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Envelhecimento na Sociedade Portuguesa Pensões, Família e Cuidados Pedro Moura Ferreira Manuel Villaverde Cabral Amílcar Moreira (organizadores) ICS

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Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

Este livro reúne os textos das intervenções realizadas em trêscolóquios sob o tema genérico Envelhecimento na SociedadePortuguesa: Pensões, Família e Cuidados, que ocorreram entremarço e outubro de 2015, por iniciativa conjunta da Fundação D. Pedro IV e do então Instituto do Envelhecimento daUniversidade de Lisboa. A organização destes colóquiosobedeceu à ideia de contrastar visões distintas para alguns dosdesafios que resultam do envelhecimento da população,procurando, mais do que caracterizar, delimitar ou discutir osproblemas existentes, apontar soluções possíveis, alavancadas nasconvicções pessoais e políticas de cada interveniente. Destemodo, os organizadores deste livro esperam poder contribuirpara a discussão do tema do envelhecimento na sociedadeportuguesa.

Pedro Moura Ferreira édoutorado em Sociologia peloInstituto Superior de Ciências doTrabalho e da Empresa – InstitutoUniversitário de Lisboa (ISCTE-IUL)e investigador do Instituto deCiências Sociais da Universidade deLisboa (ICS-ULisboa), onde coordenao Observatório do Envelhecimento(ex-Instituto do Envelhecimento daUniversidade de Lisboa – IE-ULisboa).Último livro publicado (em coautoria): Envelhecimento Activoem Portugal: Trabalho, Lazer e Redes(Lisboa: FFMS, 2014).

Manuel Villaverde Cabral éatualmente investigador emérito doICS-ULisboa e foi diretor do IE-ULisboa até 2015. Foi diretor daBiblioteca Nacional, presidente doICS e vice-reitor da Universidade deLisboa. O último livro que publicou(em coautoria) é Envelhecimento emLisboa, Portugal e Europa – UmaPerspetiva Comparada (ICS, 2016).

Amílcar Moreira é doutorado emPolítica Social pela Universidade deBath (UK) e investigador no ICS-ULisboa, integrado no IE-ULisboa. É investigador principaldo projeto DYNAPOR (DynamicMicrosimulation Model for Portugal) quevisa estudar a sustentabilidadefinanceira, fiscal e social do sistemade segurança social português.

Outros títulos de interesse:

Envelhecimento em Lisboa,Portugal e EuropaUma Perspectiva ComparadaManuel Villaverde CabralPedro Alcântara da SilvaMaria Toscano Batista(organizadores)

Os Portugueses e o Estado-ProvidênciaUma Perspectiva ComparadaFilipe Carreira da Silva(organizador)

Tempo e Transições de VidaPortugal ao Espelho da EuropaJosé Machado PaisVítor Sérgio Ferreira(organizadores)

ICSwww.ics.ul.pt/imprensa

UID/SOC/50013/2013

Envelhecimentona Sociedade

Portuguesa Pensões, Família

e CuidadosPedro Moura Ferreira

Manuel Villaverde CabralAmílcar Moreira

(organizadores)

ICS

Fundação D. Pedro IVInstituição Particular de Solidariedade Social

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Envelhecimentona Sociedade

Portuguesa Pensões, Família e Cuidados

Ciclo de colóquios Pedro Moura Ferreira

Manuel Villaverde CabralAmílcar Moreira

(organizadores)

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© Instituto de Ciências Sociais, 2017

Capa e concepção gráfica: João SeguradoRevisão: Soares de Almeida

Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. Depósito legal: 432558/17

1.ª edição: Novembro de 2017

Instituto de Ciências Sociais — Catalogação na PublicaçãoEnvelhecimento na sociedade portuguesa : pensões, família e cuidados : ciclo de colóquios / org. Pedro Moura Ferreia, Manuel Villaverde Cabral,

Amílcar Moreira. - Lisboa : ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2017.ISBN 978-972-671-451-4

CDU 36

Imprensa de Ciências Sociais

Instituto de Ciências Sociaisda Universidade de Lis

Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 91600-189 Lisboa – Portugal

Telef. 21 780 47 00 – Fax 21 794 02 74

www.ics.ulisboa.pt/imprensaE-mail: [email protected]

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ÍndiceOs autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

Parte I Envelhecimento e política de reforma – que futuro para as pensões?

Capítulo 1Segurança social: caracterização e diagnóstico provável no contexto da moeda única . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29Carlos Manuel Pereira da Silva

Capítulo 2A grande recessão e a reforma da segurança social . . . . . . . . . . . 43Pedro Marques

Capítulo 3Contratos intergeracionais e consistência temporal na gestão da protecção social: implicações políticas e reforma do sistema de pensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61Jorge Miguel Bravo

Parte IIEnvelhecimento e política de fecundidade – a economia contra as famílias?

Capítulo 4O envelhecimento sociodemográfico e os seus riscos . . . . . . . . . 99Manuel Villaverde Cabral

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Capítulo 5Envelhecimento e fecundidade: uma antevisão do nosso futuro demográfico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111Maria Filomena Mendes

Capítulo 6Por um país amigo das crianças, das famílias e da natalidade . . . 141Joaquim Azevedo

Parte IIIEnvelhecimento e política de cuidados – o dever de cuidar entre o Estado e as famílias?

Capítulo 7Envelhecimento, dependências e fragilidades: tensões e desafios no Portugal contemporâneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155Alexandra Lopes

Capítulo 8Cuidados de longa duração para idosos no contexto europeu:múltiplas soluções para um problema comum? . . . . . . . . . . . . . . 165Ricardo Rodrigues

Capítulo 9Envelhecimento da população e pressão sobre a procurade cuidados de saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181Pedro Pitta Barros

Capítulo 10Intervenção de encerramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197Vasco Canto Moniz

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Índice de quadros e figurasQuadros

2.1 População ativa 2008 e 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 462.2 Saldos da segurança social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 462.3 Impacto na segurança social da diminuição do emprego e do aumento da proteção no desemprego (2013) . . . . . . . . . . . . . . 473.1 Projecção do ISF, esperança média de vida e factor de sustentabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 693.2 Projecções de população residente, Portugal, 2013-2060 . . . . . . . . . 713.3 Evolução dos rácios de dependência demográfica e económica, Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 733.4 Relação de equilíbrio entre o número de contribuintes e de pensões . 773.5 Estimativa das necessidades de financiamento externas do sistema de pensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 793.6 Estimativa do número de contribuintes necessários para equilibrar o sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 795.1 Tempo de duplicação em anos da população total, população idosa (65 e + anos) e população muito idosa (85 e + anos) em Portugal . 1165.2 Evolução prevista para a população portuguesa até ao ano 2031, em função da adoção de diferentes cenários, sem influência das migrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1195.3 Esperança de vida à nascença (em anos) em Portugal de 1920 a 2014, sexos separados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1235.4 Evolução do índice sintético de fecundidade em Portugal de 1960 a 2014 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1237.1 Proporção de dependentes por tipo de cuidados formais de que usufruem e por país, 2013 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1577.2 Distribuição de reformados e pensionistas por escalão de pensão, 2013 – segurança social + Caixa Geral das Aposentações . . . . . . . . . 1628.1 Modelos de cuidados de longa duração para idosos na Europa . . . . 170

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9.1 Relação entre crescimento das despesas em cuidados de saúde e variação da proporção da população com 65 anos ou mais (1988- 2013) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1859.2 Percentagem do crescimento da despesa em cuidados de saúde devida ao envelhecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1859.3 Previsão do crescimento das despesas em cuidados de saúde por motivo de envelhecimento (tudo o resto constante) . . . . . . . . . 1879.4 Barreiras de acesso a cuidados de saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1899.5 Motivação assinalada para não procurar auxílio no sistema de saúde . 1899.6 Probabilidade de se sentir doente no ano anterior ao da inquirição . 1909.7 Motivo para recorrer ao sistema de saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1919.8 Estimativas de modelo probit para se ter sentido doente no ano anterior ao da inquirição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19410.1 Licenças de maternidade, em semanas, 2014 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19910.2 Organização dos horários de trabalho, 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19910.3 Média de horas semanais dedicadas à prestação de cuidados (mulheres com 18 e + anos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20010.4 Despesa pública em benefícios para as famílias, serviços e incentivos fiscais, em percentagem do PIB, 2011 . . . . . . . . . . . . . . 200

Figuras

1.1 Projeção demográfica da população portuguesa até 2020 por grupos etários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321.2 Evolução do número de pensionistas (2004-2013) . . . . . . . . . . . . . . 321.3 Estimativa de pensionistas (2014-2025) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 331.4 Estimativa do número de contribuintes por cada pensionista/pensionista por velhice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 341.5 Taxa de desemprego . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351.6 Desemprego de longa duração em % da população ativa . . . . . . . . 352.1 Despesas com pensões em % do PIB, 2013-2060 . . . . . . . . . . . . . . . 483.1 Saldo projectado do sistema previdencial – repartição . . . . . . . . . . . 833.2 Arquitectura do novo sistema de pensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 885.1 Evolução projetada para a população portuguesa dos 0 aos 100 e mais anos, idade a idade, em função dos cenários 1 e 2, de 2009 a 2050 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

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5.2 Evolução do índice sintético de fecundidade e da idade média da fecundidade, em Portugal, entre 1950 e 2010 . . . . . . . . . . . . . . . . 1245.3 Indicadores de fecundidade ajustados para Portugal de 1959 a 2013 . 1265.4 Representação gráfica do efeito-tempo em Portugal nos anos de 2001 a 2012 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1265.5 Curvas de fecundidade em Portugal de 1950 a 2010 . . . . . . . . . . . . 1275.6 Comparação entre as curvas de fecundidade de 1981 e 2010 em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1285.7 Evolução das taxas de fecundidade das gerações de 1944 a 1999 em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1295.8 Efeito da idade em termos das possibilidades de permanecer sem filhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1347.1 Taxa de participação no mercado de trabalho da coorte de 55-64 anos em geral e nas mulheres em Portugal – 2013 a 2060 . . . . . . . . . . . . . 1588.1 A definição dos cuidados de longa duração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1688.2 O triângulo da proteção social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1698.3 Despesa pública e utentes de cuidados de longa duração na Europa – ano mais recente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1728.4 Distribuição de utentes cuidados no domicílio e em instituições . . 1769.1 Variação percentual das despesas per capita vs. aumento da população com 65 anos ou mais (%) no período de 1988 e 2013 184

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Os autoresAlexandra Lopes, doutorada em Política Social pela London School

of Economics, desenvolve a sua atividade profissional como docente einvestigadora no Departamento de Sociologia da Universidade do Porto.Os seus interesses no campo da investigação científica, no domínio dasquestões sobre o envelhecimento, incluem a análise dos sistemas de cui-dados, numa perspetiva comparativa internacional, com enfoque parti-cular nos métodos de avaliação da performance e dos impactos dos siste-mas de cuidados em contextos familistas. A esse propósito coordena aequipa portuguesa que faz parte do projecto SPRINT – Social ProtectionInnovative Investment in Long-term Care, um projeto internacional fi-nanciado no âmbito do programa Horizonte 2020 e que procura analisaros impactos sociais de diferentes modalidades de organização de cuida-dos a idosos, tendo em vista o desenvolvimento de ferramentas de ava-liação e de mapas de impacto que possam assistir os decisores poíticosnos processos de escolha e decisão sobre o desenho de políticas. Tem vá-rias publicações, nacionais e internacionais, sobre estes temas.

Amílcar Moreira obteve um doutoramento em Política Social pelaUniversidade de Bath (UK) e é investigador no Instituto de Ciências So-ciais, integrado no Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lis-boa. Anteriormente foi investigador no Trinity College Dublin (Irlanda),onde colaborou no lançamento do The Irish Longitudinal Study onAgeing (TILDA), e no Oslo University College (Noruega), onde recebeuuma bolsa de pós-doutoramento do Nordic Centre of Excellence: Reas-sessing the Nordic Welfare Model (REASSESS). Neste momento é o in-vestigador principal do projecto DYNAPOR (Dynamic MicrosimulationModel for Portugal), que visa estudar a sustentabilidade financeira, fiscale social do sistema de segurança social português. Para além disso, foium dos investigadores principais do projecto MOPACT (Mobilizing thePotential of Active Ageing in Europe), coordenado pelo Prof. Alan Wal-

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Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

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ker (Universidade de Sheffiled, UK). Fez também parte da equipa comis-sionada pela European Science Foundation para identificar as principaisagendas de investigação socioeconómica ligadas ao envelhecimento de-mográfico (ESF forward look on ageing, health and pensions in Europe). É autor de livros (Oxford University Press e Policy Press) e artigos em re-vistas científicas internacionais.

Carlos Manuel Pereira da Silva é professor agregado em Gestão peloInstituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lis-boa, por unanimidade, com a lição intitulada «Os riscos de rendimentode reforma: a utilidade dos fundos de pensões na sua gestão», em maio de1994, e doutor em Gestão pela Universidade de Orléans (França), em de-zembro de 1988, com a tese intitulada «Economies d’échèlle et rentabilitédans l’industrie de l’assurance: l’example portugais». Atividades: relator doLivro Branco da Segurança Social; especialista em gestão/seguros/pensões/segurança social; professor catedrático aposentado do ISEG; investigadorCEGE; ex-vice-presidente do ISEG; ex-diretor do Gabinete de Estratégiae Planeamento do MTSSS; membro da Cidadania Social.

Jorge Miguel Bravo é professor de Economia e Finanças na Univer-sidade Nova de Lisboa – Information Management School (Nova IMS)e professor convidado da Université Paris-Dauphine, em França. É dou-torado e licenciado em Economia pela Universidade de Évora (UE),onde lecionou durante dezasseis anos no Departamento de Economia edirigiu o mestrado em Economia Monetária e Financeira, e mestre emEconomia Monetária e Financeira pelo ISEG-UTL, onde lecionou nomestrado em Finanças. É diretor da pós-graduação em Mercados e RiscosFinanceiros da Nova IMS e da Nova SBE. Coordena o Observatório dosRiscos Biométricos da Associação Portuguesa de Seguradores e é membrodo Banco BBVA Pensions Institute, em Madrid. É co-fundador e mem-bro da direção da Cidadania Social – Associação para a Intervenção eReflexão sobre Políticas Sociais. É consultor do Instituto Nacional de Es-tatística desde 2007 e da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Foiconsultor do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social,do Ministério das Finanças, da APFIPP e de grandes seguradoras. É autorde livros, capítulos de livros e artigos publicados por editoras nacionaise internacionais e por jornais académicos de referência internacionais.

Joaquim Azevedo é licenciado em História e doutorado em Ciênciasda Educação pela Universidade de Lisboa. Foi dirigente estudantil (1973-

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Os autores

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-1977), diretor escolar (1978-1983), técnico de planeamento regional emeducação na CCDR-N (1983-1988), diretor-geral do Ministério da Edu-cação no GETAP (1988-1992), secretário de Estado do Ensino Básico eSecundário do XII Governo Constitucional (1992-1993), diretor da Fa-culdade de Educação da Universidade Católica (2002-2013) e presidentedo conselho de administração da Fundação Manuel Leão (1996-2015).Representou Portugal em vários organismos internacionais, como aOCDE (CERI) e a UNESCO. Atualmente é investigador no Centro deEstudos do Desenvolvimento Humano (UCP) e professor catedrático naUniversidade Católica (UCP). É autor de várias publicações, livros e ar-tigos, que se podem consultar na base de dados Academia.edu, nosite www.joaquimazevedo.com e no repositório Veritati da UCP. É diretorde várias publicações, entre elas a Revista Portuguesa de Investigação Educa-cional e a revista EDUCAcise – International Educational Journal. É ainda membro cooptado do Conselho Nacional de Educação (2014--2018), dirige a Comissão de Políticas Públicas e Desenvolvimento doSistema Educativo, pertencendo à comissão coordenadora do CNE. O seu último livro é Liberdade e Política Pública de Educação. Ensaio sobreUm Novo Compromisso Social pela Educação (2011).

Manuel Villaverde Cabral, antigo exilado em França até ao 25 deabril, aí se licenciou em Letras Modernas e doutorou em História. É atualmente investigador emérito do Instituto de Ciências Sociais e foidiretor do Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lisboa até2015. Foi diretor da Biblioteca Nacional, presidente do ICS e vice-reitorda Universidade de Lisboa, bem como professor visitante em Oxford,Madison-Wisconsin (EUA), Paris, Londres e Rio de Janeiro, possuindoextensa obra publicada sobre a sociedade portuguesa contemporânea. O último livro que publicou (em colaboração com Pedro Alcântara eMaria Baptista) é Envelhecimento em Lisboa, Portugal e Europa – Uma Pers-petiva Comparada (ICS, 2016).

Maria Filomena Mendes é licenciada em Economia, doutorada emSociologia, na especialidade de Demografia, pela Universidade de Évora,sendo atualmente professora ssociada no Departamento de Sociologiadesta universidade. É investigadora no CIDEHUS-UE, onde coordenao Grupo de Investigação em Demografia e Vulnerabilidades Societais, eé responsável pelo Laboratório de Demografia. Tem coordenado váriosprojetos de investigação científica sobre as mudanças demográficas e seusimpactos, com particular enfoque para a situação portuguesa, e estudos

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Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

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de previsões e projeções demográficas. Última publicação: Mendes, M.F., et al. (coord.), Determinantes da Fecundidade em Portugal (Lisboa: FFMS,2016). É presidente da Associação Portuguesa de Demografia.

Pedro Pitta Barros é professor catedrático da Faculdade de Economiada Universidade Nova de Lisboa e vice-reitor da mesma universidade. É licenciado em Economia (1988), doutor em Economia (1993) e agre-gado em Economia (1997). A sua investigação foca-se em economia dasaúde, regulação económica e política de concorrência, tendo sido pu-blicada em numerosas revistas científicas. É membro do EC Expert Panelon Effective Ways of Investing in Health, do Conselho Nacional de Éticapara as Ciências da Vida, do Conselho Superior de Estatística, da direçãodo IPP – Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson – Correia daSerra, do Editorial Board do Office of Health Economics (Londres) e daComissão Nacional para os Centros de Referência (CNCR). É researchfellow do Centre for Economic Policy Research (Londres). Outras fun-ções desempenhadas: presidente da Associação Europeia de Economiada Saúde (2013-2016), membro do conselho de administração da Enti-dade Reguladora dos Serviços Energéticos (2005-2006) e presidente daAssocia ção Portuguesa de Economia da Saúde (1998-2000 e 2009-2010).Distinções: grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique e medalhade serviços distintos, grau «ouro», do Ministério da Saúde.

Pedro Marques é licenciado em Economia (1997) e mestre em Eco-nomia Internacional (2001). É membro da comissão executiva da Cap-gemini Portugal desde outubro de 2014, responsável pela Direção Co-mercial, pelo Desenvolvimento de Sistemas de Informação, pelaConsultoria de Alta Direção em Projetos de Planeamento e Financia-mento do Desenvolvimento Territorial, Reengenharia de Empresas. De-putado à Assembleia da República, vice-presidente do Grupo Parlamentardo Partido Socialista na XII Legislatura de junho de 2011 a outubro de2014. Secretário de Estado da Segurança Social entre março de 2005 ejunho de 2011 (XVII e XVIII Governos Constitucionais). Assessor doministro do Trabalho e da Solidariedade e secretário de Estado da Segu-rança Social (XIV Governo Constitucional) entre janeiro de 2001 e marçode 2002. Vereador da Câmara Municipal do Montijo de janeiro de 2002a fevereiro de 2005, com os pelouros da Ação Social e Saúde, HabitaçãoSocial, Juventude, Planeamento e Desenvolvimento Económico. Mem-bro do Grupo de Trabalho Interministerial (MTS-MF) para a Questãodo Envelhecimento da População e a Sustentabilidade das Finanças Pú-

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Os autoresa

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blicas. Senior consultant da CISED Consultores, L.da, entre agosto de 1999e dezembro de 2000. Membro da Estrutura de Apoio Técnico da Inter-venção Operacional Renovação Urbana, Programa Comunitário doQCA II, entre agosto de 1997 e julho de 1999. Tem participado em váriasconferências e apresentado artigos sobre a temática «Envelhecimento esegurança social».

Pedro Moura Ferreira é doutorado em Sociologia pelo ISCTE-IULe investigador do ICS-ULisboa, onde coordena o Observatório do En-velhecimento (ex-Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lis-boa). É responsável pelo Arquivo Português de Informação Social (APIS),que integra a Infraestrutura de Investigação PASSDA (Production and Ar-chive of Social Science Data). Tem participado em vários projetos de inves-tigação científica sobre o envelhecimento e seus impactos, com particularênfase na situação portuguesa. Última publicação em coautoria: Cabral,Manuel Villaverde, e Ferreira, Pedro Moura, Envelhecimento Activo em Por-tugal: Trabalho, Lazer e Redes (Lisboa: FFMS, 2014).

Ricardo Rodrigues é atualmente o responsável pelo programa de in-vestigação nas áreas da saúde e serviços sociais para idosos do EuropeanCentre for Social Welfare Policy and Research, em Viena, Áustria. Possuium doutoramento em Política Social pela Universidade de York (ReinoUnido) e um mestrado em Economia pelo ISEG e tem desenvolvido in-vestigação comparada no contexto europeu nas áreas do envelhecimentoativo, desigualdades entre idosos, cuidados de saúde e de longa duraçãopara idosos. Neste âmbito, tem publicado vários capítulos em livros (no-meadamente, com a Oxford University Press, Cambridge UniversityPress e Edward Elgar Publishing) e artigos em revistas científicas de refe-rência (por exemplo, Health Policy, European Journal of Social Policy e Euro-pean Journal of Ageing) e participado em vários projetos de investigaçãofinanciados pela Comissão Europeia (INTERLINKS, Evaluating Careacross Borders e MOPACT) e por governos nacionais da União Euro-peia.

Vasco do Canto Moniz é engenheiro pela Faculdade de Engenhariada Universidade do Porto e presidente do conselho de administração daFundação D. Pedro IV. A Fundação D. Pedro IV, fundada pelo rei D. Pedro IV em 1834, é uma das mais antigas e relevantes fundações desolidariedade social a nível nacional. Na sua vida profissional destaca-sea docência das unidades curriculares Política de Habitação e Problemas

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de Gestão de Cidades no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas(Universidade de Lisboa), bem como a direção e a administração de di-versas entidades públicas e privadas, nomeadamente: diretor regional deLisboa do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacionaldo Estado (Ministério das Obras Públicas); diretor de Habitação de Lis-boa, no âmbito da Comissão Liquidatária do Fundo de Fomento da Ha-bitação (Ministério das Obras Públicas); administrador da Santa Casa daMisericórdia de Cascais.

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Pedro Moura FerreiraManuel Villaverde CabralAmílcar Moreira

Introdução

Atendendo ao interesse da temática do envelhecimento no âmbito dasua ação programática, a Fundação D. Pedro IV entendeu propor aoentão Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lisboa a organi-zação, em 2015, de um ciclo de colóquios sobre o envelhecimento. O convite foi naturalmente aceite pelo IE, que perspetivou a sua realiza-ção como uma oportunidade para analisar e debater alguns dos principaisproblemas que o envelhecimento coloca na sociedade portuguesa – umasociedade envelhecida e em declínio demográfico.

O envelhecimento é uma tendência atual do mundo contemporâneo,mas as circunstâncias em que este ocorre em Portugal, caracterizadas porgrandes constrangimentos macroeconómicos e sociais, tornam a sua evo-lução preocupante e de difícil previsão, condicionando, à partida, o nú-mero e a natureza das respostas que seria possível desenvolver. Simulta-neamente a um ajustamento económico, há também na sociedadeportuguesa um ajustamento demográfico – mais pessoas a viver até maistarde, mais pessoas sem filhos, mais gente a viver sozinha, famílias maispequenas, menos jovens e crianças e, a prazo, menos pessoas. O envelhe-cimento da população portuguesa processa-se num quadro de declíniodemográfico, de deterioração do rácio de dependência, que se repercutena relação entre ativos e inativos, e de forte restrição – constrangimentosorçamentais.

Tendo em conta que a problemática social do envelhecimento resultado entrelaçamento entre demografia, economia e políticas públicas, eranatural que os temas propostos para a realização dos colóquios surgissema partir deles. Deste modo, três temas emergiram com inequívoca atua-lidade – pensões, natalidade e cuidados – que na fase inicial de reflexãoforam formulados como questões.

O primeiro tema colocava a questão: um país sem pensões?, a partir daqual se pretendia refletir e discutir o financiamento do sistema de pen-sões, atendendo quer à longevidade crescente dos portugueses, quer àdiminuição do rácio entre ativos e não ativos. Não se tratava apenas delevantar a questão da sustentabilidade do sistema de segurança social e

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das medidas eventualmente necessárias para a garantir, mas também domodelo em que a mesma deveria assentar, abrindo caminho para a dis-cussão das soluções alternativas e das respetivas vantagens e riscos.

O segundo tema procurou equacionar algumas das consequências dodeclínio da fecundidade no envelhecimento sob a formulação seguinte:um país sem crianças? Visava-se a discussão não só das consequência, mastambém de possíveis soluções que mitigassem, a prazo, a tendência dediminuição da população, abrindo o leque das questões em debate:podem as políticas de apoio à natalidade inverter as tendências atuais,atendendo aos constrangimentos que decorrem da maior competitivi-dade e flexibilidade laborais? Que futuro para a conciliação entre trabalhoe família num contexto em que a coexistência entre as diferentes geraçõesse intensifica? Qual o impacto do declínio da natalidade na dimensãodas famílias, nas relações intergeracionais e no isolamento social? Estaseram algumas das questões em discussão.

O último tema era suscitado pela preocupação em torno do aumentodo peso dos idosos no conjunto da população, resumida na seguintequestão: um país sem cuidados? Atendendo a que, por um lado, as restri-ções orçamentais têm afetado as políticas públicas no domínio da saúdee dos cuidados e, por outro, ao facto de o número de idosos tender acrescer em função das atuais tendências demográficas, procurava-se in-dagar as exigências e os desafios que se colocam às políticas públicas eao papel das famílias em proporcionar à população idosa um quadro debem-estar compatível com a coesão social que uma democracia deve as-segurar. Tratava-se, no fundo, de analisar a repartição da responsabilidadesocial do cuidar e a sustentabilidade das políticas necessárias.

Definidos os temas, passou-se à organização dos colóquios e à seleçãodos seus protagonistas. A sua organização obedeceu à ideia de contrastarvisões e soluções distintas para cada uma das questões, tendo sido este ocritério que orientou as escolhas dos intervenientes, referidos mais àfrente, a quem foram endereçados os convites. Mais do que caracterizar,delimitar ou discutir os problemas existentes, procurava-se apontar ca-minhos ou soluções possíveis, alavancadas nas convicções pessoais e po-líticas de cada interveniente. Neste sentido, o modelo escolhido baseou--se em duas intervenções principais, que seriam antecedidas por umacaracterização e um enquadramento geral do tema em causa, a cargo doterceiro participante. A condução dos trabalhos estaria a cargo de umdos elementos da equipa organizadora, a quem competiria tambémorientar e dinamizar a discussão entre os intervenientes e, eventualmente,entre estes últimos e o público.

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Introdução

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A fim de identificar claramente as problemáticas do envelhecimentoque estariam em debate, os três colóquios/workshops, organizados combase nas questões indutoras acima referidas, acolheram designações maiscompletas: «Envelhecimento e política de reforma – que futuro para aspensões?»; «Envelhecimento e política de fecundidade – a economia con-tra as famílias?»; «Envelhecimento e política de cuidados: o dever de cui-dar entre o Estado e as famílias?». Os colóquios foram realizados emmaio, junho e outubro de 2015, tendo existido por parte da organizaçãoo propósito de editar em livro as intervenções produzidas.

É este livro que passaremos a apresentar.A sua estrutura reproduziu a organização dos colóquios. O livro está

por isso dividido em três partes essenciais, cada uma, correspondendo àorganização de um colóquio, constituída por três textos. O livro terminacom a intervenção de encerramento, realizada por Vasco Canto Moniz,presidente da Fundação D. Pedro IV. A ordem pela qual os textos apare-cem segue a mesma ordem das intervenções nos colóquios. Refira-seainda que as filiações institucionais dos autores que aparecem nos capí-tulos deste livro se reportam à data da organização dos colóquios.

Quanto aos textos propriamente ditos, é necessária uma advertênciarelativamente à modalidade como são apresentados, a qual obedeceu aocritério de cada interveniente. Uma primeira modalidade adapta a inter-venção produzida a um texto escrito, enquanto a segunda segue as nor-mas de artigo, afastando-se porventura bastante mais da intervenção pro-duzida no âmbito da realização do colóquio. Deste modo, decorrentedeste duplo critério, os textos revelam algumas diferenças no que respeitaao estilo e à extensão, embora o interesse intrínseco dos mesmos e doconjunto do livro não pareça ter saído prejudicado.

A primeira parte, relativa ao colóquio «Envelhecimento e política dereforma – que futuro para as pensões?», reúne os textos das intervençõesde Carlos Manuel Pereira da Silva, Pedro Marques e Jorge Bravo.

Seguindo a ordem de apresentação dos intervenientes, o primeirotexto, intitulado «Segurança social: caracterização e diagnóstico provávelno contexto da moeda única», analisa as implicações da moeda únicapara os sistemas de proteção social na Europa. Segundo Carlos ManuelPereira da Silva, a reforma dos sistemas de pensões públicas em repartiçãoé necessária na maior parte dos países europeus devido aos défices estru-turais que resultaram da degradação das relações fundamentais provoca-dos por impactos como o envelhecimento da população e/ou o aumentodo desemprego. No entanto, o autor defende que os custos de transição

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de um sistema totalmente público para um sistema misto com elementosde capitalização parcial só são possíveis se o Estado puder diluir o custodos direitos adquiridos pelos atuais ativos no sistema de repartição atravésdo endividamento suportado por várias gerações. Como os critérios im-postos para a adesão ao euro deixaram pouca margem de manobra, sus-tenta que qualquer reforma do modelo social europeu passa por flexibi-lizar o critério do endividamento. Nada fazer será lançar para as próximasgerações uma sobrecarga financeira impossível de ser gerida. A flexibili-zação dos critérios de Maastritch seria assim uma condição necessáriapara compatibilizar o euro e a Europa social, permitindo a reforma dossistemas de segurança social, sem agravar riscos de pobreza e de exclusão.Neste quadro, seriam ainda de considerar medidas, como a mutualizaçãodos custos com o desemprego, entre outras, que contribuíssem tambémpara a redução ou compensação das assimetrias entre os países europeus.

No texto apresentado a seguir, «A grande recessão e a reforma da se-gurança social», Pedro Marques, o segundo interlocutor do colóquioadota um posicionamento distinto em relação aos outros dois interlo-cutores. Assumindo também como desejável a reforma da segurança so-cial, defende, no entanto, que a reforma a realizar tem mais a ver coma adequação da proteção social aos novos riscos do que com a questãoda sustentabilidade financeira. Segundo o autor, a reforma de 2007 teráneutralizado de modo significativo o efeito do envelhecimento da po-pulação, sustentando-se nas projeções da Comissão Europeia para opeso da despesa com pensões em função do PIB. Considerando adqui-rida a sustentabilidade a prazo do sistema de Segurança Social, a novareforma deveria ser capaz de integrar os novos riscos sociais resultantesem grande parte da dualização da proteção laboral e social, na qual seoriginam as desigualdades entre insiders e outsiders. A título exemplifi-cativo, são indicadas algumas medidas, como as políticas ativas de em-prego, mais centradas na vida ativa do que na velhice, que visam em si-multâneo enfrentar esses novos riscos e ativar a proteção social,tornando-a mais amiga do crescimento económico e sem descurar o re-forço necessário da equidade.

O último texto tem por título «Contratos intergeracionais e consistên-cia temporal na gestão da proteção social: implicações políticas e reformado sistema de pensões». Nele, o seu autor, Jorge Bravo, sustenta a neces-sidade de uma reforma estrutural dos sistemas de pensões em Portugalcomo a única forma de assegurar a prazo uma trajetória de sustentabili-dade, adequação e equidade, apresentando sumariamente a arquiteturadesse novo sistema de pensões. O argumento desenvolvido tem dois as-

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petos essenciais: por um lado, considera que os desequilíbrios demográ-ficos tornam o atual modelo de financiamento do sistema de pensõesinsustentável, obrigando a recorrer cada vez mais a uma componentenão contributiva para cobrir os défices de financiamento; por outro lado,defende que o contrato intergeracional subjacente ao sistema de pensõesdeve ser entendido como um contrato relacional, que, em vez de se ba-sear em direitos fixos e invioláveis, reconhece a necessidade de introduzirmutabilidade e flexibilidade na sua gestão, o que obriga a relações decooperação mútua entre as partes envolvidas. Esta interpretação do con-trato intergeracional permitiria responder melhor às alterações demográ-ficas, económicas e do mercado de trabalho. O sistema misto de pensõesproposto teria ainda, segundo o autor, a virtude de não agravar as contaspúblicas nem onerar excessivamente as futuras gerações.

A segunda parte do livro reúne as intervenções de Manuel VillaverdeCabral, Maria Filomena Mendes e Joaquim Azevedo, realizadas no co-lóquio intitulado «Envelhecimento e política de fecundidade – a econo-mia contra as famílias?».

A primeira intervenção coube a Manuel Villaverde Cabral, que desen-volveu o tema do «envelhecimento sociodemográfico e os seus riscos».A sua intervenção assenta no pressuposto de que o envelhecimentomuito rápido e ultimamente agudo da sociedade portuguesa teve menosa ver com o aumento paulatino da longevidade e o correlativo problemada sustentabilidade dos regimes de pensões do que com a profunda di-minuição da fecundidade. Após comentar o seu declínio desde as últimasdécadas do século passado, procura indagar as razões subjacentes a estadiminuição, recorrendo ao modelo desenvolvido por Peter McDonald(2000). Segundo este autor, o regime very low fertility, que caracteriza al-gumas sociedades, entre as quais se encontra Portugal, poderia ser expli-cado pela incongruência entre os níveis de equidade de género prevale-centes em diferentes instituições sociais, designadamente entre o mercadode trabalho e a estrutura familiar. A adequação desta explicação à reali-dade portuguesa é o principal eixo de reflexão que Manuel VillaverdeCabral desenvolve na sua intervenção.

O segundo texto, «Envelhecimento e fecundidade: uma antevisão donosso futuro demográfico», tem por autora Maria Filomena Mendes. Par-tindo da sua visão de demógrafa, o texto (e a intervenção feita) retém duasideias fundamentais. A primeira consiste em defender que o país vai as-sistir a um declínio demográfico, ou seja, o país vai perder população,acompanhado por um maior envelhecimento e pela aceleração do seuritmo de evolução, e que já não será possível reverter este quadro mesmo

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que a fecundidade venha a aumentar nas próximas décadas. Uma segundaideia passa por responsabilizar a queda da fecundidade como principalcausa do envelhecimento da população portuguesa, à qual se junta maisrecentemente o (duplo) adiamento do(s) nascimento(s) do(s) filho(s). A partir destas duas ideias e com base em perfis sociodemográficos da fe-cundidade, a autora desenvolveu algumas considerações em termos depolíticas públicas, chamando a atenção para a necessidade de anteciparos calendários do nascimento dos filhos e para a impossibilidade de a na-talidade poder vir a inverter o processo de envelhecimento da sociedadeportuguesa.

O último interveniente, Joaquim Azevedo, assume o papel de porta--voz da Comissão para uma Política da Natalidade em Portugal, consti-tuída na vigência do governo anterior (PSD-CDS), que agrupou onzepersonalidades de várias áreas disciplinares. No entanto, a sua intervençãonão se circunscreve às medidas propostas no âmbito dessa comissão, masreflete também sobre os pressupostos políticos e culturais que deverãoestar subjacentes a qualquer intervenção pública no sentido de revertera atual tendência da fecundidade. O ponto crítico é a defesa de uma po-lítica de remoção dos obstáculos à natalidade e não de uma política pró--natalidade. É neste enquadramento que as medidas propostas devemser entendidas e discutidas, sendo esta intervenção mais um contributopara uma discussão pública que se torna urgente aprofundar e generalizarao conjunto da sociedade.

A terceira e última parte do livro é dedicada ao colóquio com o título«Envelhecimento e política de cuidados: o dever de cuidar entre o Estadoe as famílias?» e que teve por interlocutores Alexandra Lopes, RicardoRodrigues e Pedro Pitta Barros.

O primeiro texto, «Envelhecimento, dependências e fragilidades: ten-sões e desafios no Portugal contemporâneo», é da autoria de AlexandraLopes. A sua contribuição centra-se em duas ideias essenciais: por umlado, regista e analisa o recuo das modalidades familiares de prestaçãode cuidados aos idosos, que têm sido um dos traços do modelo portu-guês de políticas públicas, e o desenvolvimento consequente da pressãodo lado da procura sobre o sistema formal; por outro, atendendo à im-possibilidade de expansão ilimitada do sistema formal de cuidados, torna--se imperativo reconhecer o papel fundamental do cuidado informal fa-miliar e a necessidade de criar condições que o viabilizem. Trata-se decolocar o cuidador informal no centro das políticas públicas. O textocontempla ainda a discussão de algumas medidas que essas mesmas po-líticas poderiam ou deveriam implementar.

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O texto seguinte, de Ricardo Rodrigues, tem por título «Cuidados delonga duração para idosos no contexto europeu: múltiplas soluções paraum problema comum?». Como decorre do próprio título, a principalcontribuição é enquadrar a problemática dos cuidados no contexto eu-ropeu. Partindo do pressuposto de que os cuidados e a ajuda a idososem situações de dependência constituem um novo risco social ao qualo Estado, através da proteção social, tem procurado dar resposta, o autorapresenta e discute os modelos de cuidados de longa duração que têmvindo a ser desenvolvidos na União Europeia. Com base nos diferentespapéis e na importância atribuídos ao mercado, ao Estado e às famílias,coexistem quatro modelos: cuidados universais; condições de recurso;famílias apoiadas pelo Estado; minimalista. As limitações e as potencia-lidades de cada modelo são analisadas em termos de equidade de géneroe de acesso aos cuidados de longa duração. Por último, discute a questãoda sustentabilidade, sublinhando a necessidade, mas também a possibi-lidade, de limitar os custos associados à gestão do risco da dependênciaatravés do recurso a políticas públicas adequadas no domínio da saúdee da prevenção.

O terceiro orador no colóquio, Pedro Pitta Barros, assina o texto «En-velhecimento da população e pressão sobre a procura de cuidados desaúde». Na senda do desafio inicial colocado de saber se o futuro nos re-servaria um país sem cuidados, o autor analisa as implicações econó-mico-financeiras do envelhecimento para a procura de cuidados desaúde. Partindo de um modelo de decomposição do crescimento da des-pesa em cuidados de saúde, que isola o efeito associado à alteração daestrutura etária da população entre dois momentos temporais, chega àconclusão de que esse crescimento não gerará uma pressão económica/fi-nanceira excessiva sobre as finanças públicas, se o único fator de mu-dança a considerar for a alteração da estrutura demográfica. Para o autor,o desafio fundamental resultante do envelhecimento da população nãoestará no esforço financeiro requerido, mas sim noutras áreas, como opreço dos medicamentos ou o padrão da prescrição, não havendo assimmotivo para pensar que o envelhecimento por si só obrigue a uma redu-ção dos cuidados de saúde em Portugal.

O livro inclui ainda um último texto relativo à intervenção de encer-ramento do ciclo de colóquios, realizada por Vasco Canto Moniz, pre-sidente da Fundação D. Pedro IV, no qual se sublinha a necessidade dareforma do Estado social e se chama a atenção para o papel do sectorsocial como condições para o desenvolvimento económico e social dopaís.

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Feita a apresentação do livro, resta esperar que este possa cumprir opropósito subjacente à organização do ciclo de colóquios, contribuindopara a discussão da temática do envelhecimento e dos desafios que colocapara o futuro do país. Uma última palavra de agradecimento dos orga-nizadores deste volume à Fundação D. Pedro IV, na pessoa do seu presi-dente, engenheiro Vasco Canto Moniz, pelo apoio à organização destescolóquios e pelo seu empenho em promover a reflexão sobre o envelhe-cimento na sociedade portuguesa.

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Parte IEnvelhecimento e política

de reforma – que futuro para as pensões?

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Carlos Manuel Pereira da Silva

Capítulo 1

Segurança social: caracterização ediagnóstico provável no contexto damoeda únicaMoeda única e Europa social, um casamento imperfeito?

As condições fixadas pelo Tratado de Maastricht para a adesão à moedaúnica tiveram um impacto profundo nas finanças públicas, cujas conse-quências começaram a ser visíveis nos diferentes défices orçamentais re-gistados em vários países, alguns deles com níveis de proteção social maisgenerosos do que o português.

Na fase de pré-adesão todos os países candidatos se comprometeram,a prazo, a convergir de forma a respeitar os critérios do défice, da inflaçãoe do nível da dívida, mas, devido à conjuntura económica internacional,as divergências começam a ser notórias. Países com experiência de gestãoorçamental rigorosa no passado mostram-se incapazes de respeitar os cri-térios acordados aquando da entrada na moeda única. Portugal fez umesforço de convergência notável, mau grado o seu estádio de desenvol-vimento económico não ser comparável ao dos seus parceiros do centroda Europa. Talvez tenha sido por não sentirem que podiam abdicar docontrolo monetário e da política orçamental e respeitar os critérios acurto prazo que o Reino Unido, a Suécia e a Dinamarca ainda não refe-rendaram o euro.

Assim, o problema não foi tanto o de respeitar as condições à entrada,mas o de garantir a manutenção na Europa monetária, qualquer quefosse a evolução das economias dos países aderentes. Maastricht impôsa condição de sustentabilidade para qualquer fase do ciclo económico,independentemente do nível de desenvolvimento de cada país, da suasituação económica e financeira e o do seu modelo social.

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É indiscutível que a Europa social depende da existência de uma po-lítica monetária estável, mas que não ponha em causa o crescimento eco-nómico, o emprego e as finanças dos regimes de segurança social finan-ciados por contribuições e impostos gerados no processo produtivo.

No passado não existia o colete-de-forças imposto pela moeda únicae a ausência de restrições em matéria de endividamento e despesa públi-cas permitia aos Estados disporem dos meios financeiros necessários aorelançamento, por vezes inflacionista, da economia e financiarem o for-necimento dos serviços de previdência.

As coisas, porém, mudaram, e as economias nacionais foram forçadasa abrir mão de um certo número de alavancas que no passado permitiamgerir a política social no sentido da universalização de direitos não pré--financiados pelos potenciais beneficiários.

Poder-se-ia pensar que a política social dos Estados nacionais tenderiaa ser substituída por uma política social da união económica, ou seja,que, para além da Europa monetária, seria consagrada o princípio daexistência de uma Europa social que recolheria o melhor da tradição so-cial dos diferentes modelos europeus em vigor atualmente.

Mas qual seria o significado de uma tal Europa social?A Europa social significaria que em qualquer parte, região ou país da

Europa política qualquer cidadão que pagasse impostos e recebesse emeuros deveria ter acesso ao mesmo cabaz de proteção social, aos mesmoscuidados de saúde e aos mesmos seguros sociais.

Se assim não acontecesse, e abstraindo da questão da língua, os movi-mentos populacionais, libertos de restrições no interior do espaço co-munitário, obrigariam ao nivelamento dos benefícios sociais, sob penade os cidadãos das zonas mais desprotegidas se deslocarem em massapara as zonas com melhor proteção social.

Para evitar um tal estado de coisas, o défice da comunidade deveriater em conta as necessidades de financiamento da política social ou, emalternativa, deveria ser permitido ajustar o critério da dívida pública aoscompromissos de longo prazo com a proteção social.

Mas tais défices e endividamento para fins de amortização dos compro-missos sociais seriam, na hipótese de um euro forte, em certa medida, subs-titutos do marco, incompatíveis com a diminuição da componente infla-cionista da taxa de juro nominal, impedindo desta maneira que se pudessematingir níveis razoavelmente baixos e estáveis para as taxas de juro reais.

A dinamização do mercado de capitais resultante da queda sustentadadas taxas de juro reais poderia permitir a substituição do financiamentopúblico da economia por financiamento privado, com custos de capital

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mais reduzidos. Esta substituição provocaria maior investimento, me-lhoraria a produtividade do trabalho e, por arrastamento, criaria maisemprego no futuro.

A Europa social e o emprego, uma dependência forte

Habituados à ideia de um emprego estável e reforma garantida, a maiorparte dos cidadãos europeus têm dificuldades em perceber como é que assuas expectativas serão realizadas no quadro das restrições impostas pelacriação de uma zona monetária europeia. Desde há alguns anos que co-meçaram a ouvir falar de políticas muitas vezes contraditórias ou de po-tencial conflito como a necessidade de reconversão industrial, o aumentodo desemprego estrutural, a antecipação da idade de reforma por efeitosde reestruturações e fusões e aumento da idade da reforma para compensaro efeito da longevidade e também a contenção de custos sociais.

As consequências de uma tal situação estão à vista de todos: dificul-dades financeiras crescentes em todos os sistemas de segurança social de-vido ao aumento simultâneo dos custos com o desemprego e quebra dasreceitas consequentes da redução do nível de emprego, recusa dos bene-ficiários em aceitar a diminuição do seu nível de expectativas e planosdramáticos para aumentar o emprego, o clássico e as novas formas queele assume. Em todos os países, antecipando uma mistura explosiva cres-cente de redução das receitas e aumento do custo com as prestações so-ciais dos atuais ativos, os governos empenhados na moeda única puseramem prática medidas de saneamento financeiro das finanças públicas quevão até à reforma completa da proteção social.

As consequências para Portugal

Também no caso português se assistiu nos anos mais recentes a umconjunto de alterações no quadro da segurança social. A Lei de Bases doSistema da Segurança Social em vigor, datada de 2007, foi antecedidapelas Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto, que aprovou as bases do sistemade solidariedade e segurança social, e Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro,que aprovava as bases gerais da segurança social, bem como as atribuiçõesprosseguidas pelas instituições de segurança social e a articulação com asentidades particulares de fins análogos. A atual lei de bases, entre outras,veio introduzir alterações na estrutura e financiamento do sistema, tendoneste ponto procedido à clarificação da adequação seletiva das fontes de

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financiamento às modalidades de proteção social pública, concretizandouma delimitação precisa das responsabilidades em matéria de financia-mento que devem caber, por um lado, ao Estado e, por outro, aos traba-lhadores e às entidades empregadoras.

De resto, como é sabido, o sistema de segurança social em Portugalfunciona em regime de repartição, ou seja, as despesas correntes compensões pagas aos beneficiários são financiadas pelas receitas correntesdas contribuições sociais provenientes de uma determinada taxa sobre o

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Figura 1.1 – Projeção demográfica da população portuguesa até 2020 por grupos etários (0-14; 15-64; 65 ou mais anos)

Fonte: Europop, 2013.

12 000

10 000

8 000

6 000

4 000

2 000

01960 204020302020201320112001199119811970 20602050

Figura 1.2 – Evolução do número de pensionistas (2004-2013)

Fonte: CNP/ISS.

3 000 000

2 500 000

2 000 000

1 500 000

1 000 000

500 000

02004 2011201020092008200720062005 20132012

Novos pensionistas Total de pensionistas

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rendimento dos trabalhadores. É certo que a generalidade dos regimesenfrenta desafios e adversidades; no entanto, o regime de repartição en-contra-se mais exposto aos constrangimentos demográficos e económi-cos, em particular nas matérias relacionadas com o funcionamento domercado de trabalho. Existe assim uma pressão sobre a sustentabilidadedo sistema público de pensões face à diminuição da população ativa e,nesse sentido, potencialmente, a uma quebra das contribuições.

