correndo na frente - espacoevents.com.br · (prem baba) agradecimentos desejamos expressar nosso...

63

Upload: vannguyet

Post on 27-Aug-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CORRENDO NA FRENTE

Todos os direitos desta obra pertencema Manuel Garcia Arroyo (Vasco)e ao Espaço Cultural Events

Rua Arão Adler, 160 – Parque Continental – SP.CEP: 05328-010Fone: 55 11 [email protected]

Projeto Gráfi co Ópera Marketing

Capa Everton Ruívo

Diagramação Odirlei Duarte

Edição e Revisão Ailton Fernandes

Fotos Arquivo Pessoal

1ª. Edição - abr/2010

CORRENDO NA FRENTE

A incrível história do Vasco,

um visionário das corridas de rua.

Denise Mirás

Planejamento e organização:

Elisete Leite Garcia

Que todos os seres sejam felizes...Que todos os seres sejam ditosos...Que todos os seres estejam em paz...

(Prem Baba)

Agradecimentos

Desejamos expressar nosso reconhecimento pela efi ciente compilação das ideias no roteiro e proposta de levantamento da história das corridas desde a década de 80, como lembrança do valor de recordar como tudo aconteceu.

A generosa disponibilidade dos entrevistados em compor este manuscrito, como um presente-surpresa, em homenagem aos 60 anos do Vasco - Manuel Garcia Arroyo, e a todos que direta e indiretamente compõem este cenário das corridas, formado por uma grande equipe.

Agradecemos também a todos os amigos do Vasco de fases distintas, como esco-la, colégio, corredores, familiares, nossos queridos vizinhos, amigos de farra e boemia, que estão presentes com muito carinho e afeto nas páginas do livro da vida do Vasco e de sua família.

Elisete, Paloma e Pablo Leite Garcia.

Sumário

A p r e s e n t a ç ã o 15

P r e f á c i o 17

I n t r o d u ç ã o 19

PA R T E I D e C o r r i d a s e C o r r e r i a s

Capítulo 1 Os revolucionários da saúde 22 Capítulo 2 Em São Paulo, nasce o “grupo da USP” 24

Capítulo 3 Enquanto isso, no Rio de Janeiro 27

Capítulo 4 Juntando as “turmas” na USP 30

Capítulo 5 Um brasileiro na ponta da São Silvestre 32

Capítulo 6 Da Corja à Corpore 34

Capítulo 7 Avenida 9 de Julho, número 40, sobreloja 36

Capítulo 8 A força dos patrocinadores...e da tevê 38

Capítulo 9 A mulher também corre 39

Capítulo 10 Experimentar e aprender 41

Capítulo 11 Os maiores atletas do mundo, no Ibirapuera 42

Capítulo 12 Os russos estão chegando 43

Capítulo 13 Inventando o que ainda precisa existir 47

Capítulo 14 O inventor e o executor 48

Capítulo 15 A “escola” do Vasco 50

Capítulo 16 A turma “pau para toda obra” 51

Capítulo 17 A força do Bradesco 52

Capítulo 18 A Corpore “vai para a gaveta” 54

Capítulo 19 Quem fazia corridas, fazia São Silvestre, meetings 55

Capítulo 20 Empresas são inventadas a partir de novas necessidades 57

Capítulo 21 O boom do marketing com a tevê 59

Capítulo 22 O bolo de sorvete que mudou o percurso de corridas 61

Capitulo 23 Tecnologia passa a ser fundamental 62

Capítulo 24 Do “caixotão” ao chip 65

Á L B U M D E F O T O G R A F I A S L a r g a d a 67

O r g a n i z a ç ã o 73

C o r r i d a s 81

F a m í l i a 89

PA R T E I I D o M u n d o p a r a S ã o P a u l o , d e S ã o P a u l o p a r a o M u n d o . . .

Capítulo 25 Da antiguidade e de antigamente 96

Capítulo 26 De profi ssionais e amadores 98

Capítulo 27 O esporte do paulistano 101

Capítulo 28 Das corridas solitárias aos grupos 102

Capítulo 29 Os olhos das câmeras nos corredores e na publicidade 103

Capítulo 30 Fazendo corridas sem parar São Paulo 106

Capítulo 31 Como funciona hoje: a logística 108

Capítulo 32 Abertura de segmentos: turismo esportivo 111

Capítulo 33 Tem ideia que dá um trabalho... 112

Capítulo 34 A volta para o mercado interno 113

Capítulo 35 Brasileiro no comando 114

PA R T E I I I E o V a s c o i n v e n t a u m n o v o V a s c o

Capítulo 36 A capacidade de ir para o lado místico sem deixar a realidade 118

Capítulo 37 A família 123

14 15

CORRENDO NA FRENTE

Apresentação

-- A Elisete, mulher do Vasco, quer fazer um livro de presente de aniversário para ele --, começou Doro Jr., dono da ZDL, assessoria de imprensa especializada em esportes. Eu, esperando a frase seguinte. “É para falar de corridas de rua.” Humm...

Dias depois, a própria Elisete conta qual é a ideia. Ou, pelo menos, eu entendi que era escrever sobre corridas de rua e sobre o Vasco, que desde o início está sempre no meio dessa história – pelo que me lembro. Um livro-reportagem, tendo o Vasco – aliás, o aniversariante Manuel Arroyo Garcia – como “fi o condutor” da evolução das corridas de rua. Reportagem... Está certo, vamos fazer.

Mas deu um trabalho...! O “problema” é que começo a entrar na história jun-to, querendo emendar uma na outra, parece que não tem fi m...! Bom, não tem mesmo.

Minha vida profi ssional quase toda é entrar na briga para “me deixarem” fazer reportagens. Sim! Tem quem ache perda de tempo – “Está pronto aí no release... é só copiar e colar”. Aaarghh! Ser repórter é estar lá na rua, buscando pessoas e histórias que esperam pelas perguntas, pela refl exão em conjunto, pela busca de trechos interessantes que então serão relatados, transmitidos para alguém, “alguéns”... Claro, cada um, cada repórter, descobre pontos que considera impor-tantes, diferentes do outro.

Aí está a riqueza da profi ssão, ué!?

Cobrir esportes também é procurar e valorizar o que está além das provas e com-petições. Mais de 25 anos atrás desses assuntos, pelo Jornal da Tarde, ainda não são sufi cientes para esgotar temas. Pelo contrário. E escrever sobre corridas de rua, sobre o Vasco, foi uma chance para seguir com o enriquecimento – de histórias!... rsrsrs! De reencontrar entrevistados que merecem admiração, que fi zeram por merecer as tantas vezes que seus nomes e frases fi caram gravados nos arquivos. De ouvir outros, mais “dos bastidores”, que valeram até refl exões sobre o trabalho de várias pessoas, mesmo dos jornalistas, dessas algumas décadas. E – sempre!

