figueira da Foz avançou com asua departamentalização, reunindo à mesa da negociação clínicos com sensibilidadefinanceira e administradores com sensibilidades clínicas. O próprio Gabinete deControlo de Gestão que foi criado teve como perspectiva a garantia de execução dagestão clínica, adiantou.

O sector de pré-facturação do hospital foi, segundo o responsável, reorganizadoe dentro da administração criaram-se áreas específicas de ligação aos serviços médicose aos serviços cirúrgicos, permitindo aos directores de serviço trabalhar diariamentecom os administradores de área na concretização dos contratos-programa. «Umadinâmica que pode explicar algum do sucesso obtido», frisou.

Quanto aos contratos-programa, foram negociados com os serviços, estabelecendoobjectivos de produção mas também o compromisso de investimento por parte daadministração sempre que se atingissem as metas de produção propostas. Tal obrigoua que os vários departamentos, nomeadamente o cirúrgico, procedessem a umaavaliação semanal do seu trabalho, tempos de ocupação de salas, etc., informouJosé Couceiro, reiterando que «a gestão é mesmo para médicos e que eles são omotor da mudança necessária ao SNS».

O responsável do HDFF frisou a disponibilidade para o diálogo por parteda tutela que pôs em marcha a questão dos hospitais SA: «pela primeira vez,consegui ter um contacto permanente e positivo na elaboração de algunsprojectos. A ligação da Unidade de Missão aos hospitais foi efectiva e positiva,com alguns pontos de vista importantes para a gestão clínica, nomeadamente anível do ambulatório».

A CONTRATAÇÃO DE MÉDICOS

José Couceiro referiu-se aos recursos humanos do hospital como «um assuntocomplicado». No que se refere aos contratos de trabalho, esclareceu que ele próprio,

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perante a confusão e as dúvidas suscitadas pelo Acordo Colectivo de Trabalho, optoupor aferir à Função Pública e que a contratação feita pelo hospital foi sempre aferidaaos direitos e deveres instituídos, bem como ao vencimento, da Função Pública.

O médico não esqueceu, no entanto, que «deve existir sempre algumaflexibilidade» e deu como exemplo a contratação de um médico em regime deprestação de serviços que, com objectivos de produção definidos, permitiu triplicar aprodução cirúrgica do hospital. «Um acréscimo de produção que veio permitir aoadministrador da área e ao director clínico negociar novos equipamentos hospitalares»,acrescentou.

José Couceiro reiterou a importância da flexibilidade num cenário como o doHDFF, que não consegue há algum tempo contratar novos médicos: «Tenho anúncioshá dois anos nos principais jornais do país e do norte de Espanha para contratar umconjunto de colegas e, da maior parte desses anúncios, não recebi sequer um únicotelefonema», lamentou.

Segundo o director clínico, o investimento no Hospital da Figueira da Foz triplicounos últimos dois anos. «Com uma equipa equilibrada, princípios e uma estratégiadefinida, foi possível abrir um serviço novo de Especialidades Médicas e uma novaunidade de Cirurgia de Ambulatório – que operou, no ano passado, 1400 doentese que este ano tem programadas entre 2000 e 2400 intervenções». Foi aindapossível viabilizar projectos estruturantes, digitalizar a imagem, criar um Hospitalde Dia Oncológico, um Hospital de Dia de Diabetes, avançar para a criação deuma nova estrutura física para os laboratórios, etc.

A política de investimento esteve intimamente ligada ao financiamento, sendoobservável um salto quantitativo de qualitativo depois de «30 anos de sub-financiamento» daquela unidade hospitalar, reparou José Couceiro, lembrando queestudos realizados nos hospitais SA colocaram o HDFF em penúltimo lugar a nívelde conforto.

«Deparávamo-nos com uma estrutura decrépita e mesmo com algunssectores em risco de ruir. As possibilidades que nos foram dadas enquantohospitais SA – financiamento e autonomia de gestão – foram vitais», destacou.

No entender do director clínico da Figueirada Foz, «se for pago o preço justo aoshospitais e se estes pagamentos forem feitos atempo e horas, os hospitais são perfeitamentesustentáveis com uma gestão clínica. Nãotenho dúvidas de que isso é possível». Até hoje,José Couceiro garante que o Hospital daFigueira da Foz, um SA, «não preteriu umdoente, não recusou um exame complementar,não preteriu um tratamento, pelo contrário,investiu, inicialmente, na Oncologia e na Medicina Interna, remodelando estes serviçosque seriam, talvez, os menos importantes do ponto de vista financeiro para o hospital».

Concluiu afirmando que «precisamos, claramente, de uma melhor gestão e temosde pensar que, cada vez mais, a gestão é para os médicos. Temos entregue oshospitais a pessoas muito menos preparadas do que nós para exercerem esta

O que é preciso é uma melhorgestão, resolver problemas comseriedade e é, fundamentalmente, nagestão clínica que está a solução paraos problemas dos serviços públicos desaúde e do SNS», declarou José Couceiro

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Os ganhos conseguidos na Figueirada Foz teriam sido conseguidos porgestores competentes, capazes, médicosdedicados e intervenientes, também nummodelo público de gestão», interveioFernando Martinho, director da CirurgiaI dos HUC

actividade numa perspectiva de prestar um melhor serviço público. Podemos ser omotor dos problemas ou da solução, é bom que consigamos optar por esta segundaopção».

MAIS GESTÃO PARTICIPADA - Fernando Martinho

Já no final do painel, Fernando Martinho, cirurgião dos Hospitais da Universidadede Coimbra (HUC), referiu que «muitas das dificuldades vividas nos hospitais poderiamser torneadas ou amenizadas se aqueles que trabalham – médicos, enfermeiros eoutros profissionais – pudessem estar presentes nos conselhos de administração, paraaí transmitirem as dificuldades que sentem no terreno».

No entanto, no que se refere à gestão clínica, o cirurgião observou que «quantomais o médico se diferencia no sentido da gestão, menos médico é», notando existir«uma certa incompatibilidade entre gestão e exercício clínico qualificado e progressivo».Fernando Martinho recomendou, portanto, «um equilíbrio entre a participação médica

na gestão e a sua participação clínica – a suaactividade cirúrgica, na urgência, a suaparticipação em congressos e acções deformação, na inovação».

O médico dos HUC afirmou também que«os ganhos conseguidos na Figueira da Fozteriam sido conseguidos por gestorescompetentes, capazes, médicos dedicados eintervenientes, também num modelo públicode gestão».

«É fundamental que existam gestores profissionais, mas a trabalhar ao lado dosmédicos, em companheirismo e a não como capatazes», declarou. Acontece que temhavido «falta de participação dos trabalhadores na gestão, devido à falta de civismoe défice democrático que ainda existe na nossa sociedade». No entender de FernandoMartinho, exemplo disso, é o facto dos «usufrutuários do SNS, que deviam estar naprimeira linha do SNS, estarem ausentes de todas as decisões, assim como outrasentidades a que a lei prevê a participação, como sejam as autarquias e outrosorganismos locais».

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MANUEL ANTUNES E O MODELO CRI

«FAZER MAIS E MELHOR COM OS RECURSOS QUE TEMOS»

Calcula-se que entre 25% e 30% dos gastos com a saúde correspondam adesperdício, referiu Manuel Antunes. Ao falar sobre o Centro de ResponsabilidadeIntegrada que dirige nos HUC, o cirurgião apontou a autonomia e responsabilizaçãodos directores de serviço e a contratualização de objectivos de produção como chavesde sucesso.

No Orçamento de Estado (OE) para 2006, a saúde, com 9,6% do PIB, é já omaior sector da economia do país. Foi com esta chamada de atenção que o cirurgiãoManuel Antunes, director do Centro de Cirurgia Cardiotorácica dos Hospitais daUniversidade de Coimbra (HUC) iniciou a sua apresentação sobre Centros deResponsabilidade Integrada, num painel subordinado ao tema «Coabitação Públicae Privada – Conflito de Interesses».

O Relatório do Eurostat, publicado em Novembro de 2005, mostrava que, em2002, Portugal gastou com a saúde mais do que os outros países da União europeia,com excepção da Alemanha, da França e da Suiça. Também os dados de um relatórioda OCDE em 2005 mostram que os 9,6% do PIB que Portugal gasta são muito idênticosaos que gasta a Bélgica e a Grécia, mas estão acima da República Checa e daEspanha, e são inferiores à Alemanha e aos Estados Unidos.

Outros dados do Eurostat de Agosto do ano passado, apontados por ManuelAntunes, referiam que a despesa pública coma saúde era de 7,1% do PIB, um valor superioraos 6,6% da média da UE. Finalmente, apercentagem de despesa do OrçamentoNacional dedicada à saúde – que era em2003 de 14,9% – é também superior aos13,6% tanto da zona euro como da UE.

«O OE para 2006 consagra 8.692milhões de euros para a Saúde, o que significaum aumento de 0,9% em relação a 2005. OMinistério da Saúde gasta um euro por cadaseis gastos pelo resto da AdministraçãoCentral. Visto assim não podemos obviamentenem exigir mais nem esperar mais, mastambém não é razoável esperar menos. Oque nos resta é fazer mais com aquilo que temos», declarou o cirurgião.

Calcula-se que entre 25% e 30% dos gastos com a saúde correspondam adesperdício, ou seja, «podemos fazer a mesma coisa com menos 30% dos gastosou fazer mais com o orçamento que temos». Traçado o cenário nacional, Manuel

O OE para 2006 consagra 8.692milhões de euros para a Saúde, o quesignifica um aumento de 0,9% emrelação a 2005. O Ministério da Saúdegasta um euro por cada seis gastos peloresto da Administração Central. Vistoassim não podemos obviamente nemexigir mais nem esperar mais, mastambém não é razoável esperar menos.O que nos resta é fazer mais com aquiloque temos, considerou Manuel Antunes.

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Antunes reconheceu que existe um «descontrole total e uma deficiente gestãodos recursos materiais e humanos postos ao dispor do Serviço Nacional deSaúde», facto que se deve, essencialmente, «a um sistema centralista deorganização».

RESPONSABILIZAR OS DIRECTORES

Na opinião do director do Centro de Cirurgia Cardiotorácica, «não tem havidoo mínimo de responsabilização dos directores de serviço, de secção ou dedepartamento», quando eles desempenham um papel fundamental na melhorgestão hospitalar. «Tudo o que é realmente importante na gestão de um hospitalocorre dentro dos serviços – todos os factores de despesa, de ganho, deprodutividade –, sendo o hospital apenas uma unidade macro que engloba oconjunto dos serviços hospitalares, não apenas os clínicos mas também oslaboratoriais, de instalações e equipamentos, etc.», declarou Manuel Antunes,notando que nem a melhor equipa de gestão hospitalar consegue resultados sema colaboração dos serviços. Para o cirurgião, é mais ao nível da micro-gestão,nos seus próprios serviços, que os médicos têm um papel a desempenhar e nãotanto na macro-gestão hospitalar.

Foi a consciência de que a mudança se faz a partir dos serviços que levou, noentender de Manuel Antunes, à criação dos Centros de Responsabilidade Integrada(CRI), em 1999, sob a tutela da ministra daSaúde Maria de Belém Roseira. O Decreto-Lei 374/99 dizia que no prazo de três anostodos os serviços do país deviam estarconstituídos em CRI, todavia não se passoudo primeiro: o Centro de CirurgiaCardiotorácica dos HUC. Um serviço que,segundo o seu director, já vinha, desde 1988,a trabalhar para os princípios da autonomia,da desconcentração de poderes e darepartição de responsabilidades.

Desde esse ano que o Centro de CirurgiaCardiotorácica publica o seu relatório de actividades anual, onde mostra os gastos,os indicadores de produtividade, a equipa de recursos humanos com que conta, etc.,referiu Manuel Antunes, lembrando um estudo realizado nos 13 serviços de acçãocirúrgica dos HUC, em que apenas quatro revelaram um saldo positivo, ou seja,gastos inferiores às receitas produzidas. «O nosso apresentava um saldo positivo de460 mil contos e a ministra achou por bem promover o serviço a CRI», adiantou.

Com esta mudança de estatuto, a Cirurgia Cardiotorácica passa a discutiranualmente com o Conselho de Administração do hospital um contrato-programae um orçamento, sendo fixados os objectivos, a produção, a produtividade, oscustos unitários, os indicadores de qualidade, os recursos humanos, materiais e

Na opinião do director do Centro deCirurgia Cardiotorácica, não tem havidoo mínimo de responsabilização dosdirectores de serviço, de secção ou dedepartamento», quando «tudo o que érealmente importante na gestão de umhospital ocorre dentro dos serviços: todosos factores de despesa, de ganho, deprodutividade.

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financeiros. Algo que já se faz em todos os outros serviços, «mas que nos CRI élevado mais a sério por ambas as partes». «A partir do momento em que nos édada uma maior responsabilidade, os contratos-programa deixam de serencarados como um treino para serem levados como um jogo de campeonato»,ironizou o cirurgião.

AUTONOMIA VERSUS RESPONSABILIZAÇÃO

Manuel Antunes deu a conhecer algumas das regras de funcionamento da suaunidade, a começar pelos horários. Os médicos entram às 07H30 e saem às 19H30,«é assim segundo decreto-lei publicado em Diário da República e independentementede chamadas de atenção que possam ser feitas para o número de horas de trabalho».E os horários são para cumprir rigorosamente, tanto que o bloco operatório começatambém a funcionar às 07H30 e encerrando às 16H30. A rentabilidade é uma ideiaque está presente em todos os colaboradores do serviço e, apesar dos bons indicadores,a Cirurgia Cardiotorácica conseguiu, entre 2000 e 2004, «esticar ainda mais a suacapacidade produtiva», adiantou o director.

Também o orçamento é, de acordo com Manuel Antunes, para levar a sério. «Aocontrário do que é voz corrente, o orçamento do Centro de Responsabilidade daCirurgia Cardiotorácica é feito exactamente no mesmo suporte informático do IGIFque o Hospital utiliza para fazer o seu próprio orçamento», ou seja, é definido«exactamente nas mesmas metodologias». O director do CRI esclareceu que «o serviçonão parasita o hospital e nem o hospital parasita o serviço».

Para 2006, segundo o responsável, prevêem-se receitas de 16 milhões de eurose despesas de 10 milhões 736 mil euros. Um valor bastante elevado, conforme admitiuManuel Antunes, mais elevado até do que o de orçamentos de alguns hospitaispequenos, porém trata-se de uma especialidade altamente diferenciada,nomeadamente a nível tecnológico, situando-se cada intervenção num valor tambémele elevado. Em média, o Centro de Cirurgia Cardiotorácica realiza 1600 intervençõescirúrgicas por ano.

Com estas contas, a expectativa é de conseguir cinco milhões e 600 mil euros desaldo positivo no ano que vem. «Num hospital que, como todos os hospitais – e secalhar por boas razões – tem, permanentemente, um défice crónico, este serviço saida média dos outros serviços», verificou o cirurgião.

As razões apresentados por Manuel Antunes são, por um lado, «a preocupaçãofazer cada vez melhor – apesar do aumento do número de actos praticados, ocrescimento da despesa de 2000 para 2004 foi de apenas 1,6% ao ano – e o aumentodas receitas».

Obter estes resultados não é obra apenas do director, nem do administrador, masdas 117 pessoas que trabalham no centro e que têm de ser motivadas, referiu oresponsável, considerando que «a motivação demonstrada constitui, por si própria,o prestígio do serviço». O próprio Decreto-Lei 374/99, entretanto revogado, dáênfase à uma política de incentivos aos profissionais.

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«O Sistema de Incentivos constitui apenas uma parte da afectação dos desviospositivos que, por decreto-lei, inclui um Fundo de Coesão Institucional – isto é acontribuição do serviço para a correcção do défice de outros serviços – e o Fundo deReserva do serviço», informou Manuel Antunes.

