concentração, retirada dos antimicrobianos e mudanças no ... · “os fabricantes de premix...
TRANSCRIPT
Entrevista
24 | Avicultura Industrial | nº 05 | 2017
O
O novo general Manager da Trouw Nutrition, Stefan Mihailov, discute as transformações no mercado
de saúde e nutrição animal, fala sobre a concentração no setor produtivo de aves e suínos e debate
a tendência de retirada dos antibióticos como melhoradores de desempenho das rações
Por | Humberto Luis Marques e Fernanda Oliva, de Campinas (SP)
ConCentração, retirada dos antimiCrobianose mudanças no merCadode saúde e nutrição animal
executivo Stefan Mihailov assumiu recen-
temente o cargo de general Manager da
Trouw Nutrition, divisão de negócios da
Nutreco no Brasil. A Trouw mantém sob o
seu chapéu empresas como Selko, BRNova, Fatec, Fri-
-Ribe e Bellman, todas ligadas ao segmento de saúde e
nutrição animal. Mihailov tem pela frente a missão de
acelerar o crescimento da companhia com base em sua
proposta de valor: equipes especializadas e um portfolio
completo de produtos, modelos e serviços inovadores.
“A grande vantagem de se estar dentro do agronegócio,
especificamente no setor de proteína animal, é que este
é um setor em amplo desenvolvimento. Se pensarmos
em crescimento futuro, o mundo sabe que o que norteia
o Brasil é a necessidade de alimentar o mundo. O que
na verdade é também a missão da Nutreco”, comenta
o executivo.
Com 25 anos de experiência no mercado de saúde e
nutrição animal, Mihailov ocupou cargos de direção-
-executiva em várias empresas internacionais no Brasil,
Estados Unidos e Europa. Em sua última posição na
Phibro Animal Health Corporation, onde estava desde
2010, foi responsável pelas operações no Brasil e Amé-
rica Latina. Nessa entrevista exclusiva à redação de
Avicultura Industrial, o executivo fala sobre os desafios
e oportunidades que terá pela frente ao assumir o novo
cargo, comenta sobre a concentração do mercado de
proteína animal, indicando os possíveis impactos para as
empresas de saúde e nutrição animal, além de abordar
também a tendência de retirada dos antimicrobianos
como aditivos melhoradores de desempenho das rações
de aves e suínos. Confira.
AI - O senhor acaba de assumir o cargo de general Mana-
ger da Trouw Nutrition, divisão de negócios da Nutreco
no Brasil. Quais os grandes desafios que tem pela frente?
Stefan Mihailov - Ao mesmo tempo em que existem muitos
desafios, há grandes oportunidades. A grande vantagem
de se estar dentro do agronegócio, especificamente no
setor de proteína animal, é que este é um setor em amplo
desenvolvimento. Se pensarmos em crescimento futuro,
o mundo sabe que o que norteia o Brasil é a necessidade
de alimentar o mundo. O que na verdade é também a
missão da Nutreco. Para os próximos dez anos, se de-
senha para o Brasil um crescimento em torno de 25% no
volume de carne bovina e de 35% em aves e suínos. São
setores que mostram uma perspectiva de crescimento
muito favorável. Então, temos que focar principalmente
em oportunidades. Elas estão disponíveis para quem se
organizar melhor e aproveitá-las por meio de um time
competente, o que a Trouw Nutrition tem de sobra no
Brasil. A qualidade de nossa equipe é muito boa em todas
as áreas em que atuamos.
AI - No caso das aquisições das empresas BRNova e
Fatec, o processo de incorporação delas à Trouw já está
totalmente finalizado?
Mihailov - Vou comentar antes um pouco sobre a trajetória
de aquisições realizadas pela Nutreco. A Nutreco iniciou
sua história aqui no Brasil em 2002, quando adquiriu glo-
balmente as operações da empresa Selko, especializada
em feed additives. Como a Selko já operava no Brasil,
acabou sendo a porta de entrada da Nutreco no mercado
brasileiro. Em 2009, deu início ao processo de aquisição
da Fri-Ribe. Num primeiro momento, adquirindo somente
26 | Avicultura Industrial | nº 05 | 2017
entrevista
um percentual da empresa. Em 2012, comprou o total de
operações, passando a deter 100% do seu capital. Nesse
mesmo ano, adquiriu a Bellman e, dois anos depois,
realizou a aquisição da BRNova e da Fatec, que são dois
negócios fortes em monogástricos, além da Selko, que tra-
balha fundamentalmente com aditivos para aves e suínos.
