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- DIREITO CONSTITUCIONAL - CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 1 PREMISSAS TEÓRICAS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. CHRISTIANO TAVEIRA 1 1. Definição. A noção de controle de constitucionalidade se encontra estreitamente ligada ao denominado “Princípio da Supremacia da Constituição”. Desfrutando as normas constitucionais de uma característica de superior hierarquia, nenhum ato jurídico ou mesmo nenhuma norma infraconstitucional pode subsistir validamente se for incompatível com o texto constitucional. Aproveitando-se do modelo piramidal idealizado por HANS KELSEN, é possível afirmar que, situando-se a Constituição no vértice do ordenamento jurídico, toda a legislação infraconstitucional, assim como toda a atividade interpretativa, deve se pautar em conformidade com as normas prescritas na Lei Fundamental. Discorrendo sobre a superioridade hierárquico-normativa da Constituição, afirma LUÍS ROBERTO BARROSO que “a supremacia constitucional traduz-se em uma superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária de produção normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores. E a superlegalidade material subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à conformidade com os princípios e regras da Constituição. A inobservância dessas prescrições formais e materiais deflagra um mecanismo de proteção da Constituição, conhecido na sua matriz norte- americana como judicial review, e batizado entre nós de controle de constitucionalidade” 2 . 2. Histórico do Controle de Constitucionalidade no Brasil. A primeira Constituição brasileira, a Carta Outorgada de 1824, não possuía qualquer previsão de um sistema controle de controle de constitucionalidade, consagrando, ainda que de forma 1 Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro. Assessor Chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado de Cultura e da Secretaria de Estado de Defesa Civil. Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor de Direito Constitucional do Centro de Estudos Jurídicos 11 de Agosto (CEJ). Parecerista da Revista de Direito Administrativo (RDA). 2 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 153.

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- DIREITO CONSTITUCIONAL -

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1

PREMISSAS TEÓRICAS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.

CHRISTIANO TAVEIRA1

1. Definição.

A noção de controle de constitucionalidade se encontra estreitamente ligada ao denominado

“Princípio da Supremacia da Constituição”. Desfrutando as normas constitucionais de uma

característica de superior hierarquia, nenhum ato jurídico ou mesmo nenhuma norma

infraconstitucional pode subsistir validamente se for incompatível com o texto constitucional.

Aproveitando-se do modelo piramidal idealizado por HANS KELSEN, é possível afirmar

que, situando-se a Constituição no vértice do ordenamento jurídico, toda a legislação

infraconstitucional, assim como toda a atividade interpretativa, deve se pautar em conformidade com

as normas prescritas na Lei Fundamental.

Discorrendo sobre a superioridade hierárquico-normativa da Constituição, afirma LUÍS

ROBERTO BARROSO que “a supremacia constitucional traduz-se em uma superlegalidade formal e

material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária de produção

normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores.

E a superlegalidade material subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à

conformidade com os princípios e regras da Constituição. A inobservância dessas prescrições formais

e materiais deflagra um mecanismo de proteção da Constituição, conhecido na sua matriz norte-

americana como judicial review, e batizado entre nós de controle de constitucionalidade”2.

2. Histórico do Controle de Constitucionalidade no Brasil.

A primeira Constituição brasileira, a Carta Outorgada de 1824, não possuía qualquer

previsão de um sistema controle de controle de constitucionalidade, consagrando, ainda que de forma

1 Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro. Assessor Chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado de

Cultura e da Secretaria de Estado de Defesa Civil. Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio

de Janeiro (UERJ). Professor de Direito Constitucional do Centro de Estudos Jurídicos 11 de Agosto (CEJ). Parecerista da

Revista de Direito Administrativo (RDA).

2 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 153.

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parcimoniosa, a chamada “Soberania do Parlamento”. Significa dizer, sob a inspiração do modelo

constitucional inglês e francês, não atribuía a nenhum órgão judicial a possibilidade de declaração de

invalidade de ato proveniente do Poder Legislativo. Como característica peculiar, a Carta imputava ao

Imperador a detenção de um Poder Moderador, responsável pela manutenção da harmonia e equilíbrio

entre os Poderes (artigo 98).

A primeira Constituição da República, promulgada em 1891, foi a primeira a introduzir, na

linha da jurisprudência norte-americana, a sistemática do controle difuso, em que qualquer juiz

singular tem o poder de declarar uma lei inconstitucional, modalidade que até hoje se encontra em

vigor.

A Constituição de 1934, mantendo o sistema difuso de controle de constitucionalidade,

pode ser destacada por três inovações na matéria: primeiramente, pela instituição de uma cláusula da

“Reserva de Plenário”, que exige o voto da maioria absoluta dos membros de um tribunal para fins de

declaração da inconstitucionalidade da norma (atualmente disposta no artigo 97 da Constituição de

1988); secundariamente, pela atribuição ao Senado Federal, da competência de suspender a execução,

no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional (semelhante à atual redação do artigo 52, inciso

X da Carta em vigor); terciariamente, pela criação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade

Interventiva.

A Carta de 1937 – apelidada de “A Polaca”, por reproduzir texto do sistema constitucional

polonês de 1935 – instituidora da ditadura do “Estado Novo”, apesar de manter a modalidade difusa de

controle de constitucionalidade, ficou marcada por singular característica, qual seja, nos termos do

comando de seu artigo 96, “a possibilidade do Presidente da República, a seu juízo, no caso de

declaração de inconstitucionalidade de uma norma pelo Judiciário, submetê-la novamente ao exame do

Parlamento, que, por 2/3 dos votos dos seus membros, em cada uma das Câmaras, poderia tornar sem

efeito a decisão do Tribunal”.

Sob o pálio do movimento de redemocratização do país, a Constituição Federal de 1946,

veio a restaurar a tradicional sistemática do controle judicial de constitucionalidade. Enquanto esteve

em vigor, ressalta-se o teor da Emenda Constitucional de 16, de novembro de 1965, que introduziu a

Ação Direta de Inconstitucionalidade a ser proposta exclusivamente pelo Procurador Geral da

República. Ratificando a adoção de um sistema concentrado de constitucionalidade, estabeleceu

instituto similar no âmbito estadual.

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A Constituição de 1967 – e a Emenda nº 1 de 1969 -, manteve a mesma sistemática então

vigente, destacando-se pela previsão de mecanismo de controle de constitucionalidade de lei

municipal, em face da Constituição Estadual, para fins de intervenção do Estado no Município.

Por fim, a Constituição da República de 1988 pode ser marcada pela introdução de diversas

novidades no âmbito do controle de constitucionalidade:

(a) em primeiro lugar, ampliou o rol de legitimados para propositura de Ação Direta de

Inconstitucionalidade – ADI ou ADIN (artigo 103);

(b) em segundo lugar, estabeleceu, a partir da Emenda Constitucional nº 3 de 1993, a Ação

Declaratória de Constitucionalidade – ADC (ou ADCON);

(c) em terceiro lugar, previu expressamente a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental – ADPF, regulamentada pela Lei nº 9.882 de 1999;

(d) em quarto lugar, no plano estadual, possibilitou aos Estados a instituição da

Representação por Inconstitucionalidade de leis ou atos municipais e estaduais, em face da

Constituição Estadual;

(e) em quinto lugar, estabeleceu a possibilidade de controle das omissões legislativas, tanto

do ponto de vista incidental, através do Mandado de Injunção (previsto no inciso LXXI, do artigo 5º),

quanto do ponto de vista concentrado, mediante a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão -

ADIN por omissão -, prescrita no parágrafo 2º do artigo 103.

3. Natureza do Ato de Inconstitucionalidade.

Estabelecida a possibilidade de controle da legislação ordinária em face da Constituição,

chega-se a outra controvérsia no âmbito doutrinário, qual seja: uma vez declarada, pelo Poder

Judiciário, a inconstitucionalidade de uma norma, a respectiva decisão judicial produziria efeitos ex

tunc (retroativos) ou ex nunc (prospectivos)? Dois sistemas constitucionais elucidam a questão.

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Uma primeira concepção, caracterizada como “teoria ou tese da nulidade”, baseada no

sistema constitucional norte-americano, entende que a norma inconstitucional é nula desde o início (ab

initio). A decisão judicial de inconstitucionalidade teria natureza declaratória, logo, produziria efeitos

ex tunc, retroativos no tempo. Por esse ângulo, sendo o vício de inconstitucionalidade aferido no plano

da validade, a norma, apesar de existente, seria inválida e absolutamente ineficaz. Esta, em regra, a

posição adotada no modelo constitucional brasileiro.

Uma segunda concepção, idealizada por HANS KELSEN e própria do sistema

constitucional austríaco, defende a anulabilidade da norma declarada inconstitucional. Caracterizada

como “teoria ou tese da anulabilidade”, a decisão de inconstitucionalidade teria natureza constitutiva

(em verdade, seria constitutiva-negativa), logo, produziria efeitos prospectivos (ex nunc). Sendo o

vício de inconstitucionalidade aferido no plano da existência, o reconhecimento da ineficácia somente

passaria a ser efetivado a partir da decisão em diante.

No Brasil, a possibilidade de adoção dessa segunda teoria, que flexibiliza a tese da nulidade

absoluta da lei inconstitucional, veio a ser estampada no artigo 27 da Lei nº 9868 de 1999, que

disciplina o rito da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Declaratória de Constitucionalidade, in

verbis:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo

em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,

poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus

membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha

eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a

ser fixado.”

Importa sublinhar: o referido dispositivo prevê que o Supremo Tribunal Federal, por razões

de segurança jurídica ou excepcional interesse social, pode, mediante um quorum qualificado, modular

os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, fixando um prazo – não necessariamente ex nunc - para

o início da ineficácia da norma.

A ratio legis do dispositivo se fundamenta no fato de que, não sendo a ciência do direito

uma ciência exata, em determinados casos, a impossibilidade de um retorno à situação fática anterior

(retorno a um status quo ante) vem a permitir, em nome de uma proteção à confiança e ao princípio da

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segurança jurídica, um temperamento dos efeitos – em regra, ex tunc – da decisão que confirma a

invalidade de uma norma.

4. Tipologia da Inconstitucionalidade.

De maneira geral, ao se verificar a (in)constitucionalidade de uma norma, pode-se afirmar a

possibilidade de duas espécies de vício: a inconstitucionalidade pode ser FORMAL, quando a norma

padecer de um vício de forma; ou MATERIAL, quando padecer de um vício quanto à matéria.

No tocante ao primeiro caso, há três subespécies de inconstitucionalidade formal, quais

sejam:

(a) inconstitucionalidade formal objetiva – ocorre nas hipóteses de ofensa ao devido

processo legislativo. É o caso, por exemplo, de uma lei complementar vem a ser aprovada por um

quorum de maioria simples, em frontal violação ao artigo 69 da Constituição Federal, que exige, nesse

caso, um quorum de maioria absoluta. Ou, ainda, quando a aprovação de uma emenda constitucional

desrespeita o quorum qualificado previsto no artigo 60 da Constituição Federal, que exige o voto de

3/5 dos membros do Congresso Nacional, em dois turnos, nas duas Casas Legislativas.

(b) inconstitucionalidade formal subjetiva – ocorre nas hipóteses de mácula na fase de

iniciativa de elaboração da norma. Conforme se infere de uma leitura do artigo 61 da Constituição da

República, existem determinadas matérias de iniciativa legislativa reservada ao Presidente da

República (simetricamente, na esfera estadual e municipal, há também matérias de iniciativa exclusiva

do Chefe do Poder Executivo, no caso, o Governador de Estado e o Prefeito, respectivamente).

Assim, por exemplo, qualquer projeto de lei que disponha sobre a criação de cargos ou

funções na administração direta, ou que implique aumento de remuneração dos servidores públicos,

somente poderá ser apresentado mediante proposta do Chefe do Executivo, nos termos da alínea “a”,

do inciso II, do parágrafo 1º, do artigo 61 da Lei Maior. Situação semelhante ocorre na hipótese da

alínea “e”, que trata da iniciativa privativa do Presidente da República para a “criação e extinção de

Ministérios e órgãos da administração pública”.

Questão controvertida na doutrina e jurisprudência envolve a seguinte situação: um projeto

de lei – de iniciativa privativa do Presidente da República – proposto por parlamentar (Deputado

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Federal ou Senador), apesar de conter um vício de forma, pode ser convalidado pela posterior sanção

aposta pelo Chefe do Executivo? Em outras palavras, nos casos de inconstitucionalidade formal

subjetiva, a sanção presidencial sana o vício do projeto de lei? Vejamos.

Uma primeira corrente – minoritária (perfilhada, entre outros, por SEABRA FAGUNDES)

– sustenta que a sanção convalida o vício. Se havia uma faculdade ao Presidente da República de vetar

o projeto por evidente inconstitucionalidade formal e, ainda assim, este optou por sancioná-lo, a sua

aquiescência sana o vício inicial.

Uma segunda corrente – majoritária (seguida, entre tantos, por CAIO TÁCITO) – sustenta

que se a norma (ou o projeto) contém um vício de forma, ela é inconstitucional ab initio, de tal forma

que mesmo a sanção presidencial não teria o condão de convalidar o vício anterior. Sendo o ato

inconstitucional nulo de pleno direito, não poderia o mesmo ser sanado posteriormente, se revelando

perfeitamente possível, em momento futuro, o ajuizamento de ação de inconstitucionalidade nesse

sentido.

(c) inconstitucionalidade formal orgânica – ocorre na hipótese de usurpação de

competência legislativa para a elaboração da norma. Há de se considerar, nesse ponto, que

determinadas matérias são de competência legislativa privativa da União, nos termos do artigo 22 da

Constituição Federal. Assim, por exemplo, somente a lei federal pode, em princípio, versar sobre

direito civil, comercial, penal, processual, agrário, dentre outras matérias, sob pena de vício de forma.

Retomando a tipologia da inconstitucionalidade, essa pode se dar por uma AÇÃO, ou seja,

através de um ato comissivo, como a elaboração de uma norma inconstitucional; ou por uma

OMISSÃO, quando a ausência de uma lei regulamentadora de certo dispositivo constitucional

inviabilizar a fruição de determinado direito previsto na Constituição Federal. Dois institutos t6em

especial relevo, nesse passo: o Mandado de Injunção, disposto no inciso LXXI do artigo 5º, e a Ação

Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, prevista no parágrafo 2º do artigo 103 da Lei

Fundamental, in verbis:

“Art. 103. (..).

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar

efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a

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adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão

administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”

O tema das chamadas “omissões inconstitucionais”, especialmente a ADIN por Omissão

será discutido linhas adiante.

Por fim, a inconstitucionalidade, tanto por omissão quanto por ação, pode ser TOTAL ou

PARCIAL, quando abranger a totalidade da norma (ou do projeto) levada à deliberação ou,

eventualmente, apenas parcela de sua redação.

5. Espécies de Controle de Constitucionalidade.

Apesar da intensa variedade - e peculiariedade - dos sistemas constitucionais existentes no

mundo, em relação ao Direito Comparado, podem ser ressaltados alguns principais mecanismos de

vital importância para a compreensão da sistemática adotada no Brasil. De maneira absolutamente

sintética, tem-se, entre tantos:

(a) o controle meramente político, em vigor na Inglaterra – de tradição costumeira (Direito

Consuetudinário) - e nos países do Common Law, caracterizados por Constituições flexíveis, onde

vigora a denominada “Soberania do Parlamento”. Possuindo a Casa Legislativa o batismo do voto

popular, não existe, em regra, no sistema constitucional inglês, um mecanismo de controle de

constitucionalidade a ser exercido pela via judicial (v., a respeito, a questão da suposta ilegitimidade

democrática da jurisdição constitucional, examinada em tópico anterior).

(b) a previsão expressa de um controle de constitucionalidade meramente preventivo – tal

como no modelo inglês, o sistema constitucional francês também é marcado, do ponto de vista

histórico, pela adoção rígida do princípio da Separação de Poderes. Na França, existia, até pouco

tempo, tão somente um controle preventivo de constitucionalidade, exercido por um órgão, de natureza

política, chamado “Conselho Constitucional”, a quem compete declarar a “conformidade” da lei em

relação à Constituição. Ou seja, no modelo francês, a partir do momento em que a lei passa a vigorar,

não mais possibilitar-se-ia a declaração de sua inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário, ante a

ausência de previsão de controle repressivo judicial.

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(c) modalidade de controle difuso de constitucionalidade – conforme já examinado em

momento anterior, a origem histórica do controle difuso, caracterizado pela possibilidade de qualquer

juiz singular invalidar um ato normativo incompatível com o texto constitucional, remonta ao célebre

caso Marbury versus Madison, julgado em 1803 pela Suprema Corte Americana. Esta, portanto, a

modalidade precípua adotada nos Estados Unidos da América.

(d) modalidade de controle concentrado de constitucionalidade – distintamente do controle

difuso, no controle concentrado - ou “por via de ação direta” – a tarefa de declaração de

inconstitucionalidade vem a ser diretamente atribuída exclusivamente a um órgão de cúpula

(comumente designado de “Tribunal Constitucional”), responsável pela guarda da Constituição. É o

que ocorre na grande maioria dos países europeus, a exemplo da Alemanha, Áustria, dentre outros.

(e) sistema eclético de controle de constitucionalidade – no Brasil, adota-se um sistema

misto (ou híbrido) de controle de constitucionalidade, assim denominado pela presença tanto de um

controle difuso, quanto de um controle concentrado judicial, exercido por órgão constitucional

(Supremo Tribunal Federal), nos termos do artigo 102 da Constituição da República.

6. Momentos de Exercício do Controle de Constitucionalidade.

Quanto ao momento de seu exercício, o controle de constitucionalidade de um ato

normativo pode ocorrer de forma preventiva ou prévia, ou seja, ao longo do processo de

aperfeiçoamento de um ato normativo (quando ainda consiste em mero projeto de lei); ou repressiva

ou posterior, quando já existente a norma (realizado sobre a lei).

O controle preventivo pode ser efetuado pelos três Poderes: Legislativo, Executivo e

Judiciário.

(a) Em primeiro plano, no tocante ao Poder Legislativo, o controle preventivo (também

denominado prévio ou a priori) vem a ser exercido pela COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E

JUSTIÇA – CCJ, existente em cada Casa Legislativa (v., a respeito das tarefas das Comissões, o teor

do artigo 58 da Constituição Federal).

Uma vez apresentado projeto de lei (PL) por qualquer parlamentar (ou, nos termos do

parágrafo 1º do artigo 61 da Constituição Federal, em se tratando de matérias reservadas à sua

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iniciativa privativa, pelo Chefe do Executivo), o mesmo deve ser encaminhado a uma Comissão – CCJ

- antes de ser submetido à votação em plenário, com o objetivo de verificação de eventual

incompatibilidade manifesta com o texto constitucional.

Não sendo constatada inconstitucionalidade cabal na proposição legislativa, procede-se,

antes de sua inclusão em pauta, a um processo de deliberação, isto é, passa-se a discutir o teor do

projeto (que pode vir a sofrer alguma alteração) para fins de posterior votação pelos parlamentares.

A CCJ realiza, portanto, um controle preventivo de constitucionalidade, sendo o primeiro

órgão – pertencente ao Poder Legislativo - a exercer um processo de “filtragem constitucional”.

(b) Uma vez aprovado o projeto em plenário (em se tratando de proposta de lei ordinária,

pela maioria simples dos membros da Casa Legislativa; ou, no caso de lei complementar, pela

respectiva maioria absoluta), segue-se o seu encaminhamento ao Chefe do Executivo, que se vê diante

de duas possibilidades: sancioná-lo ou vetá-lo (v. esquema abaixo).

PROJETO DE LEI CCJ PLENÁRIO Se o PL for EXECUTIVO

(verifica se o projeto é aprovado

manifestamente inconstitucional)

A aposição de sanção pelo Chefe do Executivo demonstra a sua concordância com o teor

do projeto. Dispõe, nesse sentido, o caput do artigo 66 da Constituição Federal que “a Casa na qual

tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo,

o sancionará”.

Da mesma forma, preceitua o parágrafo 3º do mesmo artigo 66 que, no caso de inércia do

Executivo, decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio importará na sanção do projeto (cuida-se, nessa

hipótese, da chamada “sanção tácita”, isto é, sanção pelo decurso do prazo).

Por outro lado, não concordando com o teor – integral ou parcial – da proposta legislativa,

pode o Chefe do Executivo, no prazo de quinze dias úteis, efetuar um veto, que comporta duas

espécies: por inconstitucionalidade ou por contrariedade ao interesse público. Prevê o artigo 66,

parágrafo 1º:

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§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte,

inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou

parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e

comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal

os motivos do veto.”

A situação descrita pode ser assim esquematizada:

EXECUTIVO SANCIONA O PL LEI

VETO POR INCONSTITUCIONALIDADE

POR SER CONTRÁRIO AO INTERESSE PÚBLICO

Pois bem. No que concerne ao Poder Executivo, o VETO POR

INCONSTITUCIONALIDADE consiste na segunda possibilidade de controle preventivo de

constitucionalidade do projeto de lei.

Questão controvertida diz respeito à natureza jurídica do veto. Em outros termos, indaga-se:

o veto pode ser controlado judicialmente? Pode-se estabelecer uma distinção entre o veto por

inconstitucionalidade e o veto por contrariedade ao interesse público? Vejamos.

Controvérsia das mais debatidas na esfera doutrinária diz respeito à questão da (in)

sindicabilidade do veto. Segundo a doutrina majoritária e a jurisprudência dominante do Supremo

tribunal Federal, o veto é um ato puramente político, logo, insuscetível de controle judicial.

Consistindo em decisão reservada à discricionariedade do Chefe do Executivo, não poderia um

membro do poder Judiciário analisar, através de ação judicial, a conveniência e a oportunidade do ato.

Este é o entendimento predominante na jurisprudência e ratificado pelo Supremo Tribunal Federal por

ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1, ajuizada pelo

Partido Comunista do Brasil em face de veto de projeto de lei aposto pelo então Prefeito do Município

do Rio de Janeiro.

Cabe assinalar, no entanto, existência de uma corrente doutrinária minoritária – perfilhada,

entre outros, por GILMAR FERREIRA MENDES e GUSTAVO BINENBOJM – que sustenta a

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necessidade de diferenciação entre as duas espécies de veto previstas em sede constitucional. Aduz-se

que na hipótese de o Chefe do Executivo vetar um projeto de lei por entendê-lo contrário ao interesse

público, assume ele um ônus político na tomada de tal decisão, configurando-se, portanto, um ato de

natureza estritamente política. Tal modalidade de veto seria, desta forma, insindicável judicialmente.

O mesmo, entretanto, não poderia ser afirmado quanto à outra modalidade. No caso de

aposição de veto por inconstitucionalidade – controle prévio feito pelo Executivo –, entende tal

concepção que a violação ao texto constitucional deveria ser cabalmente justificada, sob pena de burla

ao devido processo legislativo. Explica-se.

Quando o Chefe do Executivo veta um projeto de lei, esse ato somente pode ser rejeitado

pelo voto da maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa. Dispõe, nesse ponto, o parágrafo 4º

do artigo 66 que:

“Art. 66.

(...)

§ 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar

de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos

Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.”

Ou seja, em se tratando, por exemplo, de aprovação de uma proposta de lei ordinária,

bastaria o voto da maioria simples dos parlamentares. Todavia, para a rejeição do veto – por

inconstitucionalidade – passaria a ser necessário o voto da respectiva maioria absoluta. Admitir-se, de

forma irrestrita e desmotivada, a aposição de veto em tal situação acabaria por transformar um quorum

constitucional de maioria simples em maioria absoluta, acarretando, assim, uma ofensa ao devido

processo legislativo.

Em resumo, ao contrário do veto por contrariedade ao interesse público, o veto por

inconstitucionalidade não ostentaria a natureza de ato meramente político, podendo, desta maneira, ser

passível de controle judicial. O remédio processual cabível à espécie seria o Mandado de Segurança.

(c) Tem-se, por fim, em terceiro plano, a possibilidade de controle preventivo de

constitucionalidade a ser exercido pelo Poder Judiciário, na hipótese de proposta legislativa

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manifestamente inconstitucional. Versando sobre as chamadas “cláusulas pétreas”, preconiza o

parágrafo 4º, do artigo 60 da Lei Fundamental:

“Art. 60.

(...)

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.”

A partir de uma interpretação gramatical do dispositivo, que expressamente prevê que

“(...) não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir (...)”, admite a

jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal a possibilidade de controle judicial – difuso

ou por via de exceção – do ato normativo em formação.

Tal como no exemplo da sindicabilidade do veto por inconstitucionalidade, o remédio

constitucionalmente adequado seria o Mandado de Segurança que, na hipótese, somente poderia ser

impetrado por membro do Legislativo. Um ponto, portanto, merece ser evidenciado: consoante a

jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, a observância do “devido processo

legislativo” somente confere legitimidade ad causam a parlamentares, de tal forma que não se revela

viável a apreciação de medida judicial, nessa situação, intentada por terceiro que não ostente a

condição de parlamentar.

Examinadas as três situações de controle preventivo, relacionados ao processo de formação

legislativo, passa-se a analisar os casos de controle repressivo de constitucionalidade.

Cumpre, a título preliminar, esclarecer que, em regra, o controle repressivo vem a ser

exercido pelos membros do Poder Judiciário. Excepcionalmente, contudo, têm-se as seguintes

hipóteses de controle posterior efetuado pelos demais Poderes:

(a) em relação ao Poder Legislativo, ressalta-se o comando contido no inciso V, do artigo

49 da Constituição Federal, que preceitua ser competência exclusiva do Congresso Nacional “sustar os

atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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delegação legislativa”. Importa sublinhar: competindo ao Chefe do Executivo expedir decretos e

regulamentos para execução das leis (v. artigo 84, inciso IV da CF), bem como elaborar, mediante

delegação do Congresso Nacional, leis delegadas (v. artigo 68 da CF), eventual exorbitância dos

limites constitucionalmente estabelecidos pode - e deve - ser controlado pelo Congresso Nacional.

(b) em relação ao Tribunal de Contas, órgão auxiliar do Poder Legislativo previsto nos

artigos 70 e seguintes da Constituição Federal, admite a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a

apreciação da constitucionalidade, em sede de controle difuso ou por via de exceção, de leis e atos do

Poder Público. Confira-se, a respeito, o teor do Verbete de Súmula 347 do Tribunal: “o Tribunal de

Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do

Poder Público”.

(c) em relação ao Poder Executivo, destaca-se, na esteira da doutrina e jurisprudência

amplamente majoritárias, a possibilidade do controle posterior de constitucionalidade das leis

reputadas manifestamente inconstitucionais. Vale dizer, em virtude do princípio da Supremacia da

Constituição, compete ao Executivo – da mesma forma que os demais Poderes – negar a execução de

ato normativo incompatível com a Lei Fundamental.

OBSERVAÇÃO: Questão controvertida encontrada na doutrina diz respeito ao seguinte tema: em se

tratando uma norma de um ato emanado do Legislativo e, desfrutando, pois, de uma presunção

relativa de validade, pode o Chefe do Executivo – ou outra autoridade administrativa – se negar a

cumprir uma lei que repute manifestamente inconstitucional? Existem, basicamente, duas concepções

acerca do assunto.

Uma primeira concepção - minoritária na doutrina - entende que, em virtude do princípio

da presunção de constitucionalidade, na qualidade de corolário da Separação de Poderes, não

poderia um membro de outro Poder (no caso, do Executivo) se recusar a aplicar uma norma até então

em vigor. Por esse prisma, admitir uma mera recusa infundada no cumprimento da lei acabaria por

gerar uma situação de anarquia, sendo certo que, passando o teor do projeto por um controle

preventivo de constitucionalidade, se houve promulgação da norma, é porque existe um indício de

validade.

Não bastasse, em se tratando de um inconformismo do Governador do Estado, poderia ele

perfeitamente ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI ou ADIN) contra o ato

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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normativo (estadual ou federal), pleiteando, caso assim entendesse, uma medida liminar. Em se

tratando do Prefeito, poder-se-ia ajuizar uma Representação por Inconstitucionalidade (RI) em face

de uma lei municipal ou estadual, perante o Tribunal de Justiça do respectivo Estado.

Uma segunda concepção - amplamente majoritária (advogada, entre outros, por LUÍS

ROBERTO BARROSO e GUSTAVO BINENBOJM) - defende a possibilidade de o Chefe do Executivo

se recusar a cumprir uma lei manifestamente inconstitucional. Por esse ponto de vista, o papel de

zelar pelo texto constitucional não seria privativo do Poder Judiciário (a este caberia tão somente

dizer o direito com definitividade), sendo certo que, em uma “sociedade aberta”, outros agentes

poderiam exercer uma tarefa de interpretar a Constituição. Além disso, como visto acima, em se

tratando, por exemplo, de uma lei federal, o Prefeito não teria legitimidade para ajuizar uma Ação

Direta de Inconstitucionalidade (ADI ou ADN), por não constar no rol taxativo do artigo 103 da Lei

Fundamental.

Existe, ainda, um segundo argumento, de ordem legal. Confira-se a redação do §2º, do

artigo 102 da Constituição Federal de 1988:

“Art. 102.

(...)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias

de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,

relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração

pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”

Ora, segundo o texto, a decisão definitiva proferida em sede de controle concentrado de

constitucionalidade (ADI e ADC), produz um efeito vinculante – isto é, que não pode ser

desrespeitado, sob pena de Reclamação a ser endereçada ao Supremo Tribunal Federal - em relação

aos órgãos da “administração pública direta e indireta”. Vale dizer, fazendo-se uma interpretação a

contrario sensu do dispositivo, antes de uma decisão definitiva nas referidas ações de

inconstitucionalidade, não haveria qualquer óbice à recusa em cumprir o ato normativo pelos

membros do Poder Executivo. Esta foi a posição adotada em diversos julgados do Supremo Tribunal

Federal.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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Uma nota, porém, merece ser registrada. Ao exercer tal múnus, deve-se ter em conta o

caráter excepcional de tal atividade pelo Executivo. Em regra, toda norma goza de uma presunção de

validade. A recusa pelo seu cumprimento deve ocorrer somente nos casos de manifesta

inconstitucionalidade, sob pena de posterior responsabilização do agente público.

7. Modalidades de Controle de Constitucionalidade.

Analisou-se, até o presente momento, as formas de controle preventivo de

constitucionalidade e as hipóteses excepcionais de controle repressivo exercido pelos Poderes

Legislativo e Executivo. Passa-se, nessa quadra da exposição, a investigar de forma minuciosa o

funcionamento do controle jurisdicional dos atos normativos, isto é, das normas já em vigor.

No âmbito do Poder Judiciário, o controle de constitucionalidade pode se dar pela via

difusa (também chamada de “via de exceção”, incidental ou aberta) ou concentrada (chamada “via de

ação direta”, abstrata ou fechada).

DIFUSO/ INCIDENTAL/ VIA DE EXCEÇÃO

CONTROLE

CONCENTRADO/ VIA DE AÇÃO DIRETA

CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO DIRETA

DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI). ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE

PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). REPRESENTAÇÃO POR

INCONSTITUCIONALIDADE (RI).

1. Controle Concentrado de Constitucionalidade.

Examinadas as premissas teóricas acerca do tema, adentra-se, nessa quadra da exposição,

no estudo do controle concentrado de constitucionalidade. Cabe, a título preliminar, estabelecer as

principais diferenças entre as duas modalidades de controle acima enumeradas, a saber:

(a) no controle difuso, a decisão de (in)constitucionalidade do ato normativo atacado

consiste em uma mera questão prévia (questão prejudicial) ao deslinde da causa. Vale dizer, o pedido

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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principal da ação, na via de exceção, não é a declaração de inconstitucionalidade da norma. No

controle concentrado, por outro lado, a declaração de (in)constitucionalidade não é uma questão

prejudicial, mas o pedido principal da ação ajuizada.

(b) No controle difuso, qualquer juiz singular pode, em primeira instância, declarar a

inconstitucionalidade do ato normativo. Já no controle concentrado, como o próprio nome sugere,

existirá um órgão de cúpula competente para o julgamento da ação proposta pela via direta.

O controle concentrado - ou por via de ação direta – engloba, de forma precípua, quatro

espécies de ação: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), Ação Declaratória de

Constitucionalidade (ADC), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e a Ação

Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.

2. Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade encontra previsão nos artigos 102 e 103 da

Constituição da República, competindo ao Supremo Tribunal Federal o seu processamento e

julgamento. Consoante a dicção da alínea “a”, do inciso I, do artigo 102:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a

guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal

ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato

normativo federal;”

Além da expressa previsão constitucional, onze anos após a promulgação da Constituição

Federal, a referida ação (bem como a Ação Declaratória de Constitucionalidade) veio a ser

disciplinada pela Lei nº 9868 de 1999.

O OBJETO principal da Ação Direta de Inconstitucionalidade é fulminar a presunção

relativa de constitucionalidade (já examinada em ponto oportuno) desfrutada por qualquer lei ou ato

normativo.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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A NATUREZA JURÍDICA da Ação Direta de Inconstitucionalidade – tal como os demais

instrumentos de controle concentrado - é de PROCESSO OBJETIVO, assim entendido como aquele

que não possui partes individualizadas. Possui uma natureza eminentemente abstrata (ao contrário do

controle pela via difusa, suscitado mediante um caso em concreto). Diversamente do controle difuso,

na ADIN não existe propriamente um Autor e um Réu. No pólo ativo da ação se encontra um

Requerente, que é um dos legitimados para o seu ajuizamento, e no pólo passivo, um Requerido,

composto pela Casa Legislativa da qual emanou o ato sob ataque (no caso de ato normativo estadual, a

Assembléia Estadual; e no caso de ato federal, em regra, o Congresso Nacional).

2.1. Consequências Processuais da Natureza de Processo Objetivo.

2.1.1. Legitimados para a Propositura da Ação.

O caput do art. 103 da Constituição da República de 1988 enumera o rol dos legitimados

para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Convém observar que, com a nova redação

conferida ao dispositivo após a edição da Emenda Constitucional nº 45 de 2004 (denominada de

“Reforma do Judiciário”), revogou-se o §4º do referido comando, equiparando os legitimados para o

ajuizamento de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e ADIN. Além disso, na esteira da

jurisprudência até então dominante no Supremo Tribunal Federal, incluiu-se expressamente a Mesa da

Câmara Legislativa e o Governador do Distrito Federal no elenco de legitimados ativos ad causam.

Confira-se, a respeito, o teor do dispositivo:

“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a

ação declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do

Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

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Três observações, em especial, merecem ser ressaltadas nesse tópico.

Primeiramente, atenta-se para o fato de que o elenco do artigo 103 é TAXATIVO (ou

numerus clausus), ou seja, não se admite outro legitimado ativo para o ajuizamento da demanda fora

daqueles agentes em destaque.

Além disso, observa-se que, diversamente do idealizado em outros sistemas constitucionais,

a Carta Constitucional em vigor não contemplou qualquer possibilidade de o cidadão ajuizar uma

ADIN. Significa dizer, não há no ordenamento brasileiro uma “Ação Popular de

Inconstitucionalidade”. Nesse ponto, no caso de violação constitucional de direito pertencente a

determinado indivíduo, revela-se recomendável o oferecimento de REPRESENTAÇÃO ao Ministério

Público Federal, a fim de que, caso assim entenda, possa propor, através do Procurador-Geral da

República, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) ou Ação Declaratória de

Constitucionalidade (ADC).

Por fim, e este o ponto mais importante, chama-se atenção para a existência de distinção

criada por construção doutrinária e jurisprudencial entre LEGITIMADOS UNIVERSAIS (previstos

nos incisos I ao III, e VI ao VIII), que podem ajuizar a ação independentemente da questão

constitucional versada no processo, e LEGITIMADOS ESPECIAIS (incisos IV, V e IX), que somente

poderiam intentar ADIN para temas pertinentes à sua área de atuação. Cuida-se, na espécie, do

requisito da PERTINÊNCIA TEMÁTICA.

QUESTÃO: O Governador de um determinado Estado pode ajuizar Ação Direta de

Inconstitucionalidade em face de uma lei ou ato normativo de outro Estado? Como visto, em princípio,

sendo o Governador de Estado um legitimado especial, só poderia ajuizar uma ADIN em face de uma

lei estadual de sua unidade federativa. Excepcionalmente, contudo, poderia o Chefe do Executivo

estadual ajuizar uma ADIN em face de lei de outro Estado, caso essa acarretasse consequências fático-

jurídicas que repercutissem em sua esfera de atuação ou de seus governados. Assim , por exemplo,

uma lei de outro Estado que desrespeitasse a alíquota mínima – prevista por Resolução - de

determinado tributo, de forma que viesse a prejudicar a economia dos demais Estados-Membros.

Haveria, nessa hipótese, pertinência temática.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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OBSERVAÇÃO: Há doutrinador (como é o caso de GILMAR FERREIRA MENDES) que sustenta

que o requisito da “pertinência temática” seria inconstitucional, haja vista a ausência de previsão neste

sentido no texto constitucional de 1988.

Ainda com relação ao rol de legitimados do artigo 103 da Lei Maior, algumas

considerações particulares devem ser efetuadas:

(a) quanto aos incisos IV e V, a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal e o

respectivo o Governador foram acrescentados expressamente pela Emenda Constitucional nº 45 de

2004.

QUESTÃO: Pode o Presidente da República ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de

lei federal por ele sancionada? Da mesma forma, pode o Governador do Estado propor ADIN em face

de lei estadual por ele sancionada? Trata-se de questão controvertida em âmbito doutrinário. Uma

parcela da doutrina (em especial CAIO TÁCITO) sustenta que não haveria qualquer impedimento

legal ou constitucional para tanto, sendo preferível ao Chefe do Executivo consertar o erro do que

persistir no mesmo. Uma segunda corrente (liderada por SEABRA FAGUNDES) sustenta que a

sanção aposta pelo Presidente ou Governador convalida o “vício” de constitucionalidade, de tal forma

que deveria o Chefe do Executivo, em momento oportuno exercer um controle preventivo de

constitucionalidade através do veto. O Supremo Tribunal Federal já ratificou esse entendimento, sob o

fundamento de que haveria uma impossibilidade lógica de figurar o mesmo agente como Requerente

(que propõe a ação) e Requerido no mesmo feito.

(b) quanto ao inciso VI, cabe assinalar que, sob a égide da Carta Constitucional de 1967 –

1969, o Procurador-Geral da República era único ente legitimado para a propositura de Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Atualmente, além de consistir em “legitimado universal”, atua como “fiscal da

lei” (custus legis) em todos os feitos desta natureza, emitindo um parecer opinativo.

(c) quanto ao inciso VII, somente o Conselho FEDERAL da Ordem dos Advogados do

Brasil pode propor ADIN, o mesmo não ocorrendo quanto às Seccionais Estaduais.

(d) quanto ao inciso VIII, entende-se como partido político “com representação no

Congresso Nacional” a presença de ao menos um parlamentar – Deputado Federal ou Senador –

integrante do partido. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já registrou que a perda

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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superveniente do mandato – ou a troca de legenda partidária – não implica na perda de objeto de

eventual Ação Direta de Inconstitucionalidade já ajuizada, haja vista a natureza de processo objetivo,

ou seja, sem partes individualizadas.

(e) quanto ao inciso IX, estabelece a jurisprudência uma diferença entre “federação

sindical” – prevista no artigo 534 da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) – e, composta, no

mínimo, por cinco sindicatos de atividades idênticas, e “confederação sindical” – prevista no artigo

535 da CLT -, composta por, no mínimo, três federações do mesmo ramo, desde que em âmbito

nacional. O entendimento dominante do Supremo Tribunal Federal é o de que a federação sindical não

possui legitimidade ativa para ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

No que se refere ao conceito de “entidade de classe de âmbito nacional”, são exigido dois

requisitos cumulativos: homogeneidade, isto é, a entidade deve agrupar membros de uma mesma

categoria profissional (não é o caso, por exemplo, da União Nacional dos Estudantes – UNE); e

especialidade, ou seja, a entidade deve reunir componentes em, no mínimo, nove unidades federativas,

nas cinco regiões do Brasil.

2.1.2. Impossibilidade de Desistência.

A segunda consequência processual da natureza da Ação Direta de Inconstitucionalidade é

que, sendo um processo objetivo, uma vez proposta a ação, não se admite a posterior desistência, nos

termos do artigo 5º da Lei nº 9868 de 1999. Ou seja, como não existem propriamente partes subjetivas

individualizadas, uma vez suscitada a atuação do Supremo Tribunal Federal, deve o órgão se

pronunciar acerca da validade ou não do ato normativo atacado.

2.1.3. Impossibilidade de Intervenção de Terceiros.

De acordo com o artigo 7º da Lei nº 9868 de 1999, não se revela cabível, em sede de

controle concentrado de constitucionalidade, hipótese de intervenção de terceiros, tal como

preceituado na legislação processual civil (por exemplo, denunciação da lide, oposição, chamamento

ao processo, etc). O raciocínio a ser utilizado é o mesmo do descrito no item anterior. Nada obstante, o

parágrafo 2º do mesmo dispositivo faz uma ressalva expressa, em seus termos:

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“Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta

de inconstitucionalidade.

(...)

§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade

dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o

prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou

entidades.”

Como se observa, o §2º do artigo 7º traz uma importante inovação no ordenamento

brasileiro: a possibilidade de manifestação de outros entes, que atuarão na qualidade de AMICUS

CURIAE (expressão que designa “amigo da corte”). O instituto tem como fundamento teórico o

conceito de “sociedade aberta dos interpretes da Constituição”, idealizado na doutrina germânica por

PETER HÄBERLE. Por esse ângulo, a tarefa de interpretar a Constituição não seria exclusiva do

Poder Judiciário, que seria um mero intérprete qualificado das leis. Ao revés, existiriam diversos atores

sociais capazes de exercer tal papel.

A lei exige a presença de dois pressupostos cumulativos para a admissão do amicus curiae:

representatividade dos postulantes, ou seja, deve se tratar de ente de especial significado e amplitude

com interesse na questão; e relevância da matéria, isto é, da questão constitucional versada nos

processo. Como preceituado acima, o despacho do Ministro Relator da ADIN – que admite ou não o

ingresso do ente - é irrecorrível, sendo certo que, na hipótese de deferimento do pedido, abre-se um

prazo para a entidade apresentar memoriais a favor da (in)constitucionalidade do ato normativo

questionado.

2.1.4. Contraditório. A atuação do Advogado Geral da União.

Não havendo, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, um Réu específico, não há

que se falar em “contestação” ou “peça de bloqueio” ao pedido inicial. Distribuída a peça inicial

(ajuizada por um “Requerente”), procede-se à solicitação de informações por parte da Casa Legislativa

da qual emanou a norma (“Requerido”). Ato contínuo, passa-se à oitiva do Advogado Geral da União

(AGU) e do Procurador Geral da República (PGR), que exercem papéis distintos: o primeiro deve,

obrigatoriamente, defender o ato impugnado, ao passo que o segundo pode opinar pela validade ou não

do ato normativo. Veja-se, a propósito, a redação do artigo 8º da Lei nº 9868 de 1999:

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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“Art. 8º. Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos,

sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da

República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de quinze

dias”.

O Advogado Geral da União, em reforço ao princípio de presunção de constitucionalidade

das leis, exerce uma função de “curador de constitucionalidade” da norma, nos termos do parágrafo 3º

do artigo 103 da Constituição Federal:

“§3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a

inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,

previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto

impugnado.”

Na esfera da Constituição Federal, portanto, o contraditório na Ação Direta de

Inconstitucionalidade é formado pelo pedido vestibular e pela manifestação do Advogado Geral da

União. O mesmo não ocorre, contudo, em sede de representação por Inconstitucionalidade,

instrumento de controle concentrado de leis e atos normativos em desacordo com a Constituição

Estadual (v. §2º do artigo 125 da Constituição Federal). Nesse caso, nem sempre seria o Procurador

Geral do Estado (PGE) obrigado a defender a constitucionalidade da lei municipal ou estadual,

pautando-se a sua atuação em conformidade com o disposto na respectiva Carta Estadual (No Rio de

Janeiro, por exemplo, o PGE atua como um “fiscal da lei”, podendo, de acordo com a Constituição

Estadual, oficiar no feito tanto pela constitucionalidade, quanto pela inconstitucionalidade da norma).

2.1.5. Impossibilidade de Dilação Probatória.

Em regra, por se tratar de um processo objetivo, não se admite dilação probatória em sede

de Ação Direta de Inconstitucionalidade, aplicando-se aqui o mesmo raciocínio utilizado para o

Mandado de Segurança, remédio constitucional em que a prova deve estar pré-constituída. Contudo, o

§1º do artigo 9º da Lei nº 9868 de 1999 preceitua que, excepcionalmente, no caso de o Relator da ação

não conseguir julgar o feito com base em sua própria convicção, pode ele designar um perito ou expert

para emitir um parecer sobre o assunto e, além disso, pode marcar uma audiência pública para ouvir

depoimentos de pessoas com autoridade na matéria ventilada. Trata-se, portanto, de mais uma

expressão da “sociedade aberta dos interpretes da Constituição”. Confira-se, por oportuno:

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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“Art. 9o Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lançará o

relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento.

§ 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou

circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações

existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais,

designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a

questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de

pessoas com experiência e autoridade na matéria.”

2.1.6. Impossibilidade de Admissão de Ação Rescisória.

Competindo o julgamento e processamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ao

Supremo Tribunal Federal, consistindo esse em órgão de cúpula do Poder Judiciário no sistema

constitucional brasileiro, a decisão final (acórdão) proferida pelo Tribunal não é suscetível de recurso,

não podendo, da mesma forma, ser objeto de Ação Rescisória, instrumento previsto no artigo 485 do

Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 26 da Lei nº 9868 de 1999:

“Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em

ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos

declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória”.

2.1.7. Efeito Modulador da Decisão.

Ao julgar procedente o pedido em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou seja, ao

declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, resta examinar qual o termo inicial da

produção dos efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. A questão tangencia a

natureza do ato de inconstitucionalidade. O ordenamento brasileiro, como já visto, adotou a tese da

nulidade, de tal forma que era pacífico o entendimento de que a lei inconstitucional seria nula ab initio,

logo, os efeitos da decisão final em ADIN seriam ex tunc (retroativos). No entanto, com o advento da

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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Lei 9868 de 1999, introduziu-se, a partir da redação de seu artigo 27, uma mitigação a tal raciocínio.

Prevê o aludido dispositivo:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e

tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse

social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços

de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir

que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro

momento que venha a ser fixado.”

Sob críticas intensas de parcela da doutrina publicista, que entende que o artigo em

comento permitiria uma violação à supremacia da Constituição (existe ADIN em face do próprio

dispositivo pendente de julgamento no STF), positivou-se uma possibilidade de, por razões de

excepcional interesse social, o Supremo Tribunal Federal fixar um novo marco temporal para o início

dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Cabe registrar: pode o Tribunal, por 2/3 dos votos de seus membros, conferir efeitos

prospectivos (ex nunc) à decisão. Pode, da mesma maneira, em nome do princípio da segurança

jurídica, modular os efeitos, a fim de que somente passem a ter início após outra data a ser fixada no

acórdão.

OBSERVAÇÃO: A norma constitucional “em trânsito para a inconstitucionalidade” – em decisão

incomum no âmbito da jurisprudência pátria, o Supremo tribunal Federal, analisando a

constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 1060 de 1950, que institui o prazo em dobro, para

interposição de recurso, para as Defensorias Públicas, entendeu que, em princípio, não haveria suposta

violação ao princípio da isonomia previsto na Lei Fundamental. Assim sendo, decidiu, mediante

interessante voto da lavra do Ministro Moreira Alves que a norma em causa seria “constitucional

enquanto a Defensoria Pública, concretamente, não estiver organizada com a estrutura que lhe

possibilite atuar em posição de igualdade com o Ministério Público, tornando-se inconstitucional,

porém, quando essa circunstância de fato não mais se verificar”.

2.2. Hipóteses de (Não) Cabimento de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

25

O parâmetro de controle para verificação de constitucionalidade de um ato normativo, em

sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, é a CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos termos do

disposto na alínea “a”, do inciso I, do artigo 102 da Lei Fundamental, a ação é cabível para o

questionamento de lei ou ato normativo ESTADUAL ou FEDERAL que viole a Constituição Federal.

Esta, portanto, a regra geral. Importa analisar, no entanto, as respectivas hipóteses de exceção, ou seja,

em quais casos não se revelará cabível o ajuizamento da referida ação. Vejamos.

(a) Lei municipal – por uma interpretação gramatical do texto constitucional, constata-se

não ser cabível a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de lei ou ato normativo

municipal. De acordo com o sistema constitucional brasileiro, essa somente poderia ser objeto de

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Suscita-se, entretanto, uma questão controvertida: imagine-se uma lei municipal

eventualmente incompatível com a Constituição Estadual, que esteja sendo objeto de Representação

por Inconstitucionalidade (RI). Suponha-se, então, que o dispositivo (parâmetro de controle) da

Constituição Estadual seja idêntico ao previsto na Constituição Federal. Admitir-se o cabimento da RI,

nessa hipótese, seria permitir, de forma oblíqua, um controle de lei municipal em face da Constituição

Federal. Assim sendo, para uma primeira concepção, não seria possível tal controle de

constitucionalidade.

Esta, porém, não é a posição majoritária. No caso de dispositivos da Constituição Estadual

idênticos ao da Constituição Federal - chamados de “normas de reprodução obrigatória” -, entende o

Supremo Tribunal Federal, a partir de uma interpretação literal do texto constitucional, que não haveria

qualquer óbice ao processamento de Representação por Inconstitucionalidade ajuizada em face de

determinada lei municipal. O que importa, na espécie, é o parâmetro de controle de validade do ato

impugnado (Constituição Estadual ou Federal).

(b) Lei anterior à Constituição Federal – no que concerne à legislação ordinária anterior à

Carta Constitucional incompatível com o novo texto, subsistem dois posicionamentos conflitantes.

Primeiramente, uma corrente sustenta que o efeito da incompatibilidade é a inconstitucionalidade

superveniente, devendo eventual conflito ser resolvido no campo da validade. Nesse caso, seria cabíevl

a provocação de jurisdição concentrada. Uma segunda corrente, procedente da doutrina alemã e

espanhola, entende que o efeito da incompatibilidade seria a revogação, devendo o conflito ser

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- DIREITO CONSTITUCIONAL -

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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resolvido no campo da vigência. Esta a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal (pelo voto de

oito Ministros) no julgamento da ADIN nº 2 de 1992.

Cabe esclarecer: tendo sido ratificada, no sistema brasileiro, a tese da “Revogação

Automática”, não se afigura cabível o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de

lei anterior à Constituição.

(c) Lei de vigência temporária - norma de vigência temporária é aquela que, desde a sua

edição, já possui um termo final para encerramento da produção de seus efeitos. Caso seja a norma

incompatível com a Constituição Federal, será perfeitamente possível o ajuizamento de Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Ocorre que, sob crítica intensa da doutrina constitucionalista, a jurisprudência

dominante do Supremo Tribunal Federal aduz que, no caso de lei de vigência temporária, o advento do

termo final do prazo implica em perda do objeto de eventual ADIN proposta no curso de sua vigência.

(d) Lei de conteúdo administrativo – Em regra, segundo a teoria geral do direito, entende-se

como norma um “comando geral e abstrato”, ou seja, um ato destinado a toda a coletividade. De forma

excepcional, contudo, há determinadas normas despidas do caráter de generalidade e abstração. São

atos que possuem um destinatário específico, denominados de “leis de conteúdo administrativo” ou de

“efeitos concretos”. Assim, por exemplo, uma lei que concede homenagem a determinado cidadão

seria uma lei de efeito concreto. Da mesma forma, também o seria uma lei que permite o uso de um

bem público a uma empresa particular. Esses atos normativos, de efeitos meramente individuais, não

são suscetíveis, de acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, de

propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

(e) Decreto regulamentar – Como se infere de uma leitura atenta do texto constitucional

brasileiro, existem duas espécies de decreto em nosso ordenamento. Em primeiro lugar, exerce o

decreto, de maneira geral, a tarefa de regulamentação de uma lei anterior que o preceda. Nesse passo,

dispõe o inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal competir ao Presidente da República “expedir

decretos para fiel execução das leis”. Trata-se, pois, do chamado “decreto regulamentar”. De outra

banda, subsiste, em segundo lugar, outra espécie de decreto prescrita pelo inciso VI do mesmo artigo

84, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 32 de 2001 (a mesma que criou a nova disciplina

das “medidas provisórias”): o denominado “decreto autônomo”, caracterizado por prescindir de lei

anterior, mas restrito a determinadas hipóteses específicas, como, por exemplo, a “organização da

administração pública”.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

27

Pois bem. De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, o decreto

regulamentar não pode ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Sendo o parâmetro de

controle de validade de um ato o texto constitucional, somente pode ser objeto de ADIN a lei (ou ato

normativo) que antecede o decreto. Esse, por sua vez, encontra o seu fundamento de validade na

própria lei que vem a regulamentar, de tal forma que, caso a lei venha a ser declarada inconstitucional,

consequentemente o decreto também perderá a sua validade, por derivação. Trata-se, no âmbito

doutrinário, do fenômeno da “inconstitucionalidade por arrastamento”.

O mesmo raciocínio, entretanto, não vem a ser aplicado quanto ao decreto autônomo. Esse

é caracterizado por inovar a ordem jurídica, de tal forma que, havendo desconformidade do seu texto

ou sua forma com a Constituição Federal (no caso de exorbitância dos poderes regulamentares, por

exemplo), equiparar-se-á a um “ato normativo”, podendo, assim, vir a ser objeto de ajuizamento de

Ação Direta de Inconstitucionalidade.

2.3. Procedimento na Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O procedimento na Ação Direta de Inconstitucionalidade se encontra disciplinado na Lei nº

9868 de 1999 e apresenta uma série de peculiaridades, a saber:

(a) Petição inicial – diferentemente do ocorrido nas vias ordinárias e no âmbito do controle

pela via difusa, por ocasião do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo

Tribunal Federal não se encontra vinculado ao fundamento jurídico suscitado na peça inicial, ou seja,

em se tratando de um processo objetivo, sem partes individualizadas, não existe impedimento para que

o(s) Ministro(s) adote como razões de decisão para a declaração de inconstitucionalidade outro

fundamento totalmente distinto do alegado pelo Requerente na peça vestibular. Trata-se, pois, de uma

mitigação ao “princípio da adstrição” adotado na esfera processual civil.

(b) Quorum para julgamento – em conformidade com o Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal, é necessária a presença de oito Ministros para início da sessão de julgamento da

Ação Direta de Inconstitucionalidade, e a respectiva decisão final deve ser tomada pela maioria

absoluta dos membros do Tribunal.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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(c) Medida liminar - a Constituição Federal prevê expressamente a possibilidde de

concessão de provimento cautelar em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme o

disposto no artigo 102, inciso I, alínea “p”:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a

guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de

inconstitucionalidade;”

(d) Decisão final – nos termos do parágrafo 2º do artigo 102 da Constituição Federal, a

decisão final proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade produz um efeito vinculante:

“§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo

Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações

declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e

efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário

e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual

e municipal”.

Convém, portanto, sublinhar que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal

produz uma vinculação às decisões judiciais inferiores, de tal sorte que, apesar de desfrutarem os

magistrados de uma “independência funcional”, não poderá ser prolatada decisão em sentido

conflitante com a matéria já decidida pelo órgão de cúpula.

O descumprimento do efeito vinculante enseja a possibilidade de oferecimento de

RECLAMAÇÃO perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos da alínea “l”, do inciso I, do artigo

102 da Lei Fundamental.

3. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

3.1. Histórico.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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Outro instrumento de controle concentrado de suma importância no sistema constitucional

brasileiro consiste na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Desde a sua

promulgação, a Constituição Federal de 1988 já continha expressa previsão da ação no parágrafo 1º do

artigo 102, com a seguinte redação:

“Art. 102.

(...)

§ 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental,

decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal

Federal, na forma da lei.”

Tratando-se de instituto de contornos indefinidos à época da edição do texto constitucional,

conferiu o legislador ao espectro da legislação ordinária a regulamentação do referido dispositivo.

Cuidando-se, portanto, de norma de eficácia limitada, somente com o advento da Lei nº 9882 de 1999,

passou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental a possuir eficácia no ordenamento

jurídico nacional.

Ao ângulo do Direito Comparado, a origem do instituto se relaciona ao “recurso de

amparo” do direito espanhol, bem como ao “recurso constitucional” do direito germânico,

instrumentos de extrema relevância para a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos em tais

países.

3.2. Legitimação.

Na doutrina estrangeira, o “recurso constitucional” inspirador da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental pode ser manejado por qualquer cidadão que tenha sofrido

lesão a direito fundamental. No Brasil, a ampla legitimação prevista no artigo 2º da Lei nº 9882 de

1999 foi frustrada em razão de veto presidencial ao dispositivo, que permitia a sua utilização por

qualquer pessoa.

Sob forte crítica da doutrina especializada (em especial por MANOEL GONÇALVES

FERREIRA FILHO), a legitimação para a propositura da ação ficou restrita aos mesmos entes

descritos no artigo 103 da Constituição Federal, que podem, ainda, ajuizar Ação Direta de

Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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3.3. Conceito de Preceito Fundamental.

Preceitua o caput do artigo 1º da Lei nº 9882 de 1999 que:

“Art. 1o A arguição prevista no § 1

o do art. 102 da Constituição Federal

será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto

evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do

Poder Público.”

A despeito da expressa previsão do juízo competente para o processamento da ação

(Supremo Tribunal Federal), tanto a Constituição Federal quanto a legislação ordinária foram omissas

quanto ao alcance do termo “preceito fundamental”, cuja violação ensejaria o ajuizamento da

demanda. Com efeito, de forma proposital, a legislação transferiu ao Supremo Tribunal Federal a

responsabilidade de delimitar o alcance da ação que, em tese, possui um objeto mais restrito do que a

Direta de Inconstitucionalidade, que pode ser proposta em face de qualquer lei ou ato normativo –

estadual ou federal – incompatível com o texto constitucional.

O ponto principal da questão reside em definir se existe uma hierarquia – ao menos

valorativa – entre preceitos constitucionais e, por conseguinte, qual seriam os “preceitos fundamentais”

passíveis de arguição. De maneira superficial, pode-se afirmar que, conforme posição pacífica do

Supremo Tribunal Federal, não há na Constituição “direitos absolutos”, ou seja, não há que se

mencionar em uma hierarquia normativa entre os dispositivos constitucionais. Todavia, ao menos para

uma parcela da doutrina (em especial DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO), poder-se-ia

estabelecer uma hierarquia axiológica entre os princípios constitucionais.

Especificamente sobre o ponto em foco, existe razoável consenso na doutrina publicista que

o conceito de “preceito fundamental” abrangeria:

(a) os princípios fundamentais da República prescritos no artigo 1º da Constituição Federal

(soberania cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e

pluralismo político);

(b) os direitos fundamentais previstos ao longo do texto constitucional (v. artigo 5º e

seguintes da Constituição Federal);

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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(c) os princípios constitucionais “sensíveis”, dispostos no inciso VII do artigo 34 da Lei

Fundamental:

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,

exceto para:

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos

estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na

manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos

de saúde.”

3.4. Objeto.

De acordo com a legislação regulamentadora, a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental pode ter um caráter preventivo ou repressivo. Quanto ao alcance da expressão “ato do

Poder Público” ensejador da violação a preceito fundamental, subdivide a doutrina em um conceito

stricto sensu (mais restritivo) ou lato sensu (mais amplo), sendo o segundo mais utilizado.

Nesse passo, entende a doutrina especializada (com destaque para ANDRÉ RAMOS

TAVARES) que dentro do conceito de “ato do Poder Público” estariam os atos do Poder Executivo

(inclusive o “veto”), do Legislativo (leis e atos normativos), do Judiciário (decisões judiciais), bem

como de outros entes (como, por exemplo, Ministério Público e Tribunal de Contas) que acarretassem

lesão a um preceito fundamental.

OBSERVAÇÃO: De acordo com a legislação, os atos de caráter privado seriam, em princípio,

insuscetíveis de controle via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, uma vez que o

texto fala em “ato do Poder Público”, porém, parte da doutrina (em especial DANIEL SARMENTO)

entende que a expressão deve ser empregada em sentido amplo, abrangendo também atos de

particulares investidos de autoridade pública. Aplicar-se-ia aqui o mesmo raciocínio jurídico utilizado

para o cabimento do “mandado de segurança”.

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OBSERVAÇÃO 2: Com relação ao VETO, destacam-se duas Arguições julgadas pelo Supremo

Tribunal Federal, com distintas decisões. No julgamento da ADPF nº 1, ajuizada pelo Partido

Comunista do Brasil (PC do B) contra veto do Prefeito do Município do Rio de Janeiro, entendeu o

Tribunal pelo não cabimento da ação, sob o fundamento de que o veto teria natureza de “ato político”,

logo, insuscetível de controle judicial.

No segundo caso, julgado em 2004 (ADPF nº 45), o Tribunal, através de decisão

monocrática proferida pelo Ministro Celso de Mello, entendeu pela possibilidade de controle de veto

presidencial mediante Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Valendo-se de um

conceito lato da expressão “ato do Poder Público”, concluiu-se que, estando em cena a tarefa de

concretização de políticas públicas tangenciadoras do “mínimo existencial”, não haveria qualquer

impedimento legal ao seguimento da ação.

3.5. Natureza da arguição.

No que se refere à sua natureza, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

pode ser autônoma – como ocorre na esmagadora maioria dos casos – ou incidental, que pode proposta

mediante a presença dos seguintes requisitos: violação de preceito fundamental; relevante fundamento

da controvérsia constitucional; e ato resultante de lei ou ato normativo (v., a respeito, o inciso I, do

parágrafo único, do artigo 1º da Lei nº 9882 de 1999).

De forma diversa da Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de

Constitucionalidade, entretanto, admite-se o cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental para impugnação de LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL e LEIS ANTERIORES

À CONSTITUIÇÃO, consoante o disposto na legislação:

“Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de

preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional

sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os

anteriores à Constituição;”

Questão controvertida debatida em sede doutrinária diz respeito à possibilidade da

ampliação da competência do Supremo Tribunal Federal, feita pela lei ordinária em tela.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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Para uma primeira corrente (defendida por ALEXANDRE DE MORAES), o artigo acima

transcrito seria inconstitucional, à medida em que alargaria, por meio de legislação infraconstitucional,

competência do STF enumerada de forma taxativa pela Constituição Federal, precisamente em seu

artigo 102. De outro viés, uma segunda corrente sustenta a possibilidade de a lei ampliar o alcance do

controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que foi o próprio legislador constituinte

originário que delegou integralmente ao legislador ordinário a definição do objeto da Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental. Esta a posição perfilhada pela maioria da doutrina e

acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.

OBSERVAÇÃO: o grande problema trazido pela Lei nº 9882 de 1999 é que, uma vez vetada a ampla

legitimação a qualquer cidadão, não conferiu a legislação legitimidade a nenhuma entidade municipal

(Prefeito, Mesa da Câmara, etc) para deflagrar a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental.

3.6. Procedimento. A Regra da Subsidiariedade.

O procedimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental segue o mesmo

trâmite da Ação Direta de Inconstitucionalidade: citação do Advogado-Geral da União; manifestação

do Procurador-Geral da República; possibilidade de concessão de liminar; e quorum (inclusive pela

constitucionalidade) semelhantes aos da Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de

Constitucionalidade.

Por outro lado, reveste-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de uma

particularidade: nos termos do artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei nº 9882 de 1999, a ação somente se revela

cabível na hipótese de “não haver outro meio capaz de sanar a lesividade”:

“Art. 4o (...)

§ 1o Não será admitida arguição de descumprimento de preceito

fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a

lesividade.”

O dispositivo trata da denominada “regra da subsidiariedade”, que traduz a impossibilidade

de ajuizamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental quando viável a propositura

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de outra medida. Assim, por exemplo, com a finalidade de se declarar a inconstitucionalidade de ato

normativo federal, sendo cabível o ajuizamento de ADIN, não será admitida a ADPF.

Resta, no entanto, investigar qual o alcance da expressão tomada pela legislação. Nessa

linha, consoante a doutrina majoritária (em especial GILMAR FERREIRA MENDES), há de se adotar

uma interpretação relativa, de tal sorte que os outros “meios eficazes” diriam respeito tão-somente aos

demais instrumentos de controle de constitucionalidade, tal como ADIN e ADC. Não seria o caso,

portanto, de se cogitar o cabimento de outros remédios processuais ou constitucionais, como a

interposição de Recurso Extraordinário ou a impetração de Mandado de Segurança.

3.7. Efeitos da Decisão.

Tal como nos demais instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade, a

decisão final proferida em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental tem eficácia

erga omnes e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Público. Nos termos do artigo

10 da Lei nº 9882 de 1999:

“Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou

órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as

condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito

fundamental.

§ 1o O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da

decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

§ 2o Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado

da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do

Diário da Justiça e do Diário Oficial da União.

§ 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante

relativamente aos demais órgãos do Poder Público.

O desrespeito à autoridade da decisão enseja a interposição de RECLAMAÇÃO perante o

Supremo Tribunal Federal. Confira-se, a respeito, o teor da alínea “l”, do inciso I, do artigo 102 da

Constituição da República:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a

guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

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(...)

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da

autoridade de suas decisões;”

Finalizando, aplica-se também à decisão em Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental a possibilidade de “modulação dos efeitos temporais”, na forma do preceituado pelo

artigo 11 da lei 9882/99:

“Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,

no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e

tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse

social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços

de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir

que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro

momento que venha a ser fixado.”

4. Controle de Constitucionalidade no plano estadual.

4.1. Considerações preliminares.

A título preliminar, convém tecer breves considerações acerca da aplicação da cláusula de

Reserva de Plenário, disposta no artigo 97 da Constituição Federal. Em seus termos, “somente pelo

voto da maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os

tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”

Uma observação se mostra importante nesse ponto: conforme lição clássica do controle

pela via difusa, qualquer juiz de primeiro grau pode, na primeira instância, declarar a

inconstitucionalidade de um ato normativo. Em segundo grau de jurisdição, no entanto, uma Câmara

(Cível ou Criminal) tem duas opções: caso entenda pela constitucionalidade da lei, pode perfeitamente

julgar o recurso interposto por uma das partes. Caso conclua pela existência de indícios de

inconstitucionalidade, faz-se mister a suspensão do feito e o encaminhamento dos autos judiciais ao

Órgão Especial do Tribunal de Justiça, a quem competirá o julgamento da Arguição de

Inconstitucionalidade. O raciocínio acima descrito se aplica simetricamente para atos normativos

municipais e estaduais.

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OBSERVAÇÃO: Parcela da doutrina publicista entende que as Turmas Recursais têm a faculdade de

não submeter a Arguição de Inconstitucionalidade à apreciação do Órgão Especial, pelo simples fato

de pertencerem à primeira instância da organização judiciária, apesar de exercerem o duplo grau de

jurisdição na esfera das causas de menor complexidade previstas na Lei nº 9099 de 1995 (Lei dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais).

Quanto à suspensão da execução da lei municipal declarada inconstitucional em face da

Constituição Estadual, certo é que, simetricamente à disposição da Constituição Federal (que atribui ao

Senado Federal a competência privativa para tal finalidade), algumas Cartas Estaduais atribuem à

Câmara Municipal ou, em outros casos, à Assembléia Legislativa a referida competência. No âmbito

do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o inciso XVI do artigo 99 da Constituição preceitua que

“compete privativamente à Assembléia Legislativa suspender a execução, no todo ou em parte, de lei

ou ato normativo estadual ou municipal declarado inconstitucional por decisão definitiva do Tribunal

de Justiça”.

4.2. A Representação por Inconstitucionalidade.

No que se refere ao controle concentrado de constitucionalidade no plano estadual, dispõe o

artigo 125, §2º da Constituição da República:

“Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios

estabelecidos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais

em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação

para agir a um único órgão.”

De forma similar à Ação Direta de Inconstitucionalidade, estabeleceu o texto constitucional

a possibilidade de instrumento análogo de controle concentrado de constitucionalidade na esfera

estadual. Cuida-se da REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE (RI), a ser instituída

por cada Estado-Membro em sua Constituição Estadual. Devido à capacidade de auto-organização,

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

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cada Carta Estadual goza de autonomia, podendo estabelecer um rol próprio de legitimados para

propositura da ação, sendo vedado tão-somente a sua atribuição a um órgão exclusivo.

Tratando-se de processo de natureza objetiva, as mesmas consequências processuais

descritas anteriormente para a Ação Direta de Inconstitucionalidade são observadas em sede de

Representação por Inconstitucionalidade (exemplo: impossibilidade de desistência, intervenção de

terceiros, etc), de acordo com o “princípio da simetria”.

De forma distinta, todavia, cabe ressaltar que o parâmetro de controle para verificação de

validade de um ato normativo é a Constituição Estadual, podendo ser objeto de Representação por

Inconstitucionalidade as leis ou ato normativos municipais ou estaduais.

OBSERVAÇÃO: Veja-se, a propósito, que a legislação estadual, sob o prisma do controle

concentrado, pode ser objeto tanto de Representação por Inconstitucionalidade (quando violar o texto

constitucional estadual) quanto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (quando violar a Constituição

Federal).

A competência para o julgamento da ação é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do

estado, sendo a decisão (acórdão) proferida em sede de Representação por Inconstitucionalidade

suscetível de Recurso Extraordinário com destino ao Supremo Tribunal Federal.

Por fim, cabe sublinhar um ponto importante. Conforme examinado, na Ação Direta de

Inconstitucionalidade, dispõe o parágrafo 3º do artigo 103 que o Advogado Geral da União deve ser

“citado” para defender o ato atacado:

“Art. 103.

(...)

§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a

inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,

previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto

impugnado.”

No plano estadual, contudo, cabe à Constituição do Estado definir sobre a existência ou não

de um “curador de constitucionalidade”. Apenas a título de ilustração, a Carta de São Paulo e Minas

Gerais atribuem ao Procurador Geral do Estado (PGE) tal tarefa. No Rio de Janeiro, por outro lado, o

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PGE atua como um mero “fiscal da lei”, podendo, consoante o disposto no parágrafo 3º do artigo 162

da Constituição do Estado, apresentar manifestação tanto pela constitucionalidade, quanto pela

inconstitucionalidade do ato normativo. Pode, além disso, atuar como Requerente, sendo um dos

legitimados para ajuizamento da ação.