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XVIII Encontro Baiano de Educação Matemática
A sala de aula de Matemática e suas vertentes
UESC, Ilhéus, Bahia de 03 a 06 de julho de 2019
SILVA, Neomar; LIMA, Reinaldo; SOUZA, Ilvanete. Concepções de aprendizagem na Educação
de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas em Educação Matemática. 2019. In: Anais do
XVIII Encontro Baiano de Educação Matemática. Ilhéus, Bahia. XVIII EBEM.
CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
UM OLHAR PARA PESQUISAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Neomar Lacerda da Silva
Universidade Federal da Bahia
Reinaldo Feio Lima
Universidade Federal da Bahia
Ilvanete dos Santos de Souza
Universidade Federal da Bahia
Resumo: Este estudo teórico objetivou apresentar concepções pelas quais pesquisadores lidam
com relação aos aspectos individuais e/ou sociais da aprendizagem, o que perfaz as ênfases no
aquisicionismo ou no participacionismo nas abordagens teóricas e metodológicas com que
pesquisas no campo da formação de professores que ensinam matemática na modalidade
Educação de Jovens e Adultos são conduzidas. Para tanto, analisamos anais do Simpósio
Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM). A análise que empreendemos
em nosso corpus evidenciou diferentes referenciais teóricos e sugerimos agrupar tais estudos
sob pontos de enfoque, nomeadamente: proposta de integração, representações sociais, práticas
discursivas e análise de materiais. As pesquisas concordam quanto as especificidades do Ensino
de Matemática nesta modalidade, que a metodologia e consequente organização das aulas está
sob influência do seu lócus de produção, da natureza do conhecimento requerido pela situação
e da forma como professor e estudantes se comprometem com o ensino.
Palavras-chave: Ensino de Matemática. Educação de Jovens e Adultos. Aquisição e
Participação.
INTRODUÇÃO
Dialeticamente envolvida em meio às incertezas, contradições e crises, ainda mais
potencializadas no momento político presente, a Educação de Jovens e Adultos se apresenta
como espaço privilegiado de reflexão, interrogação e auto avaliação social (DI PIERRO, 2017).
As demandas profissionais, enfrentadas pelos(as) educadores(as) desta modalidade, na busca
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
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Silva; Lima; Souza (2019)
pela compreensão e formação do ser humano em suas múltiplas potencialidades, tornam-se um
desafio para a pesquisa e a ação nesta modalidade de educação.
Aliado a isso, ainda, o antagonismo da conflituosa realidade social e política atual – que
coloca de um lado a necessidade de formação tecnológica e para o trabalho, com forte apelo
econômico, e do outro o sentido da vida, da humanização, da construção de uma sociedade
democrática – tem suscitado significativas discussões nos espaços educacionais, nas pesquisas
e na sociedade em geral. Isso se deve ao fato de que, como nos lembra Di Pierro (2017), a
Educação de Jovens e Adultos está envolvida inevitavelmente em discussões nas quais a
sociedade em crise se encontra imersa, como também da angústia que ela suscita, porque a
educação é um lugar onde toda sociedade se busca, interroga e debate a respeito dela mesma.
Não obstante, toda essa problemática em torno dos processos educativos e políticos terá
influências diretas nas propostas de formação de educadores para a Educação de Jovens e
Adultos, isto porque o educador, no seu fazer pedagógico, se apresenta como fomentador
singular dessas discussões, ainda que sob risco iminente de censura, como desejo das forças
que ora congregam na governança do país.
Tais discussões estão, também, presentes no campo de pesquisas de formação de
professores que ensinam matemática. Skott (2013) sublinha que, nas últimas décadas,
tendências gerais na pesquisa em Educação Matemática, para todas as modalidades, dedicaram
atenção ao professor. Lerman (2013) pondera que uma característica destes estudos é que,
conduzidos dentro de distintos campos teóricos e metodológicos, existem diferenças
significativas entre essas linhas de pesquisa, apesar de seu interesse comum no conhecimento
do professor e seu papel na prática. As diferenças em relação às ênfases social e/ou individual
podem ser formuladas em termos da confiança na participação ou na aquisição como a metáfora
dominante com que os estudos se referem a aprendizagem (LERMAN, 2013).
