cadernos da escola do legislativo nº 17 - julho/dezembro - 2009

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Publicação semestral que se propõe ser um espaço de reflexão sobre a realidade sociopolítica e cultural, promovendo um diálogo qualificado entre a atividade parlamentar e a produção acadêmica.

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MESA DA ASSEMBLEIADeputado Alberto Pinto Coelho

PresidenteDeputado Doutor Viana

1º-Vice-PresidenteDeputado José Henrique

2º-Vice-PresidenteDeputado Weliton Prado

3º-Vice-PresidenteDeputado Dinis Pinheiro

1º-SecretárioDeputado Hely Tarqüínio

2º-SecretárioDeputado Sargento Rodrigues

3º-SecretárioDIRETORIA-GERALEduardo Vieira Moreira

SECRETARIA-GERAL DA MESAJosé Geraldo Prado

ESCOLA DO LEGISLATIVOAlaôr Messias Marques Júnior

EDIÇÃOMárcio Santos

CONSELHO EDITORIALCláudia Sampaio Costa

Diretoria de Processo Legislativo – ALMGFabiana de Menezes Soares

Faculdade de Direito – UFMGFátima Anastasia

Centro de Estudos Legislativos Departamento deCiência Política – UFMG

Márcio SantosEscola do Legislativo – ALMG

Marta Tavares de AlmeidaInstituto Nacional de Administração/Portugal

Ricardo CarneiroEscola de Governo Professor Paulo Neves de

CarvalhoFundação João Pinheiro

Rildo MotaCentro de Formação, Treinamento e

Aperfeiçoamento Câmara dos DeputadosRoberto Romano

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas –Universidade Estadual de Campinas

Regina MagalhãesÁrea de Consultoria Temática – ALMG

PARCERISTAS:Colaboraram nesta edição:

Caren RuottiNúcleo de Estudos da Violência Universidade de

São PauloLeonardo Henrique de NoronhaEscola do Legislativo – ALMG

Guilherme Wagner RibeiroEscola do Legislativo – ALMG

Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisMário Fuks

Departamento de Ciências Políticas – Faculdadede Filosofia e Ciências Humanas – UFMG

Rildo CossonCentro de Formação Treinamento e

Aperfeiçoamento – Câmara dos Deputados

Diretor de Comunicação Institucional:Lúcio Pérez

Gerente-Geral de Imprensa e Divulgação:Cristiane Pereira

Gerente de Comunicação Visual:Joana Nascimento

DIAGRAMAÇÃOMauro Lúcio de Paula

REVISÃOAdriana LacerdaIzabela MoreiraLarissa Freitas

IMPRESSÃODiretor de Infra-Estrutura:Evamar José dos Santos

Gerente-Geral de Suporte Logístico:Cristiano Félix dos Santos Silva

Gerente de Reprografia e Transportes:Osvaldo Nonato Pinheiro

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Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 3-4, jul./dez. 2009

EDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIAL

Apresentamos nesta edição um conjunto de cinco arti-gos, com temas diversificados entre si, mas todos eles relacio-nados à esfera de reflexão que norteia os Cadernos da Escolado Legislativo: a interação entre o Estado e a sociedade. Noartigo que abre a edição, a autora coloca em discussão opotencial das práticas democráticas contemporâneas, anali-sando as críticas à democracia representativa e os dilemas dademocracia participativa. No segundo texto, o autor aborda arelação entre informação e democracia no Poder Legislativodo Estado de Minas Gerais, explorando os conceitos deassimetria informacional, accountability e competênciainformacional. Em rota semelhante segue o terceiro artigo,voltado para a avaliação dos instrumentos de interatividadecriados pela Câmara dos Deputados, analisados a partir dopressuposto de que a captação e o atendimento das demandasdo cidadão é requisito para a efetividade de um sistema públicode informação. No penúltimo texto, um especialista cubanodiscute as principais causas que, do ponto de vista institucional,normativo, teórico e metodológico, afetam a qualidade das leisem Cuba. O debate proposto pelo autor situa-se no fértil campodo controle da qualidade das leis, tema da teoria da legislação,no qual se têm envolvido estudiosos das mais diversas proce-

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dências e que constitui hoje uma das preocupações daAssembleia Legislativa de Minas Gerais. No último artigo, osautores analisam as novas demandas que passam a configuraro papel da escola, notadamente em comunidades violentas,estudando o caso específico do Programa Fica Vivo, implan-tado em Belo Horizonte com o objetivo de reduzir os homicí-dios entre a população jovem. Fechamos a edição, assim, coma análise empírica de um projeto de política pública, que formaoutro dos campos de atuação do Parlamento mineiro.

O editor

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Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 5-27, jul./dez. 2009

Resumo: O artigo propõe uma reflexão a respeito da constru-ção da democracia, evidenciando as limitações e o potencialdas diversas práticas democráticas. Passando por uma breveanálise do significado original do termo democracia, busca-seanalisar as críticas à democracia representativa e os dilemas dademocracia participativa. Enfatiza-se a necessidade de cons-tante avaliação e aprimoramento das práticas democráticas,que se pautam pela representação e pela participação, e aimportância da complementaridade entre elas. Entendendo-seque a realização de uma democracia radical é a concretizaçãodos ideais de autonomia, de liberdade e de emancipação social,conclui-se que a política, compreendida como possibilidadetransformadora e como criação histórica, é o verdadeiro cami-nho para a realização democrática.

Palavras-chave: democracia, democracia representativa, de-mocracia participativa, representação, participação, autonomia.

Abstract: This article proposes a reflection about democracyconstruction, emphasizing limitations and the differentdemocratic practices potential. We aim analyse therepresentative democracy critics and the participativedemocracy dilemmas. We emphasize the need for constantevaluation and democratic practices improvements based on

DESAFIOS DA CONSTRUÇÃODESAFIOS DA CONSTRUÇÃODESAFIOS DA CONSTRUÇÃODESAFIOS DA CONSTRUÇÃODESAFIOS DA CONSTRUÇÃODEMOCRÁTICADEMOCRÁTICADEMOCRÁTICADEMOCRÁTICADEMOCRÁTICA

PAPAPAPAPATRÍCIA GARCIA GONÇALTRÍCIA GARCIA GONÇALTRÍCIA GARCIA GONÇALTRÍCIA GARCIA GONÇALTRÍCIA GARCIA GONÇALVES*VES*VES*VES*VES*

* A autora deste arti-go é arquiteta, mes-tre em Geografiapelo Instituto deGeociências daUFMG e exerce a ati-vidade de consulto-ria técnica na Câma-ra Municipal de BeloHorizonte. A refle-xão contida no arti-go integra sua dis-sertação de mestra-do intitulada “Limi-tes e possibilidadesda democracia re-presentativa na pro-dução do espaçourbano: uma análi-se a partir da atua-ção da Câmara Mu-nicipal de Belo Hori-zonte”.

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representation or participation and the importance of balancebetween them. We understand that the radical democracyrealization is the concretization of autonomy ideas, of freedomand social emancipation. We conclude that politics is understoodas a changing possibility and as historical creation; it is the realway to the democratic happening.

Keywords: democracy, representative democracy, participativedemocracy, representation, participation, autonomy.

Questões das mais diversas naturezas poderiam serabordadas ao refletir-se sobre os desafios da construção demo-crática. O ponto central a ser aqui evidenciado refere-se, noentanto, à crise da democracia representativa, aos dilemas dademocracia participativa e seus desdobramentos. Busca-seindagar sobre a eficácia da democracia representativa e sobrea viabilidade da democracia participativa.

Antes de iniciar essa discussão, evidenciando os cami-nhos, as encruzilhadas e as armadilhas que permeiam a cons-trução democrática, parece importante uma rápida reflexãosobre o significado original do termo democracia.

Giovanni Sartori (1994) lembra que, “quando remonta-mos a um étimo, temos certeza de partir de bases genuínas”(SARTORI, 1994, p. 40). No entanto, a definição etimológicade democracia como governo ou poder do povo é uma premis-sa que pouco revela.

Jacques Rancière (1996) destaca a carga simbólica dapalavra democracia. Antes de ser um regime político, a demo-cracia é “um desvio singular no curso normal dos assuntoshumanos” (RANCIÈRE, 1996, p. 370). O demos, em Atenas,refere-se aos pobres, às pessoas reles, àqueles que nadapossuem, que não têm nenhum título para governar. Assim,numa ruptura inédita e radical de toda a lógica da dominaçãolegítima, governam justamente os que não têm título para

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governar. O demos, constata Rancière (1996), é um ser duplo,pois é constituído pelas pessoas sem importância e, ao mesmotempo, pela comunidade em seu conjunto. O demos é “a parteque se identifica ao todo exatamente em nome da injustiça quelhe é feita pela ‘outra’ parte: por aqueles que são alguma coisa,que têm propriedades, títulos para governar” (RANCIÈRE,1996, p. 371).

Ao buscar o significado de demos, sem perder o próprioprincípio democrático e funcional da democracia, Sartori(1994) conclui que “a noção de povo deve ser entendida comoalgo que requer um controle da maioria a ser limitado pelosdireitos da minoria” (SARTORI, 1994, p. 45). O demosengloba a maioria e a minoria. A democracia não é, então, opoder absoluto e irrestrito da maioria, pois, se um grupomajoritário abusa de seu direito, o sistema deixa de ser umademocracia. É a proteção dos direitos da minoria que estásubjacente à ideia de democracia, e mais, é a liberdade dedissentir que caracteriza um sistema democrático. Nas pala-vras de Norberto Bobbio (2004), “apenas onde o dissenso élivre para se manifestar o consenso é real, e apenas onde oconsenso é real o sistema pode proclamar-se com justezademocrático” (BOBBIO, 2004, p. 75).

Abre-se aqui um parêntese para ponderar o que repre-senta o consenso para a democracia por compreender-se queesse é um ponto que merece alguma reflexão1. Sartori (1994)analisa a questão e ressalta que há três elementos passíveis deconcordância em relação à teoria da democracia: valores ouprincípios fundamentais (consenso básico); regras do jogo(consenso procedimental); governos específicos; e políticasgovernamentais (consenso programático). De acordo comSartori (1994), o consenso básico não é condição necessáriapara a democracia, porém a facilita e a fortalece, podendo,inclusive, ser construído. Quanto ao consenso procedimental,ou seja, o consenso sobre a regra de solução de conflitos, écondição sine qua non da democracia e o seu ponto de partida.As regras e o tratamento a ser conferido às discordânciasdevem ser consensuais. Já o terceiro nível de consenso eviden-cia a possibilidade do dissenso e a necessidade da discussão

1 Rancière (1996) cri-tica o discurso queidentifica o consen-so ao princípio dademocracia e doexercício da política.Para ele, o dissenso“não é a diferençados sentimentos oudas maneiras desentir que a políticadeveria respeitar. Éa divisão no núcleomesmo do mundosensível que instituia política e suaracionalidade pró-pria” (RANCIÈRE,1996, p. 368). Odissenso é um con-flito sobre a consti-tuição do mundosensível, permitindoque mundos diferen-tes ou paradoxaissejam revelados ereconhecidos. Aideia de que a formamoderna de fazerpolítica é a do con-senso pressupõeuma objetivação to-tal dos dados e dospapéis a distribuir.Suprime, portanto, ocômputo dos nãocontados, objetiva osproblemas e determi-na os saberes e par-ceiros necessáriospara solucioná-los.Nesse sentido, o con-senso significa a su-pressão da política(RANCIÈRE, 1996).

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como essenciais à democracia. Para Sartori (1994), o dissensodeve trazer mudanças no consenso, ou seja, um novo consen-timento. O autor contesta a tese de que o conflito é a base dademocracia, pois, para ele, acreditar na concepção pluralistade sociedade e na dialética da diversidade opõe-se a acreditarno conflito.

O que a teoria de democracia deriva de sua matrizpluralista não é e não pode ser uma exaltação do“conflito”, mas, ao contrário, um processamentodinâmico do consenso baseado no princípio de que,seja o que for que se declare justo, ou verdadeiro,deve suportar a crítica e o dissenso e ser revitalizadopor eles (SARTORI, 1994, p. 131).

Uma vez conceituado o termo demos, estabelecer aligação entre demos e kratos (poder) traz uma enorme dificul-dade etimológica, pois poder não é liberdade, mas é força ecapacidade de controlar os outros. Como, então, pode o povoexercer o poder? Sartori (1994) enfatiza que “poder do povo”é uma expressão elíptica, já que governar pressupõe a existên-cia de governados. A democracia seria, portanto, o poder dopovo sobre o povo. No entanto, o direito ao poder nãodetermina de fato a soberania popular.

Diante disso,

não consiste apenas em subir ao poder, mas sim, emuito mais, de apear-se dele. Se, ao longo desseprocesso de mão dupla, o povo perde o controle,então o governo sobre o povo corre o perigo de nãoter nada a ver com o governo do povo (SARTORI,1994, p. 52).

Discutir o significado do termo democracia traz à tonaseus princípios elementares – igualdade, liberdade, respeito àdiversidade. Construir uma sociedade com base em tais valo-res e, portanto, digna de receber o título de democrática exigeque a ação política seja reconhecida e valorizada como possi-bilidade de criação histórica.

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As críticas à democracia representativa e os dilemas daAs críticas à democracia representativa e os dilemas daAs críticas à democracia representativa e os dilemas daAs críticas à democracia representativa e os dilemas daAs críticas à democracia representativa e os dilemas dademocracia participativademocracia participativademocracia participativademocracia participativademocracia participativa

Carl Schmitt (1996) salienta que a história das ideiaspolíticas no século XX pode ser sintetizada pela seguintefrase: a marcha vitoriosa da democracia. Ainda que sequestione o caráter absoluto de tal afirmação, sem dúvida, oideal democrático assume papel central naquele momentohistórico.

Santos e Avritzer (2003) traçam um breve históricoacerca do debate em torno da questão democrática duranteo século XX e destacam duas discussões principais: naprimeira metade do século, o debate focalizou adesejabilidade da democracia como forma de governo; nopós-guerra, a discussão voltou-se para as condições estru-turais da democracia e a compatibilidade ou não entredemocracia e capitalismo.

Os autores destacam que a forma hegemônica de práti-ca democrática, na segunda metade do século, restringiu-se aoprocedimento eleitoral para a formação de governos, limitan-do formas de participação mais amplas. No entanto, alternati-vas ao modelo liberal (democracia participativa, democraciapopular) também foram debatidas por aqueles que entendiamque a distribuição de ganhos nas sociedades capitalistas exigiaa descaracterização total da democracia como até então seapresentava.

Ao final do século XX, a extensão do modelohegemônico de democracia liberal e os cortes nas políticassociais (desmonte do Estado do Bem-Estar Social) deixa-ram claro o limite dos efeitos distributivos da democracia.Nesse contexto, emerge o problema da forma da democra-cia e da sua variação e, com ele, a discussão sobre aqualidade da democracia. Santos e Avritzer (2003) ressal-tam que se pode apontar na direção de uma tripla crise daexplicação democrática tradicional: há, em primeiro lugar,uma crise do marco estrutural de explicação da possibilida-de democrática; há, em segundo lugar, uma crise da expli-cação homogeneizante sobre a forma de democracia que

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emergiu como resultado dos debates do período entreguerras e há, em terceiro lugar, uma nova propensão aexaminar a democracia local e a possibilidade de variaçãono interior dos Estados Nacionais a partir da recuperação detradições participativas solapadas no processo de constru-ção de identidades nacionais homogêneas (SANTOS eAVRITZER, 2003, p. 42-43).

Dessa crise, cuja discussão evidencia a dificuldade deaproximação entre o ideal e a realidade, parece nascer oconflito entre representação e participação. A primeira comoa tradução da forma falida da democracia tradicionalhegemônica (no sentido da sua eficácia na geração de umasociedade mais justa) e a segunda como a expressão daesperança em novas práticas contra-hegemônicas que vêmganhando força.

Diante disso, cabe refletir se a busca do ideal demo-crático passa por um necessário enfraquecimento da demo-cracia baseada na representação em direção a formas dedemocracia mais direta (participação) ou se a melhor opçãopara a construção democrática é o fortalecimento de ambasas práticas (representação e participação). Para tanto, énecessário compreender melhor as possibilidades e os limi-tes da democracia representativa e da democraciaparticipativa.

Iniciando pela democracia representativa, deve-se, pre-liminarmente, entender a ideia de representação política.

A concepção de representação política varia ao longoda história2. Segundo Marilena Chauí (2006), considera-seque Hobbes introduziu o tema da representação no campopolítico. A autora, no entanto, esclarece que Hobbes, naverdade, apenas reformulou o conceito de representação polí-tica utilizado anteriormente pela teologia política medieval.Ele definiu o papel do representante como o de alguém que estáautorizado a agir por quem possui o direito de agir. Portanto,a representação implica posse e transferência de autoridade(CHAUÍ, 2006).

2 Marilena Chauí(2006) traça a trajetó-ria histórica da ideiade representação po-lítica, sintetizando asconcepções medie-val, liberal, socialistae partidária.

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O poder simbólico encontra-se subjacente às concep-ções de representação política. Pierre Bourdieu (2001), aorefletir sobre o poder simbólico da representação política, fazreferência à concentração do capital político nas mãos de umpequeno grupo. Segundo o autor, tal monopólio profissionalsobre o jogo político é tanto maior quanto maior for a assimetriaeconômica e cultural do grupo em que se insere. Tem-se,então, um círculo vicioso: a desigualdade econômica e culturalproduz a concentração do poder político e essa concentraçãocristaliza e reproduz as desigualdades.

Em sua veemente defesa do governo representativocomo alternativa ideal a ser adotada por conservadores eliberais, Stuart Mill ressalta que tal governo teria uma assembleiarepresentativa com a função de controlar e fiscalizar o própriogoverno, dando publicidade aos seus atos e condenando asações contrárias ao deliberado pela nação e os abusos de poder(MILL, 2006a).

É evidente que o único governo capaz de satisfazercompletamente todas as exigências do Estado Socialé aquele em que o povo todo possa participar; ondequalquer participação, mesmo na função públicamais modesta, é útil; um governo no qual a partici-pação deverá ser, em toda parte, tão grande quantopermita o grau geral de aprimoramento da comuni-dade; e, no qual, nada menos possa ser desejado doque a admissão de todos a uma parte do podersoberano do Estado. Porém, uma vez que é impossí-vel, em uma comunidade maior do que uma únicacidade, que todos participem pessoalmente de todosos negócios públicos, a não ser de poucos, conclui-se que o tipo ideal de governo perfeito deve ser orepresentativo (MILL, 2006a, p. 65).

A partir da segunda metade do século XIX, o governorepresentativo3 passou por transformações significativas: odireito ao sufrágio foi ampliado e a propriedade e a culturadeixaram de ser representadas. Ao mesmo tempo, os partidosde massa emergiram, e os programas políticos passaram a ser

3 Manin (1995) sin-tetiza os princípiosdo governo repre-sentativo: os repre-sentantes são elei-tos pelos governa-dos, os representan-tes conservam umaindependência par-cial diante das pre-ferências dos eleito-res, a opinião públi-ca sobre assuntospolíticos pode mani-festar-se indepen-dentemente do con-trole do governo, asdecisões políticassão tomadas apósdebate.

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um dos principais mecanismos de competição eleitoral. Ospartidos pareciam “criar uma maior identidade social e culturalentre governantes e governados e parecia também dar aosúltimos um papel mais importante na definição da políticapública” (MANIN, 1995, p. 7).

Surge, portanto, um novo formato de governo represen-tativo, no qual a representação política evoluiu por meio dauniversalização do sufrágio e da constituição de partidospolíticos, buscando institucionalizar a participação de todos,como resume Fátima Anastasia (2002). Tais mudanças, se-gundo Manin (1995), levavam a crer que o governo represen-tativo aproximava-se do ideal do autogoverno.

Contrariando essa crença, a extensão da cidadaniapolítica a todos os indivíduos não trouxe o ideal do povoautogovernando-se, nem tampouco correspondeu ao temor da“tirania da maioria”, evidenciado por alguns liberais. Aoscidadãos coube apenas escolher entre opções dadas. O sufrá-gio universal não representou o direito de verbalizar preferên-cias. Ao contrário, garantiu a concentração de poder nas mãosdas elites políticas, trazendo a apatia política como um dossintomas da crise da representação.

Fátima Anastasia (2002) ressalta que, para os elitistas,como Schumpeter, essa apatia mostra-se desejável, já quereduz a pressão sobre o sistema político e assegura a estabili-dade democrática; já para os pluralistas, como Dahl, o fenôme-no é negativo por corroer a legitimidade do sistema político.

A hegemonia da democracia representativa teria gera-do, então, uma desmobilização social, numa supervalorizaçãodos mecanismos representativos no sentido de prescindir deformas societárias de participação (SANTOS e AVRITZER,2003).

Além dessa patologia da apatia política, a representa-ção política e a sua incapacidade de atender satisfatoriamenteàs promessas democráticas vêm suscitando críticas, como asreferentes à supremacia da representação dos interesses sobrea representação política (interesse geral), à permanência do

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poder oligárquico e à falta de transparência e de accountability4

(SOUZA, 2006a; BOBBIO, 2004). Questiona-se o fato de osgovernos representativos estarem distanciando-se dos anseiosda sociedade e deixando de responder à vontade popular.Portanto, ao que parece, a maior crítica não se refere ao sistemarepresentativo em si, mas ao fato de esse sistema não sersuficientemente representativo.

O que se evidencia é que a representação, o sufrágiouniversal e os partidos políticos não conseguiram resolver aquestão da participação, como idealizado por Mill em suaargumentação a favor do governo representativo.

Como reação a essas limitações, formas institu-cionalizadas mais diretas de democracia emergiram, no âmbi-to do Poder Executivo (conselhos setoriais de políticas, con-ferências, orçamento participativo) e do Poder Legislativo(audiências públicas de comissões, seminários e fóruns técni-cos), renovando a esperança democrática.

Tais espaços resultam

de um longo processo de reorganização da socieda-de civil e das suas formas de relação com o Estado ede um longo processo de transformaçõesinstitucionais, jurídicas e administrativas, especial-mente em nível local, ocorrido no Brasil desde o finaldos anos 70 (AVRITZER e PEREIRA, 2005, p. 17).

Eles são denominados de instituições híbridas, pois têmcomo característica o compartilhamento de decisões entreatores estatais e atores sociais ou associações da sociedadecivil (AVRITZER e PEREIRA, 2005). A análise da constru-ção democrática na sociedade contemporânea envolve a in-vestigação e a compreensão do potencial dessas formas departicipação institucionalizada, buscando decifrar as media-ções entre o Estado e a sociedade civil.

Bobbio (2004) ressalta que, há pouco tempo, a avalia-ção sobre o desenvolvimento da democracia tinha como basea análise da extensão dos direitos do sufrágio, ou seja, o

4 O termo accoun-tability, utilizado porSouza (2006a) aolistar os problemas dademocracia represen-tativa, é definido peloautor como “prestaçãode contas ao público”(SOUZA, 2006a, p.327). Significa, então,mais do que transpa-rência, pois pressupõeuma atitude ativa dasinstituições no senti-do de colocar-se a ser-viço do cidadão, cri-ando mecanismospara tal, devendo-lheprestar contas dasações e das decisõestomadas.

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número de pessoas com direito de votar era um indicador dosavanços democráticos. Hoje, segundo ele, a avaliação donúmero de locais nos quais se exerce o direito de votar passaa ser o novo indicador do desenvolvimento democrático.Portanto, à pergunta “quem vota”, sucede-se a questão “ondese vota”.

A participação política parece ser o mecanismo quepermite a todo cidadão incorporar-se aos processos de elabo-ração, decisão e implementação de políticas públicas. Sóassim, os indivíduos teriam condição de interferir nos proces-sos políticos.

Sem dúvida, a democracia participativa significa apossibilidade de novos agentes sociais e de novos temasemergirem na arena política, exigindo que a forma democrá-tica representativa seja reavaliada e reconstruída. Ela desem-penha também um importante papel pedagógico, no sentido doexercício da cidadania e da consciência dos direitos, impres-cindível para a construção de sujeitos políticos.

Apesar da importância desses espaços democráticos,deve-se considerar que eles não estão imunes àdescaracterização, manipulação, cooptação ou exclusão, prin-cipalmente se considerarmos que em sua maioria são coorde-nados pelo Poder Executivo. Nesse caso, ainda que se voltemcontra o Estado ou tenham a intenção de pressioná-lo, estãosob sua tutela.

Além disso, como ressalta Bobbio (2004), essa partici-pação multidirecional pode levar à revanche do privado e,consequentemente, agravar a apatia política.

Outro efeito perverso da criação de “espaços demo-cráticos”, sem uma reflexão sobre o potencial real deles, é asensação ilusória de que se está efetivamente construindouma sociedade democrática, enquanto, ao contrário, legiti-ma-se o status quo. Soma-se a isso, como enfatiza SandraJovchelovitch (2000), o fato de parecer ficar definido quegrupos excluídos do jogo político hegemônico exerceriam aação política em campo específico, especialmente criado

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com essa função, o que pode reproduzir desigualdades sociais,em vez de atacá-las.

Cabe, portanto, uma permanente reflexão crítica sobre asreais condições de participação e de poder de influir nasdecisões, conforme apregoado nesses diversos fóruns políticos.

Reificar as práticas de democracia mais direta, transfor-mando-as em um “fetiche”5, sem submetê-las a questionamentosconstantes sobre a sua qualidade e a sua efetividade e, aomesmo tempo, dar as costas à democracia representativa podeser aceitar que a simples proliferação de instâncias de discus-são significa avanços na construção democrática. Nesse sen-tido, corre-se o risco de reduzir a realização da democracia àampliação do número de espaços públicos abertos à participa-ção, diminuindo ou eliminando seu potencial de transforma-ção política e social.

Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”66666 ou ou ou ou oucomplementarescomplementarescomplementarescomplementarescomplementares

A trajetória da democracia evidencia que “o processode construção democrática não é linear, mas contraditório efragmentado” (DAGNINO, 2002). Múltiplos fatores permeiame caracterizam esse processo e evidenciam a relação tensa econflituosa entre o Estado e a sociedade civil. Segundo Dagnino(2002), o confronto entre Estado e sociedade civil acabatornando-se uma relação de oposição natural, uma premissaque “nos exime de entender os processos políticos que aconstituem e a explicariam” (DAGNINO, 2002, p. 281).Parte-se da visão da sociedade civil como “polo de virtude” edo Estado como “encarnação do mal”.

Ao mesmo tempo, a crescente despolitização trazidapela indústria política (marketing político, comunicação demassa, produção de opiniões) gera efeitos sobre a ideia derepresentação e de participação (CHAUÍ, 2006). A indústriapolítica propõe a representação no sentido conservador, “blo-queando qualquer possibilidade de articulá-la às práticas de-mocráticas”, e, ao mesmo tempo, produz a “ilusão da partici-pação, os cidadãos isolados, privatizados e despolitizados,

5 Bobbio (1979)questiona o fato defazer-se da demo-cracia direta um feti-che sem avaliar “emque consiste e, so-bretudo, quais sãoas suas ligaçõescom a democraciaindireta” (BOBBIO,1979, p. 48).

6 O termo “legitimi-dades rivais” estápresente em Santose Avritzer (2003), aocaracterizar o con-flito entre o Orça-mento Partici-pativoe a Câmara Munici-pal de Porto Alegre.

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imaginando que a expressão, em público, de suas angústias, deseus medos, de seus desejos os converteriam em sujeitospolíticos ativos” (CHAUÍ, 2006, p. 301-302).

Essa oposição natural entre Estado e sociedade civil,reforçada pela indústria política e pela despolitização, parececristalizar a ideia de que nada se pode esperar da democraciarepresentativa, expressão do Estado, devendo toda a esperan-ça ser depositada na democracia participativa, expressão dasociedade.

No entanto, a representação e a participação estãoentrelaçadas. À medida que os processos políticos tornam-secomplexos, a democracia participativa exige a criação deinstâncias de representação (SANTOS e AVRITZER, 2003).Portanto, a questão da representatividade estará permanente-mente colocada. Por outro lado, a democracia representativaaumenta sua eficácia se submetida a um maior controle pelasociedade, o que pressupõe a necessidade de maior participa-ção da população nos processos decisórios.

Também parece questionável limitar formas democrá-ticas a um problema de escala, como sugere Dahl (2001), aodefender que o tamanho da unidade democrática determina aopção pela participação ou pela representação. Assim, aparticipação seria eficiente e desejável em nível local, mas, emescalas maiores, a inviabilidade operacional de sua adoçãoindicaria a representação como a forma mais adequada. Talcompreensão, extremamente pragmática, dissocia a democra-cia de seu ideal transformador, reduzindo-a a uma questão cujogerenciamento exige apenas uma boa dose de praticidade.Como ressaltam Santos e Avritzer (2003), ao problema dacombinação entre participação e representação, a resposta nãopode ser exclusivamente geográfica, pois

a representação envolve pelo menos três dimensões:a da autorização, a da identidade e a da prestação decontas. (...) se é verdade que a autorização viarepresentação facilita o exercício da democracia emescala ampliada (...), é verdade também que a repre-

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sentação dificulta a solução das duas outras ques-tões: a da prestação de contas e a da representaçãode múltiplas identidades (SANTOS e AVRITZER,2003, p. 49).

Há um conflito pela partilha de poder e de legitimidadeentre formas democráticas participativas e representativas.Com a emergência de novos espaços políticos, velhas formasde fazer política parecem desestabilizadas, tornando-se neces-sário reformulá-las e reavaliá-las, pois não mais satisfazem àscondições trazidas pelos fóruns de participação.

Referindo-se a tal conflito, Santos e Avritzer (2003)destacam que

esse confronto, que decorre do fato de a democraciarepresentativa rejeitar a legitimidade da democra-cia participativa, só terá solução na medida em queessa recusa for substituída pelo delineamento deformas de complementaridade entre as duas formasde democracia que contribuam para oaprofundamento de ambas. Nesta complementaridadereside um dos caminhos da reinvenção da emancipa-ção social (SANTOS e AVRITZER, 2003, p. 32).

Pode-se dizer que também há uma rejeição da democra-cia representativa pela democracia participativa. Diante dessecenário, a construção da democracia, mais que um objetivo emsi, parece resumir-se a uma disputa de poder simbólico e realentre as diferentes práticas democráticas.

As formas mais diretas de democracia têm o importantee inegável papel de desestabilizar a distribuição de poder e deformar sujeitos políticos. Mas, quando se opta pela crençaexclusiva nos novos espaços democráticos, sem enfrentar ascríticas à representação, podem-se reproduzir, em escala redu-zida, as mesmas limitações criticadas. Pode-se também crista-lizar o distanciamento entre a vontade coletiva e a vontade dorepresentante (político profissional), pois este deixa de sofrerpressões e controle por parte dos representados, cuja atençãoestá voltada para múltiplos e microfóruns políticos. A ideia de

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esfera pública fica, portanto, abalada em seu pilar de sustenta-ção – espaço de debate de questões de interesse comum e dejustificação de decisões políticas.

Diante dessas considerações, entender que a democra-cia participativa pode prescindir da democracia representativano processo de construção democrática é correr o risco decontentar-se em construir a democracia possível perante asinúmeras dificuldades a serem enfrentadas; talvez até umademocracia “faz-de-conta”, que elimina o conflito e induz oconsenso ao concentrar iguais em vários espaços políticos, nosquais os interesses estão predefinidos e mais fáceis de seremequacionados. Abandona-se, assim, a ideia de esfera pública.

Outro perigo é que, ao descentralizar o poder simbóliconos diversos espaços de participação, retirando-o do Parla-mento, o poder real fique ainda mais concentrado no PoderExecutivo.

O desprezo pela democracia representativa e a apostaexclusiva na democracia participativa como possibilidade derealização democrática podem, enfim, significar o abandonoda utopia, capaz de desafiar e ameaçar a estrutura, e o confor-mismo com a realidade e com o que parece ser viável.

Por outro lado, aceitar a necessidade de complementaridadeentre a democracia representativa e a democracia participativa,mais do que a simples coexistência conflituosa entre elas, podeser a chance de alterar a relação de forças que confere ao campopolítico sua estrutura. Em vez de “legitimidades rivais”, tería-mos legitimidades complementares.

Portanto, a constante avaliação e o aprimoramento dasdiversas práticas democráticas, representativas ouparticipativas, mostram-se necessários para a efetiva constru-ção democrática. Nesse sentido, em vez de traduzir os avançosdemocráticos, como sugere Bobbio (2004), pela pergunta“onde se vota”7, deve-se analisá-los buscando respostas paraquestões como: “em que condição se vota”, “qual o peso dovoto” ou “qual o potencial de representação e de decisão dessevoto”. A dificuldade de responder a tais perguntas reside no

7 Bobbio (2004) des-taca que “se se de-seja apontar um in-dicador do desenvol-vimento democráti-co, este não podemais ser o númerode pessoas que têmo direito de votar,mas o número de lo-cais diferentes doslocais políticos, nosquais se exerce odireito de voto”(BOBBIO, 2004, p.68). Ao utilizar a ex-pressão “locais po-líticos”, provavel-mente, o autor pre-tendia referir-se aosespaços institu-cionalizados do exer-cício da política pro-fissional.

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fato de a resposta não ser contabilizável como no caso dasanteriores (“quem vota” e “onde se vota”). No entanto, semdúvida, a democracia já não pode ser avaliada em números,sendo imprescindível substituir a avaliação quantitativa poroutra capaz de considerar a qualidade.

O grande desafio para a democracia representativa, sobo risco de tornar-se obsoleta, estagnada e mera instânciaformal, é adaptar-se a essa nova realidade. Ao cidadão cabeentender o Parlamento como também um local de participaçãoe se apropriar efetivamente de tal espaço. De posse de novosinstrumentos políticos, mais informado e conhecedor de seusdireitos, situação propiciada pela participação, o cidadãopassaria a atuar ativamente, desconcentrando e, ao mesmotempo, controlando o poder dos profissionais do jogo político,exigindo transparência e publicidade sobre a atuação deles edesmantelando o poder oligárquico.

Segundo Fátima Anastasia (2002), o desafio é “trans-formar a democracia em um jogo iterativo, jogado em múlti-plas arenas, que constituem contextos decisórios contínuos”(ANASTASIA, 2002, p. 42).

Vislumbrar a encruzilhada como convergência de ca-minhos de onde se pode usufruir de alternativas múltiplas, enão como o momento de optar por um único caminho quediverge dos demais, talvez seja uma forma de assumir osdesafios e de resgatar a utopia.

Uma democracia radical: a busca da autonomia e asUma democracia radical: a busca da autonomia e asUma democracia radical: a busca da autonomia e asUma democracia radical: a busca da autonomia e asUma democracia radical: a busca da autonomia e asarmadilhas da heteronomiaarmadilhas da heteronomiaarmadilhas da heteronomiaarmadilhas da heteronomiaarmadilhas da heteronomia

Ao refletir sobre os desafios da construção democráticae sobre o impasse entre a representação e a participação,observa-se que é sobre as possibilidades e alternativas deefetivação da autonomia social que, na verdade, se discute.

Numa sintética diferenciação entre os termos autono-mia e heteronomia, Souza (2006b) esclarece que autonomiavem do grego autós, “o próprio”, mais nómos, que significa“lei” ou “convenção”. Ser autônomo significa dar-se a própria

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lei, em vez de recebê-la por imposição. “A autonomia é ocontrário de paternalismo, de tutela” (SOUZA, 2006b, p.69). A heteronomia instala-se quando as leis em que sebaseia a organização de uma sociedade não são deliberadas,de maneira lúcida, pelo conjunto de cidadãos, mas impos-tas. “A heteronomia é, sempre, alienação política de uma parteda população, consentida ou arrancada à força” (SOUZA,2006b, p. 70).

Marilena Chauí (2006) salienta que, “politicamente,autonomia significa simplesmente autogoverno” (CHAUÍ,2006, p. 305), reforçando a ligação indissociável do conceitocom a democracia.

A realização de uma democracia radical é, então, aconcretização dos ideais de autonomia, de liberdade e deemancipação social. Esse é o verdadeiro resgate da utopiademocrática. A construção democrática só chega ao fim (e é,então, infindável), quando alcançar tais valores, utópicos naprópria essência.

A ideia de liberdade foi discutida por Stuart Mill, noséculo XIX, associada à questão da liberdade civil ou social.Referia-se aos “limites do poder que pode ser legitimamenteexercido pela sociedade sobre o indivíduo” (MILL, 2006b, p.17). O pensador inglês ressaltou a necessidade de proteção doindivíduo contra a tirania da opinião da maioria e contra atendência da sociedade de impor suas ideias como modelos decomportamento para aqueles que delas divergiam. Afinal, “opovo que exerce o poder não é sempre o mesmo povo sobre oqual o poder é exercido; e o ‘autogoverno’ mencionado não éo governo de cada um por si, mas de cada um por todo o resto”(MILL, 2006b, p. 20). Cada indivíduo deveria buscar seupróprio bem da sua maneira, desde que não causasse privaçãoaos outros. Se a conduta de uma pessoa prejudicasse osinteresses de outra, a sociedade deveria discutir abertamentesobre a questão, de modo a decidir sobre sua interferência nabusca do bem-estar geral.

Para Mill, a construção de um Estado próspero ebenéfico para o bem comum e de uma sociedade justa tinha

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como base o respeito à liberdade de cada cidadão, de modo queesse pudesse usufruir de sua individualidade.

Cássio Hissa (2006) destaca:

A democracia de Stuart Mill, compreendida como osistema político referencial das liberdades, transferepara o indivíduo a maximização do desenvolvimentoda natureza humana: as liberdades individuais ne-cessitam, constantemente, de proteção contra a tira-nia dos paradigmas sociais predominantes. As mino-rias, caso contrário, sempre estariam à mercê dasforças sociais mais poderosas que, nem sempre,solicitam a liberdade como referência (HISSA, 2006,p. 140).

Marilena Chauí (2006) propõe considerar a liberdadepelo prisma da autonomia8, sendo essa definida como “acapacidade interna para dar-se a si mesmo sua própria lei ouregra e, nessa posição da lei-regra, pôr-se a si mesmo comosujeito” (CHAUÍ, 2006, p. 304). Ser sujeito social e político éser capaz de alterar o curso da história.

Sobre a criação histórica e a ligação entre política eautonomia, o pensamento de Cornelius Castoriadis é degrande relevância. Como destaca João Carlos Torres (1992),uma das contribuições fundamentais de Castoriadis é jus-tamente a ideia de que a história é construída pelas açõeshumanas, não se podendo, no entanto, creditar a criaçãohistórica a indivíduos ou a classes. Sua tese é de que há um“coletivo anônimo” que cria significações e instituições.A história, para Castoriadis, surge desse processo de produ-ção de significações ao longo do tempo (ação instituinte dosocial-histórico). Esse conjunto de significações, produto daação histórica, tenta estabelecer um controle do próprioevolver da história, ou seja, há “uma tensão entre a forçainstituinte do social-histórico9 e uma tentativa, por assimdizer, necessária de controle dessa produção de significa-ções, que é feita pelas instituições já existentes” (TORRES,1992, p. 59).

8 Marilena Chauí(2006) descarta aconcepção da liber-dade como escolhavoluntária, salientan-do que esta conduzao seu oposto, ouseja, à heteronomia,pois pressupõe aexistência do que vaiser escolhido, isto é,de opções previa-mente oferecidas àescolha.

9 “O social-históricoé o coletivo anôni-mo, o humano-im-pessoal que preen-

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Nesse sentido,

o autodesenvolvimento do imaginário radical comosociedade e como história – como o social-histórico –faz-se e só pode fazer-se em e pelas duas dimensões doinstituinte e do instituído. (...) a sociedade nunca podeescapar dela mesma. A sociedade instituída sempre étrabalhada pela sociedade instituinte; sob o imaginá-rio social estabelecido sempre corre o imaginárioradical (CASTORIADIS, 1992, p. 121 e 129).

A ideia de controle do processo de autoinstituição dasociedade associada à ideia de abertura da história ao futurodefinem, para Castoriadis, a necessidade e o aparecimento dopoder explícito10, que buscará decidir os cursos de ação aserem aceitos e estimulados e aqueles que precisam ser repri-midos. O poder explícito é o lugar do político. No entanto,antes do poder explícito e de qualquer dominação, “a institui-ção da sociedade exerce um infrapoder radical”(CASTORIADIS, 1992, p. 126). Como salienta Souza (2006b),o infrapoder, em Castoriadis, “se liga à força de inércia e àinfluência das significações imaginárias sociais11 que susten-tam a sociedade instituída” (SOUZA, 2006b, p. 71).

Para Castoriadis, a política12 não se reduz ao político.A política é uma maneira singular de resolver a questão dopolítico por meio de confronto de posições e interesses dife-renciados que conformarão futuros alternativos (TORRES,1992). A busca do futuro por meio da política remete à ideiade autonomia, enquanto o político – como poder explícito –,que não se define politicamente, conduz ao regime daheteronomia, pois significa que os padrões de comportamentoe as leis não serão construídos coletivamente, mas serãoimpostos.

A autonomia pressupõe, acima de tudo, uma consciênciade que a história é construída por ações humanas, umautorreconhecimento da sociedade como autora de suas normas.

A autonomia surge como germe assim que a interroga-ção explícita e ilimitada manifesta-se, incidindo não

che toda formaçãosocial dada, mastambém a engloba;que insere cada so-ciedade entre as ou-tras e as inscrevetodas numa conti-nuidade, onde deuma certa maneiraestão presentes osque não existemmais, os que estãoalhures e mesmo osque estão por nas-cer. É, por um lado,estruturas dadas,instituições e obras‘materializadas’, se-jam elas materiaisou não; e por outrolado, o que estrutu-ra, institui, materia-liza. Em uma pala-vra, é a união e atensão da socieda-de instituinte e dasociedade instituída,da história feita e dahistória se fazendo”(CASTORIADIS,1992, p. 131).10 Castoriadis escla-rece que o poder ex-plícito não é neces-sariamente o Esta-do. “Sociedades semEstado não são so-ciedades sem poder”(CASTORIADIS,1992, p. 132). O po-der explícito relacio-na-se com a elabo-ração e execuçãodas leis e com a ad-ministração dos ne-gócios coletivos,como ressalta Sou-za (2006b).

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sobre “fatos”, mas sobre as significações imagináriassociais e seu fundamento possível. Momento de criação,que inaugura não só outro tipo de sociedade, mastambém outro tipo de indivíduos. Eu falo exatamente degerme, pois a autonomia, tanto social como individual,é um projeto (CASTORIADIS, 1992, p. 139).

Quando Hannah Arendt ressalta que “é com palavras eatos que nos inserimos no mundo humano” (ARENDT,2007, p. 189), ela também confere à política uma dignidadee uma relevância extrema como atividade genuinamentehumana. A autora argumenta que agir, no sentido geral dotermo, é tomar iniciativa. Ser capaz de agir é ter capacidade derealizar o improvável. O discurso, por sua vez, diz respeito àrevelação da ação e à distinção, ou seja, mostrar-se singularentre iguais (ARENDT, 2007).

O projeto de autonomia visa, portanto,

à reabsorção do político, como poder explícito, napolítica, atividade lúcida e deliberada tendo porobjeto a instituição explícita da sociedade (por con-seguinte também, de todo poder explícito) e suaoperação como nomos, diké, télos – legislação,jurisdição, governo –, tendo em vista fins comuns eobras públicas que a sociedade se propôsdeliberadamente (CASTORIADIS, 1992, p. 149).

Se a política, como concebida por Castoriadis e HannahArendt, é condição para a construção da autonomia, ela étambém premissa da democracia. Não se trata, então, deenaltecer algumas práticas democráticas em detrimento deoutras, mas de avaliar se, nos ambientes tidos como demo-cráticos, a política tem encontrado espaço para se efetivar.A política, entretanto, precisa ser entendida como movimentoinstituinte, ou seja, como movimento de criação de significa-ções, e não como gestão administrativa ou como conflito jáinstituído.

Sendo assim, “a autonomia não exclui a representaçãonem a participação, mas redefine o sentido de ambas” (CHAUÍ,

11 Souza (2006b)destaca que as sig-nificações imaginá-rias sociais, concei-to central na obra deCastoriadis, são oque “confere senti-do ao mundo”; “osvalores societaisnucleares” (SOUZA,2006b, p. 71).12 Castroriadis(1992a) salienta que“a política, tal qual osgregos a criaram, foio questionamento ex-plícito da instituiçãoestabelecida da so-ciedade” (CASTO-RIADIS, 1982, p.135). A política surgequando uma relaçãoinédita, até então, écriada entre o insti-tuinte e o instituído.Assim, salienta o au-tor, “a criação pelosgregos da política eda filosofia é a pri-meira emergênciahistórica do projeto deautonomia coletiva eindividual” (CASTO-RIADIS, 1992, p.138).

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2006, p. 306), pois exige a transformação das instituiçõespolíticas.

Castoriadis (1992) ressalta que a possibilidade efetiva departicipação ativa na discussão, na elaboração e no funciona-mento das leis, ou seja, a radicalização da democracia é apossibilidade de realização da autonomia. Como enfatiza Souza(2006b), “o projeto de autonomia, tal como descortinado porCastoriadis, consiste em uma ‘refundação’ radical, por assimdizer, do projeto democrático” (SOUZA, 2006b, p. 106).

Torna-se, então, essencial a criação de instituições que,“interiorizadas pelo indivíduo, facilitem, ao máximo, seuacesso à sua autonomia individual e à sua possibilidade departicipação efetiva em todo poder explícito existente nasociedade” (CASTORIADIS, 1992, p. 148).

Mas, como salienta Castoriadis (1987), se “a história écriação de formas totais de vida humana” e a “sociedade éautocriação” (CASTORIADIS, 1987, p. 271), é preciso enten-der que escolha e julgamento são questões essenciais e queautonomia pressupõe atividade, participação lúcida e respon-sabilidade nas escolhas. Autonomia implica reciprocidade einterdependência, e não individualismo egoísta, pois “não háliberdade sem um movimento na direção do outro” (HISSA,2006, p. 144).

O desencanto com a esfera pública, a alienação sociale política e a crença no determinismo histórico, que caracteri-zam a sociedade brasileira, significam a heteronomia em suaversão extrema, o abandono completo do projeto de emanci-pação social.

A proliferação dos espaços públicos traduz a esperançainsistente na conquista da autonomia. A sua simples existência,porém, pouco representa, se não inaugurarem uma nova fase decriatividade política. Deve-se refletir se a institucionalização detais espaços garante sua permanência e amplia suas possibilida-des de atuação ou se essa institucionalização torna-se umaarmadilha que os enlaça na heteronomia, aniquilandogradativamente a busca de autonomia.

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Sendo impossível construir uma verdadeira democra-cia – que não se restrinja a um discurso ideológico13 – semvalorizar-se a política, já que essa é o caminho para a autono-mia, cabe indagar o quanto as instituições ditas democráticastêm adotado e valorizado a política, compreendida comomovimento instituinte. Questiona-se também o quanto oscidadãos estão dispostos a tomar as rédeas da história econsiderar a política como possibilidade transformadora, emvez de descartá-la por confundi-la com o político – poderexplícito.

Ao final, pode-se dizer que não há dúvidas quanto aocaráter permanente da construção da democracia. Se essaconstrução tem como pressuposto a busca de autonomia,exige-se dela um eterno refazer, um constante recriar, poisse traduz como a própria criação da história da humanidade.O desafio maior é acreditar permanentemente na possibilidadede realização do irrealizável e, assim, caminhar na sua direção.

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13 Marilena Chauí(2006) pondera que,“se uma das marcasda ideologia consis-te em substituir o dis-curso e a prática desujeitos determina-dos por discursos epráticas para taissujeitos, uma dasmarcas da ideologiaé a produção inces-sante da heterono-mia” (CHAUÍ, 2006,p. 305).

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Resumo: Analisa a relação entre informação e democracia noâmbito do Poder Legislativo estadual. Para tanto, explora osconceitos de assimetria informacional, accountability e com-petência informacional e apresenta um breve exame de ummecanismo de participação política instituído pela AssembleiaLegislativa de Minas Gerais denominado “semináriolegislativo”.

Palavras-chave: Informação. Democracia. Participação Po-lítica. Poder Legislativo.

Abstract: This paper analyses the relationship betweeninformation and democracy in Minas Gerais State Legislature(Brazil). For that, it explores the concepts of informationasymmetry, accountability and information literacy, examiningparticularly the mechanism of politics participation denominate“legislative seminary”.

Keywords: Information. Democracy. Politics Participation.Legislative Power.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

No Brasil, o fim do regime militar (1964-1985) propi-ciou condições favoráveis à restituição de garantias como o

INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERINFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERINFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERINFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERINFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERLEGISLALEGISLALEGISLALEGISLALEGISLATIVO: A DIMENSÃOTIVO: A DIMENSÃOTIVO: A DIMENSÃOTIVO: A DIMENSÃOTIVO: A DIMENSÃO

INFORMACIONAL DO PROCESSO DEINFORMACIONAL DO PROCESSO DEINFORMACIONAL DO PROCESSO DEINFORMACIONAL DO PROCESSO DEINFORMACIONAL DO PROCESSO DEPPPPPARARARARARTICIPTICIPTICIPTICIPTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

NILSON VIDAL PRANILSON VIDAL PRANILSON VIDAL PRANILSON VIDAL PRANILSON VIDAL PRATTTTTA*A*A*A*A*

* Mestre em Ciênciada Informação pelaUniversidade Fede-ral de Minas Geraise Analista Legisla-tivo da AssembleiaLegislativa do Esta-do de Minas Gerais.

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 29-58, jul./dez. 2009

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sufrágio universal, eleições livres e diretas em todos os níveisde governo, parlamento ativo, liberdade de imprensa, entreoutras. Entretanto, por mais que se tenha avançado na recons-trução das instituições democráticas, a democracia brasileiraé um fenômeno relativamente recente e encontra-se ainda emprocesso de consolidação e aperfeiçoamento. Nesse sentido,uma das características marcantes do processo deredemocratização do País, iniciado a partir da segunda metadeda década de 1980, é a paulatina ampliação das oportunidadesde participação política de grupos sociais até então excluídosdos processos decisórios de formulação de políticas públicas.

No campo normativo, a Constituição Federal de 1988estabeleceu um rol de garantias e direitos que têm potencial parapromover a expansão da participação dos cidadãos na tomada dedecisões acerca de temas públicos. Podem ser citados, porexemplo, mecanismos como o plebiscito e o referendo, osdireitos de associação e de acesso à informação, a possibilidadede iniciativa popular de projetos de leis, a participação dacomunidade na gestão das políticas de saúde, de atenção à criançae ao adolescente, de educação e cultura, entre outros. No campoprático, principalmente a partir da década de 1990, outrosmecanismos institucionais surgiram com o objetivo de propiciara participação da sociedade civil em determinados espaços dagestão pública. Talvez a iniciativa conhecida como OrçamentoParticipativo seja a face mais visível dessa inovação institucional;contudo, a criação de conselhos gestores de políticas, as consul-tas e as audiências públicas e os comitês de bacias hidrográficassão exemplos de diversas outras ações que buscam promover aparticipação democrática da cidadania organizada e o estabele-cimento de um novo modelo de relacionamento entre a socieda-de e os poderes estatais.

A ordem constitucional brasileira adotou o clássicomodelo tripartite de organização do Estado1, baseado no tripéformado pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,teoricamente independentes e harmônicos entre si. Mas, entreos três Poderes que compõem o Estado brasileiro, talveznenhum seja mais suscetível aos efeitos da opinião pública doque o Poder Legislativo. Muitas de suas posturas e ações são

1 O modelo detripartição de Pode-res foi proposto porMontesquieu, no sé-culo XVIII. Para maisdetalhes, ver Bobbio(1988).

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

condicionadas pelas preferências manifestadas pela sociedadeali representada. Essas preferências constituem valiosa – etalvez a principal – fonte informativa de subsídio à atuaçãoparlamentar, pois versam sobre os mais variados temas, refle-tindo a pluralidade de interesses e problemas que afetam a vidados cidadãos e sobre os quais os representantes devem decidirde forma justa e legítima. Além disso, certamente o Legislativo,como locus privilegiado de debate, é o Poder com maiorpotencial de abertura à participação política dos cidadãos.

Destarte, neste artigo procura-se analisar alguns aspec-tos da relação entre informação e democracia, desenvolvendouma reflexão que contribua, ainda que modestamente, para acompreensão da dimensão informacional que envolve o pro-cesso de participação política dos cidadãos e de outras institui-ções no âmbito do Poder Legislativo. Parte-se do pressupostode que um importante insumo para o desenvolvimento dasatividades de uma casa legislativa são as informações que ainstituição parlamentar recebe, busca ou capta junto à socieda-de que representa, as quais traduziriam uma parte significativadas demandas e preferências dos cidadãos. Em contrapartida,o Parlamento também seria, ele próprio, um fornecedor deinformações à sociedade, as quais traduziriam uma partesignificativa dos resultados institucionais da ação parlamen-tar. Acredita-se que esse fluxo informacional torna-se maisvisível quando são institucionalizados mecanismos deinterlocução entre o Legislativo e a sociedade. Por isso, como intuito de justapor teoria e prática, mais adiante será feitauma breve análise de um mecanismo de participação políticainstituído pela Assembleia Legislativa do Estado de MinasGerais (ALMG) denominado seminário legislativo. O obje-tivo é mostrar como a implementação, pela ALMG, de meca-nismos de incentivo à participação política tem o potencial deestimular a circulação de informações entre os atores envolvi-dos, gerando um fluxo que pode reduzir o grau de assimetriainformacional e ampliar o nível de accountability da ordemdemocrática, desde que os cidadãos participantes tenhamcompetência informacional para lidar com temas públicoscomplexos.

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Aspectos conceituais da relação entre informação eAspectos conceituais da relação entre informação eAspectos conceituais da relação entre informação eAspectos conceituais da relação entre informação eAspectos conceituais da relação entre informação eparticipação políticaparticipação políticaparticipação políticaparticipação políticaparticipação política

Certamente, a participação política das pessoas depen-de de vários fatores, dentre os quais se destacam questõesrelacionadas às condições econômicas e sociais dos cidadãos,ao seu interesse pelas causas coletivas, à sua saúde, à educa-ção, ao tempo de que dispõem para participar e à liberdade deassociação e organização. É possível inferir, no entanto, que ainformação também é um importante fator, pois é portadora deum potencial estratégico que reside na possibilidade de suautilização como recurso político. Neste trabalho, alguns con-ceitos são fundamentais para a compreensão dos limites e daspossibilidades de influência da informação no campo político,especialmente como recurso mediador da relação entre governos ecidadãos. Esses conceitos são constituídos pela noção de assimetriainformacional, pela relação entre informação e accountability epela ideia de competência informacional. Nas próximas seções,tenta-se defini-los e também compreender a importância delespara a reflexão acerca do relacionamento entre Estado esociedade em regimes democráticos.

Assimetria informacionalAssimetria informacionalAssimetria informacionalAssimetria informacionalAssimetria informacional

A palavra assimetria significa falta de correspondência,em grandeza, forma ou posição relativa, de partes que estão emlados opostos de uma linha ou que estão distribuídas em tornode um centro ou eixo. Em um sentido mais filosófico, indicadesarmonia, desigualdade em uma relação, distribuição desi-gual de um recurso qualquer.

No âmbito deste trabalho, o conceito de assimetriainformacional pode ser definido de forma bastante simples,indicando a desigualdade de condições para acesso à informa-ção de natureza política. Refere-se a situações, reais ou poten-ciais, em que determinados indivíduos, grupos ou instituiçõesdetêm condições privilegiadas de acesso a informações relati-vas a questões que, pela importância delas, influenciam dire-tamente no processo decisório de formulação de políticaspúblicas.

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

Nessa acepção, a assimetria informacional pode seranalisada sob dois enfoques distintos: um refere-se ao rela-cionamento dos cidadãos ou grupos sociais entre si na compe-tição por meios de influência na agenda política; o outro dizrespeito à relação entre Estado e sociedade.

Para compreender o primeiro enfoque – relacionamen-to dos cidadãos entre si – é preciso lembrar que, conformemencionado, a informação pode ser usada como um recursopolítico. No entanto, tal uso tende a se dar de forma assimétricaentre os diversos segmentos sociais, à medida que o discursopolítico – e, portanto, a informação dele decorrente – tem sidotradicionalmente dominado pelas elites ou por grupos maisfavorecidos da sociedade. Isso ocorre em função da desigualdistribuição de recursos, oportunidades e capacidades entre oscidadãos, os quais necessitam

... de informações políticas diversas, em níveis distin-tos, desde as mais técnicas, com explicações prove-nientes do sistema de especialistas, até as aborda-gens mais simples. Uma vez que as pessoas estãoassociadas à política através de diferentesbackgrounds, interesses e habilidades cognitivas,não há como prescrever um modelo único de infor-mação politicamente relevante, nem um mesmo pa-drão de excelência.2

Nesse sentido, uma outra consideração de RousileyMaia merece destaque, pois a autora acredita que um fórumpúblico de discussão, produção e troca de informações deverefletir essa diversidade política e cultural da sociedade eproporcionar um balanço justo de oportunidades para que asvozes que se levantam durante os processos de deliberaçãopública possam ser ouvidas e consideradas. Se a informação ésuficientemente ampla, então os cidadãos podem estar emmelhores condições para decidir sobre as políticas de suapreferência. “Mas, se a informação é controlada, imprecisa ouinconsistente, então o debate pode ser manipulado e as alter-nativas se estreitam através da desinformação”.3

2 MAIA, 2002. p. 59.

3 MAIA, 2002. p. 51.

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Assim, um sistema público de informação, em vez desegregar pela especialização e pelo uso da linguagem técnica,deveria antes primar pela aproximação e interação dos cida-dãos entre si. Para permitir melhores possibilidades deengajamento no debate político de atores sociais que seencontram em situação de dessemelhança, torna-se necessáriaa oferta de conteúdos informacionais variados, que contem-plem a diversidade cognitiva e de interesses dos atores emquestão.

Certamente, é difícil estabelecer a relação exata entre aassimetria informacional que caracteriza o relacionamentoentre os diversos segmentos sociais e o crescente processo dedespolitização dos cidadãos comuns. Parece certo, porém,que, excluída da prática democrática de discussão pública,uma grande parcela da população não desenvolve interessepela informação política. Por outro lado, parece razoávelesperar que o acesso a fontes de informação dessa naturezacontribua para a redução dos níveis de alienação ou de apatiaem relação a assuntos que dizem respeito à construção dopresente da sociedade e à definição de perspectivas para ofuturo dela.

Ainda no que se refere a esse primeiro enfoque daassimetria informacional (relação cidadão-cidadão), é razo-ável argumentar que um maior acesso à informação política,mesmo que não possa ser direto e imediatamente associadoà redução das desigualdades na distribuição de recursosmateriais, certamente tenderá a reduzir as desigualdadespolíticas em favor daqueles que se encontram em situaçõesmenos favoráveis, propiciando-lhes melhores condições paraparticipar do debate democrático.

No que concerne ao segundo enfoque da desigualdadede acesso à informação política, pode-se facilmente constatarque a relação entre Estado e cidadãos é caracterizada, a priori,por um elevado grau de assimetria informacional, tanto emtermos quantitativos quanto qualitativos, a favor do primeiro.Ainda que em certos momentos o Estado se veja em situaçãode desvantagem informacional em relação a determinados

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atores sociais, como os detentores de conhecimentos técnicosou acadêmicos, em relação à sociedade como um todo oaparelho estatal encontra-se em situação privilegiada de aces-so e controle de fontes informativas. Tal fato gera risco para asociedade, pois pode contribuir para que informações desfa-voráveis ao governo sejam “escondidas” da população. Alémdisso, conforme ressalta Przeworski, “desde que os governossabem o que os eleitores não sabem, eles dispõem de umaenorme janela para fazer coisas que eles, e não os eleitores,querem”.4 Há, pois, o risco de que, por deter o controle dainformação pública, os governantes decidam unilateralmenteo que os cidadãos podem saber, ou escolham quais cidadãosdevem saber, ou ainda optem por uma combinação de ambasas alternativas. Por outro lado, se os cidadãos dispõem depouca informação, eles podem preferir deixar o governo agircom amplo grau de discricionariedade (e, portanto, sem muitocontrole). Tudo isso resulta num ciclo que termina porrealimentar e ampliar a aludida assimetria informacional.

Certamente, a assimetria informacional existente entreEstado e sociedade tem um componente estrutural, pois gover-nar requer a montagem de uma máquina administrativa capaz delidar com conhecimentos especializados que muitas vezes nãointeressam ou não são facilmente compreendidos pelo cidadãocomum. Mas isso não significa que os governos podem seeximir da responsabilidade e do dever de manter a populaçãoinformada sobre as ações governamentais e sobre os resultadosdelas decorrentes. Pelo contrário, numa democracia é de funda-mental importância que os cidadãos tenham oportunidades deacesso a conteúdos informacionais que lhes permitam compreen-der os complexos temas públicos, incluindo as leis que osregulamentam. A divulgação insuficiente de informações (ousua não divulgação) constitui um obstáculo tanto para que oscidadãos sinalizem suas necessidades e preferências aosgovernantes quanto para o acompanhamento do desempenhodestes. A informação a que a sociedade deve ter acesso não podeser sinônimo da informação à qual o governo permite o acesso.Colocar essa informação à disposição da sociedade constituiuma das tarefas dos governos e também das instituições empe-

4 PRZEWORSKI,1998. p. 12.

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nhadas na promoção da cidadania. Conforme será demonstradoa seguir, a variação nos níveis de quantidade e de qualidade dainformação produzida e divulgada pelos Poderes constituídosexercerá influência direta na efetividade dos mecanismos deaccountability da ordem democrática.

AccountabilityAccountabilityAccountabilityAccountabilityAccountability e informação e informação e informação e informação e informação

Accountability é um termo que, numa definição bastan-te simplificada, diz respeito ao controle dos atos e ações depolíticos pelos cidadãos. Trata-se de uma espécie de “presta-ção de contas” dos governantes e representantes à sociedade,que, por sua própria natureza, constitui um atributo das demo-cracias modernas, muito embora nem todos os regimes que seconsideram democráticos possam ser consideradosaccountable.

O’Donnell elabora uma interessante reflexão sobre otema, estabelecendo uma clara distinção entre o que chama deaccountability vertical e accountability horizontal. Para oautor, a accountability vertical refere-se à relação entre oscidadãos e os ocupantes de cargos públicos. Assim,

eleições, reivindicações sociais que possam ser nor-malmente proferidas, sem que se corra o risco decoerção, e cobertura regular pela mídia ao menosdas mais visíveis dessas reivindicações e de atossupostamente ilícitos de autoridades públicas sãodimensões do que chamo de ‘accountability verti-cal’. São ações realizadas, individualmente ou poralgum tipo de ação organizada e/ou coletiva, comreferência àqueles que ocupam posições em institui-ções do Estado, eleitos ou não.5

Já a accountability horizontal diz respeito ao controlemútuo entre órgãos e Poderes do Estado, ou seja, constitui todoum aparato de “freios e contrapesos” (do Inglês, checks andbalances) e está relacionada à

... existência de agências estatais que têm o direito e opoder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas

5 O’DONNELL,1998. p. 28.

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para realizar ações, que vão desde a supervisão derotinas a sanções legais ou até o impeachment contraações ou omissões de outros agentes ou agências doEstado que possam ser qualificadas como delituosas.6

Em razão dos propósitos deste artigo, há aqui um maiorinteresse em discutir a dimensão da accountability vertical,muito embora se reconheça que ambas as dimensões relacio-nam-se entre si, à medida que a ação organizada, determinadae persistente dos cidadãos que exercem a accountabilityvertical, certamente pode reforçar a efetividade dos mecanis-mos da accountability horizontal, por meio da criação deagências de fiscalização e controle ou do aperfeiçoamento daatuação das agências existentes.

A literatura sobre o tema é praticamente unânime aoconsiderar as eleições como um mecanismo clássico deaccountability, desde que sejam razoavelmente livres e justas,pois se alega que, por meio do voto, os cidadãos podempremiar ou punir os políticos, com base em informaçõesrelativas ao desempenho passado dos candidatos. Assim, atese central é a de que, se os eleitores não ficarem satisfeitoscom o desempenho do governo e de seus representantes,poderão votar em outros candidatos nas eleições seguintes,promovendo a renovação dos postos de poder político pormeio da troca de seus ocupantes.

Por outro lado, também é possível identificar um rela-tivo consenso entre os teóricos do assunto no sentido de quesomente as eleições não constituem mecanismo suficientepara uma accountability efetiva. Conforme ressalta Przeworski,“... a influência que os cidadãos exercem através das eleiçõespode ser apenas a de menor importância prática se comparadaa inúmeros outros instrumentos”.7 Para o autor, por meio dovoto os eleitores concedem aos eleitos autorização para gover-nar, mas as eleições, por si só, são um instrumento poucoefetivo de controle popular sobre os representantes. Na mesmalinha, Fátima Anastasia argumenta que

os cidadãos delegam aos representantes, seus agen-tes, através do processo eleitoral, autoridade para

6 O’DONNELL,1998. p. 40.

7 PRZEWORSKI,1998. p. 16.

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agir em seu nome ou em seu interesse, mas dispõemde poucos instrumentos de sinalização de suas pre-ferências, bem como de informação, controle e fisca-lização das ações dos agentes.8

Mas por que as eleições, apesar de importantes, sãoinsuficientes como instrumento de accountability? Por diver-sos motivos, que vão desde a não garantia de que as preferên-cias dos eleitores sejam implementadas pelos eleitos durante omandato até o fato de constituírem um mecanismo de avalia-ção retrospectiva que toma por base um período de temporelativamente extenso.

Em razão dos objetivos deste trabalho, é importanteressaltar, ainda, alguns aspectos ligados à questão informacionalque permeia os processos eleitorais, especialmente no âmbitoda democracia brasileira. Um primeiro ponto que chama aatenção diz respeito à alegada “falta de memória” do eleitorbrasileiro, que frequentemente não se lembra dos nomes doscandidatos em quem votou. Isso leva ao segundo aspecto quemerece destaque: ora, se o eleitor brasileiro não retém facil-mente uma informação tão básica, é difícil acreditar que sepreocupe em obter informações para o acompanhamento dosmandatos de seus governantes e representantes, de modo a,com base nelas, recompensá-los ou puni-los na eleiçãosubsequente. Parece faltarem, pois, a grande parte dos cida-dãos brasileiros informações básicas para o efetivo exercíciode sua cidadania política. Se as eleições neste país têm promo-vido taxas relativamente altas de renovação dos ocupantes dospostos de poder, há razões para acreditar que isso decorremenos do controle da população sobre os políticos, e mais dafalta desse controle e de informação (ausência deaccountability): o eleitor mediano vota em quem aparece, porrazões que englobam desde motivações individualistas atéconvicções religiosas, sem se preocupar, na maioria das vezes,em obter – ou sem ter meios de acesso a – informações quetalvez lhe permitissem fazer escolhas mais conscientes.

Por causa da aludida insuficiência dos mecanismoseleitorais como meio de controle da população sobre as ações

8 ANASTASIA,2001. p. 54.

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de governos e representantes, torna-se evidente a importânciada existência de outros mecanismos que ampliem o grau departicipação política dos cidadãos brasileiros e lhes permitamacompanhar, fiscalizar ou controlar o desempenho dos políti-cos nos interstícios eleitorais. Certamente, a possibilidade departicipação política dos cidadãos está ligada, de algumaforma, à disponibilidade de informações. Em outras palavras,parece claro que a efetividade de tais mecanismos dependeráem grande parte da quantidade e da qualidade da informaçãodisponível à sociedade.

No entanto, não se pode esquecer de que a disponi-bilidade de informações é apenas um dos lados da questão.A consolidação da democracia depende também do efetivoacesso e uso dessas informações por parte dos cidadãos. Odesenvolvimento e o estabelecimento de uma política dedivulgação constante de informações por parte das institui-ções do Estado, ainda que atendam a preceitos legais epossam ser considerados uma atitude louvável do poderpúblico, pouco contribuirão para o aumento dos níveis deaccountability da ordem democrática se a sociedade não forformada por cidadãos capazes de compreender e efetiva-mente usar essas informações para controlar seusgovernantes e representantes, no sentido de fazer com queas ações destes se aproximem das preferências e expectati-vas daqueles. A próxima seção abordará especificamente anecessidade de desenvolvimento dessa “competênciainformacional”.

Competência informacional e participação políticaCompetência informacional e participação políticaCompetência informacional e participação políticaCompetência informacional e participação políticaCompetência informacional e participação política

A noção de “competência informacional” é derivada daexpressão inglesa information literacy e designa o conjunto dehabilidades necessárias para interagir com a informação, sejano espaço acadêmico, no trabalho, nas questões particulares,constituindo-se, também, em capacidade-chave no processode participação política. Em outras palavras, a competênciainformacional representa a habilidade em reconhecer quandoexiste uma necessidade de informação e a capacidade deidentificar, recuperar, avaliar e usar eficazmente essa informa-

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ção para a resolução de um problema ou para a tomada de umadecisão.

No campo das preocupações presentes neste artigo,pressupõe-se que cidadãos participativos têm competênciainformacional, pois compreendem a necessidade de acesso ainformações públicas de qualidade para o entendimento e otratamento de problemas e questões inerentes às suas própriasvidas, à comunidade e à sociedade em que vivem. Além disso,esses cidadãos estão mais atentos e preparados para fazer comque essa mesma sociedade acompanhe a atuação de seusrepresentantes e governantes e perceba a importância da suaparticipação em todas as arenas onde se desenrola o jogodemocrático.

Em linhas gerais, pode-se considerar que é a participa-ção na vida social e política que confere ao indivíduo o statusde cidadão. Deve-se deixar claro, pois, que a informação é umdos direitos básicos dos cidadãos e, ao mesmo tempo, umrequisito essencial para a existência de uma cidadaniaparticipativa. É por meio do acesso a informações que ocidadão tem condições de conhecer e cumprir seus deveres,bem como de entender e reivindicar seus direitos junto àsinstituições, que, em tese, deveriam assegurá-los. A falta deinformação, além de prejudicar o exercício de deveres edireitos, pode se constituir também numa barreira para que osindivíduos contribuam, participem e ocupem o espaço deles nasociedade, assim como pode impedi-los de acompanhar, ava-liar e questionar as ações do Estado.

Mas não é somente a falta ou a insuficiência de infor-mação que pode ameaçar o exercício da cidadania. Issoporque, hoje, os cidadãos se veem com frequência diante deum paradoxo caracterizado pela dificuldade de obtenção deinformações em meio à abundância delas. O “dilúvioinformacional”9 que caracteriza a sociedade atual tambémpode criar obstáculos para o acesso a conteúdos relevantespara resposta a uma determinada questão, seja ela referente aosdireitos, aos deveres ou às formas de participação do cidadãonos mecanismos de controle do Estado. Esse contexto, além de

9 A expressão “dilú-vio informacional” foiemprestada deLÉVY, 1999.

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tornar mais complexo o exercício da cidadania, ao mesmotempo evidencia a importância do desenvolvimento de compe-tências relacionadas ao acesso e ao uso de informações.

O cidadão necessita, então, de preparo para exercer odireito de acesso à informação governamental, seja num contex-to de escassez ou de abundância de informações. O desenvolvi-mento de competências para que as pessoas tenham capacidadede buscar, recuperar e filtrar as informações (ou de exigir oacesso a elas), promovendo sua apropriação crítica, é um dosfatores primordiais para que possam usá-las como elemento deemancipação individual. Mas também é essencial para a forma-ção de cidadãos esclarecidos e atuantes, que buscam na partici-pação política, por meio do acompanhamento e controle degovernantes e representantes, uma forma de interferir na cons-trução do presente e do futuro da sociedade. Em outras palavras,cidadãos participativos devem ter motivação, interesse e dispo-nibilidade suficientes para a busca ou obtenção de informaçõesque lhes permitam formular opiniões bem fundamentadas acer-ca de temas públicos complexos. Além disso, eles devem sercapazes de decifrar, compreender e assimilar a carga informa-tiva resultante da competição de discursos no processo político,de forma a modificar ou a complementar, se necessário, sua baseinformativa inicial. O resultado esperado desse processo é aconsolidação da democracia.

Compreender o papel desempenhado pela informaçãodiante dos problemas e das questões apresentados até aqui exigeanálises a partir de arranjos participativos concretos. No Brasil,experiências de combinação entre elementos da democraciarepresentativa e da democracia participativa já foram relativa-mente bem estudadas no âmbito do Poder Executivo.10 Porisso, neste trabalho optou-se por analisar uma experiência noâmbito do Poder Legislativo, constituída pelo desenvolvimen-to, por parte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, demecanismos de interlocução com a sociedade.