AI - Então, o processo de integração ainda continua
sendo feito?
Mihailov - A integração continua em questões relativas à
produção, além do suporte em áreas como finanças e re-
cursos humanos. Mas, os negócios permanecem isolados
e, muito provavelmente, permanecerão dessa forma. As
duas empresas possuem modelos de negócios distintos
e suas fortalezas dependem basicamente do modelo de
negócio. A intenção é realmente permanecer assim no
mercado, apresentando aos clientes as diversas soluções
que cada uma das empresas desenvolveu ao longo dos
anos. A Fatec tem mais de 50 anos de história. A BRNova é
um pouco mais jovem, mas chamou a atenção da Nutreco
pela sua velocidade de crescimento no mercado brasileiro.
AI - No mercado, tanto Fatec quanto BRNova manterão
atuações independentes?
Mihailov - No mercado, sim. São soluções distintas, portfó-
lios de produtos e equipes diferentes. Logicamente iremos
buscar integrar as soluções globais existentes na Nutreco,
principalmente em inovação, e
oferece-las para ambas as equipes
levarem ao mercado. A principal de-
las é um novo conceito que estamos
desenvolvendo em vários países
chamada NutriOpt. Essa tecnologia
envolve um conjunto de soluções
voltadas à nutrição, passando por
equipamentos com validação labo-
ratorial, os quais facilitam o processo
de análise de componentes da ração,
associados a modelos matemáticos.
Essas análises possibilitam ao cliente
escolher a melhor dieta, buscando
maximizar o seu resultado de acordo
com o objetivo traçado, que pode
ser redução do custo da dieta ou
melhoria da conversão alimentar,
por exemplo.
AI - Hoje, a Trouw Nutrition tem algumas marcas sob o
seu chapéu, casos da Selko, Fatec, BRNova e Fri-Ribe.
Poderia falar um pouco sobre essas empresas que
compõem o grupo?
Mihailov - A Trouw Nutrition é composta por várias em-
presas. Nós temos a Bellman, que atua fundamentalmente
no mercado de ruminantes com suplementação mineral. A
Selko é uma empresa posicionada no segmento de aditivos
para alimentação animal, os chamados feed additives, com
foco no mercado de suínos e aves. Dentro da Selko existem
três grandes áreas de negócios: saúde intestinal, feed safety
e trace minerals. Em saúde intestinal temos soluções para
controle de Salmonella em aves, por exemplo. Em feed
safety, o foco é garantir o uso de matéria-prima para rações
dentro dos padrões adequados. Já em trace minerls, traba-
lhamos com minerais, que são importantes nas dietas dos
animais. Recentemente, adquirimos nos Estados Unidos a
Micronutrients. Essa empresa detém a linha IntelliBond,
que é uma solução revolucionária e inovadora em minerais
direcionados à alimentação animal. O seu portfolio será
incorporado pela Selko.
AI - E sobre as outras empresas que compõem o grupo?
Mihailov - A Fri-Ribe tem uma diversificação grande de seus
negócios. Fundamentalmente, fabrica rações para diversas
espécies animais: gado de corte, cavalos, cães, gado de
nº 05 | 2017 | Avicultura Industrial | 27
leite, peixes, camarões, coelhos, codornas e outras espé-
cies. O negócio da Fri-Ribe está espalhado pelo Brasil todo,
com três plantas industriais uma no Estado de São Paulo e
outras duas no Nordeste. No caso da BRNova e da Fatec,
são duas empresas do segmento de premix, cujo maior
mercado é o de aves e suínos. São as duas aquisições mais
recentes do grupo e temos conseguido ótimos resultados
de performance dessas duas linhas, com crescimento ano a
ano. Temos total confiança de que estamos trazendo tecno-
logias globais da Nutreco para agregar ao já bom trabalho
desempenhado até aqui tanto pela Fatec quanto BRNova.
SI - A Nutreco pretende adquirir outras companhias, seja
no Brasil ou em outros países da América Latina?