SISTEMA DE INCENTIVOS

De acordo com o director da CirurgiaCardiotorácica dos HUC, repartido o saldopositivo anual, cerca de 40% do valor cabeao Fundo de Coesão, 15% ao Fundo deReserva e 45% ao Sistema de Incentivos, sendoque, do total deste último, cerca de 70%correspondem a prémios de desempenho. Ditode outra forma, 30% do tal saldo positivo docentro – cinco milhões e 600 mil euros é omontante esperado para este ano – voltarão,como incentivos, para o pessoal do serviço.

Mas a distribuição dos prémios também tem regras, conforme explicou ManuelAntunes. Uma parte dos incentivos, entre 30% a 40%, é configurada num prémio deequipa, distribuído por todos, a outra parte, entre 60% a 70%, é distribuída de acordocom a produtividade individual. Depois, «os critérios para a atribuição dos prémiossão rígidos e pode, inclusive, haver exclusão».

A ausência de 10 dias ao trabalho é um dos critérios de exclusão, sendo quepara esses 10 dias apenas não contam as férias e as acções de formação previamenteaprovadas. Contabilizam-se como ausências os casamentos, os funerais, as idas aomédico ou ao pediatra com os filhos.

A justificar toda esta rigidez, o director da Cirurgia Cardiotorácica lembrou queos contratos-programa só permitem um desvio de 5% sobre os objectivos contratados.«Se tivermos contratado mil cirurgias e fizermos menos de 950 ficamos sem direito anada e se todos os colaboradores faltarem 10 dias não conseguimos atingir os nossosobjectivos», concretizou.

No entender de Manuel Antunes, se os incentivos não forem levados a sério nãoserão cumpridos. Por outro lado, se existem funcionários que faltaram, é justo que osque tiveram de assegurar o seu trabalho recebam incentivos maiores. É uma espéciede «justiça laboral» que permite que o bolo dos prémios de desempenho seja, então,repartido em fatias maiores, acrescentou.

Em 2004, do total de remunerações que os funcionários do serviço receberam,em média, os incentivos corresponderam a 18,3%, existindo a preocupação dedistribuir uma percentagem igual a todas as classes trabalhadoras, desde médicos,a enfermeiros, auxiliares, secretários e pessoal técnico. «Consideramos que, paraesta produtividade global, tão importantes na sua função são os auxiliares deacção média como os cirurgiões. E, na verdade, temos de dizer que a força

Ao contrário do que é voz corrente, oorçamento do Centro de Responsabilidadeda Cirurgia Cardiotorácica é feitoexactamente no mesmo suporte informáticodo IGIF que o Hospital utiliza para fazer oseu próprio orçamento. O serviço nãoparasita o hospital e nem o hospitalparasita o serviço», esclareceu ManuelAntunes.

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motriz, pelo menos neste serviço, são os médicos. Mesmo assim mantemos acoesão», declarou.

RESULTADOS VISÍVEIS

Resultado da política de incentivos, verificou-se, segundo o director do centro, umcrescimento mais lento das despesas versus as receitas, o aumento progressivo dosaldo positivo, uma diminuição do número de ausências ocasionais (em 76% só noprimeiro ano) e uma diminuição drástica dos pedidos de transferência de saída defuncionários, bem como um aumento de pedidos de transferência de entrada.

Às questões de ética que se possam levantar ao sistema de incentivos, ManuelAntunes responde que, de facto, «cada um de nós não pode ultrapassar as suascapacidades, mas é obrigado a dar todas as suas capacidades no exercício daprofissão. Se temos uma produção considerada acima da média, não fazemos maisdo que é a nossa obrigação».

A terminar a sua intervenção, Manuel Antunes considerou necessário partir paraestas experiências de «uma forma progressiva e cautelosa», devendo os serviçoscandidatos a CRI «oferecer garantias prévias de responsabilidade, de produtividadee de qualidade». A autonomia e a responsabilidade têm de andar de mão dada,defendeu, lembrando que a adesão aos objectivos fixados vincula todos os responsáveisdas unidades orgânicas, o serviço e os seus funcionários e o CA do Hospital.

«Não há outra alternativa para a gestão dos serviços», referiu o cirurgião.Independentemente de se designarem ou não de CRI, os serviços devem ter directoresresponsabilizados, dotados de um determinado número de meios (humanos e materiais)e instrumentos de gestão para poderem responder a determinadas metas e objectivos,defendeu.

Sobre o panorama actual, e desconhecendo as opções da actual equipa ministerial,Manuel Antunes lembra que o que está já a dar frutos não pode ser alterado de cadavez que mudam os políticos, sob pena de se cair no «descrédito total».

JEAN NOUR EXPLICOU COMO FUNCIONA O SIGIC

PRODUÇÃO CIRÚRGICA NACIONAL NUMA BASE INTEGRADA

No mesmo painel sobre a «Coabitação Pública e Privada», coube a Jean Nour,cirurgião dos HUC, explicar sucintamente o que o Sistema Integrado de Gestão Inscritospara Cirurgia (SIGIC), que está em funcionamento naquele hospital desde Janeirodeste ano.

Criado pelo Ministério da Saúde com o intuito de controlar toda a actividade dacirurgia programada a nível nacional, o SIGIC tem como principal objectivo uniformizaro processo de gestão das listas de espera cirúrgica, reunindo toda a informação

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numa única base nacional. O programapretende integrar a informação sobre todasas necessidades cirúrgicas do país e aprodução efectiva de todas as unidadespúblicas e privadas.

Segundo o responsável pelo SIGIC nosHUC, é objectivo do SIGIC zelar pelaequidade no acesso à cirurgia, para que«os doentes tenham a mesma oportunidadede acesso, independentemente dos locaisonde residam». A «responsabilização» de

todos os intervenientes foi outro ganho do programa, abrangendo desde o doente,aos directores de serviço e aos conselhos de administração dos hospitais. Àsemelhança do que já acontecia com anteriores programas de combate àslistas de espera, o SIGIC manteve «um sistema de incentivos ao aumento deprodução», mas introduziu as «alternativas ao tratamento» – ou seja, a«possibilidade de o doente não ser obrigado a ser operado no hospital ondeestá em lista de espera» –, normalizou a transferência entre hospitais eintroduziu o «vale cirurgia». «Tudo isto com o objectivo de melhorar a satisfaçãodos doentes», considerou Jean Nour.

Sublinhando a complexidade do sistema, o médico notou que ele controla nãosó as listas de espera nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a suaprodução cirúrgica, como também a produção de outras unidades convencionadas,uma vez que a forma de responder às necessidades é, muitas vezes, transferirdoentes para o sector privado.

Foi necessário criar protocolos e documentos específicos, bem como uma unidadede controlo de todo processo, a Unidade Central de Gestão de Inscritos em Cirurgia.Abaixo desta existem as unidades regionais de gestão -que vieram substituir aquelasque já funcionavam no seio das ARS para gerir o PECLEC – e, finalmente, as novasunidades de gestão do SIGIC que se situam ao nível dos conselhos de administraçãodos hospitais, servindo de intermediárias com os serviços de cirurgia.

A nível operacional, de acordo com Jean Nour, criou-se ainda uma nova aplicaçãoinformática, o SIGLIC – Sistema Informático de Gestão das Listas de Inscritos paraCirurgia. Uma ferramenta que, admitiu o médico, «é pouco amigável», processalentamente e nem sempre «ajuda o utilizador na introdução dos dados», mas cujasdificuldades podem ser contornadas com a utilização de «uma aplicação própria doserviço que envie os dados via interface para o sistema centralizado».

INFORMAÇÃO INTEGRADA

No entender de Jean Nour, a possibilidade de ter uma informação integrada anível do hospital e de todas as unidades de saúde do país é a grande mais valia dosistema informático que «fornece indicadores importantes sobre a actividade de cada

Criado pelo Ministério da Saúde como intuito de controlar toda a actividadeda cirurgia programada a nível nacional,o SIGIC tem como principal objectivouniformizar o processo de gestão daslistas de espera cirúrgica, reunindo todaa informação numa única base nacional,referiu Jean Nour, dos HUC.

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serviço cirúrgico» e sobre a decisão de enviopara de doentes para cada um deles.

«O controlador nacional da produçãoé a ferramenta que o Ministério da Saúdeterá ao seu dispor para controlar ainformação dos movimentos na produçãocirúrgica – verificando se a informação quedeterminado serviço debita é real oufalaciosa – e, desta forma, contratar ofinanciamento dos hospitais», referiu.

O SIGIC veio introduzir metodologiasespecíficas. Uma proposta operatória,conforme explicou o responsável dos HUC, antes de ser assumida tem de ser consentidapelo doente, que autoriza ou não a introdução do seu nome na lista de espera e setorna também ele responsável no processo. Seguidamente, cabe ao médico propor acirurgia e ao director do serviço validar a proposta, não só no que se refere àjustificação clínica mas também no que se refere à prioridade que foi atribuída àintervenção. «A partir do momento em que o doente é aprovado em lista de espera,o sistema informático – SIGLIC – emite um certificado de inscrição que a unidadehospitalar deve fazer chegar ao doente, informando-o dos seus direitos e deveres»,acrescentou o médico.

O médico é responsável pela proposta, o director pela validação da mesma e dasua classificação, o hospital é co-responsável pelo tratamento seja nas suas unidadesseja noutra. A propósito, Jean Nour repara que «o custo decorrente das complicaçõesque ocorrem até dois meses após a intervenção são do hospital que opera o doente,mas os cuidados que se relacionam com o tratamento integrado das patologias ousequelas previsíveis cabem ao hospital de origem».

A diferença introduzida pelo SIGIC no que se refere a responsabilização está,sobretudo, na definição de direitos, mas também de deveres e responsabilidades dopróprio doente, aumentando o seu envolvimento em todo o processo.

No que se refere ao sistema informático, Jean Nour explica que cada propostaoperatória integra um campo específico destinado à classificação da prioridade, ouseja, do grau de urgência da operação, que pode ser normal, prioritário, muitoprioritário e urgência diferida. Introduz-se ainda um outro campo – que, admite,«pode ser um pouco confuso» – em que se classifica o procedimento perante actoscirúrgicos anteriores, referindo, nomeadamente, se é um acto isolado ou se tem ligaçãocom acto anterior. Este tipo de informação serve como «reforço da classificação dograu de prioridade», uma vez que pode, por exemplo, justificar a rápida intervençãonum doente que já foi operado mas cuja situação se veio a complicar.

«O campo de diagnóstico de procedimento também pode trazer dificuldades aosclínicos, já que o SIGIC pretende que a informação seja introduzida com a ICD9 dodiagnóstico do procedimento, fora da nossa linguagem clínica», reparou Jean Nour.Ainda assim, sugere-se, para minimizar o problema, que os hospitais ou os serviçoscriem a sua própria tabela – com as expressões mais simples para uso dos clínicos –e a indexem ao ICD9. «O SIGIC reconhece que existem muitas fases do processo que

Criado pelo Ministério da Saúdecom o intuito de controlar toda aactividade da cirurgia programada anível nacional, o SIGIC tem comoprincipal objectivo uniformizar oprocesso de gestão das listas de esperacirúrgica, reunindo toda a informaçãonuma única base nacional, referiu JeanNour, dos HUC.

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não estão estabilizadas e até sugere que sejam feitas críticas. Penso que será útil quetodos possamos contribuir para uma maior definição», alertou o responsável.

MOVIMENTAÇÃO DA LISTA

Nenhum doente pode ser operado sem que exista uma proposta, uma validaçãoe aprovação à lista de espera e, finalmente, um agendamento da intervenção. Aintervenção pode ser cancelada ou suspensa temporariamente, sendo este um recursoque permite que o doente mantenha a antiguidade na lista sem o risco de alcançar otempo de espera máximo ou intermédio.

De acordo com o SIGIC, sempre que o tempo de espera alcançar os 9 meses, aunidade central deverá propor ao doente a sua transferência para outra unidade queo possa operar mais rapidamente. O doente tem, todavia, o direito de recusar essamesma transferência e, nessa altura, volta a ser inscrito em lista de espera.

As normas de agendamento mereceram «algumas críticas» por parte do responsávelpelo SIGIC nos HUC, por serem «demasiado rígidas e não adequadas ao universonacional». A justificar esta opinião, o cirurgião apontou o caso das unidades detransplantes ou das unidades pediátricas, bem como de serviços em que existe umgrande desequilíbrio entre oferta e procura de cuidados, neste caso, cirúrgicos.

De qualquer forma, as regras dizem que «a intervenção pode ser agendada pordois métodos: o método de cotas, em que o doente é priorizado de acordo com aclassificação que é atribuída na proposta (muito prioritário, prioritário ou normal) eem que se emite uma listagem, segundopercentagens adaptadas à realidadenacional; ou um método «um pouco maisconfuso», que «introduz um factor decorrecção que, adaptado à prioridade, ésomado ao número de dias que o doente estáem lista de espera, realizando-se também umaclassificação do doente por este método».

Impõe-se que vá sendo sempre chamadoo doente mais prioritário e mais antigo dalista de espera, mas, de acordo com JeanNour, «nem sempre as situações clínicaspermitem que tal aconteça», pode não haver condições para operar aquele doenteespecífico mas outro com outras características de prioridade e antiguidade na lista.«Há inerências relacionadas com o doente, e até com o procedimento, que podemmodificar os critérios de agendamento, nuances que o SIGIC não contempla».

O SIGIC dita que «não devem existir diferenças superiores a 30 dias na intervençãode doentes em que se preconiza um tratamento igual e em a prioridade é tambémsemelhante».

Jean Nour considera que «os tempos ligados à prioridade estão, muitas vezes,desenquadrados da realidade do país, pelo que devem ser revistos. Existem hospitais

O controlador nacional da produçãoé a ferramenta que o Ministério da Saúdeterá ao seu dispor para controlar ainformação dos movimentos na produçãocirúrgica – verificando se a informaçãoque determinado serviço debita é realou falaciosa – e, desta forma, contrataro financiamento dos hospitais, explicouo responsável do SIGIC nos HUC.

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que «não conseguem marcar uma operação de um doente muito prioritário em menosde 15 dias, bem um doente prioritário num período inferior a dois meses», sustentou.Já o tempo associado às intervenções classificadas como urgência diferida é definidopelo SIGIC apenas como «previsível», não havendo penalização em operar um doenteclassificado dessa forma num espaço de um dia ou num espaço de uma semana.

No entender de Jean Nour, para fazer cumprir as regras do SIGIC as penalizaçõessão importantes, mas o maior cumprimento e adesão conseguir-se-à com incentivospositivos.

INCENTIVOS À PRODUÇÃO

O facto de toda a produção cirúrgica ser controlada permite a realização decontratos programa dos hospitais com os serviços, que vão programar a sua actividadede produção base

– realizada dentro das 42 horas semanais dos médicos – e de produção adicional.É o Conselho de Administração (CA) dos hospitais que, por sua vez, assina um contrato-programa com o IGIF.

«O director de serviço que foi responsável pela rentabilização da cadeia deprodução e que conseguiu que a sua produção chegasse, pelo menos, aos 95% doque foi contratado, receberá um prémio por isso, bem como a unidade hospitalar eoutros elementos que o CA entenda que devam ser premiados. A única regra é que oincentivo não pode ser superior a um terço do salário da pessoa», explicou JeanNour.

O CA contrata a produção com o serviço cirúrgico e faz a distribuição dosfinanciamentos e incentivos, a forma como a actividade é articulada com as equipasé da responsabilidade do director de serviço.

«A produção excedentária do hospital é contratada até 10%. Se um hospitalcontratou realizar 100 cirurgias e acabou por realizar 110, é-lhe dado o financiamentoequivalente a esse número, o que for além do excedente de 10% já não é pago»,reparou o responsável.

O hospital pode realizar as operações nos serviços do próprio hospital ou noutrosserviços, sempre que considerar que não tem capacidade para o fazer. «Até 5% doque contratou com o IGIF pode ser realizado em unidades convencionadas ou privadas,ainda que tal necessite de uma prévia aprovação da Unidade Central», acrescentouo médico. A transferência entre hospitais do SNS é mediada pela Unidade Regional,e pela Unidade Central quando o doente alcança os 9 meses em lista de espera.