16

– de fi car sabendo e querer saber mais sobre São Paulo, sobre “onde vão parar os cavaletes de trânsito depois que terminam as interdições de rua...?”, sobre como foi essa evolução do trabalho da tevê registrando a cidade?... (bom, essas vão fi car para depois...).

O Vasco contou sobre as corridas de rua e sobre ele mesmo; aqueles que participaram dessas histórias também. Resultado: sou “obrigada” a reconhecer que o Vasco está muito menos rabugento! (alguém aí na frente também vai notar isso... rsrsrs) E muito disposto a distribuir seu arquivo de memória e informações. Que, realmente, ele é um visionário – e de pé no chão! Visionário de pé no chão... Pode? Pode. Com um arsenal – que não se esgota – de ideias e de invenções prontas na cabeça, invenções que, ele sabe, “ainda vão precisar ser inventadas”! Não é pouco.

Mas que foi difícil escrever – e resumir – tudo isso... Ah, foi!

Denise Mirás

17

CORRENDO NA FRENTE

Prefácio

Era uma vez...

Numa manhã de primavera do dia 27 de Abril de 1950, na cidade de Granada na Espanha, nascia um taurino, “Um Construtor Nato”. Ganhou o nome de Manuel Garcia Arroyo, pele clara, criança saudável, logo foi apelidado de “Manuelito”. Em paralelo, o mundo, mais precisamente a Espanha, sofria das cinzas deixadas pelas Guerras. Primeiro a Guerra da Espanha, que durou de 1936 a 1939, e depois a II Guerra Mundial de 1939 a 1945.

Sua casa simples, mas cheia de amor, veio somar às suas irmãs Josefi na e Joana e responsabilidade de seu “Zé” (seu pai) a procurar melhores condições de trabalho para manter os seus.

Desiludido com as perspectivas na Espanha e buscando ampliar sua vida profi ssional, seu “Zé” busca um outro país e novos horizontes. Como sua especialização era de torneiro mecânico, “mão de obra rara na época”, uma multinacional o contratou para trabalhar no Brasil na manutenção e construção de peças para ônibus.

Veio sozinho, de navio para São Paulo. Enfrentou frio, chuva e mudanças. Com seu jeito tímido, teve que se adaptar à nova cultura, nova língua e novos relacionamentos. Se sentindo mais estável, mandou dinheiro para a família vir ao seu encontro. A partir deste movimento, mudou a história de Dona Josefa e de seus três fi lhos.

14 meses depois...

No desembarque, no Porto de Santos, “Manuelito” foi obrigado a passar por um médico indicado pelo Consulado, seguindo o protocolo de imigração em função da Guerra, passando por rigoroso exame para permanecer no País. Que dizia o seguinte...

Atestado de saúde para permanentes

“Atesto que o Sr. Manuel Garcia Arroyo, idade 14 meses, nacionalidade espa-nhola, goza de boa saúde, não apresenta sintomas ou manifestações de lepra, tuberculose, tracoma, elefantíase, doenças venéreas em perigo contagiante, afecção mental, não é cego, surdo, mudo, aleijado, mutilado, alcoolista ou toxicômano, nem tem lesões orgânicas que o invalide para o trabalho”.

18

Regulamento de Imigração

Consulado dos Estados Unidos do Brasil,

21 de Julho de 1951

Passado esse “simples” exame e atestado como criança normal, vindo de um país pós-guerra, ele viveu sempre limpinho e arrumado pela sua mãe. Nunca andou descalço, foi sempre uma criança estudiosa. Começou a trabalhar aos 12 anos com seu pai, na Indústria de Móveis de Ferros Artísticos “Bailon”, localizada na Avenida Alcântara Machado, 352 – Perto da Rua Piratininga, no bairro do Brás.

Filosofi a de trabalho

“Efi ciência, apuro, durabilidade e conforto servirá sempre de lema para sua distinta clientela.”

No Ginásio Estadual “Professor Gualberto da Silva” (1962 a 1968), ele e sua turma da pesada estudaram muito e conseguiram fazer o Baile de Formatura, no Esporte Clube Pinheiros. Uma grande conquista para a época, pois este era o local mais disputado de São Paulo. Fecharam assim com “chave de ouro” esta etapa da vida, alunos de vanguarda que fi zeram a diferença. Não é a toa que Vasco fez três faculdades na Poli: Engenharia Física, Química e Matemática.

Manuel, Manolo, Manolito, virou a mesa em 1980. Virou pelo avesso sua vida pessoal/profi ssional, nascendo o personagem Vasco, que entrou de cabeça no ramo de eventos esportivos. Uma mudança radical, onde projetou seu nome à imagem dos grandes eventos esportivos brasileiros.

“Que ninguém pense que não surgirão mais surpresas”.

Elisete Leite Garcia

19

CORRENDO NA FRENTE

Introdução

A mil por hora e “zen”?

O Vasco consegue

– É aquele ali. Aquele todo agitado!

Alguém que indique “quem é o Vasco” para um iniciante nas corridas de rua em São Paulo com certeza irá apontar para o miolo de algum burburinho. E esse sujeito à procura de Manuel Garcia Arroyo, espanhol, nascido em 27 de abril de 1950, vê um “Vasco” para lá e para cá acertando detalhes, dando ordens, carregando coisas, varrendo o asfalto...

Pois o Vasco não foi sempre assim.

Vivia em laboratório – no IPT, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP. Engenheiro. “De esquerda”.

Mas o pesquisador enclausurado também gostava de aproveitar o ar livre e ainda razoavelmente puro das largas avenidas da Cidade Universitária da capital paulistana. Para emagrecer naqueles anos 70, começou a correr nas horas de folga. Não parou mais. E ainda se tornou referência na história das corridas de rua em São Paulo. No Brasil.

***

Porque, com o tempo, Manoel García Arroyo, o Vasco, iria reunir expe-riência para ser diretor técnico de provas de rua e também de pista e campo. Trabalhava na Corpore, fazia corridas na capital, corridas no interior de São Paulo, eventos como provas promocionais de pista e os meetings, a São Silvestre, depois as maratonas...

Aprendizado “na unha”.

Mais tarde, trabalhou para o Escriptório Central, de Horácio Berlinck, e com sua própria empresa, Espaço Cultural Events, para então associar-se a Thadeus Kassa-bian, da Yescom Entretenimento Ltda.