PPPPPARTICIPAÇÃOARTICIPAÇÃOARTICIPAÇÃOARTICIPAÇÃOARTICIPAÇÃO P P P P POLÍTICAOLÍTICAOLÍTICAOLÍTICAOLÍTICA NANANANANA A A A A ASSEMBLEIASSEMBLEIASSEMBLEIASSEMBLEIASSEMBLEIA DEDEDEDEDE M M M M MINASINASINASINASINAS

Pelo que foi exposto nas seções precedentes, em regimesdemocráticos pode – e deve – existir uma relação de

10 Ver, por exemplo,W A M P L E R ;AVRITZER, 2004, etambém VITALE,2004.

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complementaridade entre os institutos da representação e aparticipação política dos cidadãos. Uma das formas de estimulare consolidar a criação de espaços para tanto é a adoção demecanismos que visem promover a participação da sociedadecivil nas arenas decisórias estatais. Ao institucionalizar canaisque propiciem a aproximação e uma maior interação com asociedade, o Estado cria o estabelecimento de um fluxo comu-nicativo que pode oferecer uma dupla contribuição ao processode consolidação democrática ao, por um lado, colaborar para aredução dos níveis de apatia política e, por outro, estimular odesenvolvimento de mecanismos de accountability para elevaro grau de transparência e de legitimidade das ações estatais.

Sob o ponto de vista prevalecente neste trabalho, oPoder Legislativo constitui um espaço privilegiado de aproxi-mação e de interação com a esfera pública, exatamente por ser,entre os três Poderes estatais, o mais aberto, devendo, pois,atuar como um intermediador entre os interesses da coletivida-de e as possibilidades de ação do Estado.

Nesse sentido, a Assembleia Legislativa de MinasGerais já há algum tempo (mais especificamente no final dadécada de 1980 e no início da de 1990) percebeu a necessidadede implementar formas de ampliar a interação e a interlocuçãocom a sociedade civil ali representada. Além de criar oportu-nidades para a atuação dos diversos segmentos sociais junto aoParlamento mineiro, esses novos institutos têm potencial parapropiciar ganhos de informação aos principais atores envolvi-dos no debate: os cidadãos, que passam a contar com meca-nismos de intervenção direta no processo legislativo, e oslegisladores, que passam a estar mais bem informados sobreas preferências daqueles que representam. Esse processo,baseado em fluxos informacionais, tem o potencial de contri-buir para a ampliação dos graus de controle e responsabilização(accountability) e de responsividade do Legislativo perante asociedade.11

Entre as várias modalidades de participação desenvol-vidas pela ALMG, a conhecida como “seminário legislativo”constitui atualmente a principal e mais completa forma de

11 Ver ANASTASIA,2001.

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

interlocução entre a instituição e a sociedade. Os seminárioslegislativos são eventos de grande porte, que têm por objetivoaprofundar, por meio de discussões entre as diversas correntesde opinião existentes na sociedade, a reflexão sobre grandestemas de interesse da população. A realização deles tem comopremissa fundamental a geração, a partir das discussões entreos participantes, de um documento de subsídio à atividadeparlamentar e legislativa. Nesse sentido, “... nada mais são doque a construção de uma agenda, uma pauta de soluções epropostas para determinados problemas do Estado, elaboradaa partir de ampla e profunda discussão com os setores dasociedade civil organizada ligados àquele tema”.12 O intuitodesse processo é fazer com que a participação dos cidadãosforneça ao Parlamento subsídios para a ação parlamentar e, senecessário, para a criação de leis e políticas potencialmentemais justas e mais propensas a alcançar os objetivos a que sepropõem.

Seminários legislativos e informaçãoSeminários legislativos e informaçãoSeminários legislativos e informaçãoSeminários legislativos e informaçãoSeminários legislativos e informação

Do ponto de vista empírico, pode-se afirmar que, du-rante a realização de um seminário legislativo, estabelece-seum fluxo informacional entre a ALMG e o conjunto dossegmentos da sociedade que se dispõem a participar dosdebates. Isso porque os seminários legislativos não sãopropriamente eventos dos deputados mineiros. A realizaçãodeles é intermediada pela Assembleia Legislativa, mas oscidadãos e as entidades civis e públicas participantes exercempapéis fundamentais em todas as fases do evento, quais sejam:a) proposição; b) etapa preparatória; c) reuniões das Comis-sões Técnicas Interinstitucionais (CTIs); d) encontros regio-nais ou etapa de interiorização; e) reuniões plenárias parciais;f) reuniões dos grupos de trabalho na etapa final; g) plenáriafinal; e h) implementação das propostas aprovadas. Em razãodas limitações de espaço, neste artigo serão enfatizadas, aseguir, apenas as principais considerações acerca da relaçãoentre informação e participação política no âmbito de cadauma das fases desse mecanismo de interlocução entre oParlamento mineiro e a sociedade. Em outro trabalho13, este

12 COSTA, 2005. p.61.

13 PRATA, 2007.

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autor desenvolve uma análise aprofundada dos fluxos e con-teúdos informacionais produzidos durante cada etapa de umseminário legislativo promovido pela ALMG.

Proposição do eventoProposição do eventoProposição do eventoProposição do eventoProposição do evento

Em relação à proposição de um seminário legislativo,apesar de competir à Mesa da Assembleia a prerrogativapolítica de aprovar ou não a realização do evento, a escolha dotema a ser debatido normalmente envolve a participação diretaou indireta da sociedade. No primeiro caso, existe a possibili-dade de instituições sociais solicitarem ou proporem direta-mente aos deputados ou às comissões da ALMG a realizaçãode um seminário legislativo. No segundo caso, são os própriosparlamentares que apresentam requerimentos à Mesa solici-tando a realização de um seminário legislativo sobre determi-nado tema.

Em ambos os casos, a informação que traduz a demandasocial é a base para a proposição do evento, pois, se, por umlado, a cidadania organizada informa diretamente ao Parla-mento sobre os temas que gostaria de discutir, por outro lado,a apresentação de requerimentos por parte dos deputados,ainda que constitua um ato político, dificilmente estarádesvinculada do clamor da sociedade ou de algum de seussegmentos, mesmo que esse clamor seja um fenômeno disper-so. Isso porque, conforme mencionado alhures, em um semi-nário legislativo são debatidos temas de alta relevância social.

Destarte, parece claro que a ALMG, além de receberou captar informações junto à sociedade para subsidiar aação parlamentar, também procura interpretar essas informa-ções, de modo a escolher o caminho que julga mais propícioà ação. E o caminho adotado, no caso dos seminárioslegislativos, é o do aprofundamento do debate, trazendo paraa organização legislativa as diversas correntes de pensamen-to existentes na sociedade, ainda que contraditórias. O resul-tado esperado do debate entre essas correntes de pensamentoé exatamente o incremento dos níveis de informação que oParlamento mineiro tem em relação às preferências da soci-

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

edade sobre o tema a ser debatido, sendo que, ao final doevento, muitas dessas informações, possivelmenteenriquecidas pela diversidade de opiniões, constituirão abase para a elaboração de um documento de subsídio àatividade parlamentar.

Etapa preparatóriaEtapa preparatóriaEtapa preparatóriaEtapa preparatóriaEtapa preparatória

Escolhido o tema do seminário e autorizada a suarealização, a etapa seguinte é preparatória para o eventopropriamente dito. O primeiro passo dessa etapa é a realizaçãode uma reunião entre parlamentares que solicitaram o evento(outros deputados, caso queiram, também podem participar) etécnicos do Legislativo para definições preliminares acerca doplanejamento e dos objetivos do seminário e das possíveisinstituições da sociedade que apoiarão sua realização. Esse éum ponto crucial, pois a escolha das entidades apoiadorasconstitui um momento intimamente relacionado a, pelo me-nos, uma questão informacional importante.

Uma vez que os seminários legislativos são eventostematicamente orientados, a Assembleia Legislativa deve teros meios de acesso a informações sobre as entidades que atuamou mantêm interesses naquela área temática, bem como emáreas afins ou correlatas. Por meio do acesso a essas informa-ções, será possível ao Parlamento mineiro selecionar e convi-dar instituições que possam oferecer uma contribuição efetivaà formatação do evento e, posteriormente, ao debate propria-mente dito. Com efeito, o acesso ampliado a informações quesubsidiem o processo de identificação e seleção das entidadesapoiadoras é de fundamental importância pois, se, por umlado, é improvável que um grande número de cidadãos procurese informar adequadamente sobre um tema público complexo,de modo a tornar a participação mais esclarecida, por outro,seria interessante que as entidades selecionadas para apoiar oevento pudessem ser aquelas que, em razão de sua atuação eem comparação com os cidadãos comuns, têm um maior e maisqualificado estoque de informações sobre o tema que seráobjeto de debate.

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Comissões Técnicas InterinstitucionaisComissões Técnicas InterinstitucionaisComissões Técnicas InterinstitucionaisComissões Técnicas InterinstitucionaisComissões Técnicas Interinstitucionais

Na etapa seguinte são formadas as Comissões TécnicasInterinstitucionais (CTIs), de acordo com os temas e respecti-vos subtemas do evento. Para cada tema é criada uma CTI,composta de especialistas indicados pelas instituições queapoiam a organização e a realização do seminário legislativo.A principal função de cada CTI é discutir e desenvolver o temaou o agrupamento de subtemas sob sua responsabilidade,elaborando um relatório com propostas relativas a essessubtemas que constituirão o ponto de partida para as discus-sões nas etapas subsequentes (interiorização e grupos detrabalho da etapa final).

As reuniões das Comissões Técnicas Interinstitucionaispodem ser consideradas o primeiro grande momento de com-petição de discursos de um seminário legislativo. Isso porqueos componentes de cada CTI passam a contar, nessas reuniões,com a possibilidade de manifestação mais explícita das prefe-rências dos setores a que estão vinculados. Tal competiçãopotencializa o fluxo de informações entre os participantes, quepodem se ver diante de argumentos favoráveis ou contráriosaos interesses que defendem, ou até mesmo diante de novosargumentos até então imprevistos ou inesperados. O regula-mento dos seminários legislativos também permite que, nafase de elaboração dos respectivos relatórios, as CTIs convi-dem outras pessoas de outras instituições ou da própria ALMGpara colaborar com os trabalhos, o que possibilita a inclusão denovas informações no debate.

Em resumo, o principal objetivo dessa fase é a geraçãodos relatórios com as propostas de cada CTI, os quais consti-tuem um produto informacional extremamente importantepara a continuidade da discussão nas etapas subsequentes doseminário legislativo.

Encontros regionaisEncontros regionaisEncontros regionaisEncontros regionaisEncontros regionais

A próxima fase, também conhecida como “etapa deinteriorização” do seminário legislativo, é constituída pelos en-contros regionais realizados em cidades-polo de Minas Gerais e

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

tem por objetivo facilitar e ampliar a participação da sociedade dointerior do Estado na discussão dos temas propostos.

A etapa de interiorização pode ser considerada comoo primeiro momento do seminário legislativo que permiteuma participação ampliada dos cidadãos que desejam apre-sentar demandas relativas ao tema do evento. Esses encon-tros regionais têm dinâmica própria, que, para evitardetalhamentos aqui desnecessários, pode ser reduzida a duasfases principais: a) as exposições e palestras de autoridades eespecialistas; e b) a realização de debates nos grupos detrabalho e na plenária final do encontro.

Na primeira dessas fases, deputados e autoridades daregião em que se realiza o encontro têm a oportunidade de falarpara o público presente. Aos parlamentares geralmente cabe acoordenação do encontro regional e a apresentação dos obje-tivos e da dinâmica do seminário; as autoridades locais nor-malmente apresentam relatos breves sobre a situação da regiãoem relação aos problemas debatidos, bem como sobre as açõesque têm desenvolvido na área. É interessante notar, nesseponto, que os encontros regionais, apesar de serem promovi-dos pela Assembleia, beneficiam também muitos prefeitos evereadores da região onde são realizados, os quais têm aoportunidade de falar e de ouvir a população local. Quando taloportunidade ultrapassa o mero jogo de cena político, existe apossibilidade concreta de haver uma troca de informaçõesentre os políticos e a população da região. Além disso, aindana primeira fase de cada encontro regional, especialistas –geralmente técnicos do governo estadual ou pesquisadoresacadêmicos – são convidados a proferir palestras sobre temaspertinentes ao evento, apresentando aos participantes infor-mações que, em seu conjunto, auxiliam na definição de umdiagnóstico sobre os assuntos debatidos. Como os palestrantessão especialistas, é razoável supor que, em condições ideais,as informações apresentadas em suas exposições, aliadasàquelas apresentadas pelas autoridades presentes, tenham opotencial de contribuir para a redução da assimetriainformacional e para o incremento dos níveis de accountabilitydos cidadãos em relação às ações estatais naquela área.

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A segunda fase da interiorização corresponde aos deba-tes realizados no âmbito dos grupos de trabalho e da plenáriafinal do encontro regional. Nessas oportunidades, os partici-pantes discutem e votam um documento-base, elaborado apartir dos relatórios produzidos pelas CTIs na etapa anterior,os quais são enriquecidos com novas sugestões, gerando umnovo relatório de propostas. Tal fato demonstra o potencial dosencontros regionais para o incremento dos níveis de informa-ção que subsidiarão a etapa final do seminário. Isso porque sãoessas propostas que constituirão a base para as discussões dafase de encerramento do evento, em Belo Horizonte, e para aredação do que pode ser considerado a principal fonte deinformação decorrente do seminário: o documento final, queservirá para orientar ações legislativas e executivas na área queconstituiu o objeto dos debates. Vale destacar ainda que,conforme o regulamento do evento, em cada reunião deinteriorização são eleitos representantes regionais, que terãodireito a voz e a voto na etapa final do seminário legislativo.

Etapa finalEtapa finalEtapa finalEtapa finalEtapa final

A etapa final de um seminário legislativo geralmenteabrange um período de três dias, é realizada na sede da ALMGe tem a seguinte dinâmica: os dois primeiros dias são dedica-dos à realização das reuniões plenárias parciais, pela manhã;e às reuniões dos grupos de trabalho, à tarde; no último dia,pela manhã, realiza-se a reunião plenária final do evento.

As reuniões plenárias parciais são caracterizadas porapresentações e palestras sobre os temas do seminário, reali-zadas por autoridades e especialistas, seguidas de debates como público presente. Nessas ocasiões, são apresentadas aosparticipantes informações conjunturais com o objetivo detraçar um panorama da situação do Estado em relação ao temaem debate. Tal dinâmica tem o potencial de produzir o incre-mento dos graus de informação dos participantes, propician-do-lhes melhores condições para uma participação maisesclarecida nos debates dos grupos de trabalho, na faseseguinte. Isso porque as informações apresentadas por auto-ridades e especialistas podem propiciar, respectivamente,

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

tanto a ampliação dos níveis de accountability em relação àsações estatais diante dos problemas discutidos como a reduçãodos níveis de assimetria informacional que caracteriza a dis-cussão pública de temas complexos.

A exemplo do que ocorre nos encontros regionais, naetapa final do seminário legislativo, após as apresentações epalestras de autoridades e especialistas nas plenárias parciais, osparticipantes são distribuídos em grupos de trabalho formadoscom base em cada tema do evento. No entanto, diferentementedo que ocorre nos grupos de trabalho da etapa de interiorização,em que o principal objetivo é reunir propostas da sociedade dasdiversas regiões do Estado para o aperfeiçoamento dos relató-rios produzidos pelas Comissões Técnicas Interinstitucionais,os participantes dos grupos de trabalho da etapa final enfrentamo desafio de analisar toda a informação produzida e reunida nasetapas anteriores do evento e, com base nessa análise, elaboraros relatórios que serão objeto de deliberação na plenária final(cada grupo de trabalho deve elaborar seu respectivo relatório,de acordo com o tema sob sua responsabilidade).

A sessão plenária final de um seminário legislativodestina-se à discussão e aprovação do documento final doevento e à eleição de sua comissão de representação, a qual éa responsável pelo acompanhamento e pela avaliação, junto àAssembleia Legislativa e a outros órgãos do Estado, daimplementação institucional das propostas finais aprovadaspelos participantes.

Nesse momento, há um compartilhamento das informa-ções contidas nas propostas elaboradas na fase anterior pormeio da apresentação ao conjunto dos participantes da plená-ria final dos relatórios aprovados em cada grupo de trabalho.Depois dessa apresentação, as propostas são numeradassequencialmente e passam a compor uma minuta de documen-to final, que será submetida a discussão, votação e aprovação.A plenária final é a instância máxima do seminário legislativo,sendo soberana para aprovar, reprovar, alterar, aglutinar ousuprimir propostas aprovadas pelos grupos de trabalho. Ulti-mamente, o regulamento desses eventos tem exigido que os

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participantes indiquem, no documento final, quais são aspropostas que consideram prioritárias.

A etapa final constitui, pois, o auge do semináriolegislativo, porque é o momento decisivo em que os participan-tes enfrentam o desafio de consolidar, via deliberação política,as preferências manifestadas pelas informações reunidas nasetapas anteriores do evento. Tal desafio envolve, ainda, aaglutinação de preferências e informações novas, que podem serapresentadas durante a própria fase final do seminário.

Implementação das propostasImplementação das propostasImplementação das propostasImplementação das propostasImplementação das propostas

O seminário legislativo propriamente dito, como even-to deliberativo, termina com a aprovação do documento finale a eleição da comissão de representação. No entanto, omomento subsequente constitui uma etapa tão importantequanto o próprio seminário em si, pois envolve a realização deações efetivas em prol da implementação das preferências doscidadãos manifestadas durante o processo deliberativo e sin-tetizadas no documento final do evento. Afinal, não levar emconta os resultados do debate pode fazer com que a ALMGperca credibilidade, uma vez que os participantes poderãoconsiderar que suas discussões foram inócuas.

Conforme previsto na norma da ALMG que dispõesobre a organização e a realização de seminários legislativos,uma vez aprovado pela plenária final, o documento final doevento deve ser recebido pela Mesa da Assembleia, porintermédio de seu presidente, e posteriormente encaminhadoà comissão permanente da Casa, detentora da competênciapara apreciar a matéria. Essa comissão deve analisar as pro-postas aprovadas, para dar àquelas sujeitas à elaboraçãolegislativa a adequada tramitação. A mesma norma tam-bém prevê que a Mesa da Assembleia encaminhe àsdiversas esferas e aos órgãos do governo informaçõesacerca das expectativas e demandas atinentes ao seu nívelde atuação manifestadas pelos participantes no relatóriofinal do evento.

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

Diante do que se expôs até aqui, é possível concluir que,idealmente e em linhas gerais, eventos dessa natureza devemprivilegiar pelo menos dois momentos importantes no que dizrespeito à obtenção e ao fornecimento mútuos de informaçõesentre o poder público e a sociedade. O primeiro momento seriaconstituído pelo evento em si, considerado como um todo, emque o intercâmbio de informações entre os diversos atoresdiscursivos que tomam parte dos debates termina por gerar umrepositório informacional, que reflete e sintetiza o conjuntodas preferências mais intensamente manifestadas no decorrerdo processo.

O segundo momento importante começaria logo apóso encerramento do evento propriamente dito e seria carac-terizado pelo comprometimento do poder público – no casorepresentado pela ALMG –, com a preservação dos ganhosinformacionais do debate e, especialmente, com a dissemi-nação de informações que propiciem o controle e o acom-panhamento da implementação das propostas aprovadaspelos participantes de um seminário legislativo. Tratar-se-ia de uma espécie de accountability dos resultados doevento.

Numa organização como a Assembleia Legislativa, emque a informação é, ao mesmo tempo, o principal insumo parao desenvolvimento de suas atividades e também o principalproduto decorrente de suas ações institucionais, essas ques-tões assumem uma dimensão ainda maior. A avaliação globaldos seminários legislativos promovidos pela ALMG é bastan-te positiva, o que demonstra que, de um modo geral, ainstituição tem acertado na realização desses eventos. Assim,é possível afirmar que o primeiro momento mencionado temacontecido de forma a estimular a circulação e a geração deinformações entre os cidadãos participantes e os representan-tes estatais que se dispõem a enfrentar um processo complexode discussão de temas públicos. Tanto que, nessas ocasiões, aAssembleia de Minas consegue reunir uma série de informa-ções preciosas – consolidadas no documento final de cadaevento – que podem ser utilizadas tanto em iniciativas

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legislativas próprias quanto para subsidiar a ação de outrosórgãos governamentais.

Entretanto, há que se fazer uma ressalva em relação aosegundo momento. Isso porque a pesquisa realizada parasubsidiar a elaboração deste artigo demonstrou que, geral ehistoricamente, após o encerramento dos seminários legislativosnão tem havido um esforço institucional da ALMG, no sentidode dar ênfase à divulgação de informações sobre os resultadospráticos desses eventos e nem sobre eventuais ações desenvol-vidas para tentar garantir a implementação das propostasoriundas dos debates realizados. Tais informações, quandoexistem, estão dispersas em fontes informativas distintas, oque dificulta a localização delas pelo cidadão interessado noassunto. Essa situação cria “zonas de opacidade,”14 caracteri-zadas pela escassez, insuficiência ou ausência de informaçõesoficiais, objetivas e facilmente acessíveis, que permitam àsociedade o controle e o acompanhamento da implementaçãodas propostas aprovadas nos seminários. Acredita-se que aALMG, como responsável pela realização desses eventos,deveria também assumir a responsabilidade institucional daelaboração e divulgação de informações que promovessemessa “prestação de contas” perante os participantes dos semi-nários em particular e a sociedade mineira em geral.15

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

Em linhas gerais, é possível concluir que aimplementação, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais,de mecanismos de incentivo à participação política estimula acirculação de informações entre os atores envolvidos, gerandoum fluxo que pode reduzir o grau de assimetria informacionale ampliar o nível de accountability da ordem democrática,desde que os cidadãos participantes tenham competênciainformacional para lidar com temas públicos complexos.

Nesse sentido, os seminários legislativos podem serconsiderados fóruns de participação e deliberação política quepropiciam a troca de conteúdos dotados de significados ou, emoutras palavras, espaços onde se estabelece um fluxo

14 Ver JARDIM,1999.

15 As observações econclusões destetrabalho levam emconsideração os se-minários legislativosrealizados pelaALMG até 2006.Deve-se reconhecer,no entanto, que a par-tir do Seminário “Mi-nas de Minas”, reali-zado em 2008 com oobjetivo de discutir apolítica minerária es-tadual, é possível per-ceber a existência deuma nova diretriz insti-tucional, em imple-mentação, no senti-do de dar ênfase àdivulgação de infor-mações sobre os re-sultados práticos doevento (Cf., porexemplo, as infor-mações existe-ntes em http://www.almg.gov.br/eventos/hot_minas-d e m i n a s /index.asp?idbox=-MinasdeMinas – aces-so em 16/9/2009).

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informacional de duplo sentido entre o Legislativo estadual eo conjunto de participantes do debate (para facilitar a compre-ensão da argumentação que se segue, esse fluxo será designa-do pela letra A).

Na primeira direção do fluxo A, a implementação, pelaALMG, de um mecanismo de incentivo à participação políticaconstitui uma oportunidade privilegiada para a reunião, porparte do Poder Legislativo, de informações sobre os anseiosdos cidadãos em relação à questão debatida que se encontramdispersas pela sociedade. Isso porque o evento permite que oscidadãos e entidades que se dispõem a participar expressemsuas preferências sobre temas cruciais de política pública.Essas preferências traduzem os desejos e expectativas dosdiversos segmentos sociais participantes em relação aos resul-tados das ações dos poderes estatais, constituindo por issovaliosa fonte informativa de subsídio à atuação dos membrosdo Legislativo e também dos agentes dos demais Poderes.

Na segunda direção do fluxo A, a aproximação entre aALMG e a sociedade, proporcionada pela institucionalizaçãode um canal de participação direta da população na arenaparlamentar, constitui uma oportunidade para que o poderpúblico forneça aos participantes informações relevantes acer-ca dos temas em debate. Com efeito, um seminário legislativoé uma ocasião privilegiada também porque os cidadãos eentidades que dele participam recebem da ALMG e de outrosórgãos públicos informações sobre os resultados (e, em algunsmomentos, sobre as deficiências) da ação estatal na áreadebatida, aumentando os níveis de accountability em relaçãoaos temas que são objeto de deliberação.

Uma análise mais detida revela ainda a ocorrência deum segundo fluxo informacional no âmbito desses espaçosdeliberativos (ora designado pela letra B), pois os seminárioslegislativos propiciam oportunidades de troca de informaçõesentre os próprios segmentos sociais participantes, por meio dadiscussão e da interação face a face ocorridas nas diversasetapas desses eventos. Entretanto, é importante distinguir ofluxo A do fluxo B. O primeiro é bidirecional, tendo aAssembleia como instituição em um polo e o conjunto de

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participantes em outro. Já o fluxo B é multidirecional, no qualcada participante potencialmente constitui um ponto de cone-xão de uma rede de informações. Os resultados das interaçõesocorridos no interior dessa rede interferem diretamente nanatureza das informações fornecidas pelo conjunto de partici-pantes à ALMG, no âmbito do fluxo A.

Pode-se afirmar que, em razão da quantidade e daqualidade das informações recebidas e fornecidas pelos parti-cipantes no âmbito dos dois fluxos, os seminários legislativoscontribuem para a redução da assimetria informacional, quedesfavorece os cidadãos em sua relação com as instituiçõesestatais e também em relação a seus próprios pares. Alémdisso, a troca argumentativa que ocorre durante os debatesgeralmente faz com que o conjunto de participantes de umseminário legislativo desenvolva ou aprimore sua competên-cia informacional para a obtenção de informações que permi-tam a formulação de opiniões bem fundamentadas sobre temaspúblicos complexos. Além da motivação para a busca deinformações, tal competência é demonstrada também pelacapacidade de raciocínio conjunto, ou seja, pela habilidade dedecifrar, compreender, assimilar e sintetizar a carga informa-tiva resultante da competição de discursos na deliberação, deforma a modificar ou complementar a base informativa inicial.O documento final de um seminário legislativo, que contém aspropostas aprovadas pelos participantes, é o principal produtodesse esforço e serve de base para uma elaboração legislativamais próxima dos anseios e preferências manifestados pelasociedade em relação ao tema debatido.

Diante disso, é possível afirmar que, em geral, osseminários legislativos são mecanismos que propiciam a am-pliação da quantidade e da qualidade da informação que aALMG tem sobre as preferências e demandas dos participan-tes da deliberação. É possível afirmar também que, em linhasgerais, esses eventos propiciam avanços no que se refere àredução da assimetria informacional e ao aumento dos níveisde accountability do processo democrático, ainda que a “pres-tação de contas” efetuada pelos representantes de órgãos

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

estatais durante as etapas de um seminário legislativo apresen-te uma tendência à superficialidade.

Entretanto, dois aspectos observados em alguns seminári-os legislativos merecem ser ressaltados e devem ser objeto deatenção por parte da ALMG, pois certamente exercem algumimpacto inesperado sobre os ritmos de construção da cidadania ede fortalecimento da democracia em Minas Gerais: a) a escassezde informações acerca dos resultados práticos do evento; e b) adispersão dos conteúdos gerados durante o próprio semináriolegislativo.16 No primeiro caso, a ausência ou a dificuldade deobtenção de informações acerca dos desdobramentos desseseventos cria sérios obstáculos para a verificação da relação entreo conteúdo dos debates e o conteúdo das eventuais normasjurídicas ou políticas públicas decorrentes da deliberação, poden-do comprometer ainda a transparência das ações do Estadoperante os cidadãos e fazer com que eles pensem que tenha sidovão todo o seu esforço de participação. No segundo caso, adispersão da informação reunida pode gerar um subaproveitamentodos ganhos da deliberação, com impactos negativos no grau deabsorção e de efetiva utilização, tanto pela ALMG quanto pelosparticipantes, das informações colhidas e compartilhadas noprocesso de interlocução entre Legislativo e sociedade. Alémdisso, tal dispersão pode interromper o adequado suprimento deinformações para estimular e subsidiar a continuidade do debateem outros fóruns ou espaços participativos.

Ainda assim, do ponto de vista informacional, talvez ogrande mérito dos seminários legislativos realizados pelaAssembleia de Minas está em seu potencial para promover adiversificação tanto da informação que o Parlamento recebe dasociedade, propiciando uma maior aproximação entre esta e opoder público, quanto da informação que chega aos cidadãosparticipantes, auxiliando-os na formulação de uma compreen-são mais adequada dos temas públicos e de seu papel noprocesso democrático. Afinal, em processos deliberativoscomplexos quase sempre estão em jogo opiniões e interessesdistintos e, por vezes, conflitantes. Nesse sentido, fórunsparticipativos constituem uma alternativa razoável para areunião e o confronto de informações que, em última instância,

16 A mencionada dis-persão refere-se ànão existência deum repositório úni-co (ou de repositó-rios integrados), pormeio do qual o cida-dão possa acessare recuperar conteú-dos de seu interes-se abordados duran-te os debates de umseminário legis-lativo.

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espelham as visões de mundo de cada um dos lados do debate,com potenciais reflexos positivos na elaboração legislativa apartir da discussão de temas públicos com os segmentossociais envolvidos.

Finalizando este artigo, há que se ressaltar que eventospolíticos abertos à participação e à manifestação da sociedadeainda podem ser considerados raros no cenário político brasilei-ro, especialmente no âmbito das casas legislativas. Nesse senti-do, as iniciativas de aproximação com a sociedade adotadas porparte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, ainda quecareçam de alguns ajustes ou aperfeiçoamentos, são dignas denota. Exatamente porque a democracia se fundamenta na sobe-rania dos cidadãos, é preciso que se criem mais canais para queesses forneçam aos parlamentos das três esferas de governoinformações sobre suas expectativas e preferências para que osrepresentantes ajam – e, se necessário, criem leis e políticas – nosentido de atender aos melhores interesses da sociedade emgeral, e não apenas aos de uma minoria. Além de receberinformações dos cidadãos, o Legislativo também pode aprovei-tar esses canais para fornecer informações sobre suas ações àsociedade, reduzindo a assimetria informacional e ampliando osníveis de accountability da ordem democrática. Em outraspalavras, o desenvolvimento de ações institucionais deinterlocução entre as casas legislativas e os grupos organizadosde cidadãos pode contribuir para o fortalecimento, por meio dadifusão de informações, dos mecanismos de controle socialsobre o poder público e para o aprimoramento da cultura políticada sociedade brasileira.

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

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PERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAA SOCIOPOLÍTICA DAA SOCIOPOLÍTICA DAA SOCIOPOLÍTICA DAA SOCIOPOLÍTICA DAINTERAINTERAINTERAINTERAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVTIVTIVTIVTIVA:A:A:A:A:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSADOSADOSADOSADOS

ANTONIO TEIXEIRA DE BARROSANTONIO TEIXEIRA DE BARROSANTONIO TEIXEIRA DE BARROSANTONIO TEIXEIRA DE BARROSANTONIO TEIXEIRA DE BARROS*****

CRISTIANE BRUM BERNARDES*CRISTIANE BRUM BERNARDES*CRISTIANE BRUM BERNARDES*CRISTIANE BRUM BERNARDES*CRISTIANE BRUM BERNARDES*

MARIA CLARICE DIAS*MARIA CLARICE DIAS*MARIA CLARICE DIAS*MARIA CLARICE DIAS*MARIA CLARICE DIAS*

Resumo: O artigo analisa, do ponto de vista sociopolítico, osinstrumentos de interatividade criados pelo sistema de comu-nicação da Câmara dos Deputados. O pressuposto é que ainteratividade é condição para o êxito de qualquer sistemapúblico de informação, visto que a captação e o atendimentosatisfatório das demandas do cidadão são requisitos para quequalquer sistema de informação seja considerado público, enão apenas estatal. A comunicação pública, em linhas gerais,é aquela que se volta para o interesse público, não só aooferecer informações, mas sobretudo ao captar e atender àsdemandas desse mesmo público. A análise encontra respaldona Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, principalmen-te no que se refere aos conceitos de mundo vivido e do mundosistêmico e suas práticas sociais correlatas: agir estratégico eagir comunicativo. Dessa perspectiva, analisa-se até que pontoos mecanismos de interatividade em estudo exercem funçãomeramente burocrática (agir estratégico) ou incentivam aparticipação efetiva dos receptores (ação comunicativa e co-municação pública) e fortalecem a representação política(ação política).

Palavras-chave: interatividade e política; ação comunicativae interatividade; interatividade e comunicação pública.

* Os autores são jor-nalistas concur-sados da Câmarados Deputados eparticipam do proje-to integrado de pes-quisa “Ações de co-municação da Câ-mara dos Deputadospara a promoção dademocracia e parti-cipação popular”,filiado à linha de pes-quisa “Cidadania epráticas democráti-cas de representa-ção e participaçãopolítica” do Progra-ma de Pós-Gradua-ção em Instituiçõese Processos Políti-cos do Legislativo doCentro de Forma-ção, Treinamento eAperfeiçoamento(Cefor) da Câmarados Deputados.

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 59-83, jul./dez. 2009

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Abstract: The article analyzes, from a sociopolitical point ofview, interactivity instruments created by the system ofcommunication of Brazilian Chamber of Deputies. It assumesthat interactivity is a condition for the success of any publicsystem of information, since the identification of demands ofcitizenry and their satisfactory fulfillment is a requirement toany system of information that could be considered public, andnot only institutional. Public communication, in general lines,focuses on public interest, not only by offering information,but mainly by collecting and meeting the demands of thispublic. The analysis finds endorsement in the HabermasTheory of the Communicative Action, especially the conceptsof lived and systemic world and their related social practices- strategic action and communicative action. From thisperspective, it analyzes if the mechanisms of interactivity exertmere bureaucratic function (strategic action) or stimulate theeffective participation of the receivers (communicative actionand public communication) and fortify the politicalrepresentation (political action).

Key words: interactivity; communicative action; publiccommunication.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Na teoria política clássica, a interatividade é a base daação política, ideia que sustentou o primeiro modelo de práticade cidadania e de democracia, como relata Hannah Arendt emA Condição Humana. Os debates públicos constituíram aatividade emblemática da interatividade (inter + ação = açãoentre pares), cujo auge ocorreu no período de 470 a 400 aC,com a atuação de Sócrates, que tinha o hábito de debater edialogar com as pessoas de sua cidade, desde a juventude. Emseu método, chamado de maiêutica, ele tendia a despojar seusdiscípulos da falsa ilusão do saber, ao fragilizar a vaidade deseu interlocutor, permitindo, assim, que o aprendiz de filósofoestivesse mais livre de falsas crenças e mais suscetível deextrair a verdade lógica que também estava dentro de si.

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Sendo filho de uma parteira e de um escultor, Sócratescostumava comparar a sua atividade com a de trazer ao mundoa verdade que há dentro de cada um. Metaforicamente, asideias filosóficas passavam primeiro por um “parto” intelectu-al e depois eram esculpidas pelo debate público. Ele costuma-va repetir que não ensinava nada, apenas ajudava as pessoas atirar de si mesmas opiniões próprias e limpas de falsos valorese julgamentos. A maiêutica, o método criado por Sócrates,consistia no momento do “parto” intelectual da procura daverdade no interior do homem. “É o método que consiste emparir ideias complexas a partir de perguntas simples e articu-ladas dentro de um contexto”, afirmava. Em seu método, aoiniciar uma conversa, Sócrates sempre adotava a posição deuma pessoa ignorante, que apenas “sabe que nada sabe”. Essapostura, a seu ver, intensificava a interação intelectual, poispermitia ao interlocutor a oportunidade de expressar suasideias, sem a postura cautelosa de quem imagina estar diantede um sábio.

Ao analisar a esfera pública grega, com destaque paraa relevância da ação política, Hannah Arendt ressalta essaesfera pública como espaço de aparência (visibilidade) e dereconhecimento público, consequência do exercício da singu-laridade humana, pelo uso público da razão. Nesse contexto,a competência comunicativa era fundamental, visto que acidadania estava diretamente ligada à livre expressão daopinião e à capacidade para compreender os demais cidadãos.Portanto, a igualdade de condições de comunicação era basilarpara que houvesse relação entre iguais: condição para a livreexpressão da opinião, já que a hierarquia, segundo essa visão,anula as possibilidades de diálogo e impede a isegoria (igual-dade de condições de expressão).

Os debates democratizaram as opiniões, pois passarama substituir a transmissão autoritária de opiniões, herança dopensamento mítico. Os debates fazem parte do momento detentativa de superação dos grilhões fatalistas da vontade dosdeuses, os quais determinavam o destino humano. Com odesenvolvimento do pensamento racional, surge a Filosofia,fruto da vontade humana de construir explicações sobre sua

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própria existência. A Filosofia, contudo, não surgiu de umaruptura total com o pensamento mítico, mas originou-se dointerior do próprio conhecimento mágico, como tentativa deelaborar novas ordens de explicação para a existência humana(Gracioso, 2007, p. 15).

Nesse processo, os debates foram decisivos. Alémdisso, pelos debates, a razão emancipou-se da mitologia epermitiu uma ação política livre, racional e democrática.Dessa forma, o saber passa a ser visto como resultado dadiscussão pública e interativa, e não mais dos oráculos realiza-dos pelos sacerdotes a portas fechadas. “A pura contemplaçãoda verdade é exercitada em praça pública e vista como omomento supremo do homem, sendo a fonte da verdadeirafelicidade” (Souza, 2007, p. 28). Assim, a ágora transforma-se no coração da pólis, para onde se dirigem os sábios, poetase os primeiros filósofos.

Ainda sob a perspectiva da Filosofia Política, ainteratividade está diretamente associada à utopia emblemáticada modernidade, que é a tecnologia. Segundo Agnes Heller(2002), independentemente do ponto de vista, os discursossociais e políticos remetem à relação do ser humano com adiversidade de aparatos tecnológicos: “Qualquer coisa quefalamos está sempre relacionada à tecnologia”, reforça aautora. Ela acrescenta que, no contexto da sociedade moderna,a tecnologia tornou-se um equipamento social onipresente eambíguo: “Em determinado momento, a tecnologia e as má-quinas são vistas como algo maravilhoso; em outro, essamesma tecnologia e suas máquinas devem ser destruídas”(Heller, 2002, p. 46).

O dilema também permeia a discussão sobreinteratividade. A cada momento surgem novas ferramentas deinteração dos veículos formais de comunicação com o público.Entretanto, a crescente evolução nunca leva à satisfação plena,conforme analisa Guimarães (2004). Ao mesmo tempo em quea tecnofilia se torna central na sociedade, com novas possibi-lidades de interatividade, aumentam o individualismo, asrelações anônimas, o consumismo de novas tecnologias pelo

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

simples fato de serem recentes. Nessa concepção, reforça-se opostulado de Postman (1994) de que o ser humano, nessecenário da utopia tecnológica da modernidade, cada vez mais,tende a ser uma peça da engrenagem tecnossocial, ou seja, tendeà reificação e à alienação, como previra Karl Marx, em OCapital. Assim, o homem moderno, vítima do tecnopólio e dofetiche dessas novas mercadorias, tende cada vez mais a tornar-se uma ferramenta das máquinas que ele próprio produz.

Seja como instrumento de ampliação da participaçãopolítica, seja como mecanismo de fetiche tecnológico, ainteratividade faz parte do cotidiano social no início do séculoXXI. No Brasil, onde o acesso da maioria da população àsferramentas tecnológicas ainda é bastante limitado economi-camente, alguns órgãos públicos apostam na interatividadecomo opção de contato com a população, espalhada por umenorme território e sem acesso efetivo ao centro do poder.

Nesse panorama, é essencial analisar essas formas deinteração da sociedade com o poder, seja o Estado ou ogoverno, para apontar os problemas, limites e avanços dessaspráticas. Neste artigo, procedemos a uma descrição minuciosados instrumentos de interatividade adotados pela Câmara dosDeputados, instância do poder público destinada à representa-ção do povo brasileiro no Estado. Em seguida, analisamos ascaracterísticas de cada ferramenta e seu papel para a ampliaçãoda participação política no Brasil. Antes, porém, fazemos umabreve retomada de alguns conceitos de Jürgen Habermas, paranortear nossa observação.

Interatividade vivida e sistêmicaInteratividade vivida e sistêmicaInteratividade vivida e sistêmicaInteratividade vivida e sistêmicaInteratividade vivida e sistêmica

Uma contribuição expressiva para o entendimento dainteratividade no mundo contemporâneo são os conceitos deação comunicativa e ação instrumental, de Jürgen Habermas,que integram sua Teoria da Ação Comunicativa. Sob essaperspectiva teórica, a interatividade pode ser consideradaagente do mundo sistêmico, entendido por Habermas comoa esfera da sociedade que compreende o universo das rela-ções normativas e regulamentadas, resultantes do modelo de

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sociedade contratual. Em contraposição, o autor compreendeo mundo vivido como a esfera que contribui para manter aidentidade social e cultural dos indivíduos e das comunidades,ao favorecer o compartilhamento de valores, a livre expressãode ideias, a comunicação de natureza mais participativa emenos instrumental.

De forma mais detalhada, o mundo sistêmico pode serentendido como a esfera da ação instrumental, planejada, estra-tégica, regida por uma racionalidade determinada, o que implicaum modelo de comunicação igualmente estratégica e instru-mental, ou seja, voltada para fins e objetivos específicos epredeterminados. Toda ação e toda comunicação no âmbito domundo sistêmico são pautadas por mecanismos burocráticosque limitam e controlam as decisões voluntárias, as manifesta-ções espontâneas dos indivíduos e da livre expressão do pensa-mento e da opinião. Tudo deve ser orientado para os fins eobjetivos almejados, de acordo com a filosofia da empresa queadministra os sistemas interativos, a exemplo das enquetesrealizadas nos sites institucionais e dos e-mails disponíveis paracomentários e dúvidas do público (nem sempre respondidos).

O mundo da vida, de forma mais minuciosa, compreendetrês elementos estruturais: a cultura, a sociedade e a personali-dade. O primeiro é entendido por Habermas como o acervo desaberes acumulado historicamente, em que os participantes dacomunicação se abastecem de interpretações para entender algodo mundo. O segundo é concebido como um sistema compostode ordenações legítimas, mediante as quais os participantes dosprocessos interativos regulam sua forma de participação epertencimento a grupos sociais e instituições. Já o terceiro,caracterizado pela personalidade, é traduzido pela competêncianos processos que possibilitam a um sujeito ter linguagem eação, que o habilitam a fazer parte de processos de entendimentoe compartilhamento de signos, além de afirmar neles sua própriaidentidade (Habermas, 1987).

Habermas é criticado por apresentar o sistêmico e ovivido como dimensões separadas da sociedade (Ingram,1994), mas, na realidade, essa crítica é improcedente. O que

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

ele fez, de fato, foi uma caracterização individualizada de cadaesfera, para fins meramente explicativos. Implicitamente, estásugerido um ponto de vista de integração de ambas as esferas,como modelo ideal para o funcionamento da sociedade. Umademonstração dessa visão está na crítica que Habermas apre-senta ao fenômeno que ele denomina de “colonização” dovivido pelo sistêmico.

Essa “colonização”, a seu ver, decorre do fato de que osespaços mais livres e espontâneos da sociedade, mais precisa-mente da esfera cultural, estão cada vez mais invadidos pelalógica normativa e regulamentar do mundo sistêmico, a exem-plo dos instrumentos de interatividade presentes nos sitesinstitucionais. Em outras palavras, isso significa aburocratização da vida pública. Para exprimir sua opinião, ocidadão, na maioria das vezes, é obrigado a fazer um cadastroe responder a questões predeterminadas, em forma de enquete,de acordo com os interesses da instituição. Isso limita asformas espontâneas de participação popular, as quais estão, deforma crescente, sendo regulamentadas. Isso é consequênciada aceleração do sistema de colonização do mundo da vida,processo no qual “o mundo vivo se reduz gradualmente a umsatélite do sistema”, como produto direto da racionalizaçãoadministrativa (Ingram, 1994, p. 167).

O tempo e o lugar em que esses momentos da vidacotidiana acontecem estão sempre mais subordinados a pa-drões normativos. Está ocorrendo uma redução progressiva daespontaneidade, da naturalidade e da informalidade das rela-ções humanas, sociais, comunitárias e interindividuais. Essadissociação é uma característica da modernidade. Como salien-ta Ingram (1994), nas sociedades menos desenvolvidas, aexemplo daquelas regidas pelos padrões de parentesco, nãohavia separação entre o vivido e o sistêmico. Consequentemente,a interatividade era decorrência da sociabilidade, o que nãosignificava ausência de regras e normas. Só que os elementosnormativos dessas sociedades eram regidos pelo princípiosociológico de desiderabilidade social, entendido por Durkheim(1983) como desejo comum, um reconhecimento comunitário

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de que tais regras eram desejáveis e necessárias – para o bemde todos.

Assim, as regras e normas sociais funcionavam comouma espécie de “cimento social” que favorecia a coesão entreos indivíduos e grupos. Um exemplo disso, muito destacadopelo pensamento durkheiminiano, é a religião, que pode sersituada no âmbito do vivido, por resultar de um claro processode compartilhamento de sentidos, atrelado a uma rede comu-nicativa, tecida com base em um acervo de conhecimentospreexistentes, transmitidos pela cultura e pela linguagem(Ingram, 1994). Além disso, as normas religiosas eram regidaspelo princípio de desiderabilidade. Isso significa que os pró-prios fiéis desejavam a existência dessas regras e as viam comoalgo útil e necessário à vida religiosa.

O que podemos depreender de tal concepção é que omundo sistêmico constitui resultante histórica do mundo vivido,ou seja, o primeiro desenvolve-se a partir do segundo, à medidaque a sociedade vai se tornando mais complexa e exigindoformas mais rigorosas de controle da ação social. O grupo deixade ser a referência. O indivíduo é que se torna o eixo da açãosocial, como salienta Weber (1983). Esse novo padrão decomportamento passa a requerer mecanismos normativos dife-renciados, acarretando o aparecimento de diversos elementospara “administrar” a ação humana na sociedade.

O surgimento da burocracia é apontado por Weber comoresultado desse processo. A burocracia é uma das figuras maisemblemáticas do mundo sistêmico. Mas tudo isso vai ocorrendocomo um processo orgânico de desenvolvimento da sociedademoderna e da democracia. O problema apontado por Habermasé que esse processo desencadeou a primazia do sistêmico, que,por sua vez, traz como consequência o enfraquecimento dasmanifestações do mundo vivido. Com isso, reduz-se o espaçode liberdade, autonomia e importância. Tanto é que os profis-sionais de comunicação, de modo geral, eram consideradosprofissionais da cultura. Mas, nas últimas décadas, essa visãoperdeu força, em virtude da crescente racionalização e adoçãode modelos e mecanismos estratégicos.

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Por outro lado, essa categoria profissional detém opoder simbólico para reverter esse quadro e engajar-se noprocesso inverso, ou seja, o de “descolonização” do mundovivido. Ao adotar uma linha de conhecimento de naturezamenos instrumental e mais histórico-hermenêutica, ou seja,autorreflexiva e autoquestionadora, pode contribuir para oimpulso emancipatório do conhecimento, inclusive no âmbitoprofissional. A competência comunicativa dos profissionaisde comunicação pode, então, tornar-se um meio para facilitara interação social, e não apenas fazer mediação entre a orga-nização e seus públicos.

Ação comunicativa é entendida, aqui, sob duas pers-pectivas. Na primeira, é vista como um mecanismo de interpre-tação por meio do qual se reproduz o saber cultural. A segundacompreende a forma pela qual os atores sociais, ao se entende-rem sobre algo no mundo, participam simultaneamente eminterações através das quais desenvolvem, confirmam e reno-vam seu pertencimento aos grupos sociais e à sua própriaidentidade (Teixeira, 1996).

Toda essa reflexão conduz ao debate sobre cidadania,tema tão premente no cenário social brasileiro e tão oportunopara a discussão sobre o papel do profissional de comunicaçãoneste mundo social globalizado. Entende-se cidadania, aqui,como dois elementos fundamentais: a ideia de indivíduo, departicularidade; e a de regras gerais e universais, ou seja, umsistema de leis que vale para todos os cidadãos em qualquerespaço social (Da Matta, 1987).

Essa noção de cidadania implica a confluência entrepúblico e privado, isto é, o espaço da cidadania se constrói naintersecção entre interesses públicos e privados, de tal modoque nenhuma dessas esferas seja negligenciada. Para o plenoexercício da cidadania é necessário, portanto, que haja harmo-nia entre as duas esferas, o que implica a relação não dicotômicade usuários de serviços públicos de informação versus cida-dão. Vale ressaltar que, no atual contexto organizacional,essas duas concepções são apresentadas como se fossemelementos distintos e isolados, quando, na realidade, a cidada-

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nia não se reduz a elementos, aspectos ou momentos específi-cos da vida dos indivíduos. Antes de tratar o indivíduo comousuário ou receptor de informação, deve-se lembrar de que eleé um cidadão.

Seu estatuto de cidadão não se altera em função do seupapel momentâneo. Quando compra, quando se diverte, viaja,lê, estuda, vai ao cinema, a um espetáculo ou ao shopping,quando está em casa ou em qualquer outra situação, ele nuncadeixa de ser cidadão. Cidadania é algo mais amplo do que osconceitos que estamos acostumados a receber pela mídia, quesempre a trata de forma episódica e fragmentada (Barros, 1995).

Estragégias de interatividade da CâmaraEstragégias de interatividade da CâmaraEstragégias de interatividade da CâmaraEstragégias de interatividade da CâmaraEstragégias de interatividade da Câmara

Com base nas perspectivas teóricas acima delineadas,é que são analisados os instrumentos de interatividade criadospelo sistema de comunicação da Câmara dos Deputados, comênfase para o pressuposto de que a interatividade é condiçãopara o êxito de qualquer sistema público de informação, vistoque a captação e o atendimento satisfatório das demandas docidadão são requisitos para que qualquer sistema de informa-ção seja considerado público, e não apenas estatal. Essaconcepção de valorização das ferramentas de interatividadetornou-se uma das prioridades da gestão estratégica da infor-mação pela Câmara nos últimos anos.

Devido aos esforços institucionais nesse sentido, oportal da Câmara dos Deputados na internet(www.camara.gov.br) é, entre todos os parlamentos da Amé-rica do Sul, o que apresenta maior grau de interatividade como público, segundo um estudo realizado pela UniversidadeFederal do Paraná (UFPR). Conduzida por Sérgio Braga(2008), a pesquisa analisou a informatização dos órgãoslegislativos no continente. Ao mapear os mecanismos criadospara permitir a “comunicação vertical” com a opinião pública,Braga constatou que o portal da Câmara cumpre 94% doscritérios estabelecidos para medir o grau de interatividade dosportais analisados (são considerados mais de 200 itens). Naavaliação global do grau de informatização dos legislativos, o

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

portal da Câmara também ficou em primeiro, com 95,3%,seguido do Congresso do Peru, com 89%, e do Senadobrasileiro, com 80,9%.

Alcançando nota máxima (100%) em navegabilidade,o portal é hoje uma referência entre os que oferecem conteúdopolítico. Em 2007, segundo o estudo, o site recebeu mais de 15milhões de visitas, numa média diária de 41 mil acessos. Apartir dos dados da própria Câmara, os números foram aindamais impressionantes, pois há um crescimento na quantidadede acessos nos últimos anos. Segundo dados do Centro deInformática da Câmara (Cenin), foram realizadas 16.961visitas diárias ao portal em 2004. Em 2005, o número subiupara 22.086; e, em 2006, alcançou a marca de 38.902.

Para o diretor do Cenin, Fernando Lima Torres (Demo-cracia da era da interatividade – Camara.gov.br, 2008), o saltode 70% no número de acessos em 2006 é resultado dos novosserviços incorporados, como dados do Orçamento da União epesquisas sobre deputados e cargos comissionados, além daseleições realizadas naquele ano. Fernando Torres explica quea Câmara foi credenciada pelo Tribunal Superior Eleitoral(TSE) para a divulgação dos resultados das votações, o quepode ter ampliado o interesse pelo portal.

O mecanismo mais usado pelos usuários, de acordocom o diretor do Cenin, é o de acompanhamento de proposi-ções por e-mail, que registrou 2.346.274 consultas em dezem-bro de 2007. Após se cadastrar, o usuário pode selecionar asproposições que deseja acompanhar para receber por e-mailinformações sempre que a matéria passar por uma das instân-cias do processo legislativo, como designação de relator,abertura de prazos, emendas apresentadas, votações em co-missões ou no Plenário, etc. Atualmente, o sistema tem 79.662usuários ativos. Em 2007, a média diária de mensagens cominformações sobre os projetos enviadas pela Câmara aosusuários foi de 5.086.

No caso de instituições que acompanham simultanea-mente um grande número de proposições, o portal torna dispo-nível o Serviço de Integração Tecnológica da Câmara dos

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Deputados (SIT-Câmara), que permite às entidades atualizarautomaticamente seus sistemas de acompanhamento de infor-mações diretamente a partir das bases de dados da instituição.

Os números revelam que há um público interessado ecom possibilidade de acesso às ferramentas tecnológicas paraobter informações sobre o processo legislativo e a atuação dosparlamentares. O tipo de serviço oferecido revela que, apesarda formalização dos instrumentos na internet, há uma noção,entre a burocracia especializada da Câmara, de que as informa-ções que precisam estar disponíveis são um bem público, ouseja, algo que deve estar disponível aos cidadãos de formadireta, simples e clara.

Essa noção transparece também na adoção de diferen-tes ferramentas para obter opiniões e a participação pública,exemplificadas pelas ações conduzidas pela Coordenação deRelações Públicas da Câmara, ligada até abril de 2008 àSecretaria de Comunicação da Câmara (Secom). Atualmente,o setor de Relações Públicas subordina-se diretamente àPresidência da Casa. A principal ação, a Central de Comuni-cação Interativa, inaugurada em maio de 2004, mantém osprogramas mais conhecidos de interatividade da instituição:o Disque Câmara, que atende o cidadão pelo telefone 0800-619619, e o serviço de correio eletrônico definido pelasferramentas Fale Conosco e Fale com o Deputado, disponí-veis no portal da Câmara. O Fale Conosco, criado emmeados de 2000, permite ao cidadão o envio de mensagenspela página da Casa e por meio do endereço eletrô[email protected].

Uma das missões da central é propiciar a participaçãodos cidadãos no processo decisório da Casa, fazendo chegaraos representantes públicos (deputado e servidores) as suaslegítimas manifestações; opiniões, reclamações, críticas, su-gestões, etc. Percebe-se que a intenção, no uso das ferramentastecnológicas, é possibilitar uma via de comunicação de mãodupla entre deputados e cidadãos. Isso significa não somenteo envio de informações úteis para o público, mas também aatenção dos parlamentares às demandas dos cidadãos.

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

A Coordenação de Relações Públicas (Corep) assumiua gestão dos serviços da Central em abril de 2003. Em 2007,foram recebidos 119.508 e-mails. Somados aos atendimentospor telefone, o serviço recebeu 539.136 mensagens em 2007.No mesmo ano, o Disque Câmara fez 327.987 atendimentosdiretos por funcionários – são 20 atendentes em dois turnos,das 8 às 20 horas, de segunda a sexta-feira – e 91.641atendimentos indiretos por meio da secretária eletrônica,totalizando 419.628 ligações. Desde 2004, a Central já rece-beu 1.787.128 ligações pelo serviço 0800.

Segundo a chefe da Central de Comunicação Interativa,Fátima Novais de Sousa (Democracia na era da interatividade –Serviço 0800, 2008), do total dos atendimentos diretos, cercade 70% referem-se a opiniões de cidadãos favoráveis oucontrárias a proposições que tramitam na Casa. O Projeto deLei 5.476/01, que acaba com a cobrança da tarifa básica detelefone, foi o que mais recebeu manifestações de cidadãosbrasileiros. De acordo com Fátima, desde 2004, foramregistradas 1.177.345 (66% do total) manifestações pela suaaprovação, sendo 257.729 só em 2007.

Fátima de Souza explica que os principais assuntostratados pelos cidadãos por meio da central refletem os debatesno Congresso e o noticiário político. Em 2007, foram várias asmanifestações: contrárias ao aumento salarial dos deputados(986), contra o envolvimento de políticos com corrupção(702), sobre o caso Renan Calheiros (346), sobre a crise aérea(453), sobre o desabamento na obra do Metrô de São Paulo(306), sobre fidelidade partidária (153), contrárias à reformados apartamentos funcionais (90) e sobre o caso SeverinoCavalcanti (58).

Vários eleitores transmitiram também manifestaçõescontrárias à prorrogação da CPMF; contrárias e favoráveis àPEC que efetiva servidores contratados entre 1983 e 1988;favoráveis à instituição do piso nacional para o salário dosprofessores; favoráveis à reforma do funcionalismo público econtra o crescimento da violência urbana. O debate sobre oreajuste dos deputados fez com que o número de mensagens

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encaminhadas via e-mail saltasse de 3.810, em novembro de2006, para 17.155 em dezembro do mesmo ano.

Somente em novembro de 2007, segundo dados dopróprio setor, o Fale Conosco recebeu 8.257 mensagens,enquanto o Fale com o Deputado foi usado por 1.781 cida-dãos. Em 2006, foram recebidas 92.091 mensagens pelosistema Fale Conosco. As sugestões, reclamações e solicita-ções para se inscrever num evento ou pedir informações sobredeterminado projeto, por exemplo, são encaminhadas às áreasresponsáveis, para atender aos diferentes tipos de demandasprevistos nos formulários virtuais e nos links disponíveis emtodo o portal. Atualmente, são realizados, em média, 50 milatendimentos por mês. O atendimento eletrônico representa56%, e o pessoal – diretamente com o atendente –, 44%.

Em média, o serviço Fale com o Deputado é muito maisacessado. Em 2006, foram recebidas 4.739.777 mensagens,sendo que muitos deputados relatam que já aproveitaram assugestões, críticas e denúncias dos eleitores. A título deexemplo, os deputados que mais responderam e-mails noperíodo de setembro de 2007 a novembro de 2007 foram: PepeVargas (PT-RS) – 2.422; Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) –2.509; Gorete Pereira (PR-CE) – 2.438; Regis de Oliveira(PSC-SP) – 3.161; e Marcos Medrado (PDT-BA) – 2.527.

Entre os deputados que mais receberam mensagensexclusivas via telefone em 2007 estão o presidente da Câmara,Arlindo Chinaglia, com 1.366 mensagens; Celso Russomano(PP-SP), com 379; Gonzaga Patriota (PSB-PE), com 183;Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), com 161; Clodovil Hernandes(PR-SP), com 142; e Fernando Gabeira (PV-RJ), com 134.Outros deputados bastante requisitados pelos cidadãos são AldoRebelo (PCdoB-SP), Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), Michel Temer (PMDB-SP), Ciro Gomes (PSB-CE),Inocêncio Oliveira (PR-PE) e Chico Alencar (PSOL-RJ).

Segundo a Corep, a maioria das ligações tem origem naregião Sudeste: 55,59%. O Nordeste fica em segundo lugar,com 16,89% das ligações; enquanto o Sul responde por16,13%; o Centro-Oeste, por 8,26%; e o Norte, por 3,14% das

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

ligações. São Paulo é o Estado com maior número de ligaçõesidentificadas, com 95.691 ocorrências em 2007.

É oportuno também perceber o perfil do cidadão queacessou a central em 2007. Dos usuários dos serviços, 48,13%tinham o ensino superior completo, 30,09% haviam comple-tado o ensino médio e 11,78% cursavam faculdade ou nãohaviam terminado o curso superior. Do total, 54,20% dasligações e mensagens foram enviadas por mulheres, enquantoos homens foram responsáveis por 45,80% dos contatos. Agrande maioria dos usuários tomou conhecimento dos servi-ços pela própria internet: 88,04%. Outros 6,83% foram infor-mados da possibilidade de contato por outras pessoas e 3%ficaram sabendo desses serviços ao assistir à TV Câmara. Emrelação à faixa etária, mais de 75% dos usuários têm mais de31 anos, com grande concentração na faixa etária entre 41 e 50anos, conforme revela o gráfico.

Gráfico por Faixa Etária

0,1%

4,6%

19,5%

22,9%24,8%

20,2%

7,8%

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

10 a 15 16 a 21 22 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 64 acima

de 65

É interessante destacar que as estratégias de comunica-ção virtual mantidas pela Câmara dos Deputados já foramreconhecidas internacionalmente por sua utilidade. A página da

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Câmara conquistou em 2006 o Prêmio iBest TOP 3 na categoriaPolítica (Júri Popular). Em 2008, o portal foi o único destaquedo Brasil na área de governo eletrônico em um relatório daOrganização das Nações Unidas (ONU). O E-GovernmentSurvey 2008, relatório da ONU que analisa o uso de ferramentastecnológicas na prestação de serviços públicos (ONU, 2008, p.30), ressalta as ferramentas que o site da Câmara deixa disponí-veis aos cidadãos para dialogar com os seus representantes eparticipar diretamente de debates. O estudo explica que essaforma de participação pela web reforça a interação entre oscidadãos e os deputados brasileiros. “Em um país tão grandecomo o Brasil e com uma população geograficamente dispersa,a participação on-line tem proporcionado aos cidadãos maiorvoz na criação de políticas e leis”, afirma o estudo.

Visita virtual ou realVisita virtual ou realVisita virtual ou realVisita virtual ou realVisita virtual ou real

Além das ferramentas de interatividade eletrônica, aCâmara mantém um Serviço de Visitação ao Palácio do Con-gresso Nacional, que serve como forma de aproximação dainstituição com o público de outros Estados e do exterior quevisita Brasília. O serviço começou em 1996 e, em 1998, houveuma adaptação para atender a grande demanda de interessados.As visitas monitoradas ocorrem todos os dias da semana,inclusive sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17 horas.É possível realizar um agendamento no Serviço de Recepção eTurismo da Coordenação de Relações Públicas, especialmenteno caso de grupos, opção bastante usada pelas escolas doDistrito Federal1. Em 2006, a Câmara iniciou, pela internet, umavisita virtual que permite conhecer os espaços físicos maisusados pelos parlamentares e procurados pelos visitantes. Apósalguns cliques de mouse, o visitante pode conhecer um pouco daarquitetura brasileira, com destaque para as construções deOscar Niemeyer, e das obras de arte doadas à Câmara.

Para as crianças e o público em idade escolar, além depais e professores, o portal Plenarinho é o principal canal deinteração com a Câmara dos Deputados. A linguagem acessí-vel, o conteúdo ilustrado e colorido e os sete personagens quefazem parte da Turma do Plenarinho – Vital, Cida, Edu Coruja,

1 Em 2007, o númerode visitantes que es-teve no CongressoNacional foi de151.468 pessoas.Nessa estatística, nãoestão contabilizadasas pessoas que fre-quentam a Casa du-rante o expedientenormal para acompa-nhar as sessões ou avotação de projetos,especialmente na re-alização das audiên-cias públicas realiza-das pelas comissõespermanentes. Maisde 200 mil pessoasvisitaram a Câmaraentre 2003 e 2004 e,em 2005, o númeroultrapassou os 145 mil.

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Adão, Xereta, Légis e Zé Plenarinho – levam ao público-alvonoções de cidadania, direitos sociais e políticos, além desubsídios para pesquisas escolares.

O Plenarinho oferece boa navegabilidade e várias ferra-mentas interativas. Acompanhando os acontecimentos do País,entre setembro e outubro de 2006, o site promoveu uma eleiçãoentre seus personagens, candidatos à Presidência da Repúblicadas Crianças Felizes – República do Plenarinho. Depois deavaliar as propostas de cada candidato, os internautas escolhe-ram seu preferido em uma urna eletrônica virtual idêntica à doTribunal Superior Eleitoral (TSE). Em dois turnos de votação,foram contabilizados 104.380 votos e Edu Coruja foi eleitopresidente. Durante as eleições virtuais, o Plenarinho recebeu,em média, 2.100 visitas por dia, representando um crescimentode 241% em relação à média diária de visitas registrada noperíodo de janeiro a setembro (615 visitas/dia).

Entre os mecanismos de interatividade do Plenarinhoestá o Fale Conosco, que recebe uma média de 1.500 e-mailspor mês, acerca dos seguintes assuntos: solicitação de publica-ção de material do portal em veículos infantis (livros didáticos,revistas, etc.), dúvidas das crianças, solicitações de participa-ção, envio de textos para publicação, pedidos de informaçãosobre o processo legislativo e a Câmara dos Deputados, alémde elogios e sugestões.

O Bate-Papo (ou Pinga-Foguinho) é uma ferramentaque coloca público e deputados em comunicação virtualinstantânea. São realizados, em média, seis bate-papos por anocom deputados ou especialistas que debatem algum tema deinteresse da criançada. A ferramenta Seja Xereta é um espaçopara publicação de reportagens escritas pelas crianças. OPlenarinho convida os internautas a redigir suas própriasreportagens sobre temas que estão em destaque no site. Paraisso, ensina como deve ser um texto jornalístico. No caso, arepórter da turma, a Xereta, dá as dicas de redação. O siterecebe em média 20 textos por mês.

Há também um espaço para publicação de projetos delei das crianças: Se Eu Fosse Deputado. O site explica como

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redigir um projeto de lei, fornece exemplos e um formuláriopara a criança redigir o seu projeto. Dos projetos de leienviados durante o ano, uma comissão de consultores daCâmara seleciona três para serem apreciados durante o Câma-ra Mirim, a sessão infantil que acontece sempre em outubro.Em 2007, foram avaliados 210 projetos.

O Deputado do Futuro é uma entrevista on-line com ascrianças. O site utiliza um questionário padrão para entrevistaras crianças que têm propostas para o futuro do Brasil egostariam de ser deputados. Já o Mural de Recados é umespaço livre para troca de mensagens entre os sócios doClubinho. O mural fica publicado em uma das páginas do sitee mostra os recados trocados entre as crianças.

Além de usar esses instrumentos, as crianças podemparticipar das seções Continue a História, em que um autorinfantil escreve o início de uma história e as crianças inventame enviam os finais; e Dicas da Criançada, em que as criançasenviam uma dica de leitura para o site publicar. As enquetessemanais e o envio de desenhos completam as possibilidadesde interação para o público infantil.

Veículos jornalísticosVeículos jornalísticosVeículos jornalísticosVeículos jornalísticosVeículos jornalísticos

A Câmara mantém ainda, sob supervisão da Secom,quatro veículos jornalísticos: Agência Câmara de Notícias,Jornal da Câmara, Rádio Câmara e TV Câmara. Obviamente,a maior possibilidade interativa está disponível nos veículoseletrônicos, especialmente na Agência, que usa o ambientedigital para a divulgação de informações.

Entre os principais instrumentos da Agência parapossibilitar a participação do público está o bate-papo (chat).Geralmente, são escolhidos relatores de projetos polêmicos.O objetivo é que o leitor possa apresentar sugestões aorelatório e, assim, participar efetivamente do processolegislativo. Alguns deputados chegaram até a alterar o rela-tório com base nas sugestões apresentadas no bate-papo como público. O serviço é realizado desde 2005 e recebe, emmédia, 70 participantes por bate-papo. A Agência torna

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

disponíveis ainda as ferramentas Comente essa Notícia, pelaqual o leitor manda um e-mail diretamente para o autor oupara o relator dos projetos, sem intermediação de funcioná-rios ou jornalistas; e as enquetes – quinzenais –, geralmentesobre projetos em tramitação.

A Rádio Câmara tem como principal ferramentainterativa o programa O Ouvinte Quer Saber. A produção éfeita com base nas ligações dos ouvintes que questionamassuntos relacionados ao Legislativo ou que estejam na pautade debates e de votações. O programa existe desde 1998, masfoi suspenso em janeiro de 2007. A proposta de retomada daprodução inclui o aproveitamento de perguntas coletadasdurante a visitação presencial da Câmara.

Por sua vez, a TV Câmara tem uma série de programasem que a participação dos telespectadores é solicitada. Oprograma Participação Popular é uma produção semanal emque pessoas da sociedade vão à Câmara e debatem projetos derelevância para o cidadão com dois deputados. Outra produçãosemanal é o Expressão Nacional, em que o cidadão participaao vivo e pode enviar perguntas por e-mail ou pelo telefonegratuito da Câmara. A emissora mantém ainda o CâmaraLigada, programa de auditório mensal para os jovens, no qualos deputados discutem problemas relacionados à juventudebrasileira. A presença dos jovens no auditório garantedescontração na produção e possibilita a participação de umsegmento que utiliza pouco os demais canais interativos dainstituição, conforme já visto.2

O veículo menos interativo da Câmara é o jornalimpresso. Os únicos mecanismos de interatividade são oe-mail do jornal e o número de telefone da redação, publicadono expediente. No entanto, não há um profissional na redaçãoresponsável pela leitura e pela resposta das mensagens nem peloatendimento dos telefonemas. O endereço eletrônico quasenunca é acessado. Dessa forma, ficam sem resposta as cerca de300 mensagens, em média, que chegam por dia à redação. Já asligações são atendidas coletivamente pela equipe de jornalistas,sem que haja um setor específico para isso.

2 Todos os progra-mas da TV Câmaratêm e-mail para o ci-dadão entrar emcontato e fazer su-gestões e participar.O número gratuitoda Câmara tambémé divulgado em to-dos os programas.Além disso, a emis-sora tem um ende-reço eletrônico e umFale conosco espe-cífico, que tambémpode ser usado pelotelespectador.

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Acreditamos que a separação – que até abril de 2008 selimitava ao organograma e ao espaço físico, mas agora dizrespeito a dois setores diferentes da Câmara – entre as ativida-des de relações públicas e as de jornalismo seja um complicadorpara a atuação dos profissionais da comunicação, tanto daSecom quanto da Coordenação de Relações Públicas. Aseparação, motivada mais por razões políticas e burocráticasdo que por justificativas técnicas, inviabiliza que os serviçosde comunicação da Câmara sejam realizados como via decomunicação de mão dupla. De um lado, temos as ferramentasde interatividade; de outro, os veículos de informaçãojornalística. Para o público, contudo, o grande interesse é aparticipação a partir da e para a obtenção de informações úteispara ação política. Não há sentido, portanto, na separaçãoformal dos dois setores.

Participação políticaParticipação políticaParticipação políticaParticipação políticaParticipação política

A Câmara mantém alguns canais de interatividade forado setor de comunicação e alguns outros órgãos específicos,encarregados do contato com a sociedade. É o caso da OuvidoriaParlamentar, que recebe as críticas e os elogios da sociedadeà Câmara por meio do 0800 e por e-mail. A Ouvidoria é a áreapolítica da Casa que envolve oficialmente o atendimentodireto ao cidadão. Um deputado é responsável pelo setor, aocontrário dos outros serviços de interatividade e atendimentoao cidadão, deixados a cargo dos funcionários da instituição.

Em 2001, quando foi criada, a Ouvidoria recebeu 1.400consultas, número que já ultrapassou 7,7 mil entre fevereiro eoutubro de 2007. Os temas mais abordados são as solicitaçõespara agilização no trâmite de matérias que estão prontas paraa pauta do Plenário ou das comissões; orientações sobre comoconsultar presenças e votações de parlamentares; além decríticas relacionadas a denúncias de corrupção envolvendoparlamentares. Desde a criação do novo sistema de atendimen-to (SIS Ouvidor), em 5 de setembro de 2007, a média demensagens quase quadriplicou, alcançando entre agosto eoutubro daquele ano 4.235 mensagens, contra 1.134 no segun-do trimestre e 1.138 no primeiro.

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

O então ouvidor-geral da Câmara, deputado CarlosSampaio (PSDB-SP), atribui o aumento da demanda àsreformulações implementadas na Ouvidoria desde o início de2007, em especial à informatização do serviço. Desde setem-bro de 2007, o setor passou a usar o software livre SIS Ouvidor,desenvolvido pelo Centro de Informática da Câmara (Cenin)em parceria com a Universidade de Campinas (Unicamp).Oito funcionários treinados trabalham na triagem, pesquisa eresposta das mensagens enviadas, que são monitoradas peloouvidor.3

Segundo levantamento da Ouvidoria, dez assembleiaslegislativas e seis câmaras municipais das capitais já dispõemde ouvidoria. Estão sendo criadas outras três ouvidorias emcâmaras municipais de capitais e quatro em assembleiasestaduais. Um dos objetivos da Ouvidoria da Câmara é acriação de uma rede que interligue as ouvidorias parlamenta-res de todas as unidades da Federação.

Outro órgão que reflete o caráter interativo da Câmaraé a Comissão de Legislação Participativa4. Na página daCâmara, o link Participação Popular estimula o público asugerir projetos de lei à comissão. São apresentadas as regraspara o encaminhamento de projetos de iniciativa popular efornecidos os modelos de formulários de encaminhamento desugestões e dos diversos tipos de proposições (projetos de leiordinária ou complementar, requerimento de audiência públi-ca, etc.).