Na opinião de Jean Nour, «os hospitais privados, de uma forma geral, não sãopenalizados com a parte burocrática do processo, uma vez que a inscrição dodoente e a gestão do agendamento são feitas no SNS». As unidades privadasaceitam ou não os doentes, operam-nos e realizam os respectivos relatórios. Aspenalizações acontecem, por exemplo, «quando se recusam a operar e antes tinhamdito ter capacidade para fazer ou quando realizam uma intervenção diferente daproposta».

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A terminar, Jean Nour concluiu que o SIGIC constitui «uma óptima base nacionalde informação sobre as necessidades e a produção cirúrgica, bem como umafundamental ferramenta de apoio para a contratação com os hospitais e seufinanciamento». Não obstante, salvaguardou, existem inconvenientes ao nível do«abuso das regras processuais e administrativas», ao mesmo tempo que as normasde agendamento «deveriam ser revistas». «A satisfação dos doentes seria o melhorindicador de sucesso do SIGIC, mas, até hoje, isso ainda não foi possível»,desabafou.

UMA CARREIRA ÚNICA – INDEPENDENTEMENTE DO ESTATUTO JURÍDICO

FNAM EXPÔS PROPOSTA PARA A CARREIRA MÉDICA HOSPITALAR

Que futuro para as carreiras médicas? Jorge Almeida, do Sindicato dos Médicosdo Norte (SMN), assumiu que as dúvidas são muitas e que o período que se vive é de«impasse», mas tentou, ainda assim, deixar uma «visão positiva», sublinhando opapel determinante dos próprios profissionais:

«As carreiras médicas dependem da classe e é no seio da classe que a discussãosobre o seu futuro tem de ser feita». Um trabalho que a FNAM tem realizado, aolevar a discussão a vários hospitais do país e ao apresentar uma proposta concreta eprojectos para a revisão das carreiras.

No entender de Jorge Almeida, «as carreiras médicas são um meio e não um fim:são um meio de servir os profissionais mas, acima de tudo, de procurar que esseserviço se traduza num melhor serviço aos doentes». A centralidade da saúde serásempre o doente, não as carreiras nem os profissionais, «mas é evidente que ascoisas têm e devem ser compatibilizadas».

Já em 1961, o relatório sobre as carreiras médicas referia que «a medicina temde adaptar-se ao ritmo do mundo moderno, porque constitui um dos seus factores deprogresso. A adaptação pode obrigar aintroduzir modificações no exercícioprofissional e exigir até o sacrifício de hábitosde costumes e de prerrogativas mas não exigea abdicação das normas basilares da éticaprofissional», citou Jorge Almeida, lembrandoque além destas normas basilares houve, delá para cá, um conjunto de conquistas dosmédicos que também não podem seresquecidas.

O responsável do SMN lembrou que DL 73/90, que rege as carreiras médicastem já 16 anos e que se impõe uma modificação nas carreiras, porque a realidadede hoje é outra e é maior o grau de exigência. A título indicativo, reparou que,actualmente, os colegas da Medicina Geral e Familiar estão a seguir um caminhopróprio – com o regime remuneratório experimental e as Unidades de Saúde

No entender de Jorge Almeida, «ascarreiras médicas são um meio e nãoum fim: são um meio de servir osprofissionais mas, acima de tudo, deprocurar que esse serviço se traduzanum melhor serviço aos doentes.

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Familiares –, o que vai obrigar a rever a estrutura de carreira médica: «o paralelismonas três carreiras (Hospitalar, de Medicina Geral e Familiar e de Saúde Pública)que o DL 73/90 consagrava deixou de fazer sentido hoje».

Por outro lado, «temos mais de mil colegas com contrato individual de trabalho,que não têm quaisquer garantias de progressão de carreira, regimes jurídicos distintoscomo sejam os do sector público administrativo, dos novos hospitais empresarializados,dos hospitais a serem construídos em parceria com grupos privados e dos hospitaisprivados. E não sabemos como é que vai ser a estrutura de saúde no futuro», constatouJorge Almeida.

RESPEITO PELA HIERARQUIA TÉCNICA

Neste cenário, a FNAM tentou, de acordo com o responsável, conceber «umsistema de carreiras que pudesse ser aplicável de forma transversal a todos os hospitaisque contratualizem com o SNS, independentemente do modelo jurídico que os gere,colocando algum grau de exigência aos hospitais que o SNS contrata».

Para além da questão da ética, o médico sublinhou que a classe «não podeabdicar de valores como a igualdade de oportunidades, a estrutura hierárquicaprofissional, a estabilidade laboral (não uma estabilidade absoluta mas o empregocom responsabilização), a garantia de progressão em função do desempenho e dadiferenciação técnica – temos de ter a possibilidade de nos diferenciarmos e,preferencialmente, não estando dependentes de terceiros alheios à profissão médica,nomeadamente a Indústria Farmacêutica –, e o direito à formação contínua».

Antes de apresentar sucintamente a proposta da FNAM para as carreiras médicas,Jorge Almeida destacou a questão dos concursos. No seu entender, têm de ser osmédicos «a ter a capacidade de se organizarem e de se avaliarem inter pares», sobpena de que terceiros o façam «com critérios completamente alheios à profissão edecidindo quem são os profissionais mais competentes para ocupar determinadoscargos».

A proposta de carreira hospitalar que está consensualizada na FNAM mantémuma estrutura piramidal de três categorias: assistente hospitalar, assistente hospitalargraduado e chefe de serviço. Como já hojeacontece, para aceder ao lugar de assistentehospitalar é necessário possuir o grau deespecialista e para aceder às outras categoriasé necessário o grau de consultor. Os cargosde gestão – director de serviço ou dedepartamento – continuam a não fazer partedas carreiras médicas, sendo exercidos emcomissão de serviço.

Na proposta da FNAM, os médicos dointernato de especialidade exercem aactividade com o contrato administrativo de

FNAM tentou conceber «um sistemade carreiras que pudesse ser aplicávelde forma transversal a todos oshospitais que contratualizem com o SNS,independentemente do modelo jurídicoque os gere, colocando algum grau deexigência aos hospitais que o SNScontrata», adiantou o responsável doSMN.

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provimento na dependência do Ministério de Saúde. É necessário o grau de especialistapara ser assistente hospitalar e é preciso ter o grau de consultor para se progredir nacarreira, respeitando-se os rácios que dizem que, por cada cinco assistenteshospitalares, existirão dois graduados e um chefe de serviço. Está é, na opinião deJorge Almeida, uma forma de evitar que «os médicos sejam todos acumulados numpatamar inferior. Se existe uma carreira é porque existe uma proporcionalidade quedeve ser respeitada». Já onde não haja lugar para chefe de serviço, poderá haverum assistente graduado para cada três assistentes hospitalares, acrescentou.

CONCURSOS E PROVAS

Os graus de especialista e de consultor são obtidos em concursos exteriores àinstituição, portanto não é a instituição que confere os graus. Ao grau de consultorpodem aceder os especialistas com mais de cinco anos e com avaliação positiva emtrês anos consecutivos, ou seja, «temos de aceitar a avaliação interna como um factorde progressão», sublinhou o responsável do SMN.

O grau de consultor só pode ser obtido através de provas públicas. «Nós, FNAM,achamos que a via longa foi um erro, um facilitismo que não veio dignificar a carreiramédica e, portanto, deve acabar». Segundo Jorge Almeida, «não faz sentido que ummédico chegue ao grau de consultor sem ter publicado um trabalho numa revistaindexada, sem ter um bom currículo, um trabalho diferenciado e de qualidade na suaárea».

«Admitimos que ter um grau de consultor pode significar um acréscimo novencimento do profissional, mas ele não passará, apenas por esse facto, à condiçãode assistente graduado, mas sim quando houver vaga dentro dos rácios que estãodefinidos», acrescentou.

Os acessos à carreira são sempre efectuados por concurso público para qualqueruma das categorias e os moldes de concursos devem ser idênticos de hospitais parahospitais. O acesso deve ser efectuado pelo escalão mais baixo de cada categoriacom um excepção de situações em que o médico transite de outro hospital, conformesublinhou o responsável do sindicato.

Na proposta da FNAM, a carreira apresenta duas evoluções: a evolução horizontale a progressão vertical, sendo que ambas dependem sempre da avaliação dacapacidade profissional. A evolução horizontal depende da avaliação interna anual,em que os médicos têm de ter nota positiva, e a progressão vertical faz-se medianteconcurso e respeitando os rácios. No fundo, explicou Jorge Almeida, «a evoluçãohorizontal é um pouco como os escalões que nós hoje conhecemos – em número adefinir por categoria e mediante a avaliação do desempenho – e, no nosso entender,seria feita de três em três anos, obedecendo sempre a uma classificação».

«A progressão com passagem a uma categoria superior faz-se mediante concursopúblico com um júri constituído por cinco elementos: o director de serviço, dois médicosde categoria superior ao candidato, o director clínico e o director dos recursoshumanos», explicou o médico.

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INCENTIVOS SÃO FUNDAMENTAIS

Lembrando a apresentação feita pelo cirurgião Manuel Antunes sobre os Centrosde Responsabilidade Integrada, Jorge Almeida concordou que «a criação de incentivosnos serviços é hoje fundamental para o aumento da qualidade». O sindicalistaconsiderou que «os constrangimentos existentes no SNS nada têm a ver com ascarreiras médicas e as suas exigências, antes se devem a outras questões lateraisimportantes como sejam a promiscuidade entre sector público e privado, a inexistênciade uma lei de bases de convenções, a falta de incentivo para que os profissionaisfaçam mais e melhor dentro dos serviços públicos».

A mudança deste cenário passa, na opinião de Jorge Almeida, pela criação deincentivos ligados ao desempenho individual e de grupo, devendo constituirmodalidades do sistema de incentivos a melhoria das condições de trabalho, aparticipação em acções de formação e estágio, o apoio à investigação e, finalmente,os prémios de desempenho. Nestes últimos, «os parâmetros definidores devem serclaros e objectivos, evitando-se a arbitrariedade do cálculo e da atribuição destesincentivos», salvaguardou.

O relatório sobre as carreiras médicas foi aprovado em 1961, numa altura emera apenas a Ordem dos Médicos que representava os profissionais e em que nãohavia possibilidade dos sindicatos discutirem questões que hoje são de naturezasindical, recordou Jorge Almeida. Entretanto, «tivemos capacidade para discutir eaprovar o DL 310/82 e para discutir o DL 73/90 que se manteve durante 16 anos».A classe médica «é uma classe que é mobilizável e achamos que, nesta questão dascarreiras médicas, a Ordem tem um papel fundamental a desempenhar, no incentivoà discussão, na reunião dos médicos e na promoção do diálogo».

«Da parte da FNAM existe uma proposta muito concreta. Está discutida entrenós, gostaríamos de a discutir e partilhar com outros, porque considero que é nestaunidade e na capacidade de apresentarmos uma proposta coesa ao MS que podemosconseguir que as carreiras se mantenham e continuem a ser um esteio da medicinaportuguesa», concluiu Jorge Almeida.

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CONFLITO DE INTERESSES ENTRE PÚBLICO E PRIVADO - Eugénio Rosa

«Conflito de Interesses Público – Privado» foi o tema apresentado por EugénioRosa, economista, no segundo painel do Workshop Gestão Hospitalar. Defendeu umsistema de gestão pública orientado pelos princípios da eficácia, da eficiência e daresponsabilização como forma de eliminar esse mesmo conflito e garantir asustentabilidade do SNS.

Eugénio Rosa distinguiu e caracterizou três sistemas de gestão que coexistem noSNS e que, no seu entender, «agravam o conflito de interesses e geram ineficiências»:o Sistema de Gestão Público-Administrativo, que coexiste com a promiscuidade público-privado; o Sistema de Gestão Privada, assente na exploração privada de instalaçõese de equipamentos adquiridos com fundos públicos e de serviços clínicos financiadospelo Orçamento de Estado, o que também agrava o conflito público-privado; aEmpresarialização ou Gestão Economicista da Saúde, que agrava o conflito entre obem público que é a saúde e a necessidade de reduzir o financiamento do Estado

para, desta forma, diminuir o déficeorçamental. Como alternativa a estes sistemas,Eugénio Rosa apontou um Sistema de GestãoPública orientado pelos princípios da eficácia,da eficiência e da responsabilização,eliminando o conflito público-privado egarantindo a sustentabilidade do SNS.

No que se refere a Gestão PúblicaAdministrativa, o economista destacou o factode «não se orientar pelos princípios da eficiênciae eficácia técnica do orçamento incremental» ede «não responsabilizar pelo incumprimento deobjectivos e pelas ineficiências». A justificar estasituação, apontou a existência de serviços de

análises e de blocos operatórios subutilizados, hospitais sobredimensionados para apopulação que abrangem (como exemplo referiu o Centro Hospitalar Médio-Tejo), hospitaiscom estruturas inadequadas e recursos humanos subutilizados.

A promiscuidade entre sectores público e privado e a prática de uma medicinaessencialmente curativa em prejuízo da promoção da saúde – em 2004, 16.188médicos do SNS trabalhavam em hospitais públicos e apenas 7.377 em centros desaúde – foram outras características apontadas por Eugénio Rosa a este sistema.

Mas os reparos estenderam-se ainda às grandes assimetrias regionais no campoda saúde e às elevadas dívidas a fornecedores, que coexistem com elevadas quantiaspor cobrar a entidades clientes. A região de Lisboa concentra 26% da população eabsorve 38,7% dos médicos, enquanto no Alentejo estão 7,3% da população nacional,valendo-se de apenas 3,9% dos médicos. No que se refere a dívidas, «em Junho de2002, as dívidas por cobrar atingiam já 617,9 milhões de euros. No período 2003-2005, os hospitais emitiram facturas no valor de 1.234 milhões de euros, mas sócobraram 471,5 milhões de euros, ou seja, 38,2%», revelou.

A exploração e gestão privada no seiodo SNS, no entender de Eugénio Rosa,agrava ainda mais a promiscuidade,aumenta o conflito de interesses público-privado e as ineficiências. Por um lado,«existem maiores custos para o Orçamentode Estado e para os utentes, já que ospreços terão de incluir margem de lucro ede risco», por outro, as entidades dispõemde instrumentos para aumentar os seuslucros.

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GESTÃO PRIVADA NO SEIO DO SNS

A exploração e Gestão Privada no seio do SNS, no entender de Eugénio Rosa, agravaainda mais a promiscuidade, aumenta o conflito de interesses público-privado e asineficiências. Aqui, passa-se a um duplo conflito: entre o Ministério da Saúde e a entidadeprivada e entre esta e os utentes. Por um lado, «existem maiores custos para o Orçamentode Estado e para os utentes, já que os preços terão de incluir margem de lucro e de risco»,por outro, as entidades dispõem de instrumentos para aumentar os seus lucros.

Reduzir as remunerações e obrigar os profissionais de saúde a realizarem ummaior número de prestações; reduzir os consumíveis ou utilizar os de menor qualidade,reduzir os medicamentos, os meios auxiliares de diagnóstico, etc.; reduzir o tempode utilização dos serviços por parte de cada utente, o que poderá determinar, porexemplo, as altas prematuras; e recusar doentes cujas patologias implicam maioresgastos e não implicam lucros (infectados com HIV, por exemplo) são, segundo EugénioRosa, instrumentos de que os privados dispõem para aumentar os seus lucros.

Também a Empresarialização ou «Gestão Economicista da saúde», para osindicalista, mantém o conflito público-privado, primeiro entre o Estado e os hospitais,com a subordinação destes ao primeiro, e depois entre o interesse dos hospitais emcumprirem metas de produção impostas e o interesse dos utentes em obter um serviçode natureza pública (universal, de qualidade e tendencialmente gratuito).