Os desafios demográficos colocados ao sistema português de segurançasocial agravaram-se com as mais recentes projeções demográficas (Euro-pop 2013), estando o equilíbrio do sistema cada vez mais dependentedo financiamento do Estado. Por outro lado, fruto da maturidade do sis-tema assiste-se ao aumento dos pensionistas e da sua longevidade, a pardo aumento do valor nominal das pensões

Os números da velhice 1

Em 2013 o sistema de segurança social abrangia perto de 2,5 milhõesde pensões/pensionistas, sendo que em 2002 não chegavam aos 2 mi-

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Figura 1.3 – Estimativa de pensionistas (2014-2025)

Fonte: Cálculos GEP (MSESS).

2 900 000

2 800 000

2 700 000

2 600 000

2 500 000

2 400 000

2 300 0002014 2021202020192018201720162015 20232022 20252024

1 Os dados apresentados relativos ao número de pensionistas englobam pensões develhice, invalidez e sobrevivência. Refira-se, no entanto, que existem pensionistas quepodem acumular uma pensão de sobrevivência e de velhice, pelo que o valor global apre-sentado, cerca de 2,5 milhões, representa, com maior rigor, o número de pensões e nãotanto o número de pensionistas.

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lhões, com uma pensão média a rondar os €433. O aumento da despesatem ficado a dever-se em parte ao crescente peso das pessoas idosas nototal da população; ainda assim, no ano de 2012 assistiu-se a um decrés-cimo no número de novos pensionistas, o que pode ser explicado pelasuspensão da reforma antecipada naquele ano. Não obstante, de acordocom os dados do Eurostat, a idade média de saída do mercado de traba-lho tem vindo a aumentar, tendo chegado em 2013 aos 63,4 anos, valorque tendencialmente deverá aumentar em face das recentes alteraçõesefetuadas à idade legal da reforma.

Com base nas recentes projeções da população divulgadas pelo Eu-rostat, estima-se que no início da década de 30 deste século a idade legalde reforma ultrapasse os 67 anos para em 2060 rondar os 68,9 anos.

Por outro lado, face ao peso crescente da população mais velha, a des-pesa com velhice e invalidez (cálculos autor) rondará os 8% do PIB emmeados da década de 20. Na verdade, de acordo com as recentes proje-ções do grupo de envelhecimento do Comité de Politica Económica,2 adespesa com pensões (incluindo a CGA e regime não contributivo daSS) deverá crescer cerca de 1% (em 2013 situava-se em cerca de 13% doPIB) até 2040, para apresentar uma ligeira quebra (–0,7%) a partir daqueleano e até ao final do período de projeção (2060).

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Figura 1.4 – Estimativa do número de contribuintes por cada pensionista/pensionista por velhice

Fonte: Cálculos do autor.

3,5

3

2,5

2

1,5

1

0,5

0

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

2022

2023

2024

2025

Rácio contribuinte/pensionista Rácio contribuinte/reformado velhice

2 «The 2015 ageing report: economic and budgetary projections for the EU28 memberstates (2013-2060)».

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O rácio entre a população mais velha e a população ativa é projetadode modo a ter um comportamento crescente e contínuo até à década de40 para depois apresentar uma manutenção, muito em resultado da que-bra da população, que começará naquela década a atingir também as ca-madas mais velhas da população. As estimativas desenvolvidas apontam

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Figura 1.5 – Taxa de desemprego

Figura 1.6 – Desemprego de longa duração em % da população ativa

Fonte: Eurostat (Labour Force Survey).

18

16

14

12

10

8

6

4

2

0

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

UE 28 PortugalEA 17

10

8

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1999

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ainda para uma diminuição a médio prazo do número de contribuintespor cada pensionista, com consequências óbvias no equilíbrio do sistema(figura 1.4).

Na verdade, quando se efetua uma análise mais detalhada à evoluçãodas receitas e despesas do sistema previdencial é possível constatar o au-mento do peso das transferências do Orçamento do Estado.

Também a recente conjuntura económica em que o sistema de segu-rança social se insere é determinante para o comportamento da despesasocial. O comportamento económico mais desfavorável agrava os pro-blemas demográficos, por via do desemprego, conduzindo a níveis dedependência cada vez mais elevados (figuras 1.5 e 1.6).

Um subsídio europeu para o desemprego estrutural

A crise económica e financeira que atingiu a União Europeia nos últi-mos anos com maior intensidade em alguns Estados membros agravou asituação acima referida. De acordo com a Comissão europeia no relatórioEmprego e Desenvolvimento Social 2014,3 a convergência em termos de per-formance social e económica, que tinha vindo a caracterizar a União Eu-ropeia nas duas últimas décadas, abrandou com a crise e reverteu--se profundamente no caso das taxas de emprego e desemprego. Aquelesdesenvolvimentos revelaram quer a dimensão excecional da crise, quertambém os desequilíbrios estruturais, que se foram tornando aparentesem alguns Estados membros à medida que a crise evoluía (tais como baixaprodutividade, crescimento dos custos unitários do trabalho), bem comoalguma incapacidade fiscal da união monetária para apoiar a estabilizaçãodas economias em face daqueles choques assimétricos e conjunturais.

Ainda de acordo com o mesmo relatório, torna-se claro, face a estaanálise, que a futura integração europeia das economias nacionais deverápromover o reforço das relações económicas entre os vários Estados. O debate acerca desta matéria tem sido feito em torno das metodologiasque possam ser mais apropriadas para complementar as reformas ambi-ciosas já empreendidas com outras futuras, tais como a criação de umaunião bancária na zona euro, o aprofundamento da união económica efiscal e o reforço da dimensão social, entre outras, de modo a diminuir

3 Employment and Social Developments in Europe 2014 – European Commission.

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o impacto negativo que os choques macroeconómicos poderão ter noemprego e na coesão social se o ajustamento for deixado apenas a meca-nismos de mercado.

A nível europeu, entre várias propostas que têm vindo a ser debatidasno domínio público, procurando acelerar e reforçar o retorno ao caminhoda convergência, contam-se o reforço da mobilidade, o investimento nocapital humano, a introdução de benchmarks comuns e, numa perspetivade longo prazo, uma capacidade fiscal bem desenhada ao nível da uniãomonetária. Neste contexto, tem sido discutida em círculos académicos(mas também referida em publicações oficiais da Comissão Europeia) apossibilidade da criação de um sistema de subsídio de desemprego a níveleuropeu, ou pelo menos a nível supranacional. Pelo menos para compen-sar as assimetrias nacionais relativamente ao desemprego estrutural.

A questão crucial põe-se, obviamente, ao nível do emprego. E nestedomínio as coisas são simples de equacionar. Existe ou não uma relaçãodireta entre os ganhos derivados da institucionalização de uma moedaúnica que se traduzirão em menores custos de produção por via do in-vestimento e por aí do crescimento do emprego? Se existe, quanto tempodemorará até se dar o ajustamento estrutural e qual o preço a pagar emtermos de défices dos sistemas públicos de previdência? Deve ounão dizer-se claramente aos cidadãos quais os sacrifícios ainda a fazerantes de tudo voltar à ordem natural das coisas?

Se existe e se trata de um problema de informação, por que não expli-car com paciência, sobretudo às gerações mais novas, as vantagens destacaminhada? Se não existe, que economia emergirá e com que emprego?Qual o sentido dos atuais sistemas públicos de previdência e como fi-nanciá-los num contexto de emprego incerto?

Os povos europeus têm hoje dificuldade em perceber o que se passana agricultura, nas pescas e nos comércios tradicionais. Constatam o au-mento de formas de trabalho atípicas, o aumento do número de desem-pregados, atingindo cada vez mais jovens e licenciados, e o aumento donúmero de falências.

Os sinais que nos chegam do exterior são preocupantes. O desempregona Europa do euro atingiu níveis impensáveis desde a década de 30 doséculo passado. Os demónios do medo e da insegurança criam as condi-ções para fraturas sociais em todos os países da comunidade que se jul-gavam definitivamente resolvidas. A incerteza e a pressa são más conse-lheiras das decisões que mudam a estabilidade dos povos.

A diferença da situação atual para o passado é que hoje existe um Es-tado social que atenua os choques sociais. No dia em que tivermos des-

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truído o modelo social será que a moeda única conseguirá travar a esca-lada da insegurança originada pelo desemprego?

Não se pode sustentar que a Europa social é que não cumpre os crité-rios de Maastricht. Talvez seja é necessário atenuar alguns doscritérios monetário-financeiros para se poder reformar com segurança oEstado-providência.

A camisa-de-forças dos critérios de convergência

A decisão de criar uma moeda única teve, inegavelmente, repercussõesnas políticas de proteção social dos Estados membros da União Europeia.

Com efeito, os critérios impostos para a adesão ao euro deixam poucamargem de manobra para acomodar os défices estruturais da segurançasocial resultantes da degradação das relações fundamentais em que se ba-seava o equilíbrio financeiro do sistema de repartição.

É certo que as variáveis demográficas, económicas e financeiras queno passado permitiram o funcionamento equilibrado do sistema de pro-teção social se tornaram instáveis, pelo que se imporia o recurso ao me-canismo da emissão de dívida para diluir sobre várias gerações o gap entrereceitas e despesas que é originado pela maturação dos regimes de pen-sões.

Ora os critérios fixados em função do estado de desenvolvimento dospaíses mais avançados sobre a inflação média aceitável, sobre a dimensãomáxima do défice público e sobre o stock de dívida inviabilizam o usodaquele mecanismo, o único que permite a transição para sistemas mis-tos, em repartição e capitalização coletiva, de forma a dotar o sistema deuma fonte de receita adicional, o rendimento de capital, que até agorafoi esquecido.

Sabe-se que, na transição, a necessidade de reduzir custos com presta-ções futuras de atuais ativos faz nascer direitos resgatáveis relativamentea serviços passados, que só poderão ser exercidos se o Estado dispuserde um fundo capaz de satisfazer os pedidos dos beneficiários ativos queaceitem passar para sistemas mistos.

Vejamos alguns aspetos desta questão.No passado, por exemplo, a inflação, que serviu como fonte de finan-

ciamento indireto do sistema de segurança social, porquanto se incor-porava no crescimento nominal da massa salarial mais rapidamente doque no crescimento nominal da massa de prestações, deixará de ter qual-quer eficácia, uma vez que a convergência para a inflação média, ao li-

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mitar o crescimento dos salários nominais, diminui o crescimento da re-ceita final correspondente e, por essa via, a possibilidade de cobertura deuma parte do custo das prestações nominais.

Pode ter-se crescimento real das pensões e dos salários com inflaçõesacima da média imposta pelo Tratado de Maastricht sem que isso per-turbe os equilíbrios macroeconómicos nacionais.

O nível geral de preços de uma economia nacional resulta mais de umexcesso da oferta de moeda e da sua taxa de crescimento para fazer faceà mesma quantidade de bens transacionáveis do que da repartição dorendimento nacional.

Sabemos que a maior parte dos países europeus terá de enfrentar, aprazo mais ou menos longo, a reforma dos seus sistemas de segurançasocial. Dessas reformas surgirá porventura a necessidade de absorver dé-fices estruturais, hoje implícitos, amortizáveis ao longo da vida ativa dediferentes gerações. A única forma de o fazer sem pressões inflacionistasexcessivas é diluir o seu custo na dívida de longo prazo ou consolidá--la definitivamente.

Esta dívida social, que hoje se encontra latente, não deveria ser consi-derada aquando da avaliação dos critérios relativos ao stock da dívida paraadesão à moeda única. Assim, se não for repensado este critério, no fu-turo terá de ser revisto de forma a poder permitir a transição para formasde financiamento mistas.

A reforma dos regimes de pensões públicas em repartição abrirá espaçopara o desenvolvimento de regimes complementares em capitalização.Estes baseiam o seu financiamento no rendimento de uma carteira deativos financeiros, dado que, contrariamente aos regimes públicos, exi-gem a acumulação prévia de contribuições de valor atuarial equivalenteao das prestações diferidas a que têm de fazer face. Para serem mais efi-cazes financeiramente do que os regimes em repartição, o rendimentoreal dos investimentos tem de ser superior à taxa de crescimento real damassa salarial. Em período de regressão demográfica e desemprego es-trutural nas faixas etárias ativas mais elevadas, esta condição é mais atin-gível do que em fases de crescimento demográfico acentuado e plenoemprego da força de trabalho.4 A taxa de juro real com inflação contidasob pressão poderá permitir a emissão de dívida para cobertura do déficeestrutural das pensões a custos inferiores aos que adviriam se a inflaçãopudesse variar mais do que o permitido nos critérios da moeda única.

4 Foi o que aconteceu no pós-guerra em todas as economias europeias, fase que durouaté meados da década de 70 do século XX.

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No entanto, a persistência de altos níveis de desemprego diminuirá orendimento disponível das famílias e, desde logo, a possibilidade de es-coar facilmente toda a dívida emitida.

A questão do emprego é assim crucial. É neste campo que o Estadopoderá ter novamente uma palavra a dizer. Contrariamente às empresas,que dependem do mercado e logo da sua estrutura de custos de curtoprazo para se rentabilizarem e mesmo sobreviverem, o Estado pode mu-tualizar os custos da criação de postos de trabalho sem ter de se preocuparcom a rentabilidade imediata dos investimentos. Por exemplo, os inves-timentos pesados em externalidades e projetos de risco, onde o critérioda rentabilidade imediata não é predominante, mas cujo interesse socialé evidente, são áreas de desenvolvimento onde o Estado pode exercerum papel fundamental. Para os realizar precisa de massas importantesde capital e de flexibilizar o recurso ao défice ou ao imposto.

A titularização de parte da dívida social através da criação de um sis-tema público de pensões em capitalização coletiva poderá fornecer aoEstado os meios financeiros necessários para investimentos públicos nasáreas mencionadas.

O problema português não é único nem original. Ele coloca-se deforma mais premente e mais dramática em países como a França e a Ale-manha, os países do núcleo duro do projeto monetário europeu e queestão em rota de divergência com as condições do Tratado de Adesão.Mesmo a vizinha Espanha adiou para além de 2000 a reanálise deste pro-blema, congregando num pacto (de Toledo) o silêncio de todas as forçaspartidárias.

Não é possível realizar qualquer reforma do modelo social europeusem que o critério do endividamento seja flexibilizado. Com efeito, nãoé possível acomodar os custos de transição de um sistema totalmente pú-blico para um sistema misto com elementos de capitalização parcial seo Estado não puder diluir o custo dos direitos adquiridos pelos atuaisativos no sistema de repartição, através de endividamento a ser suportadopor várias gerações. A alternativa de não fazer nada é pior porque lançasobre as próximas gerações uma sobrecarga financeira impossível de sergerida.

Será que o euro e a Europa social são incompatíveis? Em minha opi-nião, não são. Mas é preferível ter uma política monetária que acomodealgumas derrapagens das finanças públicas necessárias para estimular aeconomia europeia durante um período de transição razoável, o que im-plica a flexibilização dos critérios de Maastricht para se poder realizar areforma dos sistemas de segurança social, do que criar tensões no equilí-

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brio social europeu que nos façam regressar a situações de pobreza e mar-ginalidade, com as consequências sociais e os custos daí resultantes. A mutualização dos custos com o desemprego é uma via que importa,pois, aprofundar.

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Pedro Marques

Capítulo 2

A grande recessão e a reforma da segurança social Introdução

Neste artigo contraria-se fortemente a ideia de insustentabilidade fi-nanceira da segurança social portuguesa, recorrendo aos mais recentesresultados do estudo internacional «2015 ageing report» da ComissãoEuropeia.

Pelo contrário, é agora maior o desafio sobre a adequação do sistemade pensões na perspetiva da sua capacidade de garantir rendimentos ade-quados na velhice.

Deste modo, tomando em perspetiva o percurso recente de reformasintroduzidas no sistema de segurança social, propor-se-á uma agenda re-formista inovadora, que se julga ser a abordagem correta para enfrentarquer os desafios da adequação das pensões, quer do crescimento econó-mico, fator crítico na garantia da manutenção do equilíbrio financeirodo sistema de segurança social

A segurança social antes da grande recessão: a reforma de 2007

A reforma do enquadramento legal de cálculo das pensões e financia-mento da segurança social realizada em 2007 (Decreto-Lei n.º 187/ 2007,de 10 de maio) foi precedida de um acordo de concertação social quecontribuiu decisivamente para a legitimação social das alterações em-preendidas.

Deste modo, o acordo outorgado em 2006 estabeleceu a introduçãode fatores de ajustamento automático das pensões à demografia e à evo-lução da situação económica (o fator de sustentabilidade, tendo em contaa evolução futura da esperança média de vida, e a nova regra de atuali-

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zação das pensões, automaticamente indexada à inflação e parcialmenteà evolução do PIB). Estas acabaram por ser as medidas mais poderosasnuma perspetiva estrutural, acompanhadas pela aceleração da transiçãopara o cálculo da pensão com base na totalidade da carreira contributivaou pelas limitações ao regime de pensões antecipadas. De modo inova-dor, e ao contrário do que é habitual, esta reforma incorporou elementosimportantes de equidade intergeracional, ao distribuir também pelascoortes de pensionistas alguns dos efeitos mais importantes das medidasadotadas, nomeadamente por via da introdução de nova regra de atuali-zação das pensões em pagamento.

Paralelamente, foram estabelecidas novas regras quanto à assunção deresponsabilidades do Orçamento do Estado no financiamento das pres-tações de natureza familiar ou só parcialmente contributivas, concen-trando as contribuições e quotizações no financiamento exclusivo do re-gime previdencial, em particular do sistema de pensões, e aprofundandodeste modo o princípio de adequação seletiva do financiamento da segu-rança social. Merece ainda destaque, face ao papel que poderá vir a de-sempenhar no futuro, o reforço do âmbito do pilar de poupanças com-plementares individuais para a reforma, através da criação de um regimepúblico de capitalização individual, incentivado por benefícios fiscais àpoupança. Embora pouco desenvolvido, este regime corresponde à as-sunção da importância das poupanças complementares num regime,como o português, em que o pilar previdencial é ainda quase exclusiva-mente responsável pela formação das pensões de velhice. Como veremos,esta será uma questão crítica no futuro.

A emergência da crise financeira impediu a plena entrada em vigor dealgumas outras mudanças significativas acordadas em concertação social.Refira-se, pelo seu carácter inovador e pela forte articulação com a agendade reforma das relações laborais, em ordem ao combate à precariedade,a diferenciação da taxa social única em função da natureza dos contratosde trabalho.

As medidas de reforma adotadas no período da grande recessão

Paralelamente a um conjunto de medidas de natureza financeira con-juntural destinadas ao reequilíbrio do Orçamento do Estado, como é ocaso da introdução de contribuições extraordinárias sobre as pensões,foram ainda adotadas outras medidas com impacto de curto prazo, masigualmente com um alcance estrutural acentuado.

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Assim, a suspensão da aplicação da lei de indexante dos apoios sociaisdurante vários anos (desde 2011), ao acarretar um congelamento dos au-mentos de uma grande parte das pensões previdenciais, o congelamentoe posterior reposição restritiva da flexibilidade da idade de reforma, mastambém o aumento em um ano da idade de reforma, no ano de 2014,foi uma medida adotada sobretudo com o objetivo de reposição no curtoprazo do equilíbrio global das finanças públicas (o aumento da idade dereforma nos termos em que foi legislado acabou por empurrar parte dadespesa para os anos imediatos), mas acabou por ter um efeito duradourono equilíbrio financeiro do sistema de segurança social.

Para avaliar a real situação do sistema de segurança social procurar-se--á de seguida distinguir aquilo que é conjuntural da real situação estru-tural do sistema. Esta distinção permitirá idealmente que as medidas dereforma a propor para o futuro assumam uma natureza adequada face àreal situação do sistema. Poderá ser necessário, como veremos, adotarmedidas conjunturais, mas importa sobretudo perspetivar eventuais me-didas estruturais que otimizem o binómio sustentabilidade finan -ceira/adequação das pensões.

Os efeitos da grande recessão: o determinismo económico da situação conjuntural da segurança social

Na sequência da crise financeira de 2008, observou-se uma travagemda economia mundial que se estendeu a todas as principais economiasdesenvolvidas. A crise de crédito travou o investimento e o consumo,levando a uma forte recessão e ao aumento do desemprego. Como res-posta, a generalidade das economias e, em particular, as economias eu-ropeias coordenaram as respostas através da expansão da despesa pública,procurando evitar o aprofundamento e o prolongamento da recessão.Isso foi alcançado de modo substancial, dada a dimensão da resposta key-nesiana à crise. Contudo, já em 2010 verificou-se uma inversão da res-posta à crise, incidindo agora as preocupações no aumento das dívidaspúblicas. Esta inversão foi particularmente acentuada na Europa. A reti-rada de parte substancial das medidas extraordinárias adotadas no anoanterior e a adoção de medidas adicionais de austeridade, que se prolongaaté ao presente, causaram nova recessão na Europa e posteriormente umciclo de estagnação económica sem fim à vista.

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Neste período foram destruídos milhões de postos de trabalho na Eu-ropa. Em Portugal, entre 2008 e 2013, foram destruídos cerca de 700 000empregos (quadro 2.1).

Esta ocorrência, para além das suas consequências sociais devastadoras,teve um impacto severo no sistema de segurança social. Se em 2005, àsaída de uma situação de estagnação, o sistema de segurança social apre-sentava um saldo negativo previsto (que não veio a confirmar-se), em2008, esse saldo era já positivo e da ordem de 1% do PIB (quadro 2.2).Contudo, fruto dos efeitos da destruição de emprego e aumento dos de-sempregados subsidiados, em 2013 o sistema apresentava um déficeanual acentuado (quadro 2.2).

Estas flutuações importantes e muito rápidas em poucos anos terãouma explicação: o efeito da recessão sobre a segurança social é duplo,diminuindo as receitas de contribuições, em face da redução do emprego,e aumentando o pagamento de subsídios de desemprego. É por isso queé muito importante avaliar cuidadosamente a situação do sistema emcada momento, separando o que é estrutural do que se revela decorrenteda conjuntura.

Repare-se como a simples consideração do efeito da destruição de em-prego na economia portuguesa em cinco anos e o aumento da despesacom subsídios de desemprego mais do que explicam a evolução recentedos saldos da segurança social.

A perda anual de contribuições para a segurança social, quando agre-gada ao acréscimo de despesa com subsídios de desemprego, determinauma perda anual para o sistema que em 2013 se situava na ordem de2,5% do PIB, o que explica a evolução, em apenas cinco anos, de um su-

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Quadro 2.1 – População ativa 2008 e 2013

4.º trim. 2008 4.º trim. 2013 =\

População empregada (em milhares) 5 176,3 4 468,9 –707,4População desempregada (em milhares) 437,6 808,0 370,4Inativos desencorajados (em milhares) 28,7 274,2 245,5Taxa de desemprego 7,8% 15,3%

Fonte: INE (est. emprego – 1.º trim. 2014).

Quadro 2.2 – Saldos da segurança social

2005 (rel. Constâncio) Cerca –0,43% PIB 2008 Cerca +1% PIB 2013 (exec.) Cerca –0,6% PIB

Fonte: Rel. Constâncio 2005, conta SS 2008, execução orçamental 2013.

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peravit de 1% do PIB para um défice na ordem de 0,6% do PIB (quadro2.3). Esta degradação só não foi maior porque foram adotadas várias me-didas de diminuição da despesa com proteção social, procurando minoraros desequilíbrios do sistema (ainda que estas, ao diminuírem as transfe-rências para as famílias e o consumo, tenham induzido um agravamentoda recessão).

É por tudo isto que se advoga que o atual desequilíbrio da segurançasocial é de natureza conjuntural. A recuperação do emprego para os ní-veis anteriores a esta crise determinaria uma nova e rápida recuperaçãodos equilíbrios do sistema.

Para testar esta afirmação vale a pena atentar nas mais recentes proje-ções sobre a situação estrutural do sistema de segurança social, já produ-zidas após a fase mais aguda da crise financeira.

Em qualquer caso, o próprio Orçamento do Estado para 2015, ao me-lhorar substancialmente as previsões para o saldo da segurança social,com tal previsão a ser sustentada numa previsível pequena melhoria dasituação económica do país, faz-nos acreditar na natureza conjunturalda situação atual da segurança social. Tal poderá ser posteriormente ve-rificado com base na análise da evolução efetiva da execução orçamentalao longo do ano de 2015 e seguintes.

A sustentabilidade financeira de longo prazo depois da grande recessão

Importa agora avaliar se, fruto das reformas operadas em 2007, com ocomplemento das medidas adotadas no período da crise, a situação dosistema de segurança social português se alterou estruturalmente no querespeita à sua sustentabilidade financeira. E perceber em que medida aatual crise económica e social, profunda e prolongada, impactou estru-turalmente sobre o sistema.

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Quadro 2.3 – Impacto na segurança social da diminuição do emprego e do aumento da proteção no desemprego (2013)

Diminuição de empregados (milhares) –707,4 (4T2008 / 4T2013)

Ganho médio mensal (euros) 1 125,59 (outubro de 2013)Contribuições anuais não cobradas (milhões de euros) –3 003,1Despesa adicional com proteção

no desemprego, 2013/2008 (milhões de euros) +1 201,7

Fonte: INE (est. emprego – 1.º trim. 2014); inquérito aos ganhos e duração do trabalho – 30-5-2014.Taxa contributiva considerada = 26,94% (invalidez, velhice e morte), artigo 51.º do código contri-butivo.

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Várias organizações internacionais avaliam de modo comparado a sus-tentabilidade financeira dos sistemas de segurança social das economiasmais avançadas. Pela sua atualização regular e credibilidade, merece par-ticular atenção o trabalho da Comissão Europeia «2015 ageing report».

As projeções constantes do novo «ageing report» assumem já o maisrecente cenário demográfico do Eurostat (EUROPOP 2013), substan-cialmente (e talvez excessivamente?) mais gravoso para Portugal, umavez que incorpora simultaneamente uma redução significativa da popu-lação em idade ativa e um esmagamento dos saldos migratórios, sendoa sua redução a terceira maior da Europa, quando comparada com asprojeções anteriores. Pode até admitir-se que estas projeções demográficasendogeneízam excessivamente a crise, pois terá de se admitir que o paíscom as mais baixas taxas de fecundidade da Europa talvez não venha averificar uma tão grande redução dos saldos migratórios.

Quanto às projeções macroeconómicas, foi acordado a nível europeuum cenário prospetivo de convergência para a saída da grande recessãopara um crescimento potencial de longo prazo de 0,8% do PIB/ano, oque parece pelo menos prudente.

Com estas variáveis de enquadramento, de acordo com a metodologiacomunitária estabelecida, a Comissão Europeia produziu assim as pro-jeções que constam da figura 2.1.

A UE tem procedido sistematicamente a comparações dos sistemasde pensões com base na evolução da despesa em percentagem do PIB,indicador simples, que permite determinar qual a parte dos recursos na-cionais que deverá ser alocada ao financiamento de cada função do Es-

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Figura 2.1 – Despesas com pensões em % do PIB, 2013-2060

Fonte: EC (2015), «2015 ageing report».

% 16,0

15,0

14,0

13,0

12,0

11,0

10,02013 20602040

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tado relacionada com o envelhecimento. Neste quadro, Portugal aparecemuito bem colocado. De facto, a evolução desta despesa na média dospaíses da zona euro apresenta-se em linha com os valores iniciais, en-quanto no caso português se projeta uma redução não irrelevante.

Vale a pena utilizar como referência estes estudos europeus, pelo seucarácter independente das escolhas normativas nacionais. De facto, mui-tos estudos recentes disponíveis em Portugal não têm conseguido evitaro risco de serem vistos como um instrumento para sustentar uma escolhade política, nomeadamente porque o debate em Portugal, mesmo aca-démico, tem estado muito dominado pela confrontação de duas tesesdiametralmente distintas sobre a sustentabilidade ou insustentabilidadeda segurança social pública e a necessidade ou desnecessidade de priva-tização parcial ou total do sistema.

Portugal é assim um dos países da UE onde a despesa com pensõesno PIB se reduz, denotando deste modo um risco reduzido de agrava-mento da situação das finanças públicas do país, por via do impacto dadespesa com pensões.

Nas últimas décadas a despesa com pensões no PIB cresceu bastanteem Portugal, fruto do amadurecimento de um sistema relativamentejovem (com o consequente crescimento das carreiras contributivas dosnovos pensionistas) e de uma estagnação prolongada por quase quinzeanos, seguida da grande recessão. O sistema de segurança social convergiuassim e depois ultrapassou mesmo a média europeia em termos de pesono PIB. Ao mesmo tempo consolidaram-se positivamente os indicadoresde adequação das pensões.

Contudo, repare-se como nestas novas previsões a despesa com pen-sões cresce em Portugal nas próximas duas décadas, numa fase de saídagradual da grande recessão e ainda de amadurecimento do sistema, parano longo prazo, e mesmo com um crescimento económico relativamentebaixo, a despesa com pensões em percentagem do PIB voltar a cair, detal modo que os valores finais serão inferiores aos verificados em 2013.

O que acaba por ser mais significativo é que mesmo num cenário de-mográfico muito agravado (redução da população em cerca de 20%) ecom uma projeção de crescimento económico muito prudente a susten-tabilidade financeira do sistema resiste de um modo impressionante.

Com este relatório da Comissão Europeia pode afastar-se de um mododeterminado a ideia muito comum de que o sistema de segurança socialportuguês não suportaria os efeitos financeiros do envelhecimento dapopulação. Como já tinha sido referido há alguns anos até por uma agên-cia de notação financeira, conclui-se assim que a reforma de 2007 neu-

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tralizou, de modo significativo, o efeito financeiro do envelhecimentoda população. Mesmo num ambiente de inverno demográfico e baixocrescimento económico, o sistema demonstra capacidade para suster ocrescimento da despesa com pensões devido aos estabilizadores automá-ticos.

A atestar a solidez, na perspetiva financeira, da reforma de 2007 está acomparação da evolução dos custos da proteção social com o envelhe-cimento, numa perspetiva intertemporal. Assim, o mesmo relatório daComissão Europeia, quando elaborado com a informação disponívelantes da reforma de 2007 apontava para um crescimento anual da des-pesa com pensões em Portugal na ordem de 9,7% do PIB, enquantocomo se viu, no «2015 ageing report», já se admite uma diminuição dopeso das pensões no PIB ao longo da projeção. Esta é uma boa medidado carácter impactante da reforma introduzida em 2007 e dos ajustamen-tos posteriores.

Questão diferente será avaliar os impactos do conjunto de medidasna adequação das pensões, ou seja, perceber se o sistema ainda se desem-penhará bem no indicador crítico da sustentabilidade social. Como ve-remos de seguida, aqui podem apontar-se preocupações a endereçar.

A adequação das pensões

No que respeita à adequação das pensões garantidas pelo sistema desegurança social, o novo «ageing report» traz uma perspetiva de preocu-pação. Ao contrário do relatório anterior, de 2012, posterior à reformade 2007, mas anterior ao conjunto de medidas mais recentes, como foi ocaso do aumento da idade de reforma, no caso do relatório de 2015 co-locam-se dúvidas quanto à adequação das pensões.

A redução do indicador pension wealth é uma das maiores da Europa eas taxas de substituição brutas (relação entre último salário bruto e pri-meira pensão) reduzem-se substancialmente para valores na ordem dos30%.

Contudo, existem indicações preliminares do futuro adequacy report,também da União Europeia, que parecem atenuar a intensidade destasvariações, embora à custa de um substancial aumento da idade efetivade reforma.

É de admitir que o efeito conjugado de um aumento da esperança devida, com impacto no fator de sustentabilidade ou na própria idade dereforma, a par do próprio aumento da idade de reforma em um anotenha tido um efeito substancial sobre o sistema de pensões.

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A Comissão Europeia chega a referir que algumas das medidas legis-ladas na Europa no último período poderão ter reduzido tanto as pensõesou aumentado tanto a idade de reforma que as mesmas possam ter deser revisitadas no futuro. Repare-se que muitas dessas medidas ocorreramum pouco por toda a Europa num ambiente de forte austeridade, emresposta à crise das dívidas soberanas.

Mas repare-se como esta referência muda substancialmente o ângulode abordagem aos sistemas de pensões. De relatórios anteriores muitofocados na insustentabilidade financeira dos sistemas na Europa, a Co-missão Europeia vem agora introduzir referências explícitas à evoluçãodos indicadores de adequação das pensões.

Contudo, qualquer mexida nos indicadores de adequação, à custa dereversão de medidas recentes, determinará uma alteração das condiçõesde sustentabilidade financeira, pelo que o caminho parece ser o de adotaruma agenda diferente que possa captar recursos para o financiamentoda segurança social que venham sustentar mais adequação das pensõese uma alteração intrínseca ao sistema que o torne endogenamente maisadequado e sustentável. Para tal, como se verá, o caminho deverá ser oda promoção da natalidade e do emprego, neste último caso através daativação dos beneficiários do sistema.

Nova reforma da segurança social?

Se concluímos que o sistema de segurança social poderá necessitar denovas medidas, de novos equilíbrios, embora agora não pelas «velhas»razões do equilíbrio financeiro, valerá a pena sistematizar e analisar osprincipais contributos para a reforma da segurança social que têm surgidoapós a reforma de 2007. Procede-se assim de seguida a uma resenha e ava-liação das principais propostas que têm dominado o debate público emPortugal no período mais recente.

No final deste artigo avançar-se-á com um contributo próprio, em dire-ção a uma nova reforma geracional da segurança social, ainda que de na-tureza e com objetivos muito diferentes da anterior, uma vez que não setrata agora de voltar ao tema da sustentabilidade financeira, mas antes defavorecer a adequação perene do sistema às novas necessidades sociais.

O «velho» plafonamento

Em paralelo com a adoção de medidas de diminuição da proteção so-cial, o atual governo regressou sucessivamente a antigas propostas de re-

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forma da segurança social, em particular a introdução de limites contri-butivos nas contribuições para a segurança social. Como se sabe, tal pro-posta pretende, através de uma transição demorada, que uma parte dapensão dos atuais (ou novos) trabalhadores venha a ser formada em ca-pitalização individual, e não em sistema de repartição. O governo pare-ceu admitir a possibilidade de a transição para este regime ser financiadapor um aumento da dívida pública. Apesar do fraco apoio que esta pro-posta obteve junto da sociedade civil e do meio académico, o governotem insistido periodicamente na recuperação desta medida.

Contribuições nocionais

Na impossibilidade de os defensores do modelo de capitalização/pla-fonamento encontrarem os recursos necessários para a sua introduçãonum sistema de repartição maduro como o português (uma vez que du-rante décadas seria necessário pagar as pensões dos atuais e próximospensionistas, perdendo parte substancial das receitas do sistema públicopara os novos fundos de pensões), tem vindo a ser defendida uma solu-ção alternativa, inspirada no modelo NDC – notional defined contributions.Trata-se de um modelo de capitalização apenas virtual, em que o finan-ciamento do sistema de segurança social continua a processar-se em re-gime de repartição, ou seja, em que os atuais trabalhadores continuam afinanciar as pensões dos atuais pensionistas. Porém, a formação das pen-sões passaria a ser feita em capitalização virtual, ou seja, a pensão de cadanovo pensionista dependeria estritamente dos seus descontos ao longoda vida, capitalizados virtualmente numa conta criada especificamentepara o efeito.

Os defensores desta proposta reconhecem que a mesma não representade modo direto um avanço em direção à sustentabilidade financeira dosistema de pensões. Só a redução da taxa de rentabilidade das contas in-dividuais, portanto a redução das pensões, alcançaria tal desiderato. Trata--se apenas de uma forma diferente de formar as pensões, de uma escolhanormativa diferente sobre o modo como a pensão de cada indivíduodeve ser calculada. Neste caso, individualizando totalmente os riscos, re-tirando do sistema a dimensão de solidariedade profissional. Advogamos seus defensores que esta maior relação entre salários individuais e pen-são pode reforçar a contributividade.

Contudo, tal ocorreria à custa precisamente de uma das característicasdo sistema de pensões português que o tornaram positivamente peculiar.Desde 2002, na sequência de antigas propostas do Livro Branco da Se-

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gurança Social, que as taxas de formação da pensão são diferentes con-soante o nível salarial de referência. Assim, o sistema garante pensõesproporcionalmente superiores aos indivíduos com salários mais baixos.Poder-se-ia advogar que esta é uma imperfeição num sistema previdencial(e mesmo assim defendê-la). Contudo, atente-se em Esping-Andersen(2010), que defende que nos sistemas de repartição poderia ser introdu-zida, sem os desvirtuar, uma alteração positiva em ordem ao reforço daequidade de tais sistemas – a diferenciação da idade de reforma em facedos diferentes níveis salariais dos trabalhadores. Argumenta o autor quegrandes diferenças salariais na vida ativa têm correspondência com espe-ranças de vida também diferentes. Assim, os blue-collar tenderão a ter umaesperança de vida inferior aos white-collar, seja devido à diferenciação dodesgaste das profissões, seja pelas diferenças no acesso aos cuidados desaúde. Deste modo, o autor argumenta que garantir uma idade de re-forma inferior a quem tenha uma menor esperança de vida aumenta aequidade dos sistemas, sem desvirtuar os seus princípios.

Ora, a diferenciação das taxas de formação da pensão já em vigor emPortugal, beneficiando precisamente os que têm salários mais baixos, éoutra forma de reforçar a equidade do sistema, pois está-se do mesmomodo a garantir, em termos relativos, mais bem-estar na reforma a quemtem recursos mais baixos. Este é, portanto, um aspeto positivo do sistemaportuguês, que não se considera que deva ser perdido em favor da capi-talização virtual.

Redução da taxa social única dos empregadorese combate à precariedade

Uma das medidas mais polémicas que tem vindo a ser debatida, de-vido em boa medida à pressão do FMI, é a redução dos custos não sala-riais das empresas, através da redução da parcela da TSU a cargo das em-presas. Esta medida chegou a estar prevista em 2013, tendo, contudo,sido abandonada por pressão da opinião pública, uma vez que o governopretendia financiar tal medida através de um aumento da TSU dos tra-balhadores.

Mais recentemente esta medida foi recuperada pelo governo comouma possibilidade, no âmbito do Programa de Estabilidade 2015-2019,mas também pelo grupo de economistas que estudou medidas macroe-conómicas para o Partido Socialista, embora esteja agora o foco mais co-locado no combate à precariedade e a mesma não seja agora financiadapelos trabalhadores. No caso deste último grupo de trabalho, propôs-se

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mesmo uma diversificação das fontes de financiamento da segurança so-cial para atender à redução de financiamento do sistema que tal medidaacarretaria. Esse aspeto será abordado mais à frente. Contudo, admitindoque a medida é compensada com outras fontes de financiamento, amesma parece admissível apenas se se focar no combate à precariedade,na redução da dualização do mercado de trabalho português. Se a me-dida tiver sucesso na redução dos níveis de precariedade, garantindo destemodo emprego mais perene e mais estabilidade na carreira contributiva,poderá acabar por poder ser positiva na perspetiva do aumento da ade-quação do sistema de pensões.

Redução temporária da taxa social única e da taxa de formação da pensão dos trabalhadores

Outra das medidas que têm gerado recentemente mais polémica é aproposta do citado grupo de economistas que vai no sentido da reduçãotemporária da TSU dos trabalhadores, com reflexo atuarial futuro nassuas pensões.

Assumem os autores a necessidade de um estímulo conjuntural im-portante à procura interna, de modo a promover a recuperação econó-mica, através da recuperação do consumo e do investimento.

Para tanto propõem a redução temporária da TSU, aumentando nocurto prazo o rendimento dos portugueses para no longo prazo esta me-dida impactar atuarialmente na taxa de formação das respetivas pensões.É ainda admitida a hipótese de que o crescimento económico que se pre-tende gerar com tal estímulo venha a provocar um aumento duradourodos salários, o que tornaria incerto o resultado final desta medida sobreo valor das pensões (uma vez que, se aumentarem os salários registadose o emprego, tal poderá compensar a queda atuarial das pensões).

Em primeiro lugar, não se questiona o acerto da ideia de estímulo àprocura interna, pois nos últimos anos a recessão profunda e a conse-quente queda vertiginosa do investimento líquido afetaram fortementeo crescimento potencial do país.

Contudo, esta medida impacta fortemente sobre o sistema de segu-rança social, porque acarreta uma importante redução de receitas nocurto prazo sobre um sistema que ainda não recuperou totalmente oequilíbrio conjuntural após a grande recessão. Apesar de não ser assu-mido explicitamente no relatório, parece inevitável que seja estabelecidoum mecanismo transitório de financiamento da segurança social (da

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mesma natureza do verificado nos anos mais recentes, no período dagrande recessão). assim, esta medida só será admissível se for suportadoo desequilíbrio de tesouraria provocado sobre a segurança social. Prova-velmente, fará sentido financiar a segurança social através da emissão dedívida pública e/ou afetação da parte do FEFSS ainda não aplicada emdívida pública portuguesa, podendo eventualmente ser estabelecido ummecanismo compensatório que garanta que, à medida que se vão pro-duzindo os efeitos atuariais sobre as pensões, o saldo provocado por essadiminuição da despesa seja canalizado para a recompra de dívida públicapor parte da segurança social (nomeadamente através do FEFSS). Tal per-mitiria que no longo prazo o peso da dívida pública no PIB não fossesignificativamente afetado.

Diversificação das fontes de financiamento

Outra das propostas retomadas recentemente, embora em moldes di-ferentes do sustentado pela CGTP no passado, é a diversificação das fon-tes de financiamento da segurança social. Quando esta medida foi par-cialmente implementada, foi não tanto através de um aumento da cargafiscal sobre as empresas, mas antes mantendo o nível global de tributação,embora arrecadando os mesmos recursos através de fontes distintas. Nomomento presente, o que está em causa é a redução da TSU a cargo dasempresas no caso dos contratos sem termo, compensando tal medidaatravés de várias outras medidas, designadamente canalizando parte dareceita do IRC ou um novo imposto sobre as heranças para a segurançasocial.

Esta medida deve ser bem calibrada. Se, por um lado, há muito quese vem apontando o risco da corrida para o fundo no financiamento daspolíticas públicas na Europa e reclamando que se trave o processo de re-dução contínua e concorrencial da tributação sobre o fator capital, tam-bém parece inadequado que simplesmente se proponham aumentos inu-sitados dessa tributação, pelos fortes riscos de mobilidade do fator capitalque se verificam no espaço europeu (e não só).

Por isso, a abordagem da diversificação das fontes de financiamentoda segurança social deve ser prudente, embora se reconheça que a longoprazo, se se verificar a longamente esperada alteração da distribuiçãofuncional dos rendimentos em favor do capital (por razões conhecidas,que não cabe discutir neste artigo), será prudente que as fontes de fi-nanciamento da segurança social sejam também outras, para lá do fatortrabalho.

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Um novo contributo para uma reforma geracional: enfrentar os novos riscos sociais, promover o crescimento potencial

Aqui chegados, constatada a tendência de sustentabilidade de longoprazo do sistema de segurança social e os desafios para a adequação daspensões a garantir no futuro (neste caso materializados num aumentosubstancial da idade efetiva de reforma sem penalização), vale a pena ela-borar sobre um conjunto de propostas que possam mitigar os riscos so-ciais identificados, sem que para tal se provoquem constrangimentos sig-nificativos à competitividade da economia portuguesa.

Deve-se começar por referir que os riscos sociais mudaram profundamentenas últimas décadas e são, no século XXI, de uma natureza significativamentediferente dos que se verificavam em meados do século XX, quando muitosdos sistemas de proteção social que hoje conhecemos foram erigidos.

Contudo, as alterações importantes que se verificaram nos sistemas deproteção social europeus no século XXI correspondem essencialmente amedidas de sustentação financeira duradoura dos sistemas e, por outrolado, à generalização de uma conceção particular da adaptação do mo-delo social europeu à globalização, e não propriamente a uma respostado modelo social europeu aos novos riscos sociais.

Assim, desde pelo menos as reformas Hartz na Alemanha, passandopor alterações importantes dos sistemas de proteção social dos países doSul, mas também dos países nórdicos, assistiu-se a uma extensão progres-siva à Europa continental do modelo de proteção social liberal, em par-ticular através de um caminho que gerou profundas desigualdades nassociedades europeias: a dualização da proteção laboral e social. Os insidersmantiveram-se significativamente protegidos nos seus direitos adquiridos,mas uma cada vez mais vasta fatia da mão-de-obra europeia, os outsiders,foi fracamente ou nada protegida do ponto de vista das relações laborais,sujeita à individualização da negociação dos seus direitos e fragilizada naproteção social, pois os benefícios sociais estavam e estão ainda estrutu-rados num paradigma que exige estabilidade nas relações laborais, emordem à aquisição dos direitos.

Em Portugal, a dualização foi acontecendo de facto através do incum-primento da legislação laboral e do recurso cada vez mais frequente àsformas atípicas de contratação. Com a chegada da troika a Portugal, as-sistiu-se a um movimento acelerado de alteração do quadro legal vigente,efetivando de jure a fragilização das relações laborais no país.

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Face a este cenário, a reforma da proteção social que está por fazer dizrespeito à adequação da proteção social aos novos riscos e ativação dosmecanismos de seguro social prevalecentes.

De facto, no século XXI, como defendem Taylor-Gooby, Esping-An-dersen, ou Hemerijck, os riscos sociais deslocaram-se profundamente.Estão hoje muito mais focados na vida ativa do que na velhice. Mudouo paradigma da organização familiar, que não mais se assemelha ao singlemale bread-winner de meados do século XX.

E isso deve ter consequências na adaptação da proteção social. En-frentar os novos riscos sociais é um imperativo e, em simultâneo, ativara proteção social, em ordem a torná-la mais amiga do crescimento eco-nómico, sem descurar o ambicionado reforço da equidade.

Enfrentar os novos riscos sociais é concentrarmais a proteção social na vida ativa

Deslocar os recursos possíveis para as transições que ocorrem cada vezmais na vida ativa, reforçando quantitativa e qualitativamente as políticasativas de emprego, garantindo melhores condições para um regresso rá-pido ao mercado de trabalho. É conseguir algo tão complexo quanto ne-cessário, a adaptação da proteção social dos rendimentos nas situaçõesresultantes da dualização do mercado de trabalho. É garantir mais e me-lhor a conciliação da vida pessoal e familiar com a vida profissional, cadavez mais exigente para homens e mulheres, favorecendo também destemodo as escolhas das famílias em termos de natalidade. É garantir, destemodo, serviços adequados de apoio às famílias, designadamente no apoioà infância, velhice e grande dependência. É favorecer, nas novas gerações,os direitos próprios dos membros adultos dos agregados familiares, emvez dos tradicionalmente garantidos direitos derivados, próprios de umpassado em que nas famílias havia quase sempre um único titular de ren-dimentos.

Ativar a proteção social significa mudar o paradigma tradicional da proteção passiva dos rendimentos

Ativar os beneficiários das pensões de invalidez, desenvolvendo pro-gramas massivos de reabilitação e aproximação ao mercado de trabalho,por forma a evitar o risco do afastamento perpétuo do mercado de tra-

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balho, com baixos níveis de proteção social. Ativar os desempregadosmais rapidamente, reforçando a intensidade e a qualidade das políticasde qualificações e emprego, aproximando realmente e de modo rápidoos desempregados do mercado de trabalho. E repare-se como apenas empensões de invalidez e subsídios de desemprego Portugal investe cercade 2% do PIB por ano, pelo que a margem para canalizar alguma destadespesa para programas de políticas ativas e de reabilitação é grande eacarretará a prazo melhor proteção social, mais emprego e mais susten-tabilidade para o sistema. Ativar os trabalhadores mais velhos, garantindoa manutenção da sua proximidade ao mercado de trabalho, através deprogramas de reforma parcial, de valorização das competências dos tra-balhadores mais velhos, mentoring, entre outras estratégias de promoçãodo envelhecimento ativo.