***

Vasco tem o todo conhecimento esportivo dessa modalidade que hoje reúne, apenas no Estado de São Paulo, cerca de 200 a 300 corridas por ano, “de todos os tamanhos”, e entre 1.500 e duas mil no Brasil, ao longo da temporada, pelos cálculosde fornecedores de produtos que fazem parte da organização das provas.

Nestes 40 anos, a corrida de rua virou uma febre e várias indústrias e empresas surgiram com novos produtos e serviços para acompanhar esses atletas que formam os pelotões de milhares atrás daqueles chamados “de elite”.

20

Ou mesmo que correm solitários, pela manhã bem cedinho, nos fi ns de tarde ou no intervalo do almoço de escritórios, por parques das cidades, por avenidas.

***

Júlio Deodoro, que começou como repórter do jornal “A Gazeta Esportiva” e hoje é superintendente do site www.gazetaesportiva.net, resume, sobre as corridas de rua em São Paulo e no Brasil:

– Foi ele quem vislumbrou tudo isso.

Este livro dá uma ideia de como surgiram e se estabeleceram as corridas de rua em São Paulo, hoje organizadas em várias cidades do País. E, “por acaso”, esse tal Vasco está sempre no meio dessas histórias...

***

21

CORRENDO NA FRENTE

PARTE I

De corridas e correrias

22

CAPÍTULO 1

Os revolucionários da saúde

Como surgiu esse hábito de correr da população? É o Vasco mesmoquem conta:

– Começou com os esportes aeróbios nos Estados Unidos. A corrida de rua foi incentivada e daí foi um boom. Lembra do ‘teste de Cooper’? E sabe quem foi o James Fixx?

***

Com pai dentista e partidário da medicina preventiva, Kenneth Cooper nasceu em 1931 e vivia perto de Oklahoma City. Praticava atletismo, jogava basquete e queria ser astronauta.

Mas foi estudar medicina. Em 1957, com 26 anos, alistava-se no Exército, para em seguida pedir transferência para a Força Aérea. Encontrou tempo para se graduar também em saúde pública na universidade de Harvard.

Os Estados Unidos viviam a “Guerra Fria” com a União Soviética e os programas espaciais ganhavam destaque ideológico. O doutor Cooper foi então chamado pela NASA (National Aeronautics Space Administration) para desenvolver um programa que colocasse os astronautas no auge da forma física antes de partir em foguetes. E de forma que se mantivessem bem durante as missões espaciais.

***

Durante 13 anos, além de trabalhar como cirurgião, o doutor Cooper também dirigia o Aerospace Medical Laboratory, em San Antonio. E foi lá que desenvolveu um teste que utilizava corridas de 1,5 milha (2,4 quilômetros) a serem cobertas em 12 minutos – havia um sistema de pontuação de acordo com as distâncias conseguidas.

Nesse meio-tempo, publicou o livro “Aerobics”, em 1968 (lançado como “Capacidade Aeróbica” no Brasil, em 1970). A obra introduziu um novo conceito na preparação física nos Estados Unidos e depois no mundo. Virou best sellere revolucionou a prática de exercícios. Se havia 100 mil pessoas “praticando jogging” regularmente nos Estados Unidos em 1968, 40 anos depois eram mais de 30 milhões.

O próprio doutor Cooper já havia adotado a corrida regular depois de um susto aos 29 anos, quando fazia esqui-aquático e achou que havia sofrido um ataque cardíaco. Estudou o impacto dos exercícios e também o quanto o corpo de cada indivíduo precisa fazer para ter saúde. Foi a hora dele mesmo, médico, perder peso e sair do sedentarismo. Aos 30 anos, em 1961, correu sua primeira maratona– a Maratona de Boston.

Nunca se havia estudado o exercício físico como forma de benefi ciar a saúde.

23

CORRENDO NA FRENTE

Depois do sucesso de seu primeiro livro, o médico deixou a Força Aérea e se mudou para Dallas, onde fundou o Cooper Aerobics Center em 1970.

***

No Brasil, fi cou ainda mais famoso ao participar, com Cláudio Coutinho, da preparação física da Seleção de Futebol que foi campeã da Copa do Mundo do México, em 1970. Em português, “fazer um cooper” virou sinônimo de “correr”.

Quarenta anos depois, as pesquisas seguem e também é de iniciativa do doutor Cooper um projeto chamado “A Saúde das Nossas Crianças”, que tenta revertera epidemia de obesidade nos Estados Unidos, iniciada na infância.

***

Mas não foi apenas o doutor Cooper quem começava a arrebatar fãs brasileiros. Outro nome começava a circular, principalmente em São Paulo. E um dos interessados em sua história era o engenheiro do IPT, que fumava, estava acima do peso... Vasco lembra bem da história de James Fixx.

***

Medo de enfarte

Esse Fixx era nova-iorquino, nascido em 1932, um ano depois de Kenneth Cooper. Em 1967, aos 35 anos, quando já morava em Oberlin, Ohio, pesava 110 quilos e fumava dois maços de cigarro por dia. O pai tinha morrido moço, aos 43 anos, depois de um segundo ataque cardíaco (o primeiro foi justamente aos 35).

Com essa mesma idade, James Fixx começou a correr pelas ruas, trilhas e estradas vizinhas ao bairro onde morava. Como o doutor Cooper, também colocou como objetivo, a si mesmo, a participação na Maratona de Boston.

Dez anos depois, em 1977, o ex-fumante havia emagrecido 30 quilos. E já era nacionalmente conhecido como o autor de um livro que se tornou best-seller e seria considerado um marco na revolução do fi tness do mundo. “The Complete Book of Running” (“O Livro Completo da Corrida”) liderou as vendas por 11 meses nos Estados Unidos, naquele ano. Vendeu mais de um milhão de exemplares.

***

O livro de Fixx também fez milhões de pessoas nos Estados Unidos, e depois no mundo, começarem a correr regularmente – ou “praticar jogging”, como se dizia –, em busca dos benefícios do exercício para a saúde. Mais até: fez com que as pessoas começassem a encarar os exercícios físicos diários como prevenção de doenças, o que logo depois os cientistas passariam a comprovar.

A morte de James Fixx – de ataque cardíaco fulminante enquanto corria em Hardwick, em Vermont (EUA), onde morava em 1984 – provocou debates. Enquanto alguns duvidavam da corrida como benefício para a saúde, outros lembravam que Fixx corria contra a própria genética. Havia aqueles para quem o hábito do “corredor best-seller” havia virado compulsão.

24

***

Como Vasco, muitos viram a situação sob outro aspecto: se tomado o exemplo do pai, James Fixx havia conseguido uma sobrevida de 15 anos com a corrida.

***

CAPÍTULO 2

Em São Paulo, nasce o “grupo da USP”

Quando foi organizada a primeira Maratona de Nova York (em 1970), não havia mais do que 500 pessoas, continua Vasco. Por volta de 1974/76, o número de inscritos já estava em cinco mil.