Neste trabalho, objetivamos apresentar um estudo teórico acerca do entendimento
manifestado nas pesquisas com relação aos aspectos individuais e/ou sociais da aprendizagem,
o que perfaz as ênfases no aquisicionismo ou no participacionismo nas abordagens teóricas e
metodológicas com que pesquisas no campo da formação de professores que ensinam
matemática na modalidade Educação de Jovens e Adultos são conduzidas.
Para tanto, analisamos os anais dos três últimos SIPEM’s (Simpósio Internacional de
Pesquisa em Educação Matemática), à busca por trabalhos que trouxessem contribuições com
relação a estas abordagens teóricas e metodológicas para a Educação de Jovens e Adultos. A
escolha pelo SIPEM se deu por tratar-se de um evento internacional promovido pela Sociedade
Brasileira de Educação Matemática (SBEM) e que congrega pesquisadores da área, que se
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
dedicam a investigações sobre o processo de ensino e aprendizagem da matemática nas suas
questões epistemológicas, didáticas e cognitivas.
PROTOCOLOS DE LEITURA
Para a análise a que nos propusemos dedicamos atenção aos três últimos anais do
Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática – SIPEM, decorrentes dos
encontros ocorridos em 2012, 2015 e 2018, respectivamente o V, VI e o VII encontros. Nossa
opção por este recorte se justifica devido ao fato de que os trabalhos referentes a estes três
últimos simpósios estarem por completo e disponíveis no sítio eletrônico da Sociedade
Brasileira de Educação Matemática – SBEM, enquanto os anteriores constarem apenas dos
resumos.
Ademais, encontramos seis (06) trabalhos buscando pelas palavras-chave: Educação de
Jovens e Adultos, EJA, Educação de Pessoas Jovens e Adultas e Ensino de Matemática para
Pessoas Jovens e Adultas. Estes trabalhos nos parecem elucidativos e representativos para a
discussão com relação a ênfase no individual e/ou social nos referenciais teóricos
metodológicos aos quais recorreram os autores para compreenderem a aprendizagem. Temos
consciência, porém, que nosso corpus, que compunha o recorte, não abrange todas as possíveis
contribuições para a temática, bem como nossa leitura, reflexão e análise a que realizamos foi
orientada pela nossa reação àquilo que os textos nos provocaram.
Após uma leitura na íntegra, iniciamos o processo de análise buscando encontrar
categorias que nos possibilitassem traçar pontos convergentes ou divergentes entre os enfoques
dados às produções. Encontramos uma diversidade de referenciais teóricos e objetivos que nos
possibilitou certa combinação entre objetivos e temáticas investigativas, as quais chamamos de
enfoque de pesquisa. Assim, categorizamos 04 (quatro) pontos de enfoque e que parecem ser
assumidos nas investigações: Proposta de integração, Representações sociais, Práticas
discursivas e Análise de materiais. Na Tabela 1, abaixo, apresentamos os estudos que compõe
cada um dos agrupamentos:
Tabela 1 – Grupos e pontos de enfoque das pesquisas analisadas
Grupo Enfoque de pesquisa Perspectiva de
aprendizagem
Pesquisas
1
Proposta de integração
Participacionista
Pompeu (2012), Tôrres e
Muniz (2015), Pompeu e
Santos (2018)
2 Representações sociais Aquisicionista Araújo e Pavanello (2018)
3 Práticas discursivas Participacionista Fonseca (2018)
4 Análise de materiais Aquisicionista Martins e Borba (2018)
Fonte: Elaboração dos autores (2019).