Tudo isto resultará também em mais potencial de crescimento eco-nómico, por alargar de modo permanente a população ativa do país.O paradoxo é que, ao mesmo tempo que o país enfrenta níveis de de-semprego sem paralelo, deve preparar um futuro não muito distanteem que precisará de contar com toda a mão-de-obra disponível, em facedo estreitamento de novas coortes de entrada na vida ativa e do acrés-cimo de responsabilidades decorrente do envelhecimento da popula-ção. Todas estas medidas podem significar mais emprego, mais contri-buições para a segurança social e, a prazo, melhores pensões. Estepoderia ser assim um contributo importante para o desiderato de ga-rantir melhores pensões, sem fazer perigar a sustentabilidade financeirada segurança social.

Mas tudo isto deve ser feito num contexto de reforço da equidade dosistema de proteção social. É ainda possível combater as desigualdadesatravés de mudanças positivas no sistema de proteção social. Promo-vendo uma efetiva e não desequilibrada convergência de regimes de pro-teção. Focando recursos onde a pobreza é ainda mais acentuada, desig-nadamente nas famílias com filhos, de modo a reforçar o combate àpobreza infantil. De entre estas, apoiando mais as famílias mais frágeis,que são as famílias monoparentais e numerosas.

E apoiar mais os outsiders, os mais excluídos da sociedade. Evitar a ar-madilha da pobreza, garantindo recursos adequados que impeçam a ex-clusão social severa, ao mesmo tempo que é garantida uma inserção so-cial efetiva, através da rede de serviços sociais às famílias. E procurandosempre apostar na aproximação destes cidadãos ao mercado de trabalho,estabelecendo percursos adequados de qualificação e ocupação que in-siram progressivamente os mais afastados.

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Promover as poupanças complementares para a reforma é ainda umcaminho desejável. Perante um cenário de rápido envelhecimento da po-pulação, o equilíbrio entre sustentabilidade económica do sistema deproteção social (impacto económico das contribuições necessárias paraequilibrar o sistema) e adequação das pensões só poderá ser alcançadocom o aumento dos níveis de ativação da população e dos beneficiáriosdo sistema e, desejavelmente, de um reforço das poupanças complemen-tares dos mesmos.

Será positivo que se revisite o sistema de incentivos às poupanças com-plementares, incentivando igualmente mais o regime público de capita-lização. Mas sobretudo seria desejável que em Portugal se acompanhasseuma tendência europeia de preponderância das poupanças complemen-tares de base profissional. O regresso desejável da contratação coletivapoderia favorecer este resultado.

Conclusão

É possível e desejável continuar o processo de reforma da segurançasocial. Depois de uma fase em que, com a reforma de 2007, se concen-traram os esforços na resolução do problema da sustentabilidade finan-ceira, é necessário passar a uma nova fase. É desejável reforçar a adequa-ção futura das pensões, sem para isso pôr em causa o importanteequilíbrio alcançado na vertente da sustentabilidade financeira. Por isso,é desejável adequar mais o sistema às mudanças sociais ocorridas nas úl-timas décadas e ativar mais o modelo social, contribuindo deste modopara o crescimento potencial e o emprego, melhorando desse modo aprazo as pensões dos que estão agora de algum modo mais excluídos deuma participação ativa plena no mercado de trabalho.

Contudo, para tal é necessário alcançar um consenso sobre a naturezada situação atual em que se distinga de modo claro entre as dificuldadesconjunturais decorrentes da destruição de centenas de milhares de postosde trabalho e as necessidades reais de reforma estrutural.

Repetir a ideia da insustentabilidade da segurança social, apesar dasreformas operadas na última década, apesar dos resultados repetidos dosrelatórios internacionais de referência, com destaque para o «2015 ageingreport», serve certamente o propósito de oposição à gestão pública dasfunções sociais, mas provoca sobretudo insegurança junto dos cidadãos,que tanto precisam no momento presente de razões para confiar no seupresente e no futuro do país.

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Jorge Miguel Bravo

Capítulo 3

Contratos intergeracionais e consistência temporal na gestão da protecção social: implicações políticas e reforma do sistema de pensões*

Introdução

Os países europeus desenvolveram os seus sistemas de protecção socialnum contexto em que a demografia possibilitava a expansão dos gastossociais e os níveis de crescimento económico facilitavam o seu financia-mento. Aquando do arranque dos primeiros sistemas, no final do séculoXIX, um número significativo e crescente de trabalhadores financiava,através das suas contribuições e quotizações, as prestações de velhice deum número relativamente reduzido de pensionistas. A estrutura etáriada população e dos sistemas assemelhava-se a uma pirâmide, com umapopulação grande e jovem na base e um pequeno número de idosos notopo. Este facto permitiu a atribuição de prestações relativamente gene-rosas, com impacto reduzido na despesa social, permitindo até a canali-zação de excedentes para outras áreas da intervenção pública.

A introdução, alargamento da cobertura e desenvolvimento dos siste-mas de pensões possibilitaram uma rápida redução dos níveis de pobrezana velhice, uma das principais conquistas da política social neste período.Se na sua génese os sistemas estavam ancorados em mecanismos de se-guro social, com o passar do tempo foram sendo complementados coma criação e desenvolvimento de programas de assistência social, de natu-

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* Por opção do autor, o presente trabalho é escrito ao abrigo do anterior acordo orto-gráfico.

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reza universal e não contributiva, direccionados prioritariamente para aprotecção social de indivíduos que ou não preenchiam as condições deelegibilidade ou se encontravam em situação de especial vulnerabilidadee risco de pobreza. Em paralelo, assistiu-se a uma profunda alteração noparadigma dominante sobre quais deveriam ser os objectivos dos sistemasde protecção social, em geral, e dos sistemas de pensões, em particular.De sistemas que na sua modesta génese se limitavam a substituir umaparte dos rendimentos do trabalho a operários industriais incapazes decontinuar a laborar a tempo integral devido à sua idade avançada, os sis-temas expandiram-se, alargando a cobertura, introduzindo novos tiposde benefícios (e. g., pensões de invalidez, sobrevivência, subsídios pormorte), aumentando a generosidade das pensões, incrementando a du-ração do período de atribuição das prestações.

As expectativas da sociedade quanto àquilo que os sistemas de pro-tecção social podem proporcionar cresceram exponencialmente e estãohoje muito longe das suas modestas origens. De sistemas de seguro social,que ofereciam uma protecção limitada, os esquemas transformaram-seem mecanismos de poupança, fundeados ou assentes em promessas detroca por produção futura, abandonaram a aplicação do requisito de in-capacidade para o trabalho para aceder às prestações e instituíram umprincípio novo: o de que um indivíduo não deveria trabalhar após umadeterminada idade estatutária, independentemente do seu estado desaúde, porquanto as contribuições pagas durante a vida activa lhe con-feriam o direito ao recebimento de uma pensão de velhice. Sem surpresa,a expansão e a maturação dos sistemas implicaram um aumento dos en-cargos com pensões, transformando esta rubrica numa das mais signifi-cativas dos orçamentos nacionais, pressionando a sustentabilidade dasfinanças públicas, ameaçando o potencial de crescimento económico fu-turo, alimentando uma clivagem geracional.

Em Portugal e na maioria dos países da OCDE, os sistemas públicosde pensões são financiados segundo um mecanismo de repartição con-temporânea, assente num princípio de solidariedade intergeracional efundado em contratos de natureza implícita entre gerações sucessivas.Neste modelo de financiamento, trabalhadores e respectivas entidadesempregadoras (públicas ou privadas) pagam contribuições e quotizaçõesque incidem sobre os rendimentos do trabalho. As receitas correntes ar-recadadas pelo sistema são canalizadas, no imediato, para pagamento dasprestações sociais aos actuais beneficiários. A cobertura das responsabi-lidades com os direitos em formação não está, assim, assegurada atravésda constituição de provisões financeiras, como sucede nos regimes geri-

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dos em capitalização, pelo que, como contrapartida pelo pagamento decontribuições, os trabalhadores recebem «apenas» uma «promessa» daentidade gestora e garante do sistema (o Estado) de que no momentoem que se qualifiquem para o recebimento das prestações (subsídios,pensões) terão direito a auferir um determinado montante mensal, cal-culado segundo regras predefinidas ou princípios actuariais. O direito àprestação decorre do facto de o trabalhador ter efectuado contribuiçõesprévias e insere-se numa lógica de solidariedade intergeracional de baselaboral e não numa lógica patrimonial estrita de transferência intrapessoalde rendimento no tempo.

O cimento deste contrato social radica, por um lado, na confiança de-positada pelas sucessivas gerações de participantes na sua sustentabilidadee equidade e, por outro, na capacidade contributiva efectiva das geraçõesactivas na geração das receitas necessárias à materialização do direito àsprestações. Becker e Murphy (1988) atribuem a existência de regimes deprotecção social a um contrato intergeracional entre activos e inactivos.Em termos mais precisos, os pais investem no capital humano dos filhose, em contrapartida, recebem um retorno desse investimento sob a formade prestações sociais quando os jovens iniciam a sua vida activa e os paisalcançam a idade de reforma. Como as crianças não podem ser parte deum contrato juridicamente vinculativo, cabe ao governo implementarum mecanismo através do qual as transferências intergeracionais possamocorrer.

Independentemente do modo de financiamento dos sistemas de pen-sões, a realidade demonstra-nos que algures no tempo estes se podem re-velar económica e financeiramente insustentáveis devido a transforma-ções tecnológicas, a alterações substanciais na estrutura demográfica dapopulação, a modificações no mix de perfis e percursos profissionais re-gistado no mercado de trabalho, à globalização da economia e à mobi-lidade da população, ao processo de integração europeia, a alterações naestrutura familiar e social ou à presença de incentivos para a adopção deuma gestão politicamente oportunista dos níveis de contribuições e be-nefícios. O efectivo cumprimento do contrato intergeracional, isto é, opagamento nos termos acordados das «promessas» de benefício atribuí-das pelos sistemas de pensões, depende, assim, em grande parte, de fac-tores que não estão sob o controlo da entidade gestora.

Na presença de choques, antecipados ou imprevistos, a performance docontrato intergeracional pode revelar-se insuficiente e exigir a sua refor-mulação, com efeitos para todas (ou apenas algumas) das gerações nelerepresentadas. Quando tal acontece, a existência de coerência temporal

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nos sistemas de pensões é imprescindível à obtenção de uma realizaçãosocialmente desejável, porquanto ela proporciona aos indivíduos e àsinstituições (públicas e privadas) um quadro estável na planificação actuale futura das decisões de consumo, poupança, investimento, trabalho,lazer.

Uma política social diz-se temporalmente inconsistente se dela decor-rerem alterações no contrato em circunstâncias que eram previsíveis nomomento da sua formação. Neste artigo argumentamos que as políticaspúblicas que pressupõem contratos intergeracionais são coerentes tem-poralmente e melhoram as suas perspectivas de sustentabilidade se foreminterpretadas como contratos relacionais e que, pelo contrário, a sua sus-tentabilidade (económica, financeira, política, social) é deteriorada e ques-tionada se a estrutura histórica de direitos for jurídica, política e social-mente considerada inviolável. Contrariamente aos contratos legais, oscontratos relacionais não definem constrangimentos específicos, mas ape-nas um mecanismo de ajustamento e de modificação das regras segundotermos que todas as partes se comprometem a respeitar. A consistênciatemporal dos sistemas de pensões apresenta-se como crucial na concre-tização de políticas óptimas, seja na esfera individual ou colectiva, emdiferentes momentos do tempo, na integração com outras políticas.

Em Portugal, os sistemas públicos de pensões alcançaram já a sua ma-turidade. A esmagadora maioria da população em idade activa está co-berta, a escala dos sistemas é balizada pela estrutura etária da populaçãoe existe uma margem muito limitada para a integração de novos e nu-merosos grupos de contribuintes.1 Neste espartilho demográfico, o au-mento do número de contribuintes só pode advir do incremento da taxade actividade e do prolongamento das vidas activas e das carreiras con-tributivas. Mas mesmo este é restrito, não pode ultrapassar as fronteirasde um efectivo populacional total em declínio. Neste artigo discute-se aimportância da consistência temporal nos sistemas de pensões, analisam--se as consequências das principais tendências demográficas sobre os sis-temas de protecção social em Portugal, justifica-se a necessidade de re-formar os sistemas para recuperar a sua sustentabilidade, elabora-se oargumento de que os sistemas de pensões se assemelham a contratos in-

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1 Com efeito, se, numa fase inicial, os sistemas de pensões cobriam apenas um sub-conjunto limitado de trabalhadores do sector formal, numa fase posterior estes foramprogressivamente alargando o seu alcance, de modo a abrangerem todos os trabalhadoresdo sector formal, os trabalhadores por conta própria, os trabalhadores agrícolas e do ser-viço doméstico, os trabalhadores eventuais.

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tergeracionais relacionais e apresentam-se os traços gerais de uma reformasistémica.

Consistência temporal nos sistemas de pensões

Importância da consistência temporal

Segundo Kydland e Prescott (1977), a consistência temporal é essencialà concretização de políticas óptimas e só pode ser alcançada por políticasque estabelecem regras e não resultados. Para enquadrar a discussão sobrea natureza do contrato relacional entre os participantes nos sistemas pú-blicos de pensões e a entidade gestora (Estado) consideramos uma defi-nição abrangente de consistência temporal. A consistência temporal daspolíticas emerge quando uma política é sustentada no tempo, mesmoem momentos em que esta não é considerada óptima. Pelo contrário,uma política inconsistente é aquela em que uma regra de política é alte-rada em circunstâncias que eram previsíveis no momento da formaçãopolítica. A consistência temporal das políticas carece de incentivos à suaestabilidade no tempo. Estes podem surgir com respeito a circunstânciasesperadas no futuro ou contemporaneamente devido ao estado de outraspolíticas públicas.

A consistência temporal dos sistemas de pensões apresenta-se comocrucial por variadíssimas razões. Em primeiro lugar, porque estamos napresença de um contrato intergeracional de muito longo prazo, que re-quer estabilidade e atravessa ciclos económicos, sociais e políticos du-rante a sua vigência. Em segundo, porque a coerência fornece a estabili-dade necessária para que indivíduos, empresas e Estado planifiquemadequadamente o futuro. Em terceiro, porque beneficiários e financia-dores dos sistemas diferem no tempo e/ou entre gerações e porque gera-ções ainda não nascidas já assumiram para com ele responsabilidades.Em quarto, porque o Estado social (protecção social, saúde...) representauma grande fatia da riqueza criada no país e, portanto, a afectação deuma parte importante dos recursos não pode ser ajustada rapidamente.Em quinto, porque a provisão pública do Estado social tem implicaçõesclaras nas decisões de consumo, poupança, emprego, reforma dos indi-víduos, com impacto no crescimento económico e na distribuição dorendimento na sociedade. Em sexto lugar, porque as transferências sociaisestão expostas a oscilações em função dos interesses de grupos de pressãoe dos ciclos políticos. Por fim, a coerência é importante porque os bene-fícios deste contrato intergeracional de seguro dela dependem em muitos

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casos para sobreviver, pelo que o seu colapso acarretaria consequênciasimprevisíveis.

A consistência temporal intersecta várias políticas relevantes na deter-minação das escolhas individuais e colectivas. Os sistemas de pensões quenão sejam entendidos por todos como consistentes estão expostos a com-portamentos oportunistas e de arbitragem, que, por si só, são capazes deminar a sustentabilidade das políticas no tempo. Por comportamentooportunista referimo-nos, em particular, aos agentes económicos (indiví-duos e entidades empregadoras) que respondem a incentivos directamenterelevantes para o seu bem-estar, observados no presente ou antecipadosno futuro, e que, descontando os impactos de políticas temporalmenteinconsistentes, assumem comportamentos que conduzem a resultadosineficientes ou ineficazes.

A análise da consistência temporal da despesa pública e do défice re-cebeu nos últimos anos um interesse crescente na literatura económicae política, em particular após a introdução da moeda única na União Eu-ropeia e na sequência do impacto da crise financeira global sobre a sus-tentabilidade das dívidas soberanas (Green e Kotlikoff 2007). Um dosprincipais problemas nas regras de gestão da política orçamental acorda-das com os Estados membros prende-se com a grande flexibilidade queos governos têm ainda hoje para estruturar combinações de dívida e ou-tros compromissos (incluindo dívida implícita nos sistemas de pensões)para alcançar resultados aparentemente idênticos para o contribuinte,mas que efectivamente implicam distintos impactos para as contas pú-blicas e para o défice orçamental em particular.

Isto significa que os governos podem enfrentar, e podem até mesmocriar, informação assimétrica no curto prazo. Por exemplo, os governostêm um incentivo para não revelar toda a informação sobre os custos fis-cais das suas políticas quando antecipam que a informação completa sóestará disponível para o conjunto da população num momento posterior,porventura já na vigência de futuros governos. O impacto da adopçãode políticas temporalmente consistentes é relevante para o tipo de incen-tivos fornecidos pelas diferentes fontes de financiamento das políticaspúblicas. A adopção de uma política fiscal temporalmente consistentena economia depende de factores tão distintos como a existência de res-trições políticas ou constitucionais, bastante relevantes no caso portu-guês, da transparência na gestão da causa pública, da capacidade de pre-ver com rigor os resultados futuros das políticas, da forma de gerir osdesvios face às previsões e de um consenso político quanto às funçõesdo Estado.

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Envelhecimento da população e consistência temporal do Estado social

Mais de um século decorrido desde a criação dos primeiros sistemasde protecção social na Europa, a dinâmica dos sistemas e da demografiaalteraram-se radicalmente, enfrentando hoje novos desafios e um futuroincerto. Com efeito, enquanto ao longo do século XX a população e, maisimportante, a população em idade activa se expandiram continuada-mente (com excepção dos períodos relativos às duas grandes guerras), asprojecções demográficas mais recentes apontam para que tanto a popu-lação em geral como a população em idade activa devam cair em Portugale na Europa no século XXI (INE 2014; Bravo et al. 2013, 2014; NaçõesUnidas 2013; CE 2012).

Ao mesmo tempo, a longevidade está e continuará a aumentar. Em paí-ses como Portugal, com baixos níveis de fecundidade e, actualmente, saldosmigratórios negativos, a estrutura etária populacional começará a asseme-lhar-se a uma pirâmide invertida, com, pela primeira vez na história da hu-manidade, as gerações mais jovens a serem em menor número do que asgerações precedentes. Esta mudança configura uma quebra estrutural semparalelo no modo de financiamento dos tradicionais sistemas de protecçãosocial, que depende umbilicalmente da relação entre o número de finan-ciadores e de beneficiários, pondo em causa a viabilidade de um modeloem que as prestações sociais são suportadas pelas contribuições sociais eimpostos pagos por um número cada vez menor de trabalhadores.

Portugal registou nas últimas décadas uma acentuada redução nosprincipais indicadores de fecundidade: índice sintético de fecundidade(isf) e taxa bruta de reprodução (TBR).2 No quadro 3.1 representamos aevolução do ISF e o correspondente número estimado de nados-vivosprojectados para Portugal no horizonte de 2013-2060 por Bravo et al.(2013, 2014).3 Como se observa, é projectado um incremento de 0,23

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2 Com efeito, o ISF encontra-se, desde o início da década de 80, bastante abaixo donível mínimo necessário para assegurar a substituição natural de gerações e em declínioacentuado, contribuindo decisivamente e de forma negativa para a evolução da popula-ção residente. Relativamente à TBR, encontra-se aquém do patamar mínimo de substi-tuição natural de gerações desde 1982, ano em que o indicador assumiu o valor de 1,02.

3 A metodologia usada para projectar a fecundidade envolveu a especificação de pres-supostos quanto à evolução esperada do ISF, da idade média ao nascimento de um filhoe do rácio de masculinidade à nascença e a modelização das taxas específicas de fecun-didade por idade e por ano cronológico segundo a metodologia proposta por Schmert-mann (2003, 2005). Na projecção da fecundidade foram ainda tomados em consideraçãoos resultados do inquérito à fecundidade realizado pelo INE em 2013 (IFEC2013).

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no ISF no período em estudo, partindo de um valor de 1,21 observadoem 2013 para um valor projectado de 1,44 em 2060.4 Não obstante a li-geira recuperação do ISF, todos os cenários estudados apontam para ní-veis de fecundidade bastante aquém dos indispensáveis para permitirema renovação natural das gerações, antecipando-se uma queda continuadano número de nados-vivos, em resultado da diminuição do número demulheres em idade fértil.

No quadro 3.1 sintetiza-se igualmente a evolução projectada da lon-gevidade da população portuguesa até 2060.5 Como se observa, é ante-cipado um continuado e gradual aumento da esperança média de vidadurante todo o período da projecção e em todas as idades. Para a popu-lação masculina (feminina), e considerando as tábuas de mortalidade cal-culadas por ano cronológico, é estimado um aumento de 8,0 (7,2) anosna esperança média de vida à nascença, que se cifra em 77,3 (83,4) anosem 2013 para 85,3 (90,6) anos em 2060.6 Relativamente à idade-chavedos 65 anos, e considerando novamente os cálculos efectuados por anocronológico, é estimado um aumento de 5,5 anos na esperança médiade vida remanescente da população masculina e feminina, passando dosactuais 17,4 e 21,0 anos em 2013 na população masculina e feminina,respetivamente, para 22,9 e 26,5 anos em 2060.7 Relativamente à evolu-ção esperada dos fluxos migratórios líquidos internacionais, as projecções

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4 Para a UE como um todo, as últimas projecções demográficas (EUROPOP 2013)apontam para um crescimento do valor do ISF de 1,59 em 2013 para 1,68 em 2030 e de1,76 em 2060.

5 Os indicadores de esperança média de vida à nascença e aos 65 anos de idade sãoapresentados numa óptica transversal ou de período (óptica convencional, que consideraas condições de mortalidade observadas num dado ano de calendário) e numa ótica ge-racional (por coorte, isto é, por ano de nascimento), em que se incorpora a dinâmicaprojectada para a longevidade.

6 A projecção da mortalidade e a construção de tábuas de mortalidade prospectivasforam efectuadas com recurso ao método de Poisson-Lee-Carter (Brouhns et al. 2002;Bravo 2007), conjugado com métodos de graduação dos quocientes de mortalidade (cubicsplines) e de fecho das tábuas de mortalidade nas idades avançadas (método de Denuit eGoderniaux 2005).

7 Para o conjunto da população, considerando a metodologia de cálculo do indicadorque assenta num período de observação trianual, estima-se um aumento de 4,9 anos naesperança de vida residual, de um valor de 19,0 anos em 2013 para 23,9 anos em 2060.As perspectivas de longevidade da população portuguesa são ainda mais significativasquando se consideram as projecções efectuadas por geração de nascimento. Relativa-mente à idade-chave dos 65 anos, considerando agora os cálculos efectuados por coorte,é estimado um aumento de 4,5 anos na esperança média de vida remanescente da popu-lação total, partindo de um valor de 20,6 anos para os indivíduos que completaram 65anos em 2013 para atingir os 25,1 anos para os indivíduos que atingirem a idade de 65anos em 2060.

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apresentadas em Bravo et al. (2014) apontam para uma recuperação gra-dual dos saldos anuais, passando dos actuais valores negativos para va-lores positivos em 2020. Estima-se que estes saldos possam atingir, em2060, 33,6 milhares de indivíduos, mas nunca representando, em cadaano, mais do que 0,39% das estimativas da população residente.

A conjugação das trajectórias esperadas da fecundidade, mortalidadee saldos migratórios internacionais permite projectar uma redução signi-ficativa da população residente em Portugal no período compreendidoentre 2013 e 2060 de, aproximadamente, 1,85 milhões de habitantes, oque corresponde a um decréscimo de cerca de 17,7% face aos 10,43 mi-lhões de habitantes estimados no final de 2013. Em resultado do enve-lhecimento da população, é previsível uma redução da população emidade activa com idades entre os 15 e os 64 anos de 65,6% da populaçãoresidente em 2013 para 54,9% em 2060 (quadro 3.2). Em contrapartida,verificar-se-á um aumento do peso dos residentes com 65 ou mais anosde idade de um valor que, em 2013, ascendia a 19,9% da população paraum valor que rondará os 40% em 2060. Por cada quatro indivíduos emidade activa em 2060 estima-se que residirá em Portugal um indivíduocom 80 ou mais anos de idade. Consequência da descida da natalidade,do aumento da longevidade e também, mais recentemente, do aumentoda emigração, é esperado, para além de um declínio populacional, umcontinuado envelhecimento da população portuguesa.

Nas próximas décadas antecipa-se uma alteração estrutural na estruturaetária da população portuguesa. Se em 2013 as coortes mais numerosasse situavam em torno dos 35 anos de idade para homens e mulheres, es-tima-se que em 2060 as coortes com maiores volumes populacionais es-tejam na casa dos 60 e 80 anos. A idade média da população passará dosactuais 42,22 anos para 50,08 anos em 2060, ao passo que o índice dedependência total (15-64 anos) aumentará fortemente, passando dos ac-tuais 51,85 para um valor previsto de 82,69 em 2060. A confirmarem-seas presentes projecções, pela primeira na história, a estrutura etária dapopulação portuguesa assemelhar-se-á a uma pirâmide etária invertida,com as gerações mais jovens em menor número do que as gerações adul-tas e idosas e com as grandes massas populacionais concentradas nas ida-des avançadas. Este cenário de envelhecimento na base, no topo e lateralda pirâmide etária configura uma quebra estrutural no modelo de finan-ciamento do Estado social, com a qual nunca nos confrontámos e paraa qual é necessário encontrar soluções urgentes.

No quadro 3.3 apresenta-se a evolução projectada de um conjunto derácios de dependência para a população portuguesa em anos selecciona-

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dos no período de 2013-2060, de forma a evidenciar os desequilíbriosdemográficos com que os sistemas públicos de protecção social (sistemade segurança social e regime da protecção social convergente), de saúde,a economia e a sociedade, no seu todo, se confrontarão a médio e longoprazo. Como se pode observar, a proporção da população com idadesentre os 55 e os 64 anos, face à população com idades no intervalo de20-64 anos, passará dos atuais 21,2% para 26,1% em 2060. O índice dedependência dos jovens face à população no intervalo de 20-64 anos de-crescerá ligeiramente no período em análise, enquanto o índice de de-pendência dos idosos mais do que duplicará no mesmo período, pas-sando de um valor de 32,9% em 2013 para um valor de 66,9% estimadoem 2060.

Em consequência, estima-se que o índice de dependência total crescerásignificativamente no período em avaliação, passando dos actuais 65,8%para um valor de 97,4% em 2060. Significa isto que, no período final daprojecção, a relação entre os dependentes (jovens e idosos) e os indiví-duos em idade activa (20-64 anos) ultrapassará a barreira psicológica deum ativo por cada dependente.

Nos sistemas de pensões de repartição maduros em que os trabalha-dores apresentam carreiras contributivas longas e existe uma estruturaetária da população estável, a taxa de retorno das contribuições convergepara a taxa de equilíbrio de longo prazo, que é (aproximadamente) igualà soma das taxas de crescimento da produtividade e da população (Sa-muelson 1958). Quando um sistema de pensões de repartição madurose combina com uma população a envelhecer, as taxas implícitas de re-torno tem forçosamente de cair para reflectir o declínio na taxa de cres-cimento da população. A menos que fontes de financiamento externassejam mobilizadas e/ou a idade efectiva de reforma seja incrementada,os níveis de pensões, de rendimento e de consumo na velhice serão afec-tados. Não estamos um efeito temporário resultante da chegada à idadeda reforma da denominada geração baby boom, mas antes perante umatendência permanente de aumento da longevidade e de diminuição dosníveis de fecundidade. Esta mudança demográfica condiciona o próprioprocesso político na medida em que altera a estrutura etária do eleitorado,dando mais peso às gerações inactivas.

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Desafios no financiamento dos sistemas de pensões

A matemática simples de um sistema de repartição

Um sistema de protecção social diz-se financeiramente sustentável seestiver em equilíbrio actuarial. Na prática, tal pressupõe, em termos ge-néricos, que as receitas projectadas com quotizações e contribuições so-ciais, em conjunto com eventuais activos de fundos de reserva existentes,devem ser suficientes para financiar as despesas previstas num determi-nado horizonte temporal de longo prazo, assegurando, deste modo, ca-pacidade efectiva para cobrir as responsabilidades assumidas. Nos regimesfinanciados e geridos através do método de repartição, as receitas arreca-dadas com contribuições e quotizações são mobilizadas contemporanea-mente para pagamento das prestações sociais, não estando a coberturadas responsabilidades actuais e futuras suportada pela constituição deprovisões financeiras, como sucede nos regimes geridos em capitalização.Para melhor compreendermos a forma como a demografia, a economia,o mercado de trabalho e as regras do sistema determinam a sua susten-tabilidade, nada melhor do que uma breve incursão pela matemáticasimples de um sistema de pensões do tipo PAYG com prestações do tipobenefício definido.

Designemos por PTt, PAt e PEt, respectivamente, a população total,activa e empregada no momento t, e por NC

t o número de contribuintessingulares dos sistemas de protecção social. A dinâmica da populaçãototal depende dos níveis de fecundidade, mortalidade e saldos migrató-rios registados no país e da sua composição etária e por género. A popu-lação activa é função dos níveis de participação no mercado de trabalho,isto é, da taxa de atividade φt , ao passo que a população empregada pro-cede naturalmente da evolução dos níveis de desemprego ut . Se descon-tarmos as questões que têm a ver com a economia informal e o subem-prego, o número de contribuintes acompanha os níveis de emprego naeconomia. Designemos por Wm

t o salário médio anual declarado (pensio-nável) pelos contribuintes e por θt a taxa contributiva global (paga por tra-balhadores e entidades empregadoras) alocada ao pagamento das pensões.Denotemos por NP

t o número de pensões (ou de pensionistas no caso deestes receberem apenas uma pensão) dos regimes contributivos de protec-ção social no ano t e por P m

t a respectiva pensão anual nominal média.O sistema de pensões estará em equilíbrio num dado ano se as suas

receitas com contribuições e quotizações Ct igualarem a despesa com

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pensões, Et , isto é, Ct = Et . A receita com contribuições depende da taxacontributiva, do número de contribuintes singulares (isto é, da populaçãoactiva empregada) e dos respectivos salários e outros rendimentos do tra-balho. A despesa anual com pensões pode ser expressa de forma simplesatravés do produto do número de pensões, NP

t , pela respectiva pensãomédia, P m

t . À idade de reforma, as pensões são calculadas mediante aaplicação de uma taxa de formação da pensão em relação ao salário dereferência (acrescida de eventuais penalizações ou majorações). O saláriode referência pode ser o salário médio da carreira contributiva ou umamédia dos anos mais recentes.8 Se o sistema contemplar o financiamentode parte das prestações com impostos via Orçamento do Estado (e. g.,pensões não contributivas) e/ou outras fontes de receita, Bt , a restriçãoorçamental anual do sistema de pensões é dada por:

θt · PTt · φt · (1 – ut) · Wmt + Bt = NP

t · P mt (1)

Como se observa na equação (1), as receitas do sistema dependem emcada momento da taxa contributiva (θt), da demografia (PTt), da situaçãoconjuntural no mercado de trabalho (φt , ut ) e da economia (Wm

t ). Asdespesas do sistema dependem da evolução do número de pensões e,portanto, da chegada à idade de reforma de gerações cada vez mais nu-merosas de pensionistas (fruto do envelhecimento da população) e dasua maior longevidade e da maior ou menor generosidade do sistema ex-pressa na sua pensão média. Alguma manipulação algébrica permite rees-crever a condição de equilíbrio (1) da seguinte forma:

θt = ηt NP

t (1 –Bt ) (2)

com

NCt = PTt · φt · (1 – ut) e ηt = ,

onde ηt denota o rácio de benefício ou taxa de substituição bruta (ilí-quida) média do sistema de pensões no ano, um indicador do seu nível

Contratos intergeracionais e consistência temporal na gestão da protecção social

75

8 O salário de referência, RWt, depende do índice de revalorização (inflação, crescimentodos salários ou produtividade, uma mistura) usado para atualizar os salários passados para

o momento da reforma, wt , isto é, RWt = 1

Ta[wt + Σ wt–i Π (1 + wt–i )] onde wt

denota o salário no ano t.

Ta

i = 1

Ta

i = 1

NCt NP

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P mt

Wmt

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de adequação. Nos termos da legislação em vigor,9 o financiamento daspensões contributivas deve ser feito exclusivamente através das contribui-ções e quotizações dos trabalhadores independentes e por conta de outrem,e respectivas entidades empregadoras, devidas no âmbito dos regimes geraisde segurança social e, bem assim, por outras contribuições devidas no âm-bito de outros regimes de segurança social, ainda que de inscrição faculta-tiva, ou seja, Bt = 0. Neste caso, a equação (2) dá lugar a:

=NP

t(3)

A equação (3) estabelece, de forma muito clara, que para uma deter-minada relação entre o rácio de benefício ηt e a taxa contributiva θt ,ηt/θt, o equilíbrio financeiro do sistema de pensões exige um númeromínimo de contribuintes por pensão igual a NC

t /NPt . Com base nesta

relação, é possível concluir que a preservação do equilíbrio financeirono sistema requer que:

a) Dado NCt /NP

t , um aumento no valor médio das pensões e na taxade substituição deve ser acompanhado por uma subida da taxa decontribuição;

b) Para uma dada taxa contributiva, um aumento no valor médio daspensões tem de ser suportado num aumento do número de contri-buintes por pensão;

c) Para uma dada taxa contributiva, a degradação no rácio NCt /NP

t emresultado do envelhecimento demográfico da população só nãogera défices crescentes no sistema na medida em que a taxa de subs-tituição do sistema diminua, seja por decréscimo no valor médiodas pensões, seja simplesmente pelo agravamento do fosso entre onível de vida (salário médio) de trabalhadores e pensionistas;

d) Para uma dada taxa de substituição, a degradação no rácio NCt /NP

tem resultado do envelhecimento demográfico da população só nãogera défices crescentes no sistema se for acompanha de uma subidana taxa de contribuição.

Para percebermos o alcance deste resultado e o impacto que a demo-grafia exerce sobre o equilíbrio do sistema de pensões representamos noquadro 3.4 um conjunto de combinações possíveis entre o número de

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9 Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, e o Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro,que aprovaram as bases gerais do sistema de segurança social e que fixaram o quadro ge-nérico do financiamento do sistema da segurança social.

ηt θt

NCt

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contribuintes e de pensões para diferentes valores da taxa contributiva(afecta ao pagamento das pensões) e do rácio de benefício. A leitura doquadro permite verificar, por exemplo, que, considerando uma taxa desubstituição de 75% e uma taxa de contribuição global de 15%, o sistemaserá financeiramente equilibrado sem recurso a fontes de financiamentoexternas se existirem cinco contribuintes por pensão. Para a mesma taxade substituição, se a taxa de contribuição for de 25%, já só serão neces-sários três contribuintes por pensão. Se o número de contribuintes porpensão descer para 2,0, para assegurar uma taxa de substituição de 40%será necessária uma taxa de contribuição de 20%.10

Para nos situarmos na realidade portuguesa consideremos, a título deexemplo, a situação observada no sistema previdencial da segurança socialno final de 2013. Neste ano, o número de contribuintes singulares nos váriosgrupos profissionais (trabalhadores por conta de outrem, independentes edo serviço doméstico, membros de órgãos estatutários e beneficiários doseguro social voluntário) totalizava 4 089 481. O número total de pensões(de velhice, invalidez e sobrevivência) dos regimes contributivos (regime

Contratos intergeracionais e consistência temporal na gestão da protecção social

77

10 Refira-se que o mesmo rácio demográfico de dois contribuintes por pensão possibi-litaria níveis de pensões correspondentes a 70% do salário médio, mas para tal seria ne-cessário incrementar a taxa contributiva para 35%.

Quadro 3.4 – Relação de equilíbrio entre o número de contribuintes e de pensões

Rácio de benefício médio do sistema 80% 70% 60% 55% 50% 45% 40% 35%

35% 2,29 2,00 1,71 1,57 1,43 1,29 1,14 1,0034% 2,35 2,06 1,76 1,62 1,47 1,32 1,18 1,0333% 2,42 2,12 1,82 1,67 1,52 1,36 1,21 1,0632% 2,50 2,19 1,88 1,72 1,56 1,41 1,25 1,0931% 2,58 2,26 1,94 1,77 1,61 1,45 1,29 1,1330% 2,67 2,33 2,00 1,83 1,67 1,50 1,33 1,1729% 2,76 2,41 2,07 1,90 1,72 1,55 1,38 1,2128% 2,86 2,50 2,14 1,96 1,79 1,61 1,43 1,2527% 2,96 2,59 2,22 2,04 1,85 1,67 1,48 1,3026% 3,08 2,69 2,31 2,12 1,92 1,73 1,54 1,3525% 3,20 2,80 2,40 2,20 2,00 1,80 1,60 1,4024% 3,33 2,92 2,50 2,29 2,08 1,88 1,67 1,4623% 3,48 3,04 2,61 2,39 2,17 1,96 1,74 1,5222% 3,64 3,18 2,73 2,50 2,27 2,05 1,82 1,5921% 3,81 3,33 2,86 2,62 2,38 2,14 1,90 1,6720% 4,00 3,50 3,00 2,75 2,50 2,25 2,00 1,7519% 4,21 3,68 3,16 2,89 2,63 2,37 2,11 1,8418% 4,44 3,89 3,33 3,06 2,78 2,50 2,22 1,9417% 4,71 4,12 3,53 3,24 2,94 2,65 2,35 2,0616% 5,00 4,38 3,75 3,44 3,13 2,81 2,50 2,1915% 5,33 4,67 4,00 3,67 3,33 3,00 2,67 2,33

Fonte: Cálculos do autor.

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geral e outros regimes) ascendia a 2 725 874, pelo que existiam apenas 1,50contribuintes singulares por pensão. A pensão estatutária média do stock detodos os pensionistas e eventualidades do sistema correspondia a 43,5% dosalário médio declarado ao sistema. Se considerarmos os complementos depensão, a pensão média total sobe para 53,3% do salário médio.

Na ausência de fontes de financiamento externas, a condição de equi-líbrio (3) exigiria uma taxa de contribuição de cerca de 29% só para pa-gamento das pensões estatutárias de velhice, invalidez e sobrevivênciados regimes contributivos. Se quisermos incluir neste cômputo todos oscomplementos de pensão (actualmente pagos no âmbito do subsistemade protecção social da segurança social), então a taxa contributiva deequilíbrio deveria subir para os 35,6%, considerando a actual relaçãoentre contribuintes e pensões. Para termos uma dimensão do desequilí-brio actual do sistema, a taxa contributiva global (TCG) do regime geralprevista no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencialda Segurança Social (CRCSPSS) alocada ao pagamento das pensões éde (excluindo os custos de administração) apenas 26,33% dos rendimen-tos profissionais considerados na base de incidência contributiva.

Considerando as mais recentes projecções de evolução dos indicadoresde sustentabilidade demográfica do sistema, detalhadas na secção ante-rior, nomeadamente a substancial redução do rácio entre o número decontribuintes singulares e de pensões, resulta claro que o reequilíbrio fi-nanceiro do sistema exigirá: (i) uma redução do rácio de benefício dosistema; e/ou (ii) um aumento da taxa contributiva alocada às pensõese/ou da base de incidência das contribuições; e/ou (iii) a transferênciade montantes crescentes de outras fontes de receita para cobrir os déficesde autofinanciamento.

No quadro 3.5 quantificamos a parcela da despesa com pensões esta-tutárias que terá de ser assegurada por outras fontes de financiamento quenão as próprias do regime (contribuições e quotizações), se se quiser man-ter o actual rácio de benefício do sistema nos 43,5% e a taxa contributiva.Em 2013, da aplicação da condição de equilíbrio (3) resulta que 9,1% dadespesa com pensões estatutárias do sistema previdencial teve de ser pagacom recursos a fontes externas, nomeadamente transferências extraordi-nárias do Orçamento do Estado (OE). A degradação antecipada para aspróximas décadas da relação entre o número de contribuintes singularese de pensões exigirá um reforço substancial em termos de transferênciaspara colmatar os défices de autofinanciamento do sistema se o objectivofor o de preservar os níveis actuais de benefício e o esforço contributivo,ultrapassando os 44% no final do período da projecção.

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No quadro 3.6 fazemos um exercício diferente e estimamos o númeromínimo de contribuintes singulares necessário para, num cenário de au-sência de fontes de financiamento externo ao sistema previdencial, asse-gurar um rácio entre contribuintes e pensões adequado para garantir oequilíbrio do sistema em termos de autofinanciamento, mantendo a taxacontributiva e o rácio de benefício inalterados aos níveis de 2013. Nesteexercício incluímos a projecção do número total de pensões e do númerode contribuintes singulares até 2060 derivada em Bravo et al. (2014).

Como se observa, no final de 2013 o número de contribuintes singu-lares ascendia a 4,089 milhões, um número inferior em 411 000 face aos4,500 milhões necessários para garantir, através das suas contribuições equotizações, o equilíbrio financeiro do sistema. A chegada à idade de re-forma de gerações numerosas de trabalhadores e a maior longevidadedos pensionistas aumentarão gradualmente o número esperado de pen-sões a pagamento, pressionando a sustentabilidade do sistema. Em re-sultado, o número mínimo de contribuintes necessário para autofinan-ciar o sistema deveria aumentar significativamente dos atuais 4,5 milhõespara 6,458 milhões em 2060.

Esta necessidade esbarra, contudo, com as tendências demográficasprojectadas para a população portuguesa, não obstante a melhoria dosindicadores do mercado de trabalho prevista neste exercício. Com efeito,como se observa no quadro, a evolução projectada para o número decontribuintes singulares será manifestamente insuficiente para colmataras necessidades, sendo que o diferencial passaria dos atuais 0,411 milhões(ou 10%) para 2,866 milhões (ou 79,8%) em 2060 se o objectivo fosse ode manter a taxa contributiva e o rácio de benefício intactos.

Em conclusão, apesar de existir ainda alguma margem para o incre-mento do número de contribuintes (aumentando a taxa de participaçãono mercado de trabalho e reduzindo os níveis de desemprego), a verdadeé que os fortíssimos desequilíbrios demográficos tornam o actual modelode financiamento do sistema de pensões insustentável. O recurso sistemá-tico a fontes externas para cobrir os défices de financiamento dos sistemassignifica o abandono (total ou parcial) do princípio da solidariedade laborale do autofinanciamento em que estes se alicerçam e a introdução de umacomponente não contributiva (redistributiva) implícita, intencional ou in-voluntária, que pode ser progressiva ou regressiva, mas que é de difícil me-dição. Esta forma de colmatar os problemas de financiamento encontra--se, como se sabe, fortemente condicionada por restrições de ordem interna(e. g., níveis de défice e dívida pública, desequilíbrios macroeconómicos)e externa (e. g., Tratado Orçamental, two/six pack).

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Os sistemas são financeiramente sustentáveis?

A sustentabilidade económica e financeira dos sistemas públicos depensões em Portugal depende de um conjunto de condicionantes eco-nómicas, demográficas, fiscais, políticas e sociológicas, entre outras. Ossistemas públicos de pensões alcançaram já a sua maturidade, pelo quea actual situação financeira reflecte, no essencial, a conjugação no tempode inúmeros factores de natureza estrutural que decorrem do seu modelode organização e financiamento. Os relatórios mais recentes11 evidenciamque, não obstante as inúmeras medidas legislativas de carácter extraordi-nário adoptadas nos últimos anos para conter a evolução da despesa pú-blica com pensões,12 estas não se revelaram suficientes para conter o es-forço financeiro do Estado no que respeita ao financiamento dasegurança social e da CGA e impedir o agravamento dos défices de au-tofinanciamento. Pelo contrário, registou-se neste período um aumentodas dotações extraordinárias destinadas a suprir défices de financiamentojá não apenas na parte relativa ao regime gerido pela CGA, mas tambémagora na parte referente ao sistema previdencial-repartição da segurançasocial.13

Contratos intergeracionais e consistência temporal na gestão da protecção social

81

11 V., por exemplo, o relatório do Tribunal de Contas de acompanhamento da execuçãodo orçamento da segurança social e o relatório e contas da CGA referentes aos exercíciosde 2013 e 2014.

12 Entre as principais medidas destacam-se a suspensão da regra de actualização daspensões, com excepção das pensões mais baixas, desde 2010, a suspensão da actualizaçãodo indexante de apoios sociais (IAS), a suspensão durante a vigência do PAEF das normasque regulam a antecipação da idade de acesso à pensão de velhice, a criação e alargamentoda base de incidência de uma contribuição extraordinária de solidariedade (CES), a re-visão do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social,que ampliou as bases de incidência da receita contributiva e aumentou algumas taxasaplicáveis a determinados grupos de trabalhadores, o aumento da idade normal de re-forma por velhice, a alteração da fórmula de cálculo da pensão de velhice e invalidez, aalteração da fórmula de cálculo do factor de sustentabilidade com agravamento das pe-nalizações em caso de reforma antecipada, a criação de uma contribuição sobre as pres-tações de desemprego e de doença, a suspensão e/ou redução do pagamento do 13..º e14º meses, o aumento da taxa contributiva paga pelas entidades no âmbito do RPSC, oreforço da aplicação da condição de recursos na atribuição de prestações.

13 Em 2013, a transferência extraordinária proveniente do OE/2013 consignada ao fi-nanciamento do défice do sistema previdencial-repartição ascendeu a 1430,3 milhões deeuros, aumentando 67,0% face ao ano anterior. Sem o efeito desta transferência, a exe-cução do orçamento da segurança social teria registado um défice de M€ 951,7, um in-cremento de M€ 526,6 face ao registado em 2012. Só no que se refere às necessidadesde financiamento do sistema previdencial -repartição com o pagamento das pensões develhice, invalidez e sobrevivência estas ascenderam a M€ 423,1 em 2012 e M€ 970,0em 2013, ou seja, a 8,4% da despesa total com pensões.

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Em Bravo et al. (2013, 2014) é exaustivamente detalhado um conjuntode indicadores que suportam a conclusão de que, tal como estão, os sis-temas de pensões em Portugal são insustentáveis, na medida em que osactuais desequilíbrios não são de natureza conjuntural, mas antes cróni-cos e sistemáticos. Na figura 3.1 representamos a evolução projectada dosaldo do sistema previdencial-repartição.14

Como se observa, as receitas e despesas totais do sistema vão crescera preços correntes e a preços constantes, mas a ritmos diferenciados, agra-vando os saldos negativos registados em 2013 e 2014. Com efeito, seconsiderarmos apenas o diferencial entre as receitas próprias do sistema(contribuições e quotizações) e a despesa com as prestações sociais denatureza contributiva, o défice do sistema ascendeu a 1392 M€ em 2013(0,81% do PIB) e, segundo o OER 2014, cerca de 698 M€ (0,40% doPIB) em 2014. As necessidades de financiamento do sistema previden-cial-repartição, em resultado da insuficiência de receitas próprias, agra-var-se-ão no futuro de forma continuada, alcançando em 2060 um valorde 9105 M€ a preços constantes de 2013, correspondentes a 3,24% doPIB a preços constantes desse ano.15 Para este desequilíbrio crescente con-tribui, decisivamente, a evolução esperada na despesa com pensões naspróximas décadas, sobretudo de velhice e de sobrevivência-viuvez, quecrescerá significativamente no período em análise, quer pelo efeito-vo-lume (aumento do número de pensões), quer por um efeito-preço (au-mento da pensão estatutária média do stock de pensionistas).