Além disso, a Câmara tem uma página especial nainternet, criada em novembro de 2006, que trata especifica-mente do orçamento do País. A página Orçamento Brasilfacilita o acompanhamento da elaboração, tramitação e execu-ção orçamentária por todos os interessados, sejam especialis-tas ou leigos. Os bancos de dados já existentes foram integra-dos, possibilitando o cruzamento de informações e a constru-ção de consultas e relatórios com várias opções de detalhamento.As informações provêm do novo sistema do Fiscalize,construído a partir de dados do Sistema Integrado de Adminis-tração Financeira do Governo Federal (Siafi).

3 Para encaminharreclamações ou dú-vidas para a Câma-ra, o cidadão podeligar para o telefonegratuito da instituiçãoou fazer sua solicita-ção na página eletrô-nica da Câmara, noícone Ouvidoria. Pordeterminação doouvidor-geral, todasas mensagens sãorespondidas e o pra-zo máximo das res-postas é de 30 dias.As mensagens re-petidas são registra-das e o usuário é infor-mado sobre o registroO usuário precisa seidentificar para enca-minhar uma denúncia,mas a Ouvidoria ga-rante sigilo de todosos dados.4 Desde 2001, quan-do foi criada a comis-são, foram apresen-tadas 603 proposi-ções de iniciativa po-pular, sendo que 199foram acolhidas pelacomissão e passa-ram a tramitar pelaCâmara. Só em2007, o orçamentofederal destinou R$18,6 milhões de re-cursos provenientesde emendas suge-ridas por organiza-ções civis na Comis-são de LegislaçãoParticipativa.

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As ferramentas de interatividade da Câmara, mais queinstrumentos do avanço tecnológico ou da modernidade digi-tal, são exemplos concretos de uma tentativa de aproximaçãodo Parlamento com a sociedade. Ainda que este artigo tenhadestacado suas limitações técnicas e burocráticas, especial-mente nas atividades jornalísticas da instituição, é inegável opoder simbólico que tais ferramentas detêm.

A decisão política de implementação de rotinas emeios eletrônicos ou digitais para interatividade e o investi-mento em tecnologia, capacitação de recursos humanos eadaptação dos processos legislativos às ferramentas refletema necessidade de transparência do Parlamento. Não apenasisso, mostram a aposta dos gestores políticos e técnicos dainstituição na interatividade como um valor a ser perseguidoe alcançado. Se ainda existem percalços a superar, já é umalento saber que tais instrumentos estão à disposição dopúblico, ainda que subutilizados – tanto pela instituiçãocomo pelos cidadãos.

Do ponto de vista sociopolítico, perspectiva adotadapara a análise aqui proposta, cabe discutir a redefiniçãodesses mecanismos para aperfeiçoar a efetividade das ferra-mentas de interatividade dos veículos de comunicação daCâmara dos Deputados com a sociedade. Assim, seria possí-vel reforçar o pressuposto de Habermas, no que se refere asuas formulações sobre a ação comunicativa. A interatividadeseria intensificada e poderia haver consequências políticasefetivas, decorrentes da participação do público. Nesse pro-cesso de redefinição, seria cabível maior articulação entre osmecanismos usados pelos veículos analisados. Como sãodiversificadas as ferramentas, essa articulação poderia evitarque a interatividade ocorresse como se os veículos fossem“ilhas”.

Consideramos ainda a pertinência e a relevância daadoção de mecanismos portadores de maior eficácia nainteração com o cidadão, uma vez que o Parlamento é umórgão de representação da sociedade. Dessa forma, talvez

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

seja necessário definir com mais ênfase e precisão umapolítica de atendimento ao cidadão, voltada especificamentepara os veículos de comunicação do Poder Legislativo, naqual sejam privilegiadas as medidas efetivas para a captação,o registro e o atendimento das demandas dos diversos seg-mentos da sociedade. Além de ferramentas convencionais deinteratividade e participação, o sistema de mídias legislativasnecessita de instâncias técnicas para administrar o relaciona-mento com seus públicos, tais como ouvidoria, ombusdmane serviços de atendimento ao leitor, ouvinte, telespectador,internauta e afins.

Caberia ainda destacar a necessidade de definir-seformalmente uma deontologia específica para o uso dessesmecanismos pelos sistemas legislativos de informação, a fimde estabelecer com maior clareza a missão institucional dasmídias legislativas e auxiliá-las no cumprimento adequado deseu papel como mediadoras entre o Parlamento e a sociedade.Essa deontologia poderia evitar que tais serviços fossem,eventual ou sistematicamente, usados como instrumentos po-líticos, à mercê dos interesses dos parlamentares responsáveispela gestão política dessas mídias.

Também seria necessária a colaboração e participaçãode representantes dos usuários para organizar e norteareticamente a gestão dos dispositivos de interatividade. As-sim, a concepção de liberdade de expressão seria ampliada eassociada à ideia de participação democrática e exercício deatitudes e posturas de cidadania. É oportuno enfatizar que aparticipação da sociedade e dos usuários contribuiria paraevitar que as mídias legislativas fossem identificadas apenascomo meros instrumentos de conexão eleitoral e captura devotos, amplificadores da visibilidade parlamentar ou inte-grantes de um sistema de gestão da reputação institucionale da imagem pública dos parlamentares, das comissões e dopróprio Poder Legislativo. Em suma, todas essas ideiasajudariam a fortalecer e legitimar a comunicação produzi-da pelo Poder Legislativo e os canais de participaçãosocial vinculados aos meios de informação mantidos peloParlamento.

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

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Resumo: O objetivo básico deste trabalho é identificar asprincipais causas que, dos pontos de vista institucional,normativo, teórico e metodológico, afetam a qualidade dasleis em Cuba. Para conseguir isso, faz-se uma descrição geraldo regime político estabelecido na Constituição de 1976 eutilizam-se os instrumentos analíticos desenvolvidos pelateoria e técnica da legislação nos últimos 30 anos e seusantecedentes nos séculos XVIII e XIX. Das conclusõesobtidas deriva um conjunto de recomendações que poderiamcontribuir para aprimorar a qualidade das leis em Cuba, bemcomo um estudo de caso interessante para o tema da teoriada legislação.

Palavras-chave: Regime político cubano, sistema eleitoral,qualidade das leis, processo legislativo.

Abstract: The basic objective of this study is to identify themain causes that, through the institutional, normative,theoretical and methodological point of view, affect thequality of law in Cuba. To achieve this one makes a general

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 85-121, jul./dez. 2009

* Este trabalho cons-titui um resumo docapítulo III da tese dedoutoramento “Oprocesso legislativointerno em Cuba. Ummodelo para suaanálise”.Tradução do origi-nal em espanhol:Paulo Roberto Ma-galhães

** Doutor emCiências Jurídicas eprofessor de Teo-ria do Estado, Teo-r ia do Direi to eFilosofia do Direitona Universidad de

Oriente (Santiagode Cuba)

REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBA*LEIS EM CUBA*LEIS EM CUBA*LEIS EM CUBA*LEIS EM CUBA*

YOEL CARRILLO GARCÍA**YOEL CARRILLO GARCÍA**YOEL CARRILLO GARCÍA**YOEL CARRILLO GARCÍA**YOEL CARRILLO GARCÍA**

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description of the political system established in theConstitution of 1976 and use the analytical tools developedby the theory and technique of legislation in the last thirtyyears and their antecedents in the eighteenth and nineteenthcenturies. From the conclusions obtained derives a set ofrecommendations that could help improve the quality of lawin Cuba, as well as an interesting case study for the themeof the theory of law.

Keywords: Cuban political system, electoral system, qualityof laws, legislative process.

I – O regime político cubanoI – O regime político cubanoI – O regime político cubanoI – O regime político cubanoI – O regime político cubano

Na menor das suas acepções, a expressão regimepolítico tem, no âmbito dos saberes que se dedicam à ciênciapolítica, um significado associado à análise de um conjunto devariáveis que se supõe devam estar presentes em uma orga-nização política determinada. Essas variáveis fazem referên-cia a elementos estruturais e funcionais que permitem identi-ficar, de um ponto de vista estático, os componentes doregime político e o lugar que cada um deles ocupa na suaestrutura geral; e, de um ponto de vista dinâmico, as funçõesque cada um deles realiza na sua estrutura e as interrelaçõesque se dão entre ambos.

Essa análise pode ser feita a partir de duas perspectivasmetodológicas diferentes. De uma perspectiva jurídico-for-mal, pode-se estudar o regime político por meio da regulaçãojurídica das instituições de direito público, nas quais seestabelecem os diferentes órgãos que o integram, as formasem que cada um deles se constitui, as funções que lhescompete realizar e as interrelações que devem se dar entre eles.De uma perspectiva sociológica, o regime político pode serestudado comparando o que dizem as normas de direitopúblico com o que de fato sucede na realidade política, paradeterminar até que ponto o que juridicamente deve ser estárepresentado no que de fato sucede na prática social.1

1 Para uma análiseda categoria de re-

gime político, vejaG O N Z Á L E ZHERNÁNDEZ, JuanCarlos. Regímenes

políticos in Diccio-nario Electoral ,IIDH-CAPEL, CostaRica, 1989, p. 566-575.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

Na primeira parte deste estudo, adota-se basicamente aperspectiva jurídico-formal para explicar como o regime políti-co cubano se integra do ponto de vista estático e qual é a suadinâmica de funcionamento. Recorre-se também à explicitaçãode elementos ideológicos ou sociológicos, à medida que permi-tam uma melhor compreensão da regulação jurídica vigente. Aexposição será dividida em quatro variáveis.

Características formais da integração eCaracterísticas formais da integração eCaracterísticas formais da integração eCaracterísticas formais da integração eCaracterísticas formais da integração efuncionamento dos órgãos do Estadofuncionamento dos órgãos do Estadofuncionamento dos órgãos do Estadofuncionamento dos órgãos do Estadofuncionamento dos órgãos do Estado

O atual regime político, tal como está configurado naConstituição da República de 1976, é produto do processorevolucionário iniciado na sociedade cubana a partir de 1º dejaneiro de 1959. Para compreender os principais fundamentospolíticos, teóricos e ideológicos que o sustentam, é necessáriofazer uma breve resenha histórica.2 Quando, no dia 3 dejaneiro de 1959, constituiu-se o primeiro Conselho de Minis-tros do Governo Revolucionário, na Biblioteca da Universidadde Oriente, organizou-se uma forma de governo que deveriase adaptar às urgências dos primeiros anos da Revolução. OPoder Executivo era exercido pelo presidente da República eassistido pelo Conselho de Ministros,3 enquanto o PoderJudiciário cabia ao Tribunal Supremo.

Naquela reunião, o presidente do Governo Provisóriodeclarou destituídas de seus cargos as pessoas que ocupavam aPresidência da República e as funções legislativas; declaroudissolvido o Congresso da República, cujas funções seriamassumidas pelo Conselho de Ministros, e, ainda, destituídos osgovernadores, prefeitos e vereadores municipais, que constituíama autoridade política nas suas respectivas jurisdições territoriais.

Assim, com sucessivas trocas, ampliações e reorgani-zações internas, o presidente da República e o Conselho deMinistros exerceram o poder político até 1976, ano em que,depois de entrar em vigência a Constituição da República,foram constituídos os órgãos do Poder Popular. Para organizá-los, realizou-se na província de Matanzas um experimentolegislativo de grande alcance, no qual foram postos à prova os

2 Para um estudoexaustivo desseprocesso no seuprimeiro ano, vejaBUCH RODRIGUEZ,Luís María. Gobier-

no Revolucionário.Génesis e prime-

ros pasos, Editorialde Ciencias Socia-les, La Habana,1997; e BUCHRODRÍGUEZ, LuísMaría e SUÁREZSUÁREZ, ReinaldoOtros pasos delGobierno Revo-

lucionario. Editorialde Ciencias Socia-les, La Habana, 2002.

3 Em fevereiro de1959 o comandanteFidel Castro Ruz foinomeado para ocu-par o cargo de pri-meiro-ministro doGoverno Revolucio-nário. Até esse mo-mento Fidel Castronão havia ocupadonenhum cargo nogoverno.

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elementos essenciais que deviam constituir o regime políticoa ser adotado no país.4 Para a redação do anteprojeto deConstituição, que deveria recolher os resultados daqueleexperimento e os princípios de organização e funcionamentodo regime político, fora constituída, em 1974, por acordo doConselho de Ministros e do Birô Político do Partido Comunistade Cuba, uma comissão integrada por membros de ambas asinstituições, com o objetivo de redigir a primeira minuta dafutura Constituição da República.

São esses, em síntese, os antecedentes do atual regimepolítico cubano, aos quais há que se acrescentar algunsfundamentos teóricos e ideológicos, tomados, tanto em suaexpressão constitucional como na prática política, da históriapolítica e constitucional cubana e do marxismo-leninismo deorigem soviética.5

A Constituição resultante, que entrou em vigor em 24de fevereiro de 1976, foi modificada em três ocasiões: 1978,1992 e 2002. A reforma de 1992 teve um alcance significativoquanto à estrutura e ao funcionamento do regime político e aosseus fundamentos ideológicos.

No tocante à organização estatal, a Constituição esta-belece que a Assembleia Nacional do Poder Popular (doravanteAssembleia Nacional) é o órgão máximo do poder do Estadoe representa e expressa a vontade popular. É integrada pordeputados eleitos para um período de cinco anos pelo votolivre, direto e secreto dos cidadãos em pleno gozo de seusdireitos políticos; é o único órgão com poder constituinte elegislativo;6 reúne-se em sessões ordinárias duas vezes ao anoe, em sessões extraordinárias, quando for convocada peloConselho de Estado ou por acordo da terça parte dos deputa-dos; é uma assembleia unicameral, que, para realizar seutrabalho, é auxiliada por comissões especializadas em diferen-tes esferas das relações sociais, de caráter permanente outemporário;7 não está dividida em grupos parlamentares regio-nais ou de qualquer outra natureza; seus membros sãorepresentantes do povo em seu conjunto, e não da circunscri-ção pela qual foram eleitos ou das organizações às quais

4 Para um amplo con-junto de documentosrelacionados a esseprocesso, veja Órga-

nos del Poder Popular.Documentos rectores

para la experiencia de

Matanzas. EditorialOrbe, La Habana, 1974.5 Desse último o regi-me político cubanotomou as concep-ções de democraciasocialista e de uni-dade de poder. Aprimeira concepçãoserve de fundamen-to para o sistema elei-toral, do qual se fala-rá mais adiante. Asegunda fundamen-ta a ideia de que nãoexistem no regimepolítico vários “po-deres” Legislativo,Executivo e Judiciá-rio), porém um sópoder, o poder dopovo, que é exerci-do por diferentesórgãos do Estado.Na prática, a doutri-na da unidade depoder levou a que,em determinadasocasiões, uma mes-ma pessoa ocupas-se simultaneamentecargos no Conselhode Estado, no Con-selho de Ministros,no Partido, nas or-ganizações sociaise de massas e naAssembleia Geral.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

pertença; entre os seus deputados, a Assembleia Nacionalelege seu presidente, vice-presidente e secretário.8

Entre um e outro período de sessões a AssembleiaNacional é representada pelo Conselho de Estado, que executaos acordos da Assembleia e cumpre as demais funções que lheatribui a Constituição. Trata-se de um órgão colegiado, que,para fins nacionais e internacionais, ostenta a representaçãodo Estado. Os seus membros são eleitos pela AssembleiaNacional entre os seus deputados. O presidente do Conselhode Estado é também presidente do Conselho de Ministros echefe de Estado e de Governo.9

A função executiva do governo é realizada pelo Conse-lho de Ministros, que, além de órgão máximo executivo eadministrativo, constitui o Governo da República. Os mem-bros do Conselho são eleitos pela Assembleia Nacional porproposta do seu Presidente e é integrado por um presidente,primeiro-vice-presidente (que é também primeiro-vice-presi-dente do Conselho de Estado), pelos vice-presidentes, minis-tros, secretário e pelos demais membros que determine a lei.

A função judiciária é realizada pelo Tribunal SupremoPopular, cujo presidente, vice-presidente e demais juízes sãoeleitos pela Assembleia Nacional. Os tribunais que o integramconstituem um sistema de órgãos estatais, estruturado comindependência funcional de qualquer outro tribunal e subordi-nado hierarquicamente à Assembleia Nacional e ao Conselhode Estado. A função básica do TSP consiste em ministrar ajustiça em nome do povo.

Outro órgão que integra o regime político cubano é o deFiscalização Geral da República, cujo titular, bem como os vice-fiscais-gerais, são eleitos pela Assembleia Nacional. A esse órgãocompete, como objetivos fundamentais, o controle e a preserva-ção da legalidade, com base na observância do estrito cumpri-mento da Constituição, das leis e demais disposições legais pelosórgãos do Estado, entidades econômicas e sociais e peloscidadãos; e a promoção e o exercício da ação penal públicarepresentando o Estado. Finalmente, para dirigir o país nas

De fato, a Constitui-ção não estabeleceincompatibilidadespara o exercício dediferentes cargos noregime político. Esse“desempenho simul-tâneo de funções” éum dos “núcleosduros” do regimepolítico identificadospor Hugo Azcuy. Cf.Cuba: ReformaConstitucional ou

Nova Constituição?

em Cuadernos deNuestra America,vol. XI, nº. 22, 1994,p. 42-43.6 Não se trata de sero único órgão comfunção legislativa,pois há outros quetambém a têm, masde que é o único quereúne de uma só vezfunções constituin-tes e legislativas.7 Para a atuallegislatura foramconstituídas as se-guintes comissõespermanentes: deAssuntos Constitu-cionais e Jurídicos;de Relações Interna-cionais; de ÓrgãosLocais do Poder Po-pular; Agroalimen-tar; de Atenção aosServiços; de Assun-tos Econômicos; deSaúde e Esporte; deEducação, Cultura,Ciência e Tecnolo-gia; de Atenção à Ju-ventude, à Infância eà Igualdade de Direi-

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condições de estado de guerra, mobilização geral e estado deemergência, foi criado em tempos de paz o Conselho de DefesaNacional, cujo titular é o presidente do Conselho de Estado.

Por ser Cuba um Estado unitário, cada um dessesórgãos tem sua representação nas diferentes jurisdiçõesterritoriais em que está dividido o país.

Sistema eleitoralSistema eleitoralSistema eleitoralSistema eleitoralSistema eleitoral

Em que pese o que habitualmente se acredita noexterior, desde 1976 realizam-se em Cuba eleições para algunsórgãos que integram o regime político. O atual sistemaeleitoral, cujos princípios estão estabelecidos na Constituiçãoe na Lei 72, de 1992 (Lei Eleitoral), tem seus antecedentes naseleições que se realizaram na província de Matanzas, em 1974.Por meio dessa lei, se estabeleceram os princípios básicos dosistema, segundo o qual deveriam se realizar experimental-mente as eleições naquela província, tratando-se do primeiroprocesso eleitoral realizado em Cuba depois de 1959. Emboraa Lei Fundamental, de 7 de fevereiro daquele ano, tivesseprevisto a elaboração de um Código Eleitoral e a constituiçãode um Tribunal Superior Eleitoral, nenhuma das duas previ-sões constitucionais foi executada.10

A Lei Eleitoral vigente estabelece dois tipos de eleições:

a) eleições gerais, realizadas a cada cinco anos, pormeio das quais são renovados todos os órgãos representativos(Assembleia Nacional, Conselho de Estado e assembleiasprovinciais e municipais do Poder Popular); e

b) eleições parciais, realizadas a cada dois anos e meio,por meio das quais se elegem os delegados às assembleiasmunicipais do Poder Popular.

Desenvolvimento do processo eleitoralDesenvolvimento do processo eleitoralDesenvolvimento do processo eleitoralDesenvolvimento do processo eleitoralDesenvolvimento do processo eleitoral

Com o objetivo de organizar, dirigir e validar osprocessos eleitorais, são criadas comissões eleitorais, deâmbitos nacional, provincial, municipal e distrital. Além delas,

tos da Mulher; de De-fesa Nacional; deEnergia e Meio Ambi-ente e de Atenção àIndústria e às Cons-truções.8 Desde 1992 até aatualidade tem sidoeleito sucessivamen-te, como presidente,Ricardo Alarcón deQuesada e, comovice-presidente, des-de 1976 até o pre-sente, Jaime AlbertoCrombet Hernández-Baquero.9 Para o cargo depresidente dos Con-selhos de Estado ede Ministros foi elei-to sucessivamente,nas eleições geraisrealizadas de 1976a 2003, o coman-dante-chefe FidelCastro Ruz. Em ju-lho de 2006 foi subs-tituído, em razão deuma enfermidade,pelo primeiro vice-presidente, generalde Exército RaúlCastro Ruz. Para aseleições de janeirode 2008 Fidel Cas-tro declarou “quenão aspirarei nemaceitarei – repito –não aspirarei nemaceitarei o cargo depresidente do Con-selho de Estado ecomandante-che-fe”; nessas eleiçõesfoi eleito o generalde Exército Raúl

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

são criadas comissões eleitorais de circunscrição e, quandonecessárias, comissões eleitorais especiais. Trata-se de co-missões criadas ad hoc para cada processo eleitoral.

Outra autoridade que intervém no processo eleitoralsão as comissões de candidaturas, de âmbitos nacional,provincial e municipal, cuja função consiste em elaborar osprojetos de candidaturas de delegados às assembleias provin-ciais e de deputados à Assembleia Nacional, bem comopreencher os cargos que elegem cada uma delas.11

As eleições são convocadas pelo Conselho de Estado ecomeçam com a eleição dos delegados de circunscrição, queintegram as assembleias municipais. O processo deve trans-correr, legalmente, da seguinte forma:

1 – os cidadãos residentes nas diferentes circunscri-ções eleitorais criadas para essa finalidade se reúnem epropõem diretamente os candidatos,12

2 – no dia das eleições, os cidadãos com direito a votoelegem o candidato de sua preferência mediante o voto livre,direto e secreto. O candidato que obtiver maioria simples éeleito e passa a integrar a Assembleia de seu município. Dentreos delegados, elege-se um presidente e um vice-presidente apartir de uma lista previamente elaborada pela Comissão deCandidaturas Municipal, na qual aparece um candidato paracada cargo a ser preenchido;

3 – depois de constituídas as assembleias municipaisrealiza-se uma sessão, com o objetivo de eleger os delegadosàs assembleias provinciais. Os pré-candidatos são propostospela Comissão de Candidaturas Municipal, e a lista é remetidapara a Comissão de Candidaturas Provincial. Esta remetenovamente às Comissões de Candidaturas dos municípios queintegram a província a lista dos pré-candidatos a delegado àAssembleia Provincial;

4 – compete também à Comissão de CandidaturasMunicipal remeter à Comissão de Candidaturas Nacional aproposta de pré-candidatos a deputados à Assembleia Nacio-

Castro Ruz. A men-sagem de Fidel Cas-tro está disponívelna Internet: http///www.granma.cuba-web.cu/2008/02/1 9 / n a c i o n a l /artic03.html.10 Segundo CarlosRafael Rodríguez, umdirigente dessa épo-ca, “o desejo de insti-tucionalizar a Revo-lução surgiu em seusdirigentes desde osprimeiros dias. Deverecordar-se que dosbalcões do PalácioPresidencial, logoapós iniciado o pro-cesso de construçãorevolucionária, FidelCastro falou de elei-ções e, para surpre-sa de todos os res-ponsáveis por estaRevolução, um gritounânime surgiu da-quela multidão: ‘Não,não, não!’. Era evi-dente que ao povointeressava mais aRevolução que tinhaem vista, do que avelha aparência deinstitucionalidadedemocrática-repre-sentativa, mentira daqual havia vivido, epadecido, durantemais de meio século(…). Desde então, adireção da Revolu-ção cubana dedicou-se à busca daquelasformas de governoque fossem maisadequadas às ca-

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nal selecionados entre os delegados à Assembleia Municipalcorrespondente;13

5 – depois de ajustadas, cada uma das listas de pré-candidatos a delegados à Assembleia Provincial e deputadosà Assembleia Nacional é submetida à aprovação das assembleiasmunicipais, as quais podem recusar algum dos pré-candida-tos, expondo em cada caso as razões para isso. A exclusão dopré-candidato que for recusado deve ser aprovada pelamaioria dos delegados presentes. Depois disso o presidente daComissão de Candidaturas Municipal faz uma nova proposta;

6 – cumprido o trâmite anterior, o presidente daComissão de Candidaturas Municipal submete as propostas,individualmente, à votação dos delegados à Assembleia Muni-cipal. Se algum deles não obtém os votos necessários, aComissão de Candidaturas Municipal faz uma nova proposta,que é submetida ao mesmo procedimento. Os pré-candidatosaprovados são agora candidatos;

7 – completadas a lista de candidatos a delegados àAssembleia Provincial e a de deputados à Assembleia Nacio-nal, o Conselho de Estado convoca as eleições, que se realizamnum mesmo dia em todo o país;

8 – depois de eleitos os delegados às assembleiasprovinciais e os deputados à Assembleia Nacional, procede-seà sua constituição. Na sessão constitutiva da AssembleiaProvincial são eleitos, entre os delegados, o seu presidente evice-presidente;

9 – na sessão constitutiva da Assembleia Nacional sãoeleitos o presidente, vice-presidente e secretário, a partir dacandidatura elaborada pela Comissão Nacional de Candidatu-ras. Para cada cargo a preencher, propõe-se um candidato,que deve obter mais de 50% dos votos válidos emitidos;

10 – na mesma sessão também se elegem, a partir deproposta da Comissão de Candidaturas Nacional, os membrosdo Conselho de Estado;

racterísticas de nos-so processo revolu-cionário”. Cf.RODRÍGUEZ, CarlosRafael. Entrevista a

Teresa Gurza emLetra com filo, Edito-rial de CienciasSociales, La Habana,1983, tomo II, p. 195;no mesmo sentido,FERNÁNDEZ-RUBIOLEGRÁ, Ángel. Elprocesso de institu-

cionalización de la

Revolución Cubana.Editorial de CienciasSociales, La Habana,1985, p. 36-39.11 As comissões decandidaturas são in-tegradas por repre-sentantes da Cen-tral de Trabalhado-res de Cuba, dosComitês de Defesada Revolução, daFederação de Mu-lheres Cubanas, daAssociação Nacio-nal de AgricultoresPequenos, da Fede-ração Estudantil Uni-versitária e da Fede-ração de Estudan-tes do Ensino Médio.12 Os requisitos paraexercer o direito devoto são os costu-meiros em qualquerpaís: idade mínimade 16 anos, tempode residência, ple-no gozo dos direitospolíticos e ausênciade incapacidademental declaradajudicialmente. No

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

11 – um dos princípios que regem o sistema eleitoralconsiste na possibilidade de que os eleitos para ocupar quaisquerdos cargos mencionados possam ter sua investidura revogadapor quem o elegeu, o que confere aos eleitores um mecanismode controle permanente sobre seus representantes;14

12 – como “escalão intermediário” entre as assembleiasmunicipais e os eleitores encontram-se os conselhos popula-res, incorporados à Constituição na reforma de 1992.

Para completar o resumo do processo eleitoral ecompreender a lógica de seu funcionamento, devem-se con-siderar quatro elementos fundamentais:

1 – o primeiro deles está relacionado à ausência departidos políticos ou qualquer outro tipo de organizaçãopolítica que apresente candidatos e faça propaganda em favordeles. A escolha dos candidatos compete aos cidadãos, nocaso dos delegados às assembleias municipais, ou às comis-sões de candidaturas. As organizações que participam doprocesso, que não são políticas, mas “sociais e de massas”,o fazem por meio de seus representantes, que integram ascomissões de candidaturas. Em consequência, as eleições nãosão competitivas (para cada cargo a eleger propõe-se umcandidato para preenchê-lo), salvo na eleição dos delegados àsassembleias municipais, nas quais para um cargo deve-seapresentar um mínimo de dois candidatos;

2 – associado a essa característica está o fato de que nãohá propaganda eleitoral em favor dos candidatos para quaisquerdos cargos a serem ocupados. Esse princípio já estava estabe-lecido na lei eleitoral por meio da qual regularam-se as eleiçõesexperimentais na província de Matanzas, onde ficou “proibidaa realização de propaganda a favor dos candidatos, sob a formade bandas de música, ou o uso de representações teatraissatíricas ou outras formas semelhantes.15 De fato, entre osprincípios da “ética eleitoral” legalmente estabelecidos está o deque os processos eleitorais devem estar afastados de “todaforma de oportunismo, demagogia e politicagem” e que “apropaganda que se realizará será a divulgação das biografias,

caso dos deputadosà Assembleia Nacio-nal, a idade mínima é18 anos.13 No máximo 50%dos pré-candidatosdevem ser propos-tos pelas assem-bleias municipais. Aoutra metade é pro-posta pela Comissãode Candidaturas. Aprevisão de que só50% dos pré-candi-datos devem serdelegados dasassembleias munici-pais foi explicadaassim: “há cidadãoscujas ineludíveis ati-vidades políticas elaborais não lhespermitem assumirresponsavelmenteas tarefas locais doPoder Popular, peloque, apesar de suaalta qualificação – eprecisamente porela – os eleitoresnão os proporiamnem elegeriam pararepresentantes emnível municipal (…).Desse modo, opovo, através deseus representan-tes diretos, pode in-corporar aos ór-gãos superiores doPoder Popular aque-les cidadãos queprecisamente, porsua alta capacida-de, experiência equalificação, julgamque não devem serincorporados à

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acompanhadas de reproduções da imagem dos candidatos, queserá exposta em locais públicos ou por meios de difusãomassiva do país...”. Permite-se, por outro lado, que os candi-datos possam “participar de atos, conferências e visitas acentros de trabalho e trocar opiniões com os trabalhadores (…)sem que isso se considere campanha de propaganda eleitoral”;

3 – um dos elementos centrais do processo eleitoral éconstituído pelas comissões de candidaturas, que têm funçãodupla: compete-lhes propor 50% dos pré-candidatos a delega-dos às assembleias provinciais e a deputados à AssembleiaNacional, que devem ser aprovados como candidatos pelasassembleias municipais. Esse percentual de 50% é normal-mente constituído por personalidades destacadas nos âmbitosda ciência, da cultura ou do esporte ou por funcionáriospúblicos, que, por não terem uma vida social “normal” em suacomunidade, são indicados para essas comissões a fim degarantir a representação desses setores sociais nos órgãoseleitos e propor os candidatos para preencher os cargoseletivos em cada Assembleia e no Conselho de Estado;

4 – as assembleias do Poder Popular não são órgãos quefuncionam de maneira permanente, reunindo-se normalmenteduas vezes por ano por um período que costuma variar entre ume três dias. Fora desse período são representadas pelo Conselhode Estado (no caso da Assembleia Nacional) ou pelo Conselhode Administração (Provincial ou Municipal). Para realizar suasfunções, as assembleias são constituídas por comissões per-manentes ou temporárias, de acordo com as necessidades.Aqueles que não ocupam cargos de direção na Assembleia ounão são membros de suas comissões permanentes normalmen-te continuam nos seus postos de trabalho, recebendo seusalário. Ser delegado ou deputado não implica, legalmente,nenhum privilégio ou benefício econômico adicional.

Formas de participação popularFormas de participação popularFormas de participação popularFormas de participação popularFormas de participação popular

De acordo com o artigo 3º da Constituição, “naRepública de Cuba a soberania reside no povo, do qual emanatodo o poder do Estado. Esse poder é exercido diretamente ou

Assembleia Munici-pal do Poder Popu-lar, mas reservadospara as instânciassuperiores ou paraa suprema...” Cf .Comentarios sobreel nuevo sistema

electoral. Trabalhoredigido por um co-letivo de advogadosda Direção Jurídicado Ministério da Jus-tiça, in Documentos

Jurídicos Básicos.

Faculdade de Direi-to, Universidade deOriente, 1983, p. 46.14 O desenvolvimen-to desse preceitoconstitucional estáregulamentado naLei nº. 89, de 1989,Lei de Revogação deMandatos dos Elei-tos para os órgãosdo Poder Popular.15 Não houve cam-panha eleitoral, mas“o domingo 30 dejunho de 1974 foi umverdadeiro dia defesta para os‘matanzeiros’. Fo-ram colocadas flo-res e bandeiras nasportas, janelas esacadas, vilas e ci-dades (…). Pionei-ros com vistososlenços nos pesco-ços custodiavamsimbolicamente asurnas”. Cf. A A VV. AProvíncia de Matan-zas. Editorial Orien-te, Santiago deCuba, 1978, p. 148.

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por meio das assembleias do Poder Popular e demais órgãosdo Estado de que delas se derivam”. Segundo esse preceitoconstitucional, podem-se distinguir duas formas de participa-ção popular: a) direta; e b) indireta, por meio dos representan-tes eleitos.

a) As formas de participação popular direta são cada vezmais complexas nos regimes políticos contemporâneos. Nelasa intervenção dos cidadãos nos assuntos públicos é mediatizadapor organizações de todo o tipo. Desse modo, nas atuaisdemocracias representativas a esfera da participação populardireta se reduz às eleições de representantes para os diferentesórgãos do Estado, à participação em referendos e consultaspopulares e à iniciativa legislativa popular. Essas três formas departicipação política direta estão reguladas em Cuba.

A eleição direta dos representantes evoluiu desde otempo em que os cidadãos só elegiam diretamente os delega-dos às assembleias municipais, até que se estabeleceu a eleiçãodireta, pelos cidadãos, dos delegados às assembleias munici-pais e provinciais e dos deputados à Assembleia Nacional. Oúnico referendo popular realizado foi para a aprovação doprojeto de Constituição em 1976. As consultas populares têmsido mais frequentes, sobretudo para a análise de projetos deleis por meio dos quais se regulam relações sociais de grandetranscendência. A convocação dessas consultas é exclusivada Assembleia Nacional. Por fim, a iniciativa legislativapopular nunca foi exercida. Além dessas formas, também anomeação dos candidatos a delegados às assembleias munici-pais é uma forma de participação popular direta.

Uma forma peculiar de participação popular direta éconstituída pelo processo de prestação de contas, realizadopelos delegados às assembleias municipais, por meio do qualos eleitores recebem informação da gestão realizada por elese dos problemas da circunscrição que devem ser resolvidos.Esse processo se cumpre rigorosamente todos os anos.

b) A forma indireta se manifesta no fato de que oseleitos devem exercer suas funções em nome e no interesse de

MUÑOZ VALDÉS,Gilberto Intro-

ducción al estudio

del Derecho, Edito-rial Pueblo y Edu-

cación, La Habana,1982, p. 101, por seuturno, faz referên-cia “ao caráter purodessas consultas,realizadas sem ma-nobras politiqueiras,sem fraudes, semdemagogia, sem maiscampanha eleitoralque a própria vida econduta, a página deserviços à pátria docandidato.”

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seus representantes, sob pena de serem submetidos a umprocesso de revogação do mandato conferido. Ela também seestabelece na eleição dos titulares das assembleias do PoderPopular em todos os níveis e do Conselho de Estado, cujaeleição se realiza pelos representantes eleitos pelo voto diretodos cidadãos.

Organizações políticasOrganizações políticasOrganizações políticasOrganizações políticasOrganizações políticas

No processo eleitoral os candidatos são propostosdiretamente pelos cidadãos, assembleias municipais ou co-missões de candidaturas, não intervindo nesse processonenhuma organização política. As organizações inscrevem eapresentam os seus próprios candidatos e fazem propagandaeleitoral a favor deles, com o objetivo de obter os votos doseleitores e convertê-los em cargos públicos. Esse fato suscitaimediatamente algumas interrogações: se existem ou nãoorganizações políticas em Cuba. Qual é o caráter delas? Quefunção realizam no regime político, esclarecendo-se de ante-mão que não é uma função eleitoral?

A primeira e mais importante das organizações políti-cas é o Partido Comunista de Cuba. Outra organização políticaé a União de Jovens Comunistas. As demais organizações que,segundo o artigo 7º da Constituição, são reconhecidas peloEstado são aquelas que, “surgidas no processo histórico daslutas de nosso povo, agrupam em seu seio distintos setores dapopulação, representam seus interesses específicos e osincorporam às tarefas da edificação, consolidação e defesa dasociedade socialista”. Representantes destas últimas são aque-les que integram as comissões de candidaturas que participamdo processo eleitoral.

Trata-se de “organizações de massas e sociais,”16 quecumprem uma dupla função. De um lado, representam osinteresses de seus membros e, de outro, realizam em algumamedida tarefas estatais que lhes são encarregadas em determi-nadas esferas da sociedade.17 Essas organizações cumpremtambém uma importante função política, já que, por meio delas,

16 Nos últimos anosessas organizaçõesvêm se apresentan-do sob o nome gené-rico de “organiza-ções da sociedadecivil cubana.”17 Esse é outro dos“núcleos duros” doregime político iden-tificados por HugoAzcuy. Cf. “Cuba

¿Reforma Consti-tucional...? op. cit.p. 42-43; no mesmo

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transmitem a seus membros a política do governo na esfera desua influência, além de serem uma fonte importante de socia-lização, recrutamento político e formação de “quadros”.

O Partido Comunista de Cuba, o único legalmentereconhecido pelo regime político, não é um partido cujafunção básica, como em qualquer regime político contempo-râneo, é a participação no processo eleitoral (com tudo o queisso implica). A sua posição no regime político, assim comoa sua função principal, está regulada estritamente no artigo 5ºda Constituição, que estabelece: “O Partido Comunista deCuba, martiano e marxista-leninista, vanguarda organizada danação cubana, é a força dirigente superior da sociedade e doEstado, que organiza e orienta os esforços comuns, visandoaos elevados fins de construção do socialismo e ao avanço emdireção à sociedade comunista”.

O Partido Comunista foi constituído em 1965, depoisde um processo de união das diferentes forças políticasexistentes no país que haviam contribuído para o triunfo daRevolução. Desde então, ele tem sido a força política dirigenteda sociedade e do Estado. É uma organização política acimade qualquer outra, inclusive do próprio Estado. Dessa organi-zação política emanam as linhas fundamentais do desenvolvi-mento do país em todos os ordenamentos da vida social(traçados pelo Congresso, que, segundo seus estatutos, deverealizar a eleição de seus representantes a cada cinco anos)18.

O Partido tem sido historicamente a principal fonte de recru-tamento político e formação de quadros e, normalmente, seussecretários provinciais são os que ocupam de imediato asposições-chave no Estado, no governo e no próprio Partido.A história da função dele no regime político está em grandeparte resumida no informe central de cada um dos congressoscelebrados.

Quanto à relação entre o regime político e a qualidadedas leis, o Partido cumpre uma função essencial, já que é aprincipal fonte de impulsos legislativos, a partir dos quais sedesencadeia todo o procedimento legislativo.19 De outra parte,suas disposições são consideradas por alguns autores como

sentido cf. ÁLVAREZTABÍO, Fernando.Comentarios a la

Constitución Sio-cialista, EditorialPueblo y Educación, LaHabana, 1981, p. 43.18 As organizaçõessociais e de mas-sas estão “destina-das a servir de cor-reia de transmissãoentre o partido e asmassas populares eestas prestam umaajuda decisiva paraa realização de suastarefas”. Cf.MÁRCHENKO, N. ePÉREZ SAR-MIENTO, Eric. “O sis-tema político da so-ciedade socialistacubana em AAVVManual de Teoría

del Estado e el

Derecho, Editorialde Ciencias Socia-les. La Habana,1988, p. 220. O pri-meiro congressorealizou-se em1975, o segundo em1980, o terceiro em1985, o quarto em1991 e o quinto em1997. Desde entãonão se realizou ne-nhum outro. O sex-to, segundo anun-ciou o general-de-Exército Raúl Cas-tro Ruz, segundo-secretário de seuComitê Central no VIPleno do referidocomitê, que abriusessão no dia 28 de

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uma fonte indireta de Direito, particularmente no âmbito desua aplicação em sede administrativa.20

II – O processo legislativoII – O processo legislativoII – O processo legislativoII – O processo legislativoII – O processo legislativo21

Nos estudos recentes relacionados com a teoria dalegislação, foram feitas várias distinções com o objetivo delograr uma maior compreensão do processo de produçãolegislativa do Direito. Entre essas diferenciações, encontra-se aque divide o processo legislativo em duas etapas: processolegislativo interno e processo legislativo externo. O critériopara fazer essa distinção consiste em tomar como referência osórgãos ou autoridades que intervêm em cada etapa e a publici-dade ou não do seu desenvolvimento e dos seus resultados.

O processo legislativo interno estaria integrado porduas subetapas. A primeira compreende o conjunto de traba-lhos, estudos e investigações prévias que se realizam para aelaboração de um projeto de lei e se conclui com suaapresentação perante o órgão legislativo competente para suadiscussão e aprovação. Essa subetapa costuma denominar-setambém de avaliação ex ante. A segunda subetapa começaquando a lei, já em vigor, é efetivamente aplicada e se procedeà avaliação da medida em que as expectativas que determina-ram sua adoção são conseguidas com seu cumprimento eaplicação. Essa subetapa costuma denominar-se também deavaliação ex post.

No processo legislativo interno geralmente intervêmfuncionários da administração pública, grupos de trabalho,comissões de estudo, comissões de especialistas ou comis-sões permanentes constituídas por quem exercerá a iniciativalegislativa ou por quem tem competência para aprovar adisposição jurídica que resultará dessa etapa (na avaliação exante) ou, no caso de se tratar de estudos sobre leis já vigentes(avaliação ex post), por quem é responsável pela aplicação dadisposição jurídica submetida a estudo.22

Na avaliação ex ante, só há publicidade quando oprojeto de lei é submetido a referendo popular ou a qualquer

abril de 2008, deve-ria realizar-se emfins do segundosemestre de 2009(informação dispo-nível na Internet:h t t p : / / /w w w . c a d e n a h a -bana.cu/noticias/n a c i o n a l e s /noticias02290408.htm).Todavia, no VII Ple-no do Comitê Cen-tral, realizado em 29de julho de 2009,“acordou-se adiar arealização do VICongresso do Parti-do até que haja sidovencida essacrucial etapa de pre-paração prévia”.(disponível naInternet: http:///www.bohemia.cu-basi.cu/2009/07/31/noticias/cuba-raul-castro-pleno.html).19 Grande parte dosprincípios da políticalegislativa que se-guiu o governo estácontida nos informese a indicação dosimpulsos que condu-ziram ao processolegislativo é expres-samente declaradaem um número signi-ficativo de leis cuba-nas dos últimos 45anos. Uma amostradesses impulsos éprecisamente o fatode que o SegundoCongresso “acordouem recomendar àAssembleia Nacional

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outro tipo de consulta cidadã. Na avaliação ex post, ocorrequando os resultados obtidos permitem justificar a modifica-ção ou revogação da lei vigente, ou quando se espera que dissoresulte uma melhora na sua aplicação ou no seu cumprimentopelos seus destinatários.

O processo legislativo externo estaria constituído, porum lado, pelos diferentes passos, procedimentos e autorida-des que intervêm na gestão de um projeto de lei, desde que eleé apresentado perante o órgão legislativo competente até queentre em vigor como lei. As autoridades que intercedem sãoaquelas legalmente facultadas pelas normas que regem oprocesso de discussão e deliberação no órgão legislativo(comissões parlamentares, grupos parlamentares, oradores,quem exerce a iniciativa legislativa, representantes do gover-no, etc.). O processo legislativo externo geralmente é público,já que as deliberações costumam ser difundidas pelos meiosde comunicação, quando não se trata de uma sessão secretado órgão legislativo.

Outros estudos mais analíticos distinguem, de um pontode vista institucional e levando-se em conta a hierarquianormativa da futura disposição jurídica e o procedimento quedeve ser seguido para a sua produção, três fases no processolegislativo: a fase pré-legislativa, a fase legislativa e a fase pós-legislativa.23 A primeira e a última correspondem aproximada-mente ao processo legislativo interno ex ante e ex post, enquantoa segunda corresponde ao processo legislativo externo.

Não obstante as características particulares que po-dem ter a regulação do processo legislativo em diferentesregimes políticos, pode-se afirmar que, de forma geral, a faselegislativa é um elemento imprescindível na produção legislativado Direito, enquanto que as fases pré-legislativa e pós-legislativa dependem da expressa regulação delas noordenamento jurídico e da vontade política das autoridadescompetentes para decidir e orientar sua execução.

Afirma-se, por exemplo, que um projeto de lei que sejaaprovado e entre em vigor sem que se realize a fase legislativa

o estudo da legisla-ção eleitoral vigen-te, a partir das expe-riências obtidasdesde sua promul-gação, com o propó-sito de incorporar asmodificações que asmesmas indiquem.”Como resultado des-se impulso foi pro-mulgada a Lei nº 37,de 1982 (Lei Eleito-ral). Além disso, “oQuarto Congressoaprovou (…) um gru-po de recomenda-ções destinadas atransformar o siste-ma eleitoral”. Comoresultado desse im-pulso se promulgoua Lei nº 72, de 1992,de mesmo nome.20 Cf. CORREA,Matilla, Comentári-

os sobre as fontesdo Direito Adminis-

trativo cubano

(exceto o regula-mento) em AAVV

Temas de Derecho

Administrativo... p.90 e seguintes.21 Utilizarei a expres-são “processo legis-lativo” quando fizerreferência ao proces-so de produçãolegislativa do Direitocomo categoria geral;quando se tratar dasua regulamentaçãolegal em Cuba utiliza-rei a expressão “pro-cedimento legis-lativo”, que é o nome

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(ou seja, sem haver sido previamente discutido e aprovadosegundo o procedimento legalmente estabelecido) não deveriaconstituir propriamente uma “lei válida”. Em todo casotratar-se-ia de uma lei de “duvidosa validade formal”, aopasso que se esse trâmite for cumprido (ainda que nãotenham sido realizados estudos prévios para a sua prepara-ção ou não tenham se estabelecido os meios necessários paraa avaliação dos resultados da sua aplicação e do seu cumpri-mento) poder-se-ia dizer que se trata simplesmente de uma“lei má”, ou de uma lei que poderia ter comprometida suaeficácia e legitimidade. Todavia em nenhum dos dois casosseriam negadas ao novo diploma legal as qualidades formaispróprias de uma lei.

Assim, da execução de um processo legislativo dequalidade e da avaliação de todos os fatores necessários quepossam garantir a eficácia e efetividade das leis, depende aqualidade da legislação, um tema que está no centro dosdebates atuais no âmbito dos estudos de teoria da legislação.24

As distinções anteriores, com as necessárias simplifi-cações, são suficientes para a função que devem cumprirneste ensaio.

II.1 – A teoria do ato normativo. É um fato notórioque, só a partir da década de 1970, os estudos sobre alegislação tenham ocupado um lugar significativo nas inves-tigações jurídicas. Mesmo assim, não se trata de um campode investigação não explorado, ainda que o abandono experi-mentado durante um tempo prolongado tenha impedido que asbases estabelecidas pelos seus primeiros cultivadores cimen-tassem um sólido corpo teórico e metodológico, capaz defazer frente às características da legislação no Estado contem-porâneo.

Os aportes dos primeiros teóricos da legislação, comoMontesquieu,25 Gaetano Filangieri 26 e Jeremy Bentham,27 nãoforam desenvolvidos pelo pensamento jurídico posterior pordiversas razões, entre as quais se inclui a redução do Direitoà manifestação da vontade política. Nesse caso, o ordenamento

que recebe no Regu-lamento da Assem-bleia Nacional de 1996.22 Para uma exposi-ção exaustiva daavaliação ex ante eex post, sua impor-tância e alguns exem-plos de sua aplica-ção pode-se ver o nº33/34, de janeiro-ju-nho de 2003 de Le-gislação, Cadernosde Ciência de Legis-

lação, INA, Portugal)número monográficodedicado à avaliaçãoda legislação.23 Assim, por exemplo,Luzius Mader(L’Évaluation légis-

lative. Pour uneannalyse empirique

des effets de lalegislation. Préface deCharles-Albert Morand,Payot, Lausanne, 1985,p. 34) do ponto de vistainstitucional distingue asfases pré-parlamentar,parlamentar e pós-par-lamentar.24 Quality of Legis-lation, Principles and

Instruments será pre-cisamente o tema cen-tral do Nono Congres-so da International

Association of Legis-lation, que se realizaráem Portugal, nos dias 24e 25 de junho de 2010.25 O espírito das leis

(1748). Um resumodos aportes princi-pais de Montesquieupara a teoria da legis-lação pode-se ver em

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legal somente passa a constituir objeto de conhecimento paraa dogmática jurídica uma vez que entre em vigor, do quederiva o deslocamento dos problemas de fundamentação dasleis para o âmbito político e a constituição de uma Teoria doDireito formalista e pretensamente apolítica.

Estamos, portanto, há mais de três décadas, diante deum renascimento dos estudos sobre a legislação, com aparticularidade de que os problemas atuais que devem enfren-tar tal teoria são qualitativa e quantitativamente diferentes dosque se colocaram aos seus primeiros cultivadores. Se nostempos de J. Bentham, tratava-se da necessidade de que olegislador expusesse as razões das leis, de que o Direito fossereduzido a Direito escrito e de fácil conhecimento para seusdestinatários, hoje se trata, além desses temas não resolvidoscompletamente, da avaliação dos resultados obtidos com avigência da lei, do seu impacto social e individual e inclusivede avaliar as possíveis alternativas antes de empreender umaintervenção legislativa para resolver um determinado proble-ma social. O centro de gravidade da questão deslocou-se dosproblemas filosóficos de fundamentação para os problemaspragmáticos de meio-fim. Trata-se de uma ampliação con-siderável dos problemas. Hoje são necessários estudos sobrea legislação, o que impõe a necessidade de refinar os métodosde investigação e perfilar a perspectiva de análise pararesolvê-los satisfatoriamente.

Por essa razão, “do ponto de vista metodológico”, épreciso analisar as ideias tradicionais acerca do processo deprodução legislativa do Direito e, caso seja necessário, ensaiardiferentes alternativas de solução que permitam aperfeiçoá-loquando ele conduz a resultados insatisfatórios ou quandoesses possam ser mais congruentes com princípios da hierar-quia normativa, segurança jurídica e proporcionalidade que sedevem expressar por meio das leis.

Esse “ponto de vista metodológico” deve ser sobrepos-to à análise do procedimento legislativo em Cuba. Para que osresultados sejam satisfatórios, é preciso realizar duas opera-ções diferentes:

CARRILLO GARCÍA,Yoel. “Dez teses so-bre a racionalidadelegislativa (a propósi-to de um artigo deJurgen Habermas)” emAAVV. JürgenHabermas. Estudos

em sua homenagem.Edeval, Valparaíso,Chile, 2008, p. 627-654.26 Ciencia de la

Legislación, traduçãode Don Juan Ribera,2ª edição, revista ecorrigida, Bordeaux,Imprenta de Lon PedroBeaume, 1823, 6 vo-lumes. Um resumosobre a influência deFilangieri na Américapode-se ver emMORELLI, FedericaFilangieri y la “OtraAmerica”, historia de

uma recepción, emRevista de la Facultadde Derecho y Cien-

cias políticas de la

Universidad Ponti-fícia Bolivariana (Co-lômbia), nº 107, 2007,p. 485-508.27 Tratados de la

Legislación Civil y

Penal (1802), Tradu-cción de Ramón Sa-las. Editora Nacional,Madrid, 1981. Um re-sumo dos aportesprincipais de J.Bentham para a teo-ria da legislaçãopode-se ver emCARRILLO GARCÍA,Yoel. “Dez teses...”,cit.

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1 – analisar como o procedimento legislativo foi colo-cado e resolvido do ponto de vista teórico; e

2 – avaliar como o procedimento legislativo foi regula-do e que fases deve percorrer do ponto de vista legislativo-institucional.

Do ponto de vista do seu tratamento em uma exposiçãode literatura especializada, publicada nos últimos 30 anos emCuba, o processo legislativo ficou associado ao estudo dasfontes formais do Direito, em que ocupa um lugar exclusivoo ato normativo (a lei em sentido geral). A sua exposiçãoconsistiu em identificar e explicar cada uma das fases pelasquais passa a atividade legislativa, colocando-as em ordemcronológica. Desse modo, Fernando Cañizares, depois deconsiderar que

os corpos deliberativos colegiados realizam a funçãolegislativa valendo-se de procedimentos que podem serdiferentes mas que têm todos a mesma finalidade:formalizar a função de modo que as determinaçõeslegislativas não se promulguem e publiquem senãodepois de terem sido suficientemente estudadas, anali-sadas, discutidas e aprovadas; prévia e ampla delibe-ração, para garantir sua maior efetividade, evitandoprecipitações, acordos secretos e demais vícios delegislação que costumam ser tão funestos,

identificou como “fases do procedimento formativodas leis” a inciativa legislativa, a discussão do projeto, aaprovação ou sanção, a promulgação e a publicação.28

Por seu turno, A.V. Michkievich afirma que o processolegislativo é “o mais complexo de todos os processosnormativos...” e identifica como “fases do processo decriação do ato normativo” a iniciativa legislativa, a discussão,a aprovação pelo órgão de criação jurídica e a publicação doato normativo.29

Finalmente, Julio Fernández Bulté, depois de afirmarque

28 Teoría del Esta-

do, Editorial Puebloy Educación, LaHabana, 1979, p.168 e seguintes.29 Las fuentes (for-mas de expresión

externa) del Dere-

cho y la creaciónjurídica em el Esta-

do socialista , emAAVV. Manual deTeoria del Estado y

del Derecho... p. 379e 382

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

o desenvolvimento do constitucionalismo burguês,sobretudo depois do século XIX, levou a que quasetodas as constituições estabelecessem, com maior oumenor minuciosidade, os passos fundamentais noprocesso de formação do ato normativo (…), oprocedimento requerido para assegurar a legitimi-dade da função legiferante,

identifica como “fases ou etapas essenciais do processodo ato normativo” a iniciativa legislativa, a discussão do projetolegislativo, a votação e aprovação do projeto, a promulgação doato normativo, a publicação e a entrada em vigor.30

Essa enumeração pode ser complementada com aanálise que faz o autor, na mesma obra, sobre a legalidadesocialista, em que explica a necessidade da realização deestudos e investigações sobre a eficácia do Direito e divide o“mecanismo de regulação jurídica da sociedade” em trêsfases: criação da norma (na qual entende ser imprescindível aparticipação consciente e direta do povo e a existência de umplano legislativo); harmonização de cada nova disposição como ordenamento jurídico (que o autor considera que se deveatribuir a um órgão especializado); e comprovação da eficáciada norma (o autor atribui essa função a mais de um organismoou a órgãos acadêmicos).31

Nas publicações periódicas consultadas,32 o tema nãofoi tratado em profundidade, embora possam assinalar-sealguns trabalhos publicados na Revista Cubana de Direito ena Revista Jurídica, nos quais se recorre a elementos rudi-mentares de teoria e técnica de legislação.

Os trabalhos de maior profundidade elaborados até omomento, ainda inéditos, são duas teses de doutorado: “Omodelo de criação de leis em Cuba”, de Josefina MéndezLópez (1999), na qual foi estudado o processo legislativo como objetivo de “avaliar (…) o modelo cubano de criação de leise sua realização; ao determinar aqueles fatores, que relaciona-dos com o tríptico órgão legislativo-lei-procedimento legislativo,incidem de uma maneira negativa na centralidade legislativa da

30 Teoría delDerecho, Editorial“Félix Varela”, LaHabana, 2001, p.246 e seguintes. Oautor assinala acer-tadamente que es-sas fases “só cor-respondem ao pro-cesso relativo às leisde maior hierarquia”,p. 79.31 Idem, p. 237 e ss.Essa exigência foiuma constante emsua obra e se iniciacom o trabalho La

Legalidad Socialista,apresentado nosimpósio Política,

Ideología y Derecho,

1985, e publicado emum livro homônimo pelaEditorial de CienciasSociales, La Habana,1985, p. 39-48.

32 Revista Cubana

de Jurisprudencia

(1961-1963); Revis-ta Cubana de Dere-

cho (a partir de 1972);Información jurídica(1975-1989); Legali-

dad Socialista (1975-1989); e Revista Jurí-dica (1983-1990).

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Assembleia Nacional do Poder Popular”; e “O processolegislativo interno em Cuba. Um modelo para sua análise”, doautor deste trabalho (2008), cujo objetivo principal foi “iden-tificar os principais fatores que, do ponto de vista teórico,metodológico e normativo, afetam o correto desenvolvimentodo processo legislativo interno em Cuba e fundamentar anecessidade de um modelo metodológico para a análise efundamentação de uma proposta de intervenção legislativa”.

Da análise das fontes assinaladas extraem-se as seguin-tes conclusões gerais:

1 – o tratamento do tema se reduz à enumeração eexplicação das fases pelas quais deve passar um projeto de lei,desde que é apresentado ao órgão legislativo até que entre emvigor;

2 – segue-se um critério essencialmente cronológico;

3 – concebe-se como um processo linear, sem saltos,contradições e/ou retrocessos;

4 – essa maneira de abordar a questão não permite darconta do que sucede (ou deve suceder) nas fases pré-legislativa e pós-legislativa;

5 – assume-se implicitamente que, no processolegislativo, só intervêm as instituições públicas legalmentecompetentes;

6 – quando se levam em conta outros elementos alheiosà fase legislativa, eles são somente mencionados, o queconstitui obviamente um avanço, mas sem que se faça sobreisso uma análise em profundidade;

7 – seu valor, do ponto de vista prático, é muitolimitado, já que só se refere à gestão dos projetos de lei emsentido formal e material, não levando em conta as disposiçõesjurídicas de hierarquia inferior à lei, que, pelas característicasdo regime político cubano, tornaram-se uma prática genera-lizada, por meio da qual os decretos-leis revogam ou modifi-cam as leis.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

Para compreender a regulação jurídica do procedimen-to legislativo em Cuba e as suas características principais, épreciso lembrar que, segundo o artigo 69 da Constituição, “aAssembleia Nacional do Poder Popular é o órgão supremo dopoder do Estado. Representa e expressa a vontade soberanade todo o povo” e, em consequência, entre as suas faculdadesse encontra, segundo estabelecido no artigo 75, “c”, a de“aprovar, modificar ou revogar as leis”.

É precisamente perante o presidente da AssembleiaNacional que se apresentam os projetos de lei no exercício dainiciativa legislativa,33 a partir do que se inicia o procedimentolegislativo.

Do ponto de vista jurídico, o procedimento foi suces-sivamente regulado por corpos legais expedidos em 1977,1982, 1988 e 1996. O Regulamento da Assembleia Nacional,em 1996, estabelece que os projetos de lei apresentados àAssembleia Nacional do Poder Popular sejam acompanhadosde uma fundamentação na qual se expressem:

1 – as relações que são objeto de regulação jurídica, osseus objetivos e os pressupostos econômicos, políticos esociais que aconselhem sua aprovação;

2 – as matérias que se regulam e as soluções que sepropõem, com indicação das modificações que se introduzemna legislação vigente, as disposições jurídicas que se ordenamou sistematizam e os antecedentes da matéria;

3 – as consequências econômicas previsíveis quederivam da aplicação da disposição jurídica proposta;

4 – a enumeração das disposições jurídicas de igual ouinferior hierarquia que se modificam, complementam ou revogam;

5 – a fundamentação do nível normativo da disposiçãojurídica proposta;

6 – os resultados das coordenações efetuadas com osórgãos e organismos que devem cumprir ou fazer cumprir asregulações propostas;

33 Segundo o artigo88 da Constituição,podem exercer ainiciativa legislativa:os deputados daAssembleia Nacio-nal do Poder Popu-lar; o Conselho deEstado; o Conselhode Ministros; as co-missões da Assem-bleia Nacional doPoder Popular; oComitê Nacional daCentral de Trabalha-dores de Cuba e asDireções Nacionaisdas demais organi-zações de massase sociais; o TribunalSupremo Popular,em matéria relativaà administração dajustiça; a Fiscaliza-ção Geral da Repú-blica, em matéria desua competência; eos cidadãos. Nesseúltimo caso será re-quisito indispensá-vel que exerçam ainiciativa pelo menosdez mil cidadãos,que tenham a condi-ção de eleitores.

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7 – as condições e os mecanismos necessários quegarantam a aplicabilidade, a efetividade, o cumprimento e ocontrole da disposição jurídica cujo projeto se apresenta.

O projeto de lei, acompanhado da fundamentação, deveser apresentado por quem exerce a iniciativa legislativa aopresidente da Assembleia Nacional. Cronologicamente, oprocesso deve transcorrer assim:

1 – iniciativa legislativa (projeto de lei e fundamentação);

2 – recebimento do projeto pelo presidente da AssembleiaNacional;

3 – encaminhamento do projeto à (s) comissão (ões)correspondente (s), segundo a matéria;

4 – decisão da comissão pela (a) aprovação do projetocom emendas ou sem elas, podendo recomendar em queperíodo legislativo deve ser incluído e se deve ser submetidoa consulta popular; (b) devolução do projeto, com as reco-mendações que julgue procedentes e com os aspectos que sedevem considerar ou sanar; ou (c) rejeição do projeto,expondo seus argumentos a respeito;

5 – controle de constitucionalidade do projeto pelaComissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos (pode sersimultâneo ou posterior ao trabalho das demais comissões);

6 – inclusão na ordem do dia;

7 – traslado aos deputados em, no mínimo, 20 diasantes de sua discussão. Se tramitar com urgência, o presiden-te fixa o término e os deputados podem emitir sua opinião porescrito. O presidente pode realizar reuniões parciais com osdeputados para explicar o projeto e ouvir as opiniões deles;

8 – designação, por quem exerce a iniciativa, doproponente que apresenta o projeto e responde às perguntas;

9 – parecer da (s) comissão (ões);

10 – debate e votação;

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11 – encaminhamento à Comissão de Redação;

12 – assinatura do presidente e do secretário;

13 – publicação e entrada em vigor.

Da análise dessas disposições pode-se extrair as con-clusões expostas e discutidas a seguir. Trata-se de umdocumento interno para o trabalho da Assembleia Nacional e,portanto, as suas regulações são aplicáveis somente aosprojetos de lei que se apresentem no exercício da iniciativalegislativa para sua aprovação. A essa exigência de fundamen-tação escaparam e escapam a maior parte dos projetos dedisposições jurídicas de alcance geral,34 como as leis, osdecretos-leis do Conselho de Estado, os decretos do Conselhode Ministros e todas as que estão abaixo delas, que entraramem vigor antes de 1988. Depois desse ano, passaram a serexigidos os mesmos elementos para a fundamentação dosprojetos de leis, decretos-leis e decretos, mas em 1996eliminou-se a exigência para os dois últimos, que tampoucoestão submetidos a algum outro procedimento publicamenteconhecido.35 Além disso, o exercício da iniciativa legislativa sóestá regulado constitucionalmente para as leis que a AssembleiaNacional tem a faculdade de aprovar, com o que fica excluídadessa iniciativa a apresentação de qualquer disposição normativaque não seja um projeto de lei.

A pretensão de fundamentar os projetos de leis emresultados de estudos realizados para esse efeito pode ficarfrustrada pelas seguintes razões: cada uma dessas exigênciaspoderia ser preenchida pro forma, já que, salvo a necessidadede se preverem as consequências econômicas que derivariamda aplicação da disposição jurídica proposta, elas se referema questões essencialmente formais, nas quais se estabelece oque se deve dizer, mas não como se deve conseguir ainformação que justifique o que se diz; por outro lado, é de seesperar que logicamente se expressem com maior ênfase nafundamentação aqueles elementos que contribuem para refor-çar a necessidade, conveniência e oportunidade de aprovar oprojeto que se apresenta, já que quem deve fundamentar sua

34 Segundo o adendoprimeiro do Decretonº 62, de 1980, dita-do pelo Comitê Exe-cutivo do Conselhode Ministros, “en-tende-se que umadisposição tem ca-ráter geral quandodeve ser cumpridafora dos marcos doorganismo onde éditada, por outrosórgãos ou organis-mos estatais, ou asempresas ou de-pendências destes,ou interessa às or-ganizações sociaise de massas ou àpopulação e emconsequência de-vem ser publicadasna “Gaceta Oficialde la República”.35 “Em nosso país nãoexiste disposiçãonormativa alguma arespeito das formali-dades e do conteúdoessencial das quaisdevem estar revesti-dos os instrumentos

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necessidade é o maior interessado em que se aprove. Nãoobstante, o parecer da comissão designada pode ter um efeitopositivo nesse sentido e limitar a tendência apologéticasubjacente a qualquer exercício de iniciativa legislativa.

Não se exige avaliar elementos tão importantes comoo grau de eficácia ou ineficácia alcançado pelas disposiçõesjurídicas que são revogadas ou modificam outras, bem comoas suas causas principais e possíveis consequências (custose benefícios) políticas e sociais (e não só econômicas) da novadisposição para seus destinatários, especialmente para oscidadãos; os possíveis efeitos colaterais; a função latente danova disposição ou o modo de avaliar sua eficácia, efetividadee eficiência depois de certo período de vigência.36

Quanto a este último aspecto, poder-se-ia pensar quefica resguardado pela exigência de expressar na fundamenta-ção as condições e os mecanismos que garantem o “controle”,a “efetividade”, o “cumprimento”, e a “aplicabilidade”, masesses termos aparentemente não podem ser entendidos comrelação aos destinatários da norma legal, particularmente oscidadãos, mas em relação às autoridades encarregadas deaplicá-la e fazê-la cumprir. Trata-se de um controle denatureza administrativa, e não de uma evolução realizada commétodos científicos de investigação.

Em estreita relação com o aspecto anteriormente dis-cutido, não sendo atribuída a nenhuma instituição em particu-lar a responsabilidade de avaliar os resultados positivos e/ounegativos derivados do cumprimento e aplicação das leis,essas exigências caem no vazio, ainda que se possa pensar quelogicamente essa responsabilidade caberia ao órgão encarre-gado de sua aplicação.

A nomeação da Comissão de Redação depois de apro-vado o projeto de lei poderia ser contraproducente e deveriaser logicamente anterior à aprovação, em razão de que osdeputados aprovaram o texto tal qual lhes foi submetido, comas palavras que leram, as vírgulas e os pontos como estavam.Se a Comissão de Redação fizesse uma mudança de estilo, por

jurídico-administrati-vos (…) não obstan-te, não poderia dei-xar de se salientar anecessidade daregulação normativageral destes para ofim de lograr umamaior uniformidadeformal nos mesmose unidade de critérioquanto ao conteúdode um ou outro, es-pecificando a hierar-quia de cada qual.”Cf. REYES PARET,Yanila. Un primer

acercamiento a los

instrumentos jurídi-cos-administrativos

em AAVV. Temas de

Derecho Admnis-trativo, tomo I, LaHabana, Editorial“Félix Varela”, 2006,p. 565.36 Em seu discursode 28/12/1984, nasessão da Assem-bleia Nacional emque se aprovou oCódigo do Trabalho,Fidel Castro, entãopresidente do Con-selho de Estado ede Ministros, ex-pressou que “nãopensamos que sejaperfeito (…) porisso se estabeleceque periodicamentedeve ser revisado”.Essa previsão nãose incluiu no textoaprovado; nãoobstante, em seu

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menor que fosse, no posicionamento desses signos, depois deaprovada a norma, isso poderia, voluntariamente ou não,mudar todo o sentido do texto e, em consequência, a leipublicada e colocada em vigência poderia ser sensivelmentediferente da aprovada pelos deputados. E uma lei é precisa-mente isto, um texto composto de signos com um significadoque, depois de aprovado, não deveria ser modificado, emnenhum sentido, a não ser pela autoridade que o aprovou ououtra de hierarquia superior.

A regulação jurídica desses elementos não teve, emgeral, os resultados que se esperavam, em parte pelo que seexpôs anteriormente e em parte porque as diretrizes da políticalegislativa continuaram sendo as mesmas, ao que se teria deacrescentar as dificuldades derivadas das contingências polí-ticas e das urgências que o país teve de enfrentar durante oprocesso revolucionário e, relacionado com o tempo e asurgências, o pouco tempo que tem a Assembleia Nacional paraestudar cada um dos projetos de lei submetidos à sua consi-deração com a devida profundidade. A esses obstáculos sejunta a característica de que um número significativo dedeputados não é especializado em matéria jurídica, o que épróprio de qualquer instituição parlamentar.37

O estudo do desenvolvimento do procedimento legislativoem Cuba, desde 1977, quando foi institucionalizada a AssembleiaNacional, até a atualidade, realizado na tese de doutoramentoque serve de base para este artigo, permite identificar como suascaracterísticas fundamentais as seguintes:

1 – modelo descentralizado de realização da fase pré-legislativa;

2 – criação de comissões ad hoc para desenhar eexecutar a fase pré-legislativa das leis básicas;

3 – baixa utilização da discussão popular e pública noprocesso de produção legislativa;

4 – desconexão entre as investigações jurídicas exter-nas e o processo legislativo;

discurso na mesmasessão Flavio Bra-vo Pardo (presiden-te da AssembleiaNacional) ter decla-rado que “é normal eaté desejável que,uma vez submetidoà prova da práticadurante indetermi-nado tempo, esteCódigo seja de novoanalisado”. As pas-sagens de ambosos discursos po-dem-se ver emGUILLÉN LAN-DRIÁN, Francisco.La codifi-cación delDerecho laboral em

Cuba. Editorial deCiencias Sociales,La Habana, 1987, p.101-102.

37 Sobre a duraçãodos períodos desessões da Assem-bleia Nacional, podese ver MÉNDEZLÓPEZ, Josefina. El

modelo... Anexo 9.Essa brevidade im-plicou que a Assem-bleia Nacional “nemsempre contou como tempo suficientepara estudar de ma-neira exaustiva to-dos os projetos deleis e suas conse-quências, e queagora é necessárioretificar alguns des-ses textos legisla-

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5 – inexistência de uma política legislativa articulada ecoerente.

A última característica, que sintetiza as anteriores,fundamenta-se nos elementos discutidos a seguir. Do pontode vista organizativo-institucional, a inexistência de umainstituição permanente encarregada de realizar as investiga-ções necessárias no âmbito da legislação impediu a continui-dade do trabalho legislativo: cada vez que as condiçõespolíticas, sociais ou econômicas do país impuseram a neces-sidade de uma intervenção legislativa de grande alcance, foipreciso criar uma comissão para desenvolver a fase pré-legislativa. Essa prática tem dificultado a formação de umaatividade legislativa baseada em princípios científicos que aorientem e, sobretudo, a possibilidade de estudar, depois deum prudente tempo de vigência da disposição normativacriada, sua eficácia, seu grau de cumprimento, seu nível deconsecução dos objetivos previstos e seus resultados (positi-vos e negativos) obtidos, possibilitando recolher argumentospara seu aperfeiçoamento.

Essa incoerência é perceptível não só no planoinstitucional, mas também no interior do próprio ordenamentojurídico: por exemplo, as leis processuais (Lei de Procedimen-to Penal e Lei de Procedimento Civil e Administrativo, ambasde 1977) foram elaboradas e colocadas em vigência antes queas respectivas leis substantivas o fossem, uma prática poucorecomendável já desde os tempos de J. Bentham.

No “Estudo sobre os fatores que mais afetam odesenvolvimento de uma cultura de respeito à lei”, cujosresultados foram discutidos pela Assembleia Nacional emjulho de 1987, concluiu-se que “com respeito à necessáriasistematização do Direito, demonstra-se como o povo cons-tata, por diferentes vias e meios, a existência de leis quedeveriam ser respeitadas por sua hierarquia, que, por vezes,são contraditadas por outras de menor importância, ou o queé pior, não são aplicadas e são substituídas por orientações ouinterpretações arbitrárias ou ilegítimas e que em geral existepouca sistematização em nosso ordenamento jurídico”.38

tivos”. CASTRORUZ, Fidel. Versãode sua intervençãona discussão doProjeto da Lei nº 59/1987, Código Civil,Diario Granma, quin-ta 21/7/87.

38 Assembleia Naci-onal do Poder Popu-lar, Estudo sobre os

fatores que maisafetam o desenvol-

vimento de uma cul-

tura de respeito àLei AN/3L/1POS/JUL.87/DOC.11,(inédito). Também sepode ver a Tese

sobre a vida jurídi-

ca do país, aprova-da pelo TerceiroCongresso da UniãoNacional de Juristasde Cuba, 1987.

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Apesar de ter sido reclamado em numerosas ocasiões,tanto em documentos políticos 39 como em trabalhos científi-cos,40 não se elaborou nem foi publicado um plano legislativo que,a curto, médio e longo prazos, garantisse a coerência doordenamento jurídico e a regulação jurídica adequada das rela-ções sociais, bem como o controle dos efeitos do Direito sobreas relações sociais e vice-versa. Tampouco se recorreu à técnicada Lei de bases para, por meio delas, assentar os princípios, asdiretrizes e o tempo de elaboração do projeto (ou anteprojeto) deleis básicas, como o Código Penal ou o Código Civil.