Dois exemplos paradigmáticos deste tipo de gestão são os contratos programascom os hospitais SA (que, por cada prestação realizada abaixo da produçãocontratada recebem mais do que acima da produção contratada) e EPE (que nãorecebem nada pela produção realizada acima da que foi contratada), bem como aproposta de Acordo Colectivo de Trabalho para estes hospitais, «que destrói a carreirados profissionais de saúde, generaliza a precariedade no sector e pretende aumentarhorário de trabalho e reduzir a remuneração».

Eugénio Rosa lembrou a intervenção do próprio responsável pela EntidadeReguladora de Saúde (ERS) no XII Congresso de Medicina do Porto, onde se frisavamos riscos e os conflitos potenciais da gestão empresarial, ao focar-se nos objectivos darentabilidade e sustentabilidade financeira: «A flexibilidade na gestão dos recursoshumanos e sistemas de remuneração com base no desempenho pode pressionar osprofissionais a seguir os objectivos dos gestores, em detrimento de outros valores; aavaliação de desempenho poderá ser focada na eficiência de aplicação de recursosem detrimento de critérios clínicos; há o risco de redução dos incentivos à introduçãode novas tecnologias ou práticas inovadoras; existe a possibilidade de transferência deresponsabilidade pelo incumprimento dos objectivos contratados para os profissionais».

ELEVADOS CUSTOS DE INEFICIÊNCIA

De acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas realizada em 2003, 25% dasdespesas do SNS correspondiam a desperdício. «Os custos de convergência – que

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A alternativa para a saúde reside,segundo o economista Eugénio Rosa,«numa gestão pública da saúdeorientada pelos princípios da eficácia,eficiência e responsabilização».

são, em muitos casos, custos de ineficiência – dos 31 hospitais EPE de 74 hospitaispúblicos existentes totalizam 645,5 milhões de euros em 2006, segundo a Unidadede Missão dos Hospitais EPE». Outros aspectos que «geram ou evidenciam» elevadoscustos para o SNS são «os custos claramenteelevados com os medicamentos, os custos comsub-contratos e as grandes diferenças com oscustos de hospital para hospital».

A alternativa para a saúde reside, segundoo economista, «numa gestão pública da saúdeorientada pelos princípios da eficácia,eficiência e responsabilização». Esta permitiriaa separação clara do público-privado; avalorização de carreiras motivadoras e compensadoras para os profissionais de saúde;investir mais e melhor na promoção da saúde, não a sacrificando à medicina curativa;combater as graves assimetrias regionais; contratualizar objectivos claros – quer anível de cada unidade de saúde quer a nível de cada serviço/centro de responsabilidade–, de forma a assegurar uma utilização eficiente e plena dos meios disponíveis, e aresponsabilizar pelo seu cumprimento.

Deveria existir, ao nível de cada unidade e serviço de saúde, «um plano e umorçamento elaborados com a participação dos profissionais e orientados para asatisfação dos utentes», bem como a responsabilização, aos vários níveis, pelocumprimento desse plano e desse orçamento, concretizou Eugénio Rosa.

Na opinião do responsável do sindicato, «a articulação das unidades de saúdecom representantes dos doentes» seria outra importante mais-valia para o sistema.«Os conselhos consultivos dos hospitais SA nunca funcionaram e parece que o mesmosucede com os EPE», reparou.

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AS PERSPECTIVAS DOS HOSPITAISDA ZONA CENTRO

HUC, HD Fig. Foz, CHC e Cova da Beira

OPTIMIZAR CUSTOS E MANTER A EQUIDADE

«Como optimizar custos com ganhos em saúde e sem comprometer a equidade»foi o tema de um painel moderado por Fernando Martinho, cirurgião dos HUC. Entreconferencistas e comentadores foram várias as perspectivas apresentadas, comunanimidade no que se refere à defesa da equidade, mas algumas divergências naforma como deve ser garantida.

O Sindicato dos Médicos da Zona Centro (SMZC) quis saber como é que oshospitais da zona têm tentado optimizar os seus custos, obtendo ganhos em saúde,sem comprometer a equidade do acesso e do tratamento. Para tal convidou a participarno último painel do Workshop Gestão Hospitalar responsáveis de gestão dos Hospitaisda Universidade de Coimbra (HUC), do Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF),do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) e do Centro Hospitalar da Cova da Beira(CHCB).

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CUSTOS E PROVEITOS - Pedro Roldão (HUC)

Pedro Roldão, administrador dos HUC,sublinhou que «não é possível falar de custossem falar de proveitos e, por sua vez, definanciamento. Ora, o financiamento dohospital depende do planeamento e este dasua organização, que tem de ser assentenuma estrutura funcional – de serviços, deacção médica e de apoio clínico –, mastambém numa estrutura de gestão,suportada, obviamente, num modelo de gestão de custos e financiamento interno».

A equidade foi definida pelo administrador, no contexto da economia da saúde,como «a justiça retributiva na afectação de recursos ou tratamentos entre indivíduosou grupos». No pressuposto nº 5 da Lei de Bases da Saúde é reconhecida a liberdadede escolha no acesso à rede nacional de prestação de cuidados de saúde, no entanto,salvaguardou Pedro Roldão, «com as limitações decorrentes dos recursos existentes eda organização dos serviços».

No entender do responsável dos HUC, «o hospital deverá, preferencialmente,servir os utentes da sua área de influência, tendo como base a integração dos diversosníveis dos cuidados de saúde do sistema hospitalar – hospitais mais diferenciados emenos diferenciados – e, obviamente, sem contrapor as valências diferenciadorasentre os vários hospitais».

Optimizar custos pressupõe, segundo o administrador, «eficiência técnica, quepode traduzir-se em maiores resultados para recursos pré-fixados ou menos recursospara resultados pré-fixados». Pedro Roldão distinguiu a optimização de custos dagestão de custos, notando que esta última pode ser feita optimizando, melhorando,racionalizando, etc. E definiu a gestão de custos como «um conjunto de métodos etécnicas para gestores hospitalares – quer a nível do Conselho de Administração(CA), quer a nível da gestão intermédia dos hospitais––, necessário para a análisegestionária, para as decisões estratégicas, para os objectivos organizacionais e paraa melhoria do desempenho da organização».

«Quando falamos de custos falamos de aquisição, de custo médico, custo directo,custo indirecto, custo fixo, custo marginal, custo variável. Mas também podemos falarna análise de custo/benefício, custo/efectividade, custo/utilidade e custo/oportunidade. Não é possível falar de custos sem falar de proveito, de actividade, edo modelo de financiamento dessa mesma actividade», declarou o administradordos HUC.

O modelo de financiamento, informou, baseia-se no orçamento do hospital que,por sua vez, tem uma relação directa com o suporte de orçamentos sectoriais. «Háserviços com desvios positivos e serviços com desvios negativos, mas também háserviços que, pela sua complexidade e actividade, nunca terão um desvio positivoentre custos e proveitos».

Optimizar custos pressupõe, segundoPedro Roldão, eficiência técnica, que podetraduzir-se em maiores resultados pararecursos pré-fixados ou menos recursospara resultados pré-fixados

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Os HUC têm sete centros de responsabilidade, com modelos de gestão idênticos,alguns ainda com regulamento interno desactualizado: o Centro de Medicina deReabilitação, o Centro de Oftalmologia, o Centro de Medicina Nuclear, o Centro deCirurgia Cardiotorácica (que é o único Centro de Responsabilidade Integrada), oCentro de Medicina Materno-Fetal, Genética e Reprodução Humana, o Centro deCirurgia Maxilo-Facial e a Unidade de Transplantes Hepáticos.

No que se refere à distribuição de prémios de desempenho, Pedro Roldãoesclareceu que não é apenas o Centro de Cirurgia Cardiotorácica que realiza adistribuição de dividendos, tendo já o Centro de Oftalmologia contratado esseprocedimento com o CA do hospital.

Para definir o financiamento, «é necessário estabelecer o ciclo de planeamentodo hospital, que se concretizará também no orçamento económico dos centros deresponsabilidade e dos serviços, sendo estes definidos com base na negociação econtratação de metas com a administração».Negociar os orçamentos sectoriais passa poruma análise histórica, pela negociação comos serviços de acção médica e de apoioclínico, pela avaliação de propostas deconsolidação orçamental e, por fim, pelaassinatura dos contratos-programa quecomprometem directores de serviço e CA dohospital.

CONCORRÊNCIA ENTRE SERVIÇOS

«Neste momento, a estratégia dos HUC não é privilegiar um serviço em detrimentodos outros, mas sim tentar que todos nos acompanhem em paridade», esclareceuPedro Roldão, notando que o bom funcionamento está hoje assente em estruturas degestão como as que existem nos centros de responsabilidade. «O nosso objectivo éobter resultados ao nível dos custos e dos proveitos, é ter uma gestão maisresponsabilizada e mais efectiva», sustentou.

De acordo com o responsável, «é necessário desenvolver, estimular e criar omodelo de gestão dos custos», definindo o que são as necessidades básicas,

quem tem de identificar os níveis deresponsabilidade, avaliar os desvios,proporcionar os dis t intos níveis deinformação. Tudo isto será assente para«fixar preços a facturar aos clientes, avaliara gestão da responsabilidade de cadaserviço, os factores que influenciam oscomportamentos dos custos, identificar avariabilidade clínica intra e entre instituiçõese, desta forma, ajudar a tomar decisões».

Há serviços com desvios positivos eserviços com desvios negativos, mastambém há serviços que, pela suacomplexidade e actividade, nunca terãoum desvio positivo entre custos eproveitos», referiu o administrador dosHUC

Neste momento, a fixação dos preçosde transferência interna é um desideratodo CA do hospital, no sentido de, em 2007,haver uma “concorrência salutar” entreserviços que prestem internamenteserviços uns aos outros, adiantou PedroRoldão

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Pedro Roldão referiu que esta forma de gestão nos HUC se integra na estratégiatraçado pelo CA para «proporcionar alguma competitividade e concorrência entreos serviços». «Neste momento, a fixação dos preços de transferência interna é umdesiderato do CA do hospital, no sentido de, em 2007, haver uma “concorrênciasalutar” entre serviços que prestem internamente serviços uns aos outros», adiantou.

«Em suma, o que nós pretendemos é dotar os HUC, internamente, de modelosde financiamento que sejam estimuladores da optimização dos recursos e dosproveitos, tendo como grande objectivo dotar o hospital de um equilíbrioeconómico-financeiro no contexto do SNS. E isto para que a equidade de acessoaos cuidados de saúde por parte dos cidadãos não passe de uma mera definição»,concluiu o administrador.

JUSTIÇA NO HDFF - Carlos Brito

Carlos Brito, administrador hospitalar, também reflectiu sobre o conceito de equidadeem saúde e deu a conhecer, na sua apresentação, a realidade vivida no Hospital Distritalda Figueira da Foz (HDFF), na tentativa de optimizar custos e obter ganhos. Transformadoprimeiro em hospital SA e agora em EPE, o HDFF tem uma área de influência queabrange os concelhos da Figueira da Foz, de Pombal, Soure, Montemor-o-Velho,Cantanhede e Mira, atendendo uma área populacional de 216 mil habitantes.

«Prestar cuidados de saúde diferenciados, numa óptica de serviço humanizadoe de excelência, centrado no doente e tendo a sua saúde como finalidade constante»é, nas palavras de Carlos Brito, a missão do Hospital da Figueira da Foz. Os seusobjectivos são «firmar e manter uma imagemde responsabilidade e bom-nome, nocumprimento rigoroso das obrigações e dasmetas por si contratualizadas».

O conceito de justiça enquanto equidadeimplica que o critério subjacente à distribuiçãode riqueza entre os membros de umasociedade seja, essencialmente, baseado nanecessidade individual. A maioria dos autoresinclui no conceito de equidade o tratamentoigual para necessidades iguais, a igualdadede acesso, a igualdade na saúde. A tendênciadominante reconhece como pilares principaisdo conceito de equidade a distribuição derecursos através de uma discriminação positiva em favor dos mais desfavorecidos, é,aliás, nesse sentido que vai a nossa Constituição da República Portuguesa, recordouCarlos Brito.

«Enquanto a prestação dos cuidados de saúde predominante se mantiver no âmbitodo SNS – com as características da universalidade, da generalidade, tendo em

Carlos Brito garantiu que aoptimização dos recursos no HospitalDistrital da Figueira da Foz EPE «nãobeliscou em nada a equidade, bem pelocontrário, já que nos últimos três anostêm sido prestados tratamentos amuitos mais doentes. Os resultadosparecem indicar também uma certadiscriminação positiva em favor dosmais desfavorecidos

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consideração as condições económicas e sociais dos cidadãos, enquanto os cuidadosforem tendencialmente gratuitos –, julgamos poder estar descansados quanto à essênciado conteúdo do conceito de equidade. Contudo, no entender do administrador hospital,«não podemos esquecer que o conceito de equidade é mais abrangente, integrandoainda aspectos como a igualdade de despesa per capita, a igualdade de recursospara necessidades iguais, igualdade de utilização para iguais necessidades».

DISCRIMINAÇÃO POSITIVA

Relativamente ao HDFF, Carlos Brito garantiu que a optimização dos recursos «nãobeliscou em nada a equidade, bem pelo contrário, já que nos últimos três anos têm sidoprestados tratamentos a muitos mais doentes e o hospital tem trabalhado para a melhoriado acesso e da igualdade na saúde». Por fim, acrescentou, o resultado parece indicartambém uma certa discriminação positiva em favor dos mais desfavorecidos.

Dizem os autores que um hospital «constitui um dos mais complexos e singularessistemas de gestão, o que resulta do facto de ser uma empresa prestadora de serviçospúblicos e de isso dificultar a adopção de conceitos e métodos provenientes de sistemasprodutivos comuns». De acordo com o administrador da Figueira da Foz, estacomplexidade é ainda agravada por três ordens de factores: «em primeiro lugar,muitos dos dados relevantes em termos degestão referem-se a atributos que não sepodem medir e que se traduzem, muitas vezes,em questões relativas à dor ou ao sofrimento;em segundo lugar, o processo de definiçãode diagnóstico e terapêutica apresenta-secomplexo e heterogéneo; em terceiro lugar,existe a interdependência das várias decisõesrelativas a cada doente».

A eficiência remete-nos, portanto, para o conceito fundamental do conjunto depossibilidades de produção, que define todas as condições de factores: médicos,camas, material de consumo clínico, medicamentos. «Cada doente incorpora umconjunto de factores de produção que é variável de prestador para prestador e dehospital para hospital e é aqui que as questões de eficiência se colocam», considerouCarlos Brito. «A eficiência é a relação entre os recursos utilizados e os resultadosobtidos em determinada actividade; a produção em eficiência é aquela que maximizaos resultados obtidos com um dado nível de recursos necessários», recordou.

CRESCIMENTO NOTÁVEL

Segundo o administrador, o HDFF apresentou o segundo valor de crescimento anível nacional, no indicador global de eficiência, entre Abril de 2003 e Maio de

O administrador do HDFF disse nãoter dúvidas de que é possível no âmbitodo SNS e no contexto dos hospitais EPEa optimização dos custos, ganhos emeficiência, com ganhos em saúde e semcomprometer a equidade

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2005. «Uma variação positiva entre os custos unitários e os proveitos, ou seja, adiminuição negativa deste resultado ou deste saldo», explicou.

Trata-se de um indicador capaz de fornecer os custos da produção realizada,com custos unitários alinhados com a média do sistema, face ao total de custos reaisda produção realizada, ou seja, «verifica-se um crescimento da produção global dohospital – doentes tratados – com custos gradualmente inferiores». Congratulando-secom os bons resultados – «o objectivo de qualquer empresa» –, Carlos Brito sublinhouque neste aumento da produção ainda não estão integradas as cirurgias feitas noâmbito do programa de combate às listas de espera.

Foi apenas em 16 de Fevereiro de 2006 que, resultado de uma complexanegociação com os serviços cirúrgicos – Cirurgia, Ortopedia e Oftalmologia, emespecial –, o HDFF iniciou em pleno o SIGIC, pelo que se esperam resultados aindamelhores no final de 2006.