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E AS ABORDAGENS AQUISICIONISTAS
E PARTICIPACIONISTAS PARA COMPREENDER A APRENDIZAGEM
As Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000),
estabelecidas pela Resolução CNE/CEB Nº 1, de 05 de julho de 2000, reafirmam a necessidade
de se considerar as situações, os perfis e a faixa etária do estudante nesta modalidade. Podemos
assumir que mesmo a considerando como parte do sistema educacional geral, apresentam
conteúdos e metodologias próprias. Pelas diretrizes, o ensino deve pautar-se pelos princípios de
equidade, diferença e proporção, num modelo pedagógico próprio, de forma a cumprir a
distribuição específica dos componentes curriculares, a identificação e o reconhecimento da
alteridade dos jovens e adultos em seu processo formativo, além da proporcionalidade, com
disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares.
Fonseca (2007) esclarece que a busca por uma formação para o mercado de trabalho e
por uma educação voltada ao pleno exercício da cidadania consistem nas principais motivações
para o retorno dos estudantes jovens e adultos às salas de aula. Para a autora, estes estudantes
retornam aos bancos escolares por perceberem-se pressionados pelas demandas do mercado de
trabalho, que valoriza o saber institucional, mas também pelo desejo, ou simplesmente, pela
consciência de conquistar seus direitos.
Destarte, compreendendo a especificidade na Educação Matemática de Jovens e
Adultos, a possibilidade de um ensino sob um enfoque sociocultural, assim como a necessidade
dos saberes técnicos valorizados pelo mercado de trabalho, as pesquisas na formação de
professores que ensinam matemática, como nos alerta Skott (2013), podem trazer certa
desconexão e levar a uma visão incoerente do professor e seu papel. Isso, devido não apenas
aos diferentes objetos de investigação, mas, também, a diferentes pressupostos teóricos e
metodológicos que levam a unidades de análise qualitativamente diferentes.
Lerman (2013) esclarece que uma característica comum em pesquisas interessadas na
formação do professor que ensina matemática são as formas pelas quais abordam as relações
entre os entendimentos individuais e sociais do desenvolvimento do professor e o seu papel na
prática em sala de aula. Para Skott (2013), a maioria das pesquisas sobre conhecimento do
professor que ensina matemática tem sido influenciada pelo construtivismo, e o conhecimento
é considerado uma construção mental, desenvolvida por meio de processos de assimilação e
acomodação como resposta a novas realidades experienciais.
A consideração de que o conhecimento é uma construção mental e o ensino uma
representação pré-existente por parte do professor, está de acordo com aquilo que Lerman
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
(2013) chamou de abordagem aquisicionista em Educação Matemática. As pesquisas que se
baseiam nessa abordagem, em geral, compreendem a aprendizagem como um processo
individual e independente do contexto. As percepções, interpretações e ações do professor em
sala de aula, bem como suas próprias contribuições para esses eventos, são, assim, determinados
pelo conhecimento interiorizado em suas mentes, independente do mundo exterior e de ações
compartilhadas. Nesta concepção, segundo Skott (2013), ensinar, é geralmente, entendido como
uma representação de conhecimentos pré-existentes do professor.
Pesquisas em Educação Matemática na Educação de Jovens e Adultos têm sido
conduzidas sob a abordagem aquisicionista, tanto no campo da formação de professores que
ensinam matemática (HILTON; HILTON; DOLE, GOOS, 2016), como em pesquisas de
programas de avaliação em larga escala (TOUT; GAL, 2015). Tais pesquisas reúnem intenções
voltadas à identificação e/ou descrição de diversas habilidades relacionadas a quantificações,
consideradas em seu conjunto como competências matemáticas individuais.
A revisão de Lerman (2000; 2013) sugere uma mudança de perspectiva nas pesquisas
em formação de professores desde o final dos anos de 1980. Esta mudança ficou conhecida
como virada social na pesquisa em Educação Matemática e demarcou outra forma de explicar
a aprendizagem, desafiando perspectivas cognitivistas, hegemônicas na época, que
compreendem a aprendizagem e o ensino quase sempre por meio de processos aquisicionista.