Mihailov - O Brasil é visto pela Nutreco como um dos países
com maior potencial de crescimento ao longo dos próximos
anos. O que é natural. Se
olharmos os números da
FAO [Organização das
Nações Unidas para Agri-
cultura e Alimentação],
eles apontam para uma
necessidade de aumen-
tar a produção mundial
de alimentos em torno
de 70% visando atender
a demanda futura, até
2050, de nove bilhões de
habitantes da Terra. Isso
significa que o Brasil será
o principal player porque
tem potencial para crescer
o dobro da média de todos
os outros países visando
atender essa meta. O país
possui área agricultável,
capacidade de transformação de grãos em proteína, agre-
gando valor ao produto. Não faltam recursos naturais e
temos tecnologias extremamente avançadas para produzir
aves e suínos. Em ruminantes há um espaço enorme de
avanço em produtividade, o que virá com a adoção de
tecnologias. O mercado brasileiro é aberto para empresas
que contribuem para a melhoria dos resultados de campo
e rentabilidade dos produtores. Isso se resume no conceito
de sustentabilidade, que é o tripé ambiental, econômico e
social. Ou seja, envolve crescimento da capacidade pro-
dutiva com respeito ao meio ambiente, aumento da mão de
obra nos segmentos que compõem o agronegócio e também
resultados econômicos para dar longevidade às empresas,
algo que o Brasil está fazendo muito bem há vários anos.
Montei esse cenário para indicar que sim, a Nutreco en-
xerga o Brasil como um dos principais países dentro de
seu plano estratégico e de crescimento futuro. Com isso,
estamos de olho em oportunidades que possam surgir em
todos os segmentos que se mostrarem promissores dentro
de nosso core business, que basicamente é o de produção
de proteína animal.
AI - Recentemente a Trouw inaugurou um centro de pes-
quisas aqui no Brasil. Qual a importância dessa iniciativa?
Mihailov - Globalmente, a Nutreco detém uma marca
de laboratórios chamada Masterlab. Um desses poucos
laboratórios instalados
no mundo passou a ope-
rar no Brasil, em nossa
sede em Arujá, São Pau-
lo. O Masterlab possui
equipamentos de ponta e
know how para o desen-
volvimento de soluções
laboratoriais não só para
uso interno nosso, como
também para controle
de qualidade e outros
serviços oferecidos aos
clientes. Ao todo, são 11
centros de pesquisa e
desenvolvimento espalha-
dos pelo mundo. Estamos
muito contentes com esse
investimento feito pela
Nutreco, colocando a nos-
sa disposição um laboratório da importância do Masterlab.
É um voto de confiança muito grande.
AI - Há uma concentração cada vez maior do mercado de
proteína animal. Como o senhor avalia esse movimento,
ele pode ser entendido como algo natural?
Mihailov - O segmento de aves e suínos já passou por uma
consolidação muito acelerada, culminando com a formação
da BRF e da JBS, no tamanho em que elas estão hoje. Se
olharmos a realidade brasileira, veremos que temos uma
“Os fabricantes de premix
perderam o mercado das grandes
integradoras. Hoje, todas elas
são autossuficientes em premix.
Porém, essas grandes integradoras
e cooperativas passaram a ser
mercado para as empresas de
aditivos para alimentação animal.
É onde existe a possibilidade de
venda direta não só do produto,
mas de todo o expertise em
torno dele”
Entrevista
28 | Avicultura Industrial | nº 05 | 2017
concentração muito elevada em três ou quatro empresas. No
entanto, há outros países com uma consolidação maior ainda.
Então, não é algo que assusta. Ocorre que esse movimento
exige muito mais da área de insumos. Isso porque essas
grandes agroindústrias logicamente se estruturam muito
melhor, tendo seu próprio corpo técnico, fazendo com que
o suporte oferecido no passado deixe de ser um diferencial
competitivo. É preciso buscar realmente linhas bem mais
inovadoras para atender as necessidades desses clientes.
AI - No segmento de saúde e nutrição animal também tem
ocorrido um processo de consolidação, não?
Mihailov - Em nutrição eu não encararia como uma ten-
dência. O fato é que as companhias mundiais que ainda
não atuavam no Brasil passaram a enxergar o país como
fundamental para conti-
nuar crescendo em nível
global. É nítido o cresci-
mento acelerado de várias
empresas europeias e
americanas no país nos
últimos anos. Não é dife-
rente para a Nutreco. Nós
entendemos que o mundo
é dependente do Brasil no
que tange ao atendimento
da crescente demanda
por alimentos. O mercado
da Europa está estabili-
zado há vários anos. Nos
Estados Unidos, há uma
competição pelo uso do milho como etanol ou como matéria-
-prima para rações. A Austrália é outro país com potencial
de produção, mas enfrenta um sério problema de disponibi-
lidade de água. A África também tem enorme potencial, só
que tem questões sociais e políticas bem complexas. Então,
o Brasil é o grande celeiro do mundo atual, e continuará a
ser no futuro. Nesse cenário, é natural que as empresas
internacionais comecem a enxergar oportunidades no país
e a consolidação é um resultado disso, da vinda dessas
empresas para o Brasil, num primeiro momento.