«Acreditamos que os serviços podem ainda melhorar substancialmente,consequência de uma contratualização interna rigorosa e global, acordos firmadoscom os serviços, envolvendo a administração, os administradores de área e as direcçõesde serviço», declarou. Os resultados dos acordos assumidos internamente encontram-se plasmados no contrato de programa, em termos globais, e de forma desenvolvidano plano de desempenho, firmados entre o Ministério da Saúde, representado pelopresidente da ARSC, e o próprio hospital, sublinhou o administrador.

Carlos Brito considera que, numa grande empresa, quando existem várias linhasde produção com saldo negativo, é mais difícil gerir os custos. Num hospital estescustos podem ser directos – os produtos farmacêuticos, o material de consumo clínicos,as despesas de pessoal, os subcontratos –, podem ser custos comuns, como sejam aágua, a electricidade, as reparações, ou tantos outros.

Como forma de diminuir os gastos, o HDFF tem vindo, segundo o responsável, anegociar com alguns laboratórios no sentido de obter vantagens, calculando-se, para2006, cerca de 300 mil euros de ganho em notas de crédito. «Um valor bastanteimportante para o hospital, suficiente para pagar a dois ou três fornecedores», revelou.

Ainda no que se refere a medicamentos, o hospital está também a desenvolver,com o apoio dos directores de serviço, da direcção de Farmácia e Terapêutica e dadirecção clínica, protocolos de prescrição de alguns grupos terapêuticos,nomeadamente antibióticos, acrescentou Carlos Brito, sublinhando que «a mesmaterapêutica pode ter custos diferentes dependendo dos fármacos utilizados».

Encerrando a sua intervenção, o administrador disse não ter dúvidas de que «épossível no âmbito do SNS e no contexto dos hospitais EPE a optimização dos custos,ganhos em eficiência, com ganhos em saúde e sem comprometer a equidade».

ESTADO DE PROVIDÊNCIA... EQUIDADE EM SAÚDE - Marta Temido (CHC)

«Um dos objectivos comuns aos sistemas de saúde dos países da OCDE é,justamente, o da equidade, com tradução na ideia de que todos os cidadãos devemter acesso a um conjunto mínimo de cuidados de saúde, cuja qualidade não deve ser

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em função do rendimento mas das necessidades efectivas. Ora a equidade, comoprincipio que emerge da necessidade de protecção contra as consequências financeirasda doença é um valor fortemente arreigado na concepção de Estado de Providência».Foi com esta declaração que Marta Temido, vogal do Conselho de Administração doCentro Hospitalar de Coimbra (CHC) iniciou a apresentação da sua perspectiva deequidade.

De acordo com a administradora, o Estado de Providência assumiu um conjuntoalargado de funções, designadamente a prestação directa de um conjunto debens e serviços – como a educação, a habitação, a segurança social e a própria

saúde – a custos subsidiados ou mesmogratui tos. No entanto, obser vou, «amanutenção do Estado de Providência tinhacomo pressuposto o continuado aumentodos níveis de prosperidade e de crescimentoeconómico que marcaram os trinta anos quese estenderam do fim da II Guerra Mundial,até meados da década de 70».

Marta Temido explicou que a base oficialque sustentara o Estado de Providênciaacabaria por ser fortemente abalada em

1973, quando a economia mundial entrou em crise devido ao choque petrolífero.Nessa mesma altura, curiosamente, Portugal dava início ao desenvolvimento dosseus sistemas de protecção social.

«A recessão económica trouxe consigo a emergência de um discurso de críticado Estado de Providência, um apelo à necessidade de diminuir o seu tamanho, assuas funções e os seus gastos. Foi nesse contexto da revalorização do mercado, dareformulação das relações entre o Estado e o sector privado e da adopção de novosmodelos de gestão pública que surgiram os primeiros exemplos de substituição demodelos de gestão pública tradicional por processos e técnicas de gestão empresarial»,declarou.

De facto, comentou a responsável do CHC, no modelo em que actualmente vivemos,o Estado tende a abandonar o tradicional papel de principal produtor, gestor eprestador de serviços públicos, assistindo-se a uma desintervenção do Estado nestasmatérias. Assim, «norteado pelo objectivo de diminuir o desequilíbrio das contaspúblicas, o Estado procura que os serviços públicos passem a ser produzidos geridose prestados por entidades privadas, sociais ou de parceria público-privada,reservando-se o papel de regulador».

... EM CONTEXTO DE RECESSÃO

Para alguns, admitiu Marta Temido, seria errado o afastamento do Estado daEconomia, para outros a passagem de parte da produção de bens e serviços públicospara alçada do sector privado segue uma lógica específica de separação em função

A contratação pública emerge comoum instrumento privilegiado dasreformas, sendo cada vez mais encaradacomo alternativa ao tradicional modelode comando e controlo e já demonstrouque é possível optimizar custos comganhos em saúde, sem comprometer aequidade», declarou Marta Temido

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da lucratividade dos diferentes tipos de bens e serviços, nascendo aqui «uma divisãoda produção que permite ao privado contratar com o Estado a prestação de bens eserviços lucrativos, mantendo o Estado os não lucrativos».

É exactamente neste contexto que o SNS vem desempenhando, com crescentesdificuldades, o seu papel constitucional de garantir aos cidadãos o direito à protecçãoda saúde. «Mas é, sobretudo, neste contexto economicamente recessivo, em que setem tentado controlar o ritmo de crescimento da despesa pública em saúde por via daimplementação de sistemas inovadoras de gestão – que permitem optimizar os custoscom ganhos em saúde –, que se coloca a necessidade de salvaguardar a equidadedo sistema», reparou a responsável do CHC.

Marta Temido recordou, no seguimento do que já havia sido dito pelos colegasde mesa, que os custos hospitalares são das mais variadas naturezas (custos fixos,custos variáveis, custos directos, indirectos, sociais, intangíveis) e sublinhou que osganhos em saúde se podem traduzir também de diferentes modos: «acrescentar anosà vida, mais saúde à vida, acrescentar mais vida aos anos e acrescentar anos de vidacom qualidade».

A gestora considerou que o estabelecimento de prioridades é uma das formas deconter custos, com ganhos em saúde. «A prestação de cuidados através de um sistema

do tipo do SNS proporciona, teoricamente, oacesso de todos os cidadãos a todos oscuidados de saúde possíveis, acontece,porém, que os sistemas de saúde se deparamactualmente com um desacerto entre o que oque é desejável fazer e aquilo que os recursosdisponíveis permitem», notou.

Os recursos financeiros da saúde sãoescassos e as exigências crescentes, derivadasdo envelhecimento da população, daintrodução de novas tecnologias e dascrescentes expectativas dos utentes. Numa

altura em que não existe capacidade financeira para garantir uma cobertura geral euniversal de todos os cuidados de saúde possíveis, alguns países já optaram pela«prestação dos que são clinicamente essenciais e que se podem conter dentro dosrecursos financeiros», revelou Marta Temido.

DEFINIR PRIORIDADES?

Na Europa, a discussão relativa ao estabelecimento de prioridades faz-se já empaíses como a Dinamarca e a Holanda. De acordo com a responsável do CHC, naDinamarca, o Estado realizou protocolos com os hospitais no sentido de definir assete prioridades: doentes agudos, sub-agudos, doentes em perigo de vida para amobilidade, deterioração considerável da qualidade de vida dos doentes, qualidade

«Os objectivos de eficiência e deequidade são, frequentemente,contraditórios, mas compatíveis, desdeque haja o compromisso de efectuaruma gestão profissional séria erigorosa, norteada por preocupaçõescolectivas de bem-estar social e dejustiça contributiva», sublinhou a vogaldo CHC

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de vida reduzida dos doentes e redução até sete pontos da qualidade de vida dosdoentes. Também na Holanda foi criada uma comissão com o objectivo principal dedefinir quais os cuidados a que os cidadãos deviam ter acesso, tendo em conta oslimites ditados pelas necessidades de outros cidadãos.

«O estabelecimento de prioridades tem motivado debates acesos, quer no planopolítico quer no plano ético. Embora haja, realmente, desde 1991, uma resolução doConselho dos Ministros da Saúde que apela à necessidade de organização deestratégias destinadas a facilitar o estabelecimento de prioridades no domínio daspolíticas dos estados membros em matéria de saúde», revelou a administradora.

Na opinião de Marta Temido, «o estabelecimento de prioridades em saúde corre orisco de prejudicar a equidade, na medida em que se sabe que a morte a doença sedistribuem desigualmente na sociedade e que dependem muito mais de factores culturais,sócio-demográficos e outros, do que da própria prestação de cuidados de saúde».

Os co-pagamentos têm sido outra forma avançada para controlar os custos emsaúde, entendendo-se por co-pagamento o pagamento de uma parte proporcionalfixa do custo total de determinada prestação de saúde pelo utente. Os co-pagamentosvigoram em quase todos os países da União Europeia, sendo as taxas moderadorasum dos exemplos mais comuns de um co-pagamento. No entender de Marta Temido,«muito embora possam constituir uma fonte de receita e, portanto, uma forma indirectaque actuar no controlo de custos, os co-pagamentos deverão ser vistos comoeventualmente prejudiciais da equidade». Isto porque, na sua grande maioria, os co-pagamentos «não atribuem qualquer ponderação aos rendimentos base dos utentes».

PLANEAR E CONTRATUALIZAR

Outro aspecto que se poderá invocar a propósito da necessidade de optimizarcustos tem a ver com o «planeamento da oferta de cuidados», no sentido de resolvero maior número de problemas de saúde ao mínimo custo e com uma eficácia máximaem termos de população abrangida, referiu a responsável do CHC. «O planeamentopermite intervir nas causas dos problemas, definindo prioridades, e faz-se de umaforma integrada, tendo em conta as necessárias articulações e as possíveiscomplementaridades entre infra-estruturas e equipamentos, com base em critériosepidemiológicos que permitem desenvolver os cuidados de saúde que as populaçõesnecessitam e não os cuidados de saúde que as lógicas lucrativas ou as lógicas pordominação das razões políticas aconselham», declarou, considerando o planeamento«um poderoso instrumento de garantia de equidade e de obtenção de ganhos emsaúde a custos controlados».

Optimizar custos passa também pela contratualização. «Como parte da procurade sistemas inovadores para mais eficiente afectação de recursos, os países comsistemas do tipo SNS procederam à introdução de esquemas de separação entrefinanciadores e prestadores, que se relacionam numa base contratual no que se refereà criação e prestação de serviços, beneficiando preços e qualidade. A contrataçãopública emerge, assim, como um instrumento privilegiado das reformas, sendo cada

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vez mais encarada como alternativa ao tradicional modelo de comando e controlo etendo já demonstrado que é possível optimizar custos com ganhos em saúde, semcomprometer a equidade», explicou Marta Temido.

A promoção da saúde e a prevenção da doença foram colocadas pelaadministradora como um instrumento ao nível macro da optimização dos custos.«Tradicionalmente a saúde é encarada como um factor gerador de despesa, porémpode e deve ser considerada como área de investimento sócio-económico geradorade riqueza e de bem-estar. O investimento na prevenção da doença, designadamenteatravés dos rastreios e da educação para a saúde, é uma forma de impedir quecustos maiores venham a ocorrer», sustentou.

MEDIDAS NOS HOSPITAIS

Por fim, Marta Temido chamou a atenção para algumas das medidas que asunidades prestadoras de cuidados de saúde podem implementar, ao nível interno, nosentido de optimizar os custos com ganhos em saúde e sem qualquer prejuízo para aequidade. São exemplos: investir na formação de profissionais que permita asseguraro funcionamento das instituições de outro modo; promover a complementaridadeentre serviços e a partilha de equipamentos, rentabilizando a capacidade instalada;organizar as unidades de acordo com critérios de racionalidade técnica e não comcritérios que passam pela luta interna pelo poder; rentabilizar a capacidade instaladapor via de uma mais intensa utilização dos blocos operatórios, das salas de consultasexternas, dos equipamentos de diagnóstico e terapêutica; desenvolver formasalternativas ao internamento – os hospitais de dia e a cirurgia de ambulatório permitemreduzir custos e evitar as infecções hospitalares –; criar guide lines de procedimentosterapêuticos; lutar contra a infecção hospitalar; combater o desperdício.

«O desígnio fundamental que hoje se coloca aos sistemas de saúde e às unidadesprestadoras de cuidados é poder encontrar a combinação virtuosa entre o objectivoda eficiência e o da equidade. Estes são frequentemente contraditórios mas, comojulgo ter conseguido demonstrar, compatíveis, desde que haja o compromisso deefectuar uma gestão profissional séria e rigorosa, norteada por preocupações colectivasde bem-estar social e de justiça contributiva», resumiu.

Segundo Marta Temido, «os diagnósticos estão feitos, as terapêuticas tambémestão definidas, resta implementá-las. Mas para isso é preciso às vezes cortar adireito e por outras vezes ter alguma coragem».

COVA DA BEIRA - João Casteleiro

«O funcionamento de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) universal, geral etendencialmente gratuito cada vez é mais discutido e subvertido. Em causa está,efectivamente, a sustentabilidade do sistema». O presidente do Conselho de Administração

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do Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB), João Casteleiro admitiu que a equidade emsaúde, encarada como a justiça na obtenção de cuidados – igual, acesso e igual tratamento,respeitando-se as especificidades de cada caso – pode estar limitada por questões deordem económica. O médico apresentou a unidade a que preside, com as suasespecificidades sócio-geográficas e deu a conhecer os princípios da sua gestão.

O CHCB é constituído pela unidade mãe, na Covilhã, por um departamento noHospital do Fundão e ainda pelo Departamento de Psiquiatria, que funciona nasinstalações do antigo hospital. Situado geograficamente «no interior profundo dopaís», tem os concelhos da Covilhã, do Fundão e de Belmonte como áreas de influênciapreferenciais e ainda algumas franjas de Manteigas, com uma população totalabrangida de cerca de 100 mil habitantes.

No que se refere à caracterização dos utentes, João Casteleiro referiu que cercade 60% têm entre os 50 e os 75 anos e que a maioria dos utentes é do sexo masculino.Um total de 75% tem o nível básico de escolaridade e apenas 9% a 10 % apresentamhabilitações ao nível do ensino superior. Na actividade económico-profissional, 43%têm trabalho efectivo, cerca de 30% são reformados e 16% desempregados, sendoesta a caracterização dos utentes do CHCB e não da população da área de influênciado hospital, frisou o director.

João Casteleiro congratulou-se com o acréscimo de recursos humanos verificadonos últimos anos, notando a importância desse factor para a melhoria do acesso e daqualidade da prestação de cuidados. «Registou-se um acréscimo na ordem dos 30médicos entre 2002 e 2005 e, em geral, um aumento de cerca de 150 funcionáriosno hospital», especificou, salientando que dos 57 médicos da instituição, cerca demetade exerce funções de docência.

AVALIAÇÃO DA SATISFAÇÃO

O responsável do CHCB destacou os programas para a qualidade que o hospitaltem vindo a desenvolver, entre eles a acreditação pelo King’s Found, a implementaçãodo modelo de Triagem de Machester na Urgência, a avaliação da satisfação doutente – que é feita diariamente através de questionários aos utentes que têm altahospitalar – e a certificação dos laboratórios de Patologia Clínica, Anatomia Patológicae Esterilização.

No que se refere ao movimento assistencial, João Casteleiro referiu que o hospitalpassou de 12 para 13 mil internamentos entre 2002 e 2005, no Serviço de Urgência –depois de um pico de 141 mil urgências em 2003 – registam-se hoje 124 mil urgênciasanuais, «mercê de um esforço das consultas externas». «Atendemos à volta de 400doentes por dia, o que é bom face aos escassos recursos que temos», acrescentou.Na consulta externa são realizadas cerca de 400 consultas por dia, no BlocoOperatório central e no de Ambulatório foram realizadas 3.849 intervenções noúltimo ano. «A única produção que baixou foi a da Urgência graças ao trabalhoque tem sido feito nesse sentido e com reflexos o aumento das consultas externas».O número de exames realizados no exterior reduziu percentualmente.