O aumento projectado das pensões estatutárias médias (e das pensõestotais) do stock de pensionistas do sistema previdencial decorre: (i) daaplicação das regras de actualização automática das pensões (suspensadesde 2010, inclusive); (ii) do aumento da pensão estatutária média dosnovos pensionistas, resultado da aplicação da actual fórmula de cálculo,que é menos penalizadora do que a anterior, em resultado da eliminaçãodo factor de sustentabilidade para as pensões requeridas à idade normalde reforma, e da própria maturação do sistema, que conduzirá à chegadaà reforma de trabalhadores com carreiras contributivas mais longas (frutodo próprio aumento da idade normal de reforma) e com remuneraçõesde referência mais elevadas, que se traduzirão, apesar de com menorestaxas de substituição, em pensões médias mais elevadas; (iii) do efeito-

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14 Diferença entre as receitas com contribuições e quotizações e a despesa com presta-ções sociais nas diferentes eventualidades (velhice, desemprego, doença, etc.).

15 Este défice tem vindo a ser coberto pelas transferências extraordinárias do OE,adiando, desta forma, o recurso ao património do FEFSS.

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-substituição resultante da saída do sistema (por morte) das actuais gera-ções de pensionistas com idades mais avançadas e pensões substancial-mente mais baixas do que a média e a sua substituição por pensionistasmais jovens e com pensões mais elevadas; (iv) da progressiva integraçãodos novos funcionários públicos (admitidos após 31-12-2005) no RGSS,que auferem, em média, remunerações mensais superiores às dos actuaiscontribuintes do sistema previdencial, que implicará, a prazo, a chegadaà aposentação de gerações de pensionistas com pensões, em média, maiselevadas.

Os défices de autofinanciamento do regime da protecção social con-vergente gerido pela CGA são ainda mais preocupantes na sequência doencerramento do sistema e da diminuição progressiva no número desubscritores; os proveitos do sistema com contribuições e quotizaçõesvão decrescer rapidamente, não obstante a convergência recente da taxacontributiva paga pelos participantes. Conforme se demonstra em Bravoet al. (2013), a crónica incapacidade do sistema em se autofinanciar vaiexigir a transferência de montantes crescentes do OE para fazer face aosencargos com pensões. Estima-se um aumento continuado das transfe-rências do OE para a CGA até 2037, atingindo nessa data 12 196 M€(valores a preços correntes), decrescendo a partir de então lentamentepara um montante que em 2060 ascenderá ainda a 5091 M€. O déficede autofinanciamento do sistema crescerá progressivamente até atingirum valor máximo de 4,1% do PIB já em 2025, decrescendo de impor-

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Figura 3.1 – Saldo projectado do sistema previdencial-repartição

Fonte: Bravo, Afonso e Guerreiro (2014); projecções elaboradas pelo autor, considerando apenas asreceitas próprias do sistema. Nota: Valores em milhões de euros a preços constantes de 2013 e em percentagem do PIB.

0

–1 000

–2 000

–3 000

–4 000

–5 000

–6 000

–7 000

–8 000

–9 000

–10 0002013 2050204020302025202020152014 2060

0,0%

–0,5%

–1,0%

–1,5%

–2,0%

–2,5%

–3,0%

–3,5%

–1392

–8029

–6071

–3579

–2404

–1476–952–770

–9105

Saldo do sistema Em percentagem do PIB

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tância na riqueza criada a partir de então e até 2060, data em que aindaassim se estima que represente 0,7% do PIB.16 Em suma, as projecçõesdemonstram a crescente incapacidade dos sistemas em operarem, na suacomponente contributiva, segundo o primado da auto-sustentabilidadepresente na sua génese, pressionando o equilíbrio das finanças públicas,já de per si bastante condicionado pelo nível de endividamento e peloserviço da dívida.

Sistemas de pensões como contratos relacionais

As raízes do sistema de pensões (e do estado social) radicam na exis-tência de um «contrato social intergeracional». Na famosa crítica de Ed-mund Burke à noção do contrato social entre o soberano e o povo deJean-Jacques Rousseau’s (1762), este definia a sociedade como uma es-pécie de parceria entre gerações: «Society is indeed a contract... The state... is... a partnership not only between those who are living, but between those whoare living, those who are dead, and those who are to be born.»

Os contratos intergeracionais contêm bastantes elementos de um con-trato relacional no âmbito do qual os poderes políticos respondem àsexigências dos seus constituintes tomando medidas que estes consideramaceitáveis no quadro das expectativas da comunidade, e das circunstân-cias particulares registadas num determinado momento (Baker et al. 2002;Goldberg 1998). Os contratos relacionais possuem quatro característicasbásicas: (i) são contratos de longa duração; (ii) possuem relações contí-nuas e duradouras; (iii) ambas as partes são responsáveis pela perpetuaçãodo contrato; (iv) existe uma relação de subordinação e dependência. O contrato relacional antecipa uma relação de longo prazo entre as par-tes, mas cria opções para uma renegociação periódica dos seus termos.Devem ser desenhados de modo a permitir às partes, em determinadosmomentos no tempo, a incorporação de novas disposições e/ou a alte-

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16 A insustentabilidade financeira do esquema público de pensões gerido pela CGApode ser aferida através do cálculo da sua dívida implícita, a ser suportada pelas geraçõesfuturas. Esta dívida corresponde ao valor actual das futuras dotações orçamentais que,juntamente com as quotizações e contribuições correntes e outras fontes de financia-mento do sistema, serão necessárias para financiar os compromissos de despesa com pen-sões assumidos. As estimativas da dívida derivadas pelos autores no cenário base situam--se entre os 245 631 M€ (ou 148,5% do PIB) no cenário mais pessimista de uma taxa dedesconto de 3% e os 168 862 M€ (ou 102,1%) na hipótese mais favorável de uma taxade desconto anual nominal de 5%.

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ração das existentes para fazer face a nova informação relevante. Umadas características destes contratos é a de que a sua viabilidade dependeda interacção repetida e transparente entre as partes, da existência de prin-cípios de longo prazo, da flexibilidade para ajustar as disposições. São,neste sentido, ortogonais aos contratos legais de longo prazo na medidaem que o seu propósito é o de fornecer opções de mudança, ao passoque nos contratos legais se visa precisamente limitá-la.

Os contratos relacionais surgem geralmente na sequência de quatroaspectos fundamentais do contexto em que são negociados:

i) Os indivíduos não são omniscientes, a informação tem um custo,pelo que é difícil desenhar contratos vinculativos sobre o futurolongínquo;

ii) O oportunismo está presente na contratação, isto é, as partes ac-tuarão em benefício do seu interesse pessoal;

iii) Os termos do contrato ou as alterações no contexto externopodem criar oportunidades não antecipadas de agir oportunisti-camente que as partes desejam controlar no longo prazo;

iv) A intervenção de terceiros (juízes, árbitros, reguladores) no con-trato é menos eficiente do que a possibilidade de uma negociaçãorelacional.

A literatura sobre os contratos relacionais explorou as circunstânciasnas quais é óptimo não detalhar os termos específicos de um contrato(Goldberg 1980, 1998). O foco da literatura tem-se centrado na explica-ção das razões pelas quais as partes preferem prever a renegociação emdeterminados momentos ou na eventualidade da ocorrência de determi-nadas contingências em detrimento da fixação de cláusulas invioláveisde longo prazo. Os estudos realizados concluem que as partes preferemrenegociar com base em regras ad hoc ou predeterminadas, accionadasautomaticamente ou casuisticamente, porque: (i) as alterações no enqua-dramento (económico, demográfico, financeiro, social) podem afastar--se de uma solução eficiente; (ii) se os contratos passados estiverem ul-trapassados face às circunstâncias actuais, uma das partes terá um incen-tivo para agir de maneira a reduzir o valor da relação para ambas as partes;(iii) as partes podem ter alternativas ao contrato relacional. Quanto maisdependentes do sistema público de pensões e do Estado social estiveremalguns grupos, mais importante será para eles a possibilidade de tratar oscontratos intergeracionais como contratos relacionais. Dito de outromodo, os grupos mais desfavorecidos terão mais interesse em considerar

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os contratos intergeracionais como contratos relacionais na medida emque estes proporcionam benefícios mais estáveis no tempo.

Considerando as transformações tecnológicas, socioeconómicas e de-mográficas registadas desde a criação dos primeiros sistemas de pensões,o entendimento de que os contratos intergeracionais se aproximam decontratos relacionais parece-nos razoável. Neste contexto, são bastantequestionáveis as interpretações políticas de alguns termos do actual con-trato entre gerações, considerados invioláveis, quando, de facto e de jure,não o são (o debate em torno da idade estatutária de acesso à reformapor velhice é um bom exemplo desta discussão), em oposição a um en-tendimento justo e razoável dos desafios que as novas condicionantescolocam aos sistemas de pensões.

A consequência jurídica e social do reconhecimento dos sistemas depensões como contratos relacionais é a de que é impossível especificarcompletamente no contrato todos os seus elementos (e. g., o preço – ovalor da pensão –, a quantidade – o número de pensionistas e pensões –,a qualidade – a adequação da pensão –, a entrega – o momento do iníciodo pagamento do benefício, isto é, a idade da reforma). Este entendi-mento permite que exista um elevado grau de mutabilidade e de flexibi-lidade no contrato, que implica a necessidade de mútua cooperação entreas partes contraentes. O contrato relacional não deve ser analisado numaperspectiva individualista, dado que não é estático, mas sim na perspec-tiva da preservação do futuro da relação, da confiança, na procura damelhor solução para todas as gerações.

Reformar o sistema de pensões, preservar o contrato intergeracional

Em Portugal, as sucessivas alterações legislativas de natureza paramé-trica efectuadas nos sistemas de pensões têm-se revelado incapazes de re-solver os problemas de sustentabilidade económica e financeira e têmagravado de forma substancial outros problemas não menos importantesde que estes padecem. Ao fazer repercutir sobre as futuras gerações depensionistas a quase totalidade dos custos do ajustamento, exacerbandoo risco político dos sistemas, minando a confiança no contrato interge-racional, a gestão política casuística e desconexa do contrato relacionaltem acentuado os problemas de adequação das pensões e amplificado ainiquidade intra e intergeracional. As alterações efectuadas preservaram,no essencial, a actual matriz dos sistemas de pensões – sistema quase ex-clusivamente público, de repartição contemporânea com prestações do

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tipo benefício definido, sem alicerces actuariais. O sistema continua semequiparar de forma estrita os benefícios às contribuições efectuadas, man-tendo uma lógica de atribuição de benefícios sem correspondência inte-gral nas contribuições feitas e na capacidade futura do sistema de honraros compromissos. O sistema não estimula a cultura de poupança dos tra-balhadores e não promove a responsabilidade individual na prossecuçãoda segurança económica na velhice, mantendo uma lógica de dependên-cia total do Estado, com aumento da sensação de incerteza quanto aoreal recebimento das pensões no futuro. Neste contexto, que reformasserão capazes de responder ao desafio demográfico e melhorar as pers-pectivas de sustentabilidade, adequação, equidade, coerência temporal econfiança no contrato relacional? Nesta secção apresentam-se os traçosgerais de uma proposta de reforma sistémica dos sistemas de pensões emPortugal.17

A arquitectura proposta para o novo sistema de pensões assenta noprincípio da diversificação das fontes de rendimento na reforma, con-cretizado através da adopção de uma estrutura multipilar. Nesta estão in-cluídos os rendimentos atribuídos ao abrigo de princípios de solidarie-dade e financiamento fiscal das prestações sociais, direccionadossobretudo para o combate à pobreza e para a redistribuição de rendi-mento (primeiro pilar), mas incluem-se igualmente veículos públicos eprivados, individuais ou colectivos, obrigatórios ou facultativos, de trans-ferência intrapessoal de rendimento ao longo do ciclo de vida (da fasede vida activa para a reforma).

O novo sistema combinaria três modos de financiamento: (i) para ascontingências sociais de longo prazo (pensões), a combinação entre ummecanismo de repartição assente em contas individuais com acumulaçãovirtual (nocional) e um mecanismo de capitalização (individual ou co-lectivo, facultativo ou obrigatório); (ii) para as contingências sociais ime-diatas (desemprego, doença, invalidez), um mecanismo de mutualizaçãoautónomo suportado pelo pagamento de contribuições e quotizações;(iii) para as contingências de âmbito familiar e de dependência e para asprestações de natureza não contributiva, fiscalidade geral ou dedicada.

Na figura 3.2 representa-se de forma esquemática a arquitectura pro-posta para o novo sistema de pensões. Segunda esta proposta, o rendi-mento de cada participante na reforma resultaria (potencialmente) do

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17 Para uma análise mais detalhada das propostas de reforma, v., por exemplo, Bravo(2012b, 2015).

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cúmulo das pensões obtidas em cada um dos três pilares do sistema. O primeiro pilar compreende três componentes:

a) Um sistema maioritário, financiado em repartição contemporânea,de natureza pública e obrigatória, unificado, universal, geral e in-tegral, baseado em contas individuais, de contribuição definida, com re-valorização anual nocional (ou virtual, NDC PAYG system) das con-tribuições efectuadas usando uma taxa interna de rentabilidade dosistema (dependente dos seus fundamentos macroeconómicos, e. g., taxa de crescimento da massa salarial declarada);

b) Um sistema complementar privado integrado de capitalização real, fun-deado (FDC funded system), minoritário, de participação obrigatória,de contribuição definida, assente em contas individuais, com es-colha das entidades gestoras do património (públicas, privadas, so-lidárias) e parte do trabalhador;

c) Um sistema de complementos para a pensão garantida (mínima)do regime contributivo financiado com impostos.

O segundo pilar do sistema de pensões compreende os fundos de pen-sões profissionais ou ocupacionais (o denominado segundo pilar do sis-tema de segurança social). A sua constituição dependeria da livre inicia-tiva das empresas e/ou dos trabalhadores, assentaria na acumulação real

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Figura 3.2 – Arquitectura do novo sistema de pensões

Fonte: Bravo, Afonso e Guerreiro (2014).

1.º pilar 2.º pilar 3.º pilar

• Sistema de contas individuais, em regime de acumulação nocional, de contribuição definida (NDC, PAYGO)• Pensão complementar integrada, em regime deacumulação real, de contribuição definida (FDC funded)• Pensão garantida, financiada por via fiscal, em complemento social (top up, taxes)

• Planos de pensões ocupacionais, totalmente fundeados, de participação voluntária, de contribuição definida (FDC ou FDB funded)

• Regimes complementares não integrados em acumulação real (FDC funded)

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de activos (planos regulamentados e financiados por recursos próprios,fundeados) e poderiam ser de contribuição definida ou benefício defi-nido.18 O terceiro pilar corresponde aos regimes complementares de pen-sões de iniciativa e adesão individual, não integrados (isto é, facultativos),totalmente fundeados e assentes em distintos veículos de financiamento(fundos de pensões abertos, PPR, seguros de vida, etc.).

No que se refere à organização e funcionamento do sistema, o sistemaNDC e o regime complementar integrado funcionariam como uma es-pécie de contas bancárias de poupança. As contribuições efectuadas pelostrabalhadores, pelos seus empregadores e, em alguns casos, pelo Estado sãoregistadas em contas individuais sob a forma de créditos sobre os sistemas(pension credits). Neste novo sistema constituem créditos de pensão todasas contribuições efectuadas ao longo da vida, pese embora seja possívelincluir limites à acumulação de direitos (e. g., plafonamento horizontal).

Uma diferença essencial residiria no facto de passarem a ser conside-rados rendimentos pensionáveis (isto é, sujeitos a contribuições sociais)não apenas os rendimentos do trabalho, mas também as prestações so-ciais atribuídas pelos sistemas de seguro de desemprego, doença, invali-dez, parentalidade e outros créditos atribuídos pelo sistema (e. g., subsí-dios por pessoas a cargo). Dito de outro modo, todos os rendimentosque criam créditos sobre os sistemas de pensões passariam a ser equipa-rados para efeitos de determinação da base contributiva. Tal significa naprática que o sistema continuaria a possibilitar, tal como acontece hoje,a constituição de créditos (direitos) de pensão para períodos fora do em-prego (e. g., doença, desemprego, etc.), com a diferença de que esses cré-ditos seriam integralmente financiados com base em verbas transferidasdos respectivos sistemas de seguros sociais ou do Orçamento do Estado.

A taxa contributiva alocada ao financiamento da pensão por velhice seriafixa e igual para todos os participantes, fossem eles trabalhadores do sectorpúblico ou privado, por conta de outrem ou independentes, e para todasas gerações. Esta característica garante que o sistema é intra e intergeracio-nalmente justo. A taxa contributiva é repartida em duas componentes. Uma primeira, maioritária, seria alocada ao financiamento em repartiçãodo sistema público de contas nocionais (NDC). A segunda alimentaria o sistema complementar privado integrado de capitalização real.

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18 Caberia às instituições colectivas promotoras do plano de pensões (empresas, insti-tutos, sindicatos, associações profissionais, etc.) definir o tipo de planos de pensões, a se-lecção dos veículos de financiamento, a especificação dos benefícios a conceder (e. g.,pré-reforma, reforma antecipada, reforma por idade/invalidez/sobrevivência, etc.), osparticipantes e beneficiários, entre outros aspectos.

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As contribuições efectuadas para o sistema público de contas indivi-duais nocionais seriam revalorizadas (capitalizadas) anualmente a umataxa interna de rentabilidade líquida (de custos de gestão) do sistema, de-pendente dos seus fundamentos macroeconómicos (e. g., taxa de cresci-mento da massa salarial declarada), da redistribuição dos saldos das con-tas individuais dos participantes falecidos prematuramente (survivorbonus) pelos membros sobreviventes (mecanismo de mutualização, op-cional) e dos encargos de gestão administrativa do sistema.19 A taxa derevalorização dos saldos das contas nocionais seria anualmente determi-nada, de modo a assegurar a sustentabilidade financeira do sistema e agarantir uma equitativa repartição dos custos do ajustamento entre gera-ções. A lógica de financiamento do sistema público de contas nocionaiscontinuaria, contudo, a ser de repartição, na medida em que as contri-buições arrecadadas continuariam, contemporaneamente, a destinar-seao pagamento das atuais prestações, e não reservadas e capitalizadas emtermos financeiros, salvo se fossem observados excedentes, caso em queconstituiriam um fundo de reserva do sistema.

O valor da pensão de reforma por velhice resultaria da conversão docapital nocional (NDC) ou real (FDC) em renda vitalícia, usando paratal um factor de conversão em que se consideram quer as estimativas deesperança média de vida à idade da reforma, quer, potencialmente, umataxa interna de retorno e uma norma. O cômputo da pensão com basena esperança média de vida assegura a estabilidade demográfica do sis-tema, na medida em que incorpora automaticamente no valor das novaspensões a evolução da longevidade. A revalorização anual (indexação)das pensões em pagamento passaria a ser feita de acordo com a taxa in-terna de rentabilidade do sistema, corrigida da norma e dos desequilíbriosfinanceiros registados, nos períodos em que o mecanismo de reequilíbrioautomático fosse activado. Este mecanismo de reequilíbrio automáticovisa adequar automaticamente a relação entre activos e responsabilidadesdo sistema, repartindo os custos do ajustamento entre as gerações activas

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19 Em alternativa à redistribuição do survivor bonus entre os participantes sobreviventes,pode equacionar-se a constituição de um fundo de capitalização de reserva, financiadocom base no capital nocional acumulado pelos trabalhadores contribuintes que faleçamprematuramente antes de alcançada a idade de tomada de benefícios de reforma e combase no atual património acumulado pelo FEFSS. Este fundo destinar-se-ia a financiar aatribuição de pensões de sobrevivência (viuvez e/ou orfandade), a suportar os custos datransição entre os regimes de pensões atuais e os novos regimes e a constituir uma reservade estabilidade e segurança dos sistemas de pensões para fazer face a cenários macroeco-nómicos especialmente adversos.

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e reformadas e evitando a acumulação de défices e a transferência de res-ponsabilidades para as gerações futuras.

Considerando que assenta na ligação actuarial entre contribuições ebenefícios, o sistema de contas individuais nocionais dispensa quer umprazo de garantia para a atribuição da pensão de velhice, quer uma idadelegal de reforma fixa e igual para todos os participantes. Deste modo, osistema deveria apenas definir uma idade mínima estatutária de acesso àpensão de velhice no sentido de evitar saídas prematuras do mercado detrabalho, que se traduziriam em valores de pensão demasiado baixos, como consequente aumento do risco de pobreza. Em suma, neste sistema ostrabalhadores teriam maior flexibilidade para programar e escolher a suaidade de reforma. Propõe-se ainda que o sistema permita a possibilidadede uma reforma parcial e gradual com a idade, com continuação da acu-mulação de direitos de pensão, de modo a incentivar a permanência nomercado de trabalho e uma transição gradual para a vida inactiva.

A gestão deste regime competiria a entidades públicas com represen-tação paritária de trabalhadores e demais parceiros sociais. Anualmente,seria elaborado um relatório sobre a sustentabilidade de longo prazo dosistema, a apresentar ao parlamento e aos parceiros sociais, e criado umsistema de difusão de informação que incluísse um reporte anual aos tra-balhadores, especificando os direitos acumulados sobre o sistema (registode contribuições capitalizadas acumulado até à data e correspondentevalor provisional da pensão de velhice). Este relatório apuraria igualmenteo valor dos activos e das responsabilidades do sistema e fixaria a taxa derevalorização anual das contas nocionais e das pensões em pagamento.20

Tratando-se de um sistema em que o valor da pensão depende essen-cialmente do esforço contributivo efectuado pelo trabalhador ao longoda vida e das taxas de retorno (nocionais ou reais) obtidas, deve ser com-plementado por mecanismos de solidariedade e de redistribuição do ren-dimento que acautelem o rendimento na velhice de trabalhadores comcarreiras insuficientes. Para tal, o sistema incorpora, para além de pensõesnão contributivas, um complemento para pensão mínima que visa asse-gurar um rendimento mínimo de substituição a todos os pensionistas.A principal diferença reside no facto de este complemento preservar o

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20 As responsabilidades com pensões futuras assumidas pelo sistema público de contasnocionais e com as demais pensões não-contributivas deveriam ser vertidas numa lei comvalor reforçado, de modo a impedir que uma eventual indisciplina na gestão das finançaspúblicas e do sistema de segurança social colocassem em causa o cumprimento das res-ponsabilidades do sistema para com os participantes.

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princípio da contributividade e da equidade intrageracional, uma vezque o complemento seria calculado sobretudo em função das contribui-ções monetárias efectuadas para o sistema (premiaria mais os trabalha-dores que mais contribuem) e não tanto em função das carreiras contri-butivas (número de anos com contribuições).21 Este rendimento desolidariedade poderia ser atribuído mediante verificação da condição derecursos (considerando tendencialmente a totalidade dos rendimentosobtidos no sistema NDC + FDC). O financiamento da pensão garantidaou rendimento público de solidariedade seria assegurado, em cada mo-mento, por impostos gerais ou, em alternativa, por uma contribuição so-cial generalizada que incidisse sobre todos os tipos de rendimento.

As contingências sociais imediatas de desemprego, doença, doençaprofissional, paternidade, invalidez e as pensões de sobrevivência passa-riam a ser asseguradas pela criação de seguros sociais obrigatórios, geridosautonomamente por entidades públicas, financiados por contribuiçõessociais específicas, determinadas actuarialmente em função das perdasexpectáveis, de modo a assegurar o seu autofinanciamento a médio elongo prazo. O financiamento deste sistema assentaria no pagamento deprémios de seguro determinados actuarialmente, segundo um princípiode mutualização dos riscos que reparte os encargos dos sistemas entreum número significativo de tomadores de seguro. Esta separação entreprestações imediatas e diferidas pode ser concretizada mantendo a figurade uma taxa contributiva global (TCG) ou através da criação de taxas decontribuição específicas para cada eventualidade. O seu financiamentoseria autónomo e incluiria uma componente para cobertura da equiva-lência de contribuições no âmbito do sistema NDC destinada ao finan-ciamento das pensões de velhice.22

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21 Acresce que o novo mecanismo de apuramento da pensão garantida incorporariamecanismos de incentivo à declaração de rendimentos e o princípio de que cada euro de-clarado conta, desincentivando a economia informal e a arbitragem, como sucede hoje.

22 Os montantes das pensões de invalidez e de sobrevivência passariam a ser definidosem função da antiguidade das carreiras e das contribuições efectuadas e os montantes desubsídios por doença e desemprego deveriam ter em conta, respectivamente, a naturezada doença e a carreira contributiva. Todas as demais prestações sociais de natureza nãocontributiva atribuídas pelo Estado seriam financiadas pela via fiscal. A organização, asupervisão e a gestão dos mecanismos de seguro social contra perdas de rendimento as-sociadas às contingências imediatas seriam asseguradas por instituições públicas, nãosendo de excluir totalmente a possibilidade de se estabelecerem parcerias com entidadesespecializadas do sector privado, caso se demonstre que essa solução é mais eficientepara o erário público. A gestão das mutualidades resultantes dos riscos de doença e aci-dentes de trabalho poderá ser realizada por entidades especializadas, de economia socialou privada.

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As verbas entregues no âmbito do sistema complementar privado in-tegrado de capitalização real e do segundo e terceiro pilares são capitali-zadas segundo taxas de rentabilidade geradas nos mercados financeiros,geridas por entidades credenciadas para o efeito, segundo princípios deprudência, segurança e rentabilidade. A respectiva gestão seria pública ouprivada, atribuída apenas a entidades acreditadas que preenchessem os re-quisitos para o efeito, estando aberta a instituições de previdência sob aforma de caixas de reforma, fundações ou mútuas, entidades da economiasocial, organizações financeiras privadas ou institutos públicos. A gestãoseria supervisionada pela autoridade de supervisão de seguros e fundos depensões, sendo acompanhada de perto pelo organismo público das refor-mas. A transição para o novo sistema deveria ser imediata, assegurandono cálculo do capital nocional inicial os direitos já constituídos pelos ac-tuais trabalhadores no activo, implicaria a determinação e escolha domodo de financiamento da dívida implícita dos actuais sistemas (em par-ticular do subsistema da CGA) e seria acompanhada de uma reestrutura-ção dos sistemas de governação e informação da segurança social.

Conclusões

As consequências da alteração demográfica estrutural em curso nosalicerces do modelo de organização e funcionamento dos sistemas deprotecção social em Portugal e no mundo ocidental foram agravadas peladesaceleração económica verificada nas economias desenvolvidas, sobre-tudo a partir dos choques petrolíferos da década de 70 do século passado,pelo aumento do desemprego jovem, estrutural e de longa duração, pelaexpansão das novas formas de trabalho e, mais recentemente, pelas im-plicações económicas e sobre as finanças públicas da crise financeira ede dívida soberana que se vive na Europa. Os sistemas continuam a sererroneamente entendidos como instituições estáticas, com contratos le-gais, que sempre proporcionaram e sempre continuarão a proporcionarà população de pensionistas padrões de vida semelhantes aos usufruídosdurante a sua vida activa. Em Portugal, instalou-se na sociedade uma per-cepção pública forte, mas totalmente equivocada, de que o nível actuale futuro das prestações sociais (pensões, subsídios de desemprego,doença, parentalidade) se encontra totalmente garantido e suportado emactivos financiados com base nas contribuições e impostos pagos durantea vida activa. Este equívoco, alimentado sobretudo pelos poderes públi-cos, que nunca se mostraram verdadeiramente interessados em explicare tornar transparente o contrato social intergeracional que impõem aos

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trabalhadores, dificulta a aprovação e compreensão das reformas neces-sárias e faz crer numa boa parte da população que as actuais dificuldadesfinanceiras do sistema decorrem tão-só de problemas económicos de na-tureza conjuntural e/ou da má gestão dos responsáveis políticos.

A população portuguesa, em geral, aparenta ignorar que a atribuiçãocrescente de benefícios e o equilíbrio financeiro dos sistemas de pensõesregistado no passado só foram possíveis graças à verificação de uma ade-quada relação entre o número de financiadores (contribuintes) e o nú-mero de beneficiários (pensionistas), ou seja, graças à existência de umrácio de suporte impossível de replicar em sistemas de pensões madurose com população decrescente e fortemente envelhecida, como é o casoportuguês. Foi este facto, e não a generosidade de políticos benevolentes,combinado durante algum tempo com aumentos na taxa contributiva,que permitiu às gerações iniciais do sistema beneficiar de prestações des-proporcionadas face às contribuições efectuadas.

As dinâmicas desfavoráveis da demografia, da economia e do mercadode trabalho projectadas para as próximas décadas em Portugal contribui-rão para agravar as dificuldades de financiamento dos sistemas de pro-tecção social, acentuando os seus problemas de sustentabilidade finan-ceira e pressionando o equilíbrio das finanças públicas. O recurso àstransferências extraordinárias do OE para cobrir os défices de autofinan-ciamento conferirá aos sistemas um carácter cada vez mais assistencialista,afastando-os da lógica contributiva e do princípio da solidariedade labo-ral, com base no qual foram fundados, princípios nos quais assenta estecontrato relacional e que, em grande medida, o legitimam social e poli-ticamente. A acentuação da iniquidade intra e intergeracional, o aumentoda desconfiança de participantes e beneficiários em relação à viabilidadedos sistemas e à sua capacidade para atingir os seus desígnios fundamen-tais, a quebra recorrente das promessas de benefício definido, violam oprincípio da coerência temporal do contrato e a todos convocam parauma reflexão profunda em torno das reformas necessárias.

Existindo um aparente consenso relativamente à necessidade de in-troduzir alterações no actual sistema público de segurança social, diver-gem contudo as propostas quanto ao alcance das reformas a empreendere quanto à sua natureza pontual ou estrutural. Entre as várias opções dereforma possíveis, neste artigo sustenta-se a construção de um sistema depensões misto, combinando o financiamento em regime de repartiçãocom a acumulação de poupança, de modo a garantir rendimentos ade-quados na reforma e a promover a equidade nos sistemas, sem pôr emcausa as contas públicas nem onerar excessivamente as próximas gera-

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ções. O novo contrato estaria mais preparado para responder às alteraçõesdemográficas, económicas e do mercado de trabalho. Este novo modelode protecção social promove uma partilha das responsabilidades entre oEstado, as empresas e os cidadãos, no contexto de um sistema multipilar.No âmbito desta partilha de responsabilidades, são separadas claramenteas funções de redistribuição do rendimento e de combate à pobreza, queprosseguem objectivos de solidariedade social e que devem ficar na esferaestatal, da função de poupança ou redistribuição intrapessoal de rendi-mento, que deve ficar a cargo dos trabalhadores e das empresas e ser or-ganizada através de mecanismos actuariais. A reforma sistémica dos sis-temas de pensões aqui proposta traduz igualmente uma transformaçãodos sistemas de governação e gestão da protecção social em Portugal.

Os cidadãos portugueses e europeus vivem hoje, felizmente, mais. E desejam fazê-lo de forma próspera, preservando no essencial a quali-dade de vida que granjearam durante a sua vida laboral, com a segurançaeconómica de que estarão em condições de poder concretizar os objec-tivos pessoais e familiares que imaginaram para essa fase do ciclo de vida.Garantir que esse desejo é realizável é uma das finalidades dos sistemaspúblicos e privados de pensões.

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Parte IIEnvelhecimento e política

de fecundidade – a economia contra as famílias?

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Manuel Villaverde Cabral

Capítulo 4

O envelhecimento sociodemográficoe os seus riscos

Muito boa tarde! Em primeiro lugar, o meu agradecimento à FundaçãoD. Pedro IV e ao Pedro Moura Ferreira por terem organizado este en-contro, que faz parte do trabalho prosseguido desde 2010 pelo Institutodo Envelhecimento. Seguramente que o Instituto poderia ser mais co-nhecido do que é, mas não deixou de ter produzido já bastantes investi-gações, bem como materiais originais e fidedignos, além de ter chamadoa atenção pública para o problema, como de resto fazia parte do nossoprotocolo de partida com a Fundação Calouste Gulbenkian, tendo pos-teriormente vários outros parceiros vindo a aderir ao projeto. Este veio acoincidir com a situação de crise financeira, económica e social que opaís conhece desde o final da década passada, como foi mostrado pelaProf.ª Filomena Mendes, embora eu continue a pensar que as causas econsequências do envelhecimento sociodemográfico em Portugal não seesgotam de forma alguma na atual situação de crise. Com efeito, desdeo censo de 1981 – portanto, há pelo menos trinta e cinco anos – que ataxa de reposição das gerações caiu em Portugal abaixo do equilíbrio es-tatístico (índice sintético de fecundidade = 2,1 por mulher fértil). Emcontrapartida, é surpreendente que esse fenómeno fundamental, inéditoem Portugal, tenha passado virtualmente despercebido durante as trêsdécadas seguintes, inclusivamente nesta casa (ICS), onde as questões dafecundidade, passando pela condição da mulher, pela gravidez, pelascrianças, etc., foram tratadas sem na altura ter em conta o seu impacto,década após década de redução sistemática do índice de fecundidade,sobre o envelhecimento da população (Almeida et al. 1998).

Ora bem, estas décadas de descaso explicam a ausência total de polí-ticas coerentes neste campo quando é certo que, se há uma questão quenão vai sair da agenda em tempos previsíveis, é a do envelhecimento,quanto mais não seja devido aos inúmeros riscos de ordem socioeconó-mica e até cultural que ele traz consigo. Com efeito, o envelhecimento

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de determinada população não pode ser confundido com o aumentogradual da esperança de vida individual. Este aumento, como tem sidoassinalado por inúmeros autores, é em princípio uma bênção civilizacio-nal, para a qual a medicina está longe aliás de ter dado a principal con-tribuição, e da qual cada um de nós beneficia potencialmente enquantomembros de sociedades em vias de mudança e modernização, sem queisto faça contudo desaparecer as diferenças de classe, instrução, região eos outros grandes fatores sociodemográficos, como a própria idade e osexo. Basta dizer que, segundo os números aqui mostrados pela Prof.ªFilomena Mendes, quando eu nasci a esperança média de vida dos por-tugueses do sexo masculino não chegava aos 49 anos...

Todavia, o envelhecimento de uma dada sociedade não se mede pelalongevidade individual. O envelhecimento sociodemográfico de deter-minado país, no caso Portugal, é um rácio convencional entre o númerode pessoas com 65 anos de idade ou mais e o número de crianças e ado-lescentes até aos 15 anos. Ora, é este rácio que permite estabelecer a di-mensão comparativa do processo de envelhecimento, a qual já foi aliásreferida, tratando-se portanto de um conceito relacional, isto é, um rácioentre seniores e jovens. A senioridade é atualmente fixada por convençãonos 65 anos, sendo muito provável que, no futuro, este limite venha a seralterado mas de forma a manter-se, contudo, a comparabilidade, porexemplo, a fim de acompanhar a evolução provável da idade da reforma,a qual continua ainda a ser convencionalmente aos 65 anos, a partir dosquais um indivíduo seria «velho» para trabalhar, quando em diversos paí-ses essa convenção já variou para 66 e noutros para 67. Inversamente, algode semelhante pode ser dito para os mais jovens, cujo limite atual aos 15anos é suscetível de evoluir, do mesmo modo que a idade da «juventude»aumentou nas últimas décadas, havendo no futuro não longínquo umdia em que estes limites etários deverão ser revistos em termos societais.

Trata-se, contudo, de manter a comparabilidade internacional desserácio entre «velhos» e «novos» que nos fornece o grau societal de enve-lhecimento, o qual é neste momento, em Portugal, superior a 120 pessoascom 65 anos ou mais para 100 crianças e adolescentes até aos 15 anos,quando ainda há pouco tempo não chegava a 100. Dito isso, os limitesetários convencionais de cada uma das categorias não deixam de ocultar,por assim dizer, as mudanças ocorridas no seio de cada um desses grupos.Do mesmo modo que um jovem de 15 anos não é hoje, sociologica-mente, o mesmo que era há algumas décadas, algo de equivalente sepassa com uma pessoa de 65, 75 ou 85 anos, cuja esperança de vida con-tinua a aumentar paulatinamente com uma qualidade de vida tenden-

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cialmente acrescida. Dependendo dos países, uma grande percentagemde jovens de 16 anos, com cuja idade é atualmente proibido por lei tra-balhar, como sucede em Portugal, está hoje em dia destinada a mais umadécada de estudos, o que já nos permite ver, portanto, que a própria du-ração do tempo de trabalho não irá mudar tanto quanto se pensaria àprimeira vista, pois começar-se-á a vida profissional mais tarde para ter-miná-la também mais tarde. O que haverá, portanto, é uma infância,uma adolescência, uma juventude e uma entrada na vida profissionalmais tardias, bem como uma entrada na «vida adulta» mais prolongadae porventura menos linear do que até aqui. Entre muitos outros fatoresdesse adiamento e complexificação da entrada na referida «vida adulta»,conta-se nomeadamente a média de idade com que as mulheres terão oprimeiro filho e eventualmente os seguintes; ou nenhum, o que é outroaspeto muito importante do fenómeno do envelhecimento cada vez maissaliente em países como Portugal, antes mesmo da crise em curso, a saber,a queda da fecundidade para níveis considerados, desde o início do sé-culo XXI, como very low fertility rates (McDonald 2000).

Com efeito, a questão do envelhecimento muito rápido e ultimamenteagudo da sociedade portuguesa tem já, atrevo-me a pensar, menos quever com o aumento paulatino da longevidade e o correlativo problemada sustentabilidade dos regimes de pensões do que com a profunda di-minuição da fecundidade. A brusca acentuação da queda da fecundidadeno quadro da crise atual é devida não só à retração dos comportamentosreprodutivos dentro do país, como também aos movimentos de retornode imigrantes aos seus países e ao surto emigratório de portuguesas e por-tugueses das gerações, por assim dizer, férteis, como de resto já havia su-cedido durante a grande vaga emigratória anterior nas décadas de 60 e70 do século passado, parcialmente compensada, se assim se pode dizer,pela vinda para Portugal, depois do 25 de abril, de um número conside-rável mas de fixação indeterminada de portugueses que viviam até entãoem Angola e Moçambique.

Como referi, o índice de envelhecimento em Portugal tem vindo acrescer sob os nossos olhos desde que começámos a trabalhar no temahá cerca de seis anos, com os riscos que temos enumerado e, sempre quepossível, quantificado. Hoje, porém, tanto ou mais do que os temas obri -gatórios da sustentabilidade dos sistemas de saúde e de segurança social,bem como dos cuidados a assegurar já e no futuro aos mais idosos, estáem causa o próprio «contrato intergeracional», segundo o qual tais rela-ções sociais e económicas teriam sido concebidas em países mais desen-volvidos do que Portugal e que nós seguimos mais tarde e com dificul-

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dade, como é conhecido, sobretudo após o 25 de abril. Com efeito, tantoou mais do que esses riscos já previstos e verificados, dizia eu, coloca-seagora nas sociedades onde se instalou o regime da very low fertility – quede resto não se sobrepõe a países comparativamente pobres, como Por-tugal, pois esse regime envolve países desde a Alemanha e a Áustria, naEuropa, ao Japão e à Coreia do Sul, na Ásia, bem como os chamadospaíses mediterrânicos e bálticos – a perspetiva iminente de um envelhe-cimento acelerado com redução sensível das populações dessas socieda-des a médio-longo prazo.

Antes de entrarmos no tema da queda vertiginosa da fecundidade,vale a pena notar que nada do que vem sendo dito invalida, antes pelocontrário, a noção difundida pelas grandes organizações internacionaisacerca do «envelhecimento ativo» enquanto forma de, por assim dizer,combater os riscos e os custos da fragilidade associada ao envelhecimentobiossociológico, de maneira a, como se diz na linguagem organizacional,«viver mais anos com qualidade de vida». Simultaneamente com o acom-panhamento do «Ano Europeu do Envelhecimento Ativo» em 2012, oIE teve oportunidade de produzir um inquérito sobre «os processos deenvelhecimento» (Cabral et al. 2013) que confirma três conclusões damáxima importância: (1) É exato que a adoção de práticas associadas ànoção organizacional de «envelhecimento ativo» tem uma correlaçãomuito positiva com o estado de saúde subjetivo das pessoas mais velhas;(2) é também exato, porém, que a adoção de tais práticas é altamentecondicionada (na ordem dos 50% da variância explicada) pelo curso devida dos indivíduos já aos 50 anos de idade, isto é, pelos seus principaisdeterminantes sociodemográficos, nomeadamente a instrução e o rendi-mento; (3) por último, é igualmente exato que a evolução mais recenteda população portuguesa, em especial o aumento da escolaridade, pre-nuncia a adoção de práticas de «envelhecimento ativo» mais consentâ-neas com as recomendações internacionais no futuro.

O «envelhecimento ativo», minorando potencialmente custos e pro-longando os anos de vida com qualidade, não deixa porém de ser umpaliativo perante o envelhecimento sociodemográfico e a esperada redu-ção de populações como a portuguesa nas próximas décadas. Nomeada-mente, em termos de cuidados a prestar a segmentos populacionais cadavez mais envelhecidos em percentagem cada vez maior no conjunto dasociedade, muitos países têm estado a fazer reformas tanto do lado dareceita como da despesa a este respeito e os que não as fazem, como temsido muitas vezes o caso de Portugal, provavelmente arrepender-nos--emos disso, inclusive ao nível de relações intergeracionais sob crescente

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pressão. Alguns dos dados do nosso inquérito relativo às redes familiarese aos cuidados a pessoas idosas no estudo mencionado sobre os «proces-sos de envelhecimento» já apontam para a gradual inversão da pirâmideetária que virá a significar a escassez crescente de crianças, adolescentese mesmo jovens adultos. Em sessões públicas relativas a este tema, o Prof.Alexandre Castro Caldas já fala em reformados mais novos cuja principalocupação irá provavelmente ser «tomar conta» dos seus pais na casa dos80 para os 90, que são atualmente os dois segmentos etários com maioraumento relativo em Portugal, ao mesmo tempo que se encontra sobcrescente pressão sociocultural o paradigma tradicional das esposas e fi-lhas como cuidadoras.

Vejamos, então, o que diz a literatura internacional acerca da dimi-nuição regular do índice de fecundidade à escala mundial e, em parti-cular, a sua queda acentuada em determinadas sociedades, entre as quaisPortugal, nas últimas décadas. Já há mais de dez anos, um demógrafomuito conhecido comparou os países da OCDE num artigo com umtítulo significativo (Castles 2003) que pode ser traduzido por «o mundovirado do avesso». Aí constatava o autor que, ao contrário do que suce-dia anteriormente, os países da OCDE de religião predominante cató-lica, que se caracterizavam historicamente por índices de fecundidadecomparativamente elevados, tinham-se tornado, em média, já no iníciodo século XXI, daqueles onde o referido índice era dos mais baixos domundo, com a exceção da Irlanda, que lentamente tem vindo a alinharpela tendência, e da Polónia, aceleradamente. Castles constatava entãoessa alteração, para ele culturalmente surpreendente, mas não forneciaqualquer explicação.

A verdade, porém, é que essa tendência já tinha sido observada e ana-lisada com um modelo explicativo muito persuasivo pelo demógrafoaustraliano Peter McDonald, atrás mencionado, com base na comparaçãoentre as australianas de origem anglo-saxónica e as mulheres de origemitaliana e grega residentes na Austrália em finais do século passado(McDonald 2000). A hipótese que vos submeto, sem ter tido a possibi-lidade de a aplicar a Portugal de acordo com o modelo de McDonald, étodavia que este explica melhor do que qualquer outro modelo apresen-tado até agora o declínio vertical do índice de fecundidade das mulheresportuguesas nas últimas três-quatro décadas, depois de elas terem figu-rado entre as mais fecundas da OCDE, em paralelo com a populaçãofeminina dos outros países católicos membros dessa organização.

Segundo McDonald, «níveis continuados de fecundidade muito bai-xos (very low = igual ou inferior a 1,5; presentemente em Portugal na

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ordem de 1,30) em países avançados podem ser explicados pela incon-gruência entre os níveis de equidade de género prevalecentes em dife-rentes instituições sociais». Segundo as observações do autor, «em paísescom níveis muito-muito baixos de fecundidade verificam-se altos níveisde equidade de género nas instituições que lidam com as pessoas en-quanto indivíduos, ao mesmo tempo que se verificam baixos níveis deequidade de género nas instituições que lidam com essas mesmas pessoasenquanto membros de famílias». McDonald concretiza o modelo deforma a tornar possível conceber um quadro hipotético a quatro entradasdo seguinte tipo: enquanto os níveis de equidade entre homens e mu-lheres nas instituições que lidam com eles como indivíduos são elevados,nomeadamente (i) o sistema educativo e (ii) o mercado do trabalho; jáos níveis de equidade entre géneros prevalecentes nas instituições quelidam com as pessoas enquanto membros de famílias, tais como (iii) con-dições de emprego (por exemplo, trabalho a tempo parcial), serviços pú-blicos, transferências governamentais, etc., e (iv) as relações familiarespropriamente ditas, serão baixos.

É essa incongruência – que pode ser, se não quantificada, pelo menosestimada – entre aquelas duas dimensões, duplamente concretizadas cadauma delas, que explica, segundo McDonald, a menor fecundidade dedeterminados grupos populacionais em confronto na mesma sociedade(australiana) e em geral no resto do mundo comparável: «Se as mulherespossuem oportunidades semelhantes às dos homens na educação e nomercado do emprego, mas essas oportunidades são fortemente reduzidaspelo facto de terem filhos, então, em média, as mulheres restringirão o nú-mero de crianças que terão a tal ponto que a fecundidade baixará a longo prazopara um nível perigosamente baixo» (itálico nosso). Em termos macrosso-ciológicos, que não posso aprofundar agora e para os quais não possuí-mos ainda modelos de operacionalização, esta última situação seria, pois,comum a sociedades modernizadas, onde todavia, por razões de ordemcultural (a religião histórica predominante encapsula essa cultura), as re-lações de género e de famílias, não só horizontais (conjugais), como tam-bém verticais (pais-filhos-netos), se revelam incongruentes em relação aoigualitarismo tendencial prevalecente na esfera pública (sistema educa-tivo, mercado do trabalho, etc.). Para McDonald, tratar-se-ia de uma evo-lução, por assim dizer, incompleta ou contrariada do modelo familiarfuncionalista do male breadwinner, teorizado por Parsons nos anos 50 doséculo passado, para o alegado novo modelo do family wage. A meu ver,contudo, a este nível de análise, os resultados oferecidos, embora tendocertamente muito a ver com a maior ou menor equidade de género di-

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tada pelos enquadramentos religiosos e culturais, dependem também defatores macro-históricos aos quais o autor não alude.