– Isso aconteceu também porque a maratona da Olimpíada de Munique/1972 foi vencida por Frank Shorter, que era norte-americano (Shorter ainda seria o segundo colocado na Olimpíada de Montreal/1976) – lembra. – E porque a tevê havia começado a dar mais importância aos Jogos Olímpicos. Gente de todo o mundo começava a ver as provas, a ter seus ídolos no esporte. Aumentava cada vez mais o interesse pela prática esportiva.

***

O doutor Cooper também tinha boa parte de “culpa” nessa história das pessoas passarem a fazer mais exercícios.

Primeiro, montou o teste de 12 minutos, que avalia o estado físico dos indivíduos, com informações que servem de base para se elaborar um planejamento de treinos. O doutor Cooper tratava os casos individualmente, mas depois os coletivizou, colocando parâmetros para isso. E sua fi nalidade não era apenas a corrida,a competição: era a saúde.

Andar, correr, era o mais simples. Não exigia equipamentos, nem mesmo companhia, se fosse o caso. Se quisesse, um podia correr descalço, dentro de casa. Ainda não havia surgido esse conceito mais ligado à socialização, à moda da “academia”.

E se correr era o mais simples, também era o mais “democrático”, porque as condições são de igualdade – de calção, o pobre pode ganhar do rico.

***

Em São Paulo, Manuel García Arroyo, o engenheiro do IPT, ainda não era um corredor em 1974, 1975. Mas viria a ser. Sem qualquer organização, havia pessoas correndo na USP. Quando Vasco começou, como também Merryll Beckerman, politécnico e apaixonado por pesquisas, era 1976.

– No IPT, eu fazia coisas para a Poli (Escola Politécnica, a faculdade de

25

CORRENDO NA FRENTE

engenharia da USP). Eu e o Merryll líamos bastante e a gente começou a ler muito sobre corrida.

Arthur Lidiard, lembra Vasco, era um técnico neozelandês de provas de pista, de meio-fundo e fundo, que passaria a merecer atenção do pessoal da USP, que come-çava a descobrir vários autores. Também havia, por exemplo, o técnico português Muniz Pereira, precursor do trabalho com os corredores de fundo em seu país, que dizia: “Atletismo é pista. O resto é preparação para pista. Que é onde se ganha medalha”.

As provas de pista de 5 e 10 mil metros eram valorizadas, mas a maratona ainda era vista como um “subproduto”, no atletismo.

***

Assim, entre corridas pelas avenidas da Cidade Universitária, que ainda nem era arborizada como hoje, e leituras de trabalhos de técnicos estrangei-ros, a Liga Athlética Acadêmica da Universidade de São Paulo – a LAAUSP –foi ganhando corpo.

– Era pesquisa “na unha”, muitas vezes com material mimeografado... Sabia que a Argentina tem duas medalhas de ouro olímpicas de maratona? Juan Car-mis Zabala em Los Angeles/1932 e Delfo Cabrera em Londres/1948. Foi resultado de trabalho feito especifi camente para isso. Nós líamos muito, naquela segunda metade dos anos 70: trabalhos do Muniz, do Lidiard, dos ingleses que treinavam em altíssimo nível... Do Tom Osler, um matemático norte-americano que preparava um monte de gente. Do Osler, aliás, só conseguimos uma brochura, mimeografa-da, e em inglês. Muitos desses treinos nem serviam para a gente...

E lá iam correndo na USP alguns médicos, pesquisadores, fi siologistas...

– Umas 40, 45 pessoas.

***

Vasco, Merryll, o médico e fi siologista Justin Theodore... Aos poucos foi criado o “núcleo de corrida” do LAAUSP.

– A gente marcava para se encontrar aos sábados, às duas da tarde, na USP. Para começar a correr às quatro, né!?... Fazíamos treinos longos e “negociáva-mos” ritmos e distâncias. E saíam os grupos. Isso tudo era para a gente nãocorrer sozinho. Não correr sozinho era fundamental. A USP em 1978, 1979, 1980 era bem diferente do que é hoje – recorda Vasco.

– Nem cercada era. Era perigoso correr sem ninguém por perto. Se o cara caísse, se machucasse, se acontecesse qualquer coisa em um lugar mais longe e escuro, o sujeito fi cava lá!

Até que se pensou de organizar um campeonato interno – na USP, comosempre –, com provas de meio-fundo e fundo.

– Usamos o teste de Cooper. Se em 12 minutos corremos 2.400 metros,a mais ou menos cinco quilômetros por hora, em “xis” minutos vamos correr...

26

E as corridas seriam por equipes. Os melhores no teste viravam cabeças-de-chave.

– Existe uma tabela húngara de pontuação para o decatlo, que reúne todas as provas do atletismo. Na USP, a gente combinava as tabelas, também ponderando os tempos para “igualar” as provas femininas e masculinas.

O objetivo, explica Vasco, não era que vencesse a melhor equipe, mas a que melhorasse o rendimento – e isso se verifi cava pela “tabela de pontos USP”.

***

Da água e da neve para o asfalto

Em São Paulo, além do pessoal da USP, outro grupo também estava atento às novidades que vinham dos Estados Unidos sobre corridas de rua. Eram empresá-rios, amigos e apaixonados por esportes que iam da natação ao ciclismo, do esqui à vela.

Flávio Aronis, que jogava polo aquático e esquiava, começou a correr, assim como os amigos Victor Malzoni e Fernando Nabuco. Levou o irmão, Octávio – que fazia natação, e é quem conta:

– Meu irmão Flávio me convenceu do quanto “era legal” correr. No fi m dos anos 70, cada um fazia um esporte. O Vitinho virou fanático por corrida. Ele e o Flávio foram para Nova York e ouviram falar da maratona, da grandiosidade da prova. Ficaram maravilhados. Notaram o boom da corrida nos Estados Unidos, sentiam que algo fantástico estava por acontecer.

A corrida, diz o advogado Octávio Aronis, o tirou da natação.

– Era um esporte facilitador, porque não requeria equipamentos nem locais. Eu ia para o Ibirapuera. Ia correndo, da minha casa, o que dava uns quatro quilôme-tros. Depois já queria competir, fazer maratona, baixar tempos...

27

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 3

Enquanto isso, no Rio de Janeiro...

Eleonora Mendonça sempre praticou esportes. Entre 1971 e 1972, estava nos Estados Unidos fazendo mestrado quando Frank Shorter ganhou a maratona olím-pica. A brasileira viveu então o boom das corridas de rua naquele país. Em 1974, tinha voltado para Boston – cidade que era uma verdadeira Meca para corredores (foi somente em 1975 que os organizadores da São Silvestre, em São Paulo, que existia desde 1924, aceitaram a inscrição de mulheres).