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Segundo os inquéritos respondidos – cerca de 20% dos entregues –, a satisfaçãodos doentes em relação ao atendimento é boa, sendo que, do total dos inquéritosrespondidos, 98% a 99% revela satisfação com os profissionais de saúde, 91%satisfação com as explicações dadas, 92% indica satisfação com os serviços dealimentação e 90% refere indicadores de eficácia e rigor.

A gestão no CHCB tem-se definido, de acordo com João Casteleiro, por critériosde «racionalidade, optimização dos escassos recursos, redução de custos e obtençãode ganhos em saúde traduzidos em resultados de qualidade e eficiência». O objectivotem sido «colmatar as necessidades de saúde das populações da sua área deabrangência, sem comprometer, evidentemente, a questão da equidade».

A motivação e o envolvimento de todos os profissionais e a proximidade na gestãoentre CA e profissionais são, segundo o responsável, requisitos fundamentais para auma implementação bem sucedida de projectos e para o cumprimento de resultadose objectivos. «Sem isto não há sistema que valha a pena», declarou.

COMENTADORESArmindo Rebelo, António Rodrigues, Rosa Reis Marques e José Pena

Armindo Rebelo, intensivista dos HUC, foi o primeiro convidado a comentar asintervenções no painel «Como optimizar custos com ganhos em saúde e semcomprometer a equidade». O médico reparou que os convidados fizeram,

ESTABILIDADE DOS PROFISSIONAIS - Armindo Rebelo

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essencialmente, uma análise económica: custo/benefício; custo/efectividade e custo/utilidade e partiu, portanto, desses princípios para fazer as suas próprias observações.

Recordando, ainda do painel anterior, a intervenção do economista Eugénio Rosa,Armindo Rebelo considerou evidente a existência de conflitos de interesses público-privado e concordou também com a abordagem feita de desperdício. «Não devemosaceitar que existe uma cultura de desperdício, mas temos de admitir que existempráticas de desperdício», notou.

No entender do médico, «temos de aceitar que são necessárias mudanças estruturaise mudanças conjunturais nas nossas organizações de saúde. E todos sabemos que ossistemas de saúde são sistemas imperfeitamente conectados, porque têm uma grandediversidade de profissionais de saúde, grande tecnologia e tratam uma grandediversidade de patologias». Assim, acrescentou, torna-se «imperioso» um trabalhoconjunto para «uma cultura de focalização da atenção, de partilha de valores e demudança», num processo que não pode ser burocrático mas antes organizacional.

«Diria que é fundamental maximizar as estruturas, agilizar os processos paraoptimizar os resultados». E como é que podemos actuar nas estruturas? Estabilidadeé, segundo Armindo Rebelo, uma palavra-chave. A mudança passa pela estabilidadedos prestadores de cuidados, por criar mecanismos que possam incentivar, motivar,dinamizar, conquistar para poder envolver, empenhar e comprometer os profissionaisde saúde. «Os profissionais devem trabalhar nas organizações porque precisam,porque querem e também porque devem. Tão importante como a ética e o sentido dodesempenho é o sentido do dever», sublinhou.

SAÚDE COMO MERCADORIA

Para o intensivista dos HUC, um outro ponto importante na questão da optimizaçãodos resultados tem a ver com a agilização dos processos, algo que se consegueinvestindo na formação, na implementação de novas tecnologias e sistemas deinformação e colocando em prática novas metodologias e procedimentos.

Acresce a todo este processo o «controle» que, esclareceu, não deve ser entendidocomo «fiscalização». Na opinião de Armindo Rebelo, «temos de exigir, nas nossasorganizações e nos nossos serviços, auditorias que permitam uma melhoria real daeficácia da produção de cuidados, contribuindo para pôr em discussão todos osprocessos de funcionamento da nossa organização». É identificando as falhas e osincidentes em cada ponto da trajectória que podemos elaborar mapas de intervençãoe de acompanhamento, sublinhou o intensivista.

José Pena, vice-presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Centro (SMZC)lembrou que a equidade tem a ver com a igualdade de oportunidades, com a seriedadee com a transparência, uma temática que, no seu entender, foi menos focada emdetrimento de abordagens mais técnicas.

«A linguagem mudou nos últimos anos, o doente é hoje o cliente e o médico correo risco de se transformar num empresário, num financiador ou num financiado»,reparou o médico dos HUC.

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Na opinião do responsável sindical, «a saúde está a transformar-se numamercadoria desumanizada e existe o perigo de deixar de lado um conjunto de questõesmorais e de solidariedade que têm a ver com a face social da saúde». Devemosconsiderar que «é, de facto, muito perigoso transformar a saúde num negócio»,sublinhou.

GRANDES DESAFIOS - António Rodrigues

António Rodrigues, do Observatório dos Sistemas de Saúde, referiu que oshospitais de hoje já nada têm a ver com os que existiam há 20 anos, têm avançado,têm dado novas respostas e vencido desafios. O momento actual é, no entanto, detensão, «entre uma máquina que não consegue progredir, fundamentalmente pordéfice de gestão do sistema de saúde, e aquilo que tem sido a sua capacidade deresponder a necessidades expressas».

Segundo o médico, os grandes desafios que se colocam decorrem, por um lado,de uma certa dinâmica criada, e por outro de «um conjunto de apreensões,nomeadamente da mercantilização da saúde e do desvirtuamento daquilo que sãoos objectivos reais do sistema de saúde»

Elogiando o trabalho realizado pela FNAM em prol da discussão, AntónioRodrigues mostrou-se agradavelmente surpreendido com a maturidade do debateem torno do assunto do workshop, a Gestão Hospitalar, e considerou que o avançose faz de «não só de preocupações meramente profissionais mas também daintervenção em questões com a rentabilidade da saúde, a equidade, os ganhos emsaúde, a eficácia e a eficiência».

«É de sublinhar a intervenção qualificada de uma estrutura de índole profissionalcomo a FNAM, mas que sabe afirmar-se com aquilo que são os objectivos finais dosistema de saúde», declarou o médico.

Apontando, uma a uma, as intervenções realizadas pelos administradores eresponsáveis hospitalares, António Rodrigues elogiou «o enquadramento teórico etécnico dos aspectos que têm que ver com a economia da saúde e com a gestão deuma organização prestadora da cuidados de saúde», realizado por Pedro Roldão. Apropósito do exemplo dos HUC, congratulou-se ainda de se ter passado de apenasum CRI, «em situação de orfandade», para já falarmos em sete centros deresponsabilidade, «num modelo que se pretende centrado na capacidade de resolveros problemas onde eles acontecem».

Já Carlos Brito, do HDFF, veio, no entender de António Rodrigues, falar de algoque nos «angustia», ou seja, que as questões da saúde não se revêem na produçãode uma mera mercadoria ou serviço transaccionável, pois a saúde é um bem social.As intervenções de Marta Temido – «uma conferência que lembrou o Estado deProvidência e aquilo que ainda é um modelo social europeu de referência» – e deJoão Casteleiro foram também alvo de aplauso por parte do responsável doObservatório de Sistemas de Saúde.

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CENTROS DE RESULTADOS

«Missão, visão, princípios e valores constituem a carta constitucional do hospitale esta deve ser partilhada pela organização, caso contrário é uma bandeira semvalor simbólico», declarou António Rodrigues.

Para o responsável do Observatório de Sistemas de Saúde, devemos falar hoje emcentros de resultados e não em centros de custos, como antes eram designadas as unidadesde produção dos hospitais. Os CRI são unidades que «geram custos, geram receitas,portanto são centros de resultados». E se, ao desempenho das unidades for acoplado umcompromisso em termos de contrato de programa, um plano e um financiamento que lhedá sustentação, um acompanhamento e uma verificação de metas cumpridas, então,nesse caso, estaremos de facto perante centros de responsabilidade, considerou.

«O que nos mostra o mundo empresarial é que vale a pena pensar as lições destaforma para induzir eficiências. A apropriação de mais valias no mundo empresarialé para os seus accionistas, a apropriação de mais valias no sistema de saúde éigualmente para os accionistas, que são nada menos do que a população portuguesa»,declarou António Rodrigues.

No seu entender, «aqueles que todos os dias tratam os doentes no hospital eaqueles que, no essencial, estão nos serviços de gestão e de core business não estão,definitivamente, do mesmo lado». E o problema, referiu António Rodrigues, não énem de profissionais de saúde nem de gestores, mas sim «de modelos, de organizaçãoe de arquitectura do hospital absolutamente anacrónicos».

O responsável do Observatório de Sistemas de Saúde referiu-se, por fim, à necessidadede levar a cabo um processo de reengenharia na rede de serviços hospitalares. Apontandoo exemplo de Coimbra, notou que «existem cinco serviços de Medicina Interna e cincoserviços de Cirurgia que não diferem em nada de essencial na sua área de intervençãoterapêutica, da mesma forma que existem duas maternidades e quatro serviços de prestaçãode cuidados psiquiátricos». Uma rede que «tem de ser reequacionada, mantendo aacessibilidade, a equidade e gerando eficiências», considerou.

Por outro lado, acrescentou António Rodrigues, se se tem avançado nadepartamentalização dos hospitais falta ainda a integração horizontal dos própriosserviços, ou seja, uma departamentalização em torno das doenças metabólicas, dasdoenças cerebro-cardiovasculares, etc..

«Os médicos são parte da solução, mas na medida em que as nossas profissõesda saúde consigam estabelecer as pontes necessárias e essas não dependem só devontades mas de cultura de formação e de modelos organizacionais quecompatibilizem essa interdisciplinaridade», concluiu.

ACABAR COM DESPERDÍCIO - Rosa Reis Marques

Rosa Reis Marques, vogal do Conselho de Administração da AdministraçãoRegional de Saúde do Centro (ARSC) considerou «imperativo» lutar contra as diferentes

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formas de desperdício que se geram no interior e no exterior dos estabelecimentos desaúde e sublinhou a necessidade dos profissionais se questionarem sobre a qualidadedos cuidados que prestam, bem como sobre as formas de controlar o crescimento dadespesa, eliminando desperdícios e minimizando ineficiências.

Nos hospitais, a optimização de recursos passa por conhecer com rigor os custosunitários da actividade realizada. «A contabilidade analítica é ainda em algumasunidades, infelizmente, muito rudimentar, não se podendo dizer que a responsabilidadeda situação possa ser atribuída só à gestão de topo, já que ela passa, sobretudo,pelos profissionais e pelos directores de serviço. A escolha é competência de todos osnós e a sua fiabilidade passa sobretudo pelo nível operacional nos serviços», declarou.

De acordo com Rosa Reis Marques, a implementação de sistemas de custeio poractividades é indispensável nos hospitais, nomeadamente para a definição do nívelde eficiência económica e, logo, para a definição do nível de produção adequado edesejável para aquela linha de actividade. Estes sistemas seriam importantes não sópara saber se produzimos o máximo possível com os factores produtivos que temos àdisposição (humanos, equipamentos, edifícios, serviços de apoio), mas também paraconhecer os preços relativos dos factores produtivos usados e qual a combinaçãodestes recursos produtivos que nos permite obter o menor custo sem comprometer asboas práticas, explicou.

No entender da vogal da ARSC, «o sistema de financiamento pode e deve serusado para induzir mais eficiência no sistema e para pressionar os prestadores aconter os custos». Daí que, este ano, «os preços para os hospitais públicos e para oscontratos programas – que constituem uma referência também para o sector privado– tenham sido fixados com base na distribuição de custos unitários totais da actividaderealizada por hospitais semelhantes», revelou Rosa Reis Marques, adiantando que,de uma análise realizada, foram considerados os hospitais mais eficientes,pretendendo-se que todas as unidades semelhantes convirjam para o mesmo nível.

AVALIAÇÃO COM CAUTELAS

Rosa Reis Marques reconheceu que «a informação disponível obriga a assumiralguns pressupostos e algumas cautelas e não permite identificar custos correspondentesa uma boa prática clínica e nem sequer um nível de eficiência a actuar para fixaçãode preços».

Desta forma, a avaliação do desempenho dos hospitais – ao nível das estruturasde cuidados, das competências reais dos funcionários, dos procedimentos de prestaçãode cuidados – permitiria substanciais ganhos em saúde e, simultaneamente, aracionalização de custos. A avaliação dos resultados da prestação dos cuidadosainda não está integrada na prática dos profissionais e na cultura das organizaçõese representa um instrumento precioso para acautelar até os efeitos perversos dasrestrições orçamentais, reparou a responsável da ARSC.

«Ainda não avaliamos e auditamos as dificuldades na acessibilidade, que tenhama ver com a natureza organizativa dos serviços. Pensámos agora introduzir, de forma

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obrigatória, a triagem na urgência, que é já uma medida importante para avaliaçãodo circuito da urgência, mas é necessário realizar, de forma sistemática, outrasauditorias», adiantou.

Se para a implementação de algumas auditorias as dificuldades se prendem coma ausência de indicadores adequados e fiáveis, para a grande maioria, segundoRosa Reis Marques, «o verdadeiro obstáculo continua a ser a resistência dosprofissionais a serem controlados, mesmo pelos seus pares, no local de trabalho».

«É indispensável melhorar a qualidade da despesa e combater o desperdício,atribuindo maiores responsabilidades a quem gere os gastos e isso implica reduzirpráticas de comando centralista sem efeitos positivos no terreno; promover práticasde contratualização interna assentes em formação, nomeadamente sobre asnecessidades da população, a actualização e cumprimento das redes de referenciaçãohospitalar e a fixação de volumes de produção mínima a contratar em determinadaslinhas de produção», referiu a responsável.

Segundo Rosa Reis Marques, «não podemos continuar a permitir que osprestadores determinem de forma aleatória e, muitas vezes, voluntarista a oferta decuidados. Ao contrário do que muitas vezes se diz, a saúde tem preço e os custos vãoinevitavelmente aumentar», frisou.

IGUALDADE DE OPORTUNIDADES - José Pena

O último comentador a entrar em cena, José Pena, Cirurgião dos HUC e Vice-Presidentedo SMZC, realçou que equidade implica igualdade de oportunidades, implica dignidadee seriedade dos procedimentos de gestão, implica transparência e humanização.

A preocupação economicista e a postura orçamentista, não se deverá sobreporao doente e às suas necessidades, não deve preterir o doente em favor do financiamentoe da despesa,. Os verdadeiros objectivos da saúde são de facto evitar as doenças etratar os doentes, implicando solidariedade humana e social.

O discurso hermético e pouco claro da nova gestão Neo-liberal da Saúde,encoberta numa linguagem técnica de chavões mais ou menos imperceptíveis, nãosão garantia de equidade assistencial.

A Saúde é um bem público, substituir doente por cliente, chamar de mercadoriaaos cuidados de saúde, faz adivinhar um futuro incerto e obscuro, que poderá conduzirperigosamente à mercantilização e desumanização da Saúde.

A política orcamentista e economicista da Saúde, encoberta numa linguagemtécnica de chavões mais ou menos imperceptíveis, não são garantia de equidadeassistencial; a Saúde é um bem público, substituir doente por cliente, chamar demercadoria aos cuidados de saúde, faz adivinhar um futuro incerto e obscuro, quepoderá conduzir perigosamente à mercantilização e desumanização da Saúde.

A finalizar a sessão de debate que se seguiu, e em tom de brincadeira, o moderadorda mesa, Fernando Martinho, lançou um apelo aos médicos: «Meditem profundamentesobre a vossa condição e qualidade de médicos, olhem para os economistas comopessoas que sabem de economia, mas aprendam a defender-se deles».

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OS MÉDICOS E A GESTÃO: QUE DESAFIOS?CONFERÊNCIA FINAL – Mário Jorge (FNAM)

A gestão constitui, sem dúvida, uma das questões fundamentais que se colocamao desempenho das unidades de saúde e dos seus profissionais.

Em termos de metodologia de análise, há que ter em conta o contexto geral darealidade dos serviços, de modo a permitir a definição de soluções credíveis eadequadamente sustentadas.