Se é certo que o Código Penal é a “Constituiçãonegativa do Estado” 41 e o Código Civil é a lei mais importanteem qualquer sociedade depois da Constituição, pelo seucaráter de regulação das relações sociais, não se explica porque em nossa prática legislativa não se tenha utilizado, pelomenos na elaboração desses dois corpos legais, essa técnicatão conhecida e comprovadamente eficaz, tanto na Espanhaquanto na ex-URSS, de onde provém a nossa tradição jurídica.

Talvez isso explique o fato de que o primeiro CódigoPenal aprovado depois de 1959, o de 1979, tenha “envelhecidoantes de seu nascimento” 42 e que o Código Civil tenha tido uma“obsolescência precoce”.43

Aos elementos discutidos deve ser acrescentada, porfim, a deficiente e limitada regulação dos requisitos para aelaboração e apresentação dos projetos de leis.44

II.2 – Diversidade de “legisladores” No Estadocontemporâneo o “legislador” se desdobra em vários “legis-ladores”, aos quais a Constituição e as leis atribuem a facul-dade de ditar disposições jurídicas de alcance geral. “Legisla-dor”, em sua acepção básica, refere-se à unidade ideal davontade político-jurídica, que se presume subjacente aoordenamento jurídico em geral (nesse sentido postula-se queo legislador não deve se contradizer, deve ser coerente,racional, etc.). Em sua segunda acepção, “legislador” fazreferência à pluralidade de órgãos com faculdade para ditar asmencionadas disposições jurídicas.

39 Essa proposta temseus antecedentesno Segundo Congres-so do Partido Comu-nista de Cuba (1980).Veja o Informe Cen-

tral ao II Congressodo Partido Comunis-

ta de Cuba, no I, II e III

Congresso do Parti-do Comunista de

Cuba. Editora Políti-ca, La Habana, 1990,p. 288-289, e noEstudio... da Assem-bleia Nacional.40 FERNÁNDEZBULTÉ, J. La Legali-

dad Socialista, em op.cit. p. 39-48, AZCUY,Hugo, Revolución y

Derechos, RevistaCuadernos de

Nuestra América, v.XII, nº 23, 1995, p. 151,MÉNDEZ LÓPEZ, J.op. cit. Primera de lasrecomendaciones.41 Exposição de mo-tivos do Código Pe-nal espanhol de1995, BOE, nº 54,de 2/3/1996.42 MEDINA CUENCA,A. Las penas priva-

tivas de libertad esuas alternativas,em AA. VV. La im-

plantación de penasalternativas: expe-

riencias compara-

das de Cuba e Bra-sil. Seminário Inter-nacional patrocina-do pela União Naci-onal de Juristas deCuba e Reforma

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A primeira é uma questão política com um importanteembasamento filosófico e ideológico que remete aos elemen-tos funcionais do regime político. A segunda é uma questãode Direito vigente e de técnica legislativa, que necessariamentedeve ser entendida com relação àquela. Como a primeira já foiexplicada, aqui será feita referência unicamente a essa segun-da acepção do termo “legislador”.

Além da Assembleia Nacional, que tem a faculdade deaprovar as leis que lhe sejam apresentadas no exercício dainiciativa legislativa, a Constituição estabelece outros “legisla-dores”. Assim, estabelece que o Conselho de Estado podeditar decretos-leis, entre um e outro período de sessões daAssembleia Nacional do Poder Popular, e o Conselho deMinistros pode ditar decretos e disposições sobre a base e emcumprimento das leis vigentes, bem como controlar suaexecução. Além dos dois conselhos, podem ditar disposiçõesjurídicas de alcance geral os chefes de organismos da Admi-nistração Central do Estado, aos quais é facultado ditar, noâmbito de suas faculdades e competência, regulamentos,resoluções e outras disposições de obrigatório cumprimentopara os demais organismos e suas dependências, o setorcooperativo, o privado e a população.

O quadro geral de “legisladores” é o seguinte:

Assembleia Nacional LeisConselho de Estado Decretos-leisConselho de Ministros DecretosChefes de organismos daAdministração Central do Estado Regulamentos e resoluções

Levando-se em conta as relações estáticas dessesórgãos entre si, poder-se-ia concluir que as relações sociaismais importantes sempre são reguladas mediante as leis quea Assembleia Nacional aprova (as disposições jurídicas demaior hierarquia normativa pela autoridade competente paraaprová-las e pelo procedimento de aprovação), e assim demaneira descendente até as resoluções. Todavia, na prática oque sucede é que o Conselho de Estado não só regula qualquer

Penal Internacional,La Habana, 2006, p.126. A elaboraçãodo CP durou dezanos e sua vigên-cia, oito.43 PÉREZ GALLAR-DO, Leonardo. La

codificación civil ,em AA. Derecho Ci-vil, Parte General,Editorial FélixVarela, La Habana,2000, p. 69.44 Diário Gramma,19/7/88. Descreve oterceiro período or-dinário de sessõesda terceira legisla-tura da AssembleiaNacional em que seanalisaram as medi-das a adotar relaci-onadas com oEstudio..., no mes-mo sentido, PÉREZMILLÁN, Félix, Dis-curso en el acto

central por el día del

trabajador jurídico,em Legalidad Soci-

alista nº 3, de 1989,p. 5.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

tipo de relações sociais, de qualquer âmbito da realidade social,como também modifica e revoga, mediante seus decretos-leis,as leis aprovadas pela Assembleia Nacional.

Essa prática tem sido aceita ou recusada de diferentesformas e com argumentos heterogêneos pelos estudiosos doDireito Constitucional e do Direito Administrativo em Cuba 45.Entretanto, se fosse seguido o “critério de hierarquiainstitucional” expressamente estabelecido na Constituição eos princípios da “hierarquia normativa e paralelismo dasformas subjacentes”, essa prática provavelmente deveriacorrer em sentido contrário.

Uma de suas consequências mais visíveis talvez seja ofato de que a Assembleia Nacional, em seus 32 anos, tenhaaprovado até hoje somente 107 leis,46 entre as quais se contamas do Orçamento do Estado, que são anuais (31 leis), as do Planode Desenvolvimento Econômico Social, aprovadas anualmentede 1978 a 1991 (13 leis), algumas leis puramente modificativase outras que foram substituídas por leis que regulam a mesmamatéria, com o mesmo nome e número diferente.

Todos esses “legisladores” só estão obrigados a cumprircom a fundamentação estabelecida no Regulamento de 1996quando exercem a iniciativa legislativa, ao passo que não o estãose atuam como “legisladores por direito próprio”, ditando asdisposições normativas sob o nome correspondente.

Da existência de diversos legisladores deriva outraconsequência que, embora esteja tecnicamente fora do proce-dimento legislativo ordinário, influi de maneira significativa naqualidade das leis. Trata-se de um problema simples na suacolocação, mas complexo em sua análise: como conseguirque as disposições jurídicas de alcance geral ditadas por cadaum dos diferentes “legisladores” sejam compatíveis entre si efaçam do Direito vigente um “ordenamento jurídico”?

Esse questionamento conduz diretamente ao tema dadefesa da Constituição em geral e ao controle daconstitucionalidade das leis em particular, um tema que emCuba tem sido tratado mais do ponto de vista político e

45 Um resumo de al-gumas das posi-ções teóricas a res-peito pode ser vistoem MATILLA COR-REA, Andry, Co-mentarios sobre

las fuentes del

Derecho Adminis-trativo cubano (ex-

cepto el regla-

mento) em AA.VV.Temas de Derecho

Administrativo, p.69-71.46 Uma caracteriza-ção geral da produ-ção legislativa daAssembleia Nacio-nal e uma informa-ção estatística mui-to valiosa até 1999pode ser vista emMÉNDEZ LÓPEZ, J.op. cit.

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ideológico que do ponto de vista técnico-jurídico, emboranenhum dos dois enfoques tenha provocado a adoção de umasolução tecnicamente funcional e eficaz em seus resultados.

Podem ser adotadas aqui três perspectivas diferentespara abordar o assunto: projeção no discurso político, regulaçãojurídica e tratamento teórico.

Pela Constituição, pode-se constatar uma preocupaçãoconstante nos dirigentes políticos com o respeito à “legalidadesocialista”, em cujo centro se encontrava o respeito e obedi-ência à Constituição pelos órgãos do Estado, funcionáriospúblicos e cidadãos em geral. Não obstante, por uma concep-ção instrumental do Estado,47 uma concepção voluntarista napolítica legislativa, a doutrina da “unidade de poder” e umaconfiança exagerada nas potencialidades do exercício dopoder político pelo Estado socialista e nas virtudes dasautoridades e dos funcionários que o exercem, muito rapida-mente a Constituição foi relegada a um plano de subordinaçãoaos elementos funcionais do regime político.48 O curioso éque, em correspondência com o itinerário do discurso políti-co, a regulação jurídica do controle da constitucionalidade dasleis e demais disposições jurídicas de alcance geral também foise acomodando às circunstâncias.

Como já visto, a Assembleia Nacional tem como umade suas atribuições aprovar, modificar ou revogar as leis,segundo o procedimento estabelecido no Regulamento de1996, competindo-lhe ainda, de acordo com a Constituição,decidir acerca da constitucionalidade das leis, decretos-leis,decretos e demais disposições gerais. No entanto, esse regu-lamento restringiu as poucas possibilidades abertas pelosinstrumentos anteriores no tocante ao controle deconstitucionalidade das leis. Isso se fez num duplo sentido:facultando a prerrogativa de promover a revogação no todo ouem parte dos decretos-leis do Conselho de Estado somente àscomissões permanentes da Assembleia Nacional e aos depu-tados; e outorgando a possibilidade de promovê-la só emrelação aos decretos-leis, embora sem estabelecer os casosem que procede.

47 CARRILLO GARCÍA,Yoel e GARCÍA, WalterMondelo. El pan con-tra el espíritu (uma

lectura del pensa-

miento jurídico cuba-no) em BOTEROBERNAL, Andrés eVÉLEZ, Sergio I. Estra-da (Coordenadores),Temas de Filosofía

del Derecho. SeñalEditora, Universidad deMedellín, Colombia,2003, p. 299-234.48 CARRILLO GAR-CÍA, Yoel e GARCÍA,Walter Mondelo.Marxismo, Poder y

Derecho em Cuba

(notas para un pro-grama de investi-

gación), em AA VV.Estudios de Teoriadel Derecho, Edeval,Valparaíso, Chile,2003, p. 345-385.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

Não obstante, com uma técnica legislativa lamentável,retorna-se à faculdade da Assembleia Nacional de “revogar osdecretos ou disposições do Conselho de Ministros (...) ou osacordos ou disposições dos órgãos locais do Poder Popularque violem a Constituição, as leis, os decretos-leis, decretose demais disposições ditadas por um órgão de superiorhierarquia ou afetem os interesses gerais do país”, mas destavez, estabelece-se a causa: quando contradigam a Constitui-ção ou as leis, a sua promoção compete ao Conselho deEstado, às comissões (permanentes ou temporárias) daAssembleia Nacional e aos deputados.

O controle de constitucionalidade das leis fica, no Regu-lamento de 1996, reduzido ao controle prévio que realiza aComissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos da AssembleiaNacional. É significativo que nunca tenha sido declaradainconstitucional nenhuma disposição jurídica de alcance geral, oque colocou alguns constitucionalistas diante de um dilema: ounas disposições jurídicas de alcance geral ditadas desde 1977 atéa atualidade sempre se respeitou a Constituição; ou o controle deconstitucionalidade das disposições jurídicas de alcance geral éineficaz. A julgar pelo tratamento teórico e pela duvidosaconstitucionalidade propalada por algumas disposições jurídicas,os constitucionalistas têm preferido essa última opção. Do pontode vista teórico, os estudos apontam para a necessidade deaperfeiçoar os meios de exercer o controle de constitucionalidadedas leis. As propostas têm ido das que sugerem potencializar ofuncionamento dos meios existentes com alguns retoques 49 atéas mais radicais, que propõem a criação de um Tribunal Consti-tucional como instituição especializada.50

As propostas partem da constatação de possíveisviolações à Constituição derivadas de algumas disposiçõesjurídicas como as seguintes:51

1) O Decreto-Lei nº 50, de 1982, que reconheceu umaforma de propriedade não prevista na Constituição, “a proprieda-de das empresas mistas”, reafirmada por seu reconhecimentono Código Civil, e autorizou as inversões estrangeiras, quetampouco tinham fundamento na Constituição.52

49 Por exemplo,FERNÁNDEZ BULTÉ,Julio. Los modelosde control constitu-

cional y la perspec-

tiva de Cuba hoy, emEl otro Derecho, v. 6,nº 2, 1994, p. 13-27,e FERNÁNDEZPÉREZ SERAFIN, S.Cuba y el control

constitucional em elestado socialista de

derecho, em El otro

Derecho, v. 6, nº2,1994, p. 29-44.50 Essa propostacorresponde aMARIÑO CAS-TELLANOS, Ángel,R. El recurso deamparo y el tribunal

constitucional cu-

bano: necesidad yproyecto em El otro

Derecho, v. 6, nº2,1994, p. 45-63.51 Uma lista de dispo-sições jurídicas deduvidosa constitucio-nalidade até 1996pode ser vista emMARIÑO CASTELLA-NOS, Ángel, R. El

control Constitucio-

nal en Cuba. Tese dedoutorado, Santiagode Cuba, 1996, (iné-dita).52 FERNÁNDEZ ES-TRADA, Julio A, eGUANCHE, Julio C. Seacata pero... se

cumple. Constitución,

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2) A reforma constitucional de 1992, que afetou cercada metade do Texto Constitucional, incluindo “direitos edeveres reconhecidos na Constituição,”53 caso em que acláusula de reforma constitucional exige que a lei de reformadeve ser ratificada em um referendo popular.

3) A recente Lei nº 107, de 2009, que criou um novoórgão estatal – a Controladoria-Geral da República – e atribuiuà Assembleia Nacional a faculdade de eleger os seus dirigen-tes, o que parece entrar em conflito com a previsão constitu-cional de que a Assembleia Nacional só tem as atribuiçõesconferidas pela Constituição e com a cláusula de reformaconstitucional que exige que, para lhe conferir novas faculda-des, a Constituição deve ser reformada e a lei de reforma deveser, também, ratificada em referendo popular.

Dos dois últimos exemplos só se poderia afirmar sua“duvidosa constitucionalidade”, já que a Comissão de Assun-tos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional decla-rou-as, em seu parecer, compatíveis com as regulaçõesconstitucionais pertinentes.

II.3 – Qualidade das leis – Algumas ideias para ofuturo – As dificuldades e deficiências assinaladas apontampara dois tipos de problemas diferentes e exigem,consequentemente, alternativas distintas para a sua solução.

As deficiências teóricas na descrição cronológica doprocesso legislativo poderiam ser explicáveis se se levar emconta, de um lado, o caráter essencialmente formalista implí-cito nos enfoques comentados e, de outro, o caráter de manualdas obras em que foram expostas. Mas, em ambos os casos,as consequências podem ser negativas. No primeiro, porquese leva em conta somente o aspecto externo, formalizado epúblico do processo legislativo, ocultando-se a parte maisimportante do processo, constituída pelos fatores ideológicose os princípios de política legislativa subjacentes, a gênese dalei, suas causas, os objetivos que se pretende conseguir, osacordos prévios à formalização do projeto, os interesses queinfluem em seu conteúdo e a hierarquia que finalmente se lhe

República y socialis-

mo en Cuba en Temas(Cuba) nº 55, 2008, p.132.53 Um quadro com-parativo dos artigosna versão originalde 1976 e a versãoreformada de 1992podem-se ver naRevista Cuadernos

de Nuestra Améri-ca, v. X,nº 21, 1993,p. 40-53.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

atribua, o possível caráter simbólico, exploratório ou experi-mental da lei e a intervenção (ou exclusão) de diferentes atoressociais em sua gênese. Deixa oculto, enfim, o caráter dinâmi-co do processo legislativo, que em muitos casos se desenvol-ve pelo método de tentativa e erro – uma lei má pode sersubstituída, pela própria autoridade que a ditou, com base emseus defeitos e consequências negativas.

O segundo aspecto, o caráter de manual das obras emque se expõe a teoria do ato normativo, tem uma importânciadecisiva na possível compreensão real do processo legislativo.Em Cuba, o manual é o veículo privilegiado, por meio do qualse transmitem os conhecimentos aos futuros juristas; portan-to, o que nele se expõe, por sua própria finalidade de moldaro pensamento, constitui a cultura jurídica comum dos juristasformados na sua leitura.54 E se a cultura comum, compartilha-da, chega até aí, dificilmente poderia facilitar a execução deum exame como o que está implícito nas fases pré-legislativae pós-legislativa do processo legislativo.

As dificuldades e deficiências dessas colocações teóri-cas poderiam ser resguardadas em alguma medida, se fosseassumida a distinção básica entre a fase pré-legislativa, alegislativa e a pós-legislativa elaborada pelos recentes estudosde teoria da legislação. Não se trata simplesmente de completarcronologicamente o iter legislativo, mas de considerá-lo comoum processo circular no qual a fase legislativa ocupa simples-mente um lugar intermediário, que deve ser estudada em estreitacorrelação com o processo de elaboração de um projeto de leie com a avaliação de seu impacto nas relações sociais.

Por outro lado, essa distinção, como se afirmou, só éaplicável ao processo de produção das leis em sentido formale material e suas qualidades explicativas são limitadas; porisso, uma compreensão profunda do processo de produçãolegislativa do Direito deve se interessar, além disso, peloestudo do processo de criação das demais disposições jurídi-cas de alcance geral de hierarquia inferior àquelas.

Do ponto de vista teórico poderia orientar o processoa tese de que a legislação é um meio para conseguir fins sociais

54 Sobre o lugar dosmanuais na literaturajurídica cubana podever-se CARRILLOGARCÍA, Yoel ePAVÓ ACOSTA, Ro-lando. Un punto de

vista sobre lasinvestigaciones jurí-

dicas en Cuba, emRevista de Derechoy Ciencias políticas

de la Universidad

Pontifícia Boliva-riana de Colombia,nº 107, 2007, p. 405-485.

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que beneficiem toda a sociedade. Em consequência, qualquerlei deveria ser justificada do ponto de vista sociológico eaxiológico e da perspectiva de seus destinatários. Essa justi-ficação, que consiste em sua capacidade para alcançar osobjetivos que levaram à sua adoção, só é possível pelaexecução de estudos e investigações profundas emultidisciplinares, cujos resultados garantam um nível ade-quado de efetividade e eficácia social.

Do ponto de vista legislativo, institucional, as possíveisalternativas de solução devem ser cuidadosamente pondera-das, mas se poderia adotar como princípio o seguinte: qual-quer que seja a alternativa mais conveniente, para a soluçãodas deficiências requer-se uma mudança de atitude, além deuma mudança nas regulações vigentes.

Antes de propor alguma solução no âmbito normativo,é preciso insistir em três aspectos que já foram indiretamenteassinalados. O primeiro é que a norma vigente no Regulamentoda Assembleia Nacional, de 1996, só é aplicável aos projetos delei. Todavia, pelas características do regime político e dadinâmica legislativa, as leis não ocupam um lugar central nadinâmica do ordenamento jurídico, e sim os decretos-leis, quenão estão sujeitos ao processo legislativo previsto no ditoregulamento. A dificuldade se agrava pelo fato de que naConstituição não se estabelece a competência material dosdiferentes “legisladores”, de maneira que as relações sociais,sem considerar sua importância, transcendência ou hierarquia,podem ser reguladas indistintamente mediante uma lei, umdecreto-lei ou qualquer outra disposição de hierarquia normativainferior. A diferença se prende a que, para regulá-las medianteuma lei, é preciso recorrer ao iter legislativo previsto noRegulamento, mas não é preciso segui-lo se forem reguladosmediante um decreto-lei ou outra disposição jurídica inferior.

Embora limitada às leis, a regulação vigente estabelecede maneira deficiente a fase pré-legislativa e não regula a fasepós-legislativa, rompendo com isso o caráter sistêmico ecircular do processo legislativo e impondo a quem exerce ainiciativa legislativa a “obrigação” de começar sempre desde

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o princípio, embora na prática suceda geralmente o contrário:a modificação, revogação ou substituição das leis se funda-menta normalmente “nos resultados obtidos da experiência desua aplicação”.

Por outro lado, o caráter regulamentador das normasimpede a sua aplicação mais além dos projetos de lei e subtraido processo legislativo as disposições jurídicas de alcancegeral ditadas por outros órgãos do Estado.

O diagnóstico anterior permite fazer as seguintespropostas concretas:

Primeira – Do ponto de vista metodológico, seriaconveniente desenhar o processo legislativo em forma circu-lar, de maneira que comece com a análise das relações sociaisque devem ser reguladas, suas características, tendências ecausas, e contenha o desenho e a apresentação da disposiçãojurídica por meio da qual se propõe regulá-las (após oesgotamento de outras possíveis vias de solução relacionadascom o Direito vigente e com sua prática). Depois de aprovadae posta em vigor tal disposição jurídica, seriam avaliados osresultados obtidos de sua vigência, que, se negativos, pode-riam originar a continuidade do processo legislativo no qual sedeterminasse quais medidas se deveria adotar para reforçarsua eficácia e, no limite das possibilidades, propor sua reformaou revogação.

Segunda – Do ponto de vista normativo seria conve-niente a regulação do processo legislativo segundo os princí-pios seguintes:

1 – A aprovação da regulação, para que ela tenha ummaior âmbito de aplicação, mediante uma lei que torneobrigatório seu cumprimento por todas as autoridades com-petentes para ditar disposições jurídicas de alcance geral e poraquelas que, mesmo não tendo essa competência, podemexercer a iniciativa legislativa.

2 – A imposição de uma dupla responsabilidade aoórgão do Estado que propõe a modificação do Direito vigente

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ou a introdução de novas regulações no ordenamento jurídico:por um lado, a de executar os estudos multidisciplinares e asinvestigações prévias que garantam a efetividade e a eficáciasocial, a segurança jurídica e sua harmonia com o ordenamentojurídico, além de apresentar os resultados à AssembleiaNacional; por outro lado, a de avaliar periodicamente adisposição jurídica do ponto de vista dos resultados obtidoscom sua vigência e as medidas adotadas para reforçá-la.

3 – A definição do âmbito de competência material dosórgãos que ditam as disposições jurídicas de alcance geral, demaneira que, de acordo com a transcendência, a importânciae a medida em que afetem os direitos e interesses individuais,as relações sociais, o funcionamento dos órgãos do Estado oua relação desses com aquele, possam ser definidas legalmenteque relações sociais devem ser reguladas, mediante qual tipode disposição jurídica, por qual órgão e com que alcance.

4 – O estabelecimento da obrigação de elaborar bases,a serem aprovadas pela Assembleia Nacional quando propos-tas pelos que têm a faculdade de exercer a iniciativa legislativaou pelos diferentes “legisladores”, para a modificação de leisbásicas do ordenamento jurídico, ou de elaborá-las a própriaAssembleia Nacional, no uso da faculdade atribuída peloRegulamento de 1996.

Terceira – Do ponto de vista institucional tal leideveria:

1 – Atribuir a um dos órgãos superiores do PoderPopular a competência de velar por seu cumprimento, parti-cularmente para avaliar a qualidade do processo legislativo emsuas fases pré-legislativa e pós-legislativa. Essa função pode-ria ser realizada por meio da criação de uma instituiçãoespecializada de caráter permanente e de alcance nacional paradesenhar, coordenar e/ou executar investigações sociojurídicasnecessárias para o constante aperfeiçoamento do ordenamentojurídico.

2 – Incluir expressamente, na obrigação estabelecidapela Constituição, que os órgãos estatais inferiores têm de

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prestar conta aos superiores daquilo que esteja relacionadocom a avaliação ex post das disposições jurídicas de alcancegeral ditadas no período e dos resultados conseguidos comsua aplicação.

3 – Estabelecer institucionalmente a maneira pela qualos resultados das investigações jurídicas realizadas no paíspor diferentes vias possam ser aproveitados no processolegislativo, criando vínculos diretos entre os órgãos do Estadocompetentes para ditar disposições jurídicas de alcance geral,ou para exercer a iniciativa legislativa, e as faculdades deDireito ou centros de investigações jurídicas do país.

Quarta – Como corolário das sugestões anterioresestá a solução do problema do controle da constitucionalidadedas leis, sobre o qual não é necessário fazer uma propostaconcreta, mas sim uma remissão às propostas dos autoresmencionados no corpo do texto e expressar otimismo em quetalvez o processo de “fortalecimento da institucionalidade dopaís”, anunciado em 2008 pelo Presidente do Conselho deEstado e de Ministros, do quais é um exemplo a mencionadaLei da Controladoria-Geral da República, alcance também asolução de alguns problemas que afetam a qualidade das leis.

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JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:NOVNOVNOVNOVNOVAS DEMANDAS PAS DEMANDAS PAS DEMANDAS PAS DEMANDAS PAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃOARA A EDUCAÇÃOARA A EDUCAÇÃOARA A EDUCAÇÃOARA A EDUCAÇÃO

E A SEGURANÇA PÚBLICAE A SEGURANÇA PÚBLICAE A SEGURANÇA PÚBLICAE A SEGURANÇA PÚBLICAE A SEGURANÇA PÚBLICA

ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*

ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**

*Pedagoga (UFMG).Especialista em Po-líticas Públicas paraa Juventude (PUCMinas). Supervisorametodológica doprograma Fica Vivo!da Superintendênciade Prevenção àCriminalidade, daSecretaria de Esta-do de Defesa Socialde Minas Gerais.

**Filósofo (PUC Mi-nas). Especialistaem Estudos deCriminalidade e Se-gurança Pública(UFMG) e em Teoriae Prática da Comu-nicação Social (USF/SP). Mestre em Ad-ministração Pública– Gestão de Políti-cas Sociais (EG/FJP). Pesquisadordo Centro de Estu-dos de Criminali-dade e SegurançaPública (UFMG).Professor (PUC Mi-nas). Coordenadordo Núcleo de Estu-dos Sociopolíticos(PUC Minas). Coor-denador do Núcleode Direitos Humanos(Proex/PUC Minas).

Resumo: O presente artigo faz uma breve análise sobre asnovas demandas que passam a configurar o papel da escola,notadamente em comunidades violentas, discutindo a questãopor meio de um estudo de caso e apontando que não se deveratificar um preconceito do senso comum que afirma serem osjovens um problema. Os jovens das periferias violentas dasgrandes cidades brasileiras enfrentam muitos desafios que osimpedem de exercer sua cidadania; portanto, a função daspolíticas públicas, incluindo a escola pública, é auxiliá-lospara que eles possam vencer os obstáculos e usufruir plena-mente dos seus direitos de cidadãos.

Palavras-chave: violência e criminalidade; escola e violên-cia; políticas públicas de prevenção à criminalidade;delinquência juvenil.

Abstract: This article makes a brief analysis of these newdemands that now configure themselves as a role of theschools, especially in violent communities, discussing theissue by means of a case study and pointing out that thecommon sense prejudice that identifies young people as theproblem can not be sustained. In fact, the youth from theviolent peripheries of the Brazilian cities face many challengesthat hinder them from exercising their citizenship; therefore,

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 123-148, jul./dez. 2009

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the function of the public policies, including public schools, isto help them so they can overcome these obstacles and fullyenjoy their rights as citizens.

Keywords: violence and criminality; school andviolence; public policies of crime prevention; juveniledelinquency.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

A violência no Brasil – em especial a criminalidadeviolenta1 – cresceu muito nos últimos anos. Vários estudos têmcomprovado, sistematicamente, que os jovens são as maioresvítimas desse tipo de violência. A falta de políticas públicasfocadas nos jovens, o grande número de armas disponíveis esem controle e a intensificação do tráfico de drogas, principal-mente nas periferias das grandes cidades, são fatores quecontribuem para o adensamento da vitimização juvenil. Essesingredientes articulados respondem por altas taxas de letalidadedessa população2.

Fernandes (2004) corrobora o argumento de que osjovens estão entre as principais vítimas da violência no Brasile as taxas de vitimização dessa faixa etária, nas cidadesbrasileiras, estão entre as mais altas do mundo. O autor aindaacrescenta outro dado: a baixa escolaridade desses jovens.

A violência atinge todas as camadas sociais. Foi o quedemonstrou uma pesquisa sobre vitimização feita em 2002pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública(Crisp/UFMG), em Belo Horizonte. A pesquisa apontou quea cidade era a capital brasileira onde as pessoas se sentiam maisinseguras. “A população de BH sofre com a violência objetiva,que chamamos de violência real, e com a violência subjetiva,que chamamos de violência sentida”3.

Segundo Soares (2004), para se compreender a questão daviolência faz-se necessário interpretá-la em um contexto, de acordocom o tempo, a história, a política e a cultura local da sociedade.

Várias são as matrizes da criminalidade e suasmanifestações variam conforme as regiões do país e

1 Estamos nos refe-rindo aos crimes vio-lentos, de acordo coma seguinte classifica-ção: homicídio, homi-cídio tentado, estupro,roubo, roubo a mãoarmada, roubo de ve-ículos, roubo de veí-culos a mão armadae sequestro. Especi-ficamente, estamospreocupados com oimpacto do aumentodos homicídios, prin-cipalmente na faixaetária entre 14 e 29anos.2 Há que se destacar,também, como nosapresenta Soares(2004), que o Brasil temtaxas significativas deoutras formas de vio-lências: a violência do-méstica e de gênero,os crimes de racismoe a homofobia. Essestipos de violência sãopouco denunciados,portanto, menos regis-trados pelos órgãosoficiais e, por isso,menos conhecidos.3 Pesquisa disponívelem www.crisp.ufmg/vitimização. Acessoem: 7/ ago/ 2009.

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JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:NOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO E

A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

dos estados. O Brasil é tão diverso que nenhumageneralização se sustenta. Sua multiplicidade tam-bém o torna refratário a soluções uniformes (SOA-RES, 2004, p. 131).

Silva (2004) traz outro elemento para discussão daviolência urbana, o que denomina de “sociabilidade violenta”.Ele acredita que a violência urbana não é simples sinônimo decrime comum nem de violência em geral.

Trata-se, portanto, de uma construção simbólica quedestaca e recorta aspectos das relações sociais queos agentes consideram relevantes, em função dosquais constroem o sentido e orientam suas ações(SILVA, 2004, p. 295).

Na compreensão desse autor, a sociabilidade violentaafeta mais especificamente os moradores das favelas, emvirtude da forma urbana típica desses locais,

em geral muito densos e com traçados viários precá-rios, dificultando o acesso das pessoas que não estãofamiliarizadas com eles e, portanto, favorecendo ocontrole pelos agentes que lograrem estabelecer-seneles (SILVA, 2004, p.24).

Uma pesquisa divulgada em agosto de 2009 pelo Labo-ratório de Análise da Violência, da Universidade Estadual doRio de Janeiro, em parceria com o Unicef, a SecretariaEspecial dos Direitos Humanos da Presidência da Repúblicae a organização não governamental Observatório de Favelas4,projeta que o número de mortos na faixa etária entre 14 e 19anos chegará a 33.504 entre 2006 e 2012, sendo que metadedesses crimes acontecerá nas capitais. A chance de um jovemmorrer por arma de fogo é três vezes maior, em comparaçãocom outras armas.

De acordo com o levantamento, a média de adolescen-tes assassinados no Brasil antes de completarem 19 anos é de2,03 para cada grupo de mil. O número é preocupante, dadoque, numa sociedade pouco violenta, essa taxa deveria apre-sentar valores próximos de zero.

4 Os dados completospodem ser acessadosem: www.mj.gov.br/sedh/documentos/idha.pdf. Acessoem: 20 ago. 2009.

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O estudo, feito em 267 municípios brasileiros com maisde 100 mil habitantes, revela também a disparidade entre ascondições de segurança nas diferentes regiões do País. Em34% dos municípios pesquisados, o IHA – Índice de Homicí-dios na Adolescência – foi inferior a um adolescente assassi-nado para cada grupo de mil. Cerca de 20% das cidadesobtiveram valores superiores a três jovens mortos a cada milhabitantes. Significa que, em tese, um em cada 500 adolescen-tes brasileiros será assassinado antes de completar 19 anos.

Tendo como referência o ano de 2006, o municípiocom o pior resultado foi Foz do Iguaçu (PR), onde o IHA erade 9,7. Minas Gerais ocupava o segundo lugar no ranking,dado que Governador Valadares tinha um índice de 8,5adolescentes mortos para cada grupo de mil. Betim, Ibirité,Contagem e Ribeirão das Neves também figuraram entre os20 municípios com maiores indicadores de mortalidade deadolescentes.

Entre as capitais, Maceió e Recife lideravam o rankingde homicídios entre adolescentes, ambas com uma média de 6jovens mortos para cada mil, mas as taxas de homicídios deadolescentes nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e deBelo Horizonte foram consideradas pelos pesquisadores mui-to altas.

Por fim, o estudo mostra que a probabilidade de servítima de homicídio é quase 12 vezes maior para homens; quea população negra é a que mais sofre com a violência e que orisco de um jovem negro morrer assassinado é 2,6 vezes maiorem relação ao de um branco.

Levando-se em conta outros indicadores que apresen-tam uma concentração de mortes na faixa etária dos 14 aos 29anos, como as mortes de jovens no trânsito, pode-se concluirque nosso país tem uma dívida social enorme para com osadolescentes e jovens. Somente 26% das mortes dos adoles-centes ocorrem por causas naturais. Os outros 74% das mortesderivam de múltiplos fatores – acidentes, brigas banais, açãopolicial inadequada, envolvimento com o tráfico de drogas,exclusão social (SOUZA, 2009).

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

Alguns pesquisadores, entre eles Soares (2004),Fernandes (2004) e Filho e Souza (2003), defendem que aspolíticas públicas de enfrentamento da violência, especial-mente da criminalidade violenta, devem ser dirigidas à popu-lação jovem dos bairros mais pobres, apesar de acreditaremque não há relação direta entre pobreza e criminalidade e quealguns fatores existentes nesses locais contribuem para oaumento da violência, entre eles o desemprego, o tráfico dearmas e de drogas e a falta de políticas públicas nas áreas deeducação, saúde, lazer e serviços de apoio às famílias.

Os bairros pobres, por sua vez, cheios de recursoshumanos e culturais, ativos no trabalho e no consu-mo, cada vez mais cientes de seus direitos, são,contudo, carentes de bens públicos e de capitalsocial. Tornam-se consequentemente mais vulnerá-veis ao crescimento de domínios armados paralelos(FERNANDES, 2004, p. 262).

Porém, Arroyo (2004) alerta: antes de condenar osjovens é necessário compreender a sociedade na qual vivemos.O autor ainda acrescenta que as violências praticadas porcrianças, adolescentes e jovens nos assustam porque mexemcom nosso imaginário.

Não é o lócus onde se dá a violência que nos assusta,mas os sujeitos. Esses sujeitos infantis. Ver e convi-ver com adultos violentos é normal. Pais violentos,companheiros violentos, chefes de governo e dePentágonos usando a violência preventiva, matandoinocentes ou pré-culpados sem julgamento... Tudode acordo com ‘a moral’ dos adultos. Porém, crian-ças violentas onde estiverem, em casa, na rua, nasescolas é assustador e ameaçador. Não porque amea-cem mais do que os adultos, mas porque ameaçam osimaginários sociais, coletivos, pedagógicos e docen-tes sobre a infância-adolescência (p. 4).

Esse autor considera importante vencer a concepçãodualista de anjos e capetas que se tem sobre as crianças,

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adolescentes e jovens, pois esse paradoxo impede deenxergá-los como sujeitos reais, com complexas trajetóriasexistenciais.

Juventudes: breves consideraçõesJuventudes: breves consideraçõesJuventudes: breves consideraçõesJuventudes: breves consideraçõesJuventudes: breves considerações

Para compreender a juventude é importante analisá-laem um contexto histórico e sociocultural, considerando osaspectos econômicos, as transformações sociodemográficas, aclasse social e as características daqueles que não são jovensno campo das interações sociais, ou seja, os fenômenoscaracterísticos da sociedade em geral (ARCE, 1999).

Para Eisenstadt (apud ABRAMO, 1997), o conceitoternário do ciclo de vida (infância, juventude e fase adulta) éuniversal. Porém, cada sociedade tem um modo específico dedefinir essas etapas e lhes conferir significados próprios, quenem sempre resultam na constituição de grupos etários ho-mogêneos. Isso ocorre nas sociedades modernas que sãoregidas por valores universalistas, nas quais a socialização dafamília não é suficiente para a integração do indivíduo nasociedade. Nessas sociedades a transição para a vida adulta édificultada e complicada por vários fatores: divisão do traba-lho, especialização econômica, segregação da família eaprofundamento dos valores universalistas.

O conceito de juventude como fenômeno social surgiuno século XX, baseado na sociologia funcionalista, preocupadacom as disfunções e falhas no desenvolvimento do indivíduo noprocesso de socialização. Esse conceito é variável e foi-seprocessando no desenvolvimento da sociedade ocidental. Ju-ventude entendida como um período de transição entre ainfância e a vida adulta, quando ocorrem várias mudançaspsicológicas e sociais e se dá também a complementação dodesenvolvimento físico.

A condição juvenil foi representada primeiramentepelas classes altas. As expressões juvenis das classes popula-res não eram reconhecidas como movimentos juvenis. Jovensdas classes populares eram denominados delinquentes, deso-cupados e trabalhadores. Foram as transformações do século

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

XX, tais como crescimento populacional, a urbanização, ocrescimento econômico do pós-guerra, a expansão e a deca-dência da classe média, o desenvolvimento dos meios decomunicação e a segregação socioespacial que fizeram emer-gir a juventude da classe média e, posteriormente, a juventudedas classes populares dos bairros pobres e das favelas.

A ideia de classe desviante, identificada com os (jo-vens) pobres, ganhou um novo contorno, passando a ser umproblema de toda uma geração (dos jovens pobres e ricos). Aospoucos, a sociedade passa a aceitar com certa normalidade osdilemas de uma juventude crítica, portadora de transforma-ções, capaz de transformar idealismo em realismo e rompercom as estruturas sociais vigentes.

Para compreender a juventude do século XXI é neces-sário desconstruir esse modelo (de juventude) idealizado pelomundo adulto burguês, forjado a partir do projeto iluminista,servindo-se do discurso evolucionista. Contemporaneamente,as transformações geradas pela experiência com o tempo ecom o espaço contribuíram para a emergência de novas formasde se fazer visível e presente, principalmente no campo dacultura.

Para Herschmann (1997), a juventude contemporâneaé fruto de uma sociedade que convive com a fragmentação ea pluralidade, reflexo do processo de modernização causadopelo capitalismo globalizado. Esse autor afirma que no Brasilaconteceram nesses últimos tempos várias mudanças cultu-rais, fruto da insatisfação da sociedade com a social-democra-cia, que não conseguiu cumprir com dois de seus objetivosfundamentais: a efetivação da cidadania e a melhoria dascondições de vida da população. A falta de projetos nacionaiscom propostas capazes de responder aos anseios dos jovensdas classes populares levou-os a se limitarem nos seus espaçosde invisibilidade, tornando-os, sob o ponto de vista da socie-dade, sujeitos de identificação estereotipada e condenatória.Porém, esse contexto social possibilitou o surgimento de umtipo de estrutura que aproxima cidadania, comunicação demassa e consumo. Esse processo de homogeneização/frag-

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mentação é resultado da dinâmica cultural contemporânea,desencadeada pelo capitalismo transnacional e pela impossi-bilidade de realização das utopias modernas. No entanto, issonão significa o fim do social e do político, mas a construção dealgo novo em um contexto no qual as diferenças e os processosde homogeneização se encontram em negociação permanente.O funk e o hip-hop são exemplos dessa fragmentação/pluralidade. Os integrantes desses movimentos ocupam umaposição marginal e ao mesmo tempo central na cultura brasi-leira e, embora estigmatizados e excluídos, estão em sintoniacom a era da globalização. Eles conseguem visibilidade erepresentação num terreno demarcado, paradoxalmente, pelaexclusão e integração, sendo, portanto, espaços deressignificação dos jovens das periferias e das favelas.

Finalmente, há que se considerar a complexidade de seconstruir um conceito de juventude que seja capaz de abrangertoda a sua heterogeneidade. Nesse sentido, Sposito (2003) eDayrell (2005) preferem trabalhar com uma noção de juventu-de na ótica da diversidade, utilizando o termo no plural, ouseja, juventudes.

A juventude constitui um momento determinado, masnão se reduz a uma passagem, assumindo umaimportância em si mesma. Todo esse processo éinfluenciado pelo meio social concreto no qual sedesenvolve e pela qualidade das trocas que esteproporciona (DAYRELL, 2005, p.34).

As questões da juventude entraram para a agenda socialno Brasil enquanto política pública nos últimos anos(CAMARANO e MELLO, 2006) em virtude do temor daexplosão demográfica, entre outros fatores. Nota-se que quase30% da população brasileira está na faixa etária entre 14 e 20anos de idade. E, nesse contexto,

novas questões foram sendo adicionadas ao deba-te sobre juventude, tais como: instabilidade eprecariedade na inserção para o mercado de traba-lho, instabilidade das relações afetivas, violência

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

nas grandes cidades, taxas crescentes prevalentessobre a mortalidade por doenças sexualmentetransmissíveis, em especial a Aids (CAMARANO eMELLO, 2006, p.13).

Para esses autores, a discussão em torno da juventudeainda é caracterizada por temas negativos, o que levou a umacentralização da crise social nos jovens. Essa concentração, dealguma forma, refletiu-se no final da década de 1990 e início de2000, quando começaram a surgir os programas voltados para apopulação jovem, com o envolvimento de várias parcerias dasociedade civil com o Poder Executivo nos três níveis de governo(federal, estadual e municipal), numa tentativa de se criarempolíticas públicas para essa população (SPOSITO, 2003).

Programa Programa Programa Programa Programa Fica Vivo!Fica Vivo!Fica Vivo!Fica Vivo!Fica Vivo!: um trabalho articulado em rede: um trabalho articulado em rede: um trabalho articulado em rede: um trabalho articulado em rede: um trabalho articulado em rede

Em 2002, a partir de uma análise detalhada dacriminalidade em Belo Horizonte, iniciou-se, sob a coordena-ção do Centro de Estudos de Criminalidade e SegurançaPública da UFMG (Crisp), uma discussão para a construção deuma metodologia de trabalho visando reduzir os homicídiosentre os jovens de 14 a 24 anos das regiões mais violentas deBelo Horizonte. Foi elaborado então o projeto “Controle deHomicídios”, denominado posteriormente Fica Vivo!, comações de prevenção e repressão qualificada, por meio dométodo de soluções de problemas.

Esse projeto iniciou-se como experiência-piloto, em2002, no Aglomerado Morro das Pedras, na região oeste deBelo Horizonte, e foi institucionalizado em 2003 pelo governode Minas Gerais, que o transformou em programa, com oDecreto no 43.334/03.

O programa tem dois níveis de ação: intervenção estra-tégica e proteção social. A proteção social prioriza sua atuaçãona mobilização comunitária, na articulação dos serviços locaise no atendimento aos jovens.5

São priorizadas as ações de mobilização e articulaçãodos grupos de diversas áreas: educação, saúde, esportes, cultura,assistência social, associações e moradores da comunidade,

5 As atividades deproteção social sãocoordenadas porprofissionais que tra-balham nos Núcleosde Prevenção àCriminalidade – equi-pamento de base lo-cal das comunidadesde intervenção doprograma.

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para que eles contribuam com ações de prevenção à criminalidadede forma mais organizada e sistemática. A proposta é que essasfrentes de trabalho possam criar possibilidades para que osjovens construam uma alternativa de vida que não seja pelas viasda violência. O trabalho de mobilização comunitária tem comodiretriz a busca de soluções coletivas para os problemas juvenis,a partir da interação entre agentes diversos, numa estrutura derede que possibilita a potencialização de recursos, equipamen-tos e iniciativas sociais.

O principal objetivo do programa é dialogar com osjovens envolvidos com a criminalidade e, por meio do diálogo,construir ações passíveis de inclusão nas instituições respon-sáveis pela execução de políticas públicas que lhes são dedireito, como educação, saúde, inclusão produtiva, lazer,esporte etc.

Propicia-se aos jovens a oferta de atividades culturais eesportivas, com a ação mais expressiva dentre elas desenvol-vendo-se nas oficinas. Além do trabalho com os jovens, sãopropostas a articulação comunitária e a criação de redes locaisde proteção social (escolas, postos de saúde e demais proje-tos). Para obter os resultados, o programa realiza reuniões edebates com a comunidade local para discutir os problemasenfrentados pelos jovens na conquista de seus direitos edivulgar as ações positivas dos jovens, principalmente asligadas à produção cultural (geralmente vista pelas comunida-des locais e pela sociedade em geral como algo sem valor –uma cultura subalterna que não merece reconhecimento).

Breve estudo de caso: como a escola lida com aBreve estudo de caso: como a escola lida com aBreve estudo de caso: como a escola lida com aBreve estudo de caso: como a escola lida com aBreve estudo de caso: como a escola lida com aviolência?violência?violência?violência?violência?

Durante a implantação do programa, os profissionaisdos Núcleos de Prevenção à Criminalidade (do Fica Vivo!)procuram conhecer e dialogar com os jovens, com a comuni-dade e com as instituições, construindo um diagnóstico dadinâmica da violência local. Verificam, também, como essasinstituições lidam com a questão da violência e com os jovensinfratores.

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

Após esse diagnóstico inicial, as instituições e os líde-res comunitários são convidados para participar do curso de“Gestores Locais de Segurança”, que é um importante instru-mento de diálogo com as instituições e a comunidade. Essacapacitação tem como objetivo discutir a nova concepção desegurança pública, visando reconhecer a segurança como umdireito de todos, ou seja, como responsabilidade do Estado ede toda a sociedade, e não somente como “caso de polícia”; eentender as questões de violência na sua amplitude e comple-xidade, para que se possa problematizar a criminalidade locale, por meio dessas discussões, sensibilizar a comunidade e osrepresentantes das instituições locais para que participem dasações do programa. No final do curso é construído o “PlanoLocal de Segurança”, contendo as ações conjuntas da comu-nidade, instituições parceiras e profissionais dos núcleos deprevenção.

Um dos objetivos do programa Fica Vivo! é incluir osjovens envolvidos com a criminalidade nas políticas públicaslocais. Especificamente com as escolas, a proposta é desensibilização para que essas instituições públicas acolham osjovens que se encontram excluídos do sistema de ensino, nasua maioria porque se envolveram com algum problema deindisciplina e/ou violência.

Apresentaremos, sinteticamente, uma análise do traba-lho de intervenção em uma escola que está localizada numaárea onde funciona o Núcleo de Prevenção à Criminalidade, daregião do bairro Ribeiro de Abreu, em Belo Horizonte.

Para trabalhar em parceria com as escolas, os profis-sionais do programa lançam mão das teorias de BernardCharlot sobre a violência na escola, porque, além de trabalharconceitos fundamentais, o autor delineia como o problemapode ser enfrentado.

Charlot (2005) distingue as várias formas de manifes-tação da violência no ambiente escolar.6 Assim, o termo“violência na escola” se refere às violências que acontecemdentro da instituição escolar, mas não estão ligadas às suasatividades. São exemplos dessa violência os roubos, invasões

6 O autor consideraimportante distinguirviolência, transgres-são e incivilidade noambiente escolar.Assim o termo vio-lência é utilizadopara ações contra alei, como o uso daforça ou ameaça desua utilização. Porexemplo, o tráfico dedrogas, as lesões, ovandalismo, a extor-são e os insultos gra-ves. A transgressãoé o comportamentocontrário ao regula-mento interno da ins-tituição escolar, co-mo o absenteísmo,a não realização detrabalhos escolares,a falta de respeito.As incivilidades sãoações contrárias àsregras de boa convi-vência, desordens,grosserias, empurrões,ofensas (CHARLOT,2005).

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e acertos de contas por grupos rivais. Nesse caso a escola éapenas um local onde a violência ocorre. A “violência àescola” é a violência ligada à natureza e às atividades dainstituição educacional. Ela acontece quando os alunos provo-cam incêndios e agridem os professores, por exemplo, ou seja,a violência contra a instituição ou o que ela representa. Por fim,há que se considerar ainda a “violência da escola”, ou seja, aviolência institucional simbólica. Como a instituição escolardefine, por exemplo, os modos de composição das classes, asformas discricionárias de atribuição de notas, etc.

Para esse autor, a escola possui grande margem de açãofrente às violências da e à escola. Porém, se a escola tempoucos recursos para solucionar os problemas de violênciaque não estão ligados às atividades da instituição, ou seja, sea violência vem de fora, ela deve buscar auxílio de outrasagências.

Tendo como fulcro essas distinções, retomemos o casoem análise: apesar do convite a todas as instituições escolarespara participar do curso de gestores, representantes de umaescola da região não participaram de nenhum dos encontros.Coincidentemente, essa instituição foi muito citada pela co-munidade e pelos jovens, por se tratar de uma escola comvários relatos de violência. Isso exigiu da equipe do Núcleo dePrevenção à Criminalidade local uma estratégia para incluir aescola nas discussões e ações de prevenção da violência.

Foram feitas várias reuniões com os jovens, professo-res, comunidade e direção da instituição, com o objetivo deentender o problema da violência na escola e elaborar estraté-gias de ações conjuntas que pudessem ser executadas pelosprofissionais da educação, comunidade, parceiros e pelostécnicos responsáveis pelas ações do programa na região.

Pais e alunos relataram que a escola “era um caos”.Citaram alguns casos de desordem, tais como a falta de luz, demerenda, de água, de professores, de material didático, alémde constantes atos de desrespeito entre alunos e professores,porte de armas e drogas pelos alunos, roubos, assaltos e até aexplosão de uma bomba no interior da instituição.

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

Os alunos comentaram que os professores davam aulassomente “no dia que eles deixavam”.

Os professores não têm autoridade, porque quemmanda na escola são alguns alunos que manipulam oscolegas e os professores. O professor faz de conta queestá tudo bem e toca o barco. Os professores sabemque eles são traficantes e preferem não criar nenhumtipo de atrito com eles (Depoimento de alunos).

De posse das opiniões dos pais e dos alunos, os técnicosdo programa Fica Vivo!, promoveram reuniões com os profis-sionais da escola para ouvir a versão de todos os envolvidos eelaborar um plano de ação.

Os profissionais da escola relataram que a instituição era“boa”, mas, depois de algumas invasões7 que aconteceram naregião próxima à escola, os professores “perderam o controle”.

Os professores contaram muitos casos de violência den-tro e fora da escola, principalmente nos períodos da manhã e datarde, quando funciona o ensino fundamental, tais como alunosque usam e traficam drogas e também usam armas de fogo(dentro da escola). Falou-se de alunos que estão “marcados”para morrer, que roubam e matam, e continuam indo para aescola sem sofrer nenhuma punição. Essas informações são“divulgadas” dentro da escola com certo receio e cheias demistérios, pois as informações precisas ninguém as tem. Issotraz insegurança ainda maior para os profissionais da educação,que se sentem impotentes diante dos problemas enfrentados.

Ainda segundo o relato dos profissionais da educação,os alunos dos programas sociais “só vão à escola porque sãoobrigados”.

Alguns são usuários de drogas e estão envolvidoscom o tráfico; também alguns pais espancam seusfilhos e os jogam dentro da escola, porque precisamda frequência dos filhos à escola para continuarrecebendo auxílio dos programas sociais (Depoi-mento de professores).

7 As invasões a quese referem os pro-fessores acontece-ram em uma áreabem próxima à es-cola, por famíliaspobres.

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Em alguns casos a escola chama os pais, a polícia ouo Conselho Tutelar. Mas, segundo os educadores, essasagências “não sabem o que fazer com os adolescentes violen-tos, principalmente os usuários de drogas e os que são violen-tados pela família”.

Para os professores, as causas dos problemas na escolaeram: a carência das famílias, a “desestruturação familiar” e aviolência local. No turno da manhã, segundo o relato doseducadores, havia alguns casos de alunos usando tíner. Essesalunos na maioria das vezes tornam-se muito agressivos eficam sem condições de assistir às aulas.

A escola não contava com o apoio das famílias. Aprovidência que a escola tomava, quando havia casos deviolência, era chamar a mãe que, muitas vezes, também estavaalcoolizada ou drogada. A polícia era acionada, mas tambémnão resolvia o problema, e o Conselho Tutelar, quando comu-nicado, não comparecia.

Os educadores citaram a escola como ponto de encon-tro dos jovens, “que fazem o que querem lá dentro, mas aescola não pode fazer nada, porque os alunos têm direitos e nãopodem ser expulsos”.

Analisando a violência escolarAnalisando a violência escolarAnalisando a violência escolarAnalisando a violência escolarAnalisando a violência escolar

Considerando o resultado de pesquisas sobre violêncianas escolas, como a realizada pelo Crisp/UFMG entre 2003 e20048, pode-se perceber, pelas características dos locais ondeas mais diferentes escolas – públicas ou privadas – se encon-tram, que sinais físicos ou sociais de desordem, bem como apresença de agentes que produzem desordem, estão associa-das à frequência de depredação e de outros eventos devitimização. Portanto, a violência está muito mais relacionadaà desorganização social do que às desvantagens econômicas.

Outro ponto de destaque na referida pesquisa são asconsiderações acerca da pertinência de relações de parceriaentre escolas e comunidades, independentemente de se tratarde escolas públicas ou privadas. Nesse contexto, disponibilizar

8 Pesquisa realizadapelo Crisp/UFMGentre 2003 e 2004,em Belo Horizonte,sobre a violência nasescolas, constatouque um dos princi-pais fatores que mo-tivam a violência nosestabelecimentosescolares “refere-seàs característicasdos locais onde asescolas se encon-tram. Observou-seque as regiões queapresentam sinaisde desordem, bemcomo a presença deagentes que a pro-duzem estão asso-ciadas à percepçãoque os alunos cons-troem acerca dos ní-veis de segurança,do mesmo modocomo ocorre na so-ciedade como umtodo. Nesse sentido,se a escola poucopode fazer no que serefere às caracterís-ticas de sua vizinhan-ça, é possível suaaproximação com ascomunidades, o que irápreservá-las de even-tos violentos. Sabe-seque o sentimento depertencimento a insti-tuições, assim como

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

as escolas para que membros da comunidade (externa) possamse associar politicamente ou usar seu espaço para eventos delazer pode trazer bons resultados, mesmo nas áreas compresença mais intensa de sinais de desordem.

Não são exclusivamente os eventos violentos que afe-tam a percepção da violência pelos alunos. As percepções daviolência prejudicam o comportamento de todas as pessoas.Nesse sentido, essa percepção pode ser afetada quando ocidadão toma conhecimento de um evento de criminalidade ouquando é vítima dele, ou seja, não é apenas o crime, mastambém o medo que influencia os comportamentos, atitudes etomadas de decisões. Desse modo, quando a pesquisa apontaque quase 90% dos alunos (de escolas públicas e/ou privadas)viram ou ouviram falar de desentendimentos ou xingamentosnas escolas e quase 70% viram ou ouviram falar de arruaçasnas escolas, não foram contabilizados os eventos em si, mas opercentual de indivíduos que tomaram conhecimento desseseventos.

No caso da escola em análise, os professores relataramque a deterioração do ensino começou após os atos de violên-cia dentro da instituição. Eles relacionam esse fenômeno àentrada de alguns alunos de famílias que passaram a residir emuma área invadida, próxima à escola. Percebe-se, nessasconsiderações, uma dificuldade dos profissionais da institui-ção em enxergar os novos alunos (que passaram a residirnaquele espaço) como sujeitos de direitos e, portanto, umpúblico a ser atendido pelas políticas sociais locais, inclusivea educação.

Uma análise mais apurada leva-nos a crer que nãoforam os alunos pobres que passaram a morar na comunidadeos responsáveis pelo aumento da violência escolar, comoacreditavam os professores. À época, como indicam as pesqui-sas anteriormente citadas, havia um adensamento dacriminalidade violenta em várias áreas, incluindo o local emque se encontra essa escola. Citando Schilling (2004), “aviolência quebra os discursos que estavam prontos, arranja-dos, arrumados”, ou seja, a violência instaura um

o sentimento de quedeterminada institui-ção participa da com-posição de uma co-munidade leva a ummaior vínculo entreelas. Disponibilizaras escolas para quemembros da comu-nidade externa pos-sam se associar po-liticamente, ou usarseu espaço paraeventos de lazerpode trazer bons re-sultados, mesmonas áreas com pre-sença mais intensade sinais de desor-dem. Outro pontopositivo é a partici-pação efetiva depais e alunos em ati-vidades extracurri-culares, assuntoexaustivamente le-vantado pelos dire-tores de instituiçõesde ensino” (Fonte:Violência, medo edesempenho esco-lar, Boletim Infor-mativo do Crisp,ano 3, número 6,setembro 2004. Dis-ponível em http://www.crisp.ufmg.br/informativo-06.pdfacessado em 29/jun/2007).

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questionamento sobre as nossas certezas. Introduz o caos ondetudo parecia regido pela “normalidade”, exigindo de todos acriação de uma nova ordem capaz de lidar com essas novaslinguagens.

Quando se analisam as escolas com altos índices deviolência, verifica-se uma situação de forte tensão. Os inciden-tes são produzidos nesse fundo de tensão social e escolar no qualum pequeno conflito pode provocar uma explosão. As fontes detensão podem estar ligadas ao estado da sociedade e do bairro,mas dependem também da articulação da escola com essepúblico e suas práticas de ensino (CHARLOT, 2005).

Segundo Velho (2000), as mudanças ocorridas com aglobalização afetaram os códigos de valores, principalmenteas expectativas de reciprocidade, com a difusão dos valoresligados ao individualismo e à impessoalidade. Esses “novos”valores convivem hoje com os velhos códigos, baseados nahierarquia e no clientelismo que a sociedade moderna nãoconseguiu extinguir. Mas com um agravante: em relação àscrianças, aos adolescentes e aos jovens brasileiros pobres, nãotemos as garantias de vários direitos sociais – fator primordialnuma sociedade democrática. Em qualquer cultura e/ou siste-ma social é necessário que haja uma noção compartilhada dejustiça. Justiça entendida como um conjunto de crenças evalores que dizem respeito ao bem-estar individual e social.Sem o estabelecimento mínimo desses valores, corre-se o riscoda anomização da vida social.

Chamou-nos a atenção o fato de o ensino fundamentalser citado como o período que apresenta os maiores problemasde violência. Segundo pesquisa do Observatório de Favelas,9

a maioria dos adolescentes (57,4%) ingressaram na atividadedo tráfico entre os 13 e os 15 anos e, em alguns casos (7,8%),a entrada ocorre antes dos 12 anos, ou seja, em plena infância.Portanto é justamente nessa faixa de idade que os alunosapresentam mais dificuldades para se incluírem no ambienteescolar. Época de conflito entre as atividades do tráfico e asatividades da escola. É bem provável que após esse períodomuitos deles optem pelo trabalho no tráfico e deixem a escola.

9 Pesquisa “Traje-tória de crianças,adolescentes e jo-vens na rede do trá-fico de drogas novarejo do Rio de Ja-neiro, 2004-2006”.Disponível em:www.observatorio-defavelas.org.br.Acessado em: 20/ago/2009.

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

Observa-se nos relatos dos profissionais da educação quenão existe uma interlocução da escola com outros órgãos quetrabalham com crianças e adolescentes. Os professores dizemtambém que não se qualificaram para trabalhar com “essesadolescentes” que dão muito trabalho na escola. Nesse sentido,Arroyo (2000) afirma que o conhecimento para lidar com proble-mas de convivência com os jovens não é adquirido nas faculdades.É aprendido no dia a dia, com a infância e a adolescência quetrabalhamos. Os educadores das escolas têm muito a aprendercom a pluralidade de ações pedagógicas dos projetos sociais:

Esses profissionais aprenderam no convívio com ainfância negada e roubada... Foram reeducadospela infância com que convivem. Não por compaixãopara a sua barbárie e miséria, mas porque vãodescobrindo as outras imagens de resistências múl-tiplas, de valores e de tentativas. Resistências feitasde brotos de humanismo onde o olhar atento vêprocessos formadores. Resistências dos excluídosque podem fazer retomar brotos de humanismo nosseus educadores (p. 251).

As dificuldades apresentadas (pela escola em análise)parecem reflexos de uma relação alienada, burocratizada ehierarquizada, na qual os profissionais constroem um círculovicioso autojustificado, colocando-se como vítimas dessesistema que não funciona, ficando difícil a redefinição deresponsabilidades – que é um trabalho de ação coletiva, deespírito de equipe.

Trata-se, muitas vezes, de uma relação cômoda que semanifesta nas queixas de vitimização. Vale lembrar PauloFreire, para quem o ato de educar exige do educador, além docomprometimento, a convicção de que a mudança é possívele a compreensão de que a educação em si já é uma forma deintervenção no mundo.

Trabalhando de forma isolada a escola não encontrarásoluções possíveis e ainda correrá o risco de entrar num círculovicioso de perpetuação da lógica criminológica instaurada, que

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poderá transformá-la em vítima dessa criminalidade violenta.Os problemas da violência são complexos e nenhuma institui-ção sozinha dará conta deles, sendo necessário um trabalho emrede, em que cada instituição dará a sua contribuição.

Os profissionais da educação, ao entenderem que afamília e a escola são as instituições mais importantes, senãoúnicas capazes de educar as crianças e os adolescentes, acre-ditam que, quando a família não “cumpre sua função” – que éde formação de caráter e normas disciplinares –, a escola,possivelmente, não conseguirá também exercer o seu papel,porque a educação oferecida pela instituição de ensino e pelafamília são complementares.

Sentindo-se impotentes frente à violência no âmbitoescolar, a única instituição que os professores reconhecemcomo capaz de ajudá-los nessa tarefa é a polícia, que échamada na escola quotidianamente para resolver desde pro-blemas como o tráfico de drogas até os mais banais, comodesaparecimento de objetos ou brigas entre alunos. E mesmoreconhecendo que a intervenção da polícia é, rotineiramente,repressiva e pontual e que algumas vezes pode piorar asituação, criando constrangimentos (como os casos envolven-do crianças que são detidas, à revelia da lei), a escola continuautilizando as mesmas estratégias para solução dos casos,culpando inclusive as leis que são feitas “para proteger essesjovens violentos”.

Percebemos que o trabalho da escola em análise écentrado na repressão, faltando aos profissionais da educaçãouma visão ampliada dos problemas e a capacidade de enten-dimento da função e dos limites de cada instituição e, princi-palmente, a compreensão da socialização do sujeito na socie-dade contemporânea.

Segundo Setton (2005), as instituições que, de acordo coma sociologia clássica, seriam as responsáveis primárias pelasocialização do sujeito (que era feita por meio da reprodução daordem), não têm hoje os mecanismos de controle, pois o indivíduocontemporâneo tem uma grande capacidade de reflexividade emaior possibilidade de transformação das normas.

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

O fracasso escolar, na visão de muitos educadores, estána origem social da família do aluno, na posição social que essafamília ocupa na sociedade e da sua privação sociocultural.Dessa forma, os profissionais da educação transferem para asfamílias a responsabilidade pelo fracasso dos alunos na escola.

Os professores também citam várias deficiências gera-das pela própria instituição escolar: “falta de investimento, dematerial, de profissionais, de condições dignas de trabalho”. Aconclusão, sob essa ótica, é que os alunos e os professores sãovítimas de um sistema que reproduz a desigualdade social e,sendo assim, não se pode fazer nada.

Os professores ponderam, ainda, com certa desilusão edescrença, sobre propostas de mudança. Referem-se, geral-mente, à instituição escolar e ao sistema de ensino como se elespróprios não fizessem parte dos mesmos. Não se veem naescola, que não é democrática, muito menos como pertencenteao Estado, que julgam autoritário.

Para Charlot (2000),

os docentes aderem a uma teoria da reprodução quepõe em causa a instituição escolar, denunciada comonão igualitária e reprodutora. Para eles, o que équestionado é a má instituição, cujas vítimas são ascrianças, suas famílias e os próprios docentes; ainstituição de uma má sociedade. Os docentes sedessolidarizam de semelhante instituição, em nomede uma imagem da boa instituição: a escolalibertadora ou a escola do povo (p. 29).

Finalmente, Arroyo (2000) aponta que a escola nãodará conta de reverter sozinha o processo de “desumanizaçãodos jovens”; porém, ela não poderá continuar a ser um espaçoque legitima e reforça essa desumanização. É necessário umreordenamento escolar que considere os tempos e as vivênciasdos educandos. As formas de organização das escolas comuma estrutura seriada e a rigidez dos conteúdos reforçam adesumanização a que são submetidos os adolescentes e jovens,principalmente das periferias. As condições de vida de muitos

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jovens, tais como a rua, a moradia, o trabalho forçado, aviolência, a fome, são questões muito pesadas para sujeitosainda em desenvolvimento.

Buscando saídas: interações possíveis entre osBuscando saídas: interações possíveis entre osBuscando saídas: interações possíveis entre osBuscando saídas: interações possíveis entre osBuscando saídas: interações possíveis entre osprofissionais da educação e da segurança públicaprofissionais da educação e da segurança públicaprofissionais da educação e da segurança públicaprofissionais da educação e da segurança públicaprofissionais da educação e da segurança pública

Frente aos desafios apresentados pela comunidade es-colar nos vários núcleos onde se articula o Fica Vivo!, ostécnicos do programa procuraram desenvolver um trabalhocoletivo, centrado na responsabilidade da instituição (escolar)e da comunidade local. A ideia do trabalho em rede é possibi-litar a implicação dos sujeitos que residem nesses espaços.

Num cenário de corresponsabilidade, envolvendo acomunidade, os profissionais do programa Fica Vivo! e outrosatores sociais, os educadores devem assumir a educação comoum direito de todos, acolhendo os alunos e suas famílias eincentivando-os a participar ativamente dos trabalhos desen-volvidos pela escola. Devem também trabalhar com outrasquestões que extrapolam o ensinar e o aprender. Uma dessasquestões relaciona-se à violência, que necessita com urgênciaentrar na pauta de discussões dos educadores, para que elespossam construir um outro olhar sobre ela, que não sejasimplesmente de criminalização de seus agentes. Deve-seanalisar a violência como algo complexo, e não apenas comoum ato isolado, procurando descriminalizar os conflitos etrabalhá-los pedagogicamente.

Pode-se verificar (com o desenvolvimento desse traba-lho nas escolas) que a instituição de ensino é um pontoimportante de encontro dos jovens, onde eles conversam,namoram, disputam espaços, traficam e usam drogas, porqueesse é o único espaço público disponível para os jovens demuitas comunidades. Portanto, afastar os jovens da escolaagrava ainda mais o quadro de violência.

As atividades desenvolvidas pelos técnicos do FicaVivo! com as escolas, ainda que incipientes, têm possibilitadoaos professores sair do pessimismo e do imobilismo. Pode-seperceber que os profissionais da educação estão mais abertos

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

para (re)conhecer melhor seus alunos e os trabalhos das outrasinstituições, o que possibilita uma conscientização sobre osoutros espaços importantes de socialização dos alunos e deapoio às suas famílias. Há mais integração das ações da escolacom outros projetos e programas, tais como o Bolsa Família,o Liberdade Assistida, o programa de Prestação de Serviços àComunidade10, e com o Conselho Tutelar.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

O caso da escola analisada neste artigo mostra queexistem muitas dificuldades a serem enfrentadas pelos educa-dores em relação ao aumento da violência urbana, especifica-mente em relação à violência juvenil. Não obstante, soluçõespossíveis e factíveis têm sido apresentadas para o enfrentamentodo problema.

Tanto a política educacional como as ações de seguran-ça pública, principalmente voltadas para a prevenção àcriminalidade juvenil, não devem ratificar o preconceito querotula os jovens como um problema, pois, se eles são osprincipais autores da violência, são também as principaisvítimas. Os jovens das periferias violentas das grandes cidadesbrasileiras enfrentam muitos desafios que os impedem deexercer sua cidadania. Portanto, a função das políticas públi-cas, incluindo a escola pública, é auxiliá-los para que elespossam vencer os obstáculos e usufruir plenamente dos seusdireitos de cidadãos.

Os bons resultados de programas de prevenção àcriminalidade como o Fica Vivo! devem-se à aposta na cons-trução de projetos nos quais os jovens são sujeitos capazes derepensar sua trajetória de vida e refazê-la. E para tanto épreciso que os profissionais envolvidos nas políticas públicas(de educação, de saúde ou de segurança) acreditem no poten-cial de transformação dos jovens e tenham capacidade criativapara a reinvenção, muita coragem para ouvi-los, compreendê-los e auxiliá-los na sua caminhada, para que eles construam oseu próprio caminho.

É necessário vencer as diferenças de geração; articularos programas e as políticas públicas focados nos adolescentes

10 São programas demedidas socioedu-cativas em meioaberto que atendemadolescentes auto-res de atos infracio-nais “leves”. Segun-do o Estatuto da Cri-ança e do Adoles-cente, essas medi-das são aplicadaspelo Juizado da In-fância e Juventudee devem ser execu-tadas pelos gover-nos municipais.

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e jovens, com o objetivo de ouvir esses sujeitos, entender suasangústias e transformar suas reivindicações em demandaslegítimas. Entender a juventude em um contexto mundialglobalizado, numa sociedade de massa (ABAD, 2003). Darconta de que essa nova ordenação de mundo supõe novoscontratos sociais mais flexíveis e baseados na negociação, enão mais na imposição de normas ditadas pelos adultos.

Esse reconhecimento dos jovens deve empurrar aresistência de um autoritarismo patriarcal, de gera-ções e de classe, que, mediante o uso da violênciarepressiva, pretendeu negar e eliminar os conflitosproduzidos pelas desigualdades e diferença, em lu-gar de seu reconhecimento e negociação racional.(ABAD, 2003, p. 21).

A reflexão de que é possível construir outro olhar sobre osjovens e o reconhecimento da importância de dialogar com outrasinstituições para dividir as angústias e as responsabilidades,tendo a consciência das funções e dos limites das instituições,possibilitam a construção de um trabalho conjunto para garantirmaior proteção às crianças, aos adolescentes e aos jovens.

Por fim, um estudo feito pelo Instituto de PesquisaEconômica Aplicada – Ipea –, em 2007, deixa claro que aeducação formal parece ter um efeito redutor muito forte sobrea taxa de homicídio e que isso possivelmente se deve ao papelsocializador da escola.

[Há] uma evidência substantiva a favor de manter ascrianças na escola, mesmo se a aprendizagem deconteúdos ficar abaixo das expectativas, já reduzi-das, da sociedade. Há um discurso recorrente contrapolíticas educacionais que visam à permanência,tais como ciclos educacionais, e até a sua versãomais radical: a progressão continuada. (...) há evi-dências de que, mesmo que uma criança de baixostatus socioeconômico frequentando uma escola comprofessores mal pagos e mal formados não estejaaprendendo português ou matemática a contento,

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

ela está aprendendo um modo de socialização queeventualmente poderá salvar-lhe a vida. E mais: épossível que, ao ensinar esta criança a como lidarcom o conflito de modo não letal, a escola estejatambém salvando a vida de terceiros. A conclusãoinexorável é que a política educacional deve fazertudo ao seu alcance para manter a criança na escola,mesmo que a aprendizagem de conteúdos acadêmi-cos seja aquém do desejado. Nesse sentido, políticasde progressão continuada devem ser incentivadas aomáximo, uma vez que há uma relação conhecidaentre ser reprovado e evadir do processo educacio-nal. (SOARES, 2007, p. 28-29).

Nesse sentido, é possível a articulação de políticaspúblicas em prol da cidadania e de uma cultura da paz e da nãoviolência envolvendo, entre outros, profissionais da educaçãoe da segurança pública.