Para sintetizar o argumento de McDonald, de acordo com o seu mo-delo, verificou-se que na Austrália, no seu conjunto, então com cerca de20 milhões de habitantes, havia uma diferença notória do índice de fe-cundidade entre a população mais numerosa de origem anglo-saxónica,com valores manifestamente superiores, e dois grupos da população comdimensão suficiente para serem isolados, a saber, as italianas e as gregasde primeira ou segunda geração, com comportamentos muito inferioresaos das anglo-saxónicas, mas equivalentes entre italianas e gregas e, aomesmo tempo, muito parecidos aos comportamentos de very low fertilityda Itália e da Grécia. Em suma, perante uma oferta institucional idênticano plano nacional enquanto indivíduos, o grupo das italianas e o dasgregas respondiam, digamos assim, de forma muito diferente às condi-ções prevalecentes nas instituições que lidavam com essas mesmas mu-lheres enquanto membros de grupos familiares com origens sociocultu-rais diferentes da maioria anglo-saxónica. O resultado final, em termosde gender equity, é que o índice de fecundidade das australianas perten-centes àqueles dois grupos de origem mediterrânica era muito mais baixodo que o das suas compatriotas de origem anglo-saxónica: ora, segundoo estudo, fertility will be the lowest onde for maior a incongruência entre osdois tipos de instituições – públicas e familiares.

Mutatis mutandis, na ausência da aplicação de um modelo semelhante,podemos interrogar-nos por que motivo, em Portugal, as mulheres têmhoje um acesso privilegiado ao ensino superior comparativamente ao doshomens, com acesso generalizado ao emprego, pelo menos no sector pú-blico, ao contrário do que sucedia há poucas décadas, quando o índicede fecundidade era muito mais alto, enquanto atualmente a abertura dossistemas de educação e de emprego tem como correspondente a quedada fecundidade? Não se tratará de uma ilustração, à falta de estudos maisaprofundados, da incongruência entre a equidade de género prevalecentenaquelas instituições e nas instituições que lidam com as pessoas, nomea-damente com as mulheres, enquanto membros das famílias, conformesustenta McDonald? Não poderá algo de equivalente explicar por querazão legislações europeias comparáveis sobre o trabalho em part-time têmexpressão estatística e formas de funcionamento tão diferentes na Suéciae em Portugal, com a mesma falta de correspondência – ou de congruên-cia – que os exemplos anteriores? Não se tratará, como propõe o modelode McDonald, da incongruência em termos de equidade de género entreos dois tipos de entradas individuais vs. familiares do seu modelo?

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Para resumir estas aproximações ao caso português, ainda estávamosno século passado (Cabral e Pais 1994) quando perguntámos aos jovensportugueses se uma das razões da baixa da natalidade já então notadaem Portugal não se deveria, entre outros fatores, à alegada instabilidadedos jovens casais – vulnerability, como lhe chama McDonald? Ora, jáentão o elemento da desigualdade de género se revelava através do factode a percentagem de jovens do sexo feminino que concordavam comessa hipótese ser muito maior do que a dos jovens do sexo masculino!No mesmo inquérito, a maioria dos rapazes dessa altura admitiam que«era melhor as jovens mães não trabalharem», enquanto as raparigas damesma geração recusavam maioritariamente essa ideia então corrente...Não se trataria ainda da mesma iniquidade de género identificada porMcDonald como explicativa da retração da fecundidade perante vestígiosde patriarcalismo associados ao paradigma subsistente do male breadwin-ner da teoria parsoniana? Seja como for, a tendência societal para níveismuito-muito baixos de fecundidade é comparativamente indiferente aonível de crescimento económico, embora acabe por condicionar este úl-timo, como veremos, através de um provável efeito de feed-back negativo,como tem sucedido manifestamente em Portugal durante a crise. Sejacomo for, o destino histórico da contração da fecundidade não pode seroutro senão a acentuação do envelhecimento e, a prazo, a redução po-pulacional.

Curiosamente, se é evidente que foram as comparações feitas entre adiferente fecundidade das australianas de origem italiana e grega com asde origem anglo-saxónica perante condições institucionais públicas, in-cluindo a oferta do welfare state, que permitiram a McDonald chegar àssuas notáveis conclusões, em contrapartida o autor desprezou comple-tamente, como de resto sucede com frequência, o fator imigração (in-po-pulation). A Austrália, como os Estados Unidos e a própria Inglaterra,assim como a França, sociedades onde se mantém um índice de fecun-didade próximo da reposição das gerações, são aquilo a que se chama,sociodemograficamente, países de imigração histórica. Em França, tipi-camente, o processo imigratório prossegue independentemente do cres-cimento económico graças, em boa medida, ao chamado «reagrupa-mento familiar» a que os parentes dos antigos imigrantes têm direitodesde longa data por motivos de política estatal de ordem natalista, e daíque a população de religião muçulmana seja estimada atualmente em6% mas tenha uma contribuição muito superior para o índice de fecun-didade (quando eu próprio vivi em França, no ano censitário de 1970,os imigrantes residentes naquele país constituíam cerca de 6% da popu-

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lação mas os casais imigrantes ou mistos, sendo estes últimos geralmentecompostos por pai imigrante e mãe francesa, contribuíam já então com18% dos nascimentos anuais).

Portugal e a maioria dos países das orlas periféricas europeias são his-toricamente sociedades de emigração (out-population) e onde só muito re-centemente surgiu, com o crescimento da União Europeia, uma correnteimigratória que entretanto caiu com a grande recessão de 2007 até hoje.A imigração é, com efeito, o único fator compensatório minimamenteeficaz, por assim dizer, para o declínio da fecundidade. Nesse sentido,intervenções estatais como aquelas que têm sido propostas e foram aquiapresentadas pelo Prof. Joaquim Azevedo não só me parecem insuficien-tes para reverter o declínio, como na realidade, ao operarem basicamenteno plano da fiscalidade familiar, só poderão reforçar, temo eu, o carácterfamilista da iniquidade de género prevalecente nas instituições privadase/ou assistenciais que lidam com as pessoas enquanto membros das fa-mílias, e não como indivíduos, conforme é previsível que suceda no casode um país antropologicamente católico como Portugal.

O próprio conceito de «filhos desejados», central na argumentação daproposta do Prof. Joaquim Azevedo e colegas, mas também invocado porPeter McDonald, parece-me ser altamente normativo como termo decomparação. A incorporação normativa de valores familiares tradicionaispor parte do Estado parece-me ter fundamentos éticos muito discutíveis,como acontece tipicamente com a recente decisão governamental de cri-minalizar os filhos por falta de assistência aos pais idosos e outras medidasunicamente destinadas a reduzir a responsabilidade pública e a despesaestatal com os cuidados a uma população cada vez mais envelhecida ecom baixa adesão às práticas de envelhecimento ativo. Já era este o argu-mento do eticista norte-americano Norman Daniels, da Harvard MedicalSchool, no seu livro sobre as relações intergeracionais perante o envelhe-cimento. Seja como for, aquilo que medidas como as que foram propostasao anterior governo poderão originar, se forem por diante com incidênciaforte no pacote fiscal das famílias com filhos menores, será, na minha opi-nião, o acentuar da «curva em U» típica de muitas das distribuições sociaise económicas em Portugal; neste caso, as famílias com mais filhos con-centrar-se-ão, ainda mais do que já estão, nos grupos de rendimento maisaltos e mais baixos, em especial naqueles onde as mães não trabalharão,funcionando os apoios como os «abonos de família» dos antigos regimescorporativos, desde a Alemanha nazi a Portugal e Espanha, onde consti-tuíam uma espécie de incentivo ao abandono do mercado de trabalho,potencialmente igualitário, por parte das mães...

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Para terminar, se é certo que a imigração constitui, conforme sucedenos países desenvolvidos que ainda se avizinham da reposição das gera-ções, o fator primordial da recuperação da fecundidade ou, pelo menos,da travagem da sua queda para níveis cada vez mais baixos, não é menosevidente que a imigração, para ser atraída, carece do estímulo do cresci-mento económico. É exato que este, por seu turno, é em parte promo-vido virtuosamente pela dita imigração, através do aumento da procurafamiliar, desde logo porque os imigrantes têm, pelo menos inicialmente,mais filhos, dependendo sobretudo das suas práticas socioculturais deorigem. Acontece, porém, que o envelhecimento sociodemográfico dapopulação, por si próprio, de acordo com um número crescente de es-tudos, é menos favorável, tendencialmente, ao crescimento económico(Nagarajan et al. 2016; Börsch-Suppan 2013). Isso ajuda porventura a ex-plicar por que razão a taxa de crescimento em Portugal se aproxima con-sistentemente de zero desde o final do século passado, antes mesmo daatual crise... Em suma, os ingredientes de uma hipotética recuperaçãodemográfica são, pois, débeis e, além disso, atuam contraditoriamenteentre eles, pelo que não são de esperar muitas mudanças significativasdo macroprocesso de envelhecimento da nossa sociedade.

A União Europeia chegou a uma fase civilizacional em que os custosde reprodução social são incomensuráveis, talvez comparáveis à Austráliae ao Canadá, mas certamente não aos Estados Unidos: basta pensar emtermos ecológicos ou nos sistemas de welfare. Com densidades popula-cionais pesadíssimas, são sociedades muito mais envelhecidas do que po-deríamos imaginar há meio século. No seu conjunto, a UE tem cada vezmenos capacidade de crescer para atrair novas populações e, não asatraindo, ou sendo mesmo obrigada a recusá-las quando elas pretendememigrar, como sucede neste preciso momento, continua a envelhecer.

Não é à toa que, numa recente lista da OCDE eram apontados os paí-ses com menor crescimento desde 1999 até ao esperado em 2019. Ora,oito dos nove países mais relevantes dessa lista pertencem à UE e o outroé o Japão. Todos estes países, onde a Itália, o Japão e Portugal são os trêscom menor crescimento ao longo daquelas duas décadas (menos de 1%ao ano e os outros cinco países entre 1% e 1,5%), praticamente todoseles se contam entre aqueles que têm taxas de envelhecimento mais altase índices de fecundidade mais baixos, nomeadamente a Alemanha, e nãosão, como se vê pela lista, dos mais pobres do mundo!

Ora, continuando a envelhecer, menos potencial de crescimento pos-suem e, por consequência, o problema da baixa e muito baixa fecundi-dade, para ser superado, gradualmente que fosse, só poderá passar então

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por agir sobre os dois quadrantes do modelo de McDonald onde, apesardo desenvolvimento material do welfare state, prevalecem ainda fortes ini-quidades de género de tipo familista e paternalista. O problema é quetodos sabemos que as políticas públicas mais difíceis de pôr em práticacom êxito são, precisamente, aquelas que mexem, por assim dizer, comcrenças, atitudes e comportamentos... antropológicos como aqueles queMcDonald identificou!

Referências bibliográficas

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Nagarajan, N. R., et al. 2016. «The impact of an ageing population on economic growth:an exploratory review of the main mechanisms». Análise Social, 218: 4-35.

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Walker, A., ed. 1996. The New Generational Contract: Intergenerational Relations, Old Age andWelfare. Londres: UCL.

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Maria Filomena Mendes

Capítulo 5

Envelhecimento e fecundidade: uma antevisão do nosso futuro demográfico*

Agradeço imenso o convite para participar no ciclo de colóquios sobreo envelhecimento na sociedade portuguesa: à Fundação D. Pedro IV, ao Instituto de Ciências Sociais, ao Instituto do Envelhecimento, a todosos que me convidaram para partilhar, convosco hoje, a minha reflexãoenquanto demógrafa sobre a temática do envelhecimento e da fecundi-dade.

O envelhecimento enquanto realidade demográfica atual e futura

Em relação ao envelhecimento começo por afirmar que considero apossibilidade de envelhecimento atual algo de muitíssimo positivo, quevejo o envelhecimento da população como uma conquista extraordináriada humanidade. Ousarei mesmo dizer que não me inquieta excessiva-mente, nem mesmo do ponto de vista demográfico, a questão do enve-lhecimento da população portuguesa. Temos, no entanto, de alterar anossa perceção e o nosso entendimento relativamente ao envelheci-mento, aceitar que vivemos numa sociedade envelhecida, numa socie-dade que será cada vez mais envelhecida, pelo menos num futuro pró-ximo. E será neste horizonte que vamos situar a nossa reflexão, em

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* Os dados apresentados neste artigo são resultado do trabalho de investigação desen-volvido pela equipa do Laboratório de Demografia do CIDEHUS, da Universidade deÉvora, na área específica da fecundidade com as investigadoras Lídia Tomé, Andreia Ma-ciel e Rita Freitas, com o investigador Filipe Ribeiro na área da mortalidade e projeçõesdemográficas, http://www.cidehus.uevora.pt/Laboratorios/laboratorio_demografia/apre-sentacao.

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função desta convicção de que o envelhecimento é um resultado muitopositivo da melhoria das condições de vida de uma população.

Felizmente, somos um país envelhecido! Mas a que se deve este enve-lhecimento? Referimos, frequentemente, que será devido ao alonga-mento da esperança de vida, a um aumento da longevidade, factos, naverdade, incontornáveis. Vivemos durante mais anos, adiámos o mo-mento da morte, vivemos (até mais tarde) com mais saúde, o que implicaque a população venha registando um cada vez maior número de pessoascom idade avançada.

Do ponto de vista individual e pessoal, retardar a idade em que semorre não constitui geralmente um problema, não é necessariamentemau. Obviamente, todos na população poderão pensar de maneira se-melhante; portanto, em termos de expectativa em relação ao futuro, emtermos individuais, todos esperamos ter ainda um determinado númerode anos para viver, com saúde, com vitalidade, com energia, e teremosde pensar em como iremos ocupar os (próximos) anos da nossa vida,que tenderá a ser longa.

Evidentemente, o envelhecimento da população está associado a esteaumento da esperança de vida, ao prolongamento da longevidade, o queimplica um acréscimo não apenas do número de pessoas com 65 ou maisanos, mas também o acréscimo no número de anos remanescente, nonúmero de anos que essas mesmas pessoas podem esperar vir a viver apartir dessas idades.

Mas o que habitualmente nos preocupa é que, simultaneamente como aumento do número de pessoas mais velhas, assistimos a uma reduçãoprogressiva e muito acentuada do número de jovens. Tem-se verificadoum declínio continuado e pronunciado da natalidade, uma diminuiçãodo número de filhos nas famílias, o que, obviamente, veio desequilibrar,de uma certa forma, aquela que seria uma proporção mais harmoniosase continuássemos com um número de nascimentos elevado conjunta-mente com um número de pessoas idosas também elevado. Estamos pe-rante um processo de envelhecimento que é determinado, por um lado,por este aumento do número de idosos que vivem, felizmente, muitosmais anos e, por outro lado, pela diminuição do número de jovens.

De realçar também que a proporção que o conjunto de pessoas comidade avançada representa no total da população adquire maior signifi-cado devido à concomitante diminuição da natalidade. Parece ser nesteponto que atualmente focamos as nossas atenções, ou seja, aparente-mente, aumentando a natalidade, teríamos o problema do envelheci-mento demográfico (quase) resolvido.

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Aliás, invariavelmente os próprios meios de comunicação social ques-tionam: «Novamente os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE)apontam para um acentuar do envelhecimento, a população portuguesaestá agora mais envelhecida. O que é preciso fazer, que medidas de po-lítica terão de ser adotadas para inverter esta situação?» A resposta nãodeixa de surpreender: nada pode ser feito com resultado imediato, nãoserão algumas medidas de política que poderão rapidamente alterar orumo da nossa história demográfica, modificar as consequências de todoo nosso passado populacional. Atualmente, ao fim de várias décadas emque progressivamente fomos aumentando a esperança de vida, aumen-tando a longevidade, diminuindo a natalidade... atingimos uma situaçãoque não tem retorno. Ou seja, não é pelo aumento da natalidade quevamos conseguir uma inversão do envelhecimento demográfico. Pode-mos dizer que estamos neste momento perante uma situação que já nãoé possível reverter.

No caso português, em particular, para além de uma diminuição donúmero de nascimentos, do número de filhos nas famílias, assistiu-setambém ao adiamento da entrada na parentalidade. O que significa queas pessoas têm os filhos cada vez mais tarde, com implicações muito sé-rias no percurso futuro da população.

Acresce a esta conjugação de fenómenos demográficos a questão dasmigrações, em particular da elevada emigração que recentemente nos ca-racteriza. Uma vez mais, tal como no caso do equilíbrio entre jovens eidosos, se tivéssemos um grande número de imigrantes, estes compensa-riam as perdas de população devidas à forte emigração. No entanto, osdados mais recentes do INE revelam que durante o ano de 2014 1 perde-mos, entre o número de pessoas que entraram e as que saíram do nossopaís, ou seja, em termos de fluxos migratórios, cerca de 30 000 residentes,enquanto a diferença entre os que nasceram e morreram registou um dé-fice de cerca de 22 400 habitantes, o que, em conjunto, totaliza uma que-bra superior a 50 000 residentes.

No último ano, comparativamente com o ano de 2013, aparente-mente, a emigração, medida pela estimativa de emigrantes permanentes,diminuiu ligeiramente (49 572 emigrantes permanentes, valor abaixo dos53 786 estimados para 2013), enquanto a imigração, tendo igualmenteapenas em linha de conta os imigrantes permanentes, aumentou também

1 Dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, respetivamente a 30 de abrile a 16 de junho de 2015.

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tenuemente (19 516 imigrantes permanentes, em oposição aos 17 554estimados para 2013).

Daí que ultimamente o saldo migratório não se mostre tão desfavorá-vel. Todavia, os dados do INE também evidenciam que os emigrantestemporários aumentaram, este ano, relativamente ao ano anterior. Estesúltimos atingiram num só ano 85 000,2 que, conjuntamente com os maisde 74 000 estimados no ano imediatamente anterior, totalizam quase160 000 pessoas, que, afinal, o nosso país (também) perdeu.

Estes residentes deixam o país, maioritariamente, em idades jovens, por-que não têm emprego e eventualmente mais tarde terão muita dificuldadeem regressar definitivamente a Portugal. Ou só retornam se e quando tive-rem melhores condições de emprego. Assim, o que poderia considerar-semuito positivo, permitir que os jovens portugueses se tornem cidadãos eu-ropeus e do mundo, que os mais jovens passassem a residir noutros paísescom o objetivo de conseguirem adquirir maiores competências, vivencia-rem novas experiências, contactarem com diferentes culturas e conquista-rem também um futuro com mais oportunidades e menos restrições, acabapor se tornar muito penalizador para o próprio país.

Estes jovens que partem fazem-no temporariamente, por um ano, paraacederem ao mercado de trabalho, até que se alterem as condições detrabalho no seu país, tal como a precariedade das relações laborais, queas remunerações que lhe estão associadas sejam compatíveis com o seunível de habilitação académica ou qualificação profissional. Se as circuns-tâncias que envolvem o mercado de trabalho no país não melhorarem,ou pelo menos se não se tiver a perceção de que poderão vir a tornar-semais favoráveis, acabarão por não voltar (tão cedo) a residir em Portugal.

Na verdade, esta emigração condiciona bastante o nível de envelheci-mento da população portuguesa. Ao retirarmos pessoas, por via da emi-gração, resta-nos menos população – o nosso denominador diminui –,mas, dado que os idosos permanecem no país, porque geralmente nãoemigram, registamos, em consequência, uma ainda maior proporção deidosos.

Atualmente, ocupamos a 9.ª posição entre os países mais envelhecidosdo mundo, a par com a Dinamarca, a Estónia e a Letónia. O Japão, oMónaco, a Alemanha, a Itália e a Grécia apresentam os valores mais ele-

2 Em 2014, o número estimado de emigrantes temporários situou-se em 85 052, umaumento de 14% face ao valor estimado para 2013 (74 322). Por definição, os emigrantestemporários fazem parte da população residente, pelo que não integram o saldo migra-tório anual (INE 2015).

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vados quanto à proporção de idosos, estimada pelo Population ReferenceBureau para 2015.3

Todos estes fatores fazem com que o envelhecimento seja, na verdade,um processo que se desenvolve e prolonga no tempo, e Portugal encon-tra-se ainda numa fase de incremento, isto é, em pleno processo. A de-mografia do envelhecimento vai revelando dados que nos podem ajudara refletir sobre um processo de envelhecimento populacional que temdiferentes abordagens e perspetivas. Até mesmo em termos pessoais, cadaum de nós (também porque temos idades diferentes) possui diferentesperceções do envelhecimento. Porém, quer do ponto de vista individual,quer do ponto de vista coletivo, na perspetiva dos países e do mundo, oenvelhecimento é universal – se, por um lado, todas as pessoas envelhe-cem à medida que o tempo passa, por outro lado, o mesmo acontececom as populações, todas as populações do mundo estão a envelhecer,mesmo as dos países em vias de industrialização. Estas últimas irão, in-clusivamente, registar um envelhecimento muito mais acelerado do queo verificado nos países industrializados, países que já iniciaram este pro-cesso há muito mais tempo, processo que se revelou muito mais graduale lento. Podemos concluir que o envelhecimento é inevitável e irreversí-vel. Por isso, é crucial que nos consciencializemos desta realidade demo-gráfica para que nos possamos preparar para o futuro. O envelhecimentono curto, médio e longo prazo será, em todos os casos, diferente.

A inevitabilidade do acentuar do envelhecimento e a aceleração do seu ritmo de evolução

A população portuguesa, de acordo com os dados do último recensea-mento – mantendo a mesma taxa de crescimento anual médio –, precisaráde 352 anos para duplicar, para atingir aproximadamente 20 milhões dehabitantes, ou seja, passarmos dos 10,6 milhões que somos atualmentepara o dobro. Precisaríamos de mais de três séculos e meio para que talviesse acontecer, desde que se mantivesse constante o crescimento ob-servado, em média, anualmente, entre 2001 e 2011 (v. quadro 5.1).

3 Valores mais elevados a nível mundial no respeitante à proporção de idosos (por ido-sos entendemos as pessoas com idade igual ou superior a 65 anos) em 2015 foram esti-mados para: Japão, 26 %; Mónaco, 24 %; Itália, Alemanha e Grécia, 21 %; Finlândia,Suécia e Bulgária, 20 %; Portugal, Dinamarca, Estónia e Letónia, 19% (World PopulationData Sheet, Population Reference Bureau).

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Porém, para que a população com 65 e mais anos duplicasse o seu efe-tivo, para passar dos cerca de 2 milhões de pessoas que com essas idadesforam recenseados em 2011 para 4 milhões, precisaríamos somente detrinta e nove anos. Ou seja, mantendo também neste caso constante ataxa de crescimento anual médio registada para aquelas idades no mesmoperíodo, Portugal irá dobrar a população com idades iguais a 65 e maisanos em 2050.

De entre a população constituída por estes idosos destaca-se uma sub-população com idades ainda mais avançadas, com 85 e mais anos, queprecisará somente de quinze anos para duplicar (o que ocorrerá por voltade 2026). Isto é, não nos confrontamos apenas com um (simples) pro-blema de envelhecimento populacional, antes este parece estar a ser agra-vado por um outro problema associado ao ritmo a que a população en-velhece. Aliás, à data da divulgação dos dados do último recenseamento,esta constatação foi talvez uma das que mais surpreenderam: o envelhe-cimento populacional registou um significativo crescimento na últimadécada, instalando-se definitivamente na sociedade portuguesa, caracte-rizando-se por uma significativa aceleração no seu ritmo de evolução.

Os valores apresentados no quadro 5.1 obrigam necessariamente auma reflexão, nomeadamente em termos de políticas públicas e de pla-neamento futuro.

Frequentemente, quando estimamos a tendência de evolução futura,subvalorizamos a possibilidade de progresso na esperança de vida que seperspetiva.

Vejamos nos anos de 1811, 1911, 2011, o país que detinha a esperançade vida mais elevada: o Reino Unido, com 41 anos em 1811; cem anosdepois, em 1911, a Noruega e a Suécia, com 58 anos; em 2011, o Japão,com 83 anos.4 Se realizarmos o mesmo exercício, projetando o aumento

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Quadro 5.1 – Tempo de duplicação em anos da população total, população idosa (65 e + anos) e população muito idosa (85 e + anos) em Portugal

2001-2011 Tempo de duplicação Ano (em anos)

População total 352 2363População com 65 e + anos 39 2050População com 85 e + anos 15 2026

Fonte: Elaboração da autora com base nos dados dos recenseamentos de 2001 e 2011.

4 Fonte: Gapminder World, Wealth and Health of Nations, 2011.

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espetacular da esperança de vida que ocorreu entre 1811 e 2011, princi-palmente entre 1900 e 1950, poderemos esperar ultrapassar, em média,em 2111, os 110 anos. O que significa que, se perspetivarmos uma evo-lução idêntica para o século XXI àquela a que assistimos no século XX,daqui por cem anos, a esperança de vida humana poderá ser francamentesuperior a 100 anos.

Sobre esta matéria têm surgido grandes discussões, que, no fundamen-tal, se resumem a saber se, biologicamente, conseguimos ultrapassar amítica barreira a que Jean Bourgeois-Pichat5 se referia em 1952 e que sus-tentou enorme controvérsia nos anos 80 do século passado, de que a es-perança de vida não ultrapassaria, em média, os 85 anos.6 Em 2002, numtrabalho pioneiro, Jim Oeppen e James Vaupel publicam na revista Scienceque, após 1841, a esperança de vida aumentou (imperturbável) 3 mesesem cada ano,7 o que os leva a concluir que podemos continuar a preverum aumento progressivo da esperança da vida ainda durante um longoperíodo, embora possa realizar-se a um ritmo diferente do observado atéagora.

Provavelmente, naquela altura, a idade-limite de 85 anos pareceriamuito afastada, quase uma impossibilidade para a generalidade das pes-soas. Atualmente já percebemos que estamos a atingir aquele limiar,mesmo em Portugal.

As previsões demográficas acabam por falhar, em grande medida, por-que supomos sempre que a mortalidade não consegue tantos ganhosquantos efetivamente acaba por verificar mais tarde. Se se analisarem asprojeções demográficas – quer sejam as elaboradas pelo nosso Centro deInvestigação,8 pelo INE, pelo Eurostat, mesmo pelas Nações Unidas, oupor outros investigadores que trabalham especificamente na área das pro-jeções demográficas –, o desvio observado está quase sempre associado a

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117

5 Em 1952, o demógrafo francês Jean Bourgeois-Pichat estimava que a esperança devida à nascença se fixaria numa idade-limite de 78,2 anos (Jacques Vallin, «L’évolutionde la mortalité aux grands-âges, la population de la France», in Évolutions démographiquesdepuis 1946, t. II, ed. preparada por Christophe Bergouignon, Chantal Blayo, Alain Parant,Jean-Paul Sardon e Michèle Tribalat, CUDEP, Université Montesquieu – Bordeaux IV,2005, 481-492).

6 No final dos anos 80, o biólogo francês James Fries, Bernard Benjamin (1982) e JayOlshansky et al. (1990), defendiam, a partir de análises distintas, que a esperança de vidanão ultrapassaria os 85 anos, valor que o Japão atingiu em 2002.

7 Jim Oeppen, e James W. Vaupel, 2002, «Broken limits to life expectancy», Science,296 (10): 1029-1031.

8 Laboratório de Demografia do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Socie-dades, http://www.cidehus.uevora.pt/Laboratorios/laboratorio_demografia/apresenta-cao.

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uma subavaliação do aumento da esperança de vida, a uma tendência dedesvalorização relativamente à sua capacidade de incremento. Estas cons-tatações podem significar que devemos esperar que a esperança de vidaem Portugal continue a aumentar gradualmente nas próximas décadas.

O aumento da natalidade atenua mas não altera o rumo do nosso percurso demográfico

De acordo com um exercício de projeções demográficas que apresen-támos na conferência «Presente no futuro», organizada pela FundaçãoFrancisco Manuel dos Santos em 2012, e cujos resultados resumimos noquadro 5.2, mantendo constante a fecundidade e a mortalidade obser-vadas em 2011 (cenário 1), passaríamos, num intervalo de vinte anos, deum efetivo populacional de 10,6 milhões de habitantes para somente 9,6 milhões, ou seja, iríamos perder cerca de 1 milhão de residentes em Por-tugal.

Este será o resultado esperado se nada se alterar em termos demográ-ficos (contudo, deve ter-se em atenção que, à data, o valor do índice sin-tético de fecundidade em Portugal era superior ao atualmente registado,era de 1,37 filhos por mulher, sendo presentemente de 1,23 e no anopassado foi de apenas 1,21, valor que, a manter-se, poderá ainda vir aagravar aquela estimativa).

Porém, se a fecundidade aumentasse, de modo que se atingisse umvalor médio de 2,1 filhos por mulher (nível de fecundidade semelhanteao registado pelas mulheres francesas nos dias de hoje), iríamos continuara perder população – não tanta, na verdade –, mas, mesmo assim, baixa-ríamos para 10,2 milhões de habitantes em 2031 (cenário 2).

O valor de 2,1 constitui o limite de fecundidade abaixo do qual nãodevemos descer de modo a assegurar que a população se mantenha cons-tante, sendo o valor mínimo que garante a substituição das gerações paraque uma dada geração substitua a seguinte. Porém, constatamos quemesmo nestas condições de fecundidade (com um extraordinário au-mento face à nossa situação atual) continuaríamos a perder populaçãono futuro.

Considerando um outro cenário (cenário 3) que prevê um valor doíndice sintético de fecundidade igual a 1,6 filhos por mulher (valor in-termédio entre 1,37 e 2,1), a população também diminuirá, registandoum valor sempre inferior a 10 milhões de habitantes.

Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

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Em conclusão, inevitavelmente, qualquer que seja o cenário de fecun-didade – e salientamos que qualquer um destes cenários contempla umafecundidade mais elevada do que a atual –, vamos assistir a um declíniodemográfico, o país vai perder população e vamos ter sempre de enfrentarum envelhecimento mais acentuado, mesmo que a fecundidade venhaa aumentar nas próximas décadas.

Obviamente, este agravamento do envelhecimento poderá ser menorse a fecundidade em 2030 for igual a 2,1, um pouco mais acentuado nocaso de o número de filhos por mulher se fixar na mesma data em 1,6,ambos valores que estamos muito longe de atingir neste momento.

Logo, este é o nosso panorama futuro; independentemente da evolu-ção da natalidade, iremos ter uma população em declínio demográficoe envelhecida. E já não é possível reverter este quadro demográfico. Naverdade, demorámos demasiado tempo a perceber que a natalidade emPortugal não podia continuar sucessivamente a diminuir. O que aconte-ceu, no entretanto, foi que, ano após ano, foram nascendo sucessivas ge-rações com uma dimensão menor do que a anterior.

A figura 5.1, foi construída com base nos resultados das projeções de-mográficas em função de diferentes cenários alternativos. Reparem naevolução das estruturas populacionais e nas suas implicações em termosda «forma» que vão adquirindo as correspondentes pirâmides de idades(com idades entre os 0 e os 100 e mais anos de idade).

O primeiro cenário considera que até 2030 tudo se manteria cons-tante desde 2010, sem alterações em termos de fecundidade e de mor-

Envelhecimento e fecundidade: uma antevisão do nosso futuro demográfico

119

Quadro 5.2 – Evolução prevista para a população portuguesa até ao ano 2031, em função da adoção de diferentes cenários, sem influência das migrações

Movimento natural 2010 Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3

População total 10 572 157 9 586 832 10 171 541 9 961 314Jovens 1 575 900 1 144 671 1 458 468 1 261 238% 14,9 11,9 14,3 12,7Activos 6 981 395 5 068 394 5 099 528 5 099 528% 66 62,6 59,6 60,7Idosos 2 014 862 2 438 016 2 655 743 2 655 743% 19,1 25,4 26,1 26,7Índice de envelhecimento

(idosos/jovens)*100 127,9 213 182,1 210,6Índice de sustentabilidade

(ativos/idosos) 3,5 2,5 2,3 2,3

Fonte: M. J. Valente Rosa e M. F. Mendes, 2012, «Cenários Portugal 2030», conferência «Presenteno futuro», FFMS, Lisboa.

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Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

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Figura 5.1 – Evolução projetada para a população portuguesa dos 0 aos 100 e mais anos, idade a idade, em função dos cenários 1 e 2, de 2009 a 2050

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talidade, ou seja, o número médio de filhos por mulher permaneceriaano após ano igual a 1,37 e a esperança de vida à nascença igual a 76,4anos (no caso dos homens) e a 82,3 anos (para as mulheres). O segundocenário aumenta os níveis de fecundidade, atingindo 2,0 filhos, emmédia, por mulher em 2030 e 2,1 filhos (limiar da substituição de gera-ções) em 2050, ao mesmo tempo que prevê um aumento da esperançade vida para ambos os sexos: a esperança de vida à nascença dos homenspassaria para 80 anos em 2030 e 2050 e a esperança de vida à nascençadas mulheres passaria para 86 anos nos mesmos períodos. Finalmente,considerámos ainda um terceiro cenário (não representado nos gráficos),que prevê um aumento mais moderado da fecundidade, atingindo os

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Fonte: Elaboração do Laboratório de Demografia, CIDEHUS, com a coautoria de Filipe Ribeiro eLídia Tomé.

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1,6 filhos em 2030, com um aumento da esperança de vida igual ao docenário anterior.

Em 2021 a proporção de idosos aumenta, inclusivamente, no cenário2, aquele em que tínhamos uma fecundidade mais elevada, 2,1 filhospor mulher, o mesmo acontecendo em 2031, 2041 e 2050.

Analisando a evolução da população no seu conjunto, mesmo consi-derando o cenário 2, em 2021 o número de habitantes previsto será de10,4 milhões, em 2031 estima-se que a população se reduza a 9,9 mi-lhões, a 9,4 milhões em 2041 e, finalmente, em 2050 preveem-se 8,9 mi-lhões de habitantes.

Tomando apenas os resultados do cenário mais favorável, aquele emque a fecundidade é a mais elevada, podemos concluir que o envelheci-mento demográfico é inevitável, independentemente de ser importanteo país vir a ter mais crianças, de se pretender dar condições às mães e aospais que querem ter filhos para conseguirem concretizar essa sua inten-ção, este é um cenário inevitável. E será a partir desta constatação queteremos de planear os nossos recursos e a nossa sociedade nos próximosanos. Porque se existe algo que a demografia vos pode garantir é que, in-dependentemente do cenário – mesmo que venhamos a assistir a umaalteração radical nos níveis de natalidade –, o envelhecimento será ine-ludível, uma realidade incontornável.

Evidentemente, as migrações podem modificar este quadro demográ-fico, fazer variar a população residente. Se no nosso país se fixarem imi-grantes jovens em idade de casar e ter filhos, a fecundidade aumentará,crescendo o número de nascimentos em que, pelo menos, um dos paisé estrangeiro. Mas, por oposição, a emigração envolve perder populaçãoporque, habitualmente, saem do país os mais jovens, em idade de cons-tituírem família, que irão ter os seus filhos no estrangeiro e não em Por-tugal. Portanto, este é, digamos assim, o nosso panorama de partida emtermos prospetivos.

A esperança de vida em Portugal, quer no caso dos homens, quer no dasmulheres, levou oitenta anos a duplicar, de 1920 a 2014, enquanto a fecun-didade acelerou o seu declínio nas décadas mais recentes. A fecundidadeapenas precisou de quarenta anos para diminuir para metade, para se passarde uma média de 3,1 filhos por mulher para 1,5 (v. quadros 5.3 e 5.4).

A variável responsável pela aceleração do envelhecimento da popula-ção portuguesa foi, em nosso entender, a fecundidade.

Evidentemente, como referimos, as migrações podem influenciar numou noutro sentido, pelo aumento da imigração ou pela diminuição daemigração podem compor a situação mas não revertê-la.

Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

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Quando se fala em que é preciso aumentar a fecundidade, esse aumentonão se destina a impedir o envelhecimento. Pode servir para o atenuar, emtermos proporcionais, dado que a fração correspondente aos idosos diminui.

Presentemente, temos de aceitar que iremos ter uma população aindamais envelhecida e que o número de pessoas com idade igual ou superiora 65 anos está a crescer a um ritmo muito acelerado e que, além disso, aexpectativa de vida dessas pessoas, quando chegam aos 65 anos, está aaumentar bastante. O aumento não se observa apenas na esperança devida à nascença, mas também na esperança de vida aos 65 anos. Se semantivesse um ritmo de evolução nos próximos cem anos idêntico aoobservado entre 1920 e 2014, então em 2111, em Portugal, morrer-se-ia,em média, aos 122 anos. Aí dir-me-ão mais uma vez: «Isso não é possí-vel!». Não sabemos, mas daqui a cem anos poder-se-á discutir este as-sunto com conhecimento de causa...

E quanto à fecundidade? Qual o seu contributo para o avanço do en-velhecimento na sociedade portuguesa?

A figura 5.2 mostra a evolução da fecundidade em Portugal de 1950até 2010. Em 1950, o número de filhos que cada mulher tinha, emmédia, era igual a 3,1 e em 2010 era 1,3; com algumas oscilações, porexemplo, em 1975 e 1976, ou no ano 2000, a tendência foi sempre demanifesto declínio. A par deste declínio assistimos primeiro a uma di-minuição seguida por um aumento na idade em que, em média, as mu-lheres têm os seus filhos: aquela idade que se centrava à volta dos 30anos em 1950 em 1980 decrescia para 27,1 anos. Atualmente, segundoos dados do INE divulgados na semana passada, ronda os 31,5 anos.

Mas, se por um lado, em 1950, as mulheres tinham os filhos, emmédia, por volta dos 30 anos, por outro lado, começavam a ter filhos

Envelhecimento e fecundidade: uma antevisão do nosso futuro demográfico

123

Quadro 5. 3 – Esperança de vida à nascença (em anos) em Portugal de 1920 a 2014, sexos separados

1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991 2001 2011 2014 Homens 36 45 49 54 61 64 69 70 71 75 77Mulheres 40 49 53 60 67 70 76 78 81 82 83

Fonte: Dados do INE; elaboração da autora.

Quadro 5.4 – Evolução do índice sintético de fecundidade em Portugal de 1960 a 2014

1960 1970 1981 1991 2001 2011 2014 ISF 3,1 2,8 2,1 1,6 1,5 1,4 1,2

Fonte: Dados do INE; elaboração da autora.

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muito novas e tinham muitos filhos (em média, 3) antes e depois dos30. Pelo contrário, nos dias de hoje temos uma fecundidade concentradaà volta de uma determinada idade e num único filho. Esta conjugaçãode um número reduzido de filhos tidos em idades mais tardias, sobretudoconsiderando a idade em que as portuguesas têm o primeiro filho, elaprópria sui generis no quadro europeu, agrava ainda mais a nossa situaçãodemográfica. A idade em que, em média, as mulheres têm o primeirofilho tem estado a elevar-se continuamente e está a aproximar-se da idadeem que, em média, se têm todos os filhos.

A aproximação entre ambas as idades significa que as mulheres portu-guesas estarão a permanecer apenas com um único filho. Neste mo-mento, conforme os dados divulgados pelo INE para 2014, se a idadeem que, em média, as mulheres têm todos os filhos é de 31,5 anos, aidade em que têm o primeiro é aos 30 anos. Ter o primeiro filho aos 30anos vai ter um impacto enorme na decisão de ter o segundo. Portanto,o adiamento não é só um adiamento do primeiro filho, mas é um duploadiamento9 – a fecundidade portuguesa é caracterizada por dois adia-mentos, o adiamento do nascimento do primeiro e, por consequência,

Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

124

Figura 5.2 – Evolução do índice sintético de fecundidade e da idade média da fecundidade, em Portugal, entre 1950 e 2010

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0

30,5

29,5

28,5

27,5

26,5

25,5

24,5

23,5

22,5

21,5

20,5

Índi

ce s

inté

tico

de fe

cund

idad

e

Índice sintético de fecundidade (ISF) Idade média de fecundidade

Idad

e m

édia

da

mãe

Idade média (primeiro filho)

1950

1952

1954

1956

1958

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

2010

9 Aliás, tal como ficou demonstrado no projeto «O duplo adiamento: as intenções re-produtivas de homens e mulheres depois dos 35 anos», do qual a Prof. Vanessa Cunhafoi a investigadora responsável (https://duploadiamento.wordpress.com).

Fonte: Mendes, M. F., 2012, «Declínio da fecundidade, adiamento e número ideal de filhos em Por-tugal: o papel das medidas de política», conferência «Nascer em Portugal, roteiros do futuro», Pre-sidência da República, Lisboa.

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um segundo adiamento do nascimento do segundo filho. Mas qual é oproblema deste duplo adiamento? O problema, a existir, reside apenasem não recuperarmos esses nascimentos adiados. Porque, se todos fossemrecuperados, mais cedo ou mais tarde, o resultado final, em termos defecundidade realizada, no final da vida reprodutiva das portuguesas seriaidêntico. Só que, até à data, perdemos estes nascimentos, os nascimentosadiados irão ser, em grande parte, nascimentos renunciados.

A figura 5.2 mostra também como há muito a fecundidade em Portugalse situa abaixo do nível de substituição de gerações (2,1 filhos por mulher)e também por essa razão a população portuguesa tenderá a diminuir, emtermos de efetivos, nos próximos anos. Se não se substituem as gerações,em cada ano a geração que nasce tem uma dimensão inferior à geraçãoque a antecede. A manutenção de uma tão baixa fecundidade, continua-damente a declinar, década após década, origina que, mesmo que passás-semos a ter uma fecundidade de 2 filhos por mulher, uma vez que existemna população cada vez menos mulheres em idade fértil, o número de nas-cimentos nunca seria tão elevado como se poderia esperar numa popula-ção que não tivesse experimentado tão grave declínio da natalidade.

Existe um outro valor-limite que também merece referência: trata-sede um valor de fecundidade igual a 1,5, um limite crítico abaixo do qualuma população não deve manter-se durante muito tempo. Desde o ano2000 que o nosso país mantém uma fecundidade abaixo daquele limite.

Na verdade, em termos demográficos, somos muito penalizados porestas idades médias da fecundidade (do primeiro filho e de todos os filhos)tão elevadas e por este crescente adiamento da maternidade. Observa-seuma entrada na parentalidade e uma transição para o segundo filho de-masiado tardias. O adiamento transformou-se recentemente numa dasprincipais causas, se não a determinante, da baixa natalidade em Portugal.

Quando analisamos alguns indicadores de fecundidade ajustados peloefeito do tempo, isto é, eliminando o efeito do adiamento nos indicadoresde fecundidade tradicionais, podemos concluir que a situação não parecetão dramática em termos, não de declínio, mas dos níveis mínimos atingi-dos (v. figura 5.3). Aparentemente, sem a influência do adiamento a fe-cundidade não teria tocado um nível tão baixo e desde meados da primeiradécada do século XXI ter-se-ia situado acima de 1,5 filhos por mulher.

Reparem como, em 1975, o efeito do adiamento permitiu sobrevalo-rizar a nossa fecundidade, medida através do índice sintético de fecun-didade (ISF); parte da grandeza deste indicador é explicada pela anteci-pação da idade em que a generalidade das mulheres com idades maisjovens (até aos 25 anos) teve os seus filhos, porque, se não tivesse ante-

Envelhecimento e fecundidade: uma antevisão do nosso futuro demográfico

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cipado os nascimentos para idades muito jovens, teríamos tido um valorde fecundidade mais baixo. Todavia, a partir dessa data a situação inverte--se e, por exemplo, em 2005-2006, quando temos valores de fecundidadedos mais baixos até à data observados, se retirarmos o efeito do adia-

Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

126

Figura 5.3 – Indicadores de fecundidade ajustados para Portugal de 1959 a 2013

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0

TFR ajust. total B&F ajust. paridade Sobotka (2004)

1959

1961

1963

1965

1967

1969

1971

1973

1975

1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

2009

2011

2013

TFR ISF ajust. pela HFD –método B&F ajust. paridade

Figura 5.4 – Representação gráfica do efeito-tempo em Portugal nos anos de 2001 a 2012

2012

2011

2010

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

2001

–0,4 –0,05–0,1–0,15–0,2–0,25–0,3–0,35 0

Fonte: Elaboração da autora, com base nos dados da Human Fertility Database.

Fonte: Elaboração da autoria de Lídia Patrícia Tomé, com base nos dados da Human Fertility Da-tabase.

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mento, ou seja, se as mulheres não tivessem estado continuamente aadiar, o nível de fecundidade teria sido maior do que aquele que efetiva-mente foi mensurado pelo índice sintético de fecundidade. Notem aindaque em todos os anos os valores de fecundidade se situam sempre acimado limiar crítico de 1,5. Apenas uma exceção num único ano (2006).Contrariamente, o valor do índice ajustado, estimado para 2010, seriade 1,71 filhos por mulher.

O efeito do adiamento é claramente visível na figura 5.4. Entre 2008e 2011, o chamado efeito tempo, resultado do adiar do nascimento dosfilhos, torna evidente que a baixa no índice sintético de fecundidade éprovocada, não pela diminuição do número de filhos, mas pelo agrava-mento do adiamento.

Podemos perceber como, no caso particular do período pós-2008,sendo o seu efeito tão significativo (e principalmente nos anos em que acrise económica e financeira mais se fez sentir – sobretudo a partir de2010), o adiamento é o grande responsável pela quebra da natalidade emPortugal neste período.

As curvas de fecundidade correspondentes aos anos iniciais de cadadécada, em que simultaneamente foram sendo realizados os sucessivosrecenseamentos, de 1950, 1960, 1970, 1981, 1991, 2001 e 2011, permitemvisualizar a evolução da fecundidade em Portugal nos últimos sessentaanos (figura 5.5).

Envelhecimento e fecundidade: uma antevisão do nosso futuro demográfico

127

Figura 5.5 – Curvas de fecundidade em Portugal de 1950 a 20100,20

0,18

0,16

0,14

0,12

0,10

0,08

0,06

0,04

0,02

0,00

1950

15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49

201020011991198119701960

Fonte: Mendes, M. F., 2012, «Declínio da fecundidade, adiamento e número ideal de filhos em Por-tugal: o papel das medidas de política», conferência «Nascer em Portugal, roteiros do futuro», Pre-sidência da República, Lisboa.

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Em 1950 as mulheres tinham filhos ao longo de todo o período fértil,desde os 15 anos até aos 50; nos anos 80 – começaram a ter filhos maiscedo, a curva inicia-se muito mais cedo, mas simultaneamente revelauma diminuição dos nascimentos a partir de uma dada idade da mulher,evidenciando a utilização generalizada de contraceção, o que ocasiona adiminuição da variância das taxas de fecundidade e um consequente es-treitamento da curva que é ainda mais nítido na correspondente ao inícioda década seguinte. Portanto, as mulheres passaram a concentrar a suafecundidade em determinadas idades. Nos anos 90, o quadro muda aindamais, o adiamento instala-se e em simultâneo diminui o número de fi-lhos, situação que se mantém nas décadas seguintes.

Comparando a curva de fecundidade respeitante a 1981 (último anoem que a fecundidade portuguesa garantiu a substituição das gerações)com a de 2010, percebe-se nitidamente o efeito do adiamento e torna-seclaro que não estamos a recuperar os nascimentos adiados – o númerode nascimentos que perdemos nas idades jovens porque as mulheres adia-ram, face ao que recuperámos nas idades mais avançadas, e ainda o queperdemos nas idades a partir dos 40 anos (v. figura 5.6).

As mulheres portuguesas adiaram e não conseguiram recuperar, apesarde afirmarem que desejavam vir a ter um maior número de filhos. Nãoconseguem recuperar por não terem capacidade de concretizar a sua in-tenção de fecundidade inicial, daí que o número de filhos que tenciona-vam vir a ter não coincida com o número de filhos tidos.

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Figura 5.6 – Comparação entre as curvas de fecundidade de 1981 e 2010 em Portugal

0,20

0,18

0,16

0,14

0,12

0,10

0,08

0,06

0,04

0,02

0,00

1981

15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49

2010

Fonte: Elaboração da autora, com base nos dados do INE.

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Na verdade, quando questionadas relativamente a «quantos filhos gos-taria de ter no futuro?», normalmente a resposta dada aponta para umnúmero de filhos mais elevado do que aquele que efetivamente se tem.Portanto, observa-se um desfasamento entre o número de filhos tidos eo número de filhos que gostariam de ter. A que razões se deve a não con-cretização dessa fecundidade? A inúmeras razões. Mas a realidade é que,efetivamente, não realizam os seus desejos e intenções.