Como sabemos, as partes não podem ser correctamente compreendidasindependentemente da sua relação com o todo. E a gestão é uma das partes de umtodo, vasto e cheio de contradições.

Partindo deste princípio, importa ter bem presente alguns aspectos relativos aocontexto geral, com particular incidência a nível dos médicos.

Durante várias décadas, os médicos mantiveram sempre a iniciativa política noâmbito da sua profissão e a nível das instituições de saúde.

A partir das grandes movimentações médicas do final da década de 1950 e dapublicação, em 1961, do “ Relatório sobre as Carreiras Médicas”, os médicosinfluenciaram decisivamente as mudanças e tornaram-se o “motor” do progresso dasaúde no nosso país.

O referido relatório, ao contrário do que parece pelo título, teve como objectivofundamental definir um amplo conjunto de medidas com vista á integral reestruturaçãodo sistema de saúde então vigente.

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Como o nosso país vivia sob um regime ditatorial onde eram expressamenteproibidas discussões sobre questões políticas, o grupo de médicos que liderou estemovimento adoptou a atitude hábil e inteligente de dissimular o seu verdadeiro alcancecom uma aparente restrição do debate á exigência de criação das carreiras médicas.

Quem já tiver lido este relatório pôde verificar que a abordagem aí efectuadademonstra a existência de uma íntima ligação entre o desenvolvimento dos serviçospúblicos de saúde e a estruturação das carreiras médicas.

Por outro lado, muitas das suas apreciações mantêm uma impressionanteactualidade.

A título de exemplo, cito as seguintes:• “ A medicina, como outros ramos das ciências humanas, tem de adaptar-se ao

ritmo do mundo moderno, porque constitui um dos seus factores de progresso. Aadaptação pode obrigar a introduzir modificações no exercício profissional e exigiraté o sacrifício de hábitos, de costumes e de prerrogativas, mas não exige a abdicaçãodas normas basilares da ética profissional. E no caso de a exigir, o dever do médicoé opôr-se-lhe, se por outro meio não as puder fazer respeitar”

• “Está dito e redito, mas parece que só agora começa a entender-se que aexecução de qualquer plano de saúde tem de contar, como dado primordial, com oconcurso dos médicos e que hoje, mais do que nunca, o seu trabalho vale pelaqualidade científica e técnica e depende da organização que o estrutura e integra”.

• “As carreiras não se compreendem desarticuladas do sistema assistencial, tantomais que todo ele tem por ponto de apoio a clínica”.

• “Economiza-se onde devia gastar-se, gasta-se onde se devia economizar.Resultado: a assistência é inferior e caríssima.Dito noutros termos: a pequena produtividade dos serviços é um índice do seu

fraco desenvolvimento técnico e administrativo”.• “Não destruir nada, antes de se ter a certeza de que pode substituir-se com

vantagens”.

Apesar das duras condições de repressão política do regime fascista, os médicosmantiveram a pressão e as movimentações reivindicativas conseguindo impor medidasfundamentais.

Em 27 de Abril de 1968, foi publicado o Decreto nº 48357 que estabeleceu o“Estatuto Hospitalar”, cujo conteúdo procedeu também á previsão da posterior criaçãodas carreiras profissionais para administradores, farmacêuticos e médicos.

A título de curiosidade, importa referir que o seu artigo 35º afirmava que “ emordem a conseguir a maior eficiência técnica e social, os estabelecimentos e serviçoshospitalares devem organizar-se e ser administrados em termos de gestão empresarial,garantindo á colectividade o mínimo custo económico no seu funcionamento”.

Como acabámos de verificar, a questão da gestão empresarial nos hospitais nãoé uma descoberta recente.

Em 1971, o então secretário de estado da saúde, médico, Prof. Dr. GonçalvesFerreira, publicou o primeiro diploma específico das carreiras dos profissionais desaúde (Decreto nº 414/71).

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Em 1982, já em pleno regime democrático, foi publicado o primeiro diploma dascarreiras médicas, o DL nº 310/82, e em 1990 foi publicado um novo diploma, o DLnº 73/90, que se encontra ainda em vigor.

De 1974 a 1988, e na sequência da restauração do regime democrático, osconselhos de administração dos hospitais eram eleitos pelos respectivos profissionaise encontravam-se numa situação de clara autonomia face ao Poder político.

Podemos, naturalmente, ter as mais diferentes opiniões sobre este modelo e atéconsiderar que a eleição, por si só, não garante a escolha mais competente. Noentanto, o modelo que o veio substituir em 1988, por iniciativa da então ministraLeonor Beleza, traduziu-se na maior perversão da gestão hospitalar ao introduzir oprincípio do comissariado político e ao transformar os hospitais em “agências deemprego” para as clientelas do partido no Poder em cada momento.

Esta constatação não significa que no universo dos nomeados ao longo dos anosnão tenham sempre existido diversos profissionais competentes e empenhados, maso princípio da nomeação política introduziu uma lógica cujas consequências nãoestão ainda devidamente avaliadas.

Grande parte dos médicos, ainda que discordando desta medida, acomodou-seá situação, outros passaram a acotovelar-se junto dos aparelhos partidários paraconseguirem a sua nomeação, enquanto que outro sector manteve a sua firme oposição,mas tornou-se descrente de qualquer possibilidade de efectiva melhoria nofuncionamento das suas unidades hospitalares.

É indispensável salvaguardar que estes posicionamentos são transversais emtermos políticos e partidários e não resultam de arrumações segundo lógicassimplistas.

Assistimos a desempenhos desastrosos de múltiplas administrações hospitalares,em que os seus elementos nunca foram responsabilizados, nem objecto de qualqueravaliação da sua gestão.

Esta chocante impunidade tem-se traduzido em situações de contínua circulaçãode alguns elementos por vários órgãos de gestão dos serviços de saúde.

Do ponto de vista mais geral, verificamos que nos últimos 15 anos se temdesenvolvido uma enorme fragmentação dos interesses dos médicos, enquanto classeprofissional.

Esta crescente multiplicidade de interesses contraditórios determinou que fossemprivilegiados objectivos imediatos de índole pessoal ou de grupos, que se aprofundasseo desinteresse pela procura de soluções globais e se agudizasse a indisponibilidadede participação sócio-profissional e associativa.

Depois da última grande acção reivindicativa dos médicos que impôs umanegociação vantajosa em torno do DL nº 73/90, tem sido havido uma contínuadegradação da capacidade de mobilização e de intervenção, permitindo a emergênciade vários protagonistas no campo deixado em aberto.

Por vezes, há quem discuta sobre a invasão de “terrenos” médicos por este ouaquele sector profissional ou sobre a hegemonização da gestão por outro sector, maspara além de palavras mais ou menos inflamadas, qual é a disponibilidade departicipação em acções concretas para inverter o curso de nefastas medidas ouacontecimentos?

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Assim sendo, por correctas e oportunas que sejam as formas de intervençãoreivindicativa desencadeadas por uma organização médica, os resultados práticosnão poderão ter grande êxito.

Esta apreciação crítica visa tão somente manifestar a convicção pessoal que só apartir de uma exigente avaliação das forças e fraquezas que caracterizam a nossaclasse profissional num dado momento estaremos em condições de traçar objectivosrealistas e de nos mobilizarmos em torno deles.

Fazer apreciações agradáveis, cheias de lugares-comuns e de conteúdo assépticoé aquilo que mais tem proliferado em múltiplas iniciativas médicas. O resultado práticodestas apreciações é conduzir ao agravamento do quadro geral e prestar um bomserviço a muitas entidades menos aos médicos que continuam a ser confrontadoscom a degradação de aspectos essenciais da sua profissão e a serem atingidos pormedidas atentatórias da sua dignidade.

Partindo desta realidade, importa considerar os diferentes desafios que a gestãodos hospitais coloca aos médicos.

Nos últimos 5 anos, as questões relativas á gestão hospitalar tem suscitadoabundantes abordagens da parte de muitos intervenientes e sido um tema exposto ásmais sofisticadas mistificações políticas e ideológicas.

Uma dessas mistificações tem sido desenvolvida em torno da empresarializaçãoe da suposta superioridade da gestão privada. Se existisse, de facto, essasuperioridade, não assistiríamos todos os dias a falências de empresas, inclusive, degrandes consórcios multinacionais como a Enron e a WorldCom.

Ainda neste âmbito, somos confrontados com a sistemática oposição entre a gestãopública e a gestão privada.

Segundo os ideólogos desta campanha, a gestão pública seria sempre ruinosa,conduziria a graves desperdícios e traduzir-se-ia por baixos níveis de eficiência.Além disso, o Estado é sempre um mau gestor, não demonstrando capacidade pararentabilizar os recursos existentes e gerando uma permanente insatisfação doscidadãos. Quanto á gestão privada, a sua própria natureza seria, desde logo, umagarantia de êxito e um espaço de inovação e de dinamismo.

Ao acompanharmos a experiência recente de diversos países, podemos verificarfacilmente que estes argumentos são adoptados em todos eles, numa coincidênciaque vai até á “vírgula”.

De facto, estamos perante um manual elaborado, num primeiro momento, emmeados da década de 1980, pelo Banco Mundial e que foi objecto de um maioraprofundamento teórico a nível do seu relatório intitulado “Investir em Saúde”, emitidoem 1993. Posteriormente, a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a OCDE,através do Acordo Multilateral de Investimentos, generalizaram estes conceitosneoliberais com vista á integral alienação privada dos serviços públicos, nos quais seincluem, naturalmente, os serviços de saúde.

Desde logo, coloca-se a necessidade de desmistificar a questão da gestão públicae privada.

Aquilo que as distingue situa-se exclusivamente ao nível do quadro normativolegal em que são desenvolvidas e a quem se dirigem os ganhos obtidos. Ou seja, seesses ganhos revertem para os cidadãos ou para as contas dos accionistas.

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O resto são técnicas de gestão que podem ser aplicadas com maior ou menorcompetência pelos seus executores directos.

Os argumentos falaciosos de muitos supostos especialistas da gestão empresarialna saúde, mereceram da parte do Prof. Theodore Marmor, prestigiado académicoamericano, na conferência que realizou em Lisboa, a 9/1/98, as seguintes afirmações:

• “O realismo sobre o que a gestão pode e não pode fazer livra-nos de aderir ássoluções perigosas oferecidas pelos inovadores e ajuda-nos a moderar o nossodesapontamento quando verificamos que uma boa gestão não nos livrou dos malesdo mundo. Os gurus, quer nos convençam quer não, levam-nos tempo e energia,enganam uma apreciável quantidade de ingénuos e desviam o debate dos temas quemerecem realmente atenção”.

• “Os objectivos de qualquer instituição são múltiplos, contraditórios e instáveis.Seria espantoso que uma só abordagem pudesse contemplar diferentes objectivos e,muito menos, alterações de prioridades ao longo do tempo.

Instituições como os hospitais desempenham múltiplas tarefas, que implicamdiferentes estruturas e técnicas organizacionais, diferentes abordagens de gestão.

Quando um guru diz que ter objectivos múltiplos é não ter objectivo nenhum,deve ser atirado ao lago mais próximo”.

Estes modelos de empresarialização foram inicialmente aplicados por uma equipade economistas de Chicago, liderada por Milton Friedman, no Chile, a seguir aogolpe do ditador Pinochet, e tiveram como objectivo testar a sua viabilidade fora docontexto político e social dos Estados Unidos.

Após alguns anos, foi iniciada a sua aplicação a nível europeu, começando pelaGrã-Bretanha durante o governo de Margaret Thatcher.

Em 1988, o primeiro alvo escolhido foram os cuidados primários com a constituiçãodos Fundholdings e em 1992 o modelo PFI ( Private Finance Initiative ) começou a seraplicado aos hospitais.

No entanto, há que esclarecer que este modelo foi generalizado a outros serviçospúblicos como transportes, escolas, esquadras da polícia e até prisões.

Durante o governo trabalhista de Tony Blair a designação foi mudada para PPP(Parcerias Público-Privadas ), embora o modelo seja rigorosamente o mesmo.

Quer o anterior quer o actual governo britânico desenvolveram uma intensa acçãode propaganda em torno desta medida, apresentando-a como a solução milagrosapara garantir melhores desempenhos da gestão, maior facilidade de acesso doscidadãos á saúde, resolução das listas de espera e qualidade assistencial muitoacrescida.

Nos últimos anos, este modelo tem vindo a ser aplicado em diversos países, apesardos resultados desastrosos que tem demonstrado na Grã-Bretanha.

Após cerca de 14 anos de experiência neste país, verificamos que as PFIs/PPPsagravaram todos os problemas existentes, foram o pretexto para encerrar dezenasde hospitais públicos e eliminar largos milhares de camas hospitalares, tornarammais difícil a acessibilidade, contribuíram para o rápido aumento das listas de esperae determinaram o despedimento de dezenas de milhares de profissionais de saúde,incluindo médicos.

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Um relatório britânico publicado há cerca de 3 anos referiu que os 2 países queestavam a comprar, nessa altura, mais Know-How á Grã-Bretanha a nível das PPPseram Portugal e a África do Sul.

Em 2002, o actual governo britânico criou um outro modelo designado “Foundation Hospitals”.

Trata-se de uma fórmula aplicada aos hospitais públicos através da introduçãodo capital social e da assembleia de accionistas.

Em Portugal, estes modelos de gestão hospitalar tiveram a sua primeiraconsagração legal em 1999 com a Resolução do Conselho de Ministros nº 162/2001, que criou a missão “Parcerias-Saúde”, e com a Resolução do Conselho deMinistros nº 41/2002, que aplicou as EPEs ás unidades hospitalares.

Importa recordar que esse governo tinha como ministro da saúde o Prof. Dr.Correia de Campos.

O governo seguinte, tendo como ministro da saúde o Dr. Luís Filipe Pereira, fezaprovar na AR a Lei nº 27/2002, que consagrou a criação dos hospitais SA, muito áimagem e semelhança dos “Foundation Hospitals”.

Como todos pudemos verificar, estes hospitais SA, dispondo de maiores facilidadesburocrático-administrativas e financeiras, não conseguiram fazer mais e melhor doque os restantes hospitais públicos.

Pelo contrário, acumularam dívidas, não aumentaram a capacidade de resposta aoscidadãos e até o capital social se foi esfumando para pagamento de despesas correntes.

Com este quadro aqui esboçado de forma sintética, coloca-se a questão nuclearde procurar soluções alternativas que não permitam a continuação da manipulaçãoda vida quotidiana das instituições hospitalares por funcionários dos aparelhospartidários ou por governos para quem a saúde se resume a uma qualquer mercadoriae para quem os profissionais de saúde são meros executantes acríticos e acéfalos.

Como sabemos, a saúde, e em particular as unidades hospitalares, tem conhecidonas últimas décadas uma permanente revolução tecnológica com a introdução sucessivade novos e mais sofisticados meios técnicos, e um desenvolvimento contínuo doconhecimento científico a nível diagnóstico e terapêutico.

Como a experiência histórica demonstra, de forma clara e objectiva, todas asrevoluções tecnológicas determinaram sempre uma mudança radical nos métodos deorganização da produção e do trabalho. Ora, de uma maneira geral, esses métodosmantêm-se quase intactos nos nossos hospitais há várias dezenas de anos.

Como tal, há que implementar medidas que conduzam á criação de um climainstitucional favorável á inovação, que só pode ser alcançada quando são estimuladasa formação e a aprendizagem contínuas. Caso contrário, assistiremos á decadênciainexorável das unidades hospitalares.

O Ministério Federal da Saúde do Canadá, há cerca de 2 anos, definiu aquiloque considera ser a gestão moderna ao dirigir-se aos seus profissionais de saúdecom as seguintes palavras:

• “ A gestão moderna é como um rio atravessando a paisagem da vossa vidaprofissional.