Lerman (2000; 2013), no entanto, adverte para o surgimento de estudos que desafiam
teorias basicamente individualistas e psicológicas para explicar a aprendizagem e a vida nas
salas de aula de matemática. Tais estudos desafiam a tendência aquisicionista e propõe que a
aprendizagem pode, também, ser compreendida pela participação numa gama de práticas
sociais. Como representantes desta tendência participacionista, temos, por exemplo, teorias da
prática social (LAVE; WENGER 1991) e a teoria sociocultural (VYGOTSKY, 1986). Estes
estudos se utilizam de bases socioculturais e sugerem a aprendizagem não apenas como uma
construção mental individual, mas como participação numa variedade de práticas sociais, e,
portanto, que práticas de professores estão imbricadas aos contextos nos quais são realizadas.
Assim, pesquisas na Educação de Jovens e Adultos sob uma égide participacionista
discutem, por exemplo, a participação na formação de professores de matemática (BENNISON,
2015) e a transferência entre conhecimentos escolares e o local de trabalho (SCHNEIDER;
FONSECA, 2014; WAKE, 2015). Tais pesquisas retratam em suas bases teóricas e
metodológicas que aquilo que o professor conhece é socialmente organizado e resultado de
inúmeros processos de negociação entre contextos sociais distintos (LERMAN, 2013).
Na próxima seção, traremos a análise das produções que compunha nosso corpus.
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
O QUE NOS INFORMAM AS PRODUÇÕES ANALISADAS
A seguir, descrevemos e analisamos as pesquisas de cada grupo (Tabela 1) com vistas a
inter-relacionar o objetivo de cada estudo (tal como explicitado pelos autores), a abordagem
teórica e os principais resultados relacionados ao Ensino de Matemática na Educação de Jovens
e Adultos apresentados pelos autores, e que nos permitiram algumas considerações sobre
perspectivas participacionista ou aquisicionista para compreensão da aprendizagem.
Grupo 1: Proposta de integração
Os estudos deste grupo aproximam-se com relação à temática investigada, bem como
ao ponto de enfoque (Tabela 2), uma vez que discutem sobre a matemática escolar e a
extraescolar, buscando uma proposta de integração curricular que possibilite a estudantes
jovens e adultos atribuir sentidos e significados entre àquela matemática ensinada na escola e a
do seu fazer cotidiano. Para esses autores, os conhecimentos matemáticos escolares e os
extraescolares “se entrelaçam, convivem, assim como se conflitam mutuamente, por vezes, em
complexos processos de negação um do outro” (TÔRRES, MUNIZ, 2015, p. 02).
Tabela 2 – Estudos que têm como ponto de enfoque uma Proposta de integração
Autor(a) Objetivo(s) Abordagem
teórica anunciada
Aprendizagem como participação
Pompeu
(2012)
Analisar os modos de interação e
as relações de alunos jovens e
adultos com o conhecimento
matemático dentro e fora da
escola, bem como as
possibilidades de aproximação
entre conhecimento matemático
escolar e não escolar
Teoria da
Aprendizagem
Situada;
Concepções de
Bernard Charlot
sobre interações do
jovem com o saber
[...] discussões importantes em
relação ao conhecimento
matemático, ao seu ensino, à
aprendizagem e à importância do
sujeito social e cultural em
interação com outros sujeitos que
aprendem (p. 05)
Tôrres e
Muniz
(2015)
Identificar e analisar a produção
de conhecimentos matemáticos
em diferentes graus de
formalização e explicitação oral e
escrita, de caráter cognitivo e
metacognitivo
Estudos sobre
metacognição e
Teoria das
Situações Didáticas
Os sujeitos [...] constroem
conhecimentos muitas vezes
sofisticados e complexos nas
práticas sociais e culturais das quais
participam (p. 02)
Pompeu e
Santos
(2018)
Analisar a relação que alunos
jovens e adultos estabelecem com
o conhecimento matemático,
procurando entender significados
atribuídos a esse conhecimento e
as dificuldades que emergem de
tal relação.
Teoria da
Aprendizagem
Situada
[...] entender suas relações com a
escola e com o saber matemático, o
modo como tais sujeitos negociam
seus saberes [...]. Levando em conta
a matemática como uma prática
social (p. 02)
Fonte: Elaboração dos autores (2019).
Pompeu (2012) e Pompeu e Santos (2018) realizaram observações de aulas de
matemática na Educação de Jovens e Adultos, bem como entrevistas semiestruturadas com
estudantes e professor. Notaram que os estudantes se relacionam com a matemática escolar
como um saber legitimado e universal, como algo pronto e acabado que traz consigo as
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
dificuldades da formalização e sistematização. Apesar de mobilizem saberes matemáticos, não
os consideram legítimos se observado os saberes legitimados da matemática escolar.
Os autores se sustentam em discussões acerca da matemática como prática social e sobre
a relevância de tais práticas diante de diferentes contextos, como o do mundo do trabalho, e
sugerem que a escola, apesar de muitas vezes não auxiliar na mobilização de saberes não
escolares em sua dinâmica de sala de aula, está repleta de práticas sociais provenientes de
experiências culturais e sociais dos sujeitos que a frequentam. Ainda, que os momentos de
negociação de significados e de validação de saberes revelam a capacidade dos estudantes em
se relacionar com os diversos saberes, resistindo ou vencendo a resistência. Sugerem, assim, a
aprendizagem enquanto participação em diversas práticas sociais escolares e extraescolares.
Já a pesquisa de Tôrres e Muniz se utilizou da observação de aulas e de narrativas das
resoluções das atividades realizadas pelos estudantes para sugerir que a mobilização dos
conhecimentos matemáticos de jovens e adultos “tem influência do seu lócus de produção, da
natureza do conhecimento requerido pela situação e do contrato didático estabelecido entre
educador, pesquisador e educandos” (TÔRRES; MUNIZ, 2015, p. 09). Também, o respeito ao
contrato didático, ainda que implícito, parece refletir a tentativa de o estudante adequar-se às
regras do contexto escolar e ali obter sucesso. Por contrato didático, os autores o compreendem
como um contrato no qual regras e convenções, nem sempre explícitas, estabelecem o que se
espera de cada uma das partes.
Apesar de usarem as palavras cognição e metacognição, o estudo de Tôrres e Muniz
(2015) parece-nos estar regido sob uma concepção participacionista, já que os autores seguem
um viés de aprendizagem enquanto uma mescla entre a cognição e o contextual e, assim,
declaram o conhecimento como “uma construção que se dá a partir da ação reflexiva e da
interação do indivíduo com os outros seres humanos e com o mundo ao longo de toda a vida”
(TÔRRES; MUNIZ, 2015, p. 02). Além disso, discutem como saberes que os estudantes já
validaram fora da escola são posicionados como inválidos, perfazendo a não integração
curricular entre saberes escolares e extraescolares na Educação de Jovens e Adultos.
Grupo 2: Representações sociais
O estudo desse grupo discute sobre representações sociais de estudantes jovens e adultos
a respeito dessa modalidade. Para os autores, “uma representação é formada por um conjunto
de opiniões, de informações, de atitudes e de crenças a respeito de um determinado objeto
social” (ARAÚJO; PAVANELLO, 2018, p. 03). Assim, sugerem, por meio da análise de
questionários, que professores e estudantes consideram a matemática uma disciplina difícil
porque lida com números e cálculos, demonstrando uma concepção procedimental do Ensino
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
de Matemática. No entanto, “consideram-na uma disciplina importante para o dia a dia e,
consequentemente, para proporcionar a possibilidade de um futuro melhor aos alunos”
(ARAÚJO; PAVANELLO, 2018, p. 10-11).
Tabela 3 – Estudos que têm como ponto de enfoque Representações sociais
Autor(a) Objetivo(s) Abordagem teórica
anunciada
Aprendizagem como aquisição
individual
Araújo e
Pavanello
(2018)
Pesquisar as
Representações Sociais
de Alunos da Educação
de Jovens e Adultos e de
seus Professores de
Matemática sobre essa
modalidade de educação
e sobre a matemática.
Teoria das Representações
Sociais de Moscovici (1976)
e a Teoria do Núcleo Central
de Abric (1976)
[...] os alunos reconhecem que há um
trabalho diferenciado dos
professores[...] o esforço e dedicação
destes, aliados à força de vontade dos
alunos, fazem com que a
aprendizagem seja alcançada com
mais facilidade do que na modalidade
regular de ensino (p. 08)
Fonte: Elaboração dos autores (2019).
Apesar de trazerem a expressão representações sociais para analisar as concepções de
estudantes e professores com relação à Educação de Jovens e Adultos, o estudo em tela dá
ênfase a aspectos mais técnicos no Ensino de Matemática e, por isso, o consideramos dentro de
uma perspectiva aquisicionista. Segundo os autores, os professores sugerem que precisam se
dedicar, “adequando os conteúdos e metodologias às expectativas dos alunos jovens e adultos,
em uma tentativa de desmitificar a matemática. Em contrapartida, acreditam que o aluno
também precisa se dedicar” (ARAÚJO; PAVANELLO, 2018, p. 07), nisto, este dedicar está
condicionado não a uma negociação de significados ou à participação em práticas sociais, mas
supõe-se “elaborar/construir o seu conhecimento, compreender os temas trabalhados pelo
professor e ter sucesso na disciplina, superando os desafios e dificuldades” (ibdem). A
aprendizagem é vista como posse, possível de ser alcançada em seu modo pleno.
Grupo 3: Práticas discursivas
O estudo incluído neste grupo utilizou material empírico sobre narrativas de aulas, e
com lentes teóricas nos estudos da linguagem, que investem em reflexões sobre pragmática,
em especial, nas contribuições da obra de maturidade de Wittgenstein, discutiu modelos de
racionalidade que permeiam e são confrontados quando se mobilizam e se hierarquizam
argumentos sintáticos, semânticos e pragmáticos nos jogos de linguagem de que participam
estudantes e professores da Educação de Jovens e Adultos.
Tabela 4 – Estudos que têm como ponto de enfoque Práticas discursivas
Autor(a) Objetivo(s) Abordagem teórica
anunciada
Aprendizagem como
participação
Fonseca
(2018)
Analisar eventos ocorridos em
aulas de matemática da Educação
Básica de Pessoas Jovens e
Adultas (EJA), considerando a
diversidade dos sujeitos e dos
contextos como condição
Perspectiva
wittgensteiniana
Os estudos que temos
desenvolvido assumem a
significação linguística como um
fenômeno social (p. 11)
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
estruturante da complexidade e da
multiplicidade das práticas
discursivas que ali se instituem.
Isso faz da prática social uma
prática criativa e própria daqueles
sujeitos em interação (p. 12)
Fonte: Elaboração dos autores (2019).
Fonseca (2018) argumenta que a opção pela pragmática da linguagem em Wittgenstein
é devido a concepção de linguagem aqui tratada, a partir da noção de significação como
determinada pelo uso, o que, segundo a autora, é importante “no desenvolvimento de nosso
argumento sobre a insuficiência da abordagem semântica nas estratégias de ensino de
matemática, especialmente na EJA” (FONSECA, 2018, p. 06).
Este estudo vê a aprendizagem como participação em práticas sociais e a linguagem
associada ao uso, na qual o significado de uma palavra é seu uso na linguagem. Ao recorrer à
dimensão pragmática, assume a significação linguística como um fenômeno social e, por isso,
determinada pelo uso. Deste modo, “na concepção do uso e da significação como constituídos
nas relações, considera-se o caráter de repetição da significação, uma vez que a significação
emerge da regularidade dos usos” (FONSECA, 2018, p. 11), no entanto, as possibilidades dos
usos e de seus vários contextos cria uma possibilidade infinita de significações.
Grupo 4: Análise de materiais
O estudo deste grupo analisou à luz da Teoria dos Campos Conceituais a proposta
curricular federal para o primeiro segmento da Educação de Jovens e Adultos, no que se refere
às orientações de trabalho com a Combinatória, bem como, analisou livros didáticos aprovados
no Plano Nacional do Livro Didático – EJA 2014, referente a esse conteúdo.
Como resultado, constatou-se certa aproximação do currículo prescrito e apresentado
quanto à apresentação de uma situação combinatória referente ao produto cartesiano e situações
com outros tipos de invariantes, como a permutação e combinação. Neste estudo, o currículo é
compreendido como um processo de construção, que estabelece a direção, a orientação e a
organização das práticas educativas. O currículo prescrito são os textos curriculares oficiais e o
apresentado corresponde às orientações dadas em livros didáticos e/ou materiais.
Tabela 5 – Estudos que têm como ponto de enfoque Análise de materiais
Autor(a) Objetivo(s) Abordagem
teórica anunciada
Aprendizagem como aquisição
individual
Martins e
Borba
(2018)
Analisar materiais curriculares
direcionados à Educação de
Jovens e Adultos (EJA), tendo
em vista o caráter orientador
que estes possuem nas
ações docentes.
Teoria dos Campos
Conceituais
proposta por
Vergnaud (1986)
[...] o raciocínio combinatório como
um modo de pensar a partir de
situações onde, dados determinados
conjuntos, deve-se fazer o
agrupamento dos elementos dos
mesmos a partir de critérios
específicos [...] para determinar o
número total de agrupamentos
possíveis (p. 2-3)
Fonte: Elaboração dos autores (2019).
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
As autoras observaram certa fragilidade nas simbologias em situações combinatórias,
tanto no documento como nas obras pesquisadas. Em ambos, não há orientações para o uso de
certas representações que podem auxiliar a resolução dos problemas de combinatória e alertam
que, embora, os materiais revelem aproximações e distanciamentos no desenvolvimento do
raciocínio combinatório, é necessário que a ação docente “leve em consideração as
especificidades dos educandos dessa modalidade de ensino, buscando promover a compreensão
dos conceitos de forma estimulante” (MARTINS; BORBA, 2018, p. 18).
Pela forma que lidam com a aprendizagem, inserimos este estudo numa concepção
aquisicionista e, apesar de sugerirem que o professor considere os saberes social e formalmente
construídos pelos educandos jovens e adultos, a lente teórica da pesquisa, focada na Teoria dos
Campos Conceituais, corresponde a uma teoria cognitivista que visa fornecer um quadro
coerente e alguns princípios de base para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de
competências, segundo o qual “o indivíduo desenvolve o entendimento de conceitos dentro de
um amplo contexto de problemas” (MARTINS; BORBA, 2018, p. 06).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao pretendermos discutir sobre as ênfases no individual e/ou no social com que
pesquisas no campo do Ensino de Matemática para a Educação de Jovens e Adultos
compreendem a aprendizagem, não fazemos juízo de valor quanto ao aspecto individual e o
social. Não queremos valorar este ou aquele aspecto como o mais adequado para a pesquisa
nesta área. Pelo contrário, concordamos com Lerman (2013) de que ambas as abordagens
coexistem e poderiam ser complementares. Segundo este autor, se queremos pesquisar o que
professores e estudantes realmente fazem ou sabem, precisamos examinar tanto o foco
cognitivo individual, quanto os aspectos sociais, uma vez que para fins de pesquisa podemos
escolher um foco em particular, como o cognitivo individual, mas isso não significa que os
outros elementos do contexto social não estejam presentes (LERMAN, 2013).
Os estudos que perfazem nosso corpus de análise são regidos por diferentes referenciais
teóricos que contemplam o Ensino de Matemática na Educação de Jovens e Adultos. Para efeito
de organização, agrupamos tais estudos sob pontos de enfoque, nomeadamente: Proposta de
integração, Representações sociais, Práticas discursivas e Análise de materiais. No entanto,
apesar de agrupados em focos diferentes, as pesquisas concordam quanto as especificidades do
Ensino de Matemática nesta modalidade, e que a metodologia e consequente organização das
aulas está sob influência do seu lócus de produção, da natureza do conhecimento requerido pela
situação, e da forma como professor e estudantes se comprometem com o ensino.
Concepções de aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos: um olhar para pesquisas
em Educação Matemática
Silva; Lima; Souza (2019)
Acreditamos, como Lerman (2013), não fazer sentido pesquisas distinguirem entre
aspectos cognitivos individuais e o contexto sociocultural para compreender a aprendizagem.
Compreendemos que a unidade de análise deve incluir, portanto, o estudante, o professor, a
situação, a tarefa, a atividade e, ainda, aspectos próprios de uma modalidade preocupada com
a educação de pessoas jovens e adultas, quais sejam: estão numa faixa etária diferente daquela
a que pertencem os estudantes da escola regular; carregam experiências distintas e a
escolaridade interrompida por diferentes motivos; trazem suas experiências do trabalho para a
escola, além de possuírem outros tipos de vínculos com a família e com a comunidade,
diferentemente daqueles estabelecidos quando crianças (POMPEU, 2012).
Nisto, repousa nossa preocupação em termos dos enfoques nas ênfases sob o
aquisicionismo ou o participacionismo com que pesquisas no campo da formação de
professores que ensinam matemática na modalidade Educação de Jovens e Adultos são
conduzidas, uma vez que as condições e especificidades que perfazem esse público requerem
motivações outras, para além daquelas já discutidas na educação regular.
REFERÊNCIAS
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sociocultural approach. ZDM – The International Journal on Mathematics Education, v.
47, p. 561-573, 2015.
BRASIL. Parecer CNE/CEB nº. 1/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
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DI PIERRO, M. C. Tradições e Concepções de Educação de Jovens e Adultos. In: CATELLI
JÚNIOR, R. Formação e Práticas na Educação de Jovens e Adultos. São Paulo: Ação
Educativa, p. 09-21. 2017.
FONSECA, M. C. F. R. Educação matemática de jovens e adultos: especificidades,
desafios e contribuições. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
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proportional reasoning skills through an ongoing professional development programme for
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SKOTT, J. Understanding the role of the teacher in emerging classroom practices: Searching
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APÊNDICE 1: Relação das pesquisas do corpus de análise deste estudo
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FONSECA, M. C. F. R. Dimensões sintáticas, semânticas e pragmáticas da linguagem nas
práticas discursivas em aulas de matemática da Educação Básica de Pessoas Jovens e Adultas
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MATEMÁTICA - SIPEM, 2018. Anais... Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil: SBEM, 2018.
MARTINS, G. V.; BORBA, R. E. S. R. Combinatória: currículos prescrito e apresentado na
Educação de Jovens e Adultos. In: VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA
EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA - SIPEM, 2018. Anais... Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil:
SBEM, 2018.
POMPEU, C. C. A experiência escolar de alunos jovens e adultos e sua relação com a
Matemática. In: V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA - SIPEM, 2012. Anais... Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil: SBEM, 2012.
POMPEU, C. C.; SANTOS, V. M. Um estudo sobre a relação de alunos jovens e adultos com
a matemática. In: VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA - SIPEM, 2018. Anais... Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil: SBEM, 2018.
TÔRRES, P. L; MUNIZ, C. A. Identificação e Análise de Conhecimentos Numéricos de
Jovens e Adultos, em Explicações Orais e Escritas. In: VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL
DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA - SIPEM, 2015. Anais... Pirenópolis,
Goiás, Brasil: SBEM, 2015.