Mas este não é apenas um problema momentâneo e motivado pelarecente crise económica e financeira. A crise agudizou-o, mas o declínioda natalidade em Portugal não foi causado pela crise. A crise pode teragravado porque fez prolongar ainda mais o adiamento, ou seja, quemestava a pensar que iria ter filhos naqueles anos decidiu esperar maisalgum tempo e ter esses filhos mais tarde.

Mas, se em lugar das curvas representadas por período – anos de 1950,1960, 1970, 1981, 1991 e 2010 – analisarmos as curvas de fecundidade porgeração, verificamos que com as gerações acontece exatamente o mesmo.Ou seja, as sucessivas gerações também têm vindo a adiar. Observamos

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Figura 5.7 – Evolução das taxas de fecundidade das gerações de 1944 a 1999 em Portugal

Fonte: Elaboração da autoria de Lídia Patrícia Tomé, com base nos dados da Human Fertility Data-base; recentemente publicado em Tomé, L. P. (2015). «Why Portugal is not replacing generations? A period and cohort perspective, in a comparative analysis with selected European countries», tesede doutoramento, Universidade de Évora.

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uma evolução das taxas de fecundidade por geração em que, mais umavez, gerações anteriores têm uma fecundidade muito mais elevada e as ge-rações mais recentes têm uma fecundidade mais baixa nas diferentes idades.

Goldstein e Cassidy,10 numa publicação de outubro de 2014, afirma-vam que o adiamento se explica por dois tipos de fatores que podematuar em conjunto e, assim, reforçar o seu efeito. Por um lado, existe real-mente um comportamento de adiamento no período, como o que severificou quando, por exemplo, a crise provocou, nas mulheres e noshomens, uma (nova) decisão de adiamento. Por outro lado, comprova--se a existência de um comportamento prévio de adiamento já interiori-zado pela geração. As diferentes gerações têm comportamentos tambémeles diferentes ao longo do tempo e o que se passou foi que sucessiva-mente foram aceitando e acolhendo como favorável a decisão de adiaro nascimento dos filhos. E, subitamente, o comportamento de uma ge-ração que por si já promove o adiamento sofre, no período, um choquerepentino e imprevisto. Um choque (como a recente crise económica efinanceira) que exacerba ainda mais o comportamento de adiamento quea vinha caracterizando.

A redução da dimensão familiar ideal e os contextos da transição para o segundo filho

Efetivamente, existe em Portugal uma diferença entre aquela que é adimensão familiar real, a que se deseja e a que se espera vir a ter. E estesdesvios são muito curiosos porque normalmente as pessoas verbalizamuma fecundidade desejada superior à realizada, mas têm uma esperada,para o final da sua vida fértil, inferior à desejada. Como se explicam estasaparentes divergências? As pessoas pensam que ainda vão conseguir con-cretizar uma fecundidade mais elevada, isto é, vão conseguir ter mais fi-lhos do que aqueles que têm, mas menos do que os que desejavam àpartida. O número desejado de filhos é considerado (quase) como umideal, concretizável numa situação em que todas as circunstâncias seriamfavoráveis ao casal.

Mas, na realidade, o que acontece é que, à medida que vão tendo fi-lhos, vão também alterando as suas decisões, limitando a dimensão da

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10 J. R. Goldstein e T. Cassidy, 2014, «A cohort model of fertility postponement», De-mography, 51 (5): 1797-1819.

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sua família. Algumas teorias, como a teoria da aprendizagem social, de-fendem que, à medida que os casais se vão apercebendo das dificuldadese restrições que outros que os rodeiam e possuem uma família numerosa,seus familiares, amigos, colegas de trabalho, têm de enfrentar, vão tam-bém mudando as suas intenções. Também a própria experiência pessoal,a aprendizagem de já ter sido pai ou mãe, pode provocar um ajustamentona intenção, habitualmente no sentido da diminuição do número de fi-lhos. Quando se tem o primeiro filho, provavelmente para ter o segundo,reflete-se maduramente sobre as implicações dessa decisão e condicio-nam-se as decisões às circunstâncias. Obviamente, todos estes compor-tamentos acabam por ter sérias consequências na fecundidade do mo-mento de um país e, posteriormente, na sua trajetória demográfica aolongo dos anos.

Num estudo (ainda em progresso)11 que estamos a realizar sobre a fe-cundidade no contexto europeu, a partir dos dados do Eurobarómetro, re-colhidos em 2011, podemos desde já concluir que, comparativamente comos restantes países da Europa (28), Portugal, neste momento, é dos paísesque apresentam uma das mais baixas percentagens de pessoas sem filhos,em termos de fecundidade realizada, isto é, do número de filhos tidos, re-gistando o valor de 32,7% (apenas a Hungria, 30,5%, a Bulgária, 30,7%, ea Letónia, 31%, apresentam valores inferiores). A proporção de pessoascom apenas um filho representa 28,4%, com dois filhos 27,3% e, final-mente, com três ou mais filhos 11,7% da população total. Embora as pes-soas digam quase sempre que o seu número ideal de filhos é dois e muitasafirmem que o seu desejo é ter três ou mais filhos, o que é um facto é que,à data, muitas não têm filhos e muitas outras têm somente um.

Mas, quando analisamos a intenção de vir a ter filhos e qual o númerode filhos que as pessoas esperam vir a ter no final da sua vida reprodutiva,as proporções alteram-se significativamente. Aparentemente, os portu-gueses pensam que, apesar de ainda não terem filhos (ou terem apenasum), virão a ter (mais) filhos.

Podemos percecionar, portanto, uma recusa evidente: envelhecer semter tido filhos. Na verdade, entre os 32,7% que não têm filhos, somente7% admitem que, definitivamente, não irão ter filhos. O país onde severifica a maior proporção de residentes que referem não tencionar terfilhos é a Holanda, que apresenta um valor de 18,4%; pelo contrário, os

11 Estudo elaborado por Rita Freitas, Maria Filomena Mendes, Andreia Maciel e PauloInfante, 2014, «Determinantes da fecundidade e infecundidade tardia em Portugal e nospaíses do Sul da Europa».

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valores mais baixos pertencem a países da Europa do Leste, registando aBulgária somente 1,2%.

Porém, a percentagem de pessoas que afirmam esperar vir a ter no finalapenas um filho mantém-se em Portugal muito próxima da atual, 27%.Neste caso, da preferência pelo filho único, somos ultrapassados apenaspela Roménia (28,4%). Em todos os outros países da Europa se optamenos por ter um único filho, seja por ser mais elevada a proporção depessoas que tencionam vir a ter pelo menos dois, seja pelo aumento daproporção daqueles que não pretendem ter filhos. Na verdade, 48,7%dos portugueses tencionam vir a ter dois filhos e 17,3% esperam vir a tertrês ou mais no término da sua vida reprodutiva.

Explorando os dados do Euróbarometro de 2011, dados recolhidos emplena crise económica e financeira, centrámo-nos na análise das sucessi-vas transições: estudámos as características de quem não quer ter filhose porquê; quem transita para o primeiro filho, logo transita para a pa-rentalidade; finalmente, quem decide passar do primeiro para o segundofilho. O nosso objetivo foi identificar quais as variáveis que podem po-tenciar estas passagens, entre não ter e ter o primeiro, não ter mais ne-nhum ou ter o segundo filho.

Com particular enfoque nos países da Europa do Sul, orientámos anossa análise no sentido da confirmação da existência de um contínuoadiamento na entrada na parentalidade, do aumento da prevalência daspessoas que optam por permanecer sem filhos, de esta ser uma opçãosocialmente (cada vez mais) aceite e que parece constituir-se como ummarcador que tem acompanhado a diminuição da fecundidade, a par dofacto de aceitarmos que uma pessoa não pretenda ter filhos, o facto dequem quer ter filhos se conformar em ter apenas um. Se em todos estespaíses se está a adiar a fecundidade e se a idade média da fecundidade épróxima de 30 anos, interessa-nos saber como se comportam as pessoascom idades superiores a 30. Daí que tenhamos caracterizado as pessoascom mais de 30 anos residentes em Portugal, Espanha, Itália e Grécia doponto de vista da fecundidade.

Estudámos especialmente Portugal no contexto da Europa do Sul eaplicámos modelos de regressão logística aos dados do Eurobarómetro.Para a decisão de ter ou não ter filhos, ter apenas um filho, ter dois...quais as variáveis que podem influenciar? A teoria da individualizaçãoajuda-nos a contextualizar alguns possíveis determinantes. Procurámosperceber se serão as características adquiridas aquelas que ganham maiorimportância em termos explicativos: variáveis como o nível de instruçãoou a condição perante o trabalho. Ou se, pelo contrário, os determinan-

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tes serão ainda as características inatas, tais como ser homem ou mulher,ter uma determinada idade, ou ainda ter nascido numa dada localidade,ter tido pais com um maior ou menor grau de instrução, ter tido umgrande ou um reduzido número de irmãos. Tentámos igualmente com-preender qual o papel da conjugalidade, porque percebemos que em Por-tugal ainda é muito importante para decidir ter um filho ter cônjuge ouum(a) companheiro (a).

Questionámo-nos ainda se a perceção e as expectativas das pessoas querem relação ao seu futuro, quer ao do país, poderiam ser relevantes para aintenção de ter ou não filhos, de ter um único filho ou de vir a ter dois.

Embora se trate ainda de uma investigação em desenvolvimento, po-demos desde já apontar algumas conclusões que nos parecem muito in-teressantes.

Esperávamos que se mostrassem significativas questões como a perce-ção e as expectativas das pessoas face ao futuro, à sua vida em geral, aocusto de vida ou à situação económica do país, ao facto de o subsídio dedesemprego ser mais elevado ou mais baixo, à sua situação individual deemprego ou mesmo à situação de emprego no país, ao sistema de saúdee de pensões, à área de residência, ao acesso à habitação. De acordo comos resultados obtidos, concluímos que nenhum destes fatores é signifi-cativo para a decisão de permanecer sem filhos.

Mas como é que esta decisão de infecundidade permanente se alterae como se poderá intervir recorrendo à adoção de medidas de políticaeficazes? Em relação a que conjunto de pessoas se deve agir ou vale apena agir? Mesmo nos casos daqueles que afirmam «não tenciono ter fi-lhos porque não quero» e em que, aparentemente, nada os irá demover,será que não haverá ainda uma ténue possibilidade de decidirem (maistarde) vir a ter filhos se as circunstâncias se modificarem?

A análise dos dados feita até ao momento permite perceber muito cla-ramente que por cada ano a mais (a partir dos 30 anos de idade) as pos-sibilidades de as pessoas se manterem sem filhos, isto é, de quem nãotem filhos continuar sem ter, aumentam 24% (OR = 1,24).12 Um au-mento que se pode considerar muito significativo. Os portugueses, osespanhóis e os italianos têm o triplo das possibilidades (OR = 2,88) depermanecerem sem filhos depois dos 30 do que têm os gregos. E os que

12 OR significa odds ratio, a razão de chances ou razão de possibilidades, o quocienteentre a possibilidade de um evento ocorrer num grupo e a possibilidade de ocorrer noutrogrupo. A possibilidade, o quociente entre a probabilidade de ocorrência do evento e aprobabilidade da não ocorrência do mesmo evento.

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vivem em grandes cidades também têm mais possibilidades, quase 2,5vezes mais (OR = 2,48), do que os que vivem em áreas rurais ou em pe-quenas localidades, qualquer que seja o país da Europa do Sul onde re-sidam.

Quanto mais elevada for a idade, maiores são as possibilidades de per-manecer sem filhos. A figura 5.8 permite visualizar as possibilidades, oumelhor, o aumento das possibilidades de permanecer sem filhos à medidaque a idade da pessoa aumenta: por cada ano sem filhos aumentam 24%,como vimos anteriormente; com mais dois anos, 54%; mais três anos,91%; mais quatro anos, passam a ter quase duas vezes e meia mais pos-sibilidades de se manterem sem ter filhos. E com mais de cinco anosaquelas possibilidades aumentam três vezes mais.

Podemos concluir que a explicação está mesmo na idade em que setem o primeiro filho. Se quisermos agir em termos de políticas públicas,temos de dar maior importância aos mais jovens. Uma primeira medidaque aparentemente poderá ser eficaz consistirá em criar incentivos paraque as pessoas não avancem muito na idade sem ter filhos. Caso contrá-rio, parece que corremos o risco de os perdemos para este objetivo.

Acresce também que a escolaridade parece ser, efetivamente, umaquestão-chave para o aumento da fecundidade no futuro próximo.

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Figura 5.8 – Efeito da idade em termos das possibilidades de permanecer sem filhos

10

8

6

4

2

2 4 6 8

Aumentos da idade

OR

Fonte: Estudo elaborado por Rita Freitas, Maria Filomena Mendes, Andreia Maciel e Paulo Infante,2014, «Determinantes da fecundidade e infecundidade tardia em Portugal e nos países do Sul daEuropa»; dados do Eurobarómetro 2011.

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Esta nossa afirmação tem a ver também com o facto de todos aquelesque possuem uma escolaridade até ao ensino secundário apresentaremmais possibilidades de permanecerem sem filhos do que aqueles que têmo ensino superior. Portanto, mesmo aqueles que são mais velhos, de ummodo geral, mantendo tudo o resto constante, têm mais possibilidades,duas vezes e meia mais possibilidades. O que marca a diferença aindahoje em Portugal para decidir permanecer sem filhos ou ter o primeirofilho é o facto de possuir o ensino superior.

Os solteiros que não vivem com companheiro(a) têm mais possibilida-des de permanecer infecundos do que aqueles que são casados, do que osque são separados ou divorciados ou mesmo do que os que são viúvos etambém do que os que, sendo solteiros, vivem com um(a) companheiro(a).

Debruçámo-nos ainda sobre a importância dos valores, dos ideais, en-quanto fatores explicativos para a tomada de decisão. Percebemos que,efetivamente, os valores ainda têm muita relevância na nossa sociedadee relevância na decisão. Os contextos, familiares e sociais, onde a pessoafoi criada e educada, o entendimento da maior ou menor importânciada família, o ter sido socializado numa família com mais ou menos ir-mãos, manifestam ainda grande significado.

Na verdade, quem revela baixos ideais – e quando estamos a falar embaixos ideais consideramos ideal menos de dois filhos – tem muito maispossibilidades de se manter sem ter filhos e de assim permanecer até aofim da sua vida, comparativamente com os que consideram que, pelocontrário, o seu ideal são dois ou mais.

Resumindo, quais são as características potenciadoras deste childlessnesspermanente – infecundidade permanente – após os 30 anos? A pessoaser mais velha, possuir níveis de escolaridade mais baixos, não ter cônjugeou companheiro(a), ter um número ideal de filhos reduzido (filho único).No Sul da Europa, ser português, espanhol ou italiano face aos gregos eresidir em cidades de maior dimensão.

Para a decisão de transitar para a parentalidade, isto é, para se ter o pri-meiro filho, não se revela significativo o facto de ser homem ou ser mu-lher; o país de residência não explica; a dimensão da área de residênciadeixou de explicar; tal como a situação conjugal, o nível de escolaridadedo pai ou da mãe, as expectativas futuras relativamente ao custo de vida,à situação económica, aos subsídios e à área de residência, não se revela-ram decisivos.

O fator que se mostrou significativo para a decisão foi, novamente, aidade. Por cada ano a mais, as possibilidades de ficar apenas com umúnico filho aumentam cerca de 33% (OR = 1,33). Também o grau de

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instrução se mostrou significativo, revelando que os que têm o ensinobásico têm mais possibilidades de não transitarem para um segundo filho(OR = 2,09); os que não têm emprego têm também mais possibilidadesde não transitarem (OR = 2,41). Finalmente, a política de emprego, assimcomo, eventualmente, a perceção da precariedade do próprio emprego,poderão ser decisivas para passar do primeiro para o segundo filho.

Normalmente, as pessoas, quando questionadas referem as condiçõeseconómicas como um fator agregador, com capacidade explicativa totalpara a decisão, quer de não ter tido ainda filhos, quer de permanecer ape-nas com um único filho.

Condições económicas, aumento dos rendimentos das famílias, pareceser o argumento mais adequado e seguramente mais comummente aceitee menos contestado. Mas, de tão vago, não nos ajuda a identificar as ver-dadeiras variáveis explicativas, as verdadeiras razões que motivam a de-cisão. Em termos gerais, trata-se de melhorar as condições de vida dasfamílias, o que deve ser feito indistintamente para quem quer ter filhose para quem não quer ter filhos. Na verdade, nenhum governo deve ten-tar promover a qualidade de vida das famílias – nomeadamente atravésdo aumento do rendimento das famílias – com o objetivo de que estasvenham a ter (mais) filhos, seguindo uma política exclusivamente pró--natalista.

Portanto, devemos perceber que o facto de a pessoa ter um emprego,de não se sentir tão insegura, de não experimentar tanta incerteza faceao futuro, é fundamental para a decisão de não ficar apenas com umúnico filho.

Aqueles que apresentam um reduzido número de filhos como idealpara a sua família, mais uma vez, têm mais possibilidades de não transi-tarem para o segundo filho, evidenciando quase três vezes e meia maischances de não o fazerem (OR=3,59). Muitas pessoas referem: «Já temoso número de filhos que queremos, não queremos ter mais.»

Aqueles que fazem uma má avaliação do sistema de saúde, tal comoos que fazem uma má avaliação do acesso à habitação no seu país, têmmais possibilidades de não transitarem para o segundo filho, respetiva-mente duas vezes mais e quatro vezes mais (OR = 2,13 e OR = 4,37).

Em Portugal assistimos a um crescendo de importância na compen-sação entre um menor número de filhos com mais oportunidades face amais filhos sujeitos a mais restrições, logo com menos oportunidades,por exemplo, de ascensão social. As pessoas preferem ter um único filhocom mais oportunidades do que ter dois ou três filhos com mais restri-ções (económicas, de saúde, de educação, de tempo dos pais, entre ou-

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tras) e referiram isso mesmo no Inquérito Português à Fecundidade realizadoem 2013. Sabemos também, através dos resultados do mesmo inquérito,que a maioria das pessoas residentes em Portugal têm como ideal umafamília com pelo menos dois filhos.

Assim, podemos conjeturar que, se se dispuser de um sistema de saúdeque assegure o acesso à saúde de pais e filhos (em qualquer idade), pro-mover o acesso à habitação, adquirir a garantia ou, pelo menos, a perce-ção – porque se trata de uma avaliação subjetiva – de que se pode teressas condições, esse apoio, então as pessoas poderão vir a concretizar asua intenção de fecundidade, não ficar só com um filho, e avançar paraum segundo.

Mas, se, pelo contrário, existir uma má avaliação do sistema de saúdee o mesmo se verificar em termos do acesso à habitação, então essas per-ceções farão aumentar em cerca de duas vezes e de quatro vezes, respe-tivamente, as chances de permanecer com um único filho.

Por último, aqueles que fazem uma má avaliação da situação econó-mica do país têm mais possibilidades de não terem o segundo filho, cercade quatro vezes e meia mais (OR = 4,54). Este fator é talvez aquele queem toda a análise realizada apresenta um odds ratio mais elevado. Deacordo com este resultado, podemos esperar que a partir do momentoem que as pessoas sintam que efetivamente se pode confiar na economia,que iremos ter, provavelmente, um outro cenário económico mais favo-rável, então talvez não seja preciso preocuparmo-nos tanto com medidasde política mais individualizadas e talvez consigamos garantir que quemquer ter filhos poderá vir a concretizar mais rapidamente a sua fecundi-dade.

Em síntese, consideramos duas questões fundamentais. Em primeirolugar, quem quer ter filhos – porque quem não quer, em princípio, nãoterá – deve poder tê-los mais cedo, ou seja, antecipar a sua fecundidade.Ao antecipar a fecundidade, estamos a ter a garantia de que estes não setransformarão mais tarde em nascimentos perdidos, porque já terão sidoganhos para as famílias que os desejam.

Em segundo lugar, para além de tentar evitar o protelamento dos nas-cimentos, sobretudo do primeiro filho, para idades mais avançadas, éfundamental aumentar o número de pessoas em idade fértil detentorasde um grau de instrução de nível superior, diminuir os níveis de desem-prego, principalmente de desemprego jovem, e, concomitantemente, aprecariedade laboral, que gera insegurança e incerteza quanto ao futuro.Estas medidas poderão vir a constituir-se como fortes incentivos paraaqueles com um número ideal de filhos maior do que um... Esta é, sem

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dúvida, uma questão muito importante que merece a nossa reflexão con-junta.

Frequentemente, parece que bastará incentivar a natalidade para queos portugueses passem a ter 3, 4 ou 5 filhos. Todavia, o ideal já não é,para a maioria das pessoas, uma família dessa dimensão, o ideal passoua ser uma família mais pequena. Provavelmente, não tão reduzida quantoo são as famílias de filho único, mas, possivelmente, não muito maiordo que as que têm dois filhos. Haverá algumas pessoas cujo ideal seráter, pelo menos, três filhos, mas não constituem a maioria. De acordocom os dados mais recentes do INE, verificamos que, efetivamente, anatalidade aumentou no último semestre de 2014 e que no primeiro tri-mestre de 2015 já ocorreram mais 500 nascimentos do que no trimestrehomólogo de 2014. O que significa que podemos estar a iniciar uma in-versão no declínio acentuado que recentemente nos caracteriza ou, pelomenos, a atenuar aquela que tem sido uma tendência de queda vertigi-nosa da natalidade.

Todavia, essa recuperação não é originada por um acréscimo dos nas-cimentos dentro do casamento, que cada vez estão a ser mais tardios eem menor número, concentrando-se à volta dos 30 anos, como se asmulheres casadas desperdiçassem completamente a grande maioria doseu período fértil e o concentrassem naquelas idades: quer tenham umfilho, dois ou mesmo, em alguns casos, três filhos, os nascimentosacontecem geralmente com pouco espaçamento, muito próximos unsdos outros. Por oposição, são as pessoas não casadas que estão a au-mentar a sua fecundidade. Atualmente, 49,3 % dos nascimentos ocor-rem fora do casamento, o que significa que o número de nascimentosdentro e fora do casamento é muito semelhante. O número de nados--vivos cujos pais coabitam tem vindo a aumentar ao longo do tempo,em contraciclo com os nascidos dentro do casamento. Todavia, recen-temente, os nados-vivos de pais que não são casados nem coabitamestão a aumentar (representando já 15,8 % do total de nascimentos em2014), proporcionalmente, muito mais do que os nados-vivos fora docasamento mas com coabitação dos pais. O que, por sua vez, constituiigualmente um cenário diferente do que conhecíamos até há algumtempo.

Em suma, olhando para esta nossa realidade, para a realidade portu-guesa, podemos concluir que não é uma inversão na natalidade que vaiinverter o processo de envelhecimento e que temos de enfrentar o enve-lhecimento demográfico do país e perceber quem são os idosos quevamos ter mais tarde, num futuro nada longínquo.

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Sabemos, tendo em conta as projeções dos agregados familiares,13 queos idosos do futuro irão viver mais em família, que irão ter mais saúde,que irão viver durante mais tempo casados, que, presumivelmente, po-deremos ter, em 2061, 40% de pessoas reformadas e, ainda, iremos terum suave aumento do número de pessoas idosas institucionalizadas (apa-rentemente, este aumento não será comparável ao do número de idosos).Apesar de existirem cada vez mais pessoas nas faixas etárias mais avança-das que poderiam vir a necessitar de institucionalização, parece haveruma rejeição dessa mesma institucionalização e as pessoas poderão vir amanter-se na sua própria casa também porque têm mais saúde, têm me-lhores condições económicas, uma vez que também possuirão um graude instrução mais elevado e principalmente poderão fazê-lo enquantoviverem em casal.

Apesar de as mulheres terem sempre uma maior esperança de vida, oshomens desfrutam de uma esperança de vida mais elevada quando vivemem casal do que quando vivem sem ser em casal. Os resultados das pro-jeções que realizámos evidenciam-no claramente. Embora se continue aprever ter mais mulheres que viverão durante mais tempo do que os ho-mens, eles acompanham-nas até mais tarde, porque a esperança de vidados homens está a aproximar-se cada vez mais da esperança de vida dasmulheres.

Conquanto as mulheres continuem a ter uma maior esperança de vida,corremos o risco de termos futuramente, tal como nos dias de hoje, casaismais idosos e mais sozinhos. Na verdade, estas descendências médiasque atualmente estamos a ter, descendências de filho único, na verdade,irão condicionar também o que poderão vir a ser os cuidados, a atençãoaos mais idosos, por parte dos próprios filhos. Sabemos a importânciade um filho ou de uma filha no cuidado e como companhia dos paisidosos. A solidão é muito mais avassaladora para esse idoso ou essaidosa – porque a probabilidade de ser a idosa que fica sozinha é natural-mente maior – quando não tem filhos.

Quando a proporção de quem tem zero ou um único filho atinge,como neste momento, valores tão elevados na população portuguesa, seassim permanecer, parece-nos que será importante avaliar em que medidaa definição de políticas públicas poderá influenciar positivamente a ca-pacidade de concretização da fecundidade, permitindo reduzir ou

Envelhecimento e fecundidade: uma antevisão do nosso futuro demográfico

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13 Projeções elaboradas no âmbito do projeto, «Dinâmicas demográficas e envelheci-mento da população portuguesa, 1950-2011 – evolução e perspectivas» (https://www.ffms.pt/upload/docs/dinamicas-demograficas-e-envelhecimento-da-populac_efe8FbqdjUGZx3LduUIzgg.pdf).

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mesmo eliminar o diferencial atualmente existente entre o número defilhos que se tem e o que se desejaria ter, ou melhor, o que se tem inten-ção de (ainda) vir a ter.

Em minha opinião, as circunstâncias fizeram com que este desvio,entre o (número de) filho(s) que se tem e os filhos que se tencionam vira ter, se tenha estreitado perigosamente, de modo que se acaba por terapenas um e cada vez mais frequentemente, embora até se desejasse terdois e a intenção fosse ter pelo menos dois filhos, não se consegue iralém do primeiro e, em alguns casos, renuncia-se mesmo a ter filhos.

Este será, provavelmente, o desafio que teremos de enfrentar. Quandofalamos em aumento da natalidade e na necessidade de as famílias teremum maior número de filhos, devemos centrar-nos na perspetiva das pes-soas que estão muito afastadas do número de filhos que tencionam ter enão na perspetiva de que esse aumento de natalidade virá resolver os pro-blemas do envelhecimento demográfico. Até porque as pessoas que de-cidem não ter filhos devem igualmente ser respeitadas na sua decisão.

Não podemos adotar uma atitude conservadora achando que, even-tualmente, a situação vivida algumas décadas atrás, em que as pessoas ti-nham muitos filhos – quando, provavelmente, não desejariam ter tidotantos –, seria a ideal, na medida em que viveríamos numa sociedade de-mograficamente equilibrada. Mas tal não acontecia. Não era bom nempara as famílias, nem para as próprias crianças e, por isso mesmo, duvidoque o fosse para o país. Atualmente, os casais detêm a capacidade de po-derem controlar a sua fecundidade. Teremos de lhes assegurar também acapacidade de concretizarem a sua intenção de fecundidade, de teremmais ou menos filhos consoante os seus desejos e circunstâncias.

Muito obrigada pela vossa atenção.

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Joaquim Azevedo

Capítulo 6

Por um país amigo das crianças, das famílias e da natalidade*

Introdução

Constituída em abril de 2014, na sequência de uma decisão do pri-meiro-ministro e presidente do PSD, a Comissão para Uma Política daNatalidade em Portugal agrupou onze personalidades de várias áreas dis-ciplinares, que responderam ao desafio e que concluíram o seu trabalhonum prazo muito limitado, em julho de 2014 (Azevedo et al. 2014). Rea-lizaram-se vários seminários em diversas cidades do país, solicitaram-sepropostas aos partidos com assento parlamentar e às centrais sindicais erecolheram-se os contributos de quantos os quiseram dar.

O trabalho foi realizado com entusiasmo, a causa é nobre, a ação éurgente, pois o país desconhece tanto a realidade presente como o modocomo ela compromete muito seriamente o seu futuro, desde a organiza-ção social à economia até à (in)sustentabilidade do país.

Uma importante questão política e cultural

Tivemos consciência da complexidade da questão da natalidade e domodo como ela está inextricavelmente ligada com a situação social dopaís. A incerteza e a instabilidade que envolvem os nossos dias dificultama retoma demográfica. Os casais jovens, por seu lado, estão confrontadoscom a precariedade do emprego, com a emigração compulsiva e comgrandes mudanças nos modos de ser família e realizar uma adequadaeducação dos filhos.

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* Apresentação do trabalho produzido pela Comissão para Uma Política de Natalidadepara Portugal.

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Conscientes deste quadro geral pouco incentivador, os membros dacomissão procuraram propor uma reflexão aos seus contemporâneos queos informasse da situação e os pudesse levar a tomar uma consciênciamais fundamentada acerca das decisões a tomar. Além disso, estabelece-ram um vasto quadro de medidas de política que podem facilitar aospartidos políticos e aos vários atores sociais a tomada de decisões opor-tunas e pertinentes, uma vez que se aproxima um novo período eleitoral,um tempo adequado a escolhas políticas que se reflitam no modo comoqueremos ser e viver no presente e no futuro.

Por isso, propusemos uma política integrada, inscrita num modelo in-tegrado de governação, participada, coerente e abrangente, uma políticauniversal, atenta a todos e não meramente assistencialista ou a beneficiaros mais ricos, focada nas famílias, com recursos alocados com clareza,ainda que com gradualidade, dirigida a homens e a mulheres, avaliadasistemática e publicamente e comunicada com eficácia.

A situação que vivemos é comum à generalidade dos países europeus,embora haja um grupo de países que apresentam políticas de natalidadede longa duração, consistentes e bem divulgadas, inscritas em ambientessociais estimuladores da natalidade, que acolhem com muito carinho asgrávidas, os pais e as crianças.

Não podemos continuar, entre nós, a olhar uma mulher grávida comoum estorvo para as empresas e para a produtividade. O maior custo quePortugal enfrenta é o de não ter crianças, mas a falta do mais elementar hu-manismo de alguns de nós não nos deixa ver o óbvio. Não podemos con-tinuar a fazer de conta e a apregoar, de manhã, as graças do Estado social,de tarde, os custos elevados da gravidez e das crianças, ao fim da tarde, im-pedir os pais de tratarem dos filhos e, à noite, sofrer os pesadelos da derro-cada da segurança social e do Estado social por falta das mesmas crianças.

A questão é política, diz respeito à escolha de sociedade que queremospara nós e para os vindouros, é cultural, diz respeito às prioridades quequeremos estabelecer e à capacidade de nos entendermos no seio danossa tão salutar diferença.

Entendo, com D. Innerarity,1 que fazer política não é uma ação salví-fica, é antes uma humilde e persistente capacidade para canalizar os nos-sos conflitos e problemas sociais mais difíceis, de modo que se vão re-solvendo do melhor modo possível, com o envolvimento de todos, domodo mais humano e sensato possível; por isso se diz que a política é«uma atividade civilizadora», onde não é justo desqualificar moralmente

1 Citações do livro do autor O Futuro e os Seus Inimigos, Editorial Teorema, 2011.

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nenhuma parte, por mais discordante que ela nos surja. Podemos assim,com a problemática da natalidade, que engloba a «totalidade» social, re-fletir sobre nós mesmos como comunidade nacional e sobre o nosso tãoincerto futuro comum, diminuindo os riscos e aumentando a confiançanas nossas capacidades.

Esta proposta pretende que um conjunto articulado de medidas con-figure uma nova possibilidade (somos seres de possibilidades, não de ne-cessidades), seja uma brecha que se abre em nome da vida e do futuro.

De seguida descrevo um conjunto de elementos que enformaram aproposta apresentada pela comissão.

As bases da proposta da comissão

(i) O índice sintético de fecundidade (ISF) – que traduz o númeromédio de nados vivos/mulher durante o seu período de fertilidade -, emredução desde o início da década de 80 (cerca de 2,0), está, nos dias dehoje, numa situação de não retorno próximo de 1,21. Enquanto nasciamcerca de 100 000 crianças há quatro anos (2011), agora estamos já abaixodas 80 000/ano. Esta situação impede a renovação das gerações e conduza perdas drásticas de população num horizonte de poucas décadas. Por-tugal apresenta um dos ISF mais baixos de todo o mundo.

(ii) O INE (2014) adverte-nos com toda a clareza: as projeções para2060 apontam para valores mínimos de 6,3 milhões de habitantes numcenário «baixo» de migrações e fecundidade, valor que pode ascender a8,5 milhões de habitantes, ou a 9,2 milhões, no cenário oposto, em quese conjugam um maior volume de migrações e um aumento da fecundi-dade. O cenário «sem migrações» aponta para valores da ordem dos 7,8milhões de habitantes. Estes cenários são alarmantes, mas as previsõesdo INE, até agora, têm sido bastante realistas.

(iii) Sobre a sustentabilidade social do país, o prognóstico é claro: deuma razão de 340 portugueses em idade ativa para cada 100 idosos, po-demos passar para cerca de 110 ativos para cada 100 idosos. A comissãoentendeu que é seu dever chamar a atenção para esta realidade que tornainsustentável o modelo de segurança social e de Estado social seguidoaté hoje.

(iv) Os recentes resultados do inquério à fecundidade de 2013 (IFEC2014), num trabalho cooperativo entre o Instituto Nacional de Estatísticae a Fundação Francisco Manuel dos Santos, realçam diferentes tipos defecundidade entre a população inquirida (mulheres dos 18 aos 49 anose homens dos 18 aos 54 anos).

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Os níveis de fecundidade desejada, que remetem para o desejo íntimode cada pessoa, dissociados de quaisquer constrangimentos, correspon-dem a um número médio de filhos superior ao valor de referência paraa substituição de gerações: «as pessoas desejam 2,31 filhos, em média,sendo este valor de 2,29 filhos para as mulheres entre 18 e 49 anos e de2,32 para os homens com idades entre 18 e 54 anos». Este dado constituium bom elemento de sustentação.

(v) A sociedade portuguesa está a mudar profundamente atitudes ecomportamentos, os valores culturais tradicionais estão a ser substituídospor outros, sem que isso corresponda sempre à concretização dos desejosmais profundos dos jovens e dos casais. Fatores como a idade média docasamento e a idade da mãe aquando do nascimento do primeiro filho(25 anos de idade em 1960 e 29,7 anos de idade em 2013), a divorciali-dade e a conjugalidade, a educação das crianças, a igualdade homem-mulher, variando ao longo do tempo, revelam as alterações drásticas ope-radas ao nível da instituição familiar, da fecundidade da mulher e danupcialidade da nossa população. O trabalho e os horários dos empregosimpedem hoje, como nunca, a concretização do desejo de ter filhos (porexemplo, basta pensarmos nos muitos milhares de jovens adultos quetrabalham ao fim de semana em hipermercados e centros comerciais).Tais realidades novas têm de estar presentes na formulação das políticaspúblicas de promoção da natalidade.

(vi) Da parte do Estado e da administração pública tem havido atençãocontínua a esta situação e têm sido tomadas medidas de política. No en-tanto, é evidente para todos que elas não só têm sido insuficientes, dianteda gravidade da situação, como têm sido desconexas e, por vezes, dãoaos cidadãos sinais contraditórios, ora de valorização, ora de desvalori-zação da natalidade (exemplo flagrante é a política relativa ao abono defamília, ora sim, ora não, ora dá, ora retira...).

(vii) No referido inquérito (IFEC 2014), mais de 90% dos inquiridosconsidera que devem existir incentivos à natalidade, referindo como me-didas de incentivo, por ordem de prioridade:

1. «Aumentar os rendimentos das famílias com filhos» (que incluía,por exemplo, «reduzindo impostos sobre famílias com filhos», «au-mentando as deduções fiscais para quem tem filhos», «aumentandosubsídios relacionados com educação, saúde, habitação, alimenta-ção»);

2. «Facilitar as condições de trabalho para quem tem filhos, sem per-der regalias» (que incluía, por exemplo, «oportunidade de trabalho

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a tempo parcial», «períodos de licenças de maternidade e paterni-dade mais alargados», «flexibilidade de horários para quem temcrianças pequenas»);

3. «Alargar o acesso a serviços para ocupação dos filhos durante otempo de trabalho dos pais» (que incluía, por exemplo, «criar maiscentros de atividades de tempos livres (ATL) fora dos horários esco-lares e durante as férias», «alargar o acesso a creches e jardins-de-in-fância para quem tem filhos pequenos», «assegurar o transporte dascrianças para as creches, escolas e ATL»).

Aumentar rendimentos das famílias com filhos, hamonização respon-sável trabalho-família e acesso a serviços de educação e ocupação dascrianças. Estes resultados sugerem diversos tipos de medidas sociais quepodem ser introduzidas com o efeito de potenciarem o total de nasci-mentos e/ou atenuarem os obstáculos existentes à concretização da fe-cundidade desejada pela população, sendo a questão do emprego umelemento central destas políticas.

(viii) Os países do Conselho da Europa, em 2010, tomaram posiçãosobre «o inverno demográfico e o futuro da Europa», onde sugerem:

• O regresso a uma situação demográfica positiva, condição essencialpara a retoma do crescimento económico;

• O lançamento de uma política em prol da família «que respondapositivamente aos ensejos dos jovens europeus de terem filhos»;

• A aplicação e cumprimento do princípio de igualdade de oportuni-dades em matéria de políticas fiscais;

• A divulgação de boas práticas, nomeadamente as que incidem no de-senvolvimento de serviços sociais para as mulheres que trabalham,atribuição de abonos familiares para os pais e vantagens fiscais paraas famílias em função do número de filhos menores.

(ix) Esta evolução faz-se acompanhar da alteração da estrutura da po-pulação residente, acentuando os efeitos do duplo envelhecimento ge-racional decorrente do défice de nascimentos e do acréscimo de idosos.

Face à atual situação, as ações em termos de políticas públicas têm-seconcentrado nas questões do envelhecimento, com foco na populaçãocom mais de 65 anos. Muitas e variadas políticas e boas práticas têm sidoprosseguidas pelo poder central e pelo poder local, pelas empresas e ou-tras organizações da sociedade civil, com o foco na atenuação dos efeitosdo envelhecimento da nossa população.

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Importa, no entanto, que a natalidade seja igualmente inscrita naagenda das políticas públicas e passe a constituir o principal foco da açãodestas medidas.

Então que tipo de política propomos? A nossa opção é pela remoçãode obstáculos e pela promoção da natalidade. As políticas públicaspodem assumir três níveis distintos de intervenção quanto à natalidade:antinatalistas, que penalizam as famílias com filhos; natalistas, que criambenefícios para as famílias com filhos; neutras, que não penalizam as fa-mílias com filhos, distanciando-se de uma lógica de benefícios e colo-cando a tónica na justiça e na equidade.

Salvaguardando os princípios da liberdade de escolha dos cidadãos eda subsidiariedade, a comissão entendeu que as políticas públicas devemassim estar atentas aos sinais e necessidades das famílias, devendo serdadas condições que favoreçam o seu desenvolvimento, removendo obs-táculos e permitindo a fecundidade desejada e a existência de mais famí-lias estáveis, saudáveis e funcionais.

Como estabelecer esta política? Opções estratégicas

É preciso agir: a comissão entendeu que uma política de promoçãoda natalidade para Portugal deve ser guiada por algumas opções estraté-gicas:

(i) Apesar da crise e por causa dela, é preciso dar desde já sinais. Apesarda positiva inversão dos indicadores do desemprego e de termos ultra-passado um momento de enorme incerteza, a situação económica dopaís, particularmente o desemprego entre os mais jovens e o clima geralque se vive na Europa quanto ao futuro, apresenta ainda entraves à de-cisão dos casais de terem filhos e poderem vir a ter mais filhos. Parececlaro para todos que a lenta recuperação da economia e do empregopode vir a criar um quadro mais favorável à promoção da natalidade.Plenamente conscientes desta situação, estamos convictos de que é ur-gente colocar já de pé um conjunto articulado e coerente de medidas,suscetíveis de serem aplicadas gradualmente, mas permitindo desde jádar os sinais tidos como mais certos e transmitir a confiança necessária àrecuperação da natalidade. Tal recuperação não só é possível, como cons-titui uma condição sine qua non da sustentabilidade do próprio país: semcrianças não há sustentabilidade, nem futuro, por mais benéfica que sejaa retoma da economia.

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(ii) É muito difícil mas é necessário criar uma nova política públicapara a promoção da natalidade inspirada por nove critérios: uma políticaque seja (1) integrada, reunindo todos os segmentos da administraçãopública; (2) participada por toda a sociedade, Estado, autarquias, asso-ciações de cidadãos, empresas; (3) coerente e abrangente, constituindoprioridade em múltiplas políticas sectoriais; (4) universal, dirigida a todosos grupos sociais; (5) focada em torno da família, o berço da criação edesenvolvimento das crianças; (6) com uma clara alocação de recursos;(7) direcionada para homens e mulheres, pois é fundamental a participa-ção de ambos nos projetos familiares; (8) sistemática e publicamente ava-liada; (9) muito bem comunicada publicamente.

(iii) Cada filho conta. Não é justo penalizar as famílias que têm filhose as que têm mais filhos, pois a perda de rendimento per capita em queessa realidade se reflete não tem tido, até hoje, tradução concreta e rigo-rosa, seja na aplicação das taxas de IRS, seja no cálculo da conta da águaou no cálculo do IMI, para dar apenas alguns exemplos. Por isso, enten-demos que não é preciso criar benefícios para as famílias com filhos ecom mais filhos, é apenas preciso que a sociedade portuguesa seja justapara com essas famílias, não as penalizando. Faz pois todo o sentido pas-sarmos a falar de Portugal como um país amigo das crianças, das famílias eda natalidade.

(iv) Em vez de dar benefícios, remover os obstáculos à natalidade.Dado que a maioria dos casais jovens têm referido que querem ter filhose que querem ter mais filhos do que os que têm, em média 2,31 porcasal, contra os atuais 1,21 (ISF), duas perspetivas se tornam claras paraesta comissão: (1) o problema tem solução; (2) a solução mais adequada,em termos de políticas públicas, mais do que criar incentivos, é removeros atuais obstáculos à natalidade com que as famílias se deparam.

(v) Os maiores custos são os de um país sem crianças. Em vez de es-tarmos apenas focados nos custos de uma política de promoção da na-talidade, devemos estar hoje particularmente focados nos custos imensosdos não-nascimentos, da não renovação das gerações, da não sustentabi-lidade do país. É preciso que Portugal invista neste novo rumo da pro-moção da natalidade, em nome da sustentabilidade e da renovação davida. Sem crianças o país é insustentável, em termos de tipo de vida, decrescimento económico, segurança social e de Estado social. Um dadoé, entretanto, muito claro: os países com melhores taxas de natalidadesão os países que mais investem no apoio às famílias.

(vi) É preciso dar a máxima liberdade às opções dos casais. Esta co-missão sabe que o mais fácil, em termos de formulação de políticas, é

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tentar obter efeitos espetaculares e de curto prazo, como fazem as polí-ticas de tipo natalista que, por exemplo, incentivam e premeiam os nas-cimentos e facilitam apenas o aumento do número de filhos dos casais,mormente de famílias imigrantes. Perfilhamos um caminho que, nãosendo antinatalista, ou seja, que não penaliza as famílias que desejam terfilhos e ter ainda mais filhos, como hoje acontece, se distancie da lógicado benefício pontual que tende a ser dado às famílias que têm filhos, fo-cado sobretudo no momento em que estes nascem, colocando-se demodo mais neutral e dando a máxima liberdade às opções dos casais.Que quem quer ter filhos e ter ainda mais filhos encontre em Portugalum clima sociocultural favorável e não contrário e/ou penalizador.

Entendemos ainda que face à variedade dos estudos consultados pelacomissão, em Portugal e neste momento, se justifica uma política quenão apenas esteja focada no apoio ao nascimento do segundo e terceirofilhos, como ao primeiro filho, dados os elevados «custos de contexto»que dificultam a concretização da decisão de ter o primeiro filho.

(vii) A vida é a única dádiva que renova o mundo. Há valores quepouco têm que ver com os contextos; podemos conseguir concretizá-losmelhor ou menos bem, mas são princípios estruturantes da humanidadedo ser humano. Dar vida nova ao mundo, gerando seres únicos que en-grandecem a comunidade, é um ato sublime de realização humana e so-cial. Uma das melhores formas que temos de restituir a vida que nos foidada, o nosso maior bem, é termos filhos e retribuirmos assim aos nossospais, através dos netos, a vida que eles nos deram. A concretização destesvalores e princípios, perfilhados por uma grande maioria da população,não deve, pois, ser negada aos cidadãos que o desejam fazer responsa-velmente nem deixar de ser incentivada publicamente.

(viii) Finalmente, é preciso gerar um compromisso social e político es-tável em prol da natalidade. A concretização deste anseio dos portuguesesé suficiente para repormos o saldo demográfico em valores adequados àrenovação das gerações, pelo que o problema principal reside na capaci-dade de os dirigentes políticos, sociais e económicos serem capazes de searticularem e dialogarem para construírem um compromisso de longaduração (cinco legislaturas, 2015-2035), que viabilize a concretização desteanseio e que não o tolha, nem com penalizações sucessivas, na fiscalidade,nas empresas, na contratação, na penalização da mulher, em especial damulher grávida, nem com medidas de política instáveis e contraditórias.

O novo «acordo de parceria» com a União Europeia deve estar ao ser-viço também deste objetivo central do desenvolvimento estratégico dopaís.

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Que futuro queremos?

O Estado social, de que a Europa se orgulha e que significou um in-vestimento de muitas gerações na melhoria da qualidade de vida paratodos os cidadãos, em mais equidade e justiça, torna-se insustentável secontinuar a descer o número de nascimentos, ou seja, se tudo continuarcomo até aqui, se não mudarmos de rumo. Trata-se de uma inviabilidadeprática. Se os portugueses manifestam o desejo de terem o dobro dos fi-lhos que estão a ter, por que esperamos mais tempo por ter uma políticapública de promoção da natalidade, que se traduza sobretudo pela re-moção dos obstáculos à natalidade já identificados pelas famílias? Sesomos herdeiros desta sociedade e cultura, somos igualmente responsá-veis pela equidade e justiça das gerações futuras, incluindo as criançasque irão nascer. O que começa já por dar oportunidade a que elas nas-çam. Não podemos fazer do futuro a «lixeira do presente» (Innerarity2011), há um compromisso desta geração em relação com o futuro, quetem de ser exercido com responsabilidade.

Na sequência do estabelecimento destas opções estratégicas, a comis-são apresentou um conjunto ponderado de medidas tendentes a consti-tuir o lastro de uma política de promoção da natalidade.

Dada a complexidade do fenómeno social aqui em apreço, a estagna-ção e a inversão da tendência atual requerem a consideração de um con-junto articulado, transversal e coerente de medidas de política, para alémda necessidade de se refletir aprofundadamente sobre o problema que atodos diz respeito.

As medidas estão divididas por seis dimensões de atuação: a política,a da justiça fiscal, a da harmonização responsável trabalho-família, a daeducação e solidariedade social, a da saúde, a do compromisso social co-munitário. A questão a todos diz respeito e em qualquer local do país.Há muitas autarquias a tomarem medidas importantes de apoio às famí-lias e à natalidade. Há empresas a apoiar os seus funcionários e suas fa-mílias na proteção e apoio à natalidade. A recessão económica dificil-mente se supera sem recuperarmos o número de habitantes (que favoreçaa reposição das gerações) e as políticas sociais carecem de mais pessoasjovens a trabalhar para serem viáveis (a ideia da imigração como fontede resolução do problema é uma fantasia bem fácil de desmontar).

É preciso trilharmos, pois, esse caminho com coragem, persistência e es-perança. A vida só brota se dermos vida nova ao mundo em que vivemos.

Fazer política não é uma ação salvífica. É antes uma humilde e persis-tente capacidade para debater e orientar os nossos conflitos e problemas

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sociais mais difíceis, de modo que se vão resolvendo do melhor modopossível, com o envolvimento de todos, do modo mais humano e sen-sato possível; por isso se diz que a política é «uma atividade civilizadora».

Eixo político: um país amigo das crianças e das famílias• Colocar as crianças, as famílias e a natalidade como prioridade na

agenda política em Portugal e na Europa.• Construir um compromisso social e político para a natalidade.

Eixo mais justiça fiscal• Redução de 1,5% na taxa de IRS para o primeiro filho e 2% para o

segundo filho e seguintes, relativo a cada escalão.• Revisão da forma de apuramento das deduções à coleta de IRS e

respetivos limites – «cada filho conta».• Deduções à coleta de despesas de saúde e educação por avós.• Alterações do Imposto municipal sobre Imóveis (IMI), permitindo

aos municípios a opção pela redução da taxa a aplicar em cada ano,tendo em conta o número de membros do agregado familiar.

• Redução da taxa de imposto sobre veículos a agregados familiarescom três ou mais dependentes.

• Abatimento ao rendimento líquido global da segurança social su-portado pela entidade patronal de serviços de apoio doméstico.

Eixo mais harmonização responsável trabalho-família• Substituição da mãe durante um ano após o período de licença pa-

rental.• Part-time de um ano, posterior à licença parental, pago a 100% com

substituição do pai/mãe.• Apoio à contratação de mulher grávida, mães/pais com filhos até

aos 3 anos de idade, através da isenção da TSU.• Partilha flexível e em simultâneo da licença parental.• Alargamento do âmbito de aplicação/utilização dos vales sociais.

Eixo mais educação e solidariedade social• Flexibilização dos horários das creches.• Revisão dos custos com creches.• Prioridades nas escolas para irmãos.• Diminuição da despesa com manuais escolares.

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Eixo mais saúde• Cuidados de saúde na gravidez e nos primeiros seis anos de vida – atri-

buição obrigatória de médico de família a todas as mulheres grávidas.• Alargamento do apoio médico em situações de infertilidade.• Condição de recursos para taxas moderadoras.

Eixo mais compromisso social• Na minha terra, as crianças e as famílias primeiro: dinâmicas inte-

gradas locais de apoio às crianças e às famílias.• Apoio à melhoria de processos e certificação de «organizações ami-

gas da criança e da família».• Tarifários familiares da água, resíduos e saneamento.• Criação e desenvolvimento de «bancos de recursos» ao serviço das

crianças e das famílias.• Tempos de férias e pós-escolares. • Passe-estudante e passe-família para transportes públicos.• Apoio à contratação de técnicos para instituições sociais que acor-

rem a mães grávidas.

Facilitador• 1. Criação e desenvolvimento do portal família.• 2. Campanha de informação sobre as causas de infertilidade.

Nota final

Não podemos, pois, deixar a realidade da queda brutal da natalidadeabandonada à sua sorte. Não há fatalidades histórico-sociais, há apenasresponsabilidades histórico-sociais. Assumamos as nossas.

Não precisamos de milagres, precisamos, isso sim, de dar passos, pas-sos que sejam pequenos, poucos e possíveis (vivemos tempos pós-herói-cos!); a incerteza e a insustentabilidade do país, a breve prazo, constituemameaças que podem ser também transformadas em oportunidades.

Por um país amigo das crianças, das famílias e da natalidade

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Parte IIIEnvelhecimento

e política de cuidados – o dever de cuidar

entre o Estado e as famílias?

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Alexandra Lopes

Capítulo 7

Envelhecimento, dependências e fragilidades: tensões e desafios no Portugal contemporâneoIntrodução

O tema deste último colóquio é o envelhecimento e as políticas decuidados, propondo-se uma discussão sobre esse tema a partir de umuniverso de responsabilidades partilhadas, onde os diferentes agentes so-ciais se encontram: Estado, sociedade civil, famílias e, acrescentaríamos,o mercado.

Não vamos entrar em discussões sobre cenários prospetivos no campoda evolução do número de indivíduos com fragilidades e dependências,cenários que, de qualquer forma, não são consensuais. E não o vamosfazer por uma razão principal: é nossa convicção que a grande fonte depressão sobre o sistema de cuidados formais, em Portugal, não decorrede nenhuma evolução invulgar no sentido crescente do número de ido-sos dependentes; antes decorre da crescente falência das modalidades tra-dicionais de prestação de cuidados, assentes no papel central da famíliae das redes de solidariedade informal. É esse o lado da equação que temmudado mais e, como consequência, contribuído mais para o aumentoda pressão sobre o sistema formal de prestação de cuidados sociais oupessoais.

O que nos propomos fazer neste artigo é lançar um conjunto de in-terrogações sobre as modalidades de equílibrio dessa equação no Portugalcontemporâneo. Tomaremos como premissa para a discussão, porém, adefesa de um paradigma no domínio das políticas públicas que assentano binómio adequação/sustentabilidade fiscal, ou seja, as políticas pú-blicas têm de ser capazes de desenvolver respostas adequadas às necessi-dades sociais, mas têm de ser, em simultâneo, sustentáveis sob o pontode vista das finanças públicas; adequação de respostas e sustentabilidade

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são duas faces da mesma moeda. A procura desse equilíbrio implica criaras condições para que os recursos disponíveis, ao nível dos variados agen-tes sociais, sejam maximizados, garantindo o melhor retorno na sua mo-bilização. Esse retorno, porém, tem de ser extensível e beneficiar todosos agentes sociais.

Estruturaremos este texto em torno de dois pontos.Em primeiro lugar, procuraremos discutir as tensões e desafios que se

colocam a Portugal no campo dos cuidados sociais a idosos dependentes,focando a moldura institucional do Estado-providência português, «nestedomínio assente no papel da família», e propondo algumas estratégiasespecíficas de desenvolvimento e adaptação.

Em segundo lugar, porque acreditamos que as necessidades emergen-tes de uma condição de fragilidade e dependência não são absolutas esim relativas, proporemos uma discussão dos fatores de vulnerabilidadeda população idosa portuguesa enquanto fatores de contexto que defi-nem a extensão e a severidade das necessidades emergentes de condiçõesde dependência. Também aqui avançaremos com algumas propostasconcretas de desenvolvimento no campo das políticas públicas.

Desafios à moldura institucional do Estado-providência português: recolocando o cuidado na família no centro do sistema

A forma como cada país organiza a prestação de cuidados a idosos de-pendentes envolve um conjunto alargado de dimensões, entre as quaisse destacam normas sociais, morais e éticas, políticas governamentais eespecificidades nacionais.

Em Portugal, o modelo dominante de prestação de cuidados tem as-sentado, como sabemos, no papel preponderante das famílias enquantoprestadoras de cuidados. Ou seja, é através de transferências dentro dafamília que se assegura a provisão de bem-estar, algo que, de qualquerforma, não é, de todo, exclusivo do campo da prestação de cuidados aidosos, estendendo-se antes a vários outros domínios de organização daprovisão de bem-estar social. Sem entrarmos em análises comparativasde âmbito internacional, e apenas para clarificarmos empiricamente onosso argumento, vejam-se as distribuições de prestação de cuidados so-ciais no quadro 7.1 para o ano de 2013.

Este é, muito provavelmente, o elemento crítico para discutir o casoportuguês e sobre o qual gostaríamos de nos deter um pouco.

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Não há nada que sugira que Portugal vai ter de enfrentar um cenáriode evolução na incidência de dependências entre idosos diferente doresto da Europa, ou seja, não há nada que sugira que a incidência de ne-cessidades de cuidados seja maior em Portugal. O que é distintivo emPortugal, nos vários cenários prospetivos, é o peso da população idosana população total, ou seja, o equilíbrio na distribuição das diferentescoortes etárias. Por exemplo, enquanto na Suécia se estima, para 2060,que a população com 65 ou mais anos represente cerca de 24% da po-pulação total, em Portugal esse valor será de cerca de 10% mais, ou seja,34% (European Comission 2015).

O que isto significa, potencialmente, é um decréscimo nos contingen-tes de indivíduos, quer em número absoluto, quer em número relativo(ou seja, em relação ao número de indivíduos idosos dependentes), queestão nas coortes que tradicionalmente asseguram a prestação de cuida-dos, entre as quais destacaríamos a que se situa entre os 50 e os 64 anos.Embora não tenhamos dados concretos para Portugal sobre o cuidadoinformal, todos os estudos disponíveis têm sistematicamente apoiado atese de que é neste grupo etário que se concentra o maior contingentede cuidadores familiares (Lopes 2006). Aquilo a que assistiremos em Por-tugal é a um decréscimo no contingente de potenciais cuidadores, emnúmero absoluto, pura e simplesmente, por efeito da evolução demo-gráfica e, ao mesmo tempo, a uma diminuição desse contingente em re-lação ao peso do contingente onde se concentram os potenciais recetoresde cuidados. Dito de forma mais simples, temos um quadro demográficoque sugere que teremos menos cuidadores para mais consumidores decuidados.

Combinado com este efeito demográfico de decréscimo na disponi-bilidade de cuidadores familiares está o efeito de outras dinâmicas de re-configuração social, nomeadamente aquelas que decorrem da participa-ção da população no mercado de trabalho. Entre os vários indicadoresdisponíveis, destacaríamos o relativo à participação geral, e das mulheres

Envelhecimento, dependências e fragilidades: tensões e desafios no Portugal contemporâneo

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Quadro 7.1 – Proporção de dependentes por tipo de cuidados formais de que usufruem e por país, 2013

Tipo de cuidado recebido Proporção no total de dependentes no país (%)

Portugal Suécia Alemanha Reino Unido

Cuidados em contexto residencial 2,56 14,03 10,01 4,44Cuidados domiciliários 1,57 33,23 4,71 18,64Subsídios monetários de dependência 30,01 36,13 18,81 27,55

Fonte: «2015 ageing report» (cálculos da autora).

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em particular, no mercado de trabalho, precisamente na coorte de 55--64 anos.

O que os dados nos sugerem é que a participação no mercado de tra-balho crescerá, sobretudo nas próximas duas décadas, neste grupo etário,o que, combinado com o que vimos antes relativamente à evolução doseu peso na população, acentuará ainda mais o decréscimo no contin-gente de cuidadores familiares disponíveis. Isto é particularmente fácilde prever sobretudo porque, a manter-se constante o modelo de funcio-namento do mercado laboral português, a participação no mercado detrabalho tende a acontecer a tempo inteiro, ou seja, em modalidades quesão de dificil articulação com responsabilidades no campo da prestaçãode cuidados.

Ora, é sobretudo esta que antecipamos seja a grande fonte de pressãosobre os sistemas formais de prestação de cuidados a idosos dependentesem Portugal: o recuo das modalidades familiares de prestação, que têmsido estruturantes do modelo português de políticas públicas, recuo quecolocará uma pressão forte no lado da procura sobre o sistema formal.

O desafio passará, por isso, por encontrar modalidades de adaptaçãodo sistema a este novo cenário de (in)disponibilidade de cuidadores in-formais, aliás em observação daquilo que são algumas das orientaçõeseuropeias neste domínio.

E como se fará isto?

Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

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Figura 7.1 – Taxa de participação no mercado de trabalho da coorte de 55-64 anos em geral e das mulheres em Portugal – 2013 a 2060

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60

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10

0

Taxa de participação no mercado da coorte de 55-64 anos

Taxa de participação no mercado da coorte de 55-64 anos

% d

a co

orte

de

55-6

4 an

os

2013 2020 2025 2035 2040 2045 2050 2055 20602030

Fonte: «2015 ageing report» (cálculos da autora).

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Em primeiro lugar, far-se-á pela implementação de políticas de conci-liação da vida laboral com a vida familiar. Esta é uma dimensão estrutu-rante em alguns modelos de Estado em vários países europeus e, porven-tura, um dos grandes desafios institucionais que se colocam a países que,como Portugal, têm assentado o seu aparato institucional na proteçãoda família tradicional e na profunda diferenciação de género na organi-zação da provisão de bem-estar. Respondendo ao imperativo não só le-gítimo, como também economicamente e fiscalmente desejável, de au-mento da participação de todas as faixas etárias, e das mulheres emparticular, no mercado de trabalho, é fundamental criar as condiçõespara que isso não signifique o desaparecimento pura e simplesmente doenvolvimento da família no apoio a idosos dependentes. É desejável queesse envolvimento se mantenha:

• Alargando a cobertura dos serviços de apoio domiciliário comple-mentares aos cuidados informais;

• Adaptando a legislação laboral para acomodar, de forma mais clara,o reconhecimento do papel de cuidador, nomeadamente ao níveldos horários de trabalho, do teletrabalho, entre outros;

• Adaptando a legislação fiscal para acomodar, de forma mais clara ejusta, as transferências de cuidados dentro da família.

Em segundo lugar, far-se-á pelo reconhecimento de facto do papel decuidador informal familiar. O modelo português tem assentado numa ma-triz normativa que impele à naturalização da prestação de cuidados dentroda família, inscrevendo-a numa obrigação moral e ética que encontra eco,inclusive, no próprio ordenamento jurídico, onde se mantém expressa aobrigação mútua, de pais e filhos, de prestar assistência. A consequênciadisto tem sido o não reconhecimento formal do papel de cuidador familiare, por inerência, o não desenvolvimento de mecanismos de apoio e com-pensação centrados no cuidador (Lopes 2013a). Alguns exemplos de de-senvolvimentos possíveis no domínio das políticas públicas orientadas paraa valorização do papel social de cuidador familiar incluem:

• Compensações financeiras, com a instituição de subsídios de pres-tação de cuidados que compensem a perda de rendimento que, fre-quentemente, a prestação de cuidados implica se significar a saídado mercado de trabalho;

• Formação de cuidadores familiares, nomeadamente tendo em vistaa prevenção da deterioração do estado de saúde dos próprios indi-

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víduos cuidadores numa atividade que tende a ser intensa, quer doponto de vista físico, quer do ponto de vista psicológico;

• Serviços de substituição para descanso do cuidador; prestar cuidadostende a ser uma atividade intensiva, frequentemente assegurada24/24, sendo essencial criar apoios para que o cuidador descanse,tenha pausas e mantenha a sua participação noutras esferas da vidasocial; isto não pode ser pensado só para «fazer férias», como ficaimplícito na modalidade de prestação deste serviço tal como pre-visto na moldura institucional portuguesa (embora com um nívelde utilização efetiva baixíssimo); deve ser perspetivado numa lógicamais quotidiana e continuada.

Note-se que, um pouco por toda a Europa, e apesar das diferenças nospercursos históricos de desenvolvimento e consolidação dos modelos deEstado-providência, permanecem muito fortes as solidariedades familia-res e as trocas dentro da família. Em países como Portugal, onde ainda épossível vislumbrar a resiliência do cimento normativo que sustenta essassolidariedades, a prioridade no campo das políticas públicas deveriaorientar-se para a criação das condições para a reprodução dessa «von-tade» de cuidar, facilitando a sua concretização num contexto de articu-lação com as novas dinâmicas sociais, individuais e coletivas, que se in-compatibilizam com as modalidades mais tradicionais (e frequentementegeradoras de desigualdades) de solidariedade familiar.

Os contextos das necessidades de cuidados: integração e diferenciação no campo das políticas públicas para os cuidados

A segunda questão para reflexão que gostaríamos de levantar nestetexto tem a ver com a necessidade de pensarmos a prestação de cuidadosa idosos dependentes de forma integrada e plural. Esta é, acreditamos, asegunda grande ordem de desafios que se colocam ao modelo portuguêse sobre a qual gostaríamos de nos deter.

A distribuição de riscos na velhice é muito desigual, não só devido auma série de eventos e condições que não podem ser totalmente con-trolados (como, por exemplo, a viuvez, a decomposição da família porsaída dos descendentes adultos do agregado familiar, entre outros), mastambém, e sobretudo, devido a uma série de dimensões de vulnerabili-dade que são socialmente construídas e têm uma base estrutural, dimen-sões que muitas vezes se desenvolvem gradualmente ao longo da vida.

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São essas condições estruturais, argumentamos, que moldam em largamedida a capacidade e a forma como os indivíduos conseguem gerir osdesafios específicos que surgem com a idade avançada, entre os quais seincluem as necessidades decorrentes de condições de fragilidade e/ou de-pendência física e/ou cognitiva (Lopes 2011, 2013b).

Em Portugal, no domínio das políticas públicas, tem sido dominanteuma abordagem estandardizada de mínimos que se mostra incapaz nãosó de acomodar as especificidades dos contextos onde as necessidadesde cuidados se apresentam e que são, frequentemente, marcadas por umaacumulação de fatores de vulnerabilidade (materiais, relacionais, infor-macionais e outros), como também incapaz de cortar com o círculo vi-cioso de reprodução da desvantagem social.

Vejamos alguns exemplos que, à primeira vista, poderíamos pensarque não têm nada a ver com a discussão sobre a prestação de cuidados,mas que, se calhar, valerá a pena considerar nessa perspetiva.

Um primeiro exemplo tem a ver com as condições da habitação e coma capacidade real de os indivíduos usufruírem de ambientes adaptados,usando uma expressão que tão profusamente marca os discursos oficiaisno campo dos cuidados a idosos dependentes. A adaptação do espaço ha-bitacional, seja por intervenções ao nível das próprias infraestruturas dahabitação (e. g., adaptação de casas de banho, instalação de corrimões ousistemas elevatórios, nivelamento de pisos, entre outras), seja através daaquisição de equipamentos móveis (e. g., camas articuladas, colchões anti-escaras, aparelhos de locomoção, entre outros), significa, na maior partedas vezes, um investimento em termos monetários muito considerável edificilmente suportável pelo próprio idoso e/ou pela sua família. Bastaráuma rápida inspeção à distribuição dos rendimentos dos idosos pensionis-tas em Portugal, tendo em conta aquela que é a sua principal fonte de ren-dimento, as pensões, para perceber o alcance do que se afirmou.

Note-se que a condição de pobreza monetária ou de baixo rendimentoé algo que continua de forma persistente a marcar o contexto de vida demuitos idosos portugueses (Lopes 2012). Pese embora alguns desenvol-vimentos em matéria de alívio de pobreza, nomeadamente com a im-plementação do complemento solidário para idosos, a sua abordagem,tomando como referência o valor da linha de pobreza, acaba por ter im-pactos que, embora se reconheçam importantes, permanecem insuficien-tes na sua capacidade para dotar o indivíduo e a sua família com os re-cursos que será necessário mobilizar se uma situação de dependênciafísica se instalar e se, por exemplo, vierem a ser necessárias intervençõesno espaço da habitação.

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Neste domínio específico, havia sido lançado (em 2007), no nossopaís, um programa social de apoio, o programa de conforto habitacionalpara idosos, destinado a pessoas idosas com mais de 65 anos que usu-fruem do serviço de apoio domiciliário, ou que frequentam um centrode dia, ou cuja prestação destes serviços esteja dependente da qualificaçãohabitacional. Embora bondoso nos princípios, a elegibilidade para a in-tervenção exigia, entre outras coisas, que o idoso fosse proprietário dasua habitação. Conhecida a distribuição da população idosa mais caren-ciada pelo parque habitacional, sobretudo nas grandes zonas urbanas,com uma forte incidência de arrendamento, fica evidente e dispensa con-siderações adicionais o parco alcance do instrumento de política públicacriado. O programa, entretanto, foi cancelado no final de 2013.

O que procuramos com este exemplo ilustrar é a necessidade de pensara intervenção no domínio das políticas públicas para os cuidados de umaforma mais ampla e integrada, ao mesmo tempo que sustentada em abor-dagens que sejam suficientemente diferenciadoras para acomodar os con-textos individuais onde as necessidades se manifestam.

Com isto queremos dizer que, por um lado, a problemática da pres-tação de cuidados a idosos dependentes não se pode confinar à discussãosobre as modalidades específicas de materialização do cuidado. Adicio-nalmente, é importante articular com estas modalidades específicas umconjunto de outras dimensões que com elas se cruzam e que, mais doque isso, têm a capacidade de definir o alcance e o sucesso dos arranjosem matéria de cuidados.

Por outro lado, queremos alertar para o controlo diferenciado de ca-pitais por parte daqueles que se encontram em situação de dependência,facto que determina a sua capacidade para lidar, materialmente, com asnecessidades que emergem com a condição de dependência. Por exem-

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Quadro 7.2 – Distribuição de reformados e pensionistas por escalão de pensão, 2013 – segurança social + Caixa Geral das Aposentações

Escalão da pensão mensal n %

Até 250 euros 538 880 24,53250 a 500 euros 903 880 41,15500 a 1000 euros 404 736 18,421000 a 2500 euros 280 736 12,78Acima de 2500 euros 68 555 3,12Total 2 196 787

Fontes/entidades: ISS/MSESS, CGA/MEF, PORDATA (cálculos da autora).

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plo, ao invés de uma abordagem estandardizante na definição do subsí-dio de apoio a situações de dependência, o complemento por depen-dência, poderemos pensar numa abordagem inspirada nos orçamentosindividuais implementados no Reino Unido (personal budgets). Ou seja,ao invés de um complemento que é extraordinariamente baixo (lembra-mos que oscila entre os 90 e os 180 euros mensais, dependendo da gra-vidade da dependência) para todos os que clinicamente cumprem os cri-térios de elegibilidade para o subsídio, poder-se-á pensar numaelegibilidade definida em função de um perfil de necessidades onde, aolado dos critérios clínicos, entram também critérios sociais e materiaisque classifiquem a intensidade das necessidades, tendo em conta os con-textos de vida do idoso dependente – integração e diferenciação.

Conclusão

Um sistema de tipo familista como o português não pode dar-se aoluxo de perder aquele que tem sido o seu mais importante elemento nosistema global de provisão de bem-estar. A tradicional naturalização dopapel da família, e dentro desta do papel da mulher, não é uma rota dedesenvolvimento promissora para o modelo português de prestação decuidados a idosos dependentes. A expansão, sem limites, de respostas nosector formal, seja ele público, social ou privado, não é credível. Reco-nhecer o papel fundamental do cuidado informal familiar e apostar nacriação de condições para a sua continuidade poderá ser, de facto, a únicavia disponível. Isso significará, porém, colocar o cuidador informal nocentro das políticas públicas.

Simultaneamente, o contexto de prestação de cuidados não pode serretirado dos contextos sociais e económicos mais amplos em que se in-sere. A intensidade das necessidades, os impactos das diferentes modali-dades de apoio, dependem, em larga medida, dos contextos onde ocor-rem. É por isso que as políticas para os cuidados necessitam de serpensadas de forma integrada, tendo em conta a multidimensionalidadede cada contexto de emergência de necessidades de cuidados, por umlado, e de forma diferenciada, garantindo que as respostas são, de facto,aquelas que oferecem a mais adequada modalidade de satisfação de ne-cessidades, tendo em conta os contextos onde estas ocorrem.

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Ricardo Rodrigues

Capítulo 8

Cuidados de longa duração para idosos no contexto europeu:múltiplas soluções para um problema comum?*

Introdução

O envelhecimento da população europeia tem levado ao aumento donúmero e proporção de indivíduos que necessitam de cuidados e ajudapara levarem a cabo uma vida independente. Ao mesmo tempo que aprocura por cuidados e ajuda entre a população idosa tem aumentado,alterações produzidas na organização das sociedades europeias – de queé exemplo o aumento da taxa de emprego entre as mulheres – têm con-tribuído para uma alteração da forma como estes cuidados são prestados.As famílias, tradicionalmente o principal prestador de cuidados e ajudaaos idosos, são assim confrontadas com uma situação em que se tornadifícil conciliar a prestação de cuidados com a prossecução de emprego.

Neste contexto, os cuidados e ajuda prestados a idosos em situação dedependência têm emergido como um novo risco social a que o Estado,através dos sistemas de proteção social, tem procurado dar resposta. Con-tudo, a capacidade de resposta do Estado tem sido também ela condi-cionada pela necessidade de assegurar a sustentabilidade dos sistemas deproteção social.

Nas páginas subsequentes procurar-se-á apresentar uma visão sinteti-zada dos cuidados e ajuda prestados a idosos em situação de dependência

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* Este capítulo resulta em boa medida da investigação levada a cabo em conjunto comcolegas do European Centre for Social Welfare Policy and Research, em particular com KaiLeichsenring, Andrea Schmidt, Stefania Ilinca e Juliane Winkelmann, aos quais o autorexpressa o seu agradecimento.

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na Europa. Nesse sentido, começa-se por discutir uma definição possívelde um conceito que é elástico e relativamente novo em política social: oscuidados de longa duração para idosos – numa tradução livre do que eminglês se designa por long-term care.1 A elasticidade do termo «cuidados delonga duração para idosos» (ou simplesmente cuidados de longa duração)está também patente no papel que o Estado, o mercado e a família têmna produção destes cuidados. A capacidade de estes três atores se substi-tuírem entre si é não só uma característica fundadora dos cuidados delonga duração, mas é também importante para compreender os diversosmodelos de cuidados de longa duração existentes na Europa. Pese emboraesta diversidade, é possível identificar algumas tendências comuns no âm-bito dos cuidados de longa duração e estas tendências serão também ob-jeto de uma breve análise. Importa também realçar que, para efeitos desteartigo, os cuidados de longa duração são confinados à população idosa.

Uma definição possível de cuidados de longa duração para idosos

Os cuidados de longa duração incluem, como o termo indica, cuida-dos e ajuda prestados a indivíduos por um período de tempo prolongado(geralmente, seis meses ou mais). Estes cuidados e ajuda dizem respeitoa situações de dependência que, em sentido restrito (OCDE 2005; Co-lombo et al. 2011), se referem a situações em que indivíduos necessitamde auxílio de terceiros para levarem a cabo atividades indispensáveis à sa-tisfação de necessidades quotidianas – como sejam os cuidados de hi-giene, locomoção ou alimentação – e que, em sentido lato (Rodrigues etal. 2012), abrangem ainda atividades que são importantes embora não in-dispensáveis para a satisfação de necessidades quotidianas – como sejama gestão das finanças, medicamentos, compras, etc.

Em grande medida, as situações de dependência estão ligadas a doen-ças, nomeadamente doenças crónicas, como a diabetes, ou condiçõesclínicas do âmbito da saúde mental. Muitos dos cuidados prestados noâmbito dos cuidados de longa duração são assim cuidados de saúde e,como tal, uma componente destes cuidados é assegurada pelos sistemasde saúde na maior parte dos países europeus. No entanto, importa realçar

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1 Outro termo possível para definir long-term care seria o de cuidados continuados paraidosos. No entanto, no contexto português este conceito poderia ser confundido com arede nacional de cuidados continuados integrados, que inclui muitos dos serviços pres-tados no âmbito dos cuidados de longa duração, mas não engloba a totalidade dos cui-dados de longa duração tal como são normalmente definidos no contexto europeu.

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que, embora os efeitos destas doenças possam ser parcialmente reversí-veis, em muitos casos uma cura total não é possível. Da mesma forma,a dependência ou os seus efeitos têm também uma componente social(por exemplo, o isolamento ou a capacidade de levar uma vida quoti-diana autónoma), razão pela qual parte dos cuidados e ajuda prestadosa idosos em situação de dependência é providenciada pelos serviços so-ciais (por exemplo, refeições providenciadas ao domicílio ou o acompa-nhamento de pessoas idosas em centros de dia). Os cuidados de longaduração podem assim ser definidos como um contínuo de serviços desaúde e serviços sociais, tal como representado na figura 8.1. Estes têmmuitas vezes subjacentes diferentes formas de financiamento, condiçõesde elegibilidade (por exemplo, os serviços de saúde são, em regra, uni-versais, enquanto em muitos países o acesso aos serviços sociais é sujeitoa condição de recursos), diferentes recursos humanos e financeiros à suadisposição, ou diferentes legislações e reguladores. Estas diferenças sãoigualmente a razão pela qual a integração dos diversos serviços que com-põem os cuidados de longa duração não é perfeita e, como tal, podemosmuitas vezes referir-nos à existência de uma divisão entre os cuidados desaúde e os cuidados sociais (Leichsenring et al. 2013). De referir que oscuidados de longa duração podem ser prestados no domicílio ou em ins-tituições.

Os cuidados de longa duração não se circunscrevem apenas aos cui-dados formais. Familiares ou amigos continuam a desempenhar umpapel fundamental na satisfação das necessidades de cuidados e ajudano âmbito da dependência, como será patente mais à frente. Por oposi-ção aos serviços de saúde e serviços sociais formais, os cuidados e ajudaprestados por familiares e amigos tomam a designação de cuidados in-formais – mesmo quando, como acontece em vários países, estes cuida-dos informais são apoiados ou subvencionados pelo Estado. Para alémda divisão entre cuidados de saúde e cuidados sociais acima menciona-dos, podemos assim também falar de uma divisão entre cuidados formaise informais. Em vários contextos nacionais na Europa, os últimos in-cluem também os cuidados prestados por cuidadores de origem estran-geira (cuidadores imigrantes) que, em regra, coabitam com a pessoa idosae são pagos diretamente pelos idosos ou suas famílias (muitas vezes comrecurso a prestações sociais pecuniárias que os idosos recebem no âmbitoda dependência). Nestes casos, o carácter informal destes cuidadores estáligado à falta de regulamentação da sua atividade (por exemplo, quantoàs suas qualificações ou requisitos de qualidade) ou à natureza informaldos pagamentos efetuados.

Cuidados de longa duração para idosos no contexto europeu

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Esta divisão entre cuidados formais e informais e sobretudo a capaci-dade que os cuidados informais têm de substituir os cuidados formais, evice-versa, é uma das características definidoras dos cuidados de longaduração (Jensen 2008; Rodrigues et al. 2012) – aquilo que Antonnen etal. (2003) designam por «plasticidade» dos cuidados de longa duração.Para muitos idosos, a família é não só uma possibilidade no que respeitaà prestação de cuidados de longa duração, mas é, inclusivamente, a opçãopreferida (Eurobarometer, 2007). Esta plasticidade é também uma das ca-racterísticas que diferenciam os cuidados de longa duração dos cuidadosde saúde convencionais, em que o grau de sofisticação dos cuidados pres-tados é também ele, em regra, superior e portanto menos suscetível deser replicado por cuidadores informais.

Em virtude desta plasticidade, o conceito do triângulo da proteção so-cial desenvolvido por Evers (1988) é ainda pertinente para analisar os vá-rios sistemas de proteção social para cuidados de longa duração – sistemasde proteção social que neste contexto têm um sentido mais lato e não se

Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

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Figura 8.1 – A definição dos cuidados de longa duração

Fonte: Adaptado de Leichsenring et al. (2013), 7.

Serviços sociais

Serviços (SAD, lares,reabilitação),prestadores de serviços,enquadramento legal,profissionais

Cuidados de saúde

Serviços (hospitais,cuidados primários,médicos de família),

prestadores de serviços,enquadramento legal,

profissionais

Cuidados informaisFamília, amigos

A divisão entrecuidados formaise informais

A divisão entrecuidados de saúdee serviços sociais

Cuidados continuados(long-term care)

Interligados, coordenados,integrados?

Políticas - estruturas - métodos- processos -

recursos/financiamento

Utentes

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circunscrevem apenas aos sistemas públicos de proteção social (figura 8.2).O conceito do triângulo da proteção social pode ser utilizado para analisaros recursos que contribuem para o bem-estar de uma sociedade, recursosque advêm do mercado, do Estado e das famílias – as diferentes lógicassubjacentes à proteção social, respetivamente, o lucro, a redistribuição oua responsabilidade individual ou familiar –, mas também para avaliar opapel que estes três atores têm na produção de bem--estar e, neste casoconcreto, na produção de cuidados de longa duração.2

É com base neste conceito, tendo em conta o papel desempenhadopor cada um destes atores – o mercado, o Estado e as famílias –, que deseguida apresentamos uma possível caracterização dos vários modelosde cuidados de longa duração existentes na Europa.

A geometria variável dos cuidados de longa duração para idosos na Europa

O que é apresentado no quadro 8.1 é uma possível caracterização dosvários modelos de cuidados de longa duração para idosos na Europa,tendo por base os diferentes papéis e importância atribuídos ao mercado(por exemplo, aos prestadores privados de cuidados de longa duração e

Cuidados de longa duração para idosos no contexto europeu

169

Figura 8.2 – O triângulo da proteção social

Fonte: Adaptado de Evers (1988).

O Estado• Sistema de proteção social público

A família• Cuidados informais

O mercado• Seguros

2 O triângulo da proteção social está também na base de muita da análise efetuada noâmbito dos chamados regimes de proteção social (welfare regimes no original em inglês),em que os serviços sociais, entre os quais os cuidados de longa duração, têm sido apon-tados como uma característica definidora dos vários regimes de proteção social existentesnos países desenvolvidos (Jensen 2008).

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aos serviços que são contratados no mercado), ao Estado e às famílias(por exemplo, quanto à importância das taxas moderadoras ou custosque são suportados pelos idosos ou suas famílias, ou quanto à importân-cia dos cuidados prestados diretamente pelas famílias aos seus elementosidosos).

No âmbito da tipologia apresentada no quadro 8.1, é possível distin-guir quatro modelos de sistemas de cuidados de longa duração na Eu-ropa. O modelo de cuidados universais distingue-se por conferir ao Estadoum papel central na proteção social dos idosos em situação de depen-dência e por procurar libertar as famílias dos encargos com cuidados delonga duração. As prestações sociais são predominantemente em espécie(isto é serviços) e a elegibilidade é aferida com base na situação de de-pendência e independentemente dos recursos financeiros do idoso e suafamília. A contribuição dos idosos e das famílias para o financiamentodos custos (por exemplo através de taxas moderadoras) é, em regra, limi-tada e os cuidados e ajuda prestados pelos cuidadores informais suple-

Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

170

Quadro 8.1 – Modelos de cuidados de longa duração para idosos na Europa

Modelo Elegibilidade Estado Família Mercado

Cuidadosuniversais

Condiçãode recursos

Famíliasapoiadaspelo Estado

Minimalista

Universal, despesaprivada reduzida,ampla oferta de serviços

Condição de re-cursos (exceto cui-dados de saúde),despesa privadaelevada

Universal (finan-ciado por segurosocial ou impos-tos), despesa pri-vada média/ele-vada, serviços emexpansão

Condição de re-cursos, serviços li-mitados, despesaprivada elevada

Serviços públicose subsídios, prestações pecu-niárias reduzidas

Safety-net, prestações pecuniárias evouchers

Prestações pecuniárias e vouchers

Prestações pecu-niárias de valorreduzido, servi-ços públicos li-mitados

Papel comple-mentar (ex.: ajuda comcompras)

Principal prestador decuidados comalgum apoio do Estado

Principal presta-dor de cuida-dos com muitoapoio do Es-tado (prestaçõespecuniárias),cuidadores imigrantes

Principal prestador decuidados compouco apoio do Estado

Limitado masem expansão

Importante(particularmenteno sector residencial) eem expansão

3.º Sector e privados impor-tantes, mercadoinformal decuidadores imigrantes

Muito limitado

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mentam, mais do que substituem, os serviços formais (Motel-Klingebielet al. 2005). Os prestadores de serviços privados, embora em expansão,têm um papel limitado. Exemplos deste modelo são os países nórdicos.

O modelo de condição de recursos é exemplificado pelo caso da Inglaterra.3

O acesso às prestações é baseado não só na existência de dependência,mas também na condição de recursos, pelo que o Estado funciona comoopção de último recurso para os idosos e famílias mais pobres. As con-tribuições das famílias, quer em termos de prestação de cuidados infor-mais, quer para o financiamento dos custos com cuidados de longa du-ração, são elevadas. Os cuidadores informais são, no entanto, apoiadospelo Estado através de prestações pecuniárias (complementos de depen-dência e vouchers). Os prestadores de serviços privados têm uma expressãosignificativa neste modelo, sobretudo nos cuidados residenciais.

O modelo das famílias apoiadas pelo Estado tem subjacente o princípiode que a família é o principal prestador de cuidados de longa duração,mas deve para tal ser apoiada pelo Estado. Neste sentido, as prestaçõessociais são maioritariamente pecuniárias para permitir que os cuidadoresinformais sejam compensados. Os prestadores de serviços privados, so-bretudo as organizações sem fins lucrativos, assumem também um papelimportante na prestação de serviços. A ênfase em prestações pecuniáriasrelativamente generosas, mas, ainda assim, insuficientes para cobrir oscustos com serviços formais, levou ao desenvolvimento de um mercadoinformal de prestadores informais de origem estrangeira, sobretudo naÁustria, Alemanha e Itália.

Por fim, o modelo minimalista é caracterizado por um apoio muito li-mitado do Estado – em regra, sujeito a exigentes condições de recursos– aos idosos em situação de dependência e às suas famílias e cuidadoresinformais. Dadas as limitações financeiras das famílias, a possibilidadede adquirir serviços privados no mercado é diminuta e o papel dos pres-tadores privados reduzido. À família cabe, por omissão, o principal papelna prestação de cuidados de longa duração. Este modelo é característicoda maior parte dos países da Europa de Leste.

Estes modelos têm como resultado diferentes níveis de proteção social – mais generosos entre os modelos universais e de famílias apoiadas peloEstado – e como consequência diferentes níveis de despesa pública e di-ferentes percentagens de idosos que beneficiam de cuidados de longaduração financiados pelo Estado (figura 8.3).

Cuidados de longa duração para idosos no contexto europeu

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3 A organização dos cuidados de longa duração é diferenciada entre a Inglaterra, a Es-cócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte.

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Para além de terem subjacentes lógicas diferenciadas quanto ao papeldo mercado, do Estado e das famílias, os diferentes modelos apresentamtambém diferentes vantagens e desvantagens. Para além de garantir níveiselevados de proteção social, o modelo universal possibilita também ele-vados níveis de participação feminina no mercado de trabalho. Ao pri-vilegiar a prestação de serviços, este modelo não só facilita a conciliaçãodos cuidados com o emprego, como cria postos de trabalho que sãomaioritariamente ocupados por mulheres (Colombo et al. 2011; Rodri-gues et al. 2012). Ao mesmo tempo, o modelo universal tem associadauma despesa pública mais elevada e uma menor flexibilidade na presta-ção de cuidados de longa duração, uma vez que os apoios prestados aoscuidadores informais são, em termos relativos, mais reduzidos. Em com-paração, a despesa pública associada ao modelo de condição de recursosé mais reduzida e o targeting das prestações sociais mais estrito. No en-tanto, este modelo garante níveis muito mais reduzidos de proteção so-

Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

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Figura 8.3 – Despesa pública e utentes de cuidados de longa duração na Europa – ano mais recente

Fonte: Adaptado de Rodrigues et al. (2012).Notas: Informação referente a 2006/2008 (cuidados no domicílio/instituições) para Áustria;2010/2004 para Bélgica; 2007/2008 para a Bulgária; 2008/2007 para a Croácia; 2009 para a RepúblicaCheca, Estónia, Alemanha, Hungria, Islândia, Suíça, Noruega, Eslovénia e Finlândia; 2009/2010para a Dinamarca; 2007 para a França, Portugal e Letónia; 2010 para a Lituânia, Luxemburgo, Es-panha e Sérvia; 2006/2009 para a Holanda; 2010/2008 para a Irlanda; 2008/2009 para a Eslováquia;2008 para a Suécia; 2008/2004 para o Reino Unido, que inclui apenas a Inglaterra.

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

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0,02 10 302826242220181614128640

Percentagem 65+ que recebem cuidados

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cial, o acesso às prestações é complexo e a condição de recursos podefuncionar como desincentivo à poupança e ao emprego.4 O modelo dasfamílias apoiadas pelo Estado consegue conciliar flexibilidade (os idosospodem optar por serviços ou cuidados informais), proteção social e níveisintermédios de despesa pública. No entanto, em grande medida, istodeve-se ao apoio prestado pelas famílias – o que tem consequências ne-gativas na taxa de participação das mulheres – e por cuidados informaisimigrantes – num mercado não regulado. O modelo minimalista apre-senta claras desvantagens em relação aos restantes, sobretudo em termosde proteção social e liberdade de escolha.

Ao analisar as vantagens e desvantagens associadas aos diferentes mo-delos é importante ter também em consideração que os cuidados infor-mais podem ter associados custos para a sociedade no seu todo, aindaque, aparentemente, possam representar uma poupança em termos dedespesa pública. Os cuidadores informais na Europa são desproporcio-nalmente mulheres e, em grande medida, ainda em idade ativa (Co-lombo et al. 2011; Rodrigues et al. 2012). Um amplo conjunto de estudosencontrou evidência de que a prestação de cuidados informais, sobretudode longa duração ou grande intensidade (por exemplo, quanto ao nú-mero de horas de cuidados e ajuda prestados) e em situações de coabita-ção, tem um impacto negativo sobre a saúde, o emprego e os salários,em particular entre as mulheres (Carmichael e Charles 1998, 2003; Schulze Barnes 1999; Bolin et al. 2008; Coe e van Houtven 2009; Colombo etal. 2011; Rodrigues et al. 2013).

Os diferentes modelos de cuidados de longa duração podem, assim,ter diferentes consequências em termos de equidade social e de acessoaos cuidados de longa duração (Saraceno 2010). Em primeiro lugar, osdiferentes modelos podem variar em termos das oportunidades que con-cedem aos cuidadores informais, e entre estes sobretudo às mulheres,para permanecerem ativos no mercado de trabalho e em boa saúde comoacabámos de discutir. Além disso, existe evidência de que a existência deserviços pode contribuir para suplementar os cuidados informais e alterara sua natureza (Motel-Klingebiel et al. 2005; Rodrigues et al. 2013). Nospaíses onde os cuidados formais são mais acessíveis, os cuidadores infor-mais tendem a prestar menos horas de cuidados e ajuda e a realizar tarefasmenos exigentes, o que poderá trazer benefícios em termos de emprego

Cuidados de longa duração para idosos no contexto europeu

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4 As condições de elegibilidade das prestações pecuniárias destinadas aos cuidadoresinformais, em regra, dificultam a sua conciliação com o emprego a tempo inteiro (Huberet al. 2009).

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e saúde (figura 8.4). Em segundo lugar, os cuidados informais tendem aser usados sobretudo pelos grupos com menores rendimentos (Rodrigueset al. 2014a), pelo que os modelos que privilegiam a prestação de cuidadosno seio da família podem gerar diferenças no acesso aos cuidados formaiscom base no rendimento.

Tendências europeias comuns nas políticas públicas de cuidados de longa duração

Pese embora a diversidade de modelos de cuidados de longa duraçãona Europa, é possível, ainda assim, observar algumas tendências comunsno desenvolvimento de políticas públicas nesta área. De entre estas des-tacam-se quatro: o reconhecimento dos cuidados de longa duração comoum novo risco social; a introdução de competição e liberdade de escolha;a «redescoberta» dos cuidados informais; a ênfase na prestação de cuida-dos e ajuda no domicílio.

Como foi referido na introdução, o envelhecimento demográfico e asalterações nas sociedades europeias criaram maiores pressões sobre as fa-mílias e geraram dúvidas quanto à capacidade de muitos idosos de con-seguirem aceder aos cuidados e ajuda de que necessitam. Vários paísestêm vindo a tomar medidas que na prática representam um reconheci-mento dos cuidados de longa duração como um novo risco social a sercoberto pelos sistemas de proteção social (OCDE 2005) – muito emboraos novos sistemas variem quanto ao grau de cobertura pessoal e material.Assim, a Holanda reconheceu os cuidados de longa duração enquantorisco social coberto no âmbito do seu sistema de seguro social com acriação em 1968 do designado seguro para despesas de saúde extraordi-nárias (conhecido pela sigla AWBZ no original em holandês). A Alema-nha criou um seguro social dedicado exclusivamente aos cuidados delonga duração em 1995. A Áustria, a França, a República Checa e a Es-panha introduziram sistemas de proteção social para o risco de cuidadosde longa duração financiados através do Orçamento Geral do Estado.No caso da Áustria, França e República Checa, o sistema confere funda-mentalmente prestações pecuniárias (mais concretamente, vouchers nocaso francês) aos idosos considerados elegíveis.

Relativamente à produção e alocação dos cuidados de longa duração,tem-se assistido a uma maior ênfase na introdução de competição e li-berdade de escolha por parte dos utentes (Ranci e Pavolini 2013). Porum lado, estas alterações refletem mudanças no pensamento económicodominante que colocaram a tónica na necessidade de melhorar a eficiên-

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cia dos serviços públicos num contexto de cortes orçamentais. Por outrolado, estas alterações refletiram também os anseios por maior autonomiae controlo por parte de determinados grupos de utentes, como as pessoascom deficiência. Neste contexto, assistiu-se à contratualização de cuida-dos de longa duração a prestadores de serviços privados e à separaçãodas funções de comprador e prestador de serviços no caso do Estado.Em vários países, o poder de decisão quanto à escolha do prestador deserviços foi devolvido aos utentes (por exemplo, na Áustria, Alemanha,Inglaterra, Suécia e Holanda) através de prestações pecuniárias e voucherse da criação de rankings de qualidade (por exemplo, na Alemanha, Suéciae Holanda). Estas alterações têm sido acompanhadas de controvérsia eos seus resultados têm sido ambíguos. Por um lado, existe hoje umamaior diversidade de prestadores de serviços (em muitos casos incluindoassistentes pessoais pagos com prestações pecuniárias) e tem-se assistidoa progressos significativos na definição e controlo de qualidade (Leich-senring et al. 2013). Por outro lado, a contratualização de serviços podeter dado origem a custos mais elevados (transaction costs), a evidênciaacerca da melhoria da qualidade é contraditória (OCDE 2013) e a maiorparte dos utentes parece relutante ou incapaz de realizar escolhas no mer-cado (Rodrigues et al. 2014b).

Em grande medida motivado por considerações orçamentais, em partecomo resposta a uma cada vez maior capacidade reivindicativa dos pró-prios cuidadores informais e dos seus representantes, tem-se assistidoigualmente a um reconhecimento do papel e da importância dos cuida-dores informais nos cuidados de longa duração. As prestações pecuniáriasintroduzidas na Áustria e na Alemanha, por exemplo, são um claro re-flexo deste processo (Ungerson e Yeandle 2007), assim como um con-junto de outros benefícios, entre os quais se conta a contabilização dotempo passado a cuidar de familiares para efeitos de cálculo de pensãoou para efeitos de acesso aos serviços de saúde (Huber et al. 2009). Noentanto, para além dos custos ao nível da sociedade já referidos (empregoe saúde dos cuidadores informais), é necessário ter em consideração queesta «redescoberta» dos cuidadores informais correspondeu também auma transferência do risco e das responsabilidades da esfera do Estadopara as famílias. Em alguns países, as prestações pecuniárias traduziram--se na criação, em grande medida não antecipada, de mercados informaisde cuidados de longa duração sustentados em cuidadores imigrantes.

Em paralelo com a introdução de prestações pecuniárias e de outrosapoios aos cuidadores informais, e em parte como resultado destas me-didas, tem-se assistido igualmente nas últimas duas décadas a uma prio-

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rização dos cuidados de longa duração prestados no domicílio ou na co-munidade. Tal como a «redescoberta» dos cuidadores informais, a ênfasenos cuidados no domicílio e na comunidade reflete também preocupa-ções orçamentais relacionadas com a perceção de que os cuidados delonga duração em instituições ou hospitais seriam mais dispendiosos(OCDE 2005). Estas políticas são também um reflexo dos desenvolvi-mentos observados na área das pessoas com deficiência, nomeadamentecom a aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitosdas Pessoas com Deficiência (2016). O resultado é que, apesar do enve-lhecimento populacional e do aumento da procura por cuidados delonga duração, a maior parte dos idosos na Europa recebem cuidados eajuda no seu domicílio (figura 8.4). Ao mesmo tempo, a própria definiçãode cuidados residenciais foi modificada à medida que foram sendo cria-das novas respostas sociais, como a habitação adaptada, que procuramreproduzir um ambiente familiar e manter a ligação dos residentes coma comunidade.

Um aspeto que vale a pena realçar na análise destas tendências euro-peias é que elas não acontecerem isoladamente, mas acabaram por estarinterligadas e por se reforçarem mutuamente. O reconhecimento doscuidados de longa duração enquanto novo risco social acarretou também

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Figura 8.4 – Distribuição de utentes cuidados no domicílio e em instituições

Fonte: Adaptado de Rodrigues et al. (2012), 86.

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novas preocupações quanto à sustentabilidade dos sistemas de proteçãosocial, relativamente às quais a introdução de competição e a livre escolhaprocuraram (também) dar resposta. A renovada ênfase nos cuidadoresinformais e a aposta nos cuidados domiciliários são também reflexo des-tas preocupações e a introdução de livre escolha procurou em vários con-textos nacionais apoiar também os cuidadores informais, ainda que in-diretamente (Ungerson e Yeandle 2007).

Conclusão

Os cuidados de longa duração são um paradigma dos novos riscos so-ciais que o envelhecimento populacional das sociedades europeias des-poletou. Em consequência, esta é uma área de política social que temvindo a ganhar uma significativa importância na discussão das políticaspúblicas, quer à escala nacional quer ao nível europeu. Este debate étanto mais premente quanto existe ainda um grande nível de incertezaquanto ao impacto futuro do envelhecimento na procura de cuidadosde longa duração, como é patente nas projeções da Comissão Europeiarelativamente à despesa pública nesta área (European Commission 2015).Em boa medida, a incerteza advém dos vários fatores que podem in-fluenciar a despesa pública com cuidados de longa duração, entre osquais se inclui a evolução futura da incidência de dependência, em par-ticular aquela que está ligada à doença de Alzheimer e outras doençasdemenciais.

No entanto, importa ter também em consideração que é possível atuarsobre boa parte das causas da dependência usando políticas públicas ade-quadas. Doenças como a diabetes resultam, em boa medida, do estilode vida das populações e de fatores sociais e são passíveis, portanto, deserem imunizadas. Daqui decorre que, embora a capacidade de diminuiros custos associados à oferta de cuidados de longa duração seja, em úl-tima análise, limitada, é possível diminuir o impacto do envelhecimentodemográfico sobre a procura de cuidados de longa duração. Isto impli-cará uma alteração do paradigma, nomeadamente no que respeita às po-líticas públicas sociais e de saúde, no sentido de se atuar sobre as causasda dependência e se apostar na prevenção. Este é porventura o desafiomais importante com que as sociedades europeias se deparam no con-texto dos cuidados de longa duração para idosos.

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Pedro Pitta Barros

Capítulo 9

Envelhecimento da população e pressão sobre a procura de cuidados de saúdeIntrodução

O envelhecimento da população ganhou grande destaque na discussãodas políticas públicas na última década. É frequente assumir-se que esteenvelhecimento trará novos desafios à sociedade, incluindo o campo dasaúde. Implicitamente, tem-se por vezes gerado a ideia de que não serápossível assegurar os cuidados de saúde de que esta população envelhe-cida, assumida como tendo maior carga de doença, necessitará. A litera-tura sobre as causas e consequências do envelhecimento da população égrande e em expansão.1 Irá aqui tratar-se um aspeto particular dentrodesta grande linha temática do envelhecimento: tem o envelhecimentoda população implicações económicas e/ou financeiras que irão forçar alimitar ou a cortar nos cuidados de saúde prestados?

A atenção incide, pois, nas implicações do envelhecimento para a pro-cura de cuidados de saúde, na pressão que existe (existirá?) sobre a des-pesa em saúde, nomeadamente a despesa pública em saúde, e sobre even-tuais necessidades não satisfeitas da população idosa.

O primeiro passo da análise consiste em responder à questão de, nosúltimos vinte e cinco anos, saber quanto do aumento das despesas emsaúde pode ser atribuído ao envelhecimento da população. Dar a res-posta a esta questão implica isolar o efeito da alteração da estrutura etáriada população, mantendo constantes todos os restantes fatores que in-fluenciem as despesas com saúde.

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1 Optou-se por não realizar aqui uma revisão de literatura. Sugere-se, como ponto departida para uma visão do processo de envelhecimento da população na Europa e dasimplicações políticas, a leitura do «ageing report» da Comissão Europeia (European Com-mission 2015).

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Despesas com cuidados de saúde e envelhecimento

Uma forma simples de olhar para a pressão financeira criada pelo en-velhecimento, como passo intermédio para saber se o envelhecimentoprovoca um aumento das despesas com cuidados de saúde, que, por suavez, leva (presume-se) à impossibilidade de satisfazer as necessidades desaúde da população com os atuais níveis de financiamento, é decomporo crescimento passado nos seus elementos essenciais.

A decomposição proposta isola o efeito associado apenas com a alte-ração da estrutura etária da população, mantendo constantes todos osoutros fatores que possam ter impacto na despesa em cuidados de saúde(incluindo os custos associados com a adoção de inovações tecnológicas,alterações de preços, evolução das terapêuticas, etc.). A estrutura etária éaqui definida de uma forma muito simples, dividindo a população totalem dois grupos: a população com 65 anos ou mais e a população commenos de 65 anos. Envelhecimento é, nesta estrutura simples, capturadopelo aumento da proporção da população com 65 anos ou mais.

O crescimento das despesas per capita em saúde que não é devido aoenvelhecimento (alteração da estrutura etária da população) é dividido emefeito potencial associado com as terapêuticas destinadas à população com65 anos ou mais e outros fatores (não especificados). A decomposição docrescimento nestes fatores baseia-se em dois elementos centrais: a despesaper capita da população com 65 anos ou mais face à despesa per capita darestante população e a proporção da população com 65 anos ou mais.

O indicador do envelhecimento da população, a proporção da popu-lação com 65 anos ou mais, encontra-se facilmente disponível nas esta-tísticas demográficas.

Por seu lado, o rácio da despesa per capita média entre os dois gruposda população (65 anos ou mais / 0 a 64 anos) não se encontra disponívelde forma generalizada. Utiliza-se como aproximação o valor calculadopara os Estados Unidos com base em estimativas da despesa per capitapara a população com 65 ou mais anos e a para a população na faixa etá-ria de 19 a 64 anos. Estes valores são 11 089 USD e 3352 USD, respeti-vamente, para o ano de 2004. O rácio originado é de 3,3 e será este ovalor usado como referencial (significa que uma pessoa com 65 ou maisanos tem uma despesa anual em cuidados de saúde 3,3 vezes superior auma pessoa com idade entre 19 e 64 anos). Uma análise de sensibilidadeconsiderando um valor de cinco para este rácio não altera de forma re-levante as principais conclusões.

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Seja DT O a despesa total em saúde com a população de 65 anos oumais. Seja DT N a despesa total em saúde com a população com menosde 65 anos (0 a 64 anos). Seja nO o número de pessoas na população quetêm 65 anos ou mais. Seja nN o número de pessoas na população quetêm menos de 65 anos. Seja DT = DT O + DT N a despesa total em saúdee n = nO + nN a população total. Seja k o rácio da despesa per capita napopulação com 65 anos ou mais face à população com menos de 65anos. Este rácio pode ser expresso como:

k = DT O / nO

Seja dO = DT O / nO a despesa per capita em saúde na população com65 anos ou mais. Seja dN = DT N / nN a despesa per capita em saúde napopulação com menos de 65 anos. Seja sO = nO / n a proporção da po-pulação com 65 anos ou mais.

A despesa per capita em saúde, normalmente observável e representadapor d, pode ser expressa como:

d = DT O + DTN

= dOsO + (1–sO) = dN (1 – sO + sOk)

A partir desta expressão, conhecendo o valor da despesa per capita emsaúde, conhecendo a proporção da população com 65 anos ou mais, eestimando um valor para o rácio da despesa per capita na população com65 anos ou mais face à população com menos de 65 anos obtém-se adespesa per capita da população com menos de 65 anos consistente comesses valores. Mantendo-se essa despesa per capita constante, por só se al-terar a estrutura demográfica, traduzida pela proporção da populaçãocom 65 anos ou mais, é possível calcular o crescimento da despesa percapita total associada unicamente com essa componente de estrutura de-mográfica. O rácio desse crescimento face ao acréscimo observado nadespesa per capita entre os dois momentos temporais analisados traduz aproporção do crescimento da despesa per capita que é atribuível unica-mente à alteração da estrutura demográfica. O resultado destes cálculos,para países da OCDE, encontra-se no quadro 9.2.

Para simular o impacto do aumento de custos com a população de 65anos ou mais, além da alteração da estrutura da população, utiliza-se a hipó-tese de duplicação para o atual rácio nos últimos vinte e cinco anos. Ou seja,simula-se a passagem de um rácio de 1,65 para 3,3. A diferença remanes -cente para o crescimento observado corresponde a outros fatores. A fontede dados utilizada é a OECD Health Data 2015, publicamente disponível.

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DT N / nN

nO + nN

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Para Portugal, a percentagem da população com 65 anos ou mais em1988 era de 12,5%, enquanto em 2013 passou para 19,4%. Por seu lado,as despesas per capita em saúde, em termos nominais, eram em 1988 de€242,60 e em 2013 foram de €1461,50. As despesas em saúde tiverampraticamente um fator de 6 no seu crescimento, enquanto o crescimentoda população com 65 anos ou mais foi de pouco mais de 50% (um fatorde 0,5).

A figura 9.1 ilustra a situação de Portugal no contexto dos países daOCDE, confrontando o crescimento percentual das despesas em saúde(600% no caso português, assinalado na figura 9.1) face ao crescimento,em pontos percentuais da proporção da população com 65 anos ou mais(cerca de 7 pontos percentuais no caso português), entre os anos de 1988e 2013 (ou ano mais próximo, no caso de não estar disponível o valorreferente a 2013). Desta figura é observável que Portugal foi dos paísesem que a proporção da população com 65 anos ou mais mais cresceu.Mas também se constata que não é visível a olho nu a relação entre terum envelhecimento da população mais pronunciado e um maior au-mento das despesas em cuidados de saúde. Esta evidência sugere que di-ficilmente as despesas associadas ao envelhecimento da população serãouma fonte de grande importância para compreender o crescimento dasdespesas em cuidados de saúde.

Esta ausência de relação aparente na figura 9.1 torna-se precisa no qua-dro 9.1, em que se apresenta o resultado de uma regressão linear simples,tendo como variável dependente o crescimento das despesas em cuida-

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Figura 9.1 – Variação percentual das despesas per capita vs. aumento da população com 65 anos ou mais (%) no período de 1988 e 2013

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da OECD Health Data 2015.

% 1 800

1 600

1 400

1 200

1 000

800

600

400

200

0–2 0 2 6 8 10 12 14 164

Portugal

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dos de saúde e como variável explicativa o envelhecimento da população,medido pelo aumento em pontos percentuais da população com 65 anosou mais. Apenas considerando este fator explicativo, não se rejeita a hi-pótese de o respetivo coeficiente ser nulo, ou seja, não exibir qualquerrelação com a variável dependente.

Uma descrição completa dos fatores determinantes do crescimentodas despesas em saúde implicaria contemplar nesta análise de regressãooutros elementos. Contudo, introduzindo fatores adicionais, dificilmente

Envelhecimento da população e pressão sobre a procura de cuidados de saúde

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Quadro 9.1 – Relação entre crescimento das despesas em cuidados de saúde e variação da proporção da população com 65 anos ou mais (1988-2013)

Variável dependente: crescimento das despesas em cuidados de saúde (em percentagem)

Variação, em pontos percentuais, na população com 65 anos ou mais 0,079

(desvio-padrão) 0,233(p-value) 0,738Constante 3,654(desvio-padrão) (1,192)(p-value) (0,006)Número de observações 23R2 0,0055F (1,21) 0,12

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da OECD Health Data 2015.

Quadro 9.2 – Percentagem do crescimento da despesa em cuidados de saúde devida ao envelhecimento

País Valor Alemanha 26,01%Finlândia 20,88%Itália 20,80%Holanda 11,05%Portugal 10,62%Bélgica 9,12%Espanha 8,93%Dinamarca 8,36%Grécia 6,45%Reino Unido 2,37%Suécia 2,32%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da OECD Health Data 2015.

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se poderá atribuir ao envelhecimento da população um peso importante,uma vez que isoladamente não tem qualquer efeito sistemático.

Aplicando, de seguida, a decomposição proposta ao conjunto dos paí-ses da OCDE, encontra-se, no quadro 9.2, a percentagem do crescimentoda despesa em cuidados de saúde que é atribuída, desta forma, ao enve-lhecimento da população.

O quadro 9.2 é elucidativo quanto ao peso do envelhecimento comofator indutor de crescimento das despesas em cuidados de saúde em Por-tugal: cerca de 10%, que é ainda assim um dos valores elevados encon-trados no contexto dos 12 países que constituíam a União Europeia em1988 (dois anos depois do alargamento que levou à entrada de Portugal).

E o crescimento futuro?

A mesma técnica de decomposição é passível de ser usada para obteruma estimativa do que serão as despesas em cuidados de saúde em 2060se só for relevante o envelhecimento da população. Para o efeito é ne-cessário ter uma evolução da proporção da população com 65 ou maisanos. A partir das projeções demográficas do Instituto Nacional de Esta-tística é utilizado o quadro conceptual descrito para avaliar o impactosobre as despesas de saúde per capita, mantendo-se tudo o resto constante(preços e terapêuticas disponíveis).

Tendo a projeção da população total, o efeito sobre a despesa total éigualmente calculado juntando o efeito da despesa per capita por grupoetário com a alteração da população total.

A evolução das despesas em cuidados de saúde per capita e do seu valortotal pode diferir, uma vez que há a previsão de um decréscimo popula-cional até ao ano de 2060.

Como forma de avaliar a pressão exercida pelo crescimento das des-pesas em cuidados de saúde provocado unicamente pela alteração da es-trutura etária da população utiliza-se o indicador do rácio das despesasem saúde totais face ao PIB nominal. O cálculo deste indicador implicaa necessidade de considerar uma taxa de crescimento do PIB nominal.Para esse efeito, e dado que se tomou como único fator de crescimentodas despesas em saúde o envelhecimento, significando que os preços sãoconstantes (incluindo aqui salários como «preço» dos recursos humanosusados para prestar cuidados de saúde), optou-se por adotar a hipóteseconservadora de a nível macroeconómico não ocorrer inflação.

Para o valor do PIB atual, se não houver crescimento económico até2060 e o rácio despesas per capita de uma pessoa com 65 anos ou mais

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face a uma pessoa com 65 anos for 6,6 (o dobro do valor usado comoreferência e obtido com base em cálculos realizados para os Estados Uni-dos), o rácio despesa em saúde-PIB passará de 9,05% para 10,60% nocenário demográfico do INE designado por 2060 (II), como se pode ob-servar no quadro 9.3. Se ocorrer um crescimento médio anual de 1%(valor que está abaixo do crescimento histórico dos últimos quarente ecinco anos do PIB real), o rácio da despesa de saúde face ao PIB passarápara 6,77%. Para um rácio de 3,3, o efeito de decréscimo da populaçãoé sempre suficientemente poderoso para que mesmo um crescimentonulo da economia se traduza praticamente na manutenção do rácio dasdespesas totais em saúde face ao PIB nominal. Mesmo para um cresci-mento económico que não seja muito elevado, o efeito na despesa emcuidados de saúde associado ao envelhecimento é baixo.

Claro que estas estimativas têm diversas limitações importantes, comoo terem assumido que não há qualquer movimento de preços, ou que épossível manter o nível do PIB real ou um pequeno crescimento econó-mico num contexto de redução substancial da população. Ou seja, noscenários de baixo crescimento demográfico global que se antecipam, paravalores razoáveis dos parâmetros-chave, o crescimento da despesa emcuidados de saúde devida ao envelhecimento da população será supor-tável desde que haja crescimento económico de pelo menos 1%.

Barreiras no acesso a cuidados de saúde e população idosa

Os cálculos realizados anteriormente não contemplam a possibilidadede haver outras pressões do envelhecimento sobre a utilização e a despesaem cuidados de saúde. Se houver, presentemente, um volume elevado

Envelhecimento da população e pressão sobre a procura de cuidados de saúde

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Quadro 9.3 – Previsão do crescimento das despesas em cuidados de saúde por motivo de envelhecimento (tudo o resto constante)

População (INE) %65+ k = 3,3 k = 6,6 k = 10

Taxa de crescimento anual do PIB

0% 1% 0% 1% 0% 1%

2012 10 487 289 19% 9,05% 2060 (I) 6 346 726 43% 7,53% 4,81% 8,95% 5,72% 9,72% 6,21%2060 (II) 8 575 339 35% 9,29% 5,94% 10,60% 6,77% 11,30% 7,22%2060 (III) 9 223 617 36% 10,09% 6,45% 11,56% 7,39% 12,36% 7,90%2060 (IV) 7 856 281 38% 8,76% 5,60% 10,12% 6,46% 10,85% 6,94%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da OECD Health Data 2015.

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de necessidades de cuidados de saúde não satisfeitas, caso essas necessi-dades venham a ser satisfeitas, por eliminação de barreiras de acesso acuidados de saúde que sejam sentidas pela população mais idosa, terálugar um aumento de despesa que acumulará para o futuro. Daqui de-corre um interesse em conhecer que barreiras de acesso a cuidados desaúde defronta a população com 65 anos ou mais em Portugal.

A resposta a esta pergunta é dada usando um inquérito realizado à po-pulação sobre a utilização de cuidados de saúde, permitindo ter um conhe-cimento adicional sobre a situação da população com 65 anos ou mais.2

O quadro 9.4 apresenta a proporção da população que esteve doenteno ano anterior à realização do inquérito (junho de 2014 a maio de 2015)segundo o escalão a que pertence, bem como a decisão de procurar au-xílio no sistema de saúde, dado que o inquirido se sentiu doente.3

Do quadro 9.4 é visível que, excetuando as situações associadas como consumo de medicamentos, a população com 65 anos ou mais de-fronta barreiras de acesso a cuidados de saúde que são menores do queas da população em geral. A população com 65 anos ou mais tem umaprobabilidade mais elevada do que o grupo etário de 15 a 64 anos depedir um medicamento genérico e de indicar que teve circunstâncias emque não comprou um medicamento por falta de condições financeiras.Em contrapartida, nas barreiras que possam afetar dia a dia as consultas(capacidade para pagar taxa moderadora e/ou transportes), a proporçãode respostas que identifiquem este tipo de barreiras é menor do que napopulação de 15 a 64 anos. Assim, a população com 65 ou mais anosestá mais limitada, correntemente, nos seus cuidados de saúde no acessoa medicamentos do que no acesso a consultas, apesar da forte reduçãodo preço dos medicamentos nos últimos anos (Gomes e Barros 2015).Nesta comparação, é de assinalar a importância que tem na populaçãocom menos de 65 anos a população desempregada, que está associadacom barreiras de acesso a cuidados de saúde mais elevadas.

Estas questões têm de ser complementadas com uma análise mais de-talhada do que sucedeu na última vez que o inquirido se sentiu doente.4

O quadro 9.5 apresenta essa informação para a mesma amostra da po-pulação, revelando que apenas 5 dos 214 idosos presentes na amostra re-feriram não ter procurado auxílio no sistema de saúde quando se senti-

2 V. Barros (2015) para mais detalhes sobre o inquérito.3 Para uma descrição detalhada da amostra utilizada, cf. Silvério e Barros (2015).4 A motivação conceptual para este aspecto encontra-se explicada de forma detalhada

em Barros et al. (2013).

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ram doentes e que o motivo apontado foi não percecionarem uma si-tuação grave. As barreiras monetárias, seja de taxas moderadoras, seja decustos de transporte, não foram impeditivas de a população idosa acedera cuidados de saúde (note-se que as isenções de pagamento de taxas mo-deradoras terão certamente aqui um papel relevante).

As estatísticas descritivas básicas podem esconder o papel de outrosaspetos. Por exemplo, se a distância em tempo às unidades de saúde tiverinfluência na decisão de procurar cuidados de saúde, e se uma maior pro-porção de idosos estiver localizada longe, então poderá ser o fator loca-lização, e não uma menor necessidade, a determinar um menor recursoa cuidados de saúde. A inclusão destes aspetos na análise é feita atravésda análise de regressão, em que se procura avaliar em que medida os ci-dadãos com 65 anos ou mais recorrem mais (ou menos) aos serviços desaúde quando se sentem doentes e se têm uma maior probabilidade dese sentirem doentes.

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Quadro 9.4 – Barreiras de acesso a cuidados de saúde

15 a 64 anos 65 anos ou mais

Não adquiriu todos os medicamentos que devia por falta de dinheiro 17,56% 26,8%

Não foi a uma urgência ou a uma consulta por falta de dinheiro 9,47% 7,13%

Na farmácia pediu para trocar medicamento de marca por genérico por este ser mais barato 36,64% 44,27%

Deixou de ir à urgência ou a uma consulta pelo preço do transporte 6,59% 5,76%

Não foi a uma urgência por não poder perder o dia de salário 8,10% 2,20%

Observações 1046 214População associada 6 625 713 1 937 788

Fonte: Elaboração própria utilizando os dados descritos em Barros (2015).

Quadro 9.5 – Motivação assinalada para não procurar auxílio no sistema de saúde

15 a 64 anos 65 anos ou mais

Não valia a pena pagar a taxa moderadora 3,24% 0%Não tinha capacidade de pagar a taxa moderadora 2,21% 0%Não era uma situação grave 90,75% 100%Não tinha capacidade para pagar o transporte 0% 0%Observações (total de inquiridos: 1260) 89 5População representada 559 373 46 300

Fonte: Elaboração própria utilizando os dados descritos em Barros (2015).

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O quadro 9.6 sumaria a probabilidade média estimada, em cada grupoetário, de o inquirido se sentir doente e o efeito diferencial de ter 65 anosou mais. Estes valores são obtidos a partir de modelos de regressão probit,apresentados em anexo. Há, a partir desses modelos, a identificação deum claro efeito de idade, associado com maior necessidade de cuidadosde saúde, embora não se tenha a sua aceleração a partir dos 65 anos (ava-liada através de uma eventual alteração de tendência, rejeitando-se esta-tisticamente essa hipótese). Foram estimados quatro modelos, com umconjunto alargado de variáveis explicativas e com um conjunto reduzidode variáveis explicativas (apenas as que se apresentam como estatistica-mente significativas), por um lado, e com e sem ponderação para repre-sentatividade da população, por outro lado (em anexo são fornecidos de-talhes adicionais sobre as análises de regressão subjacentes ao quadro 9.6).

Uma forma de avaliar a relevância das barreiras de acesso a cuidadosde saúde no próprio estado de saúde é perceber se o recurso ao sistemade saúde surgiu por consequência de algum episódio anterior, seja de con-tenção em procurar auxílio por parte do cidadão, seja por tratamento an-terior incompleto. O quadro 9.7 reporta esta informação com base nosdados de Barros (2015). Os principais motivos para os idosos recorreremao sistema de saúde decorrem ou de doenças crónicas ou de situaçõesinesperadas de doença. Face à população com menos de 64 anos, o grupodos inquiridos com 65 anos ou mais tem menor incidência de situaçõesde agravamento de situação por não ter procurado ajuda (o que está deacordo com a evidência traçada previamente de barreiras de acesso), masinvoca com maior frequência situações de tratamento anterior incom-pleto. A importância das doenças crónicas para recorrer ao sistema desaúde sugere que o Serviço Nacional de Saúde terá de dar resposta cres-

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Quadro 9.6 – Probabilidade de se sentir doente no ano anterior ao da inquirição

Sem ponderadores Com ponderadores

Alargado Reduzido Alargado Reduzido

Efeito de idade 0,012 0,015 0,013 0,013 (3,61) (6.44) (3,89) (4,13)Alteração aos 65 anos 0,002 — 0,002 0,002 (1,16) (1,03) (1,04)Prob. média < 65 anos 0,426 0,433 0,428 0,424Prob. média ≥ 65 anos 0,673 0,649 0,677 0,667 Teste t da diferença –26,725 –25,821 –26,256 –27,102

Nota: Entre parênteses estatísticas t do teste de significância individual de cada coeficiente.Fonte: Cálculos próprios a partir da informação em anexo.

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cente a essas situações. A organização necessária será diferente da atual –reforço dos cuidados de saúde primários, maior papel do cidadão na mo-nitorização e seguimento da sua situação, novas formas de acompanharo cidadão de idade avançada com várias condições crónicas.5

Não se retira, contudo, que a remoção de barreiras de acesso viesse aresultar num aumento muito elevado da utilização, e consequentementeda despesa, de cuidados de saúde. Ou seja, apesar da maior necessidadede cuidados de saúde da população com o aumento da sua idade, o sis-tema de saúde português teve capacidade de resposta, mesmo atendendoao período de crise económica e de contenção da despesa pública. Parao futuro interessa reter que não se encontra uma pressão de procura ar-tificialmente limitada.

Considerações finais: a resposta à pergunta inicial

O envelhecimento da população, definido como a alteração perma-nente da estrutura etária da população residente em Portugal, teve umimpacto relativamente menor, quando comparado com outros fatores,no crescimento das despesas em saúde em Portugal.

Utilizando as projeções demográficas do INE, o aumento da despesapública em cuidados de saúde devido a essa alteração da estrutura etárianão criará uma pressão excessiva sobre a despesa em cuidados de saúde.Mesmo atualmente, a capacidade da população com 65 ou mais anos deaceder a cuidados de saúde aparenta ser maior do que a da população nafaixa etária de 15-64 anos, com a importante exceção dos medicamentos.

O desafio futuro fundamental resultante do envelhecimento da po-

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Quadro 9.7 – Motivo para recorrer ao sistema de saúde

15 a 64 anos 65 anos ou mais

Doença crónica 28,42% 49,72%Problema inesperado 62,63% 40,83%Agravamento por não ter procurado ajuda anteriormente 5,11% 3,71%Tratamento anterior incompleto 1,79% 4,10%Outra razão 2,06% 1,64%

Nota: 490 inquiridos que se sentiram doentes, representando 3 487 187 indivíduos.Fonte: Elaboração própria utilizando os dados descritos em Barros (2015).

5 Para uma discussão sobre a possível evolução do tipo de cuidados de saúde, v., porexemplo, Crisp (2014).

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pulação não será no esforço financeiro requerido. A necessidade de de-senvolver um novo modelo de relacionamento entre o cidadão e o Ser-viço Nacional de Saúde, enquanto prestador de cuidados de saúde, seráo principal desafio. O principal desafio que o envelhecimento da popu-lação coloca ao sistema de saúde português, e dentro deste ao ServiçoNacional de Saúde, é em grande medida organizacional e não financeiro.

Para evitar que Portugal seja um «país sem cuidados» na sua populaçãomais idosa há que preparar uma maior atenção ao medicamento em am-bulatório, com duas linhas de atuação: preços dos medicamentos e pa-drão de prescrição. As medidas adotadas desde o outono de 2010, no-meadamente durante o período de resgate financeiro, orientaram-se, eem grande medida alcançaram, para preços baixos e maior utilização degenéricos como forma de reduzir a despesa pública em medicamentos.Esse esforço, sem prejuízo de poder haver ainda alguma margem paramaior papel dos genéricos, deverá incidir sobre os preços dos medica-mentos ainda sem concorrência de genéricos e sobre a adequação do pa-drão de prescrição.

Há ainda um outro aspeto que não foi analisado, o papel dos cuidadosinformais e o que possa suceder com a oficialização desses cuidados pres-tados por cuidadores que são próximos dos doentes mas não são profis-sionais de saúde. Não se conhecendo, neste momento, o efeito que essaformalização poderia significar em termos de despesa em cuidados desaúde, é deixada como questão para trabalhos futuros.

No final das várias questões intermédias, é tempo de dar resposta àpergunta inicial. Tem o envelhecimento da população implicações eco-nómicas e/ou financeiras que irão forçar a limitar ou a cortar nos cuida-dos de saúde prestados? Não exatamente. Força é um país com outra or-ganização de cuidados de saúde que tenha a capacidade de acomodar asdiferentes preferências da população envelhecida. Em condições clínicassimilares, diferentes pessoas podem atribuir valores distintos aos mesmosaspetos. A heterogeneidade de preferências vai exigir outro tipo de orga-nização de cuidados de saúde. No entanto, essa outra organização nãosignifica obrigatoriamente cuidados de saúde mais caros. Não há motivofinanceiro para pensar que o envelhecimento obrigará a que haja umaredução de cuidados de saúde em Portugal. A pressão financeira sobreas despesas de saúde que surgir de outras fontes, como a inovação (no-meadamente no campo do medicamento), terá de ser controlada ou res-pondida com outros instrumentos.

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Envelhecimento da população e pressão sobre a procura de cuidados de saúde

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AnexoO quadro 9.8 apresenta os resultados completos da análise de regressão

referente à necessidade de cuidados de saúde da população. Utilizam-sediferentes fatores explicativos para compreender o que possa estar asso-ciado com a variável dependente (o inquirido ter-se sentido doente pelomenos uma vez no ano anterior ao momento da inquirição). O facto dea variável dependente ser de natureza dicotómica (0/1), consoante a pes-soa inquirida não se tenha sentido doente (0) ou se tenha sentido doente(1), leva a que seja utilizado um modelo de regressão probit.6 Como fatoresexplicativos consideraram-se a idade (idade expressa em anos), a alteraçãode tendência do efeito da idade para a população com 65 anos ou mais(idade 65_trend, definida como a idade, desde que superior ou igual a 65anos), estar isento de taxa moderadora (isento, tomando o valor de 1, sefor esse o caso, 0, de outro modo), distância à urgência hospitalar maispróxima (distância física, em metros, e, tempo, em minutos), ter seguroprivado de saúde (seguro, tomando o valor de 1, se tiver seguro, 0, noutroscasos), diferenças de género (homem), se é imigrante, dimensão do agre-gado familiar (agregado em número de membros) e estatuto socioeconó-mico (em cinco categorias, das quais é tomada como referência a de me-nores rendimentos). Os coeficientes reportados traduzem o efeito navariável latente, subjacente ao modelo probit de regressão.

Os resultados obtidos têm algum interesse em si mesmos, uma vez querevelam que os inquiridos de maior idade e do sexo feminino têm umamaior probabilidade de se sentirem doentes. Há também uma associaçãopositiva entre ter isenção de pagamento de taxa moderadora e ter-se sentidodoente, o que poderá traduzir uma situação em que pessoas com maiorcarga de doença, seja por terem doenças crónicas, seja por terem eventual-mente baixos rendimentos, beneficiam das possibilidades de isenção detaxa moderadora. A distância tempo e a distância física não estão associadascom maior necessidade de cuidados de saúde (apenas num caso o coefi-ciente da variável de distância física é estatisticamente significativo, mas demagnitude muito baixa – 100 km de distância traduzem-se em menos de2 pontos percentuais adicionais de probabilidade de se sentir doente). Sig-nifica que não há, nesta amostra, evidência de que população mais distantetenha estado de saúde que se traduza em maiores necessidades de recursoa cuidados de saúde. De igual forma, o estatuto socioeconómico tambémnão surge como fator associado com a probabilidade de indicação de

6 Para uma descrição destes modelos, v. Wooldridge (2012).

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doença. Já a situação de imigrante está ligada a maior frequência de situaçãoautopercecionada como doença. Globalmente, estes fatores permitem nor-malizar a necessidade de recurso a cuidados de saúde, permitindo umacomparação mais adequada entre pessoas com mais ou menos de 65 anos,tudo o resto igual. A existência de um efeito de idade leva a que, se a po-pulação com 65 anos ou mais fosse igual em todas as restantes caracterís-ticas à população com menos de 65 anos, a probabilidade média de indi-cação de situação de doença seria maior no primeiro do que no segundogrupo, ou seja, que teria, em média, maior procura de cuidados de saúdepor motivo de idade, como é usual considerar-se.

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Quadro 9.8 –Estimativas de modelo probit para se ter sentido doente no ano anterior ao da inquirição

Sem ponderadores Com ponderadores

Alargado Reduzido Alargado Reduzido

Idade 0,012 0,015 0,013 0,013 (3,61) (6,44) (3,89) (4,13)Idade 65_trend 0,002 0,002 0,002 (1,16) (1,03) (1,04)Isento 0,180 0,214 0,164 0,244 (2,17) (2,67) (1,96) (3,06)Distância /106 6,19 7,11 6,21 (1,61) (1,94) (2,13)Tempo /108 –2,18 –1,71 (–0,43) (–0,35) Seguro 0,014 0,009 (0,11) (0,07) Homem –0,308 –0,309 –0,307 –0,336 (–3,89) (–3,94) (–3,81) (–4,30)Status A –0,568 –0,537 (–1,82) (–1,66) Status B –0,190 –0,215 (–1,26) (–1,37) Status C –0,143 –0,129 (–1,12) (–1,01) Status D 0,016 0,013 (0,15) (0,12) Imigrante 0,422 0,407 0,464 0,457 (2,13) (2,05) (2,47) (2,52)Agregado 0,019 0,021 (0,57) (0,63) Constante –0,669 –0,745 –0,724 –0,752 (–2,90) (–6,20) (–3,08) (–5,15)

Nota: Entre parênteses estatísticas t do teste de significância individual de cada coeficiente.

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Referências bibliográficas

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Barros, P. P., et al. 2013. Impacto das Taxas Moderadoras na Utilização dos Serviços de Saúde.Lisboa: Ministério da Saúde, 107-120.

Gomes, J. P., e P. P. Barros. 2015. «Despesa com medicamentos em ambulatório». In Po-líticas Públicas em Saúde: 2011-2015 – Avaliação do Impacto, coord. Pedro Pitta Barros.Lisboa: Ministério da Saúde.

Crisp, N., coord. 2014. The Future for Health – Everyone Has a Role to Play. Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian.

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Silvério, F., e P. P. Barros. 2015. «Utilização de cuidados de saúde: barreiras de acesso».In Políticas Públicas em Saúde: 2011-2015 – Avaliação do Impacto, coord. Pedro PittaBarros. Lisboa: Ministério da Saúde, 35-60.

Wooldridge, J. 2012. Introductory Econometrics: a Modern Approach. Boston, MA: CengageLearning.

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Vasco Canto Moniz

Capítulo 10

Intervenção de encerramentoIntrodução

De uma forma geral, o grau de desenvolvimento humano está asso-ciado, em termos médios, ao melhor PIB per capita (em paridade dopoder de compra), à melhor balança de pagamentos, à menor dívida pú-blica em percentagem do PIB e ao menor défice do Orçamento do Es-tado também em percentagem do PIB.

O que equivale a dizer que para um maior desenvolvimento humanoconcorre decisivamente o crescimento económico, sendo este impulsio-nado por uma balança de pagamentos positiva, por uma dívida públicacontrolada e por um reduzido défice do Orçamento do Estado em ter-mos do que o país produz.

A criação de condições para a sustentabilidade do Estado social passa,pois, pelo crescimento económico, que é potenciado pelo equilíbrio daeconomia e da intervenção pública na mesma.

Mas passa também pela eficiência na gestão dos recursos disponíveise esta implica a redução dos custos unitários de produção como normade eficiência.

Mesmo sem reforma do Estado social, o desenvolvimento económicogerará mais recursos, contribuindo para a sua sustentabilidade, o que im-plica a reforma do Estado na sua intervenção na economia em ordem àlibertação de recursos para os sectores mais dinâmicos da economia pro-moverem o crescimento económico desejável.

Com a reforma do Estado social, mesmo sem crescimento económico,a maior eficiência na afetação dos recursos dentro do Estado social é umcontributo já valioso para a sua sustentabilidade.

As duas reformas do Estado – na sua intervenção na economia e nagestão do Estado social – são assim complementares e necessárias ao de-senvolvimento e sustentabilidade deste último, como contributo indis-pensável para o desenvolvimento humano desejável.

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Fomos capazes, nos anos recentes, de produzir algumas reformas es-truturais, que introduziram um reequilíbrio nas contas públicas pela viaimediatista da receita e da contração da despesa, em especial nas pensões.

Se é verdade que a situação de urgência que enfrentámos nos anosmais próximos tinha de ser resolvida no imediato, como foi, embora nãona totalidade, não parece haver dúvidas quanto a que um equilíbrio sau-dável e sustentável só será conseguido com reformas profundas que po-tenciem as energias das organizações da sociedade em geral e que otimi-zem a utilização dos recursos de que o país dispõe.

Dizendo de outro modo, é urgente reorganizar a nossa vida coletiva,o que passa necessariamente pela reforma do Estado, das suas funções edo modo de as concretizar.

Acreditamos que a academia (com o seu saber racional e tranquilo) e asinstituições da sociedade civil (com a sua experiência do quotidiano)podem ser polarizadoras da consciência da necessidade e da reflexão queconduza aos caminhos de consenso de que a nossa sociedade tanto precisa.

Uma questão estrutural: as atividades da família e a demografia

Portugal destaca-se como o 4.º país mais envelhecido da União Euro-peia, registando-se, em 2013, 19,6% da população com 65 e + anos. Em2060, a população idosa representará 34,6% da população portuguesatotal (European Union 2015).

A pressão do envelhecimento nas despesas sociais torna indispensávelo aumento da idade da reforma, bem como introduzir medidas fiscaisde incentivo ao trabalho pós-reforma, que contribuirão não só para umenvelhecimento ativo potenciador de um sentimento de inclusão social,como também para o aumento da produção e dos recursos necessáriosà sustentabilidade das pensões.

Com as tendências da fecundidade, a representação da população ativano período de 2013-2060 diminuirá de 66% para 54%, como consequên-cia da incapacidade de renovação das gerações. Neste sentido, estamosconfrontados com uma questão fundamental para o crescimento econó-mico, a dos recursos humanos para a produção, que, sendo morosa nasua resolução, exige uma intervenção decidida e urgente que permita asua melhoria e resolução a prazo. Questão esta que nos coloca outra – como agir sobre a natalidade –, potenciando o seu crescimento, visto oíndice de fecundidade não ser (nem será no médio prazo) suficiente paragarantir a natural renovação das gerações (1,27 em 2013 e 1,52 em 2060).

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Em países de referência como a França e a Suécia – países que possuemas taxas de natalidade mais altas da Europa, 2,02 e 1,93, respetivamente –foram implementadas medidas para conciliar a maternidade com a vidaprofissional, somando-se auxílios – atividades extraescolares a preços re-duzidos, rede de creches privadas de preços controlados, licenças paren-tais pagas (mais do que um ano de licença), subsídios para as famílias,benefícios fiscais para casais com filhos, entre outros. Ou seja, políticasde família direcionadas no sentido da compatibilidade das atividades dafamília e da participação de homens e mulheres na força de trabalho.

Apresentam-se no quadro 10.1 indicadores (para comparação) de al-gumas medidas de política de natalidade/família preconizadas em França,Suécia e Portugal divulgados pela OCDE.1

Em Portugal, as licenças de maternidade têm uma duração inferiorcomparativamente à França e à Suécia.

Intervenção de encerramento

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Quadro 10.1 – Licenças de maternidade, em semanas, 2014

Licença de Licença Licença de maternidade Taxa média parental Taxa média maternidade Taxa média remunerada de pagamento disponível de pagamento remunerada de pagamento (%) para as mães (%) total (%) 1 2 3 = (1) + (3)

França 16 100 26 18,4 42 49,5Suécia 8,6 77,6 51,4 61,1 60 63,4Portugal 6,4 100 23,7 58,9 30,1 67,6

1 Fonte: OECD (2015), OECD Family Database, OECD, Paris (www.oecd.org/social/family/database.htm).

Quadro 10.2 – Organização dos horários de trabalho, 2010

Proporção de empregados com horário de trabalho...

Definido pelo Com escolha entre Pode adaptar o Definido pelo empregador vários horários de horário de trabalho empregado trabalho fixos dentro de certos limites França 59,9 10,5 20,3 7,9Suécia 35,9 6,7 43,7 13,6Portugal 85,6 4,5 6,6 2,5

Em Portugal, o horário de trabalho tem sido maioritariamente defi-nido pelo empregador, ao contrário da Suécia, demonstrando-se poucoflexível para a desejada conciliação do trabalho com a família.

Portugal distingue-se pelo menor número de horas dedicadas às crian-ças, assim como pelo maior número de horas dedicadas de cuidados apessoas idosas, espelhando a importância desta última faixa etária na so-

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ciedade e solidariedade familiar no que respeita aos seus cuidados (infor-mais).

Portugal, o país mais envelhecido, distingue-se pelo menor investi-mento em benefícios para as famílias no PIB.

Embora recentemente tenha sido alterado o Código do Trabalhotendo em vista o reforço dos direitos de parentalidade (Lei n.º 120/2015,de 1 de setembro),2 o aumento da taxa de fecundidade terá de ser har-monizado com os progressos socioeconómicos e culturais fortementeenraizados na sociedade e acompanhado por iniciativas políticas, ondeassumem particular relevo a salvaguarda dos direitos à progressão nascarreiras e à segurança no posto de trabalho, e iniciativas de políticas so-ciais e fiscais de incentivo à natalidade.

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Quadro 10.3 – Média de horas semanais dedicadas à prestação de cuidados (mulheres com 18 e + anos)

Cuidados e educação das crianças Cuidados a pessoas idosas/ Total a pessoas portadoras de deficiência

França 29 7 36Suécia 33 5 38Portugal 23 11 34

Quadro 10.4 – Despesa pública em benefícios para as famílias, serviços e incentivos fiscais, em percentagem do PIB, 2011

Dinheiro Serviços Incentivos fiscais Total

França 1,57 1,36 0,68 3,61Suécia 1,49 2,14 0,00 3,64Portugal 0,80 0,45 0,20 1,44

2 Possibilidade de a licença parental inicial, nos casos em que seja partilhada entre osprogenitores, poder ser usufruída simultaneamente; aumento de 10 para 15 dias úteis daduração da licença parental exclusiva do pai trabalhador e consequente ajustamento doregime previdencial, com o alargamento do período de duração do subsídio parentalcorrespondente (atribuído pela segurança social) de 10 para 15 dias úteis; explicitação deque o trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, comdeficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação eque opte, nas condições legais, por trabalho em regime de tempo parcial ou de horárioflexível não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira; atri-buição do direito do trabalhador com filho com idade até 3 anos: (a) exercer a sua ativi-dade laboral em regime de teletrabalho, quando esta seja compatível com a atividade de-sempenhada e a entidade empregadora disponha de recursos e meios para o efeito; (b)não ser abrangido por regime de adaptabilidade grupal ou de banco de horas grupal,salvo se o trabalhador manifestar, por escrito, a sua concordância.

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O sector social poderá contribuir para a concretização de políticas deapoio às famílias, promovendo o alargamento e a gestão da rede dosequipamentos sociais de apoio à infância, que são parte indispensável deuma política ativa de natalidade.

Põe-se, então, a seguinte questão: que reforma para o Estado social noâmbito de políticas pró-natalidade como vetor da sustentabilidade?

No imediato, a reforma da regulamentação do sector, eliminando exi-gências descabidas da segurança social (para o atual desenvolvimentoeconómico), seja ao nível da organização do funcionamento dos equi-pamentos, seja na conceção física dos mesmos, com reflexo imediato noaumento de produção da capacidade já instalada, em especial em situaçãode crise financeira, que, pela sua natureza estrutural, veio para ficar longosanos, bem como a introdução de medidas sem custo para a despesa pú-blica.

A prazo, por arrastamento do crescimento económico real, serão pro-duzidos os recursos que deverão reverter também para introduzir novasmedidas pró-natalidade que a estimulem de modo sustentável.

A realidade histórica mostra-nos que as soluções para os problemas,para serem sustentáveis, têm de estar adaptadas às condições económicasde cada época tanto quanto às necessidades sociais prevalecentes.

É, assim, neste sentido, que as reformas possíveis têm de conter a artede equilibrar o futuro desejado com os condicionamentos de contextoem que são concebidas, numa lógica integradora das limitações existentescom as aspirações que são próprias da natureza humana.

Intervenção de encerramento

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Envelhecimento na Sociedade Portuguesa

Este livro reúne os textos das intervenções realizadas em trêscolóquios sob o tema genérico Envelhecimento na SociedadePortuguesa: Pensões, Família e Cuidados, que ocorreram entremarço e outubro de 2015, por iniciativa conjunta da Fundação D. Pedro IV e do então Instituto do Envelhecimento daUniversidade de Lisboa. A organização destes colóquiosobedeceu à ideia de contrastar visões distintas para alguns dosdesafios que resultam do envelhecimento da população,procurando, mais do que caracterizar, delimitar ou discutir osproblemas existentes, apontar soluções possíveis, alavancadas nasconvicções pessoais e políticas de cada interveniente. Destemodo, os organizadores deste livro esperam poder contribuirpara a discussão do tema do envelhecimento na sociedadeportuguesa.

Pedro Moura Ferreira édoutorado em Sociologia peloInstituto Superior de Ciências doTrabalho e da Empresa – InstitutoUniversitário de Lisboa (ISCTE-IUL)e investigador do Instituto deCiências Sociais da Universidade deLisboa (ICS-ULisboa), onde coordenao Observatório do Envelhecimento(ex-Instituto do Envelhecimento daUniversidade de Lisboa – IE-ULisboa).Último livro publicado (em coautoria): Envelhecimento Activoem Portugal: Trabalho, Lazer e Redes(Lisboa: FFMS, 2014).

Manuel Villaverde Cabral éatualmente investigador emérito doICS-ULisboa e foi diretor do IE-ULisboa até 2015. Foi diretor daBiblioteca Nacional, presidente doICS e vice-reitor da Universidade deLisboa. O último livro que publicou(em coautoria) é Envelhecimento emLisboa, Portugal e Europa – UmaPerspetiva Comparada (ICS, 2016).

Amílcar Moreira é doutorado emPolítica Social pela Universidade deBath (UK) e investigador no ICS-ULisboa, integrado no IE-ULisboa. É investigador principaldo projeto DYNAPOR (DynamicMicrosimulation Model for Portugal) quevisa estudar a sustentabilidadefinanceira, fiscal e social do sistemade segurança social português.

Outros títulos de interesse:

Envelhecimento em Lisboa,Portugal e EuropaUma Perspectiva ComparadaManuel Villaverde CabralPedro Alcântara da SilvaMaria Toscano Batista(organizadores)

Os Portugueses e o Estado-ProvidênciaUma Perspectiva ComparadaFilipe Carreira da Silva(organizador)

Tempo e Transições de VidaPortugal ao Espelho da EuropaJosé Machado PaisVítor Sérgio Ferreira(organizadores)

ICSwww.ics.ul.pt/imprensa

UID/SOC/50013/2013

Envelhecimentona Sociedade

Portuguesa Pensões, Família

e CuidadosPedro Moura Ferreira

Manuel Villaverde CabralAmílcar Moreira

(organizadores)

ICS

Fundação D. Pedro IVInstituição Particular de Solidariedade Social

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