Para encontrar a melhor maneira de navegar neste rio, vós deveis prestar atençãonão somente ao rio em si, mas a todo o seu ambiente envolvente. Isto significa colocar

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as questões correctas e integrar os instrumentos de gestão da maneira mais eficazpossível para atingir os resultados. Como o rio, a gestão moderna representa bemmais do que um modelo, uma estratégia e um plano de acção. Trata-se de promoveruma cultura de gestão centrada sobre os nossos valores, a nossa missão e os nossosobjectivos, e que aspira á excelência”.

Os hospitais são organizações complexas, com múltiplos serviços de naturezadiferente e aglomerando um elevado número de profissionais de áreas distintas.

Estando fortemente dependentes de tecnologia sofisticada, os hospitais estãosujeitos, de forma inevitável, a grandes mutações e a um elevado grau de incertezanos resultados.

Os hospitais não podem ser encarados isoladamente, mas como um elemento,ainda que importante, de um sistema integrado, o qual inclui os cuidados primáriose os cuidados de carácter social.

Uma questão que se coloca a nível das unidades hospitalares é a necessidade deexistir uma clara definição da sua missão.

Segundo Federico Tobar, “ a missão é a contribuição da instituição á sociedade”,constituindo o pilar da estratégia.

Ainda segundo este autor, a definição da missão é a mais poderosa ferramentade gestão que uma organização pode ter. Primeiro define-se a missão e só depois sepode planificar, desenvolvendo a sua capacidade para fazer o que deve fazer.

Quantos hospitais no nosso país têm definida a sua missão?Neste contexto, existem 2 técnicas de gestão que importa estarem presentes na

perspectiva de desenvolvimento e modernização dos estabelecimentos públicoshospitalares: a planificação estratégica/gestão por objectivos e a contratualização.

Estas 2 técnicas conheceram uma maior divulgação ao serem apresentadas pelapropaganda neoliberal como inerentes á sua cultura económica e gestionária.

A gestão por objectivos, embora tenha sido inicialmente desenvolvida em diversossectores industriais, está a ser objecto de implementação em serviços públicos desaúde de alguns países.

Tratando-se de uma técnica de gestão é possível proceder á sua aplicação emqualquer sector de produção de serviços e aproveitar todas as suas potencialidades.

Este tipo de gestão deveria constituir a referência fundamental do funcionamento dosnossos hospitais. Desde logo, porque implicaria a adopção de uma medida crucial paraestas unidades: á prévia definição clara da sua missão e objectivos institucionais, nopressuposto de que os objectivos institucionais é que determinam os processos a utilizar.

A gestão por objectivos é uma técnica que é parte substantiva das planificaçõesestratégica e operacional. Além disso, compromete toda a hierarquia e todos osfuncionários, altera totalmente os conceitos de trabalho rotineiro, é uma gestão maisparticipativa e democrática, possibilita maior controlo social porque os seus objectivosestão definidos e são divulgados, e implica a existência de mecanismos de avaliaçãoregular.

É de fundamental importância proceder á desgovernamentalização das nomeaçõesdos cargos de gestão, a começar pelos conselhos de administração, obedecendoestas a orçamentos-programa baseados naquilo que cada hospital “deve fazer”.

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De acordo com esta perspectiva, os directores de serviço deveriam ser nomeadosem função da apresentação prévia de um contrato-programa devidamente articuladoe hierarquizado com a missão definida globalmente para o hospital.

No final de cada ano, todas as actividades do hospital teriam de ser objecto deuma avaliação criteriosa, na base de parâmetros objectivos e de uma efectivaresponsabilização pelos resultados obtidos.

Assim, sobressai a importância decisiva de existirem fortes estruturas intermédiasde gestão e dotadas de grande capacidade operacional.

A departamentação adequada dos serviços e directores de serviço dispondo demeios, de autonomia e de maior responsabilidade, são aspectos indissociáveis de umclima organizacional inovador e dinâmico.

No fundo, trata-se de assumir o papel central da gestão clínica como barreira áintromissão de critérios e métodos alheios aos objectivos assistenciais aos doentes.

Falta, naturalmente, referir a importância dos programas da melhoria contínuada qualidade, dado que uma das suas implicações directas aponta para a permanenteadequação da estrutura organizacional e dos métodos de trabalho aos objectivosdefinidos.

Finalmente, colocam-se as seguintes interrogações:- Os médicos estão dispostos a romper com as concepções atávicas que imperam

na generalidade dos serviços?- Estão dispostos a assumir maiores responsabilidades na gestão e inovação dos

serviços?- Estão dispostos a assumir uma avaliação dos resultados dos seus serviços?- Estão dispostos a tomar a iniciativa de serem o “motor” das mudanças?- Estão dispostos a desenvolverem movimentações que promovam a gestão clínica

e a desgovernamentalização dos hospitais?Em minha opinião, a “mãe” de todos os desafios reside em 2 pilares essenciais: a

mobilização dos médicos e a sua capacidade para estabelecer um programa demudança.

Sem a assumpção clara e urgente destes desafios, podemos continuar a lamentar-nos e a exercer o direito á indignação pelas malfeitorias do Poder político, masseremos ainda mais subalternizados e até esmagados pelas lógicas implacáveis dosaparelhos político-burocráticos.

Há que passar das palavras aos actos e afirmar a vitalidade do movimento médico.A FNAM continua empenhada na dinamização de uma mudança que reforce a

autonomia e a independência técnico-científica da profissão médica, e a qualidadedos cuidados prestados aos cidadãos.

Só com a participação activa da grande maioria dos médicos é possível imporesta agenda de mudança.

Pela nossa parte, já temos as mangas arregaçadas para este empreendimento.

Coimbra, 1/4/2006 Mário Jorge Neves

Vice-Presidente da FNAMPresidente do SMZS

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ARTIGO DE OPINIÃO

PAGAMENTO DO PROGRAMA ADICIONAL NOSIGIC: MATÉRIA DE ÂMBITO SINDICAL?*

O pagamento do programa adicional do SIGIC é um pagamento por acto médicorealizado a médicos assalariados. Esse facto cria uma certa ambiguidade legislativa quedeixa em aberto a seguinte questão: é esse pagamento uma matéria de âmbito sindicalou o seu enquadramento legal é o da medicina exercida enquanto profissão liberal?

A razão deste texto é o facto de assistirmos com profunda preocupação a discussõesentre médicos sobre a divisão no interior das equipas (mais precisamente entre cirurgião,ajudante e anestesista) das verbas provenientes da produção adicional do SIGIC.

Em nossa opinião, este assunto não constitui um problema exclusivo da esferaindividual. O que está em jogo é saber se queremos que a negociação dasremunerações adicionais constituam uma matéria do âmbito sindical ou se, pelocontrário, aceitamos que ela seja dominada pela moldura legislativa da medicinaprivada de âmbito liberal.

Por estas razões parece-me que este assunto, embora pareça hoje de interesselateral, pode abrir divisões e constituir um precedente legal que impeça os médicosde, no futuro, terem posições conjuntas não apenas na contratualização do trabalhoadicional, como do próprio trabalho normal.

Síntese:Em nossa opinião, as verbas do trabalho adicional do SIGIC devem ser distribuídas,

por igual, pelos três médicos envolvidos (dois cirurgiões e um anestesista).Esta opinião é expressa não com base na discussão sobre o valor relativo do

trabalho de cada um, mas pelo contrário, evitando discutir este aspecto, por:– considerar essa discussão estéril: - existe uma tendência natural para cada um

considerar o seu trabalho mais importante do que o do outro e, se entramos por essavia, a discussão apenas conduz a divisões;

– considerar que a não paridade na divisão da remuneração adicional introduzum precedente com importantes implicações, já que se trata de actividade no âmbitodo Sector Público, precedente esse que, no futuro, pode ser utilizado contra os própriosmédicos, já que retira as remunerações adicionais do âmbito do sindicalismo,transferindo-o para o âmbito da legislação que regula a concorrência de mercado;

– considerar que as divisões, obstruções e impedimentos resultantes desta discussãopodem conduzir à instrumentalização de médicos para fins políticos ou outros menosclaros.

1 - A discussão sobre se o trabalho de um elemento dentro da equipa é maisimportante do que o dos outros e, consequentemente, deve ser melhor remuneradoé uma discussão estéril e sobre a qual dificilmente se chegará a um acordo.

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O SIGIC não é uma actividade no âmbito da Medicina Privada exercida porprofissionais liberais, pelo que não faz sentido aplicar os princípios subjacentes àremuneração nesse sector onde:

– o doente é livre de escolher um cirurgião, pelo que prestígio e bom nome destesão os principais condicionantes para a existência de proventos para toda uma equipa;

– a cirurgia desenrola-se com base num contrato de âmbito comercial entre odoente e o cirurgião (que sub-contrata a restante equipa), pelo que a responsabilidadecivil é, em primeiro lugar, do cirurgião que, quanto muito, pode secundariamentesolicitar indemnização aos profissionais que com ele trabalham.

Pelo contrário, o programa adicional do SIGIC é uma actividade no âmbito daMedicina Pública e, como tal:

– o doente não é livre de escolher um cirurgião, sendo os doentes provenientes dalista de espera do SNS;

– a cirurgia desenrola-se com base num contrato entre o doente e o Estado, peloque a responsabilidade civil é, em primeiro lugar da Instituição e secundariamente decada um dos profissionais envolvidos de per si.

Neste contexto, um elemento da equipa reivindicar ser melhor remunerado doque os restantes parece fazer tão pouco sentido como defender que o salário base domédico hospitalar deveria variar de especialidade para especialidade. Se issoacontecesse, certamente que cada especialidade acharia que deveria ser melhorremunerada que as restantes e, por essa via, nunca mais os médicos se entenderiamentre si.

2 – Introduzir no âmbito do Sector Público princípios de contratualizaçãobaseados nos que regem a Medicina privada de âmbito liberal parece-nosparticularmente pernicioso.

Quer queiramos quer não, o salário do médico hospitalar (independentementede ser Sector Público Administrativo, empresa Pública ou Parceria Público-Privada)vai depender cada vez mais de incentivos e remunerações adicionais e não da suaremuneração base.

Globalmente, esse princípio é de louvar, já que todos sabemos como o sistemaremuneratório da Função Pública é incapaz de distinguir diferenças no desempenhoprofissional e na dedicação ao trabalho e ás instituições.

Contudo, é fundamental que qualquer sistema remuneratório que inclua incentivos,nomeadamente aqueles que em que o pagamento é proporcional ao número deactos realizados, seja transparente e baseado em regras claras e estáveis. Parece-nos que seria particularmente pernicioso que num local possa ser um e noutro localpossa ser outro, sendo estas diferenças baseadas apenas no poder relativo ou nacapacidade de influência dos médicos envolvidos em cada um dos locais.

Neste contexto, defender regras comuns de remuneração no SIGIC (o que passariapor remunerações iguais para todos os médicos envolvidos, pois são todos funcionáriosda mesma instituição) é moralizar o sistema e, para além disso, é manter a negociaçãodas remunerações adicionais como uma matéria de âmbito sindical.

Pelo contrário, aceitar que as remunerações possam ser distribuídas através de“acordos” entre os médicos envolvidos, “acordos“ esses que seriam diferentes uns

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dos outros, é transferir essa matéria do âmbitosindical para o âmbito das relaçõescontratuais da Medicina Liberal.

Neste momento, estamos a falar dedistribuição de remunerações dentro de umaequipa. Mas iniciando-se o caminho dadiferenciação salarial em função do poder eda capacidade de influência de cada um,amanhã poderemos estar a falar deremunerações para o mesmo acto diferentes

de instituição para instituição e, no dia seguinte, de diferenças dentro da mesmainstituição, consoante o médico. Seguidamente, a transferência deste assunto do âmbitosindical para o âmbito da Medicina Liberal, tornaria os proventos do médicodependentes das regras de mercado aplicáveis a um qualquer outro produto onde,convêm relembrar, é proibida qualquer concertação de preços, a qual é consideradacomo violadora das regras da concorrência.

Num contexto de profundas transformações (algumas delas potencialmentepositivas) e de certa ambiguidade, parece-nos que seria uma atitude contraproducenteque fossem os próprios médicos, com as suas atitudes, a retirar este assunto do forosindical.

Para que isso não aconteça, parece-nos que só há uma posição possível que é aremuneração igual para todos os médicos envolvidos, independentemente daespecialidade, tal como acontece em qualquer intervenção cirúrgica realizada nosector Público.

3 – InstrumentalizaçãoO problema da divisão das remunerações no interior das equipas cirúrgicas não

é novo, já que comum ao programa ACESSO e PECLEC. Curiosamente, observa-seneste momento um extremar de posições que, em nossa opinião, merece algumareflexão no sentido da sua contextualização.

Parece hoje ser consensual que, quer o programa ACESSO, quer o PECLEC,independentemente de serem provenientes de ciclos políticos diferentes, tinham emcomum um aspecto perverso: - não contribuíam em nada para aumentar a eficáciacirúrgica dos recursos gastos em actividade normal, em muitos momentos interferiramcom essa mesma actividade normal (por vezes com conivência de responsáveis aosmais variados níveis, mais interessados noshow-off mediático) e, em termos práticos,podiam constituir um incentivo ao maufuncionamento das capacidades instaladas(qual seria o incentivo para reduzir o tempode espera cirúrgico dentro do trabalhonormal, se as listas de espera podiamconstituir uma fonte apreciável de rendimentopara trabalho hospitalar adicional ou para aactividade do próprio na medicina liberal?).

Contudo, é fundamental quequalquer sistema remuneratório queinclua incentivos, nomeadamenteaqueles que em que o pagamento éproporcional ao número de actosrealizados, seja transparente e baseadoem regras claras e estáveis.

Num contexto de profundastransformações (algumas delaspotencialmente positivas) e de certaambiguidade, parece-nos que seriauma atitude contraproducente quefossem os próprios médicos, com as suasatitudes, a retirar este assunto do forosindical.

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O SIGIC tem duas característicascompletamente diferentes:

Primeiro - ultrapassa deficiências dosanteriores programas, já que associando acontratualização do trabalho adicional àcontratualização do trabalho normal, introduzmoralização no sistema;

Segundo – embora não seja a suafinalidade principal, introduz um sistema decontrolo e de auditoria da actividade normalque, se for capaz de ultrapassar algumasidiossincrasias iniciais, pode-se tornar numinstrumento extremamente eficaz para melhorarsignificativamente a rentabilidade cirúrgica doshospitais do SNS – o que, como cidadãos ecomo médicos, certamente não nos éindiferente.

Se bem analisamos a situação, parece-nos que há neste momento quem estejainteressado em que o SIGIC não funcione, por diversas razões:

– porque receia que um sistema eficaz de gestão detecte aspectos menostransparentes da sua prática, aspectos esses tradicionalmente encobertos pela mágestão e burocracia do Sector Público;

– porque algumas deficiências no funcionamento das estruturas do SNS e o tempoexcessivo de espera para cirurgia pode ser gerador de um fluxo de doentes para asua cirurgia privada;

– ou simplesmente por razões político-partidárias.Neste contexto, o não acordo entre médicos sobre as percentagens na distribuição

das remunerações seria um excelente pretexto para a paralisia ou deficientefuncionamento do sistema, o que, em nossa opinião, seria profundamente lamentável.

Por esse motivo, também aqui a norma da distribuição equitativa das remuneraçõesdentro das equipas funcionaria como forma de ultrapassar definitivamente o assuntoe não permitir que os médicos sejam instrumentalizados para fins que não têm nadaa ver nem com os seus interesses nem com os interesses dos cidadãos.

*Joaquim da Silva Viana(Chefe de Serviço de Anestesia dos HUC,Professor Auxiliar Convidado da FMUC)

[email protected]

Parece hoje ser consensual que,quer o programa ACESSO, quer oPECLEC, independentemente deserem provenientes de ciclospolíticos diferentes, tinham emcomum um aspecto perverso: - nãocontribuíam em nada para aumentara eficácia cirúrgica dos recursosgastos em actividade normal, emmuitos momentos interferiram comessa mesma actividade normal (porvezes com conivência de responsáveisaos mais variados níveis, maisinteressados no show-off mediático)

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