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

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MESA DA ASSEMBLEIADeputado Alberto Pinto Coelho

PresidenteDeputado Doutor Viana

1º-Vice-PresidenteDeputado José Henrique

2º-Vice-PresidenteDeputado Weliton Prado

3º-Vice-PresidenteDeputado Dinis Pinheiro

1º-SecretárioDeputado Hely Tarqüínio

2º-SecretárioDeputado Sargento Rodrigues

3º-SecretárioDIRETORIA-GERALEduardo Vieira Moreira

SECRETARIA-GERAL DA MESAJosé Geraldo Prado

ESCOLA DO LEGISLATIVOAlaôr Messias Marques Júnior

EDIÇÃOMárcio Santos

CONSELHO EDITORIALCláudia Sampaio Costa

Diretoria de Processo Legislativo – ALMGFabiana de Menezes Soares

Faculdade de Direito – UFMGFátima Anastasia

Centro de Estudos Legislativos Departamento deCiência Política – UFMG

Márcio SantosEscola do Legislativo – ALMG

Marta Tavares de AlmeidaInstituto Nacional de Administração/Portugal

Ricardo CarneiroEscola de Governo Professor Paulo Neves de

CarvalhoFundação João Pinheiro

Rildo MotaCentro de Formação, Treinamento e

Aperfeiçoamento Câmara dos DeputadosRoberto Romano

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas –Universidade Estadual de Campinas

Regina MagalhãesÁrea de Consultoria Temática – ALMG

PARCERISTAS:Colaboraram nesta edição:

Caren RuottiNúcleo de Estudos da Violência Universidade de

São PauloLeonardo Henrique de NoronhaEscola do Legislativo – ALMG

Guilherme Wagner RibeiroEscola do Legislativo – ALMG

Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisMário Fuks

Departamento de Ciências Políticas – Faculdadede Filosofia e Ciências Humanas – UFMG

Rildo CossonCentro de Formação Treinamento e

Aperfeiçoamento – Câmara dos Deputados

Diretor de Comunicação Institucional:Lúcio Pérez

Gerente-Geral de Imprensa e Divulgação:Cristiane Pereira

Gerente de Comunicação Visual:Joana Nascimento

DIAGRAMAÇÃOMauro Lúcio de Paula

REVISÃOAdriana LacerdaIzabela MoreiraLarissa Freitas

IMPRESSÃODiretor de Infra-Estrutura:Evamar José dos Santos

Gerente-Geral de Suporte Logístico:Cristiano Félix dos Santos Silva

Gerente de Reprografia e Transportes:Osvaldo Nonato Pinheiro

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Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 3-4, jul./dez. 2009

EDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIAL

Apresentamos nesta edição um conjunto de cinco arti-gos, com temas diversificados entre si, mas todos eles relacio-nados à esfera de reflexão que norteia os Cadernos da Escolado Legislativo: a interação entre o Estado e a sociedade. Noartigo que abre a edição, a autora coloca em discussão opotencial das práticas democráticas contemporâneas, anali-sando as críticas à democracia representativa e os dilemas dademocracia participativa. No segundo texto, o autor aborda arelação entre informação e democracia no Poder Legislativodo Estado de Minas Gerais, explorando os conceitos deassimetria informacional, accountability e competênciainformacional. Em rota semelhante segue o terceiro artigo,voltado para a avaliação dos instrumentos de interatividadecriados pela Câmara dos Deputados, analisados a partir dopressuposto de que a captação e o atendimento das demandasdo cidadão é requisito para a efetividade de um sistema públicode informação. No penúltimo texto, um especialista cubanodiscute as principais causas que, do ponto de vista institucional,normativo, teórico e metodológico, afetam a qualidade das leisem Cuba. O debate proposto pelo autor situa-se no fértil campodo controle da qualidade das leis, tema da teoria da legislação,no qual se têm envolvido estudiosos das mais diversas proce-

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dências e que constitui hoje uma das preocupações daAssembleia Legislativa de Minas Gerais. No último artigo, osautores analisam as novas demandas que passam a configuraro papel da escola, notadamente em comunidades violentas,estudando o caso específico do Programa Fica Vivo, implan-tado em Belo Horizonte com o objetivo de reduzir os homicí-dios entre a população jovem. Fechamos a edição, assim, coma análise empírica de um projeto de política pública, que formaoutro dos campos de atuação do Parlamento mineiro.

O editor

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Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 5-27, jul./dez. 2009

Resumo: O artigo propõe uma reflexão a respeito da constru-ção da democracia, evidenciando as limitações e o potencialdas diversas práticas democráticas. Passando por uma breveanálise do significado original do termo democracia, busca-seanalisar as críticas à democracia representativa e os dilemas dademocracia participativa. Enfatiza-se a necessidade de cons-tante avaliação e aprimoramento das práticas democráticas,que se pautam pela representação e pela participação, e aimportância da complementaridade entre elas. Entendendo-seque a realização de uma democracia radical é a concretizaçãodos ideais de autonomia, de liberdade e de emancipação social,conclui-se que a política, compreendida como possibilidadetransformadora e como criação histórica, é o verdadeiro cami-nho para a realização democrática.

Palavras-chave: democracia, democracia representativa, de-mocracia participativa, representação, participação, autonomia.

Abstract: This article proposes a reflection about democracyconstruction, emphasizing limitations and the differentdemocratic practices potential. We aim analyse therepresentative democracy critics and the participativedemocracy dilemmas. We emphasize the need for constantevaluation and democratic practices improvements based on

DESAFIOS DA CONSTRUÇÃODESAFIOS DA CONSTRUÇÃODESAFIOS DA CONSTRUÇÃODESAFIOS DA CONSTRUÇÃODESAFIOS DA CONSTRUÇÃODEMOCRÁTICADEMOCRÁTICADEMOCRÁTICADEMOCRÁTICADEMOCRÁTICA

PAPAPAPAPATRÍCIA GARCIA GONÇALTRÍCIA GARCIA GONÇALTRÍCIA GARCIA GONÇALTRÍCIA GARCIA GONÇALTRÍCIA GARCIA GONÇALVES*VES*VES*VES*VES*

* A autora deste arti-go é arquiteta, mes-tre em Geografiapelo Instituto deGeociências daUFMG e exerce a ati-vidade de consulto-ria técnica na Câma-ra Municipal de BeloHorizonte. A refle-xão contida no arti-go integra sua dis-sertação de mestra-do intitulada “Limi-tes e possibilidadesda democracia re-presentativa na pro-dução do espaçourbano: uma análi-se a partir da atua-ção da Câmara Mu-nicipal de Belo Hori-zonte”.

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representation or participation and the importance of balancebetween them. We understand that the radical democracyrealization is the concretization of autonomy ideas, of freedomand social emancipation. We conclude that politics is understoodas a changing possibility and as historical creation; it is the realway to the democratic happening.

Keywords: democracy, representative democracy, participativedemocracy, representation, participation, autonomy.

Questões das mais diversas naturezas poderiam serabordadas ao refletir-se sobre os desafios da construção demo-crática. O ponto central a ser aqui evidenciado refere-se, noentanto, à crise da democracia representativa, aos dilemas dademocracia participativa e seus desdobramentos. Busca-seindagar sobre a eficácia da democracia representativa e sobrea viabilidade da democracia participativa.

Antes de iniciar essa discussão, evidenciando os cami-nhos, as encruzilhadas e as armadilhas que permeiam a cons-trução democrática, parece importante uma rápida reflexãosobre o significado original do termo democracia.

Giovanni Sartori (1994) lembra que, “quando remonta-mos a um étimo, temos certeza de partir de bases genuínas”(SARTORI, 1994, p. 40). No entanto, a definição etimológicade democracia como governo ou poder do povo é uma premis-sa que pouco revela.

Jacques Rancière (1996) destaca a carga simbólica dapalavra democracia. Antes de ser um regime político, a demo-cracia é “um desvio singular no curso normal dos assuntoshumanos” (RANCIÈRE, 1996, p. 370). O demos, em Atenas,refere-se aos pobres, às pessoas reles, àqueles que nadapossuem, que não têm nenhum título para governar. Assim,numa ruptura inédita e radical de toda a lógica da dominaçãolegítima, governam justamente os que não têm título para

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DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICADESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICADESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICADESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICADESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA

governar. O demos, constata Rancière (1996), é um ser duplo,pois é constituído pelas pessoas sem importância e, ao mesmotempo, pela comunidade em seu conjunto. O demos é “a parteque se identifica ao todo exatamente em nome da injustiça quelhe é feita pela ‘outra’ parte: por aqueles que são alguma coisa,que têm propriedades, títulos para governar” (RANCIÈRE,1996, p. 371).

Ao buscar o significado de demos, sem perder o próprioprincípio democrático e funcional da democracia, Sartori(1994) conclui que “a noção de povo deve ser entendida comoalgo que requer um controle da maioria a ser limitado pelosdireitos da minoria” (SARTORI, 1994, p. 45). O demosengloba a maioria e a minoria. A democracia não é, então, opoder absoluto e irrestrito da maioria, pois, se um grupomajoritário abusa de seu direito, o sistema deixa de ser umademocracia. É a proteção dos direitos da minoria que estásubjacente à ideia de democracia, e mais, é a liberdade dedissentir que caracteriza um sistema democrático. Nas pala-vras de Norberto Bobbio (2004), “apenas onde o dissenso élivre para se manifestar o consenso é real, e apenas onde oconsenso é real o sistema pode proclamar-se com justezademocrático” (BOBBIO, 2004, p. 75).

Abre-se aqui um parêntese para ponderar o que repre-senta o consenso para a democracia por compreender-se queesse é um ponto que merece alguma reflexão1. Sartori (1994)analisa a questão e ressalta que há três elementos passíveis deconcordância em relação à teoria da democracia: valores ouprincípios fundamentais (consenso básico); regras do jogo(consenso procedimental); governos específicos; e políticasgovernamentais (consenso programático). De acordo comSartori (1994), o consenso básico não é condição necessáriapara a democracia, porém a facilita e a fortalece, podendo,inclusive, ser construído. Quanto ao consenso procedimental,ou seja, o consenso sobre a regra de solução de conflitos, écondição sine qua non da democracia e o seu ponto de partida.As regras e o tratamento a ser conferido às discordânciasdevem ser consensuais. Já o terceiro nível de consenso eviden-cia a possibilidade do dissenso e a necessidade da discussão

1 Rancière (1996) cri-tica o discurso queidentifica o consen-so ao princípio dademocracia e doexercício da política.Para ele, o dissenso“não é a diferençados sentimentos oudas maneiras desentir que a políticadeveria respeitar. Éa divisão no núcleomesmo do mundosensível que instituia política e suaracionalidade pró-pria” (RANCIÈRE,1996, p. 368). Odissenso é um con-flito sobre a consti-tuição do mundosensível, permitindoque mundos diferen-tes ou paradoxaissejam revelados ereconhecidos. Aideia de que a formamoderna de fazerpolítica é a do con-senso pressupõeuma objetivação to-tal dos dados e dospapéis a distribuir.Suprime, portanto, ocômputo dos nãocontados, objetiva osproblemas e determi-na os saberes e par-ceiros necessáriospara solucioná-los.Nesse sentido, o con-senso significa a su-pressão da política(RANCIÈRE, 1996).

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como essenciais à democracia. Para Sartori (1994), o dissensodeve trazer mudanças no consenso, ou seja, um novo consen-timento. O autor contesta a tese de que o conflito é a base dademocracia, pois, para ele, acreditar na concepção pluralistade sociedade e na dialética da diversidade opõe-se a acreditarno conflito.

O que a teoria de democracia deriva de sua matrizpluralista não é e não pode ser uma exaltação do“conflito”, mas, ao contrário, um processamentodinâmico do consenso baseado no princípio de que,seja o que for que se declare justo, ou verdadeiro,deve suportar a crítica e o dissenso e ser revitalizadopor eles (SARTORI, 1994, p. 131).

Uma vez conceituado o termo demos, estabelecer aligação entre demos e kratos (poder) traz uma enorme dificul-dade etimológica, pois poder não é liberdade, mas é força ecapacidade de controlar os outros. Como, então, pode o povoexercer o poder? Sartori (1994) enfatiza que “poder do povo”é uma expressão elíptica, já que governar pressupõe a existên-cia de governados. A democracia seria, portanto, o poder dopovo sobre o povo. No entanto, o direito ao poder nãodetermina de fato a soberania popular.

Diante disso,

não consiste apenas em subir ao poder, mas sim, emuito mais, de apear-se dele. Se, ao longo desseprocesso de mão dupla, o povo perde o controle,então o governo sobre o povo corre o perigo de nãoter nada a ver com o governo do povo (SARTORI,1994, p. 52).

Discutir o significado do termo democracia traz à tonaseus princípios elementares – igualdade, liberdade, respeito àdiversidade. Construir uma sociedade com base em tais valo-res e, portanto, digna de receber o título de democrática exigeque a ação política seja reconhecida e valorizada como possi-bilidade de criação histórica.

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As críticas à democracia representativa e os dilemas daAs críticas à democracia representativa e os dilemas daAs críticas à democracia representativa e os dilemas daAs críticas à democracia representativa e os dilemas daAs críticas à democracia representativa e os dilemas dademocracia participativademocracia participativademocracia participativademocracia participativademocracia participativa

Carl Schmitt (1996) salienta que a história das ideiaspolíticas no século XX pode ser sintetizada pela seguintefrase: a marcha vitoriosa da democracia. Ainda que sequestione o caráter absoluto de tal afirmação, sem dúvida, oideal democrático assume papel central naquele momentohistórico.

Santos e Avritzer (2003) traçam um breve históricoacerca do debate em torno da questão democrática duranteo século XX e destacam duas discussões principais: naprimeira metade do século, o debate focalizou adesejabilidade da democracia como forma de governo; nopós-guerra, a discussão voltou-se para as condições estru-turais da democracia e a compatibilidade ou não entredemocracia e capitalismo.

Os autores destacam que a forma hegemônica de práti-ca democrática, na segunda metade do século, restringiu-se aoprocedimento eleitoral para a formação de governos, limitan-do formas de participação mais amplas. No entanto, alternati-vas ao modelo liberal (democracia participativa, democraciapopular) também foram debatidas por aqueles que entendiamque a distribuição de ganhos nas sociedades capitalistas exigiaa descaracterização total da democracia como até então seapresentava.

Ao final do século XX, a extensão do modelohegemônico de democracia liberal e os cortes nas políticassociais (desmonte do Estado do Bem-Estar Social) deixa-ram claro o limite dos efeitos distributivos da democracia.Nesse contexto, emerge o problema da forma da democra-cia e da sua variação e, com ele, a discussão sobre aqualidade da democracia. Santos e Avritzer (2003) ressal-tam que se pode apontar na direção de uma tripla crise daexplicação democrática tradicional: há, em primeiro lugar,uma crise do marco estrutural de explicação da possibilida-de democrática; há, em segundo lugar, uma crise da expli-cação homogeneizante sobre a forma de democracia que

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emergiu como resultado dos debates do período entreguerras e há, em terceiro lugar, uma nova propensão aexaminar a democracia local e a possibilidade de variaçãono interior dos Estados Nacionais a partir da recuperação detradições participativas solapadas no processo de constru-ção de identidades nacionais homogêneas (SANTOS eAVRITZER, 2003, p. 42-43).

Dessa crise, cuja discussão evidencia a dificuldade deaproximação entre o ideal e a realidade, parece nascer oconflito entre representação e participação. A primeira comoa tradução da forma falida da democracia tradicionalhegemônica (no sentido da sua eficácia na geração de umasociedade mais justa) e a segunda como a expressão daesperança em novas práticas contra-hegemônicas que vêmganhando força.

Diante disso, cabe refletir se a busca do ideal demo-crático passa por um necessário enfraquecimento da demo-cracia baseada na representação em direção a formas dedemocracia mais direta (participação) ou se a melhor opçãopara a construção democrática é o fortalecimento de ambasas práticas (representação e participação). Para tanto, énecessário compreender melhor as possibilidades e os limi-tes da democracia representativa e da democraciaparticipativa.

Iniciando pela democracia representativa, deve-se, pre-liminarmente, entender a ideia de representação política.

A concepção de representação política varia ao longoda história2. Segundo Marilena Chauí (2006), considera-seque Hobbes introduziu o tema da representação no campopolítico. A autora, no entanto, esclarece que Hobbes, naverdade, apenas reformulou o conceito de representação polí-tica utilizado anteriormente pela teologia política medieval.Ele definiu o papel do representante como o de alguém que estáautorizado a agir por quem possui o direito de agir. Portanto,a representação implica posse e transferência de autoridade(CHAUÍ, 2006).

2 Marilena Chauí(2006) traça a trajetó-ria histórica da ideiade representação po-lítica, sintetizando asconcepções medie-val, liberal, socialistae partidária.

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O poder simbólico encontra-se subjacente às concep-ções de representação política. Pierre Bourdieu (2001), aorefletir sobre o poder simbólico da representação política, fazreferência à concentração do capital político nas mãos de umpequeno grupo. Segundo o autor, tal monopólio profissionalsobre o jogo político é tanto maior quanto maior for a assimetriaeconômica e cultural do grupo em que se insere. Tem-se,então, um círculo vicioso: a desigualdade econômica e culturalproduz a concentração do poder político e essa concentraçãocristaliza e reproduz as desigualdades.

Em sua veemente defesa do governo representativocomo alternativa ideal a ser adotada por conservadores eliberais, Stuart Mill ressalta que tal governo teria uma assembleiarepresentativa com a função de controlar e fiscalizar o própriogoverno, dando publicidade aos seus atos e condenando asações contrárias ao deliberado pela nação e os abusos de poder(MILL, 2006a).

É evidente que o único governo capaz de satisfazercompletamente todas as exigências do Estado Socialé aquele em que o povo todo possa participar; ondequalquer participação, mesmo na função públicamais modesta, é útil; um governo no qual a partici-pação deverá ser, em toda parte, tão grande quantopermita o grau geral de aprimoramento da comuni-dade; e, no qual, nada menos possa ser desejado doque a admissão de todos a uma parte do podersoberano do Estado. Porém, uma vez que é impossí-vel, em uma comunidade maior do que uma únicacidade, que todos participem pessoalmente de todosos negócios públicos, a não ser de poucos, conclui-se que o tipo ideal de governo perfeito deve ser orepresentativo (MILL, 2006a, p. 65).

A partir da segunda metade do século XIX, o governorepresentativo3 passou por transformações significativas: odireito ao sufrágio foi ampliado e a propriedade e a culturadeixaram de ser representadas. Ao mesmo tempo, os partidosde massa emergiram, e os programas políticos passaram a ser

3 Manin (1995) sin-tetiza os princípiosdo governo repre-sentativo: os repre-sentantes são elei-tos pelos governa-dos, os representan-tes conservam umaindependência par-cial diante das pre-ferências dos eleito-res, a opinião públi-ca sobre assuntospolíticos pode mani-festar-se indepen-dentemente do con-trole do governo, asdecisões políticassão tomadas apósdebate.

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um dos principais mecanismos de competição eleitoral. Ospartidos pareciam “criar uma maior identidade social e culturalentre governantes e governados e parecia também dar aosúltimos um papel mais importante na definição da políticapública” (MANIN, 1995, p. 7).

Surge, portanto, um novo formato de governo represen-tativo, no qual a representação política evoluiu por meio dauniversalização do sufrágio e da constituição de partidospolíticos, buscando institucionalizar a participação de todos,como resume Fátima Anastasia (2002). Tais mudanças, se-gundo Manin (1995), levavam a crer que o governo represen-tativo aproximava-se do ideal do autogoverno.

Contrariando essa crença, a extensão da cidadaniapolítica a todos os indivíduos não trouxe o ideal do povoautogovernando-se, nem tampouco correspondeu ao temor da“tirania da maioria”, evidenciado por alguns liberais. Aoscidadãos coube apenas escolher entre opções dadas. O sufrá-gio universal não representou o direito de verbalizar preferên-cias. Ao contrário, garantiu a concentração de poder nas mãosdas elites políticas, trazendo a apatia política como um dossintomas da crise da representação.

Fátima Anastasia (2002) ressalta que, para os elitistas,como Schumpeter, essa apatia mostra-se desejável, já quereduz a pressão sobre o sistema político e assegura a estabili-dade democrática; já para os pluralistas, como Dahl, o fenôme-no é negativo por corroer a legitimidade do sistema político.

A hegemonia da democracia representativa teria gera-do, então, uma desmobilização social, numa supervalorizaçãodos mecanismos representativos no sentido de prescindir deformas societárias de participação (SANTOS e AVRITZER,2003).

Além dessa patologia da apatia política, a representa-ção política e a sua incapacidade de atender satisfatoriamenteàs promessas democráticas vêm suscitando críticas, como asreferentes à supremacia da representação dos interesses sobrea representação política (interesse geral), à permanência do

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poder oligárquico e à falta de transparência e de accountability4

(SOUZA, 2006a; BOBBIO, 2004). Questiona-se o fato de osgovernos representativos estarem distanciando-se dos anseiosda sociedade e deixando de responder à vontade popular.Portanto, ao que parece, a maior crítica não se refere ao sistemarepresentativo em si, mas ao fato de esse sistema não sersuficientemente representativo.

O que se evidencia é que a representação, o sufrágiouniversal e os partidos políticos não conseguiram resolver aquestão da participação, como idealizado por Mill em suaargumentação a favor do governo representativo.

Como reação a essas limitações, formas institu-cionalizadas mais diretas de democracia emergiram, no âmbi-to do Poder Executivo (conselhos setoriais de políticas, con-ferências, orçamento participativo) e do Poder Legislativo(audiências públicas de comissões, seminários e fóruns técni-cos), renovando a esperança democrática.

Tais espaços resultam

de um longo processo de reorganização da socieda-de civil e das suas formas de relação com o Estado ede um longo processo de transformaçõesinstitucionais, jurídicas e administrativas, especial-mente em nível local, ocorrido no Brasil desde o finaldos anos 70 (AVRITZER e PEREIRA, 2005, p. 17).

Eles são denominados de instituições híbridas, pois têmcomo característica o compartilhamento de decisões entreatores estatais e atores sociais ou associações da sociedadecivil (AVRITZER e PEREIRA, 2005). A análise da constru-ção democrática na sociedade contemporânea envolve a in-vestigação e a compreensão do potencial dessas formas departicipação institucionalizada, buscando decifrar as media-ções entre o Estado e a sociedade civil.

Bobbio (2004) ressalta que, há pouco tempo, a avalia-ção sobre o desenvolvimento da democracia tinha como basea análise da extensão dos direitos do sufrágio, ou seja, o

4 O termo accoun-tability, utilizado porSouza (2006a) aolistar os problemas dademocracia represen-tativa, é definido peloautor como “prestaçãode contas ao público”(SOUZA, 2006a, p.327). Significa, então,mais do que transpa-rência, pois pressupõeuma atitude ativa dasinstituições no senti-do de colocar-se a ser-viço do cidadão, cri-ando mecanismospara tal, devendo-lheprestar contas dasações e das decisõestomadas.

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número de pessoas com direito de votar era um indicador dosavanços democráticos. Hoje, segundo ele, a avaliação donúmero de locais nos quais se exerce o direito de votar passaa ser o novo indicador do desenvolvimento democrático.Portanto, à pergunta “quem vota”, sucede-se a questão “ondese vota”.

A participação política parece ser o mecanismo quepermite a todo cidadão incorporar-se aos processos de elabo-ração, decisão e implementação de políticas públicas. Sóassim, os indivíduos teriam condição de interferir nos proces-sos políticos.

Sem dúvida, a democracia participativa significa apossibilidade de novos agentes sociais e de novos temasemergirem na arena política, exigindo que a forma democrá-tica representativa seja reavaliada e reconstruída. Ela desem-penha também um importante papel pedagógico, no sentido doexercício da cidadania e da consciência dos direitos, impres-cindível para a construção de sujeitos políticos.

Apesar da importância desses espaços democráticos,deve-se considerar que eles não estão imunes àdescaracterização, manipulação, cooptação ou exclusão, prin-cipalmente se considerarmos que em sua maioria são coorde-nados pelo Poder Executivo. Nesse caso, ainda que se voltemcontra o Estado ou tenham a intenção de pressioná-lo, estãosob sua tutela.

Além disso, como ressalta Bobbio (2004), essa partici-pação multidirecional pode levar à revanche do privado e,consequentemente, agravar a apatia política.

Outro efeito perverso da criação de “espaços demo-cráticos”, sem uma reflexão sobre o potencial real deles, é asensação ilusória de que se está efetivamente construindouma sociedade democrática, enquanto, ao contrário, legiti-ma-se o status quo. Soma-se a isso, como enfatiza SandraJovchelovitch (2000), o fato de parecer ficar definido quegrupos excluídos do jogo político hegemônico exerceriam aação política em campo específico, especialmente criado

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com essa função, o que pode reproduzir desigualdades sociais,em vez de atacá-las.

Cabe, portanto, uma permanente reflexão crítica sobre asreais condições de participação e de poder de influir nasdecisões, conforme apregoado nesses diversos fóruns políticos.

Reificar as práticas de democracia mais direta, transfor-mando-as em um “fetiche”5, sem submetê-las a questionamentosconstantes sobre a sua qualidade e a sua efetividade e, aomesmo tempo, dar as costas à democracia representativa podeser aceitar que a simples proliferação de instâncias de discus-são significa avanços na construção democrática. Nesse sen-tido, corre-se o risco de reduzir a realização da democracia àampliação do número de espaços públicos abertos à participa-ção, diminuindo ou eliminando seu potencial de transforma-ção política e social.

Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”Diante da encruzilhada: “legitimidades rivais”66666 ou ou ou ou oucomplementarescomplementarescomplementarescomplementarescomplementares

A trajetória da democracia evidencia que “o processode construção democrática não é linear, mas contraditório efragmentado” (DAGNINO, 2002). Múltiplos fatores permeiame caracterizam esse processo e evidenciam a relação tensa econflituosa entre o Estado e a sociedade civil. Segundo Dagnino(2002), o confronto entre Estado e sociedade civil acabatornando-se uma relação de oposição natural, uma premissaque “nos exime de entender os processos políticos que aconstituem e a explicariam” (DAGNINO, 2002, p. 281).Parte-se da visão da sociedade civil como “polo de virtude” edo Estado como “encarnação do mal”.

Ao mesmo tempo, a crescente despolitização trazidapela indústria política (marketing político, comunicação demassa, produção de opiniões) gera efeitos sobre a ideia derepresentação e de participação (CHAUÍ, 2006). A indústriapolítica propõe a representação no sentido conservador, “blo-queando qualquer possibilidade de articulá-la às práticas de-mocráticas”, e, ao mesmo tempo, produz a “ilusão da partici-pação, os cidadãos isolados, privatizados e despolitizados,

5 Bobbio (1979)questiona o fato defazer-se da demo-cracia direta um feti-che sem avaliar “emque consiste e, so-bretudo, quais sãoas suas ligaçõescom a democraciaindireta” (BOBBIO,1979, p. 48).

6 O termo “legitimi-dades rivais” estápresente em Santose Avritzer (2003), aocaracterizar o con-flito entre o Orça-mento Partici-pativoe a Câmara Munici-pal de Porto Alegre.

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imaginando que a expressão, em público, de suas angústias, deseus medos, de seus desejos os converteriam em sujeitospolíticos ativos” (CHAUÍ, 2006, p. 301-302).

Essa oposição natural entre Estado e sociedade civil,reforçada pela indústria política e pela despolitização, parececristalizar a ideia de que nada se pode esperar da democraciarepresentativa, expressão do Estado, devendo toda a esperan-ça ser depositada na democracia participativa, expressão dasociedade.

No entanto, a representação e a participação estãoentrelaçadas. À medida que os processos políticos tornam-secomplexos, a democracia participativa exige a criação deinstâncias de representação (SANTOS e AVRITZER, 2003).Portanto, a questão da representatividade estará permanente-mente colocada. Por outro lado, a democracia representativaaumenta sua eficácia se submetida a um maior controle pelasociedade, o que pressupõe a necessidade de maior participa-ção da população nos processos decisórios.

Também parece questionável limitar formas democrá-ticas a um problema de escala, como sugere Dahl (2001), aodefender que o tamanho da unidade democrática determina aopção pela participação ou pela representação. Assim, aparticipação seria eficiente e desejável em nível local, mas, emescalas maiores, a inviabilidade operacional de sua adoçãoindicaria a representação como a forma mais adequada. Talcompreensão, extremamente pragmática, dissocia a democra-cia de seu ideal transformador, reduzindo-a a uma questão cujogerenciamento exige apenas uma boa dose de praticidade.Como ressaltam Santos e Avritzer (2003), ao problema dacombinação entre participação e representação, a resposta nãopode ser exclusivamente geográfica, pois

a representação envolve pelo menos três dimensões:a da autorização, a da identidade e a da prestação decontas. (...) se é verdade que a autorização viarepresentação facilita o exercício da democracia emescala ampliada (...), é verdade também que a repre-

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sentação dificulta a solução das duas outras ques-tões: a da prestação de contas e a da representaçãode múltiplas identidades (SANTOS e AVRITZER,2003, p. 49).

Há um conflito pela partilha de poder e de legitimidadeentre formas democráticas participativas e representativas.Com a emergência de novos espaços políticos, velhas formasde fazer política parecem desestabilizadas, tornando-se neces-sário reformulá-las e reavaliá-las, pois não mais satisfazem àscondições trazidas pelos fóruns de participação.

Referindo-se a tal conflito, Santos e Avritzer (2003)destacam que

esse confronto, que decorre do fato de a democraciarepresentativa rejeitar a legitimidade da democra-cia participativa, só terá solução na medida em queessa recusa for substituída pelo delineamento deformas de complementaridade entre as duas formasde democracia que contribuam para oaprofundamento de ambas. Nesta complementaridadereside um dos caminhos da reinvenção da emancipa-ção social (SANTOS e AVRITZER, 2003, p. 32).

Pode-se dizer que também há uma rejeição da democra-cia representativa pela democracia participativa. Diante dessecenário, a construção da democracia, mais que um objetivo emsi, parece resumir-se a uma disputa de poder simbólico e realentre as diferentes práticas democráticas.

As formas mais diretas de democracia têm o importantee inegável papel de desestabilizar a distribuição de poder e deformar sujeitos políticos. Mas, quando se opta pela crençaexclusiva nos novos espaços democráticos, sem enfrentar ascríticas à representação, podem-se reproduzir, em escala redu-zida, as mesmas limitações criticadas. Pode-se também crista-lizar o distanciamento entre a vontade coletiva e a vontade dorepresentante (político profissional), pois este deixa de sofrerpressões e controle por parte dos representados, cuja atençãoestá voltada para múltiplos e microfóruns políticos. A ideia de

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esfera pública fica, portanto, abalada em seu pilar de sustenta-ção – espaço de debate de questões de interesse comum e dejustificação de decisões políticas.

Diante dessas considerações, entender que a democra-cia participativa pode prescindir da democracia representativano processo de construção democrática é correr o risco decontentar-se em construir a democracia possível perante asinúmeras dificuldades a serem enfrentadas; talvez até umademocracia “faz-de-conta”, que elimina o conflito e induz oconsenso ao concentrar iguais em vários espaços políticos, nosquais os interesses estão predefinidos e mais fáceis de seremequacionados. Abandona-se, assim, a ideia de esfera pública.

Outro perigo é que, ao descentralizar o poder simbóliconos diversos espaços de participação, retirando-o do Parla-mento, o poder real fique ainda mais concentrado no PoderExecutivo.

O desprezo pela democracia representativa e a apostaexclusiva na democracia participativa como possibilidade derealização democrática podem, enfim, significar o abandonoda utopia, capaz de desafiar e ameaçar a estrutura, e o confor-mismo com a realidade e com o que parece ser viável.

Por outro lado, aceitar a necessidade de complementaridadeentre a democracia representativa e a democracia participativa,mais do que a simples coexistência conflituosa entre elas, podeser a chance de alterar a relação de forças que confere ao campopolítico sua estrutura. Em vez de “legitimidades rivais”, tería-mos legitimidades complementares.

Portanto, a constante avaliação e o aprimoramento dasdiversas práticas democráticas, representativas ouparticipativas, mostram-se necessários para a efetiva constru-ção democrática. Nesse sentido, em vez de traduzir os avançosdemocráticos, como sugere Bobbio (2004), pela pergunta“onde se vota”7, deve-se analisá-los buscando respostas paraquestões como: “em que condição se vota”, “qual o peso dovoto” ou “qual o potencial de representação e de decisão dessevoto”. A dificuldade de responder a tais perguntas reside no

7 Bobbio (2004) des-taca que “se se de-seja apontar um in-dicador do desenvol-vimento democráti-co, este não podemais ser o númerode pessoas que têmo direito de votar,mas o número de lo-cais diferentes doslocais políticos, nosquais se exerce odireito de voto”(BOBBIO, 2004, p.68). Ao utilizar a ex-pressão “locais po-líticos”, provavel-mente, o autor pre-tendia referir-se aosespaços institu-cionalizados do exer-cício da política pro-fissional.

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fato de a resposta não ser contabilizável como no caso dasanteriores (“quem vota” e “onde se vota”). No entanto, semdúvida, a democracia já não pode ser avaliada em números,sendo imprescindível substituir a avaliação quantitativa poroutra capaz de considerar a qualidade.

O grande desafio para a democracia representativa, sobo risco de tornar-se obsoleta, estagnada e mera instânciaformal, é adaptar-se a essa nova realidade. Ao cidadão cabeentender o Parlamento como também um local de participaçãoe se apropriar efetivamente de tal espaço. De posse de novosinstrumentos políticos, mais informado e conhecedor de seusdireitos, situação propiciada pela participação, o cidadãopassaria a atuar ativamente, desconcentrando e, ao mesmotempo, controlando o poder dos profissionais do jogo político,exigindo transparência e publicidade sobre a atuação deles edesmantelando o poder oligárquico.

Segundo Fátima Anastasia (2002), o desafio é “trans-formar a democracia em um jogo iterativo, jogado em múlti-plas arenas, que constituem contextos decisórios contínuos”(ANASTASIA, 2002, p. 42).

Vislumbrar a encruzilhada como convergência de ca-minhos de onde se pode usufruir de alternativas múltiplas, enão como o momento de optar por um único caminho quediverge dos demais, talvez seja uma forma de assumir osdesafios e de resgatar a utopia.

Uma democracia radical: a busca da autonomia e asUma democracia radical: a busca da autonomia e asUma democracia radical: a busca da autonomia e asUma democracia radical: a busca da autonomia e asUma democracia radical: a busca da autonomia e asarmadilhas da heteronomiaarmadilhas da heteronomiaarmadilhas da heteronomiaarmadilhas da heteronomiaarmadilhas da heteronomia

Ao refletir sobre os desafios da construção democráticae sobre o impasse entre a representação e a participação,observa-se que é sobre as possibilidades e alternativas deefetivação da autonomia social que, na verdade, se discute.

Numa sintética diferenciação entre os termos autono-mia e heteronomia, Souza (2006b) esclarece que autonomiavem do grego autós, “o próprio”, mais nómos, que significa“lei” ou “convenção”. Ser autônomo significa dar-se a própria

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lei, em vez de recebê-la por imposição. “A autonomia é ocontrário de paternalismo, de tutela” (SOUZA, 2006b, p.69). A heteronomia instala-se quando as leis em que sebaseia a organização de uma sociedade não são deliberadas,de maneira lúcida, pelo conjunto de cidadãos, mas impos-tas. “A heteronomia é, sempre, alienação política de uma parteda população, consentida ou arrancada à força” (SOUZA,2006b, p. 70).

Marilena Chauí (2006) salienta que, “politicamente,autonomia significa simplesmente autogoverno” (CHAUÍ,2006, p. 305), reforçando a ligação indissociável do conceitocom a democracia.

A realização de uma democracia radical é, então, aconcretização dos ideais de autonomia, de liberdade e deemancipação social. Esse é o verdadeiro resgate da utopiademocrática. A construção democrática só chega ao fim (e é,então, infindável), quando alcançar tais valores, utópicos naprópria essência.

A ideia de liberdade foi discutida por Stuart Mill, noséculo XIX, associada à questão da liberdade civil ou social.Referia-se aos “limites do poder que pode ser legitimamenteexercido pela sociedade sobre o indivíduo” (MILL, 2006b, p.17). O pensador inglês ressaltou a necessidade de proteção doindivíduo contra a tirania da opinião da maioria e contra atendência da sociedade de impor suas ideias como modelos decomportamento para aqueles que delas divergiam. Afinal, “opovo que exerce o poder não é sempre o mesmo povo sobre oqual o poder é exercido; e o ‘autogoverno’ mencionado não éo governo de cada um por si, mas de cada um por todo o resto”(MILL, 2006b, p. 20). Cada indivíduo deveria buscar seupróprio bem da sua maneira, desde que não causasse privaçãoaos outros. Se a conduta de uma pessoa prejudicasse osinteresses de outra, a sociedade deveria discutir abertamentesobre a questão, de modo a decidir sobre sua interferência nabusca do bem-estar geral.

Para Mill, a construção de um Estado próspero ebenéfico para o bem comum e de uma sociedade justa tinha

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como base o respeito à liberdade de cada cidadão, de modo queesse pudesse usufruir de sua individualidade.

Cássio Hissa (2006) destaca:

A democracia de Stuart Mill, compreendida como osistema político referencial das liberdades, transferepara o indivíduo a maximização do desenvolvimentoda natureza humana: as liberdades individuais ne-cessitam, constantemente, de proteção contra a tira-nia dos paradigmas sociais predominantes. As mino-rias, caso contrário, sempre estariam à mercê dasforças sociais mais poderosas que, nem sempre,solicitam a liberdade como referência (HISSA, 2006,p. 140).

Marilena Chauí (2006) propõe considerar a liberdadepelo prisma da autonomia8, sendo essa definida como “acapacidade interna para dar-se a si mesmo sua própria lei ouregra e, nessa posição da lei-regra, pôr-se a si mesmo comosujeito” (CHAUÍ, 2006, p. 304). Ser sujeito social e político éser capaz de alterar o curso da história.

Sobre a criação histórica e a ligação entre política eautonomia, o pensamento de Cornelius Castoriadis é degrande relevância. Como destaca João Carlos Torres (1992),uma das contribuições fundamentais de Castoriadis é jus-tamente a ideia de que a história é construída pelas açõeshumanas, não se podendo, no entanto, creditar a criaçãohistórica a indivíduos ou a classes. Sua tese é de que há um“coletivo anônimo” que cria significações e instituições.A história, para Castoriadis, surge desse processo de produ-ção de significações ao longo do tempo (ação instituinte dosocial-histórico). Esse conjunto de significações, produto daação histórica, tenta estabelecer um controle do próprioevolver da história, ou seja, há “uma tensão entre a forçainstituinte do social-histórico9 e uma tentativa, por assimdizer, necessária de controle dessa produção de significa-ções, que é feita pelas instituições já existentes” (TORRES,1992, p. 59).

8 Marilena Chauí(2006) descarta aconcepção da liber-dade como escolhavoluntária, salientan-do que esta conduzao seu oposto, ouseja, à heteronomia,pois pressupõe aexistência do que vaiser escolhido, isto é,de opções previa-mente oferecidas àescolha.

9 “O social-históricoé o coletivo anôni-mo, o humano-im-pessoal que preen-

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Nesse sentido,

o autodesenvolvimento do imaginário radical comosociedade e como história – como o social-histórico –faz-se e só pode fazer-se em e pelas duas dimensões doinstituinte e do instituído. (...) a sociedade nunca podeescapar dela mesma. A sociedade instituída sempre étrabalhada pela sociedade instituinte; sob o imaginá-rio social estabelecido sempre corre o imaginárioradical (CASTORIADIS, 1992, p. 121 e 129).

A ideia de controle do processo de autoinstituição dasociedade associada à ideia de abertura da história ao futurodefinem, para Castoriadis, a necessidade e o aparecimento dopoder explícito10, que buscará decidir os cursos de ação aserem aceitos e estimulados e aqueles que precisam ser repri-midos. O poder explícito é o lugar do político. No entanto,antes do poder explícito e de qualquer dominação, “a institui-ção da sociedade exerce um infrapoder radical”(CASTORIADIS, 1992, p. 126). Como salienta Souza (2006b),o infrapoder, em Castoriadis, “se liga à força de inércia e àinfluência das significações imaginárias sociais11 que susten-tam a sociedade instituída” (SOUZA, 2006b, p. 71).

Para Castoriadis, a política12 não se reduz ao político.A política é uma maneira singular de resolver a questão dopolítico por meio de confronto de posições e interesses dife-renciados que conformarão futuros alternativos (TORRES,1992). A busca do futuro por meio da política remete à ideiade autonomia, enquanto o político – como poder explícito –,que não se define politicamente, conduz ao regime daheteronomia, pois significa que os padrões de comportamentoe as leis não serão construídos coletivamente, mas serãoimpostos.

A autonomia pressupõe, acima de tudo, uma consciênciade que a história é construída por ações humanas, umautorreconhecimento da sociedade como autora de suas normas.

A autonomia surge como germe assim que a interroga-ção explícita e ilimitada manifesta-se, incidindo não

che toda formaçãosocial dada, mastambém a engloba;que insere cada so-ciedade entre as ou-tras e as inscrevetodas numa conti-nuidade, onde deuma certa maneiraestão presentes osque não existemmais, os que estãoalhures e mesmo osque estão por nas-cer. É, por um lado,estruturas dadas,instituições e obras‘materializadas’, se-jam elas materiaisou não; e por outrolado, o que estrutu-ra, institui, materia-liza. Em uma pala-vra, é a união e atensão da socieda-de instituinte e dasociedade instituída,da história feita e dahistória se fazendo”(CASTORIADIS,1992, p. 131).10 Castoriadis escla-rece que o poder ex-plícito não é neces-sariamente o Esta-do. “Sociedades semEstado não são so-ciedades sem poder”(CASTORIADIS,1992, p. 132). O po-der explícito relacio-na-se com a elabo-ração e execuçãodas leis e com a ad-ministração dos ne-gócios coletivos,como ressalta Sou-za (2006b).

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sobre “fatos”, mas sobre as significações imagináriassociais e seu fundamento possível. Momento de criação,que inaugura não só outro tipo de sociedade, mastambém outro tipo de indivíduos. Eu falo exatamente degerme, pois a autonomia, tanto social como individual,é um projeto (CASTORIADIS, 1992, p. 139).

Quando Hannah Arendt ressalta que “é com palavras eatos que nos inserimos no mundo humano” (ARENDT,2007, p. 189), ela também confere à política uma dignidadee uma relevância extrema como atividade genuinamentehumana. A autora argumenta que agir, no sentido geral dotermo, é tomar iniciativa. Ser capaz de agir é ter capacidade derealizar o improvável. O discurso, por sua vez, diz respeito àrevelação da ação e à distinção, ou seja, mostrar-se singularentre iguais (ARENDT, 2007).

O projeto de autonomia visa, portanto,

à reabsorção do político, como poder explícito, napolítica, atividade lúcida e deliberada tendo porobjeto a instituição explícita da sociedade (por con-seguinte também, de todo poder explícito) e suaoperação como nomos, diké, télos – legislação,jurisdição, governo –, tendo em vista fins comuns eobras públicas que a sociedade se propôsdeliberadamente (CASTORIADIS, 1992, p. 149).

Se a política, como concebida por Castoriadis e HannahArendt, é condição para a construção da autonomia, ela étambém premissa da democracia. Não se trata, então, deenaltecer algumas práticas democráticas em detrimento deoutras, mas de avaliar se, nos ambientes tidos como demo-cráticos, a política tem encontrado espaço para se efetivar.A política, entretanto, precisa ser entendida como movimentoinstituinte, ou seja, como movimento de criação de significa-ções, e não como gestão administrativa ou como conflito jáinstituído.

Sendo assim, “a autonomia não exclui a representaçãonem a participação, mas redefine o sentido de ambas” (CHAUÍ,

11 Souza (2006b)destaca que as sig-nificações imaginá-rias sociais, concei-to central na obra deCastoriadis, são oque “confere senti-do ao mundo”; “osvalores societaisnucleares” (SOUZA,2006b, p. 71).12 Castroriadis(1992a) salienta que“a política, tal qual osgregos a criaram, foio questionamento ex-plícito da instituiçãoestabelecida da so-ciedade” (CASTO-RIADIS, 1982, p.135). A política surgequando uma relaçãoinédita, até então, écriada entre o insti-tuinte e o instituído.Assim, salienta o au-tor, “a criação pelosgregos da política eda filosofia é a pri-meira emergênciahistórica do projeto deautonomia coletiva eindividual” (CASTO-RIADIS, 1992, p.138).

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2006, p. 306), pois exige a transformação das instituiçõespolíticas.

Castoriadis (1992) ressalta que a possibilidade efetiva departicipação ativa na discussão, na elaboração e no funciona-mento das leis, ou seja, a radicalização da democracia é apossibilidade de realização da autonomia. Como enfatiza Souza(2006b), “o projeto de autonomia, tal como descortinado porCastoriadis, consiste em uma ‘refundação’ radical, por assimdizer, do projeto democrático” (SOUZA, 2006b, p. 106).

Torna-se, então, essencial a criação de instituições que,“interiorizadas pelo indivíduo, facilitem, ao máximo, seuacesso à sua autonomia individual e à sua possibilidade departicipação efetiva em todo poder explícito existente nasociedade” (CASTORIADIS, 1992, p. 148).

Mas, como salienta Castoriadis (1987), se “a história écriação de formas totais de vida humana” e a “sociedade éautocriação” (CASTORIADIS, 1987, p. 271), é preciso enten-der que escolha e julgamento são questões essenciais e queautonomia pressupõe atividade, participação lúcida e respon-sabilidade nas escolhas. Autonomia implica reciprocidade einterdependência, e não individualismo egoísta, pois “não háliberdade sem um movimento na direção do outro” (HISSA,2006, p. 144).

O desencanto com a esfera pública, a alienação sociale política e a crença no determinismo histórico, que caracteri-zam a sociedade brasileira, significam a heteronomia em suaversão extrema, o abandono completo do projeto de emanci-pação social.

A proliferação dos espaços públicos traduz a esperançainsistente na conquista da autonomia. A sua simples existência,porém, pouco representa, se não inaugurarem uma nova fase decriatividade política. Deve-se refletir se a institucionalização detais espaços garante sua permanência e amplia suas possibilida-des de atuação ou se essa institucionalização torna-se umaarmadilha que os enlaça na heteronomia, aniquilandogradativamente a busca de autonomia.

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Sendo impossível construir uma verdadeira democra-cia – que não se restrinja a um discurso ideológico13 – semvalorizar-se a política, já que essa é o caminho para a autono-mia, cabe indagar o quanto as instituições ditas democráticastêm adotado e valorizado a política, compreendida comomovimento instituinte. Questiona-se também o quanto oscidadãos estão dispostos a tomar as rédeas da história econsiderar a política como possibilidade transformadora, emvez de descartá-la por confundi-la com o político – poderexplícito.

Ao final, pode-se dizer que não há dúvidas quanto aocaráter permanente da construção da democracia. Se essaconstrução tem como pressuposto a busca de autonomia,exige-se dela um eterno refazer, um constante recriar, poisse traduz como a própria criação da história da humanidade.O desafio maior é acreditar permanentemente na possibilidadede realização do irrealizável e, assim, caminhar na sua direção.

Referências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficas

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13 Marilena Chauí(2006) pondera que,“se uma das marcasda ideologia consis-te em substituir o dis-curso e a prática desujeitos determina-dos por discursos epráticas para taissujeitos, uma dasmarcas da ideologiaé a produção inces-sante da heterono-mia” (CHAUÍ, 2006,p. 305).

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DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICADESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICADESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICADESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICADESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA

SCHMITT, Carl. A crise da democracia parlamentar. SãoPaulo: Scritta, 1996, p. 23-48.SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2006a.____________. A prisão e a ágora: reflexões em torno dademocratização do planejamento e da gestão das cidades. Riode Janeiro: Bertrand Brasil, 2006b.TORRES, João Carlos Brum. História e política em Castoriadis.In: CASTORIADIS, Cornelius et al. A criação histórica.Porto Alegre: Editora Artes e Ofícios, 1992, p. 55-63.

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Resumo: Analisa a relação entre informação e democracia noâmbito do Poder Legislativo estadual. Para tanto, explora osconceitos de assimetria informacional, accountability e com-petência informacional e apresenta um breve exame de ummecanismo de participação política instituído pela AssembleiaLegislativa de Minas Gerais denominado “semináriolegislativo”.

Palavras-chave: Informação. Democracia. Participação Po-lítica. Poder Legislativo.

Abstract: This paper analyses the relationship betweeninformation and democracy in Minas Gerais State Legislature(Brazil). For that, it explores the concepts of informationasymmetry, accountability and information literacy, examiningparticularly the mechanism of politics participation denominate“legislative seminary”.

Keywords: Information. Democracy. Politics Participation.Legislative Power.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

No Brasil, o fim do regime militar (1964-1985) propi-ciou condições favoráveis à restituição de garantias como o

INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERINFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERINFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERINFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERINFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODERLEGISLALEGISLALEGISLALEGISLALEGISLATIVO: A DIMENSÃOTIVO: A DIMENSÃOTIVO: A DIMENSÃOTIVO: A DIMENSÃOTIVO: A DIMENSÃO

INFORMACIONAL DO PROCESSO DEINFORMACIONAL DO PROCESSO DEINFORMACIONAL DO PROCESSO DEINFORMACIONAL DO PROCESSO DEINFORMACIONAL DO PROCESSO DEPPPPPARARARARARTICIPTICIPTICIPTICIPTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

NILSON VIDAL PRANILSON VIDAL PRANILSON VIDAL PRANILSON VIDAL PRANILSON VIDAL PRATTTTTA*A*A*A*A*

* Mestre em Ciênciada Informação pelaUniversidade Fede-ral de Minas Geraise Analista Legisla-tivo da AssembleiaLegislativa do Esta-do de Minas Gerais.

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 29-58, jul./dez. 2009

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sufrágio universal, eleições livres e diretas em todos os níveisde governo, parlamento ativo, liberdade de imprensa, entreoutras. Entretanto, por mais que se tenha avançado na recons-trução das instituições democráticas, a democracia brasileiraé um fenômeno relativamente recente e encontra-se ainda emprocesso de consolidação e aperfeiçoamento. Nesse sentido,uma das características marcantes do processo deredemocratização do País, iniciado a partir da segunda metadeda década de 1980, é a paulatina ampliação das oportunidadesde participação política de grupos sociais até então excluídosdos processos decisórios de formulação de políticas públicas.

No campo normativo, a Constituição Federal de 1988estabeleceu um rol de garantias e direitos que têm potencial parapromover a expansão da participação dos cidadãos na tomada dedecisões acerca de temas públicos. Podem ser citados, porexemplo, mecanismos como o plebiscito e o referendo, osdireitos de associação e de acesso à informação, a possibilidadede iniciativa popular de projetos de leis, a participação dacomunidade na gestão das políticas de saúde, de atenção à criançae ao adolescente, de educação e cultura, entre outros. No campoprático, principalmente a partir da década de 1990, outrosmecanismos institucionais surgiram com o objetivo de propiciara participação da sociedade civil em determinados espaços dagestão pública. Talvez a iniciativa conhecida como OrçamentoParticipativo seja a face mais visível dessa inovação institucional;contudo, a criação de conselhos gestores de políticas, as consul-tas e as audiências públicas e os comitês de bacias hidrográficassão exemplos de diversas outras ações que buscam promover aparticipação democrática da cidadania organizada e o estabele-cimento de um novo modelo de relacionamento entre a socieda-de e os poderes estatais.

A ordem constitucional brasileira adotou o clássicomodelo tripartite de organização do Estado1, baseado no tripéformado pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,teoricamente independentes e harmônicos entre si. Mas, entreos três Poderes que compõem o Estado brasileiro, talveznenhum seja mais suscetível aos efeitos da opinião pública doque o Poder Legislativo. Muitas de suas posturas e ações são

1 O modelo detripartição de Pode-res foi proposto porMontesquieu, no sé-culo XVIII. Para maisdetalhes, ver Bobbio(1988).

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

condicionadas pelas preferências manifestadas pela sociedadeali representada. Essas preferências constituem valiosa – etalvez a principal – fonte informativa de subsídio à atuaçãoparlamentar, pois versam sobre os mais variados temas, refle-tindo a pluralidade de interesses e problemas que afetam a vidados cidadãos e sobre os quais os representantes devem decidirde forma justa e legítima. Além disso, certamente o Legislativo,como locus privilegiado de debate, é o Poder com maiorpotencial de abertura à participação política dos cidadãos.

Destarte, neste artigo procura-se analisar alguns aspec-tos da relação entre informação e democracia, desenvolvendouma reflexão que contribua, ainda que modestamente, para acompreensão da dimensão informacional que envolve o pro-cesso de participação política dos cidadãos e de outras institui-ções no âmbito do Poder Legislativo. Parte-se do pressupostode que um importante insumo para o desenvolvimento dasatividades de uma casa legislativa são as informações que ainstituição parlamentar recebe, busca ou capta junto à socieda-de que representa, as quais traduziriam uma parte significativadas demandas e preferências dos cidadãos. Em contrapartida,o Parlamento também seria, ele próprio, um fornecedor deinformações à sociedade, as quais traduziriam uma partesignificativa dos resultados institucionais da ação parlamen-tar. Acredita-se que esse fluxo informacional torna-se maisvisível quando são institucionalizados mecanismos deinterlocução entre o Legislativo e a sociedade. Por isso, como intuito de justapor teoria e prática, mais adiante será feitauma breve análise de um mecanismo de participação políticainstituído pela Assembleia Legislativa do Estado de MinasGerais (ALMG) denominado seminário legislativo. O obje-tivo é mostrar como a implementação, pela ALMG, de meca-nismos de incentivo à participação política tem o potencial deestimular a circulação de informações entre os atores envolvi-dos, gerando um fluxo que pode reduzir o grau de assimetriainformacional e ampliar o nível de accountability da ordemdemocrática, desde que os cidadãos participantes tenhamcompetência informacional para lidar com temas públicoscomplexos.

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Aspectos conceituais da relação entre informação eAspectos conceituais da relação entre informação eAspectos conceituais da relação entre informação eAspectos conceituais da relação entre informação eAspectos conceituais da relação entre informação eparticipação políticaparticipação políticaparticipação políticaparticipação políticaparticipação política

Certamente, a participação política das pessoas depen-de de vários fatores, dentre os quais se destacam questõesrelacionadas às condições econômicas e sociais dos cidadãos,ao seu interesse pelas causas coletivas, à sua saúde, à educa-ção, ao tempo de que dispõem para participar e à liberdade deassociação e organização. É possível inferir, no entanto, que ainformação também é um importante fator, pois é portadora deum potencial estratégico que reside na possibilidade de suautilização como recurso político. Neste trabalho, alguns con-ceitos são fundamentais para a compreensão dos limites e daspossibilidades de influência da informação no campo político,especialmente como recurso mediador da relação entre governos ecidadãos. Esses conceitos são constituídos pela noção de assimetriainformacional, pela relação entre informação e accountability epela ideia de competência informacional. Nas próximas seções,tenta-se defini-los e também compreender a importância delespara a reflexão acerca do relacionamento entre Estado esociedade em regimes democráticos.

Assimetria informacionalAssimetria informacionalAssimetria informacionalAssimetria informacionalAssimetria informacional

A palavra assimetria significa falta de correspondência,em grandeza, forma ou posição relativa, de partes que estão emlados opostos de uma linha ou que estão distribuídas em tornode um centro ou eixo. Em um sentido mais filosófico, indicadesarmonia, desigualdade em uma relação, distribuição desi-gual de um recurso qualquer.

No âmbito deste trabalho, o conceito de assimetriainformacional pode ser definido de forma bastante simples,indicando a desigualdade de condições para acesso à informa-ção de natureza política. Refere-se a situações, reais ou poten-ciais, em que determinados indivíduos, grupos ou instituiçõesdetêm condições privilegiadas de acesso a informações relati-vas a questões que, pela importância delas, influenciam dire-tamente no processo decisório de formulação de políticaspúblicas.

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

Nessa acepção, a assimetria informacional pode seranalisada sob dois enfoques distintos: um refere-se ao rela-cionamento dos cidadãos ou grupos sociais entre si na compe-tição por meios de influência na agenda política; o outro dizrespeito à relação entre Estado e sociedade.

Para compreender o primeiro enfoque – relacionamen-to dos cidadãos entre si – é preciso lembrar que, conformemencionado, a informação pode ser usada como um recursopolítico. No entanto, tal uso tende a se dar de forma assimétricaentre os diversos segmentos sociais, à medida que o discursopolítico – e, portanto, a informação dele decorrente – tem sidotradicionalmente dominado pelas elites ou por grupos maisfavorecidos da sociedade. Isso ocorre em função da desigualdistribuição de recursos, oportunidades e capacidades entre oscidadãos, os quais necessitam

... de informações políticas diversas, em níveis distin-tos, desde as mais técnicas, com explicações prove-nientes do sistema de especialistas, até as aborda-gens mais simples. Uma vez que as pessoas estãoassociadas à política através de diferentesbackgrounds, interesses e habilidades cognitivas,não há como prescrever um modelo único de infor-mação politicamente relevante, nem um mesmo pa-drão de excelência.2

Nesse sentido, uma outra consideração de RousileyMaia merece destaque, pois a autora acredita que um fórumpúblico de discussão, produção e troca de informações deverefletir essa diversidade política e cultural da sociedade eproporcionar um balanço justo de oportunidades para que asvozes que se levantam durante os processos de deliberaçãopública possam ser ouvidas e consideradas. Se a informação ésuficientemente ampla, então os cidadãos podem estar emmelhores condições para decidir sobre as políticas de suapreferência. “Mas, se a informação é controlada, imprecisa ouinconsistente, então o debate pode ser manipulado e as alter-nativas se estreitam através da desinformação”.3

2 MAIA, 2002. p. 59.

3 MAIA, 2002. p. 51.

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Assim, um sistema público de informação, em vez desegregar pela especialização e pelo uso da linguagem técnica,deveria antes primar pela aproximação e interação dos cida-dãos entre si. Para permitir melhores possibilidades deengajamento no debate político de atores sociais que seencontram em situação de dessemelhança, torna-se necessáriaa oferta de conteúdos informacionais variados, que contem-plem a diversidade cognitiva e de interesses dos atores emquestão.

Certamente, é difícil estabelecer a relação exata entre aassimetria informacional que caracteriza o relacionamentoentre os diversos segmentos sociais e o crescente processo dedespolitização dos cidadãos comuns. Parece certo, porém,que, excluída da prática democrática de discussão pública,uma grande parcela da população não desenvolve interessepela informação política. Por outro lado, parece razoávelesperar que o acesso a fontes de informação dessa naturezacontribua para a redução dos níveis de alienação ou de apatiaem relação a assuntos que dizem respeito à construção dopresente da sociedade e à definição de perspectivas para ofuturo dela.

Ainda no que se refere a esse primeiro enfoque daassimetria informacional (relação cidadão-cidadão), é razo-ável argumentar que um maior acesso à informação política,mesmo que não possa ser direto e imediatamente associadoà redução das desigualdades na distribuição de recursosmateriais, certamente tenderá a reduzir as desigualdadespolíticas em favor daqueles que se encontram em situaçõesmenos favoráveis, propiciando-lhes melhores condições paraparticipar do debate democrático.

No que concerne ao segundo enfoque da desigualdadede acesso à informação política, pode-se facilmente constatarque a relação entre Estado e cidadãos é caracterizada, a priori,por um elevado grau de assimetria informacional, tanto emtermos quantitativos quanto qualitativos, a favor do primeiro.Ainda que em certos momentos o Estado se veja em situaçãode desvantagem informacional em relação a determinados

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

atores sociais, como os detentores de conhecimentos técnicosou acadêmicos, em relação à sociedade como um todo oaparelho estatal encontra-se em situação privilegiada de aces-so e controle de fontes informativas. Tal fato gera risco para asociedade, pois pode contribuir para que informações desfa-voráveis ao governo sejam “escondidas” da população. Alémdisso, conforme ressalta Przeworski, “desde que os governossabem o que os eleitores não sabem, eles dispõem de umaenorme janela para fazer coisas que eles, e não os eleitores,querem”.4 Há, pois, o risco de que, por deter o controle dainformação pública, os governantes decidam unilateralmenteo que os cidadãos podem saber, ou escolham quais cidadãosdevem saber, ou ainda optem por uma combinação de ambasas alternativas. Por outro lado, se os cidadãos dispõem depouca informação, eles podem preferir deixar o governo agircom amplo grau de discricionariedade (e, portanto, sem muitocontrole). Tudo isso resulta num ciclo que termina porrealimentar e ampliar a aludida assimetria informacional.

Certamente, a assimetria informacional existente entreEstado e sociedade tem um componente estrutural, pois gover-nar requer a montagem de uma máquina administrativa capaz delidar com conhecimentos especializados que muitas vezes nãointeressam ou não são facilmente compreendidos pelo cidadãocomum. Mas isso não significa que os governos podem seeximir da responsabilidade e do dever de manter a populaçãoinformada sobre as ações governamentais e sobre os resultadosdelas decorrentes. Pelo contrário, numa democracia é de funda-mental importância que os cidadãos tenham oportunidades deacesso a conteúdos informacionais que lhes permitam compreen-der os complexos temas públicos, incluindo as leis que osregulamentam. A divulgação insuficiente de informações (ousua não divulgação) constitui um obstáculo tanto para que oscidadãos sinalizem suas necessidades e preferências aosgovernantes quanto para o acompanhamento do desempenhodestes. A informação a que a sociedade deve ter acesso não podeser sinônimo da informação à qual o governo permite o acesso.Colocar essa informação à disposição da sociedade constituiuma das tarefas dos governos e também das instituições empe-

4 PRZEWORSKI,1998. p. 12.

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nhadas na promoção da cidadania. Conforme será demonstradoa seguir, a variação nos níveis de quantidade e de qualidade dainformação produzida e divulgada pelos Poderes constituídosexercerá influência direta na efetividade dos mecanismos deaccountability da ordem democrática.

AccountabilityAccountabilityAccountabilityAccountabilityAccountability e informação e informação e informação e informação e informação

Accountability é um termo que, numa definição bastan-te simplificada, diz respeito ao controle dos atos e ações depolíticos pelos cidadãos. Trata-se de uma espécie de “presta-ção de contas” dos governantes e representantes à sociedade,que, por sua própria natureza, constitui um atributo das demo-cracias modernas, muito embora nem todos os regimes que seconsideram democráticos possam ser consideradosaccountable.

O’Donnell elabora uma interessante reflexão sobre otema, estabelecendo uma clara distinção entre o que chama deaccountability vertical e accountability horizontal. Para oautor, a accountability vertical refere-se à relação entre oscidadãos e os ocupantes de cargos públicos. Assim,

eleições, reivindicações sociais que possam ser nor-malmente proferidas, sem que se corra o risco decoerção, e cobertura regular pela mídia ao menosdas mais visíveis dessas reivindicações e de atossupostamente ilícitos de autoridades públicas sãodimensões do que chamo de ‘accountability verti-cal’. São ações realizadas, individualmente ou poralgum tipo de ação organizada e/ou coletiva, comreferência àqueles que ocupam posições em institui-ções do Estado, eleitos ou não.5

Já a accountability horizontal diz respeito ao controlemútuo entre órgãos e Poderes do Estado, ou seja, constitui todoum aparato de “freios e contrapesos” (do Inglês, checks andbalances) e está relacionada à

... existência de agências estatais que têm o direito e opoder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas

5 O’DONNELL,1998. p. 28.

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

para realizar ações, que vão desde a supervisão derotinas a sanções legais ou até o impeachment contraações ou omissões de outros agentes ou agências doEstado que possam ser qualificadas como delituosas.6

Em razão dos propósitos deste artigo, há aqui um maiorinteresse em discutir a dimensão da accountability vertical,muito embora se reconheça que ambas as dimensões relacio-nam-se entre si, à medida que a ação organizada, determinadae persistente dos cidadãos que exercem a accountabilityvertical, certamente pode reforçar a efetividade dos mecanis-mos da accountability horizontal, por meio da criação deagências de fiscalização e controle ou do aperfeiçoamento daatuação das agências existentes.

A literatura sobre o tema é praticamente unânime aoconsiderar as eleições como um mecanismo clássico deaccountability, desde que sejam razoavelmente livres e justas,pois se alega que, por meio do voto, os cidadãos podempremiar ou punir os políticos, com base em informaçõesrelativas ao desempenho passado dos candidatos. Assim, atese central é a de que, se os eleitores não ficarem satisfeitoscom o desempenho do governo e de seus representantes,poderão votar em outros candidatos nas eleições seguintes,promovendo a renovação dos postos de poder político pormeio da troca de seus ocupantes.

Por outro lado, também é possível identificar um rela-tivo consenso entre os teóricos do assunto no sentido de quesomente as eleições não constituem mecanismo suficientepara uma accountability efetiva. Conforme ressalta Przeworski,“... a influência que os cidadãos exercem através das eleiçõespode ser apenas a de menor importância prática se comparadaa inúmeros outros instrumentos”.7 Para o autor, por meio dovoto os eleitores concedem aos eleitos autorização para gover-nar, mas as eleições, por si só, são um instrumento poucoefetivo de controle popular sobre os representantes. Na mesmalinha, Fátima Anastasia argumenta que

os cidadãos delegam aos representantes, seus agen-tes, através do processo eleitoral, autoridade para

6 O’DONNELL,1998. p. 40.

7 PRZEWORSKI,1998. p. 16.

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agir em seu nome ou em seu interesse, mas dispõemde poucos instrumentos de sinalização de suas pre-ferências, bem como de informação, controle e fisca-lização das ações dos agentes.8

Mas por que as eleições, apesar de importantes, sãoinsuficientes como instrumento de accountability? Por diver-sos motivos, que vão desde a não garantia de que as preferên-cias dos eleitores sejam implementadas pelos eleitos durante omandato até o fato de constituírem um mecanismo de avalia-ção retrospectiva que toma por base um período de temporelativamente extenso.

Em razão dos objetivos deste trabalho, é importanteressaltar, ainda, alguns aspectos ligados à questão informacionalque permeia os processos eleitorais, especialmente no âmbitoda democracia brasileira. Um primeiro ponto que chama aatenção diz respeito à alegada “falta de memória” do eleitorbrasileiro, que frequentemente não se lembra dos nomes doscandidatos em quem votou. Isso leva ao segundo aspecto quemerece destaque: ora, se o eleitor brasileiro não retém facil-mente uma informação tão básica, é difícil acreditar que sepreocupe em obter informações para o acompanhamento dosmandatos de seus governantes e representantes, de modo a,com base nelas, recompensá-los ou puni-los na eleiçãosubsequente. Parece faltarem, pois, a grande parte dos cida-dãos brasileiros informações básicas para o efetivo exercíciode sua cidadania política. Se as eleições neste país têm promo-vido taxas relativamente altas de renovação dos ocupantes dospostos de poder, há razões para acreditar que isso decorremenos do controle da população sobre os políticos, e mais dafalta desse controle e de informação (ausência deaccountability): o eleitor mediano vota em quem aparece, porrazões que englobam desde motivações individualistas atéconvicções religiosas, sem se preocupar, na maioria das vezes,em obter – ou sem ter meios de acesso a – informações quetalvez lhe permitissem fazer escolhas mais conscientes.

Por causa da aludida insuficiência dos mecanismoseleitorais como meio de controle da população sobre as ações

8 ANASTASIA,2001. p. 54.

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

de governos e representantes, torna-se evidente a importânciada existência de outros mecanismos que ampliem o grau departicipação política dos cidadãos brasileiros e lhes permitamacompanhar, fiscalizar ou controlar o desempenho dos políti-cos nos interstícios eleitorais. Certamente, a possibilidade departicipação política dos cidadãos está ligada, de algumaforma, à disponibilidade de informações. Em outras palavras,parece claro que a efetividade de tais mecanismos dependeráem grande parte da quantidade e da qualidade da informaçãodisponível à sociedade.

No entanto, não se pode esquecer de que a disponi-bilidade de informações é apenas um dos lados da questão.A consolidação da democracia depende também do efetivoacesso e uso dessas informações por parte dos cidadãos. Odesenvolvimento e o estabelecimento de uma política dedivulgação constante de informações por parte das institui-ções do Estado, ainda que atendam a preceitos legais epossam ser considerados uma atitude louvável do poderpúblico, pouco contribuirão para o aumento dos níveis deaccountability da ordem democrática se a sociedade não forformada por cidadãos capazes de compreender e efetiva-mente usar essas informações para controlar seusgovernantes e representantes, no sentido de fazer com queas ações destes se aproximem das preferências e expectati-vas daqueles. A próxima seção abordará especificamente anecessidade de desenvolvimento dessa “competênciainformacional”.

Competência informacional e participação políticaCompetência informacional e participação políticaCompetência informacional e participação políticaCompetência informacional e participação políticaCompetência informacional e participação política

A noção de “competência informacional” é derivada daexpressão inglesa information literacy e designa o conjunto dehabilidades necessárias para interagir com a informação, sejano espaço acadêmico, no trabalho, nas questões particulares,constituindo-se, também, em capacidade-chave no processode participação política. Em outras palavras, a competênciainformacional representa a habilidade em reconhecer quandoexiste uma necessidade de informação e a capacidade deidentificar, recuperar, avaliar e usar eficazmente essa informa-

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ção para a resolução de um problema ou para a tomada de umadecisão.

No campo das preocupações presentes neste artigo,pressupõe-se que cidadãos participativos têm competênciainformacional, pois compreendem a necessidade de acesso ainformações públicas de qualidade para o entendimento e otratamento de problemas e questões inerentes às suas própriasvidas, à comunidade e à sociedade em que vivem. Além disso,esses cidadãos estão mais atentos e preparados para fazer comque essa mesma sociedade acompanhe a atuação de seusrepresentantes e governantes e perceba a importância da suaparticipação em todas as arenas onde se desenrola o jogodemocrático.

Em linhas gerais, pode-se considerar que é a participa-ção na vida social e política que confere ao indivíduo o statusde cidadão. Deve-se deixar claro, pois, que a informação é umdos direitos básicos dos cidadãos e, ao mesmo tempo, umrequisito essencial para a existência de uma cidadaniaparticipativa. É por meio do acesso a informações que ocidadão tem condições de conhecer e cumprir seus deveres,bem como de entender e reivindicar seus direitos junto àsinstituições, que, em tese, deveriam assegurá-los. A falta deinformação, além de prejudicar o exercício de deveres edireitos, pode se constituir também numa barreira para que osindivíduos contribuam, participem e ocupem o espaço deles nasociedade, assim como pode impedi-los de acompanhar, ava-liar e questionar as ações do Estado.

Mas não é somente a falta ou a insuficiência de infor-mação que pode ameaçar o exercício da cidadania. Issoporque, hoje, os cidadãos se veem com frequência diante deum paradoxo caracterizado pela dificuldade de obtenção deinformações em meio à abundância delas. O “dilúvioinformacional”9 que caracteriza a sociedade atual tambémpode criar obstáculos para o acesso a conteúdos relevantespara resposta a uma determinada questão, seja ela referente aosdireitos, aos deveres ou às formas de participação do cidadãonos mecanismos de controle do Estado. Esse contexto, além de

9 A expressão “dilú-vio informacional” foiemprestada deLÉVY, 1999.

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

tornar mais complexo o exercício da cidadania, ao mesmotempo evidencia a importância do desenvolvimento de compe-tências relacionadas ao acesso e ao uso de informações.

O cidadão necessita, então, de preparo para exercer odireito de acesso à informação governamental, seja num contex-to de escassez ou de abundância de informações. O desenvolvi-mento de competências para que as pessoas tenham capacidadede buscar, recuperar e filtrar as informações (ou de exigir oacesso a elas), promovendo sua apropriação crítica, é um dosfatores primordiais para que possam usá-las como elemento deemancipação individual. Mas também é essencial para a forma-ção de cidadãos esclarecidos e atuantes, que buscam na partici-pação política, por meio do acompanhamento e controle degovernantes e representantes, uma forma de interferir na cons-trução do presente e do futuro da sociedade. Em outras palavras,cidadãos participativos devem ter motivação, interesse e dispo-nibilidade suficientes para a busca ou obtenção de informaçõesque lhes permitam formular opiniões bem fundamentadas acer-ca de temas públicos complexos. Além disso, eles devem sercapazes de decifrar, compreender e assimilar a carga informa-tiva resultante da competição de discursos no processo político,de forma a modificar ou a complementar, se necessário, sua baseinformativa inicial. O resultado esperado desse processo é aconsolidação da democracia.

Compreender o papel desempenhado pela informaçãodiante dos problemas e das questões apresentados até aqui exigeanálises a partir de arranjos participativos concretos. No Brasil,experiências de combinação entre elementos da democraciarepresentativa e da democracia participativa já foram relativa-mente bem estudadas no âmbito do Poder Executivo.10 Porisso, neste trabalho optou-se por analisar uma experiência noâmbito do Poder Legislativo, constituída pelo desenvolvimen-to, por parte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, demecanismos de interlocução com a sociedade.