AI - Não é prejudicial ao setor de proteína animal esta
concentração?
Mihailov - O setor de aves e suínos está realmente con-
centrado. No caso de ruminantes, não. É um setor muito
difícil de concentrar devido às características da produção
brasileira, pulverizada em pequenos e médios produtores
com boa representatividade no mercado. Hoje, a agricul-
tura começa a olhar diferente para a pecuária de corte ou
de leite, buscando participar desses mercados, seja por
intermédio da integração lavoura-pecuária ou simples-
mente para diversificar a atividade. Pode até ocorrer um
agrupamento de empresas ou fazendas, formando um
pool de operações maiores. Essa tendência existe, mas
não seria uma concentração realmente. Agora, em aves e
suínos está já é a realidade devido exatamente as grandes
integrações e cooperativas.
AI - Qual o impacto dessa concentração de aves e suínos
para as empresas do setor de saúde e nutrição animal?
Mihailov - O impacto
vai depender muito do
segmento de atuação
de cada empresa. Por
exemplo, os fabricantes
de premix perderam o
mercado das grandes
integradoras. Hoje, todas
elas são autossuficientes
em premix. Porém, essas
grandes integradoras e
cooperativas passaram
a ser mercado para as
empresas de aditivos
para alimentação animal.
É onde existe a possibi-
lidade de venda direta não só do produto, mas de todo
o expertise em torno dele. Caso do NutriOpt [sistema
modular de alimentação de precisão da Trouw Nutrition,
que permite o gerenciamento da eficácia nutricional],
que contribui para um melhor posicionamento junto a
essas grandes empresas. Então, no segmento de aves e
suínos essa concentração exclui alguns mercados em que
essas grandes companhias passam a ser autossuficientes,
abrindo a porta para outros.
AI - Isso não acaba por reconfigurar todo o mercado?
Mihailov - Uma característica interessante desses novos
mercados que se abrem é a exigência por alta tecnologia.
Até pelo nível de tecnificação que essas empresas alcan-
çaram, todas trabalham em duas casas decimais depois
“Nos Estados Unidos ocorreu
um movimento muito rápido de
mudança da opinião pública.
Não estamos livres disso aqui
no Brasil. No caso dos americanos,
o consumidor mudou muito
rapidamente sua postura,
entendendo que não deveria
mais comer carne cuja produção
fosse feita com antibióticos”
nº 05 | 2017 | Avicultura Industrial | 29
da vírgula. Quem pretende ser um de seus fornecedores
precisa observar cada detalhe do produto/serviço ofereci-
do, fornecendo algo que realmente possa fazer diferença
na produção. Isso só é possível com produtos altamente
tecnológicos, o que cria uma excelente oportunidade para
quem realmente investe em pesquisa e desenvolvimento.
AI - Dentro do grupo, a Trouw trabalha com focos
segmentados?
Mihailov - É o caso da Selko, por exemplo. Nós claramente
segmentamos esse mercado de feed additives, que den-
tro do grupo é exatamente representado pela Selko. As
grandes integrações e cooperativas nós tratamos todo o
gerenciamento em torno delas como contas-chave. Como
comentei, elas se tornaram autossuficientes em premix,
passando a serem compradoras de feed additives. As
demais empresas, que ainda demandam premix, temos
um time específico para atendê-las.
AI - A Trouw acaba atendendo a todos, dependendo da
necessidade de cada um?
Mihailov - As grandes companhias já operavam dessa
forma. Sadia e Perdigão, que formaram a BRF, já trabalha-
vam com autossuficiência em premix. Não ocorreu uma
mudança tão radical do dia para a noite nesse mercado.
O que realmente mudou está relacionado à aquisição de
empresas de menor porte por esses grandes grupos. Pode
ser que anteriormente essas menores configuravam um
mercado para premix. Com sua aquisição, elas podem
deixar de ser, passando a comprar feed additives, tal qual
a companhia que as comprou.