Depois da Mini-Maratona da Independência, também organizada pela A Ga-zeta Esportiva, como Vasco relata, Eleonora, que trabalhava para a New Balance, promoveu uma corrida de 19 quilômetros no Rio de Janeiro, em 1978 – a Corrida de Copacabana. Essa já foi com a Printer (Promoções Internacionais), empresa da qual era sócia com Ylen Kerr e Paulo César Teixeira. Depois fez provas curtas, pensando em mulheres, idosos e crianças. Daí, em 1979, a Printer fez a primeira maratona no Brasil aberta à população – e que chegou a ter 120 inscritos.

– Passava pela praia Vermelha e pela lagoa Rodrigo de Freitas. A Eleonora era corredora e tinha morado nos Estados Unidos. Trazia a cultura de lá – diz Vasco.

Depois dessa corrida, a Maratona do Rio de Janeiro ganhou corpo no ano seguinte. Assim, em 1980 foi ofi cializada a Maratona do Rio de Janeiro, a primeira realizada no País e encampada pelo Jornal do Brasil. Ali se pôde ver que havia uma “demanda reprimida fantástica” – diz Vasco. Essa Maratona JB, de 15 de novem-bro de 1980, teve 750 inscritos, dos quais 527 terminaram a prova, conta.

– O José Inácio Werneck, que tinha uma coluna semanal sobre corridas de rua no Jornal do Brasil, responsável pela corrida, também tinha passado pelos Estados Unidos. Aliás, a mulher dele, a Dawn Werneck, norte-americana, foi uma das primeiras triatletas.

Vasco lembra dessas primeiras maratonas no Rio de Janeiro – quando as pes-soas que faziam a prova “esqueciam que aqui não é Nova York”, entravam pelo percurso e até impediam os corredores de alcançarem quem estava no primeiro pelotão. Com o tempo, a prova se tornaria uma das maiores do mundo – e é considerada a de percurso mais bonito.

***

Medição das provas: como nasceu

Por Rodolfo Eichler

Único medidor nível “A” da América Latina da IAAF (Federação Internacio-nal de Atletismo) e que trabalha com o Vasco desde a década de 80, Rodolfo

28

Eichler lembra como tudo começou. Com apoio do Jornal do Brasil, foi organi-zada a primeira Maratona do Rio já em 1980. No mesmo período, nasceram a Corpore, em São Paulo, e a Corja (1), no Rio de Janeiro. Anteriormente, as poucas maratonas tinham organização ainda amadora: distâncias aproximadas, cronometragem manual, classifi cação demorada, etc. E prossegue:

“Allan Steinfeld, então diretor técnico do Clube de Corrida e da Maratona de Nova York, em um encontro histórico com o jornalista José Inácio Werneck, em Londres, sugeriu que a Maratona do Rio indicasse um medidor local e daí, tendo seu percurso medido, poderia se fi liar à AIMS (Associação de Maratonas Interna-cionais), que estava nascendo. Foi, portanto, a partir do interesse de um grupo de diretores de grandes provas, entre elas Nova York, Londres, Boston e Chicago, que essa associação foi criada, pois havia uma preocupação em se dar um padrão de qualidade para as corridas de rua.

“O Werneck indicou meu nome não apenas para continuar fazendo a apuração das corridas, mas também para fazer a medição do percurso de 42 km195 m. Em 1981, o próprio Alan Steinfeld veio ao Brasil para completar meu conhecimento no assunto e então poder medir e certifi car percursos ofi cialmente

“Esse processo de medição permanece válido até hoje. É conhecido como o ‘método da bicicleta calibrada’ baseado em se efetuar a medição com o aparelho chamado “Jones Counter” acoplado à roda dianteira da bicicleta. Pedalando ao longo do menor percurso, entre largada e chegada, e garante, assim, o valor técnico de cada prova e a precisão da distância de cada percurso.

“A Maratona do Rio foi realmente fi liada à AIMS. Nessa época, assumi o cargo de coordenador técnico da Maratona do Rio. Mesmo assim, ainda era uma época romântica. Havia tempo para treinar para a prova da maratona. Quer dizer, além de trabalhar, eu também corria as provas. Hoje, não é mais possível fazer isso.

“Na primeira medição do percurso da Maratona do Rio, realizada em 1982, tra-balhei a noite toda. Pela madrugada, recebi um elogio de Allan Steinfeld, presente em todas as etapas cumpridas pela medição.

“A partir de 1985, todas as provas principais do Rio e de São Paulo, inclusive as da Corja, da Corpore e a São Silvestre, da Fundação Cásper Líbero, foram medidas pelo mesmo método, numa iniciativa do Victor Malzoni e do Vasco.

“A Maratona Internacional de São Paulo, desde sua primeira edição, em 1995, foi ofi cializada junto à AIMS, permanecendo até hoje. Essa lista foi acrescida pela Meia Maratona do Rio e pela Volta da Pampulha. Hoje, são estabelecidas as normas e diretrizes para medição de provas de rua por meios das Federações de Atletismo dos países e são reconhecidas as melhores marcas obtidas nos percursos certifi -cados, como recordes mundiais ou nacionais constando dos rankings da IAAF.”

***

(1) Corja - Corredores de Rua de Rua do Rio de Janeiro 29

CORRENDO NA FRENTE

Teimosia de esportista

Fernando Nabuco, presidente da Bovespa (a Bolsa de Valores de São Paulo) à época, integrava o grupo de executivos apaixonados por esporte. Nabuco tinha sido atleta olímpico pelo Brasil ainda aos 16 anos, na Olimpíada de Roma/1960, nadando os 100 metros livre (detinha títulos brasileiros e sul-americanos nos 200, 400 e 1.500 metros). Também era velejador e ciclista.

Foi na ponte aérea para o Rio de Janeiro que leu sobre a primeira maratona que seria disputada no Rio de Janeiro, uma promoção do Jornal do Brasil. Era agosto e a prova seria em novembro. Até então, não se pensava em correr nas ruas, como lembra o empresário. Em São Paulo, havia algumas corridas, fora a São Silvestre, mas os participantes eram basicamente da Polícia Militar.

Para se correr uma maratona, seria necessário ao menos um ano para adaptação do corpo. Nabuco resolveu que iria participar ainda que não tivesse esse tempo. E “foi várias vezes parar no hospital” por isso, mesmo depois que resol-veu procurar o técnico Carlos Ventura, o Carlão, que dava treinamentos no Centro Olímpico do Ibirapuera. Não estava acostumado a correr e queria porque queria fazer distâncias, como 10, 20 quilômetros.

– Começava a sentir uma batedeira no coração... Um stress danado! Mas fi z a maratona e correu a notícia por aqui. Despertou a ideia de se fazer maratona em São Paulo.

***

Na semana seguinte, Nabuco estava com os amigos Vitinho Malzoni e Flávio Aronis na casa do amigo Zé Carlos (que já corria um pouco), no Pacaembu, conver-sando sobre a experiência da maratona que tinha sido organizada por Werneck, no Rio de Janeiro, que era da Corja (a associação dos corredores de lá).

– Em São Paulo já havia um pessoal correndo no Ibirapuera – um núcleo. Pensa-mos em criar uma associação, como a Corja (Corredores de Rua do Rio de Janeiro), que depois viria a ser a Corpore (Corredores Paulistas Reunidos).

***

Victor Malzoni, que viria a fazer parte da história do atletismo no Brasil, sabia bem o que os cariocas estavam fazendo com relação às corridas porque ia muito ao Rio de Janeiro. Corria às margens da Lagoa ou na praia. Foi como encontrou Werneck e Rodolfo Eichler, da Corja.

Ainda tem tem na cabeça a mesma imagem que Vasco:

– Depois que fi zeram a primeira maratona ofi cial do país, no Rio de Janeiro e promovida pelo Jornal do Brasil em 1980, eles continuaram a fazer a maratona na cidade. Mas nem fechavam a rua! Era um sufoco correr lá.

***

Vitinho sabia dos cariocas, mas do pessoal que corria na USP só tinha ouvido falar.

30

CAPÍTULO 4

Juntando as “turmas” na USP

Enquanto o grupo da USP crescia, também aumentava o número dos que se inte-ressavam por corridas e se encontravam no Parque do Ibirapuera. Vasco lembra:

– A gente era mais de esquerda, dos movimentos estudantis. E o pessoal do Ibirapuera tinha dinheiro. Mas eles ouviram que a gente estava pensando em uma maratona preparatória e mandaram um “emissário”.

***

Victor Malzoni conhecia o pessoal da Corja, do Rio de Janeiro, mas não o da USP. Então, ele e os amigos resolveram ir saber o que estava se fazendo na Cidade Universitária, pensando em melhorar seu próprio rendimento.

– Conhecemos o Cepeusp, eu e o Octávio Aronis. Conhecemos todo o pessoal. E foi lá que a gente bolou a Corpore com o Vasco.

***

Mas a Corpore ainda estava longe de ser fundada.

Enquanto lembra daquela virada de década, Vasco se diverte. Na turma do Ibirapuera, diz, estavam alguns dos maiores empresários do Brasil, que tinham acesso muito maior – de viagens e informações a equipamentos esportivos.

– Lá corriam o Vitinho Malzoni (do grupo Sears), o Fernando Nabuco (presidente da Bolsa de Valores), o Luiz Zalcberg (dono da Top Time – relógios e monitores), os irmãos Flávio e Octávio Aronis (empresário de construção e advogado)...

***

Vasco explica que haviam estabelecido um percurso dentro da Cidade Univer-sitária com seis quilômetros – assim, com sete voltas se fechava uma maratona. Não tinha uma árvore no campus. Saíamos do Cepeusp, fazendo um balão, passa-va pelo lado da Educação Fisica, Portão 1, depois pela raia olímpica. Subia para a Poli e outro balão para a História/Geografi a; outro pela Reitoria e estava de volta. Seis quilômetros. Outro trajeto era por trás da Biologia, um lugar que não era fechado (o conhecido “bosque da Biologia”).

– Era um encanto. Não tinha carro. Era a gente, a natureza e “os seres”. Até me arrepia de lembrar. A grande maioria do percurso era em silêncio. Não tinha isso de walkman, ipod... E muito ar puro! A gente respirava oxigênio naquela época...

***

O treino para maratona do pessoal da USP era em torno de 4h30, 4h45 por quilômetro; o do pessoal do Ibirapuera era de seis horas, lembra Vasco.

– A gente não fazia isso nem no desaquecimento do treino...

Daí que o pessoal do Ibirapuera resolveu se encontrar com o pessoal da USP,

31

CORRENDO NA FRENTE

diz. Naquele horário, das duas às quatro de sábado, na USP, começou a aparecer o pessoal que vinha de carro, com motorista...

Vasco vai contando:

– Eles nem tinham trazido água. E a gente tinha uma mesinha com água para cada volta dos seis quilômetros. O Hélio Takai fi cava lá, quatro horas, naquela mesa rodeado de espinhos... No IPT, eu tinha uma máquina seladora para amostragens e fazia saquinhos fechados de água, de 100 mililitros, que a gente deixava com gelo. Nem precisava de copinho...! Aliás, como trabalhava com fertilizantes, tinha vestiário lá no IPT.

Resultado: o pessoal do Ibirapuera gostou muito da “infra” e com os treinos feitos para cada um.

– O Vitinho veio me perguntar: “Dá para fazer para a gente?” O que fazíamos, na época, eram testes de 3 mil metros, que era para quem corria em torno de quatro quilômetros por hora (em cima dos 12 minutos do Teste de Cooper). Dava sete voltase meia na pista de borracha do Cepeusp. Fechada a distância, víamos em quanto tempo era feita. E tínhamos as tabelas. A ideia era ir melhorando os tempos.

***

O grupo de corredores da USP “se sofi sticava”...

– No IPT, eu trabalhava com uma balança analítica. E inventei um “Vascorade” (o “Gatorade” havia sido lançado por cientistas da Universidade da Flórida ainda nos anos 60 para reposição rápida de líquidos, carboidratos e sais minerais dos atletas da equipe de futebol americano). Era para a gente usar nas corridas. Tinha sal de cozinha, açúcar, guaraná em pó. Mas com pressão osmótica igual à do estômago.

– Como é isso? Novamente, Vasco explica:

– Nada mais que um tipo de soro caseiro. Mas os cálculos eram feitos para essa água ser absorvida lentamente, assim como a absorção dos sais minerais. Se tiver muita concentração de ingredientes, dá enjôo, volta...

– Se a água for preparada com pressão igual à do estômago, ela “atua” melhor nacorrida, com a absorção mais lenta – e não a perda rápida – dos sais minerais.

***

Da reunião do grupo mais “técnico” da USP, com a vontade de promover corridas do pessoal do Ibirapuera – só havia a São Silvestre –, então iria nascer a Corpore, tão ambicionada por Fernando Nabuco e Vitinho Malzoni.

O nome Corpore, segundo Vasco, surgiu quando estava tomando banho no vestiário do Cepeusp, depois de uma corrida, “com o cérebro cheio de endorfi na, seratonina...”

32

CAPÍTULO 5

Um brasileiro na ponta da São Silvestre

Júlio Deodoro começou no jornalismo em 1979 com a São Silvestre, realizada pelo jornal “A Gazeta Esportiva” desde 1925. Havia outras da “Gazeta”, da ACM (Associação Cristã de Moços) e algumas mais tradicionais, como a Volta da Penha, da Federação Paulista de Atletismo, que organizava “rusticamente”as competições.

– Havia provas de bairros ao longo do ano, todo segundo domingo do mês, com três mil, cinco mil inscritos. Sempre provas de sete, no máximo dez quilô-metros. Os brasileiros não tinham o hábito de participar de provas longas, de dez, 15 quilômetros. Era um ou outro que ia.

Até 1978, eram mais ou menos 500, 600 inscritos na São Silvestre que colocavam a fi cha no “espeto” (um arame pontudo montado com base, para se fi rmar na mesa), que chegavam para saber sua classifi cação. Em 1979, a Gazeta havia feito a Mini-Maratona da Independência. Essa prova, que saiu do Terminal do Metrô do Jabaquara, na época em obras, foi em 15 de novembro – mas a segunda edição já seria na data verdadeira – 7 de Setembro.

– Teve 600, 800 inscritos, na primeira. Pensávamos que podia ser uma preparação para atletas e a população em geral começar a se interessar pela maratona.

***

Mas enquanto no calendário só havia a São Silvestre, diz o empresário Fernando Nabuco, a prática da corrida de rua ainda era bem difícil. A própria São Silvestre, conta, muita gente ainda “olhava torto”.

– Aliás, até a polícia parava a gente, quando se estava fazendo alongamento... O esporte, até então, era muito contemplativo. Quando algumas pessoas começaram a treinar dentro do Parque do Ibirapuera, em um circuito de quatro quilômetros, tinha aqueles que olhavam de um jeito estranho, achavam que era“trombadinha”...

***

Em 1980, foi criado o pelotão de elite para a São Silvestre.

– Os corredores brasileiros não tinham as mesmas condições que os atletas estrangeiros, porque eles saíam na frente e os brasileiros fi cavam lá atrás, a dois ou três quilômetros, perdidos.

Naquele ano, com a corrida ainda noturna, venceu José João da Silva, o primeiro brasileiro a chegar na frente desde 1947, quando a São Silvestre havia sido internacionalizada. O corredor era treinado por Carlão Ventura, que havia ido para o São Paulo FC. Zé João passou o português Fernando Mamede

33

CORRENDO NA FRENTE

(que foi recordista mundial dos 10 mil metros) já na Avenida Paulista; o segundo lugar fi caria com o colombiano Sílvio Salazar.

– O Zé João ganhou, a TV Globo mostrou – lembra Júlio Deodoro, que con-tinuaria na Gazeta. – Em 1983, outra chegada emocionante com João da Mata.O Osmar Santos narrava – foi um troço de doido! Os dois também impulsionaram as corridas de rua. O povo passou a se interessar mais.

***

Aqueles anos 80 tinham sido de “mente agitada”, no relato de Júlio, com a primeira maratona ofi cial no Brasil em 1980 e, no mesmo ano, a festa por Zé João. Com a tevê começando a mostrar provas de rua, o apelo iria aumentar. Tudo contribuiu, acredita Júlio, para o início do que seria o boom das corridas– “mesmo ainda não sendo a coqueluche que é hoje”.

***

As corridas passavam a ser saúde e divertimento, diz Nabuco.

– Surgiam provas de rua, em torno de dez quilômetros. Ainda não tinha nada, nem água. Mas havia programas que começavam a botar o paulistano para correr.

***

Como a maioria dos precursores das corridas de rua, Vasco aponta a “igualdade de condições” nas corridas como chave de sua expansão como esporte “democra-tizado”. Na corrida, usando apenas um calção, o pobre pode ganhar do rico, como se diz.

– Eu era estudante de esquerda!

34

CAPÍTULO 6

Da Corja à Corpore

A turma do Ibirapuera, que também ia para a USP, corria por saúde, por prazer, mas queria mais. Uma corrida como São Silvestre, justo no 31 de dezembro? Não. Eles queriam mesmo era fazer uma maratona. E sair de São Paulo, como lembra o empresário Victor Malzoni. Queriam correr a Maratona de Nova York, como ele mesmo fez em 1982.

Vitinho diz que quando leu o livro de Jim Fixx “fi cou louco”. Tinha 28 anos em 1978, fumava e se “estressava”. Precisava fazer exercício aeróbio. Nadava. Mas partiu para a corrida.

– A gente tinha medo de correr na rua, e ainda que naquela época tinha mais segurança. O Parque do Ibirapuera não tinha nem aquela pistinha que tem hoje. E o pessoal que via a gente correndo gritava: “Vai trabalhar, vagabundo!”, “Vai, v....”

Quando as duas turmas se juntaram, a USP ainda era deserta. Era treinar – o combinado era às duas da tarde, mas os treinos acabavam começando às quatro... – e de lá ir para a Parati Pizzaria, na entrada da Cidade Universitária.

É Vasco quem conta:

– A gente chegava umas seis e meia. Éramos os primeiros fregueses. E tome cerveja e pizza – Brahma light, pelo baixo teor de álcool... Eu mesmo nem tomava, porque acho que “cerveja é refrigerante de adulto”, como se diz. Se tiver de beber, tem de ser uma cachacinha...

Na maioria das vezes, iam todos juntos. Depois, a turma da USP voltava para casa de ônibus e os do Ibirapuera, de motorista.

***

Fernando Nabuco bem que lembra:

– Era tudo às quatro horas de sábado! E ninguém conseguia fazer com que o Vasco mudasse de horário – a gente perdia o dia, porque perdia a manhã, e de noite estava muito cansado para sair!

***

Nabuco diz que tinha passado da natação para a corrida e o ciclismo, “esportes heróicos, onde você sofre”, quando não havia tanta poluição em São Paulo (agora procura cidades próximas da Capital).

– Depois da Maratona do Rio de Janeiro, em 1981, fi z minha primeira maratona nos Estados Unidos. Depois, a primeira Maratona de São Paulo. Eu tinha quatro, cinco meses de treinos e fi z em três horas, 51 minutos – me arrebentei. O Vasco deve ter corrido...

Nessas corridas mais longas, havia apenas 600, 700 pessoas no máximo, lembra.

35

CORRENDO NA FRENTE

***

As corridas de rua ferviam nos Estados Unidos, na Europa e no Rio de Janei-ro também. Com a Corja, já se tinha iniciado a ideia da organização de corridas. José Inácio Werneck tinha uma coluna semanal no Jornal do Brasil (que lançaria a revista “Viva”, a revista da corrida de rua) e uma empresa que organizava a Maratona JB. Assim, foram surgindo outras provas – como as do Circuito Atlântica-Boavista, depois comprada pelo Bradesco.

***

Estava na hora dos paulistanos fazerem alguma coisa, já que muita gente queria participar de provas de rua. Assim, as turmas na USP juntaram objetivos, que impulsionaram a organização das corridas de rua em São Paulo.

– O Vasco e o Vitinho se cruzaram e começaram a fazer reuniões no Cepeusp – diz Fernando Nabuco. O Vasco corria muito bem e a gente conversava sobre como melhorar as corridas em São Paulo, como dar padrão e qualidade. Era uma confraria, até que resolvemos formatar um clube. Eu, como diretor da Bovespa (a Bolsa de Valores de São Paulo), daria apoio fi nanceiro. Mas tínhamos uma mis-tura de focos...

***

Vasco conta:

– Depois de um tempo correndo na USP, o Vitinho propôs que a gente se juntasse e fundasse um clube de corredores, como no Rio de Janeiro, que já tinha a Corja. Pensamos em “Corredores Paulistas Unidos”, depois “Reunidos”.

Assim, a Corpore nasceu em 3 de abril de 1982.

– O primeiro presidente foi o Fernando Nabuco, com o Vitinho Malzoni de vice. Eu era o diretor técnico. O Justin Theodore, dermatologista, era o diretor médi-co – ele depois se mudou para Roscoe, Carolina do Norte, nos Estados Unidos, onde dá aulas. Ah, e o Merryll Beckerman virou motorista de táxi em Adelaide, na Austrália.

***

Fernando Nabuco explica que, na Corpore, tudo era feito de forma muito científi ca. Havia pessoas que gostavam de corrida e que traziam informações dos Estados Unidos.

– Correr é extraordinário – diz Nabuco, porque dá condição física superior, trabalha o coração na vertical, emagrece, ajuda prevenir a osteoporose. Só é preciso prevenir o impacto sobre os joelhos.

***

Com a Corpore, diz Vitinho, começaram a ser organizadas provas pequenas em São Paulo, “em conjunto com o Vasco, que era engenheiro químico e entendia da logística toda”.

36

Assim, a entidade crescia. E seus diretores foram na Federação Paulista de Atletismo falar com o presidente – Ewald Gomes da Silva, à época.

– Queríamos nos unir com a Federação, porque a gente gostava das corri-das, mas não havia regulamentação nenhuma para elas – diz Vitinho. – A FPA era resistente à ideia de promover corridas de rua. Tinha a São Silvestre e algumas provas com a Polícia Militar, como a Gonzaguinha de Santos. Não se interessava em fazer outras. Só que a gente decidiu fazer assim mesmo. Fomos em frente.

Mesmo sem diálogo com o presidente da Federação Paulista de Atletismo, a Corpore cresceu, explica Vitinho Malzoni.

CAPÍTULO 7

Avenida 9 de Julho, número 40, sobreloja

Houve um tempo em que Corpore era sinônimo de corrida de rua para os paulistanos. Fez história.

O advogado Octávio Aronis conta como foi o início do clube de corredores:

– Eu tinha me apaixonado pelas corridas. E tudo estava crescendo. Fizemos a Meia-Maratona do Trabalhador, porque meu pai era o secretário estadual do Trabalho. Aliás, foi quando visitava o Bradesco para fazer contrato de corridas de rua, no interior de São Paulo, que o Vasco conheceu a Elisete Leite, com quemse casaria.

A Corpore teve sede em um prédio do centro de São Paulo, “um lugar enorme onde se guardavam os equipamentos”, na lembrança de Octávio.

– Tinha carteirinha... Tenho saudade. Não se podia importar equipamentos, entãocada um que viajava trazia uma coisa. Trouxemos o “True Meter”, para medir percursos. Eu acompanhava o Vasco em reuniões na CET (Companhia de Enge-nharia de Trânsito), para fechar a Avenida 23 de Maio na madrugada. Isso tudo nos anos 80.

***

Importações eram proibidas no País, mas amigos sempre traziam alguma coisa quando voltavam de viagens. No caso da Corpore, houve até situações engraçadas.

Vasco lembra dos aspectos técnicos e de detalhes:

– Pelo mundo, havia maratonas maiores, com US$ 100 mil em prêmios, mas a Maratona do Rio de Janeiro também já pagava cachês. Veio o Bill Rogers, vencedor da Maratona de Nova York e também o recordista mundial Dereck Clayton, inglês que morava na Austrália (sua marca, de 2h08min39s, durou 15 anos).O Dereck fez sete operações no Tendão de Aquiles. Era corredor de milha, veio dar palestras.

37

CORRENDO NA FRENTE

Todos os treinos de corrida ainda continuavam relacionados com provas de meio-fundo e fundo, principalmente a partir de programas de técnicos da Inglaterra.

– Planos de treinamento na Nova Zelândia, na Austrália, no Quênia, eram sem-pre de técnicos ingleses. Se não era plano de inglês, era de um pajé qualquer que mandava o sujeito ir correndo “naquela direção” até o sol se pôr e então voltar...!

Vasco se diverte contando essas histórias. Lembra de pelo menos um método, do engenheiro Tom Osler, que não era atleta, mas tinha tempos muito bons em 1968/69/70, até para hoje.

– Colocamos até no nosso jornal, o “Correndo Atrás”, de 1983/84. Ele trabalhava alguns dias por semana e ia correndo para o trabalho. Corria na hora do almoço e na volta para casa. Concentrava 40% do treino no sábado e no domingo descansava.

***

Das situações engraçadas, Vitinho Malzoni também se encarrega de falar. José Inácio Werneck trouxe “a turma dos Estados Unidos” para a Maratona do Rio de Janeiro. Vitinho estava lá, plantado ao lado de Tim Elkins, que fazia a cronometra-gem da Maratona de Nova York.

– Eu comprei o relógio do cara, o “Chronomix”! Comprei o trambolho e doei para a Corpore. Os tempos saíam em uma fi tinha, tipo máquina Facit, aquela de colocar etiqueta de preço de supermercado. Para medir percursos, antes a gente ti-nha uma rodinha que punha atrás do carro. Depois, o Rodolfo Eichler media os per-cursos com a moto dele, fazendo as tangentes. Até a gente comprar o “meter”...

***

Então...

O “lugar enorme” ao qual o advogado Aronis se referiu foi a primeira sede da Corpore. Lá, se guardavam todos os equipamentos. Era um andar de um prédio da Avenida