PPPPPARTICIPAÇÃOARTICIPAÇÃOARTICIPAÇÃOARTICIPAÇÃOARTICIPAÇÃO P P P P POLÍTICAOLÍTICAOLÍTICAOLÍTICAOLÍTICA NANANANANA A A A A ASSEMBLEIASSEMBLEIASSEMBLEIASSEMBLEIASSEMBLEIA DEDEDEDEDE M M M M MINASINASINASINASINAS

Pelo que foi exposto nas seções precedentes, em regimesdemocráticos pode – e deve – existir uma relação de

10 Ver, por exemplo,W A M P L E R ;AVRITZER, 2004, etambém VITALE,2004.

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complementaridade entre os institutos da representação e aparticipação política dos cidadãos. Uma das formas de estimulare consolidar a criação de espaços para tanto é a adoção demecanismos que visem promover a participação da sociedadecivil nas arenas decisórias estatais. Ao institucionalizar canaisque propiciem a aproximação e uma maior interação com asociedade, o Estado cria o estabelecimento de um fluxo comu-nicativo que pode oferecer uma dupla contribuição ao processode consolidação democrática ao, por um lado, colaborar para aredução dos níveis de apatia política e, por outro, estimular odesenvolvimento de mecanismos de accountability para elevaro grau de transparência e de legitimidade das ações estatais.

Sob o ponto de vista prevalecente neste trabalho, oPoder Legislativo constitui um espaço privilegiado de aproxi-mação e de interação com a esfera pública, exatamente por ser,entre os três Poderes estatais, o mais aberto, devendo, pois,atuar como um intermediador entre os interesses da coletivida-de e as possibilidades de ação do Estado.

Nesse sentido, a Assembleia Legislativa de MinasGerais já há algum tempo (mais especificamente no final dadécada de 1980 e no início da de 1990) percebeu a necessidadede implementar formas de ampliar a interação e a interlocuçãocom a sociedade civil ali representada. Além de criar oportu-nidades para a atuação dos diversos segmentos sociais junto aoParlamento mineiro, esses novos institutos têm potencial parapropiciar ganhos de informação aos principais atores envolvi-dos no debate: os cidadãos, que passam a contar com meca-nismos de intervenção direta no processo legislativo, e oslegisladores, que passam a estar mais bem informados sobreas preferências daqueles que representam. Esse processo,baseado em fluxos informacionais, tem o potencial de contri-buir para a ampliação dos graus de controle e responsabilização(accountability) e de responsividade do Legislativo perante asociedade.11

Entre as várias modalidades de participação desenvol-vidas pela ALMG, a conhecida como “seminário legislativo”constitui atualmente a principal e mais completa forma de

11 Ver ANASTASIA,2001.

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

interlocução entre a instituição e a sociedade. Os seminárioslegislativos são eventos de grande porte, que têm por objetivoaprofundar, por meio de discussões entre as diversas correntesde opinião existentes na sociedade, a reflexão sobre grandestemas de interesse da população. A realização deles tem comopremissa fundamental a geração, a partir das discussões entreos participantes, de um documento de subsídio à atividadeparlamentar e legislativa. Nesse sentido, “... nada mais são doque a construção de uma agenda, uma pauta de soluções epropostas para determinados problemas do Estado, elaboradaa partir de ampla e profunda discussão com os setores dasociedade civil organizada ligados àquele tema”.12 O intuitodesse processo é fazer com que a participação dos cidadãosforneça ao Parlamento subsídios para a ação parlamentar e, senecessário, para a criação de leis e políticas potencialmentemais justas e mais propensas a alcançar os objetivos a que sepropõem.

Seminários legislativos e informaçãoSeminários legislativos e informaçãoSeminários legislativos e informaçãoSeminários legislativos e informaçãoSeminários legislativos e informação

Do ponto de vista empírico, pode-se afirmar que, du-rante a realização de um seminário legislativo, estabelece-seum fluxo informacional entre a ALMG e o conjunto dossegmentos da sociedade que se dispõem a participar dosdebates. Isso porque os seminários legislativos não sãopropriamente eventos dos deputados mineiros. A realizaçãodeles é intermediada pela Assembleia Legislativa, mas oscidadãos e as entidades civis e públicas participantes exercempapéis fundamentais em todas as fases do evento, quais sejam:a) proposição; b) etapa preparatória; c) reuniões das Comis-sões Técnicas Interinstitucionais (CTIs); d) encontros regio-nais ou etapa de interiorização; e) reuniões plenárias parciais;f) reuniões dos grupos de trabalho na etapa final; g) plenáriafinal; e h) implementação das propostas aprovadas. Em razãodas limitações de espaço, neste artigo serão enfatizadas, aseguir, apenas as principais considerações acerca da relaçãoentre informação e participação política no âmbito de cadauma das fases desse mecanismo de interlocução entre oParlamento mineiro e a sociedade. Em outro trabalho13, este

12 COSTA, 2005. p.61.

13 PRATA, 2007.

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autor desenvolve uma análise aprofundada dos fluxos e con-teúdos informacionais produzidos durante cada etapa de umseminário legislativo promovido pela ALMG.

Proposição do eventoProposição do eventoProposição do eventoProposição do eventoProposição do evento

Em relação à proposição de um seminário legislativo,apesar de competir à Mesa da Assembleia a prerrogativapolítica de aprovar ou não a realização do evento, a escolha dotema a ser debatido normalmente envolve a participação diretaou indireta da sociedade. No primeiro caso, existe a possibili-dade de instituições sociais solicitarem ou proporem direta-mente aos deputados ou às comissões da ALMG a realizaçãode um seminário legislativo. No segundo caso, são os própriosparlamentares que apresentam requerimentos à Mesa solici-tando a realização de um seminário legislativo sobre determi-nado tema.

Em ambos os casos, a informação que traduz a demandasocial é a base para a proposição do evento, pois, se, por umlado, a cidadania organizada informa diretamente ao Parla-mento sobre os temas que gostaria de discutir, por outro lado,a apresentação de requerimentos por parte dos deputados,ainda que constitua um ato político, dificilmente estarádesvinculada do clamor da sociedade ou de algum de seussegmentos, mesmo que esse clamor seja um fenômeno disper-so. Isso porque, conforme mencionado alhures, em um semi-nário legislativo são debatidos temas de alta relevância social.

Destarte, parece claro que a ALMG, além de receberou captar informações junto à sociedade para subsidiar aação parlamentar, também procura interpretar essas informa-ções, de modo a escolher o caminho que julga mais propícioà ação. E o caminho adotado, no caso dos seminárioslegislativos, é o do aprofundamento do debate, trazendo paraa organização legislativa as diversas correntes de pensamen-to existentes na sociedade, ainda que contraditórias. O resul-tado esperado do debate entre essas correntes de pensamentoé exatamente o incremento dos níveis de informação que oParlamento mineiro tem em relação às preferências da soci-

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

edade sobre o tema a ser debatido, sendo que, ao final doevento, muitas dessas informações, possivelmenteenriquecidas pela diversidade de opiniões, constituirão abase para a elaboração de um documento de subsídio àatividade parlamentar.

Etapa preparatóriaEtapa preparatóriaEtapa preparatóriaEtapa preparatóriaEtapa preparatória

Escolhido o tema do seminário e autorizada a suarealização, a etapa seguinte é preparatória para o eventopropriamente dito. O primeiro passo dessa etapa é a realizaçãode uma reunião entre parlamentares que solicitaram o evento(outros deputados, caso queiram, também podem participar) etécnicos do Legislativo para definições preliminares acerca doplanejamento e dos objetivos do seminário e das possíveisinstituições da sociedade que apoiarão sua realização. Esse éum ponto crucial, pois a escolha das entidades apoiadorasconstitui um momento intimamente relacionado a, pelo me-nos, uma questão informacional importante.

Uma vez que os seminários legislativos são eventostematicamente orientados, a Assembleia Legislativa deve teros meios de acesso a informações sobre as entidades que atuamou mantêm interesses naquela área temática, bem como emáreas afins ou correlatas. Por meio do acesso a essas informa-ções, será possível ao Parlamento mineiro selecionar e convi-dar instituições que possam oferecer uma contribuição efetivaà formatação do evento e, posteriormente, ao debate propria-mente dito. Com efeito, o acesso ampliado a informações quesubsidiem o processo de identificação e seleção das entidadesapoiadoras é de fundamental importância pois, se, por umlado, é improvável que um grande número de cidadãos procurese informar adequadamente sobre um tema público complexo,de modo a tornar a participação mais esclarecida, por outro,seria interessante que as entidades selecionadas para apoiar oevento pudessem ser aquelas que, em razão de sua atuação eem comparação com os cidadãos comuns, têm um maior e maisqualificado estoque de informações sobre o tema que seráobjeto de debate.

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Comissões Técnicas InterinstitucionaisComissões Técnicas InterinstitucionaisComissões Técnicas InterinstitucionaisComissões Técnicas InterinstitucionaisComissões Técnicas Interinstitucionais

Na etapa seguinte são formadas as Comissões TécnicasInterinstitucionais (CTIs), de acordo com os temas e respecti-vos subtemas do evento. Para cada tema é criada uma CTI,composta de especialistas indicados pelas instituições queapoiam a organização e a realização do seminário legislativo.A principal função de cada CTI é discutir e desenvolver o temaou o agrupamento de subtemas sob sua responsabilidade,elaborando um relatório com propostas relativas a essessubtemas que constituirão o ponto de partida para as discus-sões nas etapas subsequentes (interiorização e grupos detrabalho da etapa final).

As reuniões das Comissões Técnicas Interinstitucionaispodem ser consideradas o primeiro grande momento de com-petição de discursos de um seminário legislativo. Isso porqueos componentes de cada CTI passam a contar, nessas reuniões,com a possibilidade de manifestação mais explícita das prefe-rências dos setores a que estão vinculados. Tal competiçãopotencializa o fluxo de informações entre os participantes, quepodem se ver diante de argumentos favoráveis ou contráriosaos interesses que defendem, ou até mesmo diante de novosargumentos até então imprevistos ou inesperados. O regula-mento dos seminários legislativos também permite que, nafase de elaboração dos respectivos relatórios, as CTIs convi-dem outras pessoas de outras instituições ou da própria ALMGpara colaborar com os trabalhos, o que possibilita a inclusão denovas informações no debate.

Em resumo, o principal objetivo dessa fase é a geraçãodos relatórios com as propostas de cada CTI, os quais consti-tuem um produto informacional extremamente importantepara a continuidade da discussão nas etapas subsequentes doseminário legislativo.

Encontros regionaisEncontros regionaisEncontros regionaisEncontros regionaisEncontros regionais

A próxima fase, também conhecida como “etapa deinteriorização” do seminário legislativo, é constituída pelos en-contros regionais realizados em cidades-polo de Minas Gerais e

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

tem por objetivo facilitar e ampliar a participação da sociedade dointerior do Estado na discussão dos temas propostos.

A etapa de interiorização pode ser considerada comoo primeiro momento do seminário legislativo que permiteuma participação ampliada dos cidadãos que desejam apre-sentar demandas relativas ao tema do evento. Esses encon-tros regionais têm dinâmica própria, que, para evitardetalhamentos aqui desnecessários, pode ser reduzida a duasfases principais: a) as exposições e palestras de autoridades eespecialistas; e b) a realização de debates nos grupos detrabalho e na plenária final do encontro.

Na primeira dessas fases, deputados e autoridades daregião em que se realiza o encontro têm a oportunidade de falarpara o público presente. Aos parlamentares geralmente cabe acoordenação do encontro regional e a apresentação dos obje-tivos e da dinâmica do seminário; as autoridades locais nor-malmente apresentam relatos breves sobre a situação da regiãoem relação aos problemas debatidos, bem como sobre as açõesque têm desenvolvido na área. É interessante notar, nesseponto, que os encontros regionais, apesar de serem promovi-dos pela Assembleia, beneficiam também muitos prefeitos evereadores da região onde são realizados, os quais têm aoportunidade de falar e de ouvir a população local. Quando taloportunidade ultrapassa o mero jogo de cena político, existe apossibilidade concreta de haver uma troca de informaçõesentre os políticos e a população da região. Além disso, aindana primeira fase de cada encontro regional, especialistas –geralmente técnicos do governo estadual ou pesquisadoresacadêmicos – são convidados a proferir palestras sobre temaspertinentes ao evento, apresentando aos participantes infor-mações que, em seu conjunto, auxiliam na definição de umdiagnóstico sobre os assuntos debatidos. Como os palestrantessão especialistas, é razoável supor que, em condições ideais,as informações apresentadas em suas exposições, aliadasàquelas apresentadas pelas autoridades presentes, tenham opotencial de contribuir para a redução da assimetriainformacional e para o incremento dos níveis de accountabilitydos cidadãos em relação às ações estatais naquela área.

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A segunda fase da interiorização corresponde aos deba-tes realizados no âmbito dos grupos de trabalho e da plenáriafinal do encontro regional. Nessas oportunidades, os partici-pantes discutem e votam um documento-base, elaborado apartir dos relatórios produzidos pelas CTIs na etapa anterior,os quais são enriquecidos com novas sugestões, gerando umnovo relatório de propostas. Tal fato demonstra o potencial dosencontros regionais para o incremento dos níveis de informa-ção que subsidiarão a etapa final do seminário. Isso porque sãoessas propostas que constituirão a base para as discussões dafase de encerramento do evento, em Belo Horizonte, e para aredação do que pode ser considerado a principal fonte deinformação decorrente do seminário: o documento final, queservirá para orientar ações legislativas e executivas na área queconstituiu o objeto dos debates. Vale destacar ainda que,conforme o regulamento do evento, em cada reunião deinteriorização são eleitos representantes regionais, que terãodireito a voz e a voto na etapa final do seminário legislativo.

Etapa finalEtapa finalEtapa finalEtapa finalEtapa final

A etapa final de um seminário legislativo geralmenteabrange um período de três dias, é realizada na sede da ALMGe tem a seguinte dinâmica: os dois primeiros dias são dedica-dos à realização das reuniões plenárias parciais, pela manhã;e às reuniões dos grupos de trabalho, à tarde; no último dia,pela manhã, realiza-se a reunião plenária final do evento.

As reuniões plenárias parciais são caracterizadas porapresentações e palestras sobre os temas do seminário, reali-zadas por autoridades e especialistas, seguidas de debates como público presente. Nessas ocasiões, são apresentadas aosparticipantes informações conjunturais com o objetivo detraçar um panorama da situação do Estado em relação ao temaem debate. Tal dinâmica tem o potencial de produzir o incre-mento dos graus de informação dos participantes, propician-do-lhes melhores condições para uma participação maisesclarecida nos debates dos grupos de trabalho, na faseseguinte. Isso porque as informações apresentadas por auto-ridades e especialistas podem propiciar, respectivamente,

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

tanto a ampliação dos níveis de accountability em relação àsações estatais diante dos problemas discutidos como a reduçãodos níveis de assimetria informacional que caracteriza a dis-cussão pública de temas complexos.

A exemplo do que ocorre nos encontros regionais, naetapa final do seminário legislativo, após as apresentações epalestras de autoridades e especialistas nas plenárias parciais, osparticipantes são distribuídos em grupos de trabalho formadoscom base em cada tema do evento. No entanto, diferentementedo que ocorre nos grupos de trabalho da etapa de interiorização,em que o principal objetivo é reunir propostas da sociedade dasdiversas regiões do Estado para o aperfeiçoamento dos relató-rios produzidos pelas Comissões Técnicas Interinstitucionais,os participantes dos grupos de trabalho da etapa final enfrentamo desafio de analisar toda a informação produzida e reunida nasetapas anteriores do evento e, com base nessa análise, elaboraros relatórios que serão objeto de deliberação na plenária final(cada grupo de trabalho deve elaborar seu respectivo relatório,de acordo com o tema sob sua responsabilidade).

A sessão plenária final de um seminário legislativodestina-se à discussão e aprovação do documento final doevento e à eleição de sua comissão de representação, a qual éa responsável pelo acompanhamento e pela avaliação, junto àAssembleia Legislativa e a outros órgãos do Estado, daimplementação institucional das propostas finais aprovadaspelos participantes.

Nesse momento, há um compartilhamento das informa-ções contidas nas propostas elaboradas na fase anterior pormeio da apresentação ao conjunto dos participantes da plená-ria final dos relatórios aprovados em cada grupo de trabalho.Depois dessa apresentação, as propostas são numeradassequencialmente e passam a compor uma minuta de documen-to final, que será submetida a discussão, votação e aprovação.A plenária final é a instância máxima do seminário legislativo,sendo soberana para aprovar, reprovar, alterar, aglutinar ousuprimir propostas aprovadas pelos grupos de trabalho. Ulti-mamente, o regulamento desses eventos tem exigido que os

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participantes indiquem, no documento final, quais são aspropostas que consideram prioritárias.

A etapa final constitui, pois, o auge do semináriolegislativo, porque é o momento decisivo em que os participan-tes enfrentam o desafio de consolidar, via deliberação política,as preferências manifestadas pelas informações reunidas nasetapas anteriores do evento. Tal desafio envolve, ainda, aaglutinação de preferências e informações novas, que podem serapresentadas durante a própria fase final do seminário.

Implementação das propostasImplementação das propostasImplementação das propostasImplementação das propostasImplementação das propostas

O seminário legislativo propriamente dito, como even-to deliberativo, termina com a aprovação do documento finale a eleição da comissão de representação. No entanto, omomento subsequente constitui uma etapa tão importantequanto o próprio seminário em si, pois envolve a realização deações efetivas em prol da implementação das preferências doscidadãos manifestadas durante o processo deliberativo e sin-tetizadas no documento final do evento. Afinal, não levar emconta os resultados do debate pode fazer com que a ALMGperca credibilidade, uma vez que os participantes poderãoconsiderar que suas discussões foram inócuas.

Conforme previsto na norma da ALMG que dispõesobre a organização e a realização de seminários legislativos,uma vez aprovado pela plenária final, o documento final doevento deve ser recebido pela Mesa da Assembleia, porintermédio de seu presidente, e posteriormente encaminhadoà comissão permanente da Casa, detentora da competênciapara apreciar a matéria. Essa comissão deve analisar as pro-postas aprovadas, para dar àquelas sujeitas à elaboraçãolegislativa a adequada tramitação. A mesma norma tam-bém prevê que a Mesa da Assembleia encaminhe àsdiversas esferas e aos órgãos do governo informaçõesacerca das expectativas e demandas atinentes ao seu nívelde atuação manifestadas pelos participantes no relatóriofinal do evento.

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

Diante do que se expôs até aqui, é possível concluir que,idealmente e em linhas gerais, eventos dessa natureza devemprivilegiar pelo menos dois momentos importantes no que dizrespeito à obtenção e ao fornecimento mútuos de informaçõesentre o poder público e a sociedade. O primeiro momento seriaconstituído pelo evento em si, considerado como um todo, emque o intercâmbio de informações entre os diversos atoresdiscursivos que tomam parte dos debates termina por gerar umrepositório informacional, que reflete e sintetiza o conjuntodas preferências mais intensamente manifestadas no decorrerdo processo.

O segundo momento importante começaria logo apóso encerramento do evento propriamente dito e seria carac-terizado pelo comprometimento do poder público – no casorepresentado pela ALMG –, com a preservação dos ganhosinformacionais do debate e, especialmente, com a dissemi-nação de informações que propiciem o controle e o acom-panhamento da implementação das propostas aprovadaspelos participantes de um seminário legislativo. Tratar-se-ia de uma espécie de accountability dos resultados doevento.

Numa organização como a Assembleia Legislativa, emque a informação é, ao mesmo tempo, o principal insumo parao desenvolvimento de suas atividades e também o principalproduto decorrente de suas ações institucionais, essas ques-tões assumem uma dimensão ainda maior. A avaliação globaldos seminários legislativos promovidos pela ALMG é bastan-te positiva, o que demonstra que, de um modo geral, ainstituição tem acertado na realização desses eventos. Assim,é possível afirmar que o primeiro momento mencionado temacontecido de forma a estimular a circulação e a geração deinformações entre os cidadãos participantes e os representan-tes estatais que se dispõem a enfrentar um processo complexode discussão de temas públicos. Tanto que, nessas ocasiões, aAssembleia de Minas consegue reunir uma série de informa-ções preciosas – consolidadas no documento final de cadaevento – que podem ser utilizadas tanto em iniciativas

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legislativas próprias quanto para subsidiar a ação de outrosórgãos governamentais.

Entretanto, há que se fazer uma ressalva em relação aosegundo momento. Isso porque a pesquisa realizada parasubsidiar a elaboração deste artigo demonstrou que, geral ehistoricamente, após o encerramento dos seminários legislativosnão tem havido um esforço institucional da ALMG, no sentidode dar ênfase à divulgação de informações sobre os resultadospráticos desses eventos e nem sobre eventuais ações desenvol-vidas para tentar garantir a implementação das propostasoriundas dos debates realizados. Tais informações, quandoexistem, estão dispersas em fontes informativas distintas, oque dificulta a localização delas pelo cidadão interessado noassunto. Essa situação cria “zonas de opacidade,”14 caracteri-zadas pela escassez, insuficiência ou ausência de informaçõesoficiais, objetivas e facilmente acessíveis, que permitam àsociedade o controle e o acompanhamento da implementaçãodas propostas aprovadas nos seminários. Acredita-se que aALMG, como responsável pela realização desses eventos,deveria também assumir a responsabilidade institucional daelaboração e divulgação de informações que promovessemessa “prestação de contas” perante os participantes dos semi-nários em particular e a sociedade mineira em geral.15

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

Em linhas gerais, é possível concluir que aimplementação, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais,de mecanismos de incentivo à participação política estimula acirculação de informações entre os atores envolvidos, gerandoum fluxo que pode reduzir o grau de assimetria informacionale ampliar o nível de accountability da ordem democrática,desde que os cidadãos participantes tenham competênciainformacional para lidar com temas públicos complexos.

Nesse sentido, os seminários legislativos podem serconsiderados fóruns de participação e deliberação política quepropiciam a troca de conteúdos dotados de significados ou, emoutras palavras, espaços onde se estabelece um fluxo

14 Ver JARDIM,1999.

15 As observações econclusões destetrabalho levam emconsideração os se-minários legislativosrealizados pelaALMG até 2006.Deve-se reconhecer,no entanto, que a par-tir do Seminário “Mi-nas de Minas”, reali-zado em 2008 com oobjetivo de discutir apolítica minerária es-tadual, é possível per-ceber a existência deuma nova diretriz insti-tucional, em imple-mentação, no senti-do de dar ênfase àdivulgação de infor-mações sobre os re-sultados práticos doevento (Cf., porexemplo, as infor-mações existe-ntes em http://www.almg.gov.br/eventos/hot_minas-d e m i n a s /index.asp?idbox=-MinasdeMinas – aces-so em 16/9/2009).

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INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E PODER LEGISLATIVO:A DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DEA DIMENSÃO INFORMACIONAL DO PROCESSO DE

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informacional de duplo sentido entre o Legislativo estadual eo conjunto de participantes do debate (para facilitar a compre-ensão da argumentação que se segue, esse fluxo será designa-do pela letra A).

Na primeira direção do fluxo A, a implementação, pelaALMG, de um mecanismo de incentivo à participação políticaconstitui uma oportunidade privilegiada para a reunião, porparte do Poder Legislativo, de informações sobre os anseiosdos cidadãos em relação à questão debatida que se encontramdispersas pela sociedade. Isso porque o evento permite que oscidadãos e entidades que se dispõem a participar expressemsuas preferências sobre temas cruciais de política pública.Essas preferências traduzem os desejos e expectativas dosdiversos segmentos sociais participantes em relação aos resul-tados das ações dos poderes estatais, constituindo por issovaliosa fonte informativa de subsídio à atuação dos membrosdo Legislativo e também dos agentes dos demais Poderes.

Na segunda direção do fluxo A, a aproximação entre aALMG e a sociedade, proporcionada pela institucionalizaçãode um canal de participação direta da população na arenaparlamentar, constitui uma oportunidade para que o poderpúblico forneça aos participantes informações relevantes acer-ca dos temas em debate. Com efeito, um seminário legislativoé uma ocasião privilegiada também porque os cidadãos eentidades que dele participam recebem da ALMG e de outrosórgãos públicos informações sobre os resultados (e, em algunsmomentos, sobre as deficiências) da ação estatal na áreadebatida, aumentando os níveis de accountability em relaçãoaos temas que são objeto de deliberação.

Uma análise mais detida revela ainda a ocorrência deum segundo fluxo informacional no âmbito desses espaçosdeliberativos (ora designado pela letra B), pois os seminárioslegislativos propiciam oportunidades de troca de informaçõesentre os próprios segmentos sociais participantes, por meio dadiscussão e da interação face a face ocorridas nas diversasetapas desses eventos. Entretanto, é importante distinguir ofluxo A do fluxo B. O primeiro é bidirecional, tendo aAssembleia como instituição em um polo e o conjunto de

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participantes em outro. Já o fluxo B é multidirecional, no qualcada participante potencialmente constitui um ponto de cone-xão de uma rede de informações. Os resultados das interaçõesocorridos no interior dessa rede interferem diretamente nanatureza das informações fornecidas pelo conjunto de partici-pantes à ALMG, no âmbito do fluxo A.

Pode-se afirmar que, em razão da quantidade e daqualidade das informações recebidas e fornecidas pelos parti-cipantes no âmbito dos dois fluxos, os seminários legislativoscontribuem para a redução da assimetria informacional, quedesfavorece os cidadãos em sua relação com as instituiçõesestatais e também em relação a seus próprios pares. Alémdisso, a troca argumentativa que ocorre durante os debatesgeralmente faz com que o conjunto de participantes de umseminário legislativo desenvolva ou aprimore sua competên-cia informacional para a obtenção de informações que permi-tam a formulação de opiniões bem fundamentadas sobre temaspúblicos complexos. Além da motivação para a busca deinformações, tal competência é demonstrada também pelacapacidade de raciocínio conjunto, ou seja, pela habilidade dedecifrar, compreender, assimilar e sintetizar a carga informa-tiva resultante da competição de discursos na deliberação, deforma a modificar ou complementar a base informativa inicial.O documento final de um seminário legislativo, que contém aspropostas aprovadas pelos participantes, é o principal produtodesse esforço e serve de base para uma elaboração legislativamais próxima dos anseios e preferências manifestados pelasociedade em relação ao tema debatido.

Diante disso, é possível afirmar que, em geral, osseminários legislativos são mecanismos que propiciam a am-pliação da quantidade e da qualidade da informação que aALMG tem sobre as preferências e demandas dos participan-tes da deliberação. É possível afirmar também que, em linhasgerais, esses eventos propiciam avanços no que se refere àredução da assimetria informacional e ao aumento dos níveisde accountability do processo democrático, ainda que a “pres-tação de contas” efetuada pelos representantes de órgãos

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estatais durante as etapas de um seminário legislativo apresen-te uma tendência à superficialidade.

Entretanto, dois aspectos observados em alguns seminári-os legislativos merecem ser ressaltados e devem ser objeto deatenção por parte da ALMG, pois certamente exercem algumimpacto inesperado sobre os ritmos de construção da cidadania ede fortalecimento da democracia em Minas Gerais: a) a escassezde informações acerca dos resultados práticos do evento; e b) adispersão dos conteúdos gerados durante o próprio semináriolegislativo.16 No primeiro caso, a ausência ou a dificuldade deobtenção de informações acerca dos desdobramentos desseseventos cria sérios obstáculos para a verificação da relação entreo conteúdo dos debates e o conteúdo das eventuais normasjurídicas ou políticas públicas decorrentes da deliberação, poden-do comprometer ainda a transparência das ações do Estadoperante os cidadãos e fazer com que eles pensem que tenha sidovão todo o seu esforço de participação. No segundo caso, adispersão da informação reunida pode gerar um subaproveitamentodos ganhos da deliberação, com impactos negativos no grau deabsorção e de efetiva utilização, tanto pela ALMG quanto pelosparticipantes, das informações colhidas e compartilhadas noprocesso de interlocução entre Legislativo e sociedade. Alémdisso, tal dispersão pode interromper o adequado suprimento deinformações para estimular e subsidiar a continuidade do debateem outros fóruns ou espaços participativos.

Ainda assim, do ponto de vista informacional, talvez ogrande mérito dos seminários legislativos realizados pelaAssembleia de Minas está em seu potencial para promover adiversificação tanto da informação que o Parlamento recebe dasociedade, propiciando uma maior aproximação entre esta e opoder público, quanto da informação que chega aos cidadãosparticipantes, auxiliando-os na formulação de uma compreen-são mais adequada dos temas públicos e de seu papel noprocesso democrático. Afinal, em processos deliberativoscomplexos quase sempre estão em jogo opiniões e interessesdistintos e, por vezes, conflitantes. Nesse sentido, fórunsparticipativos constituem uma alternativa razoável para areunião e o confronto de informações que, em última instância,

16 A mencionada dis-persão refere-se ànão existência deum repositório úni-co (ou de repositó-rios integrados), pormeio do qual o cida-dão possa acessare recuperar conteú-dos de seu interes-se abordados duran-te os debates de umseminário legis-lativo.

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espelham as visões de mundo de cada um dos lados do debate,com potenciais reflexos positivos na elaboração legislativa apartir da discussão de temas públicos com os segmentossociais envolvidos.

Finalizando este artigo, há que se ressaltar que eventospolíticos abertos à participação e à manifestação da sociedadeainda podem ser considerados raros no cenário político brasilei-ro, especialmente no âmbito das casas legislativas. Nesse senti-do, as iniciativas de aproximação com a sociedade adotadas porparte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, ainda quecareçam de alguns ajustes ou aperfeiçoamentos, são dignas denota. Exatamente porque a democracia se fundamenta na sobe-rania dos cidadãos, é preciso que se criem mais canais para queesses forneçam aos parlamentos das três esferas de governoinformações sobre suas expectativas e preferências para que osrepresentantes ajam – e, se necessário, criem leis e políticas – nosentido de atender aos melhores interesses da sociedade emgeral, e não apenas aos de uma minoria. Além de receberinformações dos cidadãos, o Legislativo também pode aprovei-tar esses canais para fornecer informações sobre suas ações àsociedade, reduzindo a assimetria informacional e ampliando osníveis de accountability da ordem democrática. Em outraspalavras, o desenvolvimento de ações institucionais deinterlocução entre as casas legislativas e os grupos organizadosde cidadãos pode contribuir para o fortalecimento, por meio dadifusão de informações, dos mecanismos de controle socialsobre o poder público e para o aprimoramento da cultura políticada sociedade brasileira.

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOSPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DOS CIDADÃOS

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PERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAA SOCIOPOLÍTICA DAA SOCIOPOLÍTICA DAA SOCIOPOLÍTICA DAA SOCIOPOLÍTICA DAINTERAINTERAINTERAINTERAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVTIVTIVTIVTIVA:A:A:A:A:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSADOSADOSADOSADOS

ANTONIO TEIXEIRA DE BARROSANTONIO TEIXEIRA DE BARROSANTONIO TEIXEIRA DE BARROSANTONIO TEIXEIRA DE BARROSANTONIO TEIXEIRA DE BARROS*****

CRISTIANE BRUM BERNARDES*CRISTIANE BRUM BERNARDES*CRISTIANE BRUM BERNARDES*CRISTIANE BRUM BERNARDES*CRISTIANE BRUM BERNARDES*

MARIA CLARICE DIAS*MARIA CLARICE DIAS*MARIA CLARICE DIAS*MARIA CLARICE DIAS*MARIA CLARICE DIAS*

Resumo: O artigo analisa, do ponto de vista sociopolítico, osinstrumentos de interatividade criados pelo sistema de comu-nicação da Câmara dos Deputados. O pressuposto é que ainteratividade é condição para o êxito de qualquer sistemapúblico de informação, visto que a captação e o atendimentosatisfatório das demandas do cidadão são requisitos para quequalquer sistema de informação seja considerado público, enão apenas estatal. A comunicação pública, em linhas gerais,é aquela que se volta para o interesse público, não só aooferecer informações, mas sobretudo ao captar e atender àsdemandas desse mesmo público. A análise encontra respaldona Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, principalmen-te no que se refere aos conceitos de mundo vivido e do mundosistêmico e suas práticas sociais correlatas: agir estratégico eagir comunicativo. Dessa perspectiva, analisa-se até que pontoos mecanismos de interatividade em estudo exercem funçãomeramente burocrática (agir estratégico) ou incentivam aparticipação efetiva dos receptores (ação comunicativa e co-municação pública) e fortalecem a representação política(ação política).

Palavras-chave: interatividade e política; ação comunicativae interatividade; interatividade e comunicação pública.

* Os autores são jor-nalistas concur-sados da Câmarados Deputados eparticipam do proje-to integrado de pes-quisa “Ações de co-municação da Câ-mara dos Deputadospara a promoção dademocracia e parti-cipação popular”,filiado à linha de pes-quisa “Cidadania epráticas democráti-cas de representa-ção e participaçãopolítica” do Progra-ma de Pós-Gradua-ção em Instituiçõese Processos Políti-cos do Legislativo doCentro de Forma-ção, Treinamento eAperfeiçoamento(Cefor) da Câmarados Deputados.

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 59-83, jul./dez. 2009

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Abstract: The article analyzes, from a sociopolitical point ofview, interactivity instruments created by the system ofcommunication of Brazilian Chamber of Deputies. It assumesthat interactivity is a condition for the success of any publicsystem of information, since the identification of demands ofcitizenry and their satisfactory fulfillment is a requirement toany system of information that could be considered public, andnot only institutional. Public communication, in general lines,focuses on public interest, not only by offering information,but mainly by collecting and meeting the demands of thispublic. The analysis finds endorsement in the HabermasTheory of the Communicative Action, especially the conceptsof lived and systemic world and their related social practices- strategic action and communicative action. From thisperspective, it analyzes if the mechanisms of interactivity exertmere bureaucratic function (strategic action) or stimulate theeffective participation of the receivers (communicative actionand public communication) and fortify the politicalrepresentation (political action).

Key words: interactivity; communicative action; publiccommunication.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Na teoria política clássica, a interatividade é a base daação política, ideia que sustentou o primeiro modelo de práticade cidadania e de democracia, como relata Hannah Arendt emA Condição Humana. Os debates públicos constituíram aatividade emblemática da interatividade (inter + ação = açãoentre pares), cujo auge ocorreu no período de 470 a 400 aC,com a atuação de Sócrates, que tinha o hábito de debater edialogar com as pessoas de sua cidade, desde a juventude. Emseu método, chamado de maiêutica, ele tendia a despojar seusdiscípulos da falsa ilusão do saber, ao fragilizar a vaidade deseu interlocutor, permitindo, assim, que o aprendiz de filósofoestivesse mais livre de falsas crenças e mais suscetível deextrair a verdade lógica que também estava dentro de si.

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PERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAPERSPECTIVA SOCIOPOLÍTICA DAINTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:INTERATIVIDADE NA MÍDIA LEGISLATIVA:

O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Sendo filho de uma parteira e de um escultor, Sócratescostumava comparar a sua atividade com a de trazer ao mundoa verdade que há dentro de cada um. Metaforicamente, asideias filosóficas passavam primeiro por um “parto” intelectu-al e depois eram esculpidas pelo debate público. Ele costuma-va repetir que não ensinava nada, apenas ajudava as pessoas atirar de si mesmas opiniões próprias e limpas de falsos valorese julgamentos. A maiêutica, o método criado por Sócrates,consistia no momento do “parto” intelectual da procura daverdade no interior do homem. “É o método que consiste emparir ideias complexas a partir de perguntas simples e articu-ladas dentro de um contexto”, afirmava. Em seu método, aoiniciar uma conversa, Sócrates sempre adotava a posição deuma pessoa ignorante, que apenas “sabe que nada sabe”. Essapostura, a seu ver, intensificava a interação intelectual, poispermitia ao interlocutor a oportunidade de expressar suasideias, sem a postura cautelosa de quem imagina estar diantede um sábio.

Ao analisar a esfera pública grega, com destaque paraa relevância da ação política, Hannah Arendt ressalta essaesfera pública como espaço de aparência (visibilidade) e dereconhecimento público, consequência do exercício da singu-laridade humana, pelo uso público da razão. Nesse contexto,a competência comunicativa era fundamental, visto que acidadania estava diretamente ligada à livre expressão daopinião e à capacidade para compreender os demais cidadãos.Portanto, a igualdade de condições de comunicação era basilarpara que houvesse relação entre iguais: condição para a livreexpressão da opinião, já que a hierarquia, segundo essa visão,anula as possibilidades de diálogo e impede a isegoria (igual-dade de condições de expressão).

Os debates democratizaram as opiniões, pois passarama substituir a transmissão autoritária de opiniões, herança dopensamento mítico. Os debates fazem parte do momento detentativa de superação dos grilhões fatalistas da vontade dosdeuses, os quais determinavam o destino humano. Com odesenvolvimento do pensamento racional, surge a Filosofia,fruto da vontade humana de construir explicações sobre sua

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própria existência. A Filosofia, contudo, não surgiu de umaruptura total com o pensamento mítico, mas originou-se dointerior do próprio conhecimento mágico, como tentativa deelaborar novas ordens de explicação para a existência humana(Gracioso, 2007, p. 15).

Nesse processo, os debates foram decisivos. Alémdisso, pelos debates, a razão emancipou-se da mitologia epermitiu uma ação política livre, racional e democrática.Dessa forma, o saber passa a ser visto como resultado dadiscussão pública e interativa, e não mais dos oráculos realiza-dos pelos sacerdotes a portas fechadas. “A pura contemplaçãoda verdade é exercitada em praça pública e vista como omomento supremo do homem, sendo a fonte da verdadeirafelicidade” (Souza, 2007, p. 28). Assim, a ágora transforma-se no coração da pólis, para onde se dirigem os sábios, poetase os primeiros filósofos.

Ainda sob a perspectiva da Filosofia Política, ainteratividade está diretamente associada à utopia emblemáticada modernidade, que é a tecnologia. Segundo Agnes Heller(2002), independentemente do ponto de vista, os discursossociais e políticos remetem à relação do ser humano com adiversidade de aparatos tecnológicos: “Qualquer coisa quefalamos está sempre relacionada à tecnologia”, reforça aautora. Ela acrescenta que, no contexto da sociedade moderna,a tecnologia tornou-se um equipamento social onipresente eambíguo: “Em determinado momento, a tecnologia e as má-quinas são vistas como algo maravilhoso; em outro, essamesma tecnologia e suas máquinas devem ser destruídas”(Heller, 2002, p. 46).

O dilema também permeia a discussão sobreinteratividade. A cada momento surgem novas ferramentas deinteração dos veículos formais de comunicação com o público.Entretanto, a crescente evolução nunca leva à satisfação plena,conforme analisa Guimarães (2004). Ao mesmo tempo em quea tecnofilia se torna central na sociedade, com novas possibi-lidades de interatividade, aumentam o individualismo, asrelações anônimas, o consumismo de novas tecnologias pelo

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

simples fato de serem recentes. Nessa concepção, reforça-se opostulado de Postman (1994) de que o ser humano, nessecenário da utopia tecnológica da modernidade, cada vez mais,tende a ser uma peça da engrenagem tecnossocial, ou seja, tendeà reificação e à alienação, como previra Karl Marx, em OCapital. Assim, o homem moderno, vítima do tecnopólio e dofetiche dessas novas mercadorias, tende cada vez mais a tornar-se uma ferramenta das máquinas que ele próprio produz.

Seja como instrumento de ampliação da participaçãopolítica, seja como mecanismo de fetiche tecnológico, ainteratividade faz parte do cotidiano social no início do séculoXXI. No Brasil, onde o acesso da maioria da população àsferramentas tecnológicas ainda é bastante limitado economi-camente, alguns órgãos públicos apostam na interatividadecomo opção de contato com a população, espalhada por umenorme território e sem acesso efetivo ao centro do poder.

Nesse panorama, é essencial analisar essas formas deinteração da sociedade com o poder, seja o Estado ou ogoverno, para apontar os problemas, limites e avanços dessaspráticas. Neste artigo, procedemos a uma descrição minuciosados instrumentos de interatividade adotados pela Câmara dosDeputados, instância do poder público destinada à representa-ção do povo brasileiro no Estado. Em seguida, analisamos ascaracterísticas de cada ferramenta e seu papel para a ampliaçãoda participação política no Brasil. Antes, porém, fazemos umabreve retomada de alguns conceitos de Jürgen Habermas, paranortear nossa observação.

Interatividade vivida e sistêmicaInteratividade vivida e sistêmicaInteratividade vivida e sistêmicaInteratividade vivida e sistêmicaInteratividade vivida e sistêmica

Uma contribuição expressiva para o entendimento dainteratividade no mundo contemporâneo são os conceitos deação comunicativa e ação instrumental, de Jürgen Habermas,que integram sua Teoria da Ação Comunicativa. Sob essaperspectiva teórica, a interatividade pode ser consideradaagente do mundo sistêmico, entendido por Habermas comoa esfera da sociedade que compreende o universo das rela-ções normativas e regulamentadas, resultantes do modelo de

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sociedade contratual. Em contraposição, o autor compreendeo mundo vivido como a esfera que contribui para manter aidentidade social e cultural dos indivíduos e das comunidades,ao favorecer o compartilhamento de valores, a livre expressãode ideias, a comunicação de natureza mais participativa emenos instrumental.

De forma mais detalhada, o mundo sistêmico pode serentendido como a esfera da ação instrumental, planejada, estra-tégica, regida por uma racionalidade determinada, o que implicaum modelo de comunicação igualmente estratégica e instru-mental, ou seja, voltada para fins e objetivos específicos epredeterminados. Toda ação e toda comunicação no âmbito domundo sistêmico são pautadas por mecanismos burocráticosque limitam e controlam as decisões voluntárias, as manifesta-ções espontâneas dos indivíduos e da livre expressão do pensa-mento e da opinião. Tudo deve ser orientado para os fins eobjetivos almejados, de acordo com a filosofia da empresa queadministra os sistemas interativos, a exemplo das enquetesrealizadas nos sites institucionais e dos e-mails disponíveis paracomentários e dúvidas do público (nem sempre respondidos).

O mundo da vida, de forma mais minuciosa, compreendetrês elementos estruturais: a cultura, a sociedade e a personali-dade. O primeiro é entendido por Habermas como o acervo desaberes acumulado historicamente, em que os participantes dacomunicação se abastecem de interpretações para entender algodo mundo. O segundo é concebido como um sistema compostode ordenações legítimas, mediante as quais os participantes dosprocessos interativos regulam sua forma de participação epertencimento a grupos sociais e instituições. Já o terceiro,caracterizado pela personalidade, é traduzido pela competêncianos processos que possibilitam a um sujeito ter linguagem eação, que o habilitam a fazer parte de processos de entendimentoe compartilhamento de signos, além de afirmar neles sua própriaidentidade (Habermas, 1987).

Habermas é criticado por apresentar o sistêmico e ovivido como dimensões separadas da sociedade (Ingram,1994), mas, na realidade, essa crítica é improcedente. O que

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

ele fez, de fato, foi uma caracterização individualizada de cadaesfera, para fins meramente explicativos. Implicitamente, estásugerido um ponto de vista de integração de ambas as esferas,como modelo ideal para o funcionamento da sociedade. Umademonstração dessa visão está na crítica que Habermas apre-senta ao fenômeno que ele denomina de “colonização” dovivido pelo sistêmico.

Essa “colonização”, a seu ver, decorre do fato de que osespaços mais livres e espontâneos da sociedade, mais precisa-mente da esfera cultural, estão cada vez mais invadidos pelalógica normativa e regulamentar do mundo sistêmico, a exem-plo dos instrumentos de interatividade presentes nos sitesinstitucionais. Em outras palavras, isso significa aburocratização da vida pública. Para exprimir sua opinião, ocidadão, na maioria das vezes, é obrigado a fazer um cadastroe responder a questões predeterminadas, em forma de enquete,de acordo com os interesses da instituição. Isso limita asformas espontâneas de participação popular, as quais estão, deforma crescente, sendo regulamentadas. Isso é consequênciada aceleração do sistema de colonização do mundo da vida,processo no qual “o mundo vivo se reduz gradualmente a umsatélite do sistema”, como produto direto da racionalizaçãoadministrativa (Ingram, 1994, p. 167).

O tempo e o lugar em que esses momentos da vidacotidiana acontecem estão sempre mais subordinados a pa-drões normativos. Está ocorrendo uma redução progressiva daespontaneidade, da naturalidade e da informalidade das rela-ções humanas, sociais, comunitárias e interindividuais. Essadissociação é uma característica da modernidade. Como salien-ta Ingram (1994), nas sociedades menos desenvolvidas, aexemplo daquelas regidas pelos padrões de parentesco, nãohavia separação entre o vivido e o sistêmico. Consequentemente,a interatividade era decorrência da sociabilidade, o que nãosignificava ausência de regras e normas. Só que os elementosnormativos dessas sociedades eram regidos pelo princípiosociológico de desiderabilidade social, entendido por Durkheim(1983) como desejo comum, um reconhecimento comunitário

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de que tais regras eram desejáveis e necessárias – para o bemde todos.

Assim, as regras e normas sociais funcionavam comouma espécie de “cimento social” que favorecia a coesão entreos indivíduos e grupos. Um exemplo disso, muito destacadopelo pensamento durkheiminiano, é a religião, que pode sersituada no âmbito do vivido, por resultar de um claro processode compartilhamento de sentidos, atrelado a uma rede comu-nicativa, tecida com base em um acervo de conhecimentospreexistentes, transmitidos pela cultura e pela linguagem(Ingram, 1994). Além disso, as normas religiosas eram regidaspelo princípio de desiderabilidade. Isso significa que os pró-prios fiéis desejavam a existência dessas regras e as viam comoalgo útil e necessário à vida religiosa.

O que podemos depreender de tal concepção é que omundo sistêmico constitui resultante histórica do mundo vivido,ou seja, o primeiro desenvolve-se a partir do segundo, à medidaque a sociedade vai se tornando mais complexa e exigindoformas mais rigorosas de controle da ação social. O grupo deixade ser a referência. O indivíduo é que se torna o eixo da açãosocial, como salienta Weber (1983). Esse novo padrão decomportamento passa a requerer mecanismos normativos dife-renciados, acarretando o aparecimento de diversos elementospara “administrar” a ação humana na sociedade.

O surgimento da burocracia é apontado por Weber comoresultado desse processo. A burocracia é uma das figuras maisemblemáticas do mundo sistêmico. Mas tudo isso vai ocorrendocomo um processo orgânico de desenvolvimento da sociedademoderna e da democracia. O problema apontado por Habermasé que esse processo desencadeou a primazia do sistêmico, que,por sua vez, traz como consequência o enfraquecimento dasmanifestações do mundo vivido. Com isso, reduz-se o espaçode liberdade, autonomia e importância. Tanto é que os profis-sionais de comunicação, de modo geral, eram consideradosprofissionais da cultura. Mas, nas últimas décadas, essa visãoperdeu força, em virtude da crescente racionalização e adoçãode modelos e mecanismos estratégicos.

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Por outro lado, essa categoria profissional detém opoder simbólico para reverter esse quadro e engajar-se noprocesso inverso, ou seja, o de “descolonização” do mundovivido. Ao adotar uma linha de conhecimento de naturezamenos instrumental e mais histórico-hermenêutica, ou seja,autorreflexiva e autoquestionadora, pode contribuir para oimpulso emancipatório do conhecimento, inclusive no âmbitoprofissional. A competência comunicativa dos profissionaisde comunicação pode, então, tornar-se um meio para facilitara interação social, e não apenas fazer mediação entre a orga-nização e seus públicos.

Ação comunicativa é entendida, aqui, sob duas pers-pectivas. Na primeira, é vista como um mecanismo de interpre-tação por meio do qual se reproduz o saber cultural. A segundacompreende a forma pela qual os atores sociais, ao se entende-rem sobre algo no mundo, participam simultaneamente eminterações através das quais desenvolvem, confirmam e reno-vam seu pertencimento aos grupos sociais e à sua própriaidentidade (Teixeira, 1996).

Toda essa reflexão conduz ao debate sobre cidadania,tema tão premente no cenário social brasileiro e tão oportunopara a discussão sobre o papel do profissional de comunicaçãoneste mundo social globalizado. Entende-se cidadania, aqui,como dois elementos fundamentais: a ideia de indivíduo, departicularidade; e a de regras gerais e universais, ou seja, umsistema de leis que vale para todos os cidadãos em qualquerespaço social (Da Matta, 1987).

Essa noção de cidadania implica a confluência entrepúblico e privado, isto é, o espaço da cidadania se constrói naintersecção entre interesses públicos e privados, de tal modoque nenhuma dessas esferas seja negligenciada. Para o plenoexercício da cidadania é necessário, portanto, que haja harmo-nia entre as duas esferas, o que implica a relação não dicotômicade usuários de serviços públicos de informação versus cida-dão. Vale ressaltar que, no atual contexto organizacional,essas duas concepções são apresentadas como se fossemelementos distintos e isolados, quando, na realidade, a cidada-

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nia não se reduz a elementos, aspectos ou momentos específi-cos da vida dos indivíduos. Antes de tratar o indivíduo comousuário ou receptor de informação, deve-se lembrar de que eleé um cidadão.

Seu estatuto de cidadão não se altera em função do seupapel momentâneo. Quando compra, quando se diverte, viaja,lê, estuda, vai ao cinema, a um espetáculo ou ao shopping,quando está em casa ou em qualquer outra situação, ele nuncadeixa de ser cidadão. Cidadania é algo mais amplo do que osconceitos que estamos acostumados a receber pela mídia, quesempre a trata de forma episódica e fragmentada (Barros, 1995).

Estragégias de interatividade da CâmaraEstragégias de interatividade da CâmaraEstragégias de interatividade da CâmaraEstragégias de interatividade da CâmaraEstragégias de interatividade da Câmara

Com base nas perspectivas teóricas acima delineadas,é que são analisados os instrumentos de interatividade criadospelo sistema de comunicação da Câmara dos Deputados, comênfase para o pressuposto de que a interatividade é condiçãopara o êxito de qualquer sistema público de informação, vistoque a captação e o atendimento satisfatório das demandas docidadão são requisitos para que qualquer sistema de informa-ção seja considerado público, e não apenas estatal. Essaconcepção de valorização das ferramentas de interatividadetornou-se uma das prioridades da gestão estratégica da infor-mação pela Câmara nos últimos anos.

Devido aos esforços institucionais nesse sentido, oportal da Câmara dos Deputados na internet(www.camara.gov.br) é, entre todos os parlamentos da Amé-rica do Sul, o que apresenta maior grau de interatividade como público, segundo um estudo realizado pela UniversidadeFederal do Paraná (UFPR). Conduzida por Sérgio Braga(2008), a pesquisa analisou a informatização dos órgãoslegislativos no continente. Ao mapear os mecanismos criadospara permitir a “comunicação vertical” com a opinião pública,Braga constatou que o portal da Câmara cumpre 94% doscritérios estabelecidos para medir o grau de interatividade dosportais analisados (são considerados mais de 200 itens). Naavaliação global do grau de informatização dos legislativos, o

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portal da Câmara também ficou em primeiro, com 95,3%,seguido do Congresso do Peru, com 89%, e do Senadobrasileiro, com 80,9%.

Alcançando nota máxima (100%) em navegabilidade,o portal é hoje uma referência entre os que oferecem conteúdopolítico. Em 2007, segundo o estudo, o site recebeu mais de 15milhões de visitas, numa média diária de 41 mil acessos. Apartir dos dados da própria Câmara, os números foram aindamais impressionantes, pois há um crescimento na quantidadede acessos nos últimos anos. Segundo dados do Centro deInformática da Câmara (Cenin), foram realizadas 16.961visitas diárias ao portal em 2004. Em 2005, o número subiupara 22.086; e, em 2006, alcançou a marca de 38.902.

Para o diretor do Cenin, Fernando Lima Torres (Demo-cracia da era da interatividade – Camara.gov.br, 2008), o saltode 70% no número de acessos em 2006 é resultado dos novosserviços incorporados, como dados do Orçamento da União epesquisas sobre deputados e cargos comissionados, além daseleições realizadas naquele ano. Fernando Torres explica quea Câmara foi credenciada pelo Tribunal Superior Eleitoral(TSE) para a divulgação dos resultados das votações, o quepode ter ampliado o interesse pelo portal.

O mecanismo mais usado pelos usuários, de acordocom o diretor do Cenin, é o de acompanhamento de proposi-ções por e-mail, que registrou 2.346.274 consultas em dezem-bro de 2007. Após se cadastrar, o usuário pode selecionar asproposições que deseja acompanhar para receber por e-mailinformações sempre que a matéria passar por uma das instân-cias do processo legislativo, como designação de relator,abertura de prazos, emendas apresentadas, votações em co-missões ou no Plenário, etc. Atualmente, o sistema tem 79.662usuários ativos. Em 2007, a média diária de mensagens cominformações sobre os projetos enviadas pela Câmara aosusuários foi de 5.086.

No caso de instituições que acompanham simultanea-mente um grande número de proposições, o portal torna dispo-nível o Serviço de Integração Tecnológica da Câmara dos

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Deputados (SIT-Câmara), que permite às entidades atualizarautomaticamente seus sistemas de acompanhamento de infor-mações diretamente a partir das bases de dados da instituição.

Os números revelam que há um público interessado ecom possibilidade de acesso às ferramentas tecnológicas paraobter informações sobre o processo legislativo e a atuação dosparlamentares. O tipo de serviço oferecido revela que, apesarda formalização dos instrumentos na internet, há uma noção,entre a burocracia especializada da Câmara, de que as informa-ções que precisam estar disponíveis são um bem público, ouseja, algo que deve estar disponível aos cidadãos de formadireta, simples e clara.

Essa noção transparece também na adoção de diferen-tes ferramentas para obter opiniões e a participação pública,exemplificadas pelas ações conduzidas pela Coordenação deRelações Públicas da Câmara, ligada até abril de 2008 àSecretaria de Comunicação da Câmara (Secom). Atualmente,o setor de Relações Públicas subordina-se diretamente àPresidência da Casa. A principal ação, a Central de Comuni-cação Interativa, inaugurada em maio de 2004, mantém osprogramas mais conhecidos de interatividade da instituição:o Disque Câmara, que atende o cidadão pelo telefone 0800-619619, e o serviço de correio eletrônico definido pelasferramentas Fale Conosco e Fale com o Deputado, disponí-veis no portal da Câmara. O Fale Conosco, criado emmeados de 2000, permite ao cidadão o envio de mensagenspela página da Casa e por meio do endereço eletrô[email protected].

Uma das missões da central é propiciar a participaçãodos cidadãos no processo decisório da Casa, fazendo chegaraos representantes públicos (deputado e servidores) as suaslegítimas manifestações; opiniões, reclamações, críticas, su-gestões, etc. Percebe-se que a intenção, no uso das ferramentastecnológicas, é possibilitar uma via de comunicação de mãodupla entre deputados e cidadãos. Isso significa não somenteo envio de informações úteis para o público, mas também aatenção dos parlamentares às demandas dos cidadãos.

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A Coordenação de Relações Públicas (Corep) assumiua gestão dos serviços da Central em abril de 2003. Em 2007,foram recebidos 119.508 e-mails. Somados aos atendimentospor telefone, o serviço recebeu 539.136 mensagens em 2007.No mesmo ano, o Disque Câmara fez 327.987 atendimentosdiretos por funcionários – são 20 atendentes em dois turnos,das 8 às 20 horas, de segunda a sexta-feira – e 91.641atendimentos indiretos por meio da secretária eletrônica,totalizando 419.628 ligações. Desde 2004, a Central já rece-beu 1.787.128 ligações pelo serviço 0800.

Segundo a chefe da Central de Comunicação Interativa,Fátima Novais de Sousa (Democracia na era da interatividade –Serviço 0800, 2008), do total dos atendimentos diretos, cercade 70% referem-se a opiniões de cidadãos favoráveis oucontrárias a proposições que tramitam na Casa. O Projeto deLei 5.476/01, que acaba com a cobrança da tarifa básica detelefone, foi o que mais recebeu manifestações de cidadãosbrasileiros. De acordo com Fátima, desde 2004, foramregistradas 1.177.345 (66% do total) manifestações pela suaaprovação, sendo 257.729 só em 2007.

Fátima de Souza explica que os principais assuntostratados pelos cidadãos por meio da central refletem os debatesno Congresso e o noticiário político. Em 2007, foram várias asmanifestações: contrárias ao aumento salarial dos deputados(986), contra o envolvimento de políticos com corrupção(702), sobre o caso Renan Calheiros (346), sobre a crise aérea(453), sobre o desabamento na obra do Metrô de São Paulo(306), sobre fidelidade partidária (153), contrárias à reformados apartamentos funcionais (90) e sobre o caso SeverinoCavalcanti (58).

Vários eleitores transmitiram também manifestaçõescontrárias à prorrogação da CPMF; contrárias e favoráveis àPEC que efetiva servidores contratados entre 1983 e 1988;favoráveis à instituição do piso nacional para o salário dosprofessores; favoráveis à reforma do funcionalismo público econtra o crescimento da violência urbana. O debate sobre oreajuste dos deputados fez com que o número de mensagens

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encaminhadas via e-mail saltasse de 3.810, em novembro de2006, para 17.155 em dezembro do mesmo ano.

Somente em novembro de 2007, segundo dados dopróprio setor, o Fale Conosco recebeu 8.257 mensagens,enquanto o Fale com o Deputado foi usado por 1.781 cida-dãos. Em 2006, foram recebidas 92.091 mensagens pelosistema Fale Conosco. As sugestões, reclamações e solicita-ções para se inscrever num evento ou pedir informações sobredeterminado projeto, por exemplo, são encaminhadas às áreasresponsáveis, para atender aos diferentes tipos de demandasprevistos nos formulários virtuais e nos links disponíveis emtodo o portal. Atualmente, são realizados, em média, 50 milatendimentos por mês. O atendimento eletrônico representa56%, e o pessoal – diretamente com o atendente –, 44%.

Em média, o serviço Fale com o Deputado é muito maisacessado. Em 2006, foram recebidas 4.739.777 mensagens,sendo que muitos deputados relatam que já aproveitaram assugestões, críticas e denúncias dos eleitores. A título deexemplo, os deputados que mais responderam e-mails noperíodo de setembro de 2007 a novembro de 2007 foram: PepeVargas (PT-RS) – 2.422; Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) –2.509; Gorete Pereira (PR-CE) – 2.438; Regis de Oliveira(PSC-SP) – 3.161; e Marcos Medrado (PDT-BA) – 2.527.

Entre os deputados que mais receberam mensagensexclusivas via telefone em 2007 estão o presidente da Câmara,Arlindo Chinaglia, com 1.366 mensagens; Celso Russomano(PP-SP), com 379; Gonzaga Patriota (PSB-PE), com 183;Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), com 161; Clodovil Hernandes(PR-SP), com 142; e Fernando Gabeira (PV-RJ), com 134.Outros deputados bastante requisitados pelos cidadãos são AldoRebelo (PCdoB-SP), Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), Michel Temer (PMDB-SP), Ciro Gomes (PSB-CE),Inocêncio Oliveira (PR-PE) e Chico Alencar (PSOL-RJ).

Segundo a Corep, a maioria das ligações tem origem naregião Sudeste: 55,59%. O Nordeste fica em segundo lugar,com 16,89% das ligações; enquanto o Sul responde por16,13%; o Centro-Oeste, por 8,26%; e o Norte, por 3,14% das

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

ligações. São Paulo é o Estado com maior número de ligaçõesidentificadas, com 95.691 ocorrências em 2007.

É oportuno também perceber o perfil do cidadão queacessou a central em 2007. Dos usuários dos serviços, 48,13%tinham o ensino superior completo, 30,09% haviam comple-tado o ensino médio e 11,78% cursavam faculdade ou nãohaviam terminado o curso superior. Do total, 54,20% dasligações e mensagens foram enviadas por mulheres, enquantoos homens foram responsáveis por 45,80% dos contatos. Agrande maioria dos usuários tomou conhecimento dos servi-ços pela própria internet: 88,04%. Outros 6,83% foram infor-mados da possibilidade de contato por outras pessoas e 3%ficaram sabendo desses serviços ao assistir à TV Câmara. Emrelação à faixa etária, mais de 75% dos usuários têm mais de31 anos, com grande concentração na faixa etária entre 41 e 50anos, conforme revela o gráfico.

Gráfico por Faixa Etária

0,1%

4,6%

19,5%

22,9%24,8%

20,2%

7,8%

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

10 a 15 16 a 21 22 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 64 acima

de 65

É interessante destacar que as estratégias de comunica-ção virtual mantidas pela Câmara dos Deputados já foramreconhecidas internacionalmente por sua utilidade. A página da

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Câmara conquistou em 2006 o Prêmio iBest TOP 3 na categoriaPolítica (Júri Popular). Em 2008, o portal foi o único destaquedo Brasil na área de governo eletrônico em um relatório daOrganização das Nações Unidas (ONU). O E-GovernmentSurvey 2008, relatório da ONU que analisa o uso de ferramentastecnológicas na prestação de serviços públicos (ONU, 2008, p.30), ressalta as ferramentas que o site da Câmara deixa disponí-veis aos cidadãos para dialogar com os seus representantes eparticipar diretamente de debates. O estudo explica que essaforma de participação pela web reforça a interação entre oscidadãos e os deputados brasileiros. “Em um país tão grandecomo o Brasil e com uma população geograficamente dispersa,a participação on-line tem proporcionado aos cidadãos maiorvoz na criação de políticas e leis”, afirma o estudo.

Visita virtual ou realVisita virtual ou realVisita virtual ou realVisita virtual ou realVisita virtual ou real

Além das ferramentas de interatividade eletrônica, aCâmara mantém um Serviço de Visitação ao Palácio do Con-gresso Nacional, que serve como forma de aproximação dainstituição com o público de outros Estados e do exterior quevisita Brasília. O serviço começou em 1996 e, em 1998, houveuma adaptação para atender a grande demanda de interessados.As visitas monitoradas ocorrem todos os dias da semana,inclusive sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17 horas.É possível realizar um agendamento no Serviço de Recepção eTurismo da Coordenação de Relações Públicas, especialmenteno caso de grupos, opção bastante usada pelas escolas doDistrito Federal1. Em 2006, a Câmara iniciou, pela internet, umavisita virtual que permite conhecer os espaços físicos maisusados pelos parlamentares e procurados pelos visitantes. Apósalguns cliques de mouse, o visitante pode conhecer um pouco daarquitetura brasileira, com destaque para as construções deOscar Niemeyer, e das obras de arte doadas à Câmara.

Para as crianças e o público em idade escolar, além depais e professores, o portal Plenarinho é o principal canal deinteração com a Câmara dos Deputados. A linguagem acessí-vel, o conteúdo ilustrado e colorido e os sete personagens quefazem parte da Turma do Plenarinho – Vital, Cida, Edu Coruja,

1 Em 2007, o númerode visitantes que es-teve no CongressoNacional foi de151.468 pessoas.Nessa estatística, nãoestão contabilizadasas pessoas que fre-quentam a Casa du-rante o expedientenormal para acompa-nhar as sessões ou avotação de projetos,especialmente na re-alização das audiên-cias públicas realiza-das pelas comissõespermanentes. Maisde 200 mil pessoasvisitaram a Câmaraentre 2003 e 2004 e,em 2005, o númeroultrapassou os 145 mil.

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Adão, Xereta, Légis e Zé Plenarinho – levam ao público-alvonoções de cidadania, direitos sociais e políticos, além desubsídios para pesquisas escolares.

O Plenarinho oferece boa navegabilidade e várias ferra-mentas interativas. Acompanhando os acontecimentos do País,entre setembro e outubro de 2006, o site promoveu uma eleiçãoentre seus personagens, candidatos à Presidência da Repúblicadas Crianças Felizes – República do Plenarinho. Depois deavaliar as propostas de cada candidato, os internautas escolhe-ram seu preferido em uma urna eletrônica virtual idêntica à doTribunal Superior Eleitoral (TSE). Em dois turnos de votação,foram contabilizados 104.380 votos e Edu Coruja foi eleitopresidente. Durante as eleições virtuais, o Plenarinho recebeu,em média, 2.100 visitas por dia, representando um crescimentode 241% em relação à média diária de visitas registrada noperíodo de janeiro a setembro (615 visitas/dia).

Entre os mecanismos de interatividade do Plenarinhoestá o Fale Conosco, que recebe uma média de 1.500 e-mailspor mês, acerca dos seguintes assuntos: solicitação de publica-ção de material do portal em veículos infantis (livros didáticos,revistas, etc.), dúvidas das crianças, solicitações de participa-ção, envio de textos para publicação, pedidos de informaçãosobre o processo legislativo e a Câmara dos Deputados, alémde elogios e sugestões.

O Bate-Papo (ou Pinga-Foguinho) é uma ferramentaque coloca público e deputados em comunicação virtualinstantânea. São realizados, em média, seis bate-papos por anocom deputados ou especialistas que debatem algum tema deinteresse da criançada. A ferramenta Seja Xereta é um espaçopara publicação de reportagens escritas pelas crianças. OPlenarinho convida os internautas a redigir suas própriasreportagens sobre temas que estão em destaque no site. Paraisso, ensina como deve ser um texto jornalístico. No caso, arepórter da turma, a Xereta, dá as dicas de redação. O siterecebe em média 20 textos por mês.

Há também um espaço para publicação de projetos delei das crianças: Se Eu Fosse Deputado. O site explica como

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redigir um projeto de lei, fornece exemplos e um formuláriopara a criança redigir o seu projeto. Dos projetos de leienviados durante o ano, uma comissão de consultores daCâmara seleciona três para serem apreciados durante o Câma-ra Mirim, a sessão infantil que acontece sempre em outubro.Em 2007, foram avaliados 210 projetos.

O Deputado do Futuro é uma entrevista on-line com ascrianças. O site utiliza um questionário padrão para entrevistaras crianças que têm propostas para o futuro do Brasil egostariam de ser deputados. Já o Mural de Recados é umespaço livre para troca de mensagens entre os sócios doClubinho. O mural fica publicado em uma das páginas do sitee mostra os recados trocados entre as crianças.

Além de usar esses instrumentos, as crianças podemparticipar das seções Continue a História, em que um autorinfantil escreve o início de uma história e as crianças inventame enviam os finais; e Dicas da Criançada, em que as criançasenviam uma dica de leitura para o site publicar. As enquetessemanais e o envio de desenhos completam as possibilidadesde interação para o público infantil.

Veículos jornalísticosVeículos jornalísticosVeículos jornalísticosVeículos jornalísticosVeículos jornalísticos

A Câmara mantém ainda, sob supervisão da Secom,quatro veículos jornalísticos: Agência Câmara de Notícias,Jornal da Câmara, Rádio Câmara e TV Câmara. Obviamente,a maior possibilidade interativa está disponível nos veículoseletrônicos, especialmente na Agência, que usa o ambientedigital para a divulgação de informações.

Entre os principais instrumentos da Agência parapossibilitar a participação do público está o bate-papo (chat).Geralmente, são escolhidos relatores de projetos polêmicos.O objetivo é que o leitor possa apresentar sugestões aorelatório e, assim, participar efetivamente do processolegislativo. Alguns deputados chegaram até a alterar o rela-tório com base nas sugestões apresentadas no bate-papo como público. O serviço é realizado desde 2005 e recebe, emmédia, 70 participantes por bate-papo. A Agência torna

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

disponíveis ainda as ferramentas Comente essa Notícia, pelaqual o leitor manda um e-mail diretamente para o autor oupara o relator dos projetos, sem intermediação de funcioná-rios ou jornalistas; e as enquetes – quinzenais –, geralmentesobre projetos em tramitação.

A Rádio Câmara tem como principal ferramentainterativa o programa O Ouvinte Quer Saber. A produção éfeita com base nas ligações dos ouvintes que questionamassuntos relacionados ao Legislativo ou que estejam na pautade debates e de votações. O programa existe desde 1998, masfoi suspenso em janeiro de 2007. A proposta de retomada daprodução inclui o aproveitamento de perguntas coletadasdurante a visitação presencial da Câmara.

Por sua vez, a TV Câmara tem uma série de programasem que a participação dos telespectadores é solicitada. Oprograma Participação Popular é uma produção semanal emque pessoas da sociedade vão à Câmara e debatem projetos derelevância para o cidadão com dois deputados. Outra produçãosemanal é o Expressão Nacional, em que o cidadão participaao vivo e pode enviar perguntas por e-mail ou pelo telefonegratuito da Câmara. A emissora mantém ainda o CâmaraLigada, programa de auditório mensal para os jovens, no qualos deputados discutem problemas relacionados à juventudebrasileira. A presença dos jovens no auditório garantedescontração na produção e possibilita a participação de umsegmento que utiliza pouco os demais canais interativos dainstituição, conforme já visto.2

O veículo menos interativo da Câmara é o jornalimpresso. Os únicos mecanismos de interatividade são oe-mail do jornal e o número de telefone da redação, publicadono expediente. No entanto, não há um profissional na redaçãoresponsável pela leitura e pela resposta das mensagens nem peloatendimento dos telefonemas. O endereço eletrônico quasenunca é acessado. Dessa forma, ficam sem resposta as cerca de300 mensagens, em média, que chegam por dia à redação. Já asligações são atendidas coletivamente pela equipe de jornalistas,sem que haja um setor específico para isso.

2 Todos os progra-mas da TV Câmaratêm e-mail para o ci-dadão entrar emcontato e fazer su-gestões e participar.O número gratuitoda Câmara tambémé divulgado em to-dos os programas.Além disso, a emis-sora tem um ende-reço eletrônico e umFale conosco espe-cífico, que tambémpode ser usado pelotelespectador.

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Acreditamos que a separação – que até abril de 2008 selimitava ao organograma e ao espaço físico, mas agora dizrespeito a dois setores diferentes da Câmara – entre as ativida-des de relações públicas e as de jornalismo seja um complicadorpara a atuação dos profissionais da comunicação, tanto daSecom quanto da Coordenação de Relações Públicas. Aseparação, motivada mais por razões políticas e burocráticasdo que por justificativas técnicas, inviabiliza que os serviçosde comunicação da Câmara sejam realizados como via decomunicação de mão dupla. De um lado, temos as ferramentasde interatividade; de outro, os veículos de informaçãojornalística. Para o público, contudo, o grande interesse é aparticipação a partir da e para a obtenção de informações úteispara ação política. Não há sentido, portanto, na separaçãoformal dos dois setores.

Participação políticaParticipação políticaParticipação políticaParticipação políticaParticipação política

A Câmara mantém alguns canais de interatividade forado setor de comunicação e alguns outros órgãos específicos,encarregados do contato com a sociedade. É o caso da OuvidoriaParlamentar, que recebe as críticas e os elogios da sociedadeà Câmara por meio do 0800 e por e-mail. A Ouvidoria é a áreapolítica da Casa que envolve oficialmente o atendimentodireto ao cidadão. Um deputado é responsável pelo setor, aocontrário dos outros serviços de interatividade e atendimentoao cidadão, deixados a cargo dos funcionários da instituição.

Em 2001, quando foi criada, a Ouvidoria recebeu 1.400consultas, número que já ultrapassou 7,7 mil entre fevereiro eoutubro de 2007. Os temas mais abordados são as solicitaçõespara agilização no trâmite de matérias que estão prontas paraa pauta do Plenário ou das comissões; orientações sobre comoconsultar presenças e votações de parlamentares; além decríticas relacionadas a denúncias de corrupção envolvendoparlamentares. Desde a criação do novo sistema de atendimen-to (SIS Ouvidor), em 5 de setembro de 2007, a média demensagens quase quadriplicou, alcançando entre agosto eoutubro daquele ano 4.235 mensagens, contra 1.134 no segun-do trimestre e 1.138 no primeiro.

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

O então ouvidor-geral da Câmara, deputado CarlosSampaio (PSDB-SP), atribui o aumento da demanda àsreformulações implementadas na Ouvidoria desde o início de2007, em especial à informatização do serviço. Desde setem-bro de 2007, o setor passou a usar o software livre SIS Ouvidor,desenvolvido pelo Centro de Informática da Câmara (Cenin)em parceria com a Universidade de Campinas (Unicamp).Oito funcionários treinados trabalham na triagem, pesquisa eresposta das mensagens enviadas, que são monitoradas peloouvidor.3

Segundo levantamento da Ouvidoria, dez assembleiaslegislativas e seis câmaras municipais das capitais já dispõemde ouvidoria. Estão sendo criadas outras três ouvidorias emcâmaras municipais de capitais e quatro em assembleiasestaduais. Um dos objetivos da Ouvidoria da Câmara é acriação de uma rede que interligue as ouvidorias parlamenta-res de todas as unidades da Federação.

Outro órgão que reflete o caráter interativo da Câmaraé a Comissão de Legislação Participativa4. Na página daCâmara, o link Participação Popular estimula o público asugerir projetos de lei à comissão. São apresentadas as regraspara o encaminhamento de projetos de iniciativa popular efornecidos os modelos de formulários de encaminhamento desugestões e dos diversos tipos de proposições (projetos de leiordinária ou complementar, requerimento de audiência públi-ca, etc.).