AI - Há uma tendência mundial pela retirada dos anti-
bióticos como aditivos melhoradores de desempenho
das rações. É algo forte na Europa, mas já começa a
haver pressões também no Brasil. Como o senhor avalia
essa questão?
Mihailov - Eu venho de uma empresa que era extrema-
mente focada no segmento de antimicrobianos para ali-
mentação animal. Hoje, estou à frente de uma companhia
que possui um claro posicionamento global visando o uso
racional dos antimicrobianos. Em algumas linhas, caso da
Skretting [divisão de aquicultura da Nutreco], as rações
são totalmente livres de antibióticos. Inclusive, destinamos
linhas de produção exclusivas para a Skretting garantindo
que a ração fornecida a nossos clientes, seja de peixe ou
camarão, não tenha traço algum de antibiótico. Nos demais
mercados aqui no Brasil, ainda se utilizam os melhoradores
de desempenho. Na minha compreensão, tecnologias
comprovadas cientificamente com relação à análise de
risco devem ser mantidas, desde que não exista legislação
contrária. A tendência mundial é realmente o que você
mencionou. A União Europeia baniu completamente os
antibióticos melhoradores de desempenho já há alguns
anos. Os Estados Unidos também o fizeram, só que mais
recentemente.
Entrevista
30 | Avicultura Industrial | nº 05 | 2017
AI - Os Estados Unidos baniram todos os antimicrobia-
nos da produção animal?
Mihailov - O governo dos Estados Unidos proibiu o uso
de todos os antibióticos com importância para a saúde
humana com indicação de melhorador de desempenho na
produção animal. A regra passou a valer a partir de janeiro
desse ano. Só permaneceu o uso terapêutico mediante
prescrição veterinária. Ou seja, dentro do conceito que
integra a linha do uso racional de antimicrobianos.
AI - Como está o Brasil nessa questão?
Mihailov - No nosso entendimento, o Brasil adota uma
postura bem madura. O Ministério da Agricultura sem-
pre se posicionou a favor do uso de tecnologias que
contribuam para a produtividade, desde que se mostrem
seguras. Não acredito em uma mudança dessa direção
por parte do Ministério da Agricultura, assim como o
setor produtivo também entende que deva ser mantido
o uso dessa solução tecnológica devido às vantagens
econômicas que proporcionam para a produção de aves
e suínos e também em relação a segurança do alimento
e a segurança alimentar. Segurança do alimento no
sentido de ser um alimento seguro em que a utilização
de algumas substâncias previne o risco de infecções
alimentares no consumidor. E segurança alimentar no
sentido em que auxiliam na maior produtividade de
aves e suínos, consequentemente, disponibilizando mais
alimentos para o mundo.
AI - Não pode acontecer aqui no Brasil o mesmo ocor-
rido nos Estados Unidos?
Mihailov - Nos Estados Unidos ocorreu um movimento
muito rápido de mudança da opinião pública. Não esta-
mos livres disso aqui no Brasil. No caso dos americanos,
o consumidor mudou muito rapidamente sua postura,
entendendo que não deveria mais comer carne cuja pro-
dução fosse feita com antibióticos. Só ressaltando que não
ficam resíduos na carne se observado todo o período de
carência. Ocorre que na cabeça do consumidor se criou
uma imagem de que se houver antibiótico na produção
pode existir resíduo na carne. Caso o meu filho consuma
essa carne, poderia criar resistência e quando precisar
tomar um antibiótico, esse medicamento não fará mais
efeito. Ainda que seja uma teoria que não possa ser com-
pletamente descartada, é algo bastante complexo para
que realmente ocorra.
AI - Não seria um processo simples de ocorrer?
Mihailov - Para começar, a bactéria teria de apresentar re-
sistência em primeiro lugar. Segundo, o animal seria abatido
e teria todo o trajeto até a casa do consumidor. Ainda assim,
ele teria de comer a carne mal cozida, já que a cocção em
geral elimina as bactérias. E sem a bactéria, não há mais
problema de resistência. Mas, se esta ainda assim entrar
no organismo da pessoa, a própria defesa do organismo
atua para eliminá-la. Então, não é um processo tão simples.
Agora, não é 100% descartado. O que é preciso colocar nes-
sa discussão são pesos adequados na balança. Nem oito,
nem oitenta. Nos Estados Unidos, houve inicialmente uma
pressão do público consumidor sobre o Congresso, que por
sua vez pressionou o FDA [Food and Drug Administration],
o qual determinou junto as empresas do setor a retirada,
feita em três anos, o que culminou agora em dezembro de
2016. Foi muito rápido. Portanto, a partir desse ano é um
mercado que mudou completamente a sua dinâmica. Isso
também pode ocorrer no Brasil? Naturalmente que sim.
Por isso é algo que temos de acompanhar bem de perto.
AI - Isso não acaba sendo uma ferramenta de marketing
para a empresa diferenciar o seu produto nas gôndolas
dos supermercados?
Mihailov - Isso é algo que ocorre. Antes dessa proibição nos
Estados Unidos, a Tyson e a Perdue tinham um forte posi-
cionamento no mercado americano com a venda de frangos
produzidos sem o uso de antibióticos. Há três anos era co-
mum ver nos supermercados produtos dessas duas marcas,
com esse perfil, ocupando as gôndolas dos supermercados
com um preço bastante diferenciado. Eram produtos com um
premium price muito significativo. Hoje, praticamente todo o
frango americano é produzido sem antibióticos. Então, o que
era um diferencial se transformou em commodity.
AI - O preço do frango caiu nas gôndolas dos supermer-
cados americanos?
Mihailov - O preço está acomodado um pouco para
baixo. Logicamente, a retirada dos antibióticos acarreta
consequências nos custos de produção, além de os
resultados zootécnicos não serem os mesmos. Há já
soluções disponíveis, mas em algumas situações essa
substituição não é 100% em nível de resultado. Tem outro
aspecto ainda. Mesmo sem usar os antimicrobianos como
melhoradores de desempenho, caso haja enfermidade no
plantel, é necessário aplicar o medicamento. Só que essas
nº 05 | 2017 | Avicultura Industrial | 31
aves tratadas com antibióticos não podem ser destinadas
ao mesmo mercado das chamadas livres de antibióticos.
Isso é algo que ainda ocorre nos Estados Unidos, diferen-
ciando dois mercados.
AI - No ano passado o Ministério da Agricultura baniu
o uso da colistina na produção animal, cerca de quatro
meses depois de divulgado um estudo apontando o
risco de desenvolvimento de resistência bacteriana. O
governo brasileiro está atento a essas questões?
Mihailov - Nesses últimos anos tenho acompanhado de
perto as ações do Ministério da Agricultura nessa área,
seja por iniciativa própria ou por intermédio de acordos
globais dos quais o Brasil faz parte, como é o caso do
Codex Allimentarius. Há uma linha de pensamento e de
direcionamento estratégico da Organização Mundial da
Saúde [OMS] e da Organização Mundial de Saúde Animal
[OIE] para realmente reduzir o uso de antimicrobianos
na produção animal. O Brasil sendo um país signatário,
evidentemente tem de aderir a esses planos. Muita coisa
vem sendo feita em relação à conscientização, etapas de
controle, fiscalização, análise de risco das moléculas apro-
vadas etc. Você citou a colistina, mas o mesmo já ocorreu
com a espiramicina há uns dois anos. Enfim, o Ministério
da Agricultura trabalha rotineiramente nessas questões.
Quando surgiram dados novos relacionados à colistina, o
Ministério se posicionou. Enquanto os dados disponíveis
demonstravam não haver risco, o uso dela estava mantido.
A base científica é o fator de tomada de decisão nessa área.
Tem que ser assim, indiscutivelmente.
AI - As empresas de saúde e nutrição animal estão pre-
paradas para essas mudanças?
Mihailov - Há uma tendência futura muito clara, que é o
aumento do uso de vacinas e soluções nutricionais acom-
panhado da redução da aplicação de medicamentos.
Isso já é percebido ao longo dos anos e continuará a se
consolidar de forma acelerada na medida em que novas
vacinas e alternativas aos antibióticos cheguem ao mercado
oferecendo soluções para as questões de saúde animal. A
saúde animal migra cada vez mais para a área preventiva,
e menos para a curativa. O que é certo do ponto de vista da
produção. O custo é muito mais alto para tratar os animais.
Não só de medicamentos, mas pelo prejuízo causado pela
enfermidade, que muitas vezes demora a ser detectada.
Independente de ser uma tendência mundial, o certo é,
em qualquer tipo de produção, trabalhar preventivamente
com todas as soluções disponíveis.