Além disso, a Câmara tem uma página especial nainternet, criada em novembro de 2006, que trata especifica-mente do orçamento do País. A página Orçamento Brasilfacilita o acompanhamento da elaboração, tramitação e execu-ção orçamentária por todos os interessados, sejam especialis-tas ou leigos. Os bancos de dados já existentes foram integra-dos, possibilitando o cruzamento de informações e a constru-ção de consultas e relatórios com várias opções de detalhamento.As informações provêm do novo sistema do Fiscalize,construído a partir de dados do Sistema Integrado de Adminis-tração Financeira do Governo Federal (Siafi).

3 Para encaminharreclamações ou dú-vidas para a Câma-ra, o cidadão podeligar para o telefonegratuito da instituiçãoou fazer sua solicita-ção na página eletrô-nica da Câmara, noícone Ouvidoria. Pordeterminação doouvidor-geral, todasas mensagens sãorespondidas e o pra-zo máximo das res-postas é de 30 dias.As mensagens re-petidas são registra-das e o usuário é infor-mado sobre o registroO usuário precisa seidentificar para enca-minhar uma denúncia,mas a Ouvidoria ga-rante sigilo de todosos dados.4 Desde 2001, quan-do foi criada a comis-são, foram apresen-tadas 603 proposi-ções de iniciativa po-pular, sendo que 199foram acolhidas pelacomissão e passa-ram a tramitar pelaCâmara. Só em2007, o orçamentofederal destinou R$18,6 milhões de re-cursos provenientesde emendas suge-ridas por organiza-ções civis na Comis-são de LegislaçãoParticipativa.

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Comentários finaisComentários finaisComentários finaisComentários finaisComentários finais

As ferramentas de interatividade da Câmara, mais queinstrumentos do avanço tecnológico ou da modernidade digi-tal, são exemplos concretos de uma tentativa de aproximaçãodo Parlamento com a sociedade. Ainda que este artigo tenhadestacado suas limitações técnicas e burocráticas, especial-mente nas atividades jornalísticas da instituição, é inegável opoder simbólico que tais ferramentas detêm.

A decisão política de implementação de rotinas emeios eletrônicos ou digitais para interatividade e o investi-mento em tecnologia, capacitação de recursos humanos eadaptação dos processos legislativos às ferramentas refletema necessidade de transparência do Parlamento. Não apenasisso, mostram a aposta dos gestores políticos e técnicos dainstituição na interatividade como um valor a ser perseguidoe alcançado. Se ainda existem percalços a superar, já é umalento saber que tais instrumentos estão à disposição dopúblico, ainda que subutilizados – tanto pela instituiçãocomo pelos cidadãos.

Do ponto de vista sociopolítico, perspectiva adotadapara a análise aqui proposta, cabe discutir a redefiniçãodesses mecanismos para aperfeiçoar a efetividade das ferra-mentas de interatividade dos veículos de comunicação daCâmara dos Deputados com a sociedade. Assim, seria possí-vel reforçar o pressuposto de Habermas, no que se refere asuas formulações sobre a ação comunicativa. A interatividadeseria intensificada e poderia haver consequências políticasefetivas, decorrentes da participação do público. Nesse pro-cesso de redefinição, seria cabível maior articulação entre osmecanismos usados pelos veículos analisados. Como sãodiversificadas as ferramentas, essa articulação poderia evitarque a interatividade ocorresse como se os veículos fossem“ilhas”.

Consideramos ainda a pertinência e a relevância daadoção de mecanismos portadores de maior eficácia nainteração com o cidadão, uma vez que o Parlamento é umórgão de representação da sociedade. Dessa forma, talvez

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

seja necessário definir com mais ênfase e precisão umapolítica de atendimento ao cidadão, voltada especificamentepara os veículos de comunicação do Poder Legislativo, naqual sejam privilegiadas as medidas efetivas para a captação,o registro e o atendimento das demandas dos diversos seg-mentos da sociedade. Além de ferramentas convencionais deinteratividade e participação, o sistema de mídias legislativasnecessita de instâncias técnicas para administrar o relaciona-mento com seus públicos, tais como ouvidoria, ombusdmane serviços de atendimento ao leitor, ouvinte, telespectador,internauta e afins.

Caberia ainda destacar a necessidade de definir-seformalmente uma deontologia específica para o uso dessesmecanismos pelos sistemas legislativos de informação, a fimde estabelecer com maior clareza a missão institucional dasmídias legislativas e auxiliá-las no cumprimento adequado deseu papel como mediadoras entre o Parlamento e a sociedade.Essa deontologia poderia evitar que tais serviços fossem,eventual ou sistematicamente, usados como instrumentos po-líticos, à mercê dos interesses dos parlamentares responsáveispela gestão política dessas mídias.

Também seria necessária a colaboração e participaçãode representantes dos usuários para organizar e norteareticamente a gestão dos dispositivos de interatividade. As-sim, a concepção de liberdade de expressão seria ampliada eassociada à ideia de participação democrática e exercício deatitudes e posturas de cidadania. É oportuno enfatizar que aparticipação da sociedade e dos usuários contribuiria paraevitar que as mídias legislativas fossem identificadas apenascomo meros instrumentos de conexão eleitoral e captura devotos, amplificadores da visibilidade parlamentar ou inte-grantes de um sistema de gestão da reputação institucionale da imagem pública dos parlamentares, das comissões e dopróprio Poder Legislativo. Em suma, todas essas ideiasajudariam a fortalecer e legitimar a comunicação produzi-da pelo Poder Legislativo e os canais de participaçãosocial vinculados aos meios de informação mantidos peloParlamento.

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O CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOSO CASO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

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WEBER, Max. Fundamentos da Sociologia. 2ª ed. Porto: Res,1983.

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Resumo: O objetivo básico deste trabalho é identificar asprincipais causas que, dos pontos de vista institucional,normativo, teórico e metodológico, afetam a qualidade dasleis em Cuba. Para conseguir isso, faz-se uma descrição geraldo regime político estabelecido na Constituição de 1976 eutilizam-se os instrumentos analíticos desenvolvidos pelateoria e técnica da legislação nos últimos 30 anos e seusantecedentes nos séculos XVIII e XIX. Das conclusõesobtidas deriva um conjunto de recomendações que poderiamcontribuir para aprimorar a qualidade das leis em Cuba, bemcomo um estudo de caso interessante para o tema da teoriada legislação.

Palavras-chave: Regime político cubano, sistema eleitoral,qualidade das leis, processo legislativo.

Abstract: The basic objective of this study is to identify themain causes that, through the institutional, normative,theoretical and methodological point of view, affect thequality of law in Cuba. To achieve this one makes a general

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 85-121, jul./dez. 2009

* Este trabalho cons-titui um resumo docapítulo III da tese dedoutoramento “Oprocesso legislativointerno em Cuba. Ummodelo para suaanálise”.Tradução do origi-nal em espanhol:Paulo Roberto Ma-galhães

** Doutor emCiências Jurídicas eprofessor de Teo-ria do Estado, Teo-r ia do Direi to eFilosofia do Direitona Universidad de

Oriente (Santiagode Cuba)

REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBA*LEIS EM CUBA*LEIS EM CUBA*LEIS EM CUBA*LEIS EM CUBA*

YOEL CARRILLO GARCÍA**YOEL CARRILLO GARCÍA**YOEL CARRILLO GARCÍA**YOEL CARRILLO GARCÍA**YOEL CARRILLO GARCÍA**

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description of the political system established in theConstitution of 1976 and use the analytical tools developedby the theory and technique of legislation in the last thirtyyears and their antecedents in the eighteenth and nineteenthcenturies. From the conclusions obtained derives a set ofrecommendations that could help improve the quality of lawin Cuba, as well as an interesting case study for the themeof the theory of law.

Keywords: Cuban political system, electoral system, qualityof laws, legislative process.

I – O regime político cubanoI – O regime político cubanoI – O regime político cubanoI – O regime político cubanoI – O regime político cubano

Na menor das suas acepções, a expressão regimepolítico tem, no âmbito dos saberes que se dedicam à ciênciapolítica, um significado associado à análise de um conjunto devariáveis que se supõe devam estar presentes em uma orga-nização política determinada. Essas variáveis fazem referên-cia a elementos estruturais e funcionais que permitem identi-ficar, de um ponto de vista estático, os componentes doregime político e o lugar que cada um deles ocupa na suaestrutura geral; e, de um ponto de vista dinâmico, as funçõesque cada um deles realiza na sua estrutura e as interrelaçõesque se dão entre ambos.

Essa análise pode ser feita a partir de duas perspectivasmetodológicas diferentes. De uma perspectiva jurídico-for-mal, pode-se estudar o regime político por meio da regulaçãojurídica das instituições de direito público, nas quais seestabelecem os diferentes órgãos que o integram, as formasem que cada um deles se constitui, as funções que lhescompete realizar e as interrelações que devem se dar entre eles.De uma perspectiva sociológica, o regime político pode serestudado comparando o que dizem as normas de direitopúblico com o que de fato sucede na realidade política, paradeterminar até que ponto o que juridicamente deve ser estárepresentado no que de fato sucede na prática social.1

1 Para uma análiseda categoria de re-

gime político, vejaG O N Z Á L E ZHERNÁNDEZ, JuanCarlos. Regímenes

políticos in Diccio-nario Electoral ,IIDH-CAPEL, CostaRica, 1989, p. 566-575.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

Na primeira parte deste estudo, adota-se basicamente aperspectiva jurídico-formal para explicar como o regime políti-co cubano se integra do ponto de vista estático e qual é a suadinâmica de funcionamento. Recorre-se também à explicitaçãode elementos ideológicos ou sociológicos, à medida que permi-tam uma melhor compreensão da regulação jurídica vigente. Aexposição será dividida em quatro variáveis.

Características formais da integração eCaracterísticas formais da integração eCaracterísticas formais da integração eCaracterísticas formais da integração eCaracterísticas formais da integração efuncionamento dos órgãos do Estadofuncionamento dos órgãos do Estadofuncionamento dos órgãos do Estadofuncionamento dos órgãos do Estadofuncionamento dos órgãos do Estado

O atual regime político, tal como está configurado naConstituição da República de 1976, é produto do processorevolucionário iniciado na sociedade cubana a partir de 1º dejaneiro de 1959. Para compreender os principais fundamentospolíticos, teóricos e ideológicos que o sustentam, é necessáriofazer uma breve resenha histórica.2 Quando, no dia 3 dejaneiro de 1959, constituiu-se o primeiro Conselho de Minis-tros do Governo Revolucionário, na Biblioteca da Universidadde Oriente, organizou-se uma forma de governo que deveriase adaptar às urgências dos primeiros anos da Revolução. OPoder Executivo era exercido pelo presidente da República eassistido pelo Conselho de Ministros,3 enquanto o PoderJudiciário cabia ao Tribunal Supremo.

Naquela reunião, o presidente do Governo Provisóriodeclarou destituídas de seus cargos as pessoas que ocupavam aPresidência da República e as funções legislativas; declaroudissolvido o Congresso da República, cujas funções seriamassumidas pelo Conselho de Ministros, e, ainda, destituídos osgovernadores, prefeitos e vereadores municipais, que constituíama autoridade política nas suas respectivas jurisdições territoriais.

Assim, com sucessivas trocas, ampliações e reorgani-zações internas, o presidente da República e o Conselho deMinistros exerceram o poder político até 1976, ano em que,depois de entrar em vigência a Constituição da República,foram constituídos os órgãos do Poder Popular. Para organizá-los, realizou-se na província de Matanzas um experimentolegislativo de grande alcance, no qual foram postos à prova os

2 Para um estudoexaustivo desseprocesso no seuprimeiro ano, vejaBUCH RODRIGUEZ,Luís María. Gobier-

no Revolucionário.Génesis e prime-

ros pasos, Editorialde Ciencias Socia-les, La Habana,1997; e BUCHRODRÍGUEZ, LuísMaría e SUÁREZSUÁREZ, ReinaldoOtros pasos delGobierno Revo-

lucionario. Editorialde Ciencias Socia-les, La Habana, 2002.

3 Em fevereiro de1959 o comandanteFidel Castro Ruz foinomeado para ocu-par o cargo de pri-meiro-ministro doGoverno Revolucio-nário. Até esse mo-mento Fidel Castronão havia ocupadonenhum cargo nogoverno.

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elementos essenciais que deviam constituir o regime políticoa ser adotado no país.4 Para a redação do anteprojeto deConstituição, que deveria recolher os resultados daqueleexperimento e os princípios de organização e funcionamentodo regime político, fora constituída, em 1974, por acordo doConselho de Ministros e do Birô Político do Partido Comunistade Cuba, uma comissão integrada por membros de ambas asinstituições, com o objetivo de redigir a primeira minuta dafutura Constituição da República.

São esses, em síntese, os antecedentes do atual regimepolítico cubano, aos quais há que se acrescentar algunsfundamentos teóricos e ideológicos, tomados, tanto em suaexpressão constitucional como na prática política, da históriapolítica e constitucional cubana e do marxismo-leninismo deorigem soviética.5

A Constituição resultante, que entrou em vigor em 24de fevereiro de 1976, foi modificada em três ocasiões: 1978,1992 e 2002. A reforma de 1992 teve um alcance significativoquanto à estrutura e ao funcionamento do regime político e aosseus fundamentos ideológicos.

No tocante à organização estatal, a Constituição esta-belece que a Assembleia Nacional do Poder Popular (doravanteAssembleia Nacional) é o órgão máximo do poder do Estadoe representa e expressa a vontade popular. É integrada pordeputados eleitos para um período de cinco anos pelo votolivre, direto e secreto dos cidadãos em pleno gozo de seusdireitos políticos; é o único órgão com poder constituinte elegislativo;6 reúne-se em sessões ordinárias duas vezes ao anoe, em sessões extraordinárias, quando for convocada peloConselho de Estado ou por acordo da terça parte dos deputa-dos; é uma assembleia unicameral, que, para realizar seutrabalho, é auxiliada por comissões especializadas em diferen-tes esferas das relações sociais, de caráter permanente outemporário;7 não está dividida em grupos parlamentares regio-nais ou de qualquer outra natureza; seus membros sãorepresentantes do povo em seu conjunto, e não da circunscri-ção pela qual foram eleitos ou das organizações às quais

4 Para um amplo con-junto de documentosrelacionados a esseprocesso, veja Órga-

nos del Poder Popular.Documentos rectores

para la experiencia de

Matanzas. EditorialOrbe, La Habana, 1974.5 Desse último o regi-me político cubanotomou as concep-ções de democraciasocialista e de uni-dade de poder. Aprimeira concepçãoserve de fundamen-to para o sistema elei-toral, do qual se fala-rá mais adiante. Asegunda fundamen-ta a ideia de que nãoexistem no regimepolítico vários “po-deres” Legislativo,Executivo e Judiciá-rio), porém um sópoder, o poder dopovo, que é exerci-do por diferentesórgãos do Estado.Na prática, a doutri-na da unidade depoder levou a que,em determinadasocasiões, uma mes-ma pessoa ocupas-se simultaneamentecargos no Conselhode Estado, no Con-selho de Ministros,no Partido, nas or-ganizações sociaise de massas e naAssembleia Geral.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

pertença; entre os seus deputados, a Assembleia Nacionalelege seu presidente, vice-presidente e secretário.8

Entre um e outro período de sessões a AssembleiaNacional é representada pelo Conselho de Estado, que executaos acordos da Assembleia e cumpre as demais funções que lheatribui a Constituição. Trata-se de um órgão colegiado, que,para fins nacionais e internacionais, ostenta a representaçãodo Estado. Os seus membros são eleitos pela AssembleiaNacional entre os seus deputados. O presidente do Conselhode Estado é também presidente do Conselho de Ministros echefe de Estado e de Governo.9

A função executiva do governo é realizada pelo Conse-lho de Ministros, que, além de órgão máximo executivo eadministrativo, constitui o Governo da República. Os mem-bros do Conselho são eleitos pela Assembleia Nacional porproposta do seu Presidente e é integrado por um presidente,primeiro-vice-presidente (que é também primeiro-vice-presi-dente do Conselho de Estado), pelos vice-presidentes, minis-tros, secretário e pelos demais membros que determine a lei.

A função judiciária é realizada pelo Tribunal SupremoPopular, cujo presidente, vice-presidente e demais juízes sãoeleitos pela Assembleia Nacional. Os tribunais que o integramconstituem um sistema de órgãos estatais, estruturado comindependência funcional de qualquer outro tribunal e subordi-nado hierarquicamente à Assembleia Nacional e ao Conselhode Estado. A função básica do TSP consiste em ministrar ajustiça em nome do povo.

Outro órgão que integra o regime político cubano é o deFiscalização Geral da República, cujo titular, bem como os vice-fiscais-gerais, são eleitos pela Assembleia Nacional. A esse órgãocompete, como objetivos fundamentais, o controle e a preserva-ção da legalidade, com base na observância do estrito cumpri-mento da Constituição, das leis e demais disposições legais pelosórgãos do Estado, entidades econômicas e sociais e peloscidadãos; e a promoção e o exercício da ação penal públicarepresentando o Estado. Finalmente, para dirigir o país nas

De fato, a Constitui-ção não estabeleceincompatibilidadespara o exercício dediferentes cargos noregime político. Esse“desempenho simul-tâneo de funções” éum dos “núcleosduros” do regimepolítico identificadospor Hugo Azcuy. Cf.Cuba: ReformaConstitucional ou

Nova Constituição?

em Cuadernos deNuestra America,vol. XI, nº. 22, 1994,p. 42-43.6 Não se trata de sero único órgão comfunção legislativa,pois há outros quetambém a têm, masde que é o único quereúne de uma só vezfunções constituin-tes e legislativas.7 Para a atuallegislatura foramconstituídas as se-guintes comissõespermanentes: deAssuntos Constitu-cionais e Jurídicos;de Relações Interna-cionais; de ÓrgãosLocais do Poder Po-pular; Agroalimen-tar; de Atenção aosServiços; de Assun-tos Econômicos; deSaúde e Esporte; deEducação, Cultura,Ciência e Tecnolo-gia; de Atenção à Ju-ventude, à Infância eà Igualdade de Direi-

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condições de estado de guerra, mobilização geral e estado deemergência, foi criado em tempos de paz o Conselho de DefesaNacional, cujo titular é o presidente do Conselho de Estado.

Por ser Cuba um Estado unitário, cada um dessesórgãos tem sua representação nas diferentes jurisdiçõesterritoriais em que está dividido o país.

Sistema eleitoralSistema eleitoralSistema eleitoralSistema eleitoralSistema eleitoral

Em que pese o que habitualmente se acredita noexterior, desde 1976 realizam-se em Cuba eleições para algunsórgãos que integram o regime político. O atual sistemaeleitoral, cujos princípios estão estabelecidos na Constituiçãoe na Lei 72, de 1992 (Lei Eleitoral), tem seus antecedentes naseleições que se realizaram na província de Matanzas, em 1974.Por meio dessa lei, se estabeleceram os princípios básicos dosistema, segundo o qual deveriam se realizar experimental-mente as eleições naquela província, tratando-se do primeiroprocesso eleitoral realizado em Cuba depois de 1959. Emboraa Lei Fundamental, de 7 de fevereiro daquele ano, tivesseprevisto a elaboração de um Código Eleitoral e a constituiçãode um Tribunal Superior Eleitoral, nenhuma das duas previ-sões constitucionais foi executada.10

A Lei Eleitoral vigente estabelece dois tipos de eleições:

a) eleições gerais, realizadas a cada cinco anos, pormeio das quais são renovados todos os órgãos representativos(Assembleia Nacional, Conselho de Estado e assembleiasprovinciais e municipais do Poder Popular); e

b) eleições parciais, realizadas a cada dois anos e meio,por meio das quais se elegem os delegados às assembleiasmunicipais do Poder Popular.

Desenvolvimento do processo eleitoralDesenvolvimento do processo eleitoralDesenvolvimento do processo eleitoralDesenvolvimento do processo eleitoralDesenvolvimento do processo eleitoral

Com o objetivo de organizar, dirigir e validar osprocessos eleitorais, são criadas comissões eleitorais, deâmbitos nacional, provincial, municipal e distrital. Além delas,

tos da Mulher; de De-fesa Nacional; deEnergia e Meio Ambi-ente e de Atenção àIndústria e às Cons-truções.8 Desde 1992 até aatualidade tem sidoeleito sucessivamen-te, como presidente,Ricardo Alarcón deQuesada e, comovice-presidente, des-de 1976 até o pre-sente, Jaime AlbertoCrombet Hernández-Baquero.9 Para o cargo depresidente dos Con-selhos de Estado ede Ministros foi elei-to sucessivamente,nas eleições geraisrealizadas de 1976a 2003, o coman-dante-chefe FidelCastro Ruz. Em ju-lho de 2006 foi subs-tituído, em razão deuma enfermidade,pelo primeiro vice-presidente, generalde Exército RaúlCastro Ruz. Para aseleições de janeirode 2008 Fidel Cas-tro declarou “quenão aspirarei nemaceitarei – repito –não aspirarei nemaceitarei o cargo depresidente do Con-selho de Estado ecomandante-che-fe”; nessas eleiçõesfoi eleito o generalde Exército Raúl

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

são criadas comissões eleitorais de circunscrição e, quandonecessárias, comissões eleitorais especiais. Trata-se de co-missões criadas ad hoc para cada processo eleitoral.

Outra autoridade que intervém no processo eleitoralsão as comissões de candidaturas, de âmbitos nacional,provincial e municipal, cuja função consiste em elaborar osprojetos de candidaturas de delegados às assembleias provin-ciais e de deputados à Assembleia Nacional, bem comopreencher os cargos que elegem cada uma delas.11

As eleições são convocadas pelo Conselho de Estado ecomeçam com a eleição dos delegados de circunscrição, queintegram as assembleias municipais. O processo deve trans-correr, legalmente, da seguinte forma:

1 – os cidadãos residentes nas diferentes circunscri-ções eleitorais criadas para essa finalidade se reúnem epropõem diretamente os candidatos,12

2 – no dia das eleições, os cidadãos com direito a votoelegem o candidato de sua preferência mediante o voto livre,direto e secreto. O candidato que obtiver maioria simples éeleito e passa a integrar a Assembleia de seu município. Dentreos delegados, elege-se um presidente e um vice-presidente apartir de uma lista previamente elaborada pela Comissão deCandidaturas Municipal, na qual aparece um candidato paracada cargo a ser preenchido;

3 – depois de constituídas as assembleias municipaisrealiza-se uma sessão, com o objetivo de eleger os delegadosàs assembleias provinciais. Os pré-candidatos são propostospela Comissão de Candidaturas Municipal, e a lista é remetidapara a Comissão de Candidaturas Provincial. Esta remetenovamente às Comissões de Candidaturas dos municípios queintegram a província a lista dos pré-candidatos a delegado àAssembleia Provincial;

4 – compete também à Comissão de CandidaturasMunicipal remeter à Comissão de Candidaturas Nacional aproposta de pré-candidatos a deputados à Assembleia Nacio-

Castro Ruz. A men-sagem de Fidel Cas-tro está disponívelna Internet: http///www.granma.cuba-web.cu/2008/02/1 9 / n a c i o n a l /artic03.html.10 Segundo CarlosRafael Rodríguez, umdirigente dessa épo-ca, “o desejo de insti-tucionalizar a Revo-lução surgiu em seusdirigentes desde osprimeiros dias. Deverecordar-se que dosbalcões do PalácioPresidencial, logoapós iniciado o pro-cesso de construçãorevolucionária, FidelCastro falou de elei-ções e, para surpre-sa de todos os res-ponsáveis por estaRevolução, um gritounânime surgiu da-quela multidão: ‘Não,não, não!’. Era evi-dente que ao povointeressava mais aRevolução que tinhaem vista, do que avelha aparência deinstitucionalidadedemocrática-repre-sentativa, mentira daqual havia vivido, epadecido, durantemais de meio século(…). Desde então, adireção da Revolu-ção cubana dedicou-se à busca daquelasformas de governoque fossem maisadequadas às ca-

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nal selecionados entre os delegados à Assembleia Municipalcorrespondente;13

5 – depois de ajustadas, cada uma das listas de pré-candidatos a delegados à Assembleia Provincial e deputadosà Assembleia Nacional é submetida à aprovação das assembleiasmunicipais, as quais podem recusar algum dos pré-candida-tos, expondo em cada caso as razões para isso. A exclusão dopré-candidato que for recusado deve ser aprovada pelamaioria dos delegados presentes. Depois disso o presidente daComissão de Candidaturas Municipal faz uma nova proposta;

6 – cumprido o trâmite anterior, o presidente daComissão de Candidaturas Municipal submete as propostas,individualmente, à votação dos delegados à Assembleia Muni-cipal. Se algum deles não obtém os votos necessários, aComissão de Candidaturas Municipal faz uma nova proposta,que é submetida ao mesmo procedimento. Os pré-candidatosaprovados são agora candidatos;

7 – completadas a lista de candidatos a delegados àAssembleia Provincial e a de deputados à Assembleia Nacio-nal, o Conselho de Estado convoca as eleições, que se realizamnum mesmo dia em todo o país;

8 – depois de eleitos os delegados às assembleiasprovinciais e os deputados à Assembleia Nacional, procede-seà sua constituição. Na sessão constitutiva da AssembleiaProvincial são eleitos, entre os delegados, o seu presidente evice-presidente;

9 – na sessão constitutiva da Assembleia Nacional sãoeleitos o presidente, vice-presidente e secretário, a partir dacandidatura elaborada pela Comissão Nacional de Candidatu-ras. Para cada cargo a preencher, propõe-se um candidato,que deve obter mais de 50% dos votos válidos emitidos;

10 – na mesma sessão também se elegem, a partir deproposta da Comissão de Candidaturas Nacional, os membrosdo Conselho de Estado;

racterísticas de nos-so processo revolu-cionário”. Cf.RODRÍGUEZ, CarlosRafael. Entrevista a

Teresa Gurza emLetra com filo, Edito-rial de CienciasSociales, La Habana,1983, tomo II, p. 195;no mesmo sentido,FERNÁNDEZ-RUBIOLEGRÁ, Ángel. Elprocesso de institu-

cionalización de la

Revolución Cubana.Editorial de CienciasSociales, La Habana,1985, p. 36-39.11 As comissões decandidaturas são in-tegradas por repre-sentantes da Cen-tral de Trabalhado-res de Cuba, dosComitês de Defesada Revolução, daFederação de Mu-lheres Cubanas, daAssociação Nacio-nal de AgricultoresPequenos, da Fede-ração Estudantil Uni-versitária e da Fede-ração de Estudan-tes do Ensino Médio.12 Os requisitos paraexercer o direito devoto são os costu-meiros em qualquerpaís: idade mínimade 16 anos, tempode residência, ple-no gozo dos direitospolíticos e ausênciade incapacidademental declaradajudicialmente. No

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11 – um dos princípios que regem o sistema eleitoralconsiste na possibilidade de que os eleitos para ocupar quaisquerdos cargos mencionados possam ter sua investidura revogadapor quem o elegeu, o que confere aos eleitores um mecanismode controle permanente sobre seus representantes;14

12 – como “escalão intermediário” entre as assembleiasmunicipais e os eleitores encontram-se os conselhos popula-res, incorporados à Constituição na reforma de 1992.

Para completar o resumo do processo eleitoral ecompreender a lógica de seu funcionamento, devem-se con-siderar quatro elementos fundamentais:

1 – o primeiro deles está relacionado à ausência departidos políticos ou qualquer outro tipo de organizaçãopolítica que apresente candidatos e faça propaganda em favordeles. A escolha dos candidatos compete aos cidadãos, nocaso dos delegados às assembleias municipais, ou às comis-sões de candidaturas. As organizações que participam doprocesso, que não são políticas, mas “sociais e de massas”,o fazem por meio de seus representantes, que integram ascomissões de candidaturas. Em consequência, as eleições nãosão competitivas (para cada cargo a eleger propõe-se umcandidato para preenchê-lo), salvo na eleição dos delegados àsassembleias municipais, nas quais para um cargo deve-seapresentar um mínimo de dois candidatos;

2 – associado a essa característica está o fato de que nãohá propaganda eleitoral em favor dos candidatos para quaisquerdos cargos a serem ocupados. Esse princípio já estava estabe-lecido na lei eleitoral por meio da qual regularam-se as eleiçõesexperimentais na província de Matanzas, onde ficou “proibidaa realização de propaganda a favor dos candidatos, sob a formade bandas de música, ou o uso de representações teatraissatíricas ou outras formas semelhantes.15 De fato, entre osprincípios da “ética eleitoral” legalmente estabelecidos está o deque os processos eleitorais devem estar afastados de “todaforma de oportunismo, demagogia e politicagem” e que “apropaganda que se realizará será a divulgação das biografias,

caso dos deputadosà Assembleia Nacio-nal, a idade mínima é18 anos.13 No máximo 50%dos pré-candidatosdevem ser propos-tos pelas assem-bleias municipais. Aoutra metade é pro-posta pela Comissãode Candidaturas. Aprevisão de que só50% dos pré-candi-datos devem serdelegados dasassembleias munici-pais foi explicadaassim: “há cidadãoscujas ineludíveis ati-vidades políticas elaborais não lhespermitem assumirresponsavelmenteas tarefas locais doPoder Popular, peloque, apesar de suaalta qualificação – eprecisamente porela – os eleitoresnão os proporiamnem elegeriam pararepresentantes emnível municipal (…).Desse modo, opovo, através deseus representan-tes diretos, pode in-corporar aos ór-gãos superiores doPoder Popular aque-les cidadãos queprecisamente, porsua alta capacida-de, experiência equalificação, julgamque não devem serincorporados à

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acompanhadas de reproduções da imagem dos candidatos, queserá exposta em locais públicos ou por meios de difusãomassiva do país...”. Permite-se, por outro lado, que os candi-datos possam “participar de atos, conferências e visitas acentros de trabalho e trocar opiniões com os trabalhadores (…)sem que isso se considere campanha de propaganda eleitoral”;

3 – um dos elementos centrais do processo eleitoral éconstituído pelas comissões de candidaturas, que têm funçãodupla: compete-lhes propor 50% dos pré-candidatos a delega-dos às assembleias provinciais e a deputados à AssembleiaNacional, que devem ser aprovados como candidatos pelasassembleias municipais. Esse percentual de 50% é normal-mente constituído por personalidades destacadas nos âmbitosda ciência, da cultura ou do esporte ou por funcionáriospúblicos, que, por não terem uma vida social “normal” em suacomunidade, são indicados para essas comissões a fim degarantir a representação desses setores sociais nos órgãoseleitos e propor os candidatos para preencher os cargoseletivos em cada Assembleia e no Conselho de Estado;

4 – as assembleias do Poder Popular não são órgãos quefuncionam de maneira permanente, reunindo-se normalmenteduas vezes por ano por um período que costuma variar entre ume três dias. Fora desse período são representadas pelo Conselhode Estado (no caso da Assembleia Nacional) ou pelo Conselhode Administração (Provincial ou Municipal). Para realizar suasfunções, as assembleias são constituídas por comissões per-manentes ou temporárias, de acordo com as necessidades.Aqueles que não ocupam cargos de direção na Assembleia ounão são membros de suas comissões permanentes normalmen-te continuam nos seus postos de trabalho, recebendo seusalário. Ser delegado ou deputado não implica, legalmente,nenhum privilégio ou benefício econômico adicional.

Formas de participação popularFormas de participação popularFormas de participação popularFormas de participação popularFormas de participação popular

De acordo com o artigo 3º da Constituição, “naRepública de Cuba a soberania reside no povo, do qual emanatodo o poder do Estado. Esse poder é exercido diretamente ou

Assembleia Munici-pal do Poder Popu-lar, mas reservadospara as instânciassuperiores ou paraa suprema...” Cf .Comentarios sobreel nuevo sistema

electoral. Trabalhoredigido por um co-letivo de advogadosda Direção Jurídicado Ministério da Jus-tiça, in Documentos

Jurídicos Básicos.

Faculdade de Direi-to, Universidade deOriente, 1983, p. 46.14 O desenvolvimen-to desse preceitoconstitucional estáregulamentado naLei nº. 89, de 1989,Lei de Revogação deMandatos dos Elei-tos para os órgãosdo Poder Popular.15 Não houve cam-panha eleitoral, mas“o domingo 30 dejunho de 1974 foi umverdadeiro dia defesta para os‘matanzeiros’. Fo-ram colocadas flo-res e bandeiras nasportas, janelas esacadas, vilas e ci-dades (…). Pionei-ros com vistososlenços nos pesco-ços custodiavamsimbolicamente asurnas”. Cf. A A VV. AProvíncia de Matan-zas. Editorial Orien-te, Santiago deCuba, 1978, p. 148.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

por meio das assembleias do Poder Popular e demais órgãosdo Estado de que delas se derivam”. Segundo esse preceitoconstitucional, podem-se distinguir duas formas de participa-ção popular: a) direta; e b) indireta, por meio dos representan-tes eleitos.

a) As formas de participação popular direta são cada vezmais complexas nos regimes políticos contemporâneos. Nelasa intervenção dos cidadãos nos assuntos públicos é mediatizadapor organizações de todo o tipo. Desse modo, nas atuaisdemocracias representativas a esfera da participação populardireta se reduz às eleições de representantes para os diferentesórgãos do Estado, à participação em referendos e consultaspopulares e à iniciativa legislativa popular. Essas três formas departicipação política direta estão reguladas em Cuba.

A eleição direta dos representantes evoluiu desde otempo em que os cidadãos só elegiam diretamente os delega-dos às assembleias municipais, até que se estabeleceu a eleiçãodireta, pelos cidadãos, dos delegados às assembleias munici-pais e provinciais e dos deputados à Assembleia Nacional. Oúnico referendo popular realizado foi para a aprovação doprojeto de Constituição em 1976. As consultas populares têmsido mais frequentes, sobretudo para a análise de projetos deleis por meio dos quais se regulam relações sociais de grandetranscendência. A convocação dessas consultas é exclusivada Assembleia Nacional. Por fim, a iniciativa legislativapopular nunca foi exercida. Além dessas formas, também anomeação dos candidatos a delegados às assembleias munici-pais é uma forma de participação popular direta.

Uma forma peculiar de participação popular direta éconstituída pelo processo de prestação de contas, realizadopelos delegados às assembleias municipais, por meio do qualos eleitores recebem informação da gestão realizada por elese dos problemas da circunscrição que devem ser resolvidos.Esse processo se cumpre rigorosamente todos os anos.

b) A forma indireta se manifesta no fato de que oseleitos devem exercer suas funções em nome e no interesse de

MUÑOZ VALDÉS,Gilberto Intro-

ducción al estudio

del Derecho, Edito-rial Pueblo y Edu-

cación, La Habana,1982, p. 101, por seuturno, faz referên-cia “ao caráter purodessas consultas,realizadas sem ma-nobras politiqueiras,sem fraudes, semdemagogia, sem maiscampanha eleitoralque a própria vida econduta, a página deserviços à pátria docandidato.”

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seus representantes, sob pena de serem submetidos a umprocesso de revogação do mandato conferido. Ela também seestabelece na eleição dos titulares das assembleias do PoderPopular em todos os níveis e do Conselho de Estado, cujaeleição se realiza pelos representantes eleitos pelo voto diretodos cidadãos.

Organizações políticasOrganizações políticasOrganizações políticasOrganizações políticasOrganizações políticas

No processo eleitoral os candidatos são propostosdiretamente pelos cidadãos, assembleias municipais ou co-missões de candidaturas, não intervindo nesse processonenhuma organização política. As organizações inscrevem eapresentam os seus próprios candidatos e fazem propagandaeleitoral a favor deles, com o objetivo de obter os votos doseleitores e convertê-los em cargos públicos. Esse fato suscitaimediatamente algumas interrogações: se existem ou nãoorganizações políticas em Cuba. Qual é o caráter delas? Quefunção realizam no regime político, esclarecendo-se de ante-mão que não é uma função eleitoral?

A primeira e mais importante das organizações políti-cas é o Partido Comunista de Cuba. Outra organização políticaé a União de Jovens Comunistas. As demais organizações que,segundo o artigo 7º da Constituição, são reconhecidas peloEstado são aquelas que, “surgidas no processo histórico daslutas de nosso povo, agrupam em seu seio distintos setores dapopulação, representam seus interesses específicos e osincorporam às tarefas da edificação, consolidação e defesa dasociedade socialista”. Representantes destas últimas são aque-les que integram as comissões de candidaturas que participamdo processo eleitoral.

Trata-se de “organizações de massas e sociais,”16 quecumprem uma dupla função. De um lado, representam osinteresses de seus membros e, de outro, realizam em algumamedida tarefas estatais que lhes são encarregadas em determi-nadas esferas da sociedade.17 Essas organizações cumpremtambém uma importante função política, já que, por meio delas,

16 Nos últimos anosessas organizaçõesvêm se apresentan-do sob o nome gené-rico de “organiza-ções da sociedadecivil cubana.”17 Esse é outro dos“núcleos duros” doregime político iden-tificados por HugoAzcuy. Cf. “Cuba

¿Reforma Consti-tucional...? op. cit.p. 42-43; no mesmo

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

transmitem a seus membros a política do governo na esfera desua influência, além de serem uma fonte importante de socia-lização, recrutamento político e formação de “quadros”.

O Partido Comunista de Cuba, o único legalmentereconhecido pelo regime político, não é um partido cujafunção básica, como em qualquer regime político contempo-râneo, é a participação no processo eleitoral (com tudo o queisso implica). A sua posição no regime político, assim comoa sua função principal, está regulada estritamente no artigo 5ºda Constituição, que estabelece: “O Partido Comunista deCuba, martiano e marxista-leninista, vanguarda organizada danação cubana, é a força dirigente superior da sociedade e doEstado, que organiza e orienta os esforços comuns, visandoaos elevados fins de construção do socialismo e ao avanço emdireção à sociedade comunista”.

O Partido Comunista foi constituído em 1965, depoisde um processo de união das diferentes forças políticasexistentes no país que haviam contribuído para o triunfo daRevolução. Desde então, ele tem sido a força política dirigenteda sociedade e do Estado. É uma organização política acimade qualquer outra, inclusive do próprio Estado. Dessa organi-zação política emanam as linhas fundamentais do desenvolvi-mento do país em todos os ordenamentos da vida social(traçados pelo Congresso, que, segundo seus estatutos, deverealizar a eleição de seus representantes a cada cinco anos)18.

O Partido tem sido historicamente a principal fonte de recru-tamento político e formação de quadros e, normalmente, seussecretários provinciais são os que ocupam de imediato asposições-chave no Estado, no governo e no próprio Partido.A história da função dele no regime político está em grandeparte resumida no informe central de cada um dos congressoscelebrados.

Quanto à relação entre o regime político e a qualidadedas leis, o Partido cumpre uma função essencial, já que é aprincipal fonte de impulsos legislativos, a partir dos quais sedesencadeia todo o procedimento legislativo.19 De outra parte,suas disposições são consideradas por alguns autores como

sentido cf. ÁLVAREZTABÍO, Fernando.Comentarios a la

Constitución Sio-cialista, EditorialPueblo y Educación, LaHabana, 1981, p. 43.18 As organizaçõessociais e de mas-sas estão “destina-das a servir de cor-reia de transmissãoentre o partido e asmassas populares eestas prestam umaajuda decisiva paraa realização de suastarefas”. Cf.MÁRCHENKO, N. ePÉREZ SAR-MIENTO, Eric. “O sis-tema político da so-ciedade socialistacubana em AAVVManual de Teoría

del Estado e el

Derecho, Editorialde Ciencias Socia-les. La Habana,1988, p. 220. O pri-meiro congressorealizou-se em1975, o segundo em1980, o terceiro em1985, o quarto em1991 e o quinto em1997. Desde entãonão se realizou ne-nhum outro. O sex-to, segundo anun-ciou o general-de-Exército Raúl Cas-tro Ruz, segundo-secretário de seuComitê Central no VIPleno do referidocomitê, que abriusessão no dia 28 de

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uma fonte indireta de Direito, particularmente no âmbito desua aplicação em sede administrativa.20

II – O processo legislativoII – O processo legislativoII – O processo legislativoII – O processo legislativoII – O processo legislativo21

Nos estudos recentes relacionados com a teoria dalegislação, foram feitas várias distinções com o objetivo delograr uma maior compreensão do processo de produçãolegislativa do Direito. Entre essas diferenciações, encontra-se aque divide o processo legislativo em duas etapas: processolegislativo interno e processo legislativo externo. O critériopara fazer essa distinção consiste em tomar como referência osórgãos ou autoridades que intervêm em cada etapa e a publici-dade ou não do seu desenvolvimento e dos seus resultados.

O processo legislativo interno estaria integrado porduas subetapas. A primeira compreende o conjunto de traba-lhos, estudos e investigações prévias que se realizam para aelaboração de um projeto de lei e se conclui com suaapresentação perante o órgão legislativo competente para suadiscussão e aprovação. Essa subetapa costuma denominar-setambém de avaliação ex ante. A segunda subetapa começaquando a lei, já em vigor, é efetivamente aplicada e se procedeà avaliação da medida em que as expectativas que determina-ram sua adoção são conseguidas com seu cumprimento eaplicação. Essa subetapa costuma denominar-se também deavaliação ex post.

No processo legislativo interno geralmente intervêmfuncionários da administração pública, grupos de trabalho,comissões de estudo, comissões de especialistas ou comis-sões permanentes constituídas por quem exercerá a iniciativalegislativa ou por quem tem competência para aprovar adisposição jurídica que resultará dessa etapa (na avaliação exante) ou, no caso de se tratar de estudos sobre leis já vigentes(avaliação ex post), por quem é responsável pela aplicação dadisposição jurídica submetida a estudo.22

Na avaliação ex ante, só há publicidade quando oprojeto de lei é submetido a referendo popular ou a qualquer

abril de 2008, deve-ria realizar-se emfins do segundosemestre de 2009(informação dispo-nível na Internet:h t t p : / / /w w w . c a d e n a h a -bana.cu/noticias/n a c i o n a l e s /noticias02290408.htm).Todavia, no VII Ple-no do Comitê Cen-tral, realizado em 29de julho de 2009,“acordou-se adiar arealização do VICongresso do Parti-do até que haja sidovencida essacrucial etapa de pre-paração prévia”.(disponível naInternet: http:///www.bohemia.cu-basi.cu/2009/07/31/noticias/cuba-raul-castro-pleno.html).19 Grande parte dosprincípios da políticalegislativa que se-guiu o governo estácontida nos informese a indicação dosimpulsos que condu-ziram ao processolegislativo é expres-samente declaradaem um número signi-ficativo de leis cuba-nas dos últimos 45anos. Uma amostradesses impulsos éprecisamente o fatode que o SegundoCongresso “acordouem recomendar àAssembleia Nacional

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

outro tipo de consulta cidadã. Na avaliação ex post, ocorrequando os resultados obtidos permitem justificar a modifica-ção ou revogação da lei vigente, ou quando se espera que dissoresulte uma melhora na sua aplicação ou no seu cumprimentopelos seus destinatários.

O processo legislativo externo estaria constituído, porum lado, pelos diferentes passos, procedimentos e autorida-des que intervêm na gestão de um projeto de lei, desde que eleé apresentado perante o órgão legislativo competente até queentre em vigor como lei. As autoridades que intercedem sãoaquelas legalmente facultadas pelas normas que regem oprocesso de discussão e deliberação no órgão legislativo(comissões parlamentares, grupos parlamentares, oradores,quem exerce a iniciativa legislativa, representantes do gover-no, etc.). O processo legislativo externo geralmente é público,já que as deliberações costumam ser difundidas pelos meiosde comunicação, quando não se trata de uma sessão secretado órgão legislativo.

Outros estudos mais analíticos distinguem, de um pontode vista institucional e levando-se em conta a hierarquianormativa da futura disposição jurídica e o procedimento quedeve ser seguido para a sua produção, três fases no processolegislativo: a fase pré-legislativa, a fase legislativa e a fase pós-legislativa.23 A primeira e a última correspondem aproximada-mente ao processo legislativo interno ex ante e ex post, enquantoa segunda corresponde ao processo legislativo externo.

Não obstante as características particulares que po-dem ter a regulação do processo legislativo em diferentesregimes políticos, pode-se afirmar que, de forma geral, a faselegislativa é um elemento imprescindível na produção legislativado Direito, enquanto que as fases pré-legislativa e pós-legislativa dependem da expressa regulação delas noordenamento jurídico e da vontade política das autoridadescompetentes para decidir e orientar sua execução.

Afirma-se, por exemplo, que um projeto de lei que sejaaprovado e entre em vigor sem que se realize a fase legislativa

o estudo da legisla-ção eleitoral vigen-te, a partir das expe-riências obtidasdesde sua promul-gação, com o propó-sito de incorporar asmodificações que asmesmas indiquem.”Como resultado des-se impulso foi pro-mulgada a Lei nº 37,de 1982 (Lei Eleito-ral). Além disso, “oQuarto Congressoaprovou (…) um gru-po de recomenda-ções destinadas atransformar o siste-ma eleitoral”. Comoresultado desse im-pulso se promulgoua Lei nº 72, de 1992,de mesmo nome.20 Cf. CORREA,Matilla, Comentári-

os sobre as fontesdo Direito Adminis-

trativo cubano

(exceto o regula-mento) em AAVV

Temas de Derecho

Administrativo... p.90 e seguintes.21 Utilizarei a expres-são “processo legis-lativo” quando fizerreferência ao proces-so de produçãolegislativa do Direitocomo categoria geral;quando se tratar dasua regulamentaçãolegal em Cuba utiliza-rei a expressão “pro-cedimento legis-lativo”, que é o nome

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(ou seja, sem haver sido previamente discutido e aprovadosegundo o procedimento legalmente estabelecido) não deveriaconstituir propriamente uma “lei válida”. Em todo casotratar-se-ia de uma lei de “duvidosa validade formal”, aopasso que se esse trâmite for cumprido (ainda que nãotenham sido realizados estudos prévios para a sua prepara-ção ou não tenham se estabelecido os meios necessários paraa avaliação dos resultados da sua aplicação e do seu cumpri-mento) poder-se-ia dizer que se trata simplesmente de uma“lei má”, ou de uma lei que poderia ter comprometida suaeficácia e legitimidade. Todavia em nenhum dos dois casosseriam negadas ao novo diploma legal as qualidades formaispróprias de uma lei.

Assim, da execução de um processo legislativo dequalidade e da avaliação de todos os fatores necessários quepossam garantir a eficácia e efetividade das leis, depende aqualidade da legislação, um tema que está no centro dosdebates atuais no âmbito dos estudos de teoria da legislação.24

As distinções anteriores, com as necessárias simplifi-cações, são suficientes para a função que devem cumprirneste ensaio.

II.1 – A teoria do ato normativo. É um fato notórioque, só a partir da década de 1970, os estudos sobre alegislação tenham ocupado um lugar significativo nas inves-tigações jurídicas. Mesmo assim, não se trata de um campode investigação não explorado, ainda que o abandono experi-mentado durante um tempo prolongado tenha impedido que asbases estabelecidas pelos seus primeiros cultivadores cimen-tassem um sólido corpo teórico e metodológico, capaz defazer frente às características da legislação no Estado contem-porâneo.

Os aportes dos primeiros teóricos da legislação, comoMontesquieu,25 Gaetano Filangieri 26 e Jeremy Bentham,27 nãoforam desenvolvidos pelo pensamento jurídico posterior pordiversas razões, entre as quais se inclui a redução do Direitoà manifestação da vontade política. Nesse caso, o ordenamento

que recebe no Regu-lamento da Assem-bleia Nacional de 1996.22 Para uma exposi-ção exaustiva daavaliação ex ante eex post, sua impor-tância e alguns exem-plos de sua aplica-ção pode-se ver o nº33/34, de janeiro-ju-nho de 2003 de Le-gislação, Cadernosde Ciência de Legis-

lação, INA, Portugal)número monográficodedicado à avaliaçãoda legislação.23 Assim, por exemplo,Luzius Mader(L’Évaluation légis-

lative. Pour uneannalyse empirique

des effets de lalegislation. Préface deCharles-Albert Morand,Payot, Lausanne, 1985,p. 34) do ponto de vistainstitucional distingue asfases pré-parlamentar,parlamentar e pós-par-lamentar.24 Quality of Legis-lation, Principles and

Instruments será pre-cisamente o tema cen-tral do Nono Congres-so da International

Association of Legis-lation, que se realizaráem Portugal, nos dias 24e 25 de junho de 2010.25 O espírito das leis

(1748). Um resumodos aportes princi-pais de Montesquieupara a teoria da legis-lação pode-se ver em

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legal somente passa a constituir objeto de conhecimento paraa dogmática jurídica uma vez que entre em vigor, do quederiva o deslocamento dos problemas de fundamentação dasleis para o âmbito político e a constituição de uma Teoria doDireito formalista e pretensamente apolítica.

Estamos, portanto, há mais de três décadas, diante deum renascimento dos estudos sobre a legislação, com aparticularidade de que os problemas atuais que devem enfren-tar tal teoria são qualitativa e quantitativamente diferentes dosque se colocaram aos seus primeiros cultivadores. Se nostempos de J. Bentham, tratava-se da necessidade de que olegislador expusesse as razões das leis, de que o Direito fossereduzido a Direito escrito e de fácil conhecimento para seusdestinatários, hoje se trata, além desses temas não resolvidoscompletamente, da avaliação dos resultados obtidos com avigência da lei, do seu impacto social e individual e inclusivede avaliar as possíveis alternativas antes de empreender umaintervenção legislativa para resolver um determinado proble-ma social. O centro de gravidade da questão deslocou-se dosproblemas filosóficos de fundamentação para os problemaspragmáticos de meio-fim. Trata-se de uma ampliação con-siderável dos problemas. Hoje são necessários estudos sobrea legislação, o que impõe a necessidade de refinar os métodosde investigação e perfilar a perspectiva de análise pararesolvê-los satisfatoriamente.

Por essa razão, “do ponto de vista metodológico”, épreciso analisar as ideias tradicionais acerca do processo deprodução legislativa do Direito e, caso seja necessário, ensaiardiferentes alternativas de solução que permitam aperfeiçoá-loquando ele conduz a resultados insatisfatórios ou quandoesses possam ser mais congruentes com princípios da hierar-quia normativa, segurança jurídica e proporcionalidade que sedevem expressar por meio das leis.

Esse “ponto de vista metodológico” deve ser sobrepos-to à análise do procedimento legislativo em Cuba. Para que osresultados sejam satisfatórios, é preciso realizar duas opera-ções diferentes:

CARRILLO GARCÍA,Yoel. “Dez teses so-bre a racionalidadelegislativa (a propósi-to de um artigo deJurgen Habermas)” emAAVV. JürgenHabermas. Estudos

em sua homenagem.Edeval, Valparaíso,Chile, 2008, p. 627-654.26 Ciencia de la

Legislación, traduçãode Don Juan Ribera,2ª edição, revista ecorrigida, Bordeaux,Imprenta de Lon PedroBeaume, 1823, 6 vo-lumes. Um resumosobre a influência deFilangieri na Américapode-se ver emMORELLI, FedericaFilangieri y la “OtraAmerica”, historia de

uma recepción, emRevista de la Facultadde Derecho y Cien-

cias políticas de la

Universidad Ponti-fícia Bolivariana (Co-lômbia), nº 107, 2007,p. 485-508.27 Tratados de la

Legislación Civil y

Penal (1802), Tradu-cción de Ramón Sa-las. Editora Nacional,Madrid, 1981. Um re-sumo dos aportesprincipais de J.Bentham para a teo-ria da legislaçãopode-se ver emCARRILLO GARCÍA,Yoel. “Dez teses...”,cit.

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1 – analisar como o procedimento legislativo foi colo-cado e resolvido do ponto de vista teórico; e

2 – avaliar como o procedimento legislativo foi regula-do e que fases deve percorrer do ponto de vista legislativo-institucional.

Do ponto de vista do seu tratamento em uma exposiçãode literatura especializada, publicada nos últimos 30 anos emCuba, o processo legislativo ficou associado ao estudo dasfontes formais do Direito, em que ocupa um lugar exclusivoo ato normativo (a lei em sentido geral). A sua exposiçãoconsistiu em identificar e explicar cada uma das fases pelasquais passa a atividade legislativa, colocando-as em ordemcronológica. Desse modo, Fernando Cañizares, depois deconsiderar que

os corpos deliberativos colegiados realizam a funçãolegislativa valendo-se de procedimentos que podem serdiferentes mas que têm todos a mesma finalidade:formalizar a função de modo que as determinaçõeslegislativas não se promulguem e publiquem senãodepois de terem sido suficientemente estudadas, anali-sadas, discutidas e aprovadas; prévia e ampla delibe-ração, para garantir sua maior efetividade, evitandoprecipitações, acordos secretos e demais vícios delegislação que costumam ser tão funestos,

identificou como “fases do procedimento formativodas leis” a inciativa legislativa, a discussão do projeto, aaprovação ou sanção, a promulgação e a publicação.28

Por seu turno, A.V. Michkievich afirma que o processolegislativo é “o mais complexo de todos os processosnormativos...” e identifica como “fases do processo decriação do ato normativo” a iniciativa legislativa, a discussão,a aprovação pelo órgão de criação jurídica e a publicação doato normativo.29

Finalmente, Julio Fernández Bulté, depois de afirmarque

28 Teoría del Esta-

do, Editorial Puebloy Educación, LaHabana, 1979, p.168 e seguintes.29 Las fuentes (for-mas de expresión

externa) del Dere-

cho y la creaciónjurídica em el Esta-

do socialista , emAAVV. Manual deTeoria del Estado y

del Derecho... p. 379e 382

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o desenvolvimento do constitucionalismo burguês,sobretudo depois do século XIX, levou a que quasetodas as constituições estabelecessem, com maior oumenor minuciosidade, os passos fundamentais noprocesso de formação do ato normativo (…), oprocedimento requerido para assegurar a legitimi-dade da função legiferante,

identifica como “fases ou etapas essenciais do processodo ato normativo” a iniciativa legislativa, a discussão do projetolegislativo, a votação e aprovação do projeto, a promulgação doato normativo, a publicação e a entrada em vigor.30

Essa enumeração pode ser complementada com aanálise que faz o autor, na mesma obra, sobre a legalidadesocialista, em que explica a necessidade da realização deestudos e investigações sobre a eficácia do Direito e divide o“mecanismo de regulação jurídica da sociedade” em trêsfases: criação da norma (na qual entende ser imprescindível aparticipação consciente e direta do povo e a existência de umplano legislativo); harmonização de cada nova disposição como ordenamento jurídico (que o autor considera que se deveatribuir a um órgão especializado); e comprovação da eficáciada norma (o autor atribui essa função a mais de um organismoou a órgãos acadêmicos).31

Nas publicações periódicas consultadas,32 o tema nãofoi tratado em profundidade, embora possam assinalar-sealguns trabalhos publicados na Revista Cubana de Direito ena Revista Jurídica, nos quais se recorre a elementos rudi-mentares de teoria e técnica de legislação.

Os trabalhos de maior profundidade elaborados até omomento, ainda inéditos, são duas teses de doutorado: “Omodelo de criação de leis em Cuba”, de Josefina MéndezLópez (1999), na qual foi estudado o processo legislativo como objetivo de “avaliar (…) o modelo cubano de criação de leise sua realização; ao determinar aqueles fatores, que relaciona-dos com o tríptico órgão legislativo-lei-procedimento legislativo,incidem de uma maneira negativa na centralidade legislativa da

30 Teoría delDerecho, Editorial“Félix Varela”, LaHabana, 2001, p.246 e seguintes. Oautor assinala acer-tadamente que es-sas fases “só cor-respondem ao pro-cesso relativo às leisde maior hierarquia”,p. 79.31 Idem, p. 237 e ss.Essa exigência foiuma constante emsua obra e se iniciacom o trabalho La

Legalidad Socialista,apresentado nosimpósio Política,

Ideología y Derecho,

1985, e publicado emum livro homônimo pelaEditorial de CienciasSociales, La Habana,1985, p. 39-48.

32 Revista Cubana

de Jurisprudencia

(1961-1963); Revis-ta Cubana de Dere-

cho (a partir de 1972);Información jurídica(1975-1989); Legali-

dad Socialista (1975-1989); e Revista Jurí-dica (1983-1990).

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Assembleia Nacional do Poder Popular”; e “O processolegislativo interno em Cuba. Um modelo para sua análise”, doautor deste trabalho (2008), cujo objetivo principal foi “iden-tificar os principais fatores que, do ponto de vista teórico,metodológico e normativo, afetam o correto desenvolvimentodo processo legislativo interno em Cuba e fundamentar anecessidade de um modelo metodológico para a análise efundamentação de uma proposta de intervenção legislativa”.

Da análise das fontes assinaladas extraem-se as seguin-tes conclusões gerais:

1 – o tratamento do tema se reduz à enumeração eexplicação das fases pelas quais deve passar um projeto de lei,desde que é apresentado ao órgão legislativo até que entre emvigor;

2 – segue-se um critério essencialmente cronológico;

3 – concebe-se como um processo linear, sem saltos,contradições e/ou retrocessos;

4 – essa maneira de abordar a questão não permite darconta do que sucede (ou deve suceder) nas fases pré-legislativa e pós-legislativa;

5 – assume-se implicitamente que, no processolegislativo, só intervêm as instituições públicas legalmentecompetentes;

6 – quando se levam em conta outros elementos alheiosà fase legislativa, eles são somente mencionados, o queconstitui obviamente um avanço, mas sem que se faça sobreisso uma análise em profundidade;

7 – seu valor, do ponto de vista prático, é muitolimitado, já que só se refere à gestão dos projetos de lei emsentido formal e material, não levando em conta as disposiçõesjurídicas de hierarquia inferior à lei, que, pelas característicasdo regime político cubano, tornaram-se uma prática genera-lizada, por meio da qual os decretos-leis revogam ou modifi-cam as leis.

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Para compreender a regulação jurídica do procedimen-to legislativo em Cuba e as suas características principais, épreciso lembrar que, segundo o artigo 69 da Constituição, “aAssembleia Nacional do Poder Popular é o órgão supremo dopoder do Estado. Representa e expressa a vontade soberanade todo o povo” e, em consequência, entre as suas faculdadesse encontra, segundo estabelecido no artigo 75, “c”, a de“aprovar, modificar ou revogar as leis”.

É precisamente perante o presidente da AssembleiaNacional que se apresentam os projetos de lei no exercício dainiciativa legislativa,33 a partir do que se inicia o procedimentolegislativo.

Do ponto de vista jurídico, o procedimento foi suces-sivamente regulado por corpos legais expedidos em 1977,1982, 1988 e 1996. O Regulamento da Assembleia Nacional,em 1996, estabelece que os projetos de lei apresentados àAssembleia Nacional do Poder Popular sejam acompanhadosde uma fundamentação na qual se expressem:

1 – as relações que são objeto de regulação jurídica, osseus objetivos e os pressupostos econômicos, políticos esociais que aconselhem sua aprovação;

2 – as matérias que se regulam e as soluções que sepropõem, com indicação das modificações que se introduzemna legislação vigente, as disposições jurídicas que se ordenamou sistematizam e os antecedentes da matéria;

3 – as consequências econômicas previsíveis quederivam da aplicação da disposição jurídica proposta;

4 – a enumeração das disposições jurídicas de igual ouinferior hierarquia que se modificam, complementam ou revogam;

5 – a fundamentação do nível normativo da disposiçãojurídica proposta;

6 – os resultados das coordenações efetuadas com osórgãos e organismos que devem cumprir ou fazer cumprir asregulações propostas;

33 Segundo o artigo88 da Constituição,podem exercer ainiciativa legislativa:os deputados daAssembleia Nacio-nal do Poder Popu-lar; o Conselho deEstado; o Conselhode Ministros; as co-missões da Assem-bleia Nacional doPoder Popular; oComitê Nacional daCentral de Trabalha-dores de Cuba e asDireções Nacionaisdas demais organi-zações de massase sociais; o TribunalSupremo Popular,em matéria relativaà administração dajustiça; a Fiscaliza-ção Geral da Repú-blica, em matéria desua competência; eos cidadãos. Nesseúltimo caso será re-quisito indispensá-vel que exerçam ainiciativa pelo menosdez mil cidadãos,que tenham a condi-ção de eleitores.

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7 – as condições e os mecanismos necessários quegarantam a aplicabilidade, a efetividade, o cumprimento e ocontrole da disposição jurídica cujo projeto se apresenta.

O projeto de lei, acompanhado da fundamentação, deveser apresentado por quem exerce a iniciativa legislativa aopresidente da Assembleia Nacional. Cronologicamente, oprocesso deve transcorrer assim:

1 – iniciativa legislativa (projeto de lei e fundamentação);

2 – recebimento do projeto pelo presidente da AssembleiaNacional;

3 – encaminhamento do projeto à (s) comissão (ões)correspondente (s), segundo a matéria;

4 – decisão da comissão pela (a) aprovação do projetocom emendas ou sem elas, podendo recomendar em queperíodo legislativo deve ser incluído e se deve ser submetidoa consulta popular; (b) devolução do projeto, com as reco-mendações que julgue procedentes e com os aspectos que sedevem considerar ou sanar; ou (c) rejeição do projeto,expondo seus argumentos a respeito;

5 – controle de constitucionalidade do projeto pelaComissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos (pode sersimultâneo ou posterior ao trabalho das demais comissões);

6 – inclusão na ordem do dia;

7 – traslado aos deputados em, no mínimo, 20 diasantes de sua discussão. Se tramitar com urgência, o presiden-te fixa o término e os deputados podem emitir sua opinião porescrito. O presidente pode realizar reuniões parciais com osdeputados para explicar o projeto e ouvir as opiniões deles;

8 – designação, por quem exerce a iniciativa, doproponente que apresenta o projeto e responde às perguntas;

9 – parecer da (s) comissão (ões);

10 – debate e votação;

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11 – encaminhamento à Comissão de Redação;

12 – assinatura do presidente e do secretário;

13 – publicação e entrada em vigor.

Da análise dessas disposições pode-se extrair as con-clusões expostas e discutidas a seguir. Trata-se de umdocumento interno para o trabalho da Assembleia Nacional e,portanto, as suas regulações são aplicáveis somente aosprojetos de lei que se apresentem no exercício da iniciativalegislativa para sua aprovação. A essa exigência de fundamen-tação escaparam e escapam a maior parte dos projetos dedisposições jurídicas de alcance geral,34 como as leis, osdecretos-leis do Conselho de Estado, os decretos do Conselhode Ministros e todas as que estão abaixo delas, que entraramem vigor antes de 1988. Depois desse ano, passaram a serexigidos os mesmos elementos para a fundamentação dosprojetos de leis, decretos-leis e decretos, mas em 1996eliminou-se a exigência para os dois últimos, que tampoucoestão submetidos a algum outro procedimento publicamenteconhecido.35 Além disso, o exercício da iniciativa legislativa sóestá regulado constitucionalmente para as leis que a AssembleiaNacional tem a faculdade de aprovar, com o que fica excluídadessa iniciativa a apresentação de qualquer disposição normativaque não seja um projeto de lei.

A pretensão de fundamentar os projetos de leis emresultados de estudos realizados para esse efeito pode ficarfrustrada pelas seguintes razões: cada uma dessas exigênciaspoderia ser preenchida pro forma, já que, salvo a necessidadede se preverem as consequências econômicas que derivariamda aplicação da disposição jurídica proposta, elas se referema questões essencialmente formais, nas quais se estabelece oque se deve dizer, mas não como se deve conseguir ainformação que justifique o que se diz; por outro lado, é de seesperar que logicamente se expressem com maior ênfase nafundamentação aqueles elementos que contribuem para refor-çar a necessidade, conveniência e oportunidade de aprovar oprojeto que se apresenta, já que quem deve fundamentar sua

34 Segundo o adendoprimeiro do Decretonº 62, de 1980, dita-do pelo Comitê Exe-cutivo do Conselhode Ministros, “en-tende-se que umadisposição tem ca-ráter geral quandodeve ser cumpridafora dos marcos doorganismo onde éditada, por outrosórgãos ou organis-mos estatais, ou asempresas ou de-pendências destes,ou interessa às or-ganizações sociaise de massas ou àpopulação e emconsequência de-vem ser publicadasna “Gaceta Oficialde la República”.35 “Em nosso país nãoexiste disposiçãonormativa alguma arespeito das formali-dades e do conteúdoessencial das quaisdevem estar revesti-dos os instrumentos

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necessidade é o maior interessado em que se aprove. Nãoobstante, o parecer da comissão designada pode ter um efeitopositivo nesse sentido e limitar a tendência apologéticasubjacente a qualquer exercício de iniciativa legislativa.

Não se exige avaliar elementos tão importantes comoo grau de eficácia ou ineficácia alcançado pelas disposiçõesjurídicas que são revogadas ou modificam outras, bem comoas suas causas principais e possíveis consequências (custose benefícios) políticas e sociais (e não só econômicas) da novadisposição para seus destinatários, especialmente para oscidadãos; os possíveis efeitos colaterais; a função latente danova disposição ou o modo de avaliar sua eficácia, efetividadee eficiência depois de certo período de vigência.36

Quanto a este último aspecto, poder-se-ia pensar quefica resguardado pela exigência de expressar na fundamenta-ção as condições e os mecanismos que garantem o “controle”,a “efetividade”, o “cumprimento”, e a “aplicabilidade”, masesses termos aparentemente não podem ser entendidos comrelação aos destinatários da norma legal, particularmente oscidadãos, mas em relação às autoridades encarregadas deaplicá-la e fazê-la cumprir. Trata-se de um controle denatureza administrativa, e não de uma evolução realizada commétodos científicos de investigação.

Em estreita relação com o aspecto anteriormente dis-cutido, não sendo atribuída a nenhuma instituição em particu-lar a responsabilidade de avaliar os resultados positivos e/ounegativos derivados do cumprimento e aplicação das leis,essas exigências caem no vazio, ainda que se possa pensar quelogicamente essa responsabilidade caberia ao órgão encarre-gado de sua aplicação.

A nomeação da Comissão de Redação depois de apro-vado o projeto de lei poderia ser contraproducente e deveriaser logicamente anterior à aprovação, em razão de que osdeputados aprovaram o texto tal qual lhes foi submetido, comas palavras que leram, as vírgulas e os pontos como estavam.Se a Comissão de Redação fizesse uma mudança de estilo, por

jurídico-administrati-vos (…) não obstan-te, não poderia dei-xar de se salientar anecessidade daregulação normativageral destes para ofim de lograr umamaior uniformidadeformal nos mesmose unidade de critérioquanto ao conteúdode um ou outro, es-pecificando a hierar-quia de cada qual.”Cf. REYES PARET,Yanila. Un primer

acercamiento a los

instrumentos jurídi-cos-administrativos

em AAVV. Temas de

Derecho Admnis-trativo, tomo I, LaHabana, Editorial“Félix Varela”, 2006,p. 565.36 Em seu discursode 28/12/1984, nasessão da Assem-bleia Nacional emque se aprovou oCódigo do Trabalho,Fidel Castro, entãopresidente do Con-selho de Estado ede Ministros, ex-pressou que “nãopensamos que sejaperfeito (…) porisso se estabeleceque periodicamentedeve ser revisado”.Essa previsão nãose incluiu no textoaprovado; nãoobstante, em seu

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

menor que fosse, no posicionamento desses signos, depois deaprovada a norma, isso poderia, voluntariamente ou não,mudar todo o sentido do texto e, em consequência, a leipublicada e colocada em vigência poderia ser sensivelmentediferente da aprovada pelos deputados. E uma lei é precisa-mente isto, um texto composto de signos com um significadoque, depois de aprovado, não deveria ser modificado, emnenhum sentido, a não ser pela autoridade que o aprovou ououtra de hierarquia superior.

A regulação jurídica desses elementos não teve, emgeral, os resultados que se esperavam, em parte pelo que seexpôs anteriormente e em parte porque as diretrizes da políticalegislativa continuaram sendo as mesmas, ao que se teria deacrescentar as dificuldades derivadas das contingências polí-ticas e das urgências que o país teve de enfrentar durante oprocesso revolucionário e, relacionado com o tempo e asurgências, o pouco tempo que tem a Assembleia Nacional paraestudar cada um dos projetos de lei submetidos à sua consi-deração com a devida profundidade. A esses obstáculos sejunta a característica de que um número significativo dedeputados não é especializado em matéria jurídica, o que épróprio de qualquer instituição parlamentar.37

O estudo do desenvolvimento do procedimento legislativoem Cuba, desde 1977, quando foi institucionalizada a AssembleiaNacional, até a atualidade, realizado na tese de doutoramentoque serve de base para este artigo, permite identificar como suascaracterísticas fundamentais as seguintes:

1 – modelo descentralizado de realização da fase pré-legislativa;

2 – criação de comissões ad hoc para desenhar eexecutar a fase pré-legislativa das leis básicas;

3 – baixa utilização da discussão popular e pública noprocesso de produção legislativa;

4 – desconexão entre as investigações jurídicas exter-nas e o processo legislativo;

discurso na mesmasessão Flavio Bra-vo Pardo (presiden-te da AssembleiaNacional) ter decla-rado que “é normal eaté desejável que,uma vez submetidoà prova da práticadurante indetermi-nado tempo, esteCódigo seja de novoanalisado”. As pas-sagens de ambosos discursos po-dem-se ver emGUILLÉN LAN-DRIÁN, Francisco.La codifi-cación delDerecho laboral em

Cuba. Editorial deCiencias Sociales,La Habana, 1987, p.101-102.

37 Sobre a duraçãodos períodos desessões da Assem-bleia Nacional, podese ver MÉNDEZLÓPEZ, Josefina. El

modelo... Anexo 9.Essa brevidade im-plicou que a Assem-bleia Nacional “nemsempre contou como tempo suficientepara estudar de ma-neira exaustiva to-dos os projetos deleis e suas conse-quências, e queagora é necessárioretificar alguns des-ses textos legisla-

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

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5 – inexistência de uma política legislativa articulada ecoerente.

A última característica, que sintetiza as anteriores,fundamenta-se nos elementos discutidos a seguir. Do pontode vista organizativo-institucional, a inexistência de umainstituição permanente encarregada de realizar as investiga-ções necessárias no âmbito da legislação impediu a continui-dade do trabalho legislativo: cada vez que as condiçõespolíticas, sociais ou econômicas do país impuseram a neces-sidade de uma intervenção legislativa de grande alcance, foipreciso criar uma comissão para desenvolver a fase pré-legislativa. Essa prática tem dificultado a formação de umaatividade legislativa baseada em princípios científicos que aorientem e, sobretudo, a possibilidade de estudar, depois deum prudente tempo de vigência da disposição normativacriada, sua eficácia, seu grau de cumprimento, seu nível deconsecução dos objetivos previstos e seus resultados (positi-vos e negativos) obtidos, possibilitando recolher argumentospara seu aperfeiçoamento.

Essa incoerência é perceptível não só no planoinstitucional, mas também no interior do próprio ordenamentojurídico: por exemplo, as leis processuais (Lei de Procedimen-to Penal e Lei de Procedimento Civil e Administrativo, ambasde 1977) foram elaboradas e colocadas em vigência antes queas respectivas leis substantivas o fossem, uma prática poucorecomendável já desde os tempos de J. Bentham.

No “Estudo sobre os fatores que mais afetam odesenvolvimento de uma cultura de respeito à lei”, cujosresultados foram discutidos pela Assembleia Nacional emjulho de 1987, concluiu-se que “com respeito à necessáriasistematização do Direito, demonstra-se como o povo cons-tata, por diferentes vias e meios, a existência de leis quedeveriam ser respeitadas por sua hierarquia, que, por vezes,são contraditadas por outras de menor importância, ou o queé pior, não são aplicadas e são substituídas por orientações ouinterpretações arbitrárias ou ilegítimas e que em geral existepouca sistematização em nosso ordenamento jurídico”.38

tivos”. CASTRORUZ, Fidel. Versãode sua intervençãona discussão doProjeto da Lei nº 59/1987, Código Civil,Diario Granma, quin-ta 21/7/87.

38 Assembleia Naci-onal do Poder Popu-lar, Estudo sobre os

fatores que maisafetam o desenvol-

vimento de uma cul-

tura de respeito àLei AN/3L/1POS/JUL.87/DOC.11,(inédito). Também sepode ver a Tese

sobre a vida jurídi-

ca do país, aprova-da pelo TerceiroCongresso da UniãoNacional de Juristasde Cuba, 1987.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

Apesar de ter sido reclamado em numerosas ocasiões,tanto em documentos políticos 39 como em trabalhos científi-cos,40 não se elaborou nem foi publicado um plano legislativo que,a curto, médio e longo prazos, garantisse a coerência doordenamento jurídico e a regulação jurídica adequada das rela-ções sociais, bem como o controle dos efeitos do Direito sobreas relações sociais e vice-versa. Tampouco se recorreu à técnicada Lei de bases para, por meio delas, assentar os princípios, asdiretrizes e o tempo de elaboração do projeto (ou anteprojeto) deleis básicas, como o Código Penal ou o Código Civil.

Se é certo que o Código Penal é a “Constituiçãonegativa do Estado” 41 e o Código Civil é a lei mais importanteem qualquer sociedade depois da Constituição, pelo seucaráter de regulação das relações sociais, não se explica porque em nossa prática legislativa não se tenha utilizado, pelomenos na elaboração desses dois corpos legais, essa técnicatão conhecida e comprovadamente eficaz, tanto na Espanhaquanto na ex-URSS, de onde provém a nossa tradição jurídica.

Talvez isso explique o fato de que o primeiro CódigoPenal aprovado depois de 1959, o de 1979, tenha “envelhecidoantes de seu nascimento” 42 e que o Código Civil tenha tido uma“obsolescência precoce”.43

Aos elementos discutidos deve ser acrescentada, porfim, a deficiente e limitada regulação dos requisitos para aelaboração e apresentação dos projetos de leis.44

II.2 – Diversidade de “legisladores” No Estadocontemporâneo o “legislador” se desdobra em vários “legis-ladores”, aos quais a Constituição e as leis atribuem a facul-dade de ditar disposições jurídicas de alcance geral. “Legisla-dor”, em sua acepção básica, refere-se à unidade ideal davontade político-jurídica, que se presume subjacente aoordenamento jurídico em geral (nesse sentido postula-se queo legislador não deve se contradizer, deve ser coerente,racional, etc.). Em sua segunda acepção, “legislador” fazreferência à pluralidade de órgãos com faculdade para ditar asmencionadas disposições jurídicas.

39 Essa proposta temseus antecedentesno Segundo Congres-so do Partido Comu-nista de Cuba (1980).Veja o Informe Cen-

tral ao II Congressodo Partido Comunis-

ta de Cuba, no I, II e III

Congresso do Parti-do Comunista de

Cuba. Editora Políti-ca, La Habana, 1990,p. 288-289, e noEstudio... da Assem-bleia Nacional.40 FERNÁNDEZBULTÉ, J. La Legali-

dad Socialista, em op.cit. p. 39-48, AZCUY,Hugo, Revolución y

Derechos, RevistaCuadernos de

Nuestra América, v.XII, nº 23, 1995, p. 151,MÉNDEZ LÓPEZ, J.op. cit. Primera de lasrecomendaciones.41 Exposição de mo-tivos do Código Pe-nal espanhol de1995, BOE, nº 54,de 2/3/1996.42 MEDINA CUENCA,A. Las penas priva-

tivas de libertad esuas alternativas,em AA. VV. La im-

plantación de penasalternativas: expe-

riencias compara-

das de Cuba e Bra-sil. Seminário Inter-nacional patrocina-do pela União Naci-onal de Juristas deCuba e Reforma

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

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A primeira é uma questão política com um importanteembasamento filosófico e ideológico que remete aos elemen-tos funcionais do regime político. A segunda é uma questãode Direito vigente e de técnica legislativa, que necessariamentedeve ser entendida com relação àquela. Como a primeira já foiexplicada, aqui será feita referência unicamente a essa segun-da acepção do termo “legislador”.

Além da Assembleia Nacional, que tem a faculdade deaprovar as leis que lhe sejam apresentadas no exercício dainiciativa legislativa, a Constituição estabelece outros “legisla-dores”. Assim, estabelece que o Conselho de Estado podeditar decretos-leis, entre um e outro período de sessões daAssembleia Nacional do Poder Popular, e o Conselho deMinistros pode ditar decretos e disposições sobre a base e emcumprimento das leis vigentes, bem como controlar suaexecução. Além dos dois conselhos, podem ditar disposiçõesjurídicas de alcance geral os chefes de organismos da Admi-nistração Central do Estado, aos quais é facultado ditar, noâmbito de suas faculdades e competência, regulamentos,resoluções e outras disposições de obrigatório cumprimentopara os demais organismos e suas dependências, o setorcooperativo, o privado e a população.

O quadro geral de “legisladores” é o seguinte:

Assembleia Nacional LeisConselho de Estado Decretos-leisConselho de Ministros DecretosChefes de organismos daAdministração Central do Estado Regulamentos e resoluções

Levando-se em conta as relações estáticas dessesórgãos entre si, poder-se-ia concluir que as relações sociaismais importantes sempre são reguladas mediante as leis quea Assembleia Nacional aprova (as disposições jurídicas demaior hierarquia normativa pela autoridade competente paraaprová-las e pelo procedimento de aprovação), e assim demaneira descendente até as resoluções. Todavia, na prática oque sucede é que o Conselho de Estado não só regula qualquer

Penal Internacional,La Habana, 2006, p.126. A elaboraçãodo CP durou dezanos e sua vigên-cia, oito.43 PÉREZ GALLAR-DO, Leonardo. La

codificación civil ,em AA. Derecho Ci-vil, Parte General,Editorial FélixVarela, La Habana,2000, p. 69.44 Diário Gramma,19/7/88. Descreve oterceiro período or-dinário de sessõesda terceira legisla-tura da AssembleiaNacional em que seanalisaram as medi-das a adotar relaci-onadas com oEstudio..., no mes-mo sentido, PÉREZMILLÁN, Félix, Dis-curso en el acto

central por el día del

trabajador jurídico,em Legalidad Soci-

alista nº 3, de 1989,p. 5.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

tipo de relações sociais, de qualquer âmbito da realidade social,como também modifica e revoga, mediante seus decretos-leis,as leis aprovadas pela Assembleia Nacional.

Essa prática tem sido aceita ou recusada de diferentesformas e com argumentos heterogêneos pelos estudiosos doDireito Constitucional e do Direito Administrativo em Cuba 45.Entretanto, se fosse seguido o “critério de hierarquiainstitucional” expressamente estabelecido na Constituição eos princípios da “hierarquia normativa e paralelismo dasformas subjacentes”, essa prática provavelmente deveriacorrer em sentido contrário.

Uma de suas consequências mais visíveis talvez seja ofato de que a Assembleia Nacional, em seus 32 anos, tenhaaprovado até hoje somente 107 leis,46 entre as quais se contamas do Orçamento do Estado, que são anuais (31 leis), as do Planode Desenvolvimento Econômico Social, aprovadas anualmentede 1978 a 1991 (13 leis), algumas leis puramente modificativase outras que foram substituídas por leis que regulam a mesmamatéria, com o mesmo nome e número diferente.

Todos esses “legisladores” só estão obrigados a cumprircom a fundamentação estabelecida no Regulamento de 1996quando exercem a iniciativa legislativa, ao passo que não o estãose atuam como “legisladores por direito próprio”, ditando asdisposições normativas sob o nome correspondente.

Da existência de diversos legisladores deriva outraconsequência que, embora esteja tecnicamente fora do proce-dimento legislativo ordinário, influi de maneira significativa naqualidade das leis. Trata-se de um problema simples na suacolocação, mas complexo em sua análise: como conseguirque as disposições jurídicas de alcance geral ditadas por cadaum dos diferentes “legisladores” sejam compatíveis entre si efaçam do Direito vigente um “ordenamento jurídico”?

Esse questionamento conduz diretamente ao tema dadefesa da Constituição em geral e ao controle daconstitucionalidade das leis em particular, um tema que emCuba tem sido tratado mais do ponto de vista político e

45 Um resumo de al-gumas das posi-ções teóricas a res-peito pode ser vistoem MATILLA COR-REA, Andry, Co-mentarios sobre

las fuentes del

Derecho Adminis-trativo cubano (ex-

cepto el regla-

mento) em AA.VV.Temas de Derecho

Administrativo, p.69-71.46 Uma caracteriza-ção geral da produ-ção legislativa daAssembleia Nacio-nal e uma informa-ção estatística mui-to valiosa até 1999pode ser vista emMÉNDEZ LÓPEZ, J.op. cit.

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

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ideológico que do ponto de vista técnico-jurídico, emboranenhum dos dois enfoques tenha provocado a adoção de umasolução tecnicamente funcional e eficaz em seus resultados.

Podem ser adotadas aqui três perspectivas diferentespara abordar o assunto: projeção no discurso político, regulaçãojurídica e tratamento teórico.

Pela Constituição, pode-se constatar uma preocupaçãoconstante nos dirigentes políticos com o respeito à “legalidadesocialista”, em cujo centro se encontrava o respeito e obedi-ência à Constituição pelos órgãos do Estado, funcionáriospúblicos e cidadãos em geral. Não obstante, por uma concep-ção instrumental do Estado,47 uma concepção voluntarista napolítica legislativa, a doutrina da “unidade de poder” e umaconfiança exagerada nas potencialidades do exercício dopoder político pelo Estado socialista e nas virtudes dasautoridades e dos funcionários que o exercem, muito rapida-mente a Constituição foi relegada a um plano de subordinaçãoaos elementos funcionais do regime político.48 O curioso éque, em correspondência com o itinerário do discurso políti-co, a regulação jurídica do controle da constitucionalidade dasleis e demais disposições jurídicas de alcance geral também foise acomodando às circunstâncias.

Como já visto, a Assembleia Nacional tem como umade suas atribuições aprovar, modificar ou revogar as leis,segundo o procedimento estabelecido no Regulamento de1996, competindo-lhe ainda, de acordo com a Constituição,decidir acerca da constitucionalidade das leis, decretos-leis,decretos e demais disposições gerais. No entanto, esse regu-lamento restringiu as poucas possibilidades abertas pelosinstrumentos anteriores no tocante ao controle deconstitucionalidade das leis. Isso se fez num duplo sentido:facultando a prerrogativa de promover a revogação no todo ouem parte dos decretos-leis do Conselho de Estado somente àscomissões permanentes da Assembleia Nacional e aos depu-tados; e outorgando a possibilidade de promovê-la só emrelação aos decretos-leis, embora sem estabelecer os casosem que procede.

47 CARRILLO GARCÍA,Yoel e GARCÍA, WalterMondelo. El pan con-tra el espíritu (uma

lectura del pensa-

miento jurídico cuba-no) em BOTEROBERNAL, Andrés eVÉLEZ, Sergio I. Estra-da (Coordenadores),Temas de Filosofía

del Derecho. SeñalEditora, Universidad deMedellín, Colombia,2003, p. 299-234.48 CARRILLO GAR-CÍA, Yoel e GARCÍA,Walter Mondelo.Marxismo, Poder y

Derecho em Cuba

(notas para un pro-grama de investi-

gación), em AA VV.Estudios de Teoriadel Derecho, Edeval,Valparaíso, Chile,2003, p. 345-385.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

Não obstante, com uma técnica legislativa lamentável,retorna-se à faculdade da Assembleia Nacional de “revogar osdecretos ou disposições do Conselho de Ministros (...) ou osacordos ou disposições dos órgãos locais do Poder Popularque violem a Constituição, as leis, os decretos-leis, decretose demais disposições ditadas por um órgão de superiorhierarquia ou afetem os interesses gerais do país”, mas destavez, estabelece-se a causa: quando contradigam a Constitui-ção ou as leis, a sua promoção compete ao Conselho deEstado, às comissões (permanentes ou temporárias) daAssembleia Nacional e aos deputados.

O controle de constitucionalidade das leis fica, no Regu-lamento de 1996, reduzido ao controle prévio que realiza aComissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos da AssembleiaNacional. É significativo que nunca tenha sido declaradainconstitucional nenhuma disposição jurídica de alcance geral, oque colocou alguns constitucionalistas diante de um dilema: ounas disposições jurídicas de alcance geral ditadas desde 1977 atéa atualidade sempre se respeitou a Constituição; ou o controle deconstitucionalidade das disposições jurídicas de alcance geral éineficaz. A julgar pelo tratamento teórico e pela duvidosaconstitucionalidade propalada por algumas disposições jurídicas,os constitucionalistas têm preferido essa última opção. Do pontode vista teórico, os estudos apontam para a necessidade deaperfeiçoar os meios de exercer o controle de constitucionalidadedas leis. As propostas têm ido das que sugerem potencializar ofuncionamento dos meios existentes com alguns retoques 49 atéas mais radicais, que propõem a criação de um Tribunal Consti-tucional como instituição especializada.50

As propostas partem da constatação de possíveisviolações à Constituição derivadas de algumas disposiçõesjurídicas como as seguintes:51

1) O Decreto-Lei nº 50, de 1982, que reconheceu umaforma de propriedade não prevista na Constituição, “a proprieda-de das empresas mistas”, reafirmada por seu reconhecimentono Código Civil, e autorizou as inversões estrangeiras, quetampouco tinham fundamento na Constituição.52

49 Por exemplo,FERNÁNDEZ BULTÉ,Julio. Los modelosde control constitu-

cional y la perspec-

tiva de Cuba hoy, emEl otro Derecho, v. 6,nº 2, 1994, p. 13-27,e FERNÁNDEZPÉREZ SERAFIN, S.Cuba y el control

constitucional em elestado socialista de

derecho, em El otro

Derecho, v. 6, nº2,1994, p. 29-44.50 Essa propostacorresponde aMARIÑO CAS-TELLANOS, Ángel,R. El recurso deamparo y el tribunal

constitucional cu-

bano: necesidad yproyecto em El otro

Derecho, v. 6, nº2,1994, p. 45-63.51 Uma lista de dispo-sições jurídicas deduvidosa constitucio-nalidade até 1996pode ser vista emMARIÑO CASTELLA-NOS, Ángel, R. El

control Constitucio-

nal en Cuba. Tese dedoutorado, Santiagode Cuba, 1996, (iné-dita).52 FERNÁNDEZ ES-TRADA, Julio A, eGUANCHE, Julio C. Seacata pero... se

cumple. Constitución,

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

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2) A reforma constitucional de 1992, que afetou cercada metade do Texto Constitucional, incluindo “direitos edeveres reconhecidos na Constituição,”53 caso em que acláusula de reforma constitucional exige que a lei de reformadeve ser ratificada em um referendo popular.

3) A recente Lei nº 107, de 2009, que criou um novoórgão estatal – a Controladoria-Geral da República – e atribuiuà Assembleia Nacional a faculdade de eleger os seus dirigen-tes, o que parece entrar em conflito com a previsão constitu-cional de que a Assembleia Nacional só tem as atribuiçõesconferidas pela Constituição e com a cláusula de reformaconstitucional que exige que, para lhe conferir novas faculda-des, a Constituição deve ser reformada e a lei de reforma deveser, também, ratificada em referendo popular.

Dos dois últimos exemplos só se poderia afirmar sua“duvidosa constitucionalidade”, já que a Comissão de Assun-tos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional decla-rou-as, em seu parecer, compatíveis com as regulaçõesconstitucionais pertinentes.

II.3 – Qualidade das leis – Algumas ideias para ofuturo – As dificuldades e deficiências assinaladas apontampara dois tipos de problemas diferentes e exigem,consequentemente, alternativas distintas para a sua solução.

As deficiências teóricas na descrição cronológica doprocesso legislativo poderiam ser explicáveis se se levar emconta, de um lado, o caráter essencialmente formalista implí-cito nos enfoques comentados e, de outro, o caráter de manualdas obras em que foram expostas. Mas, em ambos os casos,as consequências podem ser negativas. No primeiro, porquese leva em conta somente o aspecto externo, formalizado epúblico do processo legislativo, ocultando-se a parte maisimportante do processo, constituída pelos fatores ideológicose os princípios de política legislativa subjacentes, a gênese dalei, suas causas, os objetivos que se pretende conseguir, osacordos prévios à formalização do projeto, os interesses queinfluem em seu conteúdo e a hierarquia que finalmente se lhe

República y socialis-

mo en Cuba en Temas(Cuba) nº 55, 2008, p.132.53 Um quadro com-parativo dos artigosna versão originalde 1976 e a versãoreformada de 1992podem-se ver naRevista Cuadernos

de Nuestra Améri-ca, v. X,nº 21, 1993,p. 40-53.

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

atribua, o possível caráter simbólico, exploratório ou experi-mental da lei e a intervenção (ou exclusão) de diferentes atoressociais em sua gênese. Deixa oculto, enfim, o caráter dinâmi-co do processo legislativo, que em muitos casos se desenvol-ve pelo método de tentativa e erro – uma lei má pode sersubstituída, pela própria autoridade que a ditou, com base emseus defeitos e consequências negativas.

O segundo aspecto, o caráter de manual das obras emque se expõe a teoria do ato normativo, tem uma importânciadecisiva na possível compreensão real do processo legislativo.Em Cuba, o manual é o veículo privilegiado, por meio do qualse transmitem os conhecimentos aos futuros juristas; portan-to, o que nele se expõe, por sua própria finalidade de moldaro pensamento, constitui a cultura jurídica comum dos juristasformados na sua leitura.54 E se a cultura comum, compartilha-da, chega até aí, dificilmente poderia facilitar a execução deum exame como o que está implícito nas fases pré-legislativae pós-legislativa do processo legislativo.

As dificuldades e deficiências dessas colocações teóri-cas poderiam ser resguardadas em alguma medida, se fosseassumida a distinção básica entre a fase pré-legislativa, alegislativa e a pós-legislativa elaborada pelos recentes estudosde teoria da legislação. Não se trata simplesmente de completarcronologicamente o iter legislativo, mas de considerá-lo comoum processo circular no qual a fase legislativa ocupa simples-mente um lugar intermediário, que deve ser estudada em estreitacorrelação com o processo de elaboração de um projeto de leie com a avaliação de seu impacto nas relações sociais.

Por outro lado, essa distinção, como se afirmou, só éaplicável ao processo de produção das leis em sentido formale material e suas qualidades explicativas são limitadas; porisso, uma compreensão profunda do processo de produçãolegislativa do Direito deve se interessar, além disso, peloestudo do processo de criação das demais disposições jurídi-cas de alcance geral de hierarquia inferior àquelas.

Do ponto de vista teórico poderia orientar o processoa tese de que a legislação é um meio para conseguir fins sociais

54 Sobre o lugar dosmanuais na literaturajurídica cubana podever-se CARRILLOGARCÍA, Yoel ePAVÓ ACOSTA, Ro-lando. Un punto de

vista sobre lasinvestigaciones jurí-

dicas en Cuba, emRevista de Derechoy Ciencias políticas

de la Universidad

Pontifícia Boliva-riana de Colombia,nº 107, 2007, p. 405-485.

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que beneficiem toda a sociedade. Em consequência, qualquerlei deveria ser justificada do ponto de vista sociológico eaxiológico e da perspectiva de seus destinatários. Essa justi-ficação, que consiste em sua capacidade para alcançar osobjetivos que levaram à sua adoção, só é possível pelaexecução de estudos e investigações profundas emultidisciplinares, cujos resultados garantam um nível ade-quado de efetividade e eficácia social.

Do ponto de vista legislativo, institucional, as possíveisalternativas de solução devem ser cuidadosamente pondera-das, mas se poderia adotar como princípio o seguinte: qual-quer que seja a alternativa mais conveniente, para a soluçãodas deficiências requer-se uma mudança de atitude, além deuma mudança nas regulações vigentes.

Antes de propor alguma solução no âmbito normativo,é preciso insistir em três aspectos que já foram indiretamenteassinalados. O primeiro é que a norma vigente no Regulamentoda Assembleia Nacional, de 1996, só é aplicável aos projetos delei. Todavia, pelas características do regime político e dadinâmica legislativa, as leis não ocupam um lugar central nadinâmica do ordenamento jurídico, e sim os decretos-leis, quenão estão sujeitos ao processo legislativo previsto no ditoregulamento. A dificuldade se agrava pelo fato de que naConstituição não se estabelece a competência material dosdiferentes “legisladores”, de maneira que as relações sociais,sem considerar sua importância, transcendência ou hierarquia,podem ser reguladas indistintamente mediante uma lei, umdecreto-lei ou qualquer outra disposição de hierarquia normativainferior. A diferença se prende a que, para regulá-las medianteuma lei, é preciso recorrer ao iter legislativo previsto noRegulamento, mas não é preciso segui-lo se forem reguladosmediante um decreto-lei ou outra disposição jurídica inferior.

Embora limitada às leis, a regulação vigente estabelecede maneira deficiente a fase pré-legislativa e não regula a fasepós-legislativa, rompendo com isso o caráter sistêmico ecircular do processo legislativo e impondo a quem exerce ainiciativa legislativa a “obrigação” de começar sempre desde

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REGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASREGIME POLÍTICO E QUALIDADE DASLEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBALEIS EM CUBA

o princípio, embora na prática suceda geralmente o contrário:a modificação, revogação ou substituição das leis se funda-menta normalmente “nos resultados obtidos da experiência desua aplicação”.

Por outro lado, o caráter regulamentador das normasimpede a sua aplicação mais além dos projetos de lei e subtraido processo legislativo as disposições jurídicas de alcancegeral ditadas por outros órgãos do Estado.

O diagnóstico anterior permite fazer as seguintespropostas concretas:

Primeira – Do ponto de vista metodológico, seriaconveniente desenhar o processo legislativo em forma circu-lar, de maneira que comece com a análise das relações sociaisque devem ser reguladas, suas características, tendências ecausas, e contenha o desenho e a apresentação da disposiçãojurídica por meio da qual se propõe regulá-las (após oesgotamento de outras possíveis vias de solução relacionadascom o Direito vigente e com sua prática). Depois de aprovadae posta em vigor tal disposição jurídica, seriam avaliados osresultados obtidos de sua vigência, que, se negativos, pode-riam originar a continuidade do processo legislativo no qual sedeterminasse quais medidas se deveria adotar para reforçarsua eficácia e, no limite das possibilidades, propor sua reformaou revogação.

Segunda – Do ponto de vista normativo seria conve-niente a regulação do processo legislativo segundo os princí-pios seguintes:

1 – A aprovação da regulação, para que ela tenha ummaior âmbito de aplicação, mediante uma lei que torneobrigatório seu cumprimento por todas as autoridades com-petentes para ditar disposições jurídicas de alcance geral e poraquelas que, mesmo não tendo essa competência, podemexercer a iniciativa legislativa.

2 – A imposição de uma dupla responsabilidade aoórgão do Estado que propõe a modificação do Direito vigente

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ou a introdução de novas regulações no ordenamento jurídico:por um lado, a de executar os estudos multidisciplinares e asinvestigações prévias que garantam a efetividade e a eficáciasocial, a segurança jurídica e sua harmonia com o ordenamentojurídico, além de apresentar os resultados à AssembleiaNacional; por outro lado, a de avaliar periodicamente adisposição jurídica do ponto de vista dos resultados obtidoscom sua vigência e as medidas adotadas para reforçá-la.

3 – A definição do âmbito de competência material dosórgãos que ditam as disposições jurídicas de alcance geral, demaneira que, de acordo com a transcendência, a importânciae a medida em que afetem os direitos e interesses individuais,as relações sociais, o funcionamento dos órgãos do Estado oua relação desses com aquele, possam ser definidas legalmenteque relações sociais devem ser reguladas, mediante qual tipode disposição jurídica, por qual órgão e com que alcance.

4 – O estabelecimento da obrigação de elaborar bases,a serem aprovadas pela Assembleia Nacional quando propos-tas pelos que têm a faculdade de exercer a iniciativa legislativaou pelos diferentes “legisladores”, para a modificação de leisbásicas do ordenamento jurídico, ou de elaborá-las a própriaAssembleia Nacional, no uso da faculdade atribuída peloRegulamento de 1996.

Terceira – Do ponto de vista institucional tal leideveria:

1 – Atribuir a um dos órgãos superiores do PoderPopular a competência de velar por seu cumprimento, parti-cularmente para avaliar a qualidade do processo legislativo emsuas fases pré-legislativa e pós-legislativa. Essa função pode-ria ser realizada por meio da criação de uma instituiçãoespecializada de caráter permanente e de alcance nacional paradesenhar, coordenar e/ou executar investigações sociojurídicasnecessárias para o constante aperfeiçoamento do ordenamentojurídico.

2 – Incluir expressamente, na obrigação estabelecidapela Constituição, que os órgãos estatais inferiores têm de

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prestar conta aos superiores daquilo que esteja relacionadocom a avaliação ex post das disposições jurídicas de alcancegeral ditadas no período e dos resultados conseguidos comsua aplicação.

3 – Estabelecer institucionalmente a maneira pela qualos resultados das investigações jurídicas realizadas no paíspor diferentes vias possam ser aproveitados no processolegislativo, criando vínculos diretos entre os órgãos do Estadocompetentes para ditar disposições jurídicas de alcance geral,ou para exercer a iniciativa legislativa, e as faculdades deDireito ou centros de investigações jurídicas do país.

Quarta – Como corolário das sugestões anterioresestá a solução do problema do controle da constitucionalidadedas leis, sobre o qual não é necessário fazer uma propostaconcreta, mas sim uma remissão às propostas dos autoresmencionados no corpo do texto e expressar otimismo em quetalvez o processo de “fortalecimento da institucionalidade dopaís”, anunciado em 2008 pelo Presidente do Conselho deEstado e de Ministros, do quais é um exemplo a mencionadaLei da Controladoria-Geral da República, alcance também asolução de alguns problemas que afetam a qualidade das leis.

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JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:NOVNOVNOVNOVNOVAS DEMANDAS PAS DEMANDAS PAS DEMANDAS PAS DEMANDAS PAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃOARA A EDUCAÇÃOARA A EDUCAÇÃOARA A EDUCAÇÃOARA A EDUCAÇÃO

E A SEGURANÇA PÚBLICAE A SEGURANÇA PÚBLICAE A SEGURANÇA PÚBLICAE A SEGURANÇA PÚBLICAE A SEGURANÇA PÚBLICA

ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*ÂNGELA MARIA DIAS NOGUEIRA SOUZA*

ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**ROBSON SÁVIO REIS SOUZA**

*Pedagoga (UFMG).Especialista em Po-líticas Públicas paraa Juventude (PUCMinas). Supervisorametodológica doprograma Fica Vivo!da Superintendênciade Prevenção àCriminalidade, daSecretaria de Esta-do de Defesa Socialde Minas Gerais.

**Filósofo (PUC Mi-nas). Especialistaem Estudos deCriminalidade e Se-gurança Pública(UFMG) e em Teoriae Prática da Comu-nicação Social (USF/SP). Mestre em Ad-ministração Pública– Gestão de Políti-cas Sociais (EG/FJP). Pesquisadordo Centro de Estu-dos de Criminali-dade e SegurançaPública (UFMG).Professor (PUC Mi-nas). Coordenadordo Núcleo de Estu-dos Sociopolíticos(PUC Minas). Coor-denador do Núcleode Direitos Humanos(Proex/PUC Minas).

Resumo: O presente artigo faz uma breve análise sobre asnovas demandas que passam a configurar o papel da escola,notadamente em comunidades violentas, discutindo a questãopor meio de um estudo de caso e apontando que não se deveratificar um preconceito do senso comum que afirma serem osjovens um problema. Os jovens das periferias violentas dasgrandes cidades brasileiras enfrentam muitos desafios que osimpedem de exercer sua cidadania; portanto, a função daspolíticas públicas, incluindo a escola pública, é auxiliá-lospara que eles possam vencer os obstáculos e usufruir plena-mente dos seus direitos de cidadãos.

Palavras-chave: violência e criminalidade; escola e violên-cia; políticas públicas de prevenção à criminalidade;delinquência juvenil.

Abstract: This article makes a brief analysis of these newdemands that now configure themselves as a role of theschools, especially in violent communities, discussing theissue by means of a case study and pointing out that thecommon sense prejudice that identifies young people as theproblem can not be sustained. In fact, the youth from theviolent peripheries of the Brazilian cities face many challengesthat hinder them from exercising their citizenship; therefore,

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 11, n. 17, p. 123-148, jul./dez. 2009

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the function of the public policies, including public schools, isto help them so they can overcome these obstacles and fullyenjoy their rights as citizens.

Keywords: violence and criminality; school andviolence; public policies of crime prevention; juveniledelinquency.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

A violência no Brasil – em especial a criminalidadeviolenta1 – cresceu muito nos últimos anos. Vários estudos têmcomprovado, sistematicamente, que os jovens são as maioresvítimas desse tipo de violência. A falta de políticas públicasfocadas nos jovens, o grande número de armas disponíveis esem controle e a intensificação do tráfico de drogas, principal-mente nas periferias das grandes cidades, são fatores quecontribuem para o adensamento da vitimização juvenil. Essesingredientes articulados respondem por altas taxas de letalidadedessa população2.

Fernandes (2004) corrobora o argumento de que osjovens estão entre as principais vítimas da violência no Brasile as taxas de vitimização dessa faixa etária, nas cidadesbrasileiras, estão entre as mais altas do mundo. O autor aindaacrescenta outro dado: a baixa escolaridade desses jovens.

A violência atinge todas as camadas sociais. Foi o quedemonstrou uma pesquisa sobre vitimização feita em 2002pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública(Crisp/UFMG), em Belo Horizonte. A pesquisa apontou quea cidade era a capital brasileira onde as pessoas se sentiam maisinseguras. “A população de BH sofre com a violência objetiva,que chamamos de violência real, e com a violência subjetiva,que chamamos de violência sentida”3.

Segundo Soares (2004), para se compreender a questão daviolência faz-se necessário interpretá-la em um contexto, de acordocom o tempo, a história, a política e a cultura local da sociedade.

Várias são as matrizes da criminalidade e suasmanifestações variam conforme as regiões do país e

1 Estamos nos refe-rindo aos crimes vio-lentos, de acordo coma seguinte classifica-ção: homicídio, homi-cídio tentado, estupro,roubo, roubo a mãoarmada, roubo de ve-ículos, roubo de veí-culos a mão armadae sequestro. Especi-ficamente, estamospreocupados com oimpacto do aumentodos homicídios, prin-cipalmente na faixaetária entre 14 e 29anos.2 Há que se destacar,também, como nosapresenta Soares(2004), que o Brasil temtaxas significativas deoutras formas de vio-lências: a violência do-méstica e de gênero,os crimes de racismoe a homofobia. Essestipos de violência sãopouco denunciados,portanto, menos regis-trados pelos órgãosoficiais e, por isso,menos conhecidos.3 Pesquisa disponívelem www.crisp.ufmg/vitimização. Acessoem: 7/ ago/ 2009.

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dos estados. O Brasil é tão diverso que nenhumageneralização se sustenta. Sua multiplicidade tam-bém o torna refratário a soluções uniformes (SOA-RES, 2004, p. 131).

Silva (2004) traz outro elemento para discussão daviolência urbana, o que denomina de “sociabilidade violenta”.Ele acredita que a violência urbana não é simples sinônimo decrime comum nem de violência em geral.

Trata-se, portanto, de uma construção simbólica quedestaca e recorta aspectos das relações sociais queos agentes consideram relevantes, em função dosquais constroem o sentido e orientam suas ações(SILVA, 2004, p. 295).

Na compreensão desse autor, a sociabilidade violentaafeta mais especificamente os moradores das favelas, emvirtude da forma urbana típica desses locais,

em geral muito densos e com traçados viários precá-rios, dificultando o acesso das pessoas que não estãofamiliarizadas com eles e, portanto, favorecendo ocontrole pelos agentes que lograrem estabelecer-seneles (SILVA, 2004, p.24).

Uma pesquisa divulgada em agosto de 2009 pelo Labo-ratório de Análise da Violência, da Universidade Estadual doRio de Janeiro, em parceria com o Unicef, a SecretariaEspecial dos Direitos Humanos da Presidência da Repúblicae a organização não governamental Observatório de Favelas4,projeta que o número de mortos na faixa etária entre 14 e 19anos chegará a 33.504 entre 2006 e 2012, sendo que metadedesses crimes acontecerá nas capitais. A chance de um jovemmorrer por arma de fogo é três vezes maior, em comparaçãocom outras armas.

De acordo com o levantamento, a média de adolescen-tes assassinados no Brasil antes de completarem 19 anos é de2,03 para cada grupo de mil. O número é preocupante, dadoque, numa sociedade pouco violenta, essa taxa deveria apre-sentar valores próximos de zero.

4 Os dados completospodem ser acessadosem: www.mj.gov.br/sedh/documentos/idha.pdf. Acessoem: 20 ago. 2009.

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O estudo, feito em 267 municípios brasileiros com maisde 100 mil habitantes, revela também a disparidade entre ascondições de segurança nas diferentes regiões do País. Em34% dos municípios pesquisados, o IHA – Índice de Homicí-dios na Adolescência – foi inferior a um adolescente assassi-nado para cada grupo de mil. Cerca de 20% das cidadesobtiveram valores superiores a três jovens mortos a cada milhabitantes. Significa que, em tese, um em cada 500 adolescen-tes brasileiros será assassinado antes de completar 19 anos.

Tendo como referência o ano de 2006, o municípiocom o pior resultado foi Foz do Iguaçu (PR), onde o IHA erade 9,7. Minas Gerais ocupava o segundo lugar no ranking,dado que Governador Valadares tinha um índice de 8,5adolescentes mortos para cada grupo de mil. Betim, Ibirité,Contagem e Ribeirão das Neves também figuraram entre os20 municípios com maiores indicadores de mortalidade deadolescentes.

Entre as capitais, Maceió e Recife lideravam o rankingde homicídios entre adolescentes, ambas com uma média de 6jovens mortos para cada mil, mas as taxas de homicídios deadolescentes nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e deBelo Horizonte foram consideradas pelos pesquisadores mui-to altas.

Por fim, o estudo mostra que a probabilidade de servítima de homicídio é quase 12 vezes maior para homens; quea população negra é a que mais sofre com a violência e que orisco de um jovem negro morrer assassinado é 2,6 vezes maiorem relação ao de um branco.

Levando-se em conta outros indicadores que apresen-tam uma concentração de mortes na faixa etária dos 14 aos 29anos, como as mortes de jovens no trânsito, pode-se concluirque nosso país tem uma dívida social enorme para com osadolescentes e jovens. Somente 26% das mortes dos adoles-centes ocorrem por causas naturais. Os outros 74% das mortesderivam de múltiplos fatores – acidentes, brigas banais, açãopolicial inadequada, envolvimento com o tráfico de drogas,exclusão social (SOUZA, 2009).

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Alguns pesquisadores, entre eles Soares (2004),Fernandes (2004) e Filho e Souza (2003), defendem que aspolíticas públicas de enfrentamento da violência, especial-mente da criminalidade violenta, devem ser dirigidas à popu-lação jovem dos bairros mais pobres, apesar de acreditaremque não há relação direta entre pobreza e criminalidade e quealguns fatores existentes nesses locais contribuem para oaumento da violência, entre eles o desemprego, o tráfico dearmas e de drogas e a falta de políticas públicas nas áreas deeducação, saúde, lazer e serviços de apoio às famílias.

Os bairros pobres, por sua vez, cheios de recursoshumanos e culturais, ativos no trabalho e no consu-mo, cada vez mais cientes de seus direitos, são,contudo, carentes de bens públicos e de capitalsocial. Tornam-se consequentemente mais vulnerá-veis ao crescimento de domínios armados paralelos(FERNANDES, 2004, p. 262).

Porém, Arroyo (2004) alerta: antes de condenar osjovens é necessário compreender a sociedade na qual vivemos.O autor ainda acrescenta que as violências praticadas porcrianças, adolescentes e jovens nos assustam porque mexemcom nosso imaginário.

Não é o lócus onde se dá a violência que nos assusta,mas os sujeitos. Esses sujeitos infantis. Ver e convi-ver com adultos violentos é normal. Pais violentos,companheiros violentos, chefes de governo e dePentágonos usando a violência preventiva, matandoinocentes ou pré-culpados sem julgamento... Tudode acordo com ‘a moral’ dos adultos. Porém, crian-ças violentas onde estiverem, em casa, na rua, nasescolas é assustador e ameaçador. Não porque amea-cem mais do que os adultos, mas porque ameaçam osimaginários sociais, coletivos, pedagógicos e docen-tes sobre a infância-adolescência (p. 4).

Esse autor considera importante vencer a concepçãodualista de anjos e capetas que se tem sobre as crianças,

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adolescentes e jovens, pois esse paradoxo impede deenxergá-los como sujeitos reais, com complexas trajetóriasexistenciais.

Juventudes: breves consideraçõesJuventudes: breves consideraçõesJuventudes: breves consideraçõesJuventudes: breves consideraçõesJuventudes: breves considerações

Para compreender a juventude é importante analisá-laem um contexto histórico e sociocultural, considerando osaspectos econômicos, as transformações sociodemográficas, aclasse social e as características daqueles que não são jovensno campo das interações sociais, ou seja, os fenômenoscaracterísticos da sociedade em geral (ARCE, 1999).

Para Eisenstadt (apud ABRAMO, 1997), o conceitoternário do ciclo de vida (infância, juventude e fase adulta) éuniversal. Porém, cada sociedade tem um modo específico dedefinir essas etapas e lhes conferir significados próprios, quenem sempre resultam na constituição de grupos etários ho-mogêneos. Isso ocorre nas sociedades modernas que sãoregidas por valores universalistas, nas quais a socialização dafamília não é suficiente para a integração do indivíduo nasociedade. Nessas sociedades a transição para a vida adulta édificultada e complicada por vários fatores: divisão do traba-lho, especialização econômica, segregação da família eaprofundamento dos valores universalistas.

O conceito de juventude como fenômeno social surgiuno século XX, baseado na sociologia funcionalista, preocupadacom as disfunções e falhas no desenvolvimento do indivíduo noprocesso de socialização. Esse conceito é variável e foi-seprocessando no desenvolvimento da sociedade ocidental. Ju-ventude entendida como um período de transição entre ainfância e a vida adulta, quando ocorrem várias mudançaspsicológicas e sociais e se dá também a complementação dodesenvolvimento físico.

A condição juvenil foi representada primeiramentepelas classes altas. As expressões juvenis das classes popula-res não eram reconhecidas como movimentos juvenis. Jovensdas classes populares eram denominados delinquentes, deso-cupados e trabalhadores. Foram as transformações do século

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

XX, tais como crescimento populacional, a urbanização, ocrescimento econômico do pós-guerra, a expansão e a deca-dência da classe média, o desenvolvimento dos meios decomunicação e a segregação socioespacial que fizeram emer-gir a juventude da classe média e, posteriormente, a juventudedas classes populares dos bairros pobres e das favelas.

A ideia de classe desviante, identificada com os (jo-vens) pobres, ganhou um novo contorno, passando a ser umproblema de toda uma geração (dos jovens pobres e ricos). Aospoucos, a sociedade passa a aceitar com certa normalidade osdilemas de uma juventude crítica, portadora de transforma-ções, capaz de transformar idealismo em realismo e rompercom as estruturas sociais vigentes.

Para compreender a juventude do século XXI é neces-sário desconstruir esse modelo (de juventude) idealizado pelomundo adulto burguês, forjado a partir do projeto iluminista,servindo-se do discurso evolucionista. Contemporaneamente,as transformações geradas pela experiência com o tempo ecom o espaço contribuíram para a emergência de novas formasde se fazer visível e presente, principalmente no campo dacultura.

Para Herschmann (1997), a juventude contemporâneaé fruto de uma sociedade que convive com a fragmentação ea pluralidade, reflexo do processo de modernização causadopelo capitalismo globalizado. Esse autor afirma que no Brasilaconteceram nesses últimos tempos várias mudanças cultu-rais, fruto da insatisfação da sociedade com a social-democra-cia, que não conseguiu cumprir com dois de seus objetivosfundamentais: a efetivação da cidadania e a melhoria dascondições de vida da população. A falta de projetos nacionaiscom propostas capazes de responder aos anseios dos jovensdas classes populares levou-os a se limitarem nos seus espaçosde invisibilidade, tornando-os, sob o ponto de vista da socie-dade, sujeitos de identificação estereotipada e condenatória.Porém, esse contexto social possibilitou o surgimento de umtipo de estrutura que aproxima cidadania, comunicação demassa e consumo. Esse processo de homogeneização/frag-

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mentação é resultado da dinâmica cultural contemporânea,desencadeada pelo capitalismo transnacional e pela impossi-bilidade de realização das utopias modernas. No entanto, issonão significa o fim do social e do político, mas a construção dealgo novo em um contexto no qual as diferenças e os processosde homogeneização se encontram em negociação permanente.O funk e o hip-hop são exemplos dessa fragmentação/pluralidade. Os integrantes desses movimentos ocupam umaposição marginal e ao mesmo tempo central na cultura brasi-leira e, embora estigmatizados e excluídos, estão em sintoniacom a era da globalização. Eles conseguem visibilidade erepresentação num terreno demarcado, paradoxalmente, pelaexclusão e integração, sendo, portanto, espaços deressignificação dos jovens das periferias e das favelas.

Finalmente, há que se considerar a complexidade de seconstruir um conceito de juventude que seja capaz de abrangertoda a sua heterogeneidade. Nesse sentido, Sposito (2003) eDayrell (2005) preferem trabalhar com uma noção de juventu-de na ótica da diversidade, utilizando o termo no plural, ouseja, juventudes.

A juventude constitui um momento determinado, masnão se reduz a uma passagem, assumindo umaimportância em si mesma. Todo esse processo éinfluenciado pelo meio social concreto no qual sedesenvolve e pela qualidade das trocas que esteproporciona (DAYRELL, 2005, p.34).

As questões da juventude entraram para a agenda socialno Brasil enquanto política pública nos últimos anos(CAMARANO e MELLO, 2006) em virtude do temor daexplosão demográfica, entre outros fatores. Nota-se que quase30% da população brasileira está na faixa etária entre 14 e 20anos de idade. E, nesse contexto,

novas questões foram sendo adicionadas ao deba-te sobre juventude, tais como: instabilidade eprecariedade na inserção para o mercado de traba-lho, instabilidade das relações afetivas, violência

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

nas grandes cidades, taxas crescentes prevalentessobre a mortalidade por doenças sexualmentetransmissíveis, em especial a Aids (CAMARANO eMELLO, 2006, p.13).

Para esses autores, a discussão em torno da juventudeainda é caracterizada por temas negativos, o que levou a umacentralização da crise social nos jovens. Essa concentração, dealguma forma, refletiu-se no final da década de 1990 e início de2000, quando começaram a surgir os programas voltados para apopulação jovem, com o envolvimento de várias parcerias dasociedade civil com o Poder Executivo nos três níveis de governo(federal, estadual e municipal), numa tentativa de se criarempolíticas públicas para essa população (SPOSITO, 2003).

Programa Programa Programa Programa Programa Fica Vivo!Fica Vivo!Fica Vivo!Fica Vivo!Fica Vivo!: um trabalho articulado em rede: um trabalho articulado em rede: um trabalho articulado em rede: um trabalho articulado em rede: um trabalho articulado em rede

Em 2002, a partir de uma análise detalhada dacriminalidade em Belo Horizonte, iniciou-se, sob a coordena-ção do Centro de Estudos de Criminalidade e SegurançaPública da UFMG (Crisp), uma discussão para a construção deuma metodologia de trabalho visando reduzir os homicídiosentre os jovens de 14 a 24 anos das regiões mais violentas deBelo Horizonte. Foi elaborado então o projeto “Controle deHomicídios”, denominado posteriormente Fica Vivo!, comações de prevenção e repressão qualificada, por meio dométodo de soluções de problemas.

Esse projeto iniciou-se como experiência-piloto, em2002, no Aglomerado Morro das Pedras, na região oeste deBelo Horizonte, e foi institucionalizado em 2003 pelo governode Minas Gerais, que o transformou em programa, com oDecreto no 43.334/03.

O programa tem dois níveis de ação: intervenção estra-tégica e proteção social. A proteção social prioriza sua atuaçãona mobilização comunitária, na articulação dos serviços locaise no atendimento aos jovens.5

São priorizadas as ações de mobilização e articulaçãodos grupos de diversas áreas: educação, saúde, esportes, cultura,assistência social, associações e moradores da comunidade,

5 As atividades deproteção social sãocoordenadas porprofissionais que tra-balham nos Núcleosde Prevenção àCriminalidade – equi-pamento de base lo-cal das comunidadesde intervenção doprograma.

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para que eles contribuam com ações de prevenção à criminalidadede forma mais organizada e sistemática. A proposta é que essasfrentes de trabalho possam criar possibilidades para que osjovens construam uma alternativa de vida que não seja pelas viasda violência. O trabalho de mobilização comunitária tem comodiretriz a busca de soluções coletivas para os problemas juvenis,a partir da interação entre agentes diversos, numa estrutura derede que possibilita a potencialização de recursos, equipamen-tos e iniciativas sociais.

O principal objetivo do programa é dialogar com osjovens envolvidos com a criminalidade e, por meio do diálogo,construir ações passíveis de inclusão nas instituições respon-sáveis pela execução de políticas públicas que lhes são dedireito, como educação, saúde, inclusão produtiva, lazer,esporte etc.

Propicia-se aos jovens a oferta de atividades culturais eesportivas, com a ação mais expressiva dentre elas desenvol-vendo-se nas oficinas. Além do trabalho com os jovens, sãopropostas a articulação comunitária e a criação de redes locaisde proteção social (escolas, postos de saúde e demais proje-tos). Para obter os resultados, o programa realiza reuniões edebates com a comunidade local para discutir os problemasenfrentados pelos jovens na conquista de seus direitos edivulgar as ações positivas dos jovens, principalmente asligadas à produção cultural (geralmente vista pelas comunida-des locais e pela sociedade em geral como algo sem valor –uma cultura subalterna que não merece reconhecimento).

Breve estudo de caso: como a escola lida com aBreve estudo de caso: como a escola lida com aBreve estudo de caso: como a escola lida com aBreve estudo de caso: como a escola lida com aBreve estudo de caso: como a escola lida com aviolência?violência?violência?violência?violência?

Durante a implantação do programa, os profissionaisdos Núcleos de Prevenção à Criminalidade (do Fica Vivo!)procuram conhecer e dialogar com os jovens, com a comuni-dade e com as instituições, construindo um diagnóstico dadinâmica da violência local. Verificam, também, como essasinstituições lidam com a questão da violência e com os jovensinfratores.

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JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:NOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO E

A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

Após esse diagnóstico inicial, as instituições e os líde-res comunitários são convidados para participar do curso de“Gestores Locais de Segurança”, que é um importante instru-mento de diálogo com as instituições e a comunidade. Essacapacitação tem como objetivo discutir a nova concepção desegurança pública, visando reconhecer a segurança como umdireito de todos, ou seja, como responsabilidade do Estado ede toda a sociedade, e não somente como “caso de polícia”; eentender as questões de violência na sua amplitude e comple-xidade, para que se possa problematizar a criminalidade locale, por meio dessas discussões, sensibilizar a comunidade e osrepresentantes das instituições locais para que participem dasações do programa. No final do curso é construído o “PlanoLocal de Segurança”, contendo as ações conjuntas da comu-nidade, instituições parceiras e profissionais dos núcleos deprevenção.

Um dos objetivos do programa Fica Vivo! é incluir osjovens envolvidos com a criminalidade nas políticas públicaslocais. Especificamente com as escolas, a proposta é desensibilização para que essas instituições públicas acolham osjovens que se encontram excluídos do sistema de ensino, nasua maioria porque se envolveram com algum problema deindisciplina e/ou violência.

Apresentaremos, sinteticamente, uma análise do traba-lho de intervenção em uma escola que está localizada numaárea onde funciona o Núcleo de Prevenção à Criminalidade, daregião do bairro Ribeiro de Abreu, em Belo Horizonte.

Para trabalhar em parceria com as escolas, os profis-sionais do programa lançam mão das teorias de BernardCharlot sobre a violência na escola, porque, além de trabalharconceitos fundamentais, o autor delineia como o problemapode ser enfrentado.

Charlot (2005) distingue as várias formas de manifes-tação da violência no ambiente escolar.6 Assim, o termo“violência na escola” se refere às violências que acontecemdentro da instituição escolar, mas não estão ligadas às suasatividades. São exemplos dessa violência os roubos, invasões

6 O autor consideraimportante distinguirviolência, transgres-são e incivilidade noambiente escolar.Assim o termo vio-lência é utilizadopara ações contra alei, como o uso daforça ou ameaça desua utilização. Porexemplo, o tráfico dedrogas, as lesões, ovandalismo, a extor-são e os insultos gra-ves. A transgressãoé o comportamentocontrário ao regula-mento interno da ins-tituição escolar, co-mo o absenteísmo,a não realização detrabalhos escolares,a falta de respeito.As incivilidades sãoações contrárias àsregras de boa convi-vência, desordens,grosserias, empurrões,ofensas (CHARLOT,2005).

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e acertos de contas por grupos rivais. Nesse caso a escola éapenas um local onde a violência ocorre. A “violência àescola” é a violência ligada à natureza e às atividades dainstituição educacional. Ela acontece quando os alunos provo-cam incêndios e agridem os professores, por exemplo, ou seja,a violência contra a instituição ou o que ela representa. Por fim,há que se considerar ainda a “violência da escola”, ou seja, aviolência institucional simbólica. Como a instituição escolardefine, por exemplo, os modos de composição das classes, asformas discricionárias de atribuição de notas, etc.

Para esse autor, a escola possui grande margem de açãofrente às violências da e à escola. Porém, se a escola tempoucos recursos para solucionar os problemas de violênciaque não estão ligados às atividades da instituição, ou seja, sea violência vem de fora, ela deve buscar auxílio de outrasagências.

Tendo como fulcro essas distinções, retomemos o casoem análise: apesar do convite a todas as instituições escolarespara participar do curso de gestores, representantes de umaescola da região não participaram de nenhum dos encontros.Coincidentemente, essa instituição foi muito citada pela co-munidade e pelos jovens, por se tratar de uma escola comvários relatos de violência. Isso exigiu da equipe do Núcleo dePrevenção à Criminalidade local uma estratégia para incluir aescola nas discussões e ações de prevenção da violência.

Foram feitas várias reuniões com os jovens, professo-res, comunidade e direção da instituição, com o objetivo deentender o problema da violência na escola e elaborar estraté-gias de ações conjuntas que pudessem ser executadas pelosprofissionais da educação, comunidade, parceiros e pelostécnicos responsáveis pelas ações do programa na região.

Pais e alunos relataram que a escola “era um caos”.Citaram alguns casos de desordem, tais como a falta de luz, demerenda, de água, de professores, de material didático, alémde constantes atos de desrespeito entre alunos e professores,porte de armas e drogas pelos alunos, roubos, assaltos e até aexplosão de uma bomba no interior da instituição.

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

Os alunos comentaram que os professores davam aulassomente “no dia que eles deixavam”.

Os professores não têm autoridade, porque quemmanda na escola são alguns alunos que manipulam oscolegas e os professores. O professor faz de conta queestá tudo bem e toca o barco. Os professores sabemque eles são traficantes e preferem não criar nenhumtipo de atrito com eles (Depoimento de alunos).

De posse das opiniões dos pais e dos alunos, os técnicosdo programa Fica Vivo!, promoveram reuniões com os profis-sionais da escola para ouvir a versão de todos os envolvidos eelaborar um plano de ação.

Os profissionais da escola relataram que a instituição era“boa”, mas, depois de algumas invasões7 que aconteceram naregião próxima à escola, os professores “perderam o controle”.

Os professores contaram muitos casos de violência den-tro e fora da escola, principalmente nos períodos da manhã e datarde, quando funciona o ensino fundamental, tais como alunosque usam e traficam drogas e também usam armas de fogo(dentro da escola). Falou-se de alunos que estão “marcados”para morrer, que roubam e matam, e continuam indo para aescola sem sofrer nenhuma punição. Essas informações são“divulgadas” dentro da escola com certo receio e cheias demistérios, pois as informações precisas ninguém as tem. Issotraz insegurança ainda maior para os profissionais da educação,que se sentem impotentes diante dos problemas enfrentados.

Ainda segundo o relato dos profissionais da educação,os alunos dos programas sociais “só vão à escola porque sãoobrigados”.

Alguns são usuários de drogas e estão envolvidoscom o tráfico; também alguns pais espancam seusfilhos e os jogam dentro da escola, porque precisamda frequência dos filhos à escola para continuarrecebendo auxílio dos programas sociais (Depoi-mento de professores).

7 As invasões a quese referem os pro-fessores acontece-ram em uma áreabem próxima à es-cola, por famíliaspobres.

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Em alguns casos a escola chama os pais, a polícia ouo Conselho Tutelar. Mas, segundo os educadores, essasagências “não sabem o que fazer com os adolescentes violen-tos, principalmente os usuários de drogas e os que são violen-tados pela família”.

Para os professores, as causas dos problemas na escolaeram: a carência das famílias, a “desestruturação familiar” e aviolência local. No turno da manhã, segundo o relato doseducadores, havia alguns casos de alunos usando tíner. Essesalunos na maioria das vezes tornam-se muito agressivos eficam sem condições de assistir às aulas.

A escola não contava com o apoio das famílias. Aprovidência que a escola tomava, quando havia casos deviolência, era chamar a mãe que, muitas vezes, também estavaalcoolizada ou drogada. A polícia era acionada, mas tambémnão resolvia o problema, e o Conselho Tutelar, quando comu-nicado, não comparecia.

Os educadores citaram a escola como ponto de encon-tro dos jovens, “que fazem o que querem lá dentro, mas aescola não pode fazer nada, porque os alunos têm direitos e nãopodem ser expulsos”.

Analisando a violência escolarAnalisando a violência escolarAnalisando a violência escolarAnalisando a violência escolarAnalisando a violência escolar

Considerando o resultado de pesquisas sobre violêncianas escolas, como a realizada pelo Crisp/UFMG entre 2003 e20048, pode-se perceber, pelas características dos locais ondeas mais diferentes escolas – públicas ou privadas – se encon-tram, que sinais físicos ou sociais de desordem, bem como apresença de agentes que produzem desordem, estão associa-das à frequência de depredação e de outros eventos devitimização. Portanto, a violência está muito mais relacionadaà desorganização social do que às desvantagens econômicas.

Outro ponto de destaque na referida pesquisa são asconsiderações acerca da pertinência de relações de parceriaentre escolas e comunidades, independentemente de se tratarde escolas públicas ou privadas. Nesse contexto, disponibilizar

8 Pesquisa realizadapelo Crisp/UFMGentre 2003 e 2004,em Belo Horizonte,sobre a violência nasescolas, constatouque um dos princi-pais fatores que mo-tivam a violência nosestabelecimentosescolares “refere-seàs característicasdos locais onde asescolas se encon-tram. Observou-seque as regiões queapresentam sinaisde desordem, bemcomo a presença deagentes que a pro-duzem estão asso-ciadas à percepçãoque os alunos cons-troem acerca dos ní-veis de segurança,do mesmo modocomo ocorre na so-ciedade como umtodo. Nesse sentido,se a escola poucopode fazer no que serefere às caracterís-ticas de sua vizinhan-ça, é possível suaaproximação com ascomunidades, o que irápreservá-las de even-tos violentos. Sabe-seque o sentimento depertencimento a insti-tuições, assim como

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JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:NOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO E

A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

as escolas para que membros da comunidade (externa) possamse associar politicamente ou usar seu espaço para eventos delazer pode trazer bons resultados, mesmo nas áreas compresença mais intensa de sinais de desordem.

Não são exclusivamente os eventos violentos que afe-tam a percepção da violência pelos alunos. As percepções daviolência prejudicam o comportamento de todas as pessoas.Nesse sentido, essa percepção pode ser afetada quando ocidadão toma conhecimento de um evento de criminalidade ouquando é vítima dele, ou seja, não é apenas o crime, mastambém o medo que influencia os comportamentos, atitudes etomadas de decisões. Desse modo, quando a pesquisa apontaque quase 90% dos alunos (de escolas públicas e/ou privadas)viram ou ouviram falar de desentendimentos ou xingamentosnas escolas e quase 70% viram ou ouviram falar de arruaçasnas escolas, não foram contabilizados os eventos em si, mas opercentual de indivíduos que tomaram conhecimento desseseventos.

No caso da escola em análise, os professores relataramque a deterioração do ensino começou após os atos de violên-cia dentro da instituição. Eles relacionam esse fenômeno àentrada de alguns alunos de famílias que passaram a residir emuma área invadida, próxima à escola. Percebe-se, nessasconsiderações, uma dificuldade dos profissionais da institui-ção em enxergar os novos alunos (que passaram a residirnaquele espaço) como sujeitos de direitos e, portanto, umpúblico a ser atendido pelas políticas sociais locais, inclusivea educação.

Uma análise mais apurada leva-nos a crer que nãoforam os alunos pobres que passaram a morar na comunidadeos responsáveis pelo aumento da violência escolar, comoacreditavam os professores. À época, como indicam as pesqui-sas anteriormente citadas, havia um adensamento dacriminalidade violenta em várias áreas, incluindo o local emque se encontra essa escola. Citando Schilling (2004), “aviolência quebra os discursos que estavam prontos, arranja-dos, arrumados”, ou seja, a violência instaura um

o sentimento de quedeterminada institui-ção participa da com-posição de uma co-munidade leva a ummaior vínculo entreelas. Disponibilizaras escolas para quemembros da comu-nidade externa pos-sam se associar po-liticamente, ou usarseu espaço paraeventos de lazerpode trazer bons re-sultados, mesmonas áreas com pre-sença mais intensade sinais de desor-dem. Outro pontopositivo é a partici-pação efetiva depais e alunos em ati-vidades extracurri-culares, assuntoexaustivamente le-vantado pelos dire-tores de instituiçõesde ensino” (Fonte:Violência, medo edesempenho esco-lar, Boletim Infor-mativo do Crisp,ano 3, número 6,setembro 2004. Dis-ponível em http://www.crisp.ufmg.br/informativo-06.pdfacessado em 29/jun/2007).

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questionamento sobre as nossas certezas. Introduz o caos ondetudo parecia regido pela “normalidade”, exigindo de todos acriação de uma nova ordem capaz de lidar com essas novaslinguagens.

Quando se analisam as escolas com altos índices deviolência, verifica-se uma situação de forte tensão. Os inciden-tes são produzidos nesse fundo de tensão social e escolar no qualum pequeno conflito pode provocar uma explosão. As fontes detensão podem estar ligadas ao estado da sociedade e do bairro,mas dependem também da articulação da escola com essepúblico e suas práticas de ensino (CHARLOT, 2005).

Segundo Velho (2000), as mudanças ocorridas com aglobalização afetaram os códigos de valores, principalmenteas expectativas de reciprocidade, com a difusão dos valoresligados ao individualismo e à impessoalidade. Esses “novos”valores convivem hoje com os velhos códigos, baseados nahierarquia e no clientelismo que a sociedade moderna nãoconseguiu extinguir. Mas com um agravante: em relação àscrianças, aos adolescentes e aos jovens brasileiros pobres, nãotemos as garantias de vários direitos sociais – fator primordialnuma sociedade democrática. Em qualquer cultura e/ou siste-ma social é necessário que haja uma noção compartilhada dejustiça. Justiça entendida como um conjunto de crenças evalores que dizem respeito ao bem-estar individual e social.Sem o estabelecimento mínimo desses valores, corre-se o riscoda anomização da vida social.

Chamou-nos a atenção o fato de o ensino fundamentalser citado como o período que apresenta os maiores problemasde violência. Segundo pesquisa do Observatório de Favelas,9

a maioria dos adolescentes (57,4%) ingressaram na atividadedo tráfico entre os 13 e os 15 anos e, em alguns casos (7,8%),a entrada ocorre antes dos 12 anos, ou seja, em plena infância.Portanto é justamente nessa faixa de idade que os alunosapresentam mais dificuldades para se incluírem no ambienteescolar. Época de conflito entre as atividades do tráfico e asatividades da escola. É bem provável que após esse períodomuitos deles optem pelo trabalho no tráfico e deixem a escola.

9 Pesquisa “Traje-tória de crianças,adolescentes e jo-vens na rede do trá-fico de drogas novarejo do Rio de Ja-neiro, 2004-2006”.Disponível em:www.observatorio-defavelas.org.br.Acessado em: 20/ago/2009.

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

Observa-se nos relatos dos profissionais da educação quenão existe uma interlocução da escola com outros órgãos quetrabalham com crianças e adolescentes. Os professores dizemtambém que não se qualificaram para trabalhar com “essesadolescentes” que dão muito trabalho na escola. Nesse sentido,Arroyo (2000) afirma que o conhecimento para lidar com proble-mas de convivência com os jovens não é adquirido nas faculdades.É aprendido no dia a dia, com a infância e a adolescência quetrabalhamos. Os educadores das escolas têm muito a aprendercom a pluralidade de ações pedagógicas dos projetos sociais:

Esses profissionais aprenderam no convívio com ainfância negada e roubada... Foram reeducadospela infância com que convivem. Não por compaixãopara a sua barbárie e miséria, mas porque vãodescobrindo as outras imagens de resistências múl-tiplas, de valores e de tentativas. Resistências feitasde brotos de humanismo onde o olhar atento vêprocessos formadores. Resistências dos excluídosque podem fazer retomar brotos de humanismo nosseus educadores (p. 251).

As dificuldades apresentadas (pela escola em análise)parecem reflexos de uma relação alienada, burocratizada ehierarquizada, na qual os profissionais constroem um círculovicioso autojustificado, colocando-se como vítimas dessesistema que não funciona, ficando difícil a redefinição deresponsabilidades – que é um trabalho de ação coletiva, deespírito de equipe.

Trata-se, muitas vezes, de uma relação cômoda que semanifesta nas queixas de vitimização. Vale lembrar PauloFreire, para quem o ato de educar exige do educador, além docomprometimento, a convicção de que a mudança é possívele a compreensão de que a educação em si já é uma forma deintervenção no mundo.

Trabalhando de forma isolada a escola não encontrarásoluções possíveis e ainda correrá o risco de entrar num círculovicioso de perpetuação da lógica criminológica instaurada, que

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poderá transformá-la em vítima dessa criminalidade violenta.Os problemas da violência são complexos e nenhuma institui-ção sozinha dará conta deles, sendo necessário um trabalho emrede, em que cada instituição dará a sua contribuição.

Os profissionais da educação, ao entenderem que afamília e a escola são as instituições mais importantes, senãoúnicas capazes de educar as crianças e os adolescentes, acre-ditam que, quando a família não “cumpre sua função” – que éde formação de caráter e normas disciplinares –, a escola,possivelmente, não conseguirá também exercer o seu papel,porque a educação oferecida pela instituição de ensino e pelafamília são complementares.

Sentindo-se impotentes frente à violência no âmbitoescolar, a única instituição que os professores reconhecemcomo capaz de ajudá-los nessa tarefa é a polícia, que échamada na escola quotidianamente para resolver desde pro-blemas como o tráfico de drogas até os mais banais, comodesaparecimento de objetos ou brigas entre alunos. E mesmoreconhecendo que a intervenção da polícia é, rotineiramente,repressiva e pontual e que algumas vezes pode piorar asituação, criando constrangimentos (como os casos envolven-do crianças que são detidas, à revelia da lei), a escola continuautilizando as mesmas estratégias para solução dos casos,culpando inclusive as leis que são feitas “para proteger essesjovens violentos”.

Percebemos que o trabalho da escola em análise écentrado na repressão, faltando aos profissionais da educaçãouma visão ampliada dos problemas e a capacidade de enten-dimento da função e dos limites de cada instituição e, princi-palmente, a compreensão da socialização do sujeito na socie-dade contemporânea.

Segundo Setton (2005), as instituições que, de acordo coma sociologia clássica, seriam as responsáveis primárias pelasocialização do sujeito (que era feita por meio da reprodução daordem), não têm hoje os mecanismos de controle, pois o indivíduocontemporâneo tem uma grande capacidade de reflexividade emaior possibilidade de transformação das normas.

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

O fracasso escolar, na visão de muitos educadores, estána origem social da família do aluno, na posição social que essafamília ocupa na sociedade e da sua privação sociocultural.Dessa forma, os profissionais da educação transferem para asfamílias a responsabilidade pelo fracasso dos alunos na escola.

Os professores também citam várias deficiências gera-das pela própria instituição escolar: “falta de investimento, dematerial, de profissionais, de condições dignas de trabalho”. Aconclusão, sob essa ótica, é que os alunos e os professores sãovítimas de um sistema que reproduz a desigualdade social e,sendo assim, não se pode fazer nada.

Os professores ponderam, ainda, com certa desilusão edescrença, sobre propostas de mudança. Referem-se, geral-mente, à instituição escolar e ao sistema de ensino como se elespróprios não fizessem parte dos mesmos. Não se veem naescola, que não é democrática, muito menos como pertencenteao Estado, que julgam autoritário.

Para Charlot (2000),

os docentes aderem a uma teoria da reprodução quepõe em causa a instituição escolar, denunciada comonão igualitária e reprodutora. Para eles, o que équestionado é a má instituição, cujas vítimas são ascrianças, suas famílias e os próprios docentes; ainstituição de uma má sociedade. Os docentes sedessolidarizam de semelhante instituição, em nomede uma imagem da boa instituição: a escolalibertadora ou a escola do povo (p. 29).

Finalmente, Arroyo (2000) aponta que a escola nãodará conta de reverter sozinha o processo de “desumanizaçãodos jovens”; porém, ela não poderá continuar a ser um espaçoque legitima e reforça essa desumanização. É necessário umreordenamento escolar que considere os tempos e as vivênciasdos educandos. As formas de organização das escolas comuma estrutura seriada e a rigidez dos conteúdos reforçam adesumanização a que são submetidos os adolescentes e jovens,principalmente das periferias. As condições de vida de muitos

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jovens, tais como a rua, a moradia, o trabalho forçado, aviolência, a fome, são questões muito pesadas para sujeitosainda em desenvolvimento.

Buscando saídas: interações possíveis entre osBuscando saídas: interações possíveis entre osBuscando saídas: interações possíveis entre osBuscando saídas: interações possíveis entre osBuscando saídas: interações possíveis entre osprofissionais da educação e da segurança públicaprofissionais da educação e da segurança públicaprofissionais da educação e da segurança públicaprofissionais da educação e da segurança públicaprofissionais da educação e da segurança pública

Frente aos desafios apresentados pela comunidade es-colar nos vários núcleos onde se articula o Fica Vivo!, ostécnicos do programa procuraram desenvolver um trabalhocoletivo, centrado na responsabilidade da instituição (escolar)e da comunidade local. A ideia do trabalho em rede é possibi-litar a implicação dos sujeitos que residem nesses espaços.

Num cenário de corresponsabilidade, envolvendo acomunidade, os profissionais do programa Fica Vivo! e outrosatores sociais, os educadores devem assumir a educação comoum direito de todos, acolhendo os alunos e suas famílias eincentivando-os a participar ativamente dos trabalhos desen-volvidos pela escola. Devem também trabalhar com outrasquestões que extrapolam o ensinar e o aprender. Uma dessasquestões relaciona-se à violência, que necessita com urgênciaentrar na pauta de discussões dos educadores, para que elespossam construir um outro olhar sobre ela, que não sejasimplesmente de criminalização de seus agentes. Deve-seanalisar a violência como algo complexo, e não apenas comoum ato isolado, procurando descriminalizar os conflitos etrabalhá-los pedagogicamente.

Pode-se verificar (com o desenvolvimento desse traba-lho nas escolas) que a instituição de ensino é um pontoimportante de encontro dos jovens, onde eles conversam,namoram, disputam espaços, traficam e usam drogas, porqueesse é o único espaço público disponível para os jovens demuitas comunidades. Portanto, afastar os jovens da escolaagrava ainda mais o quadro de violência.

As atividades desenvolvidas pelos técnicos do FicaVivo! com as escolas, ainda que incipientes, têm possibilitadoaos professores sair do pessimismo e do imobilismo. Pode-seperceber que os profissionais da educação estão mais abertos

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A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

para (re)conhecer melhor seus alunos e os trabalhos das outrasinstituições, o que possibilita uma conscientização sobre osoutros espaços importantes de socialização dos alunos e deapoio às suas famílias. Há mais integração das ações da escolacom outros projetos e programas, tais como o Bolsa Família,o Liberdade Assistida, o programa de Prestação de Serviços àComunidade10, e com o Conselho Tutelar.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

O caso da escola analisada neste artigo mostra queexistem muitas dificuldades a serem enfrentadas pelos educa-dores em relação ao aumento da violência urbana, especifica-mente em relação à violência juvenil. Não obstante, soluçõespossíveis e factíveis têm sido apresentadas para o enfrentamentodo problema.

Tanto a política educacional como as ações de seguran-ça pública, principalmente voltadas para a prevenção àcriminalidade juvenil, não devem ratificar o preconceito querotula os jovens como um problema, pois, se eles são osprincipais autores da violência, são também as principaisvítimas. Os jovens das periferias violentas das grandes cidadesbrasileiras enfrentam muitos desafios que os impedem deexercer sua cidadania. Portanto, a função das políticas públi-cas, incluindo a escola pública, é auxiliá-los para que elespossam vencer os obstáculos e usufruir plenamente dos seusdireitos de cidadãos.

Os bons resultados de programas de prevenção àcriminalidade como o Fica Vivo! devem-se à aposta na cons-trução de projetos nos quais os jovens são sujeitos capazes derepensar sua trajetória de vida e refazê-la. E para tanto épreciso que os profissionais envolvidos nas políticas públicas(de educação, de saúde ou de segurança) acreditem no poten-cial de transformação dos jovens e tenham capacidade criativapara a reinvenção, muita coragem para ouvi-los, compreendê-los e auxiliá-los na sua caminhada, para que eles construam oseu próprio caminho.

É necessário vencer as diferenças de geração; articularos programas e as políticas públicas focados nos adolescentes

10 São programas demedidas socioedu-cativas em meioaberto que atendemadolescentes auto-res de atos infracio-nais “leves”. Segun-do o Estatuto da Cri-ança e do Adoles-cente, essas medi-das são aplicadaspelo Juizado da In-fância e Juventudee devem ser execu-tadas pelos gover-nos municipais.

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e jovens, com o objetivo de ouvir esses sujeitos, entender suasangústias e transformar suas reivindicações em demandaslegítimas. Entender a juventude em um contexto mundialglobalizado, numa sociedade de massa (ABAD, 2003). Darconta de que essa nova ordenação de mundo supõe novoscontratos sociais mais flexíveis e baseados na negociação, enão mais na imposição de normas ditadas pelos adultos.

Esse reconhecimento dos jovens deve empurrar aresistência de um autoritarismo patriarcal, de gera-ções e de classe, que, mediante o uso da violênciarepressiva, pretendeu negar e eliminar os conflitosproduzidos pelas desigualdades e diferença, em lu-gar de seu reconhecimento e negociação racional.(ABAD, 2003, p. 21).

A reflexão de que é possível construir outro olhar sobre osjovens e o reconhecimento da importância de dialogar com outrasinstituições para dividir as angústias e as responsabilidades,tendo a consciência das funções e dos limites das instituições,possibilitam a construção de um trabalho conjunto para garantirmaior proteção às crianças, aos adolescentes e aos jovens.

Por fim, um estudo feito pelo Instituto de PesquisaEconômica Aplicada – Ipea –, em 2007, deixa claro que aeducação formal parece ter um efeito redutor muito forte sobrea taxa de homicídio e que isso possivelmente se deve ao papelsocializador da escola.

[Há] uma evidência substantiva a favor de manter ascrianças na escola, mesmo se a aprendizagem deconteúdos ficar abaixo das expectativas, já reduzi-das, da sociedade. Há um discurso recorrente contrapolíticas educacionais que visam à permanência,tais como ciclos educacionais, e até a sua versãomais radical: a progressão continuada. (...) há evi-dências de que, mesmo que uma criança de baixostatus socioeconômico frequentando uma escola comprofessores mal pagos e mal formados não estejaaprendendo português ou matemática a contento,

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JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:JUVENTUDE E VIOLÊNCIA:NOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO ENOVAS DEMANDAS PARA A EDUCAÇÃO E

A SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICAA SEGURANÇA PÚBLICA

ela está aprendendo um modo de socialização queeventualmente poderá salvar-lhe a vida. E mais: épossível que, ao ensinar esta criança a como lidarcom o conflito de modo não letal, a escola estejatambém salvando a vida de terceiros. A conclusãoinexorável é que a política educacional deve fazertudo ao seu alcance para manter a criança na escola,mesmo que a aprendizagem de conteúdos acadêmi-cos seja aquém do desejado. Nesse sentido, políticasde progressão continuada devem ser incentivadas aomáximo, uma vez que há uma relação conhecidaentre ser reprovado e evadir do processo educacio-nal. (SOARES, 2007, p. 28-29).

Nesse sentido, é possível a articulação de políticaspúblicas em prol da cidadania e de uma cultura da paz e da nãoviolência envolvendo, entre outros, profissionais da educaçãoe da segurança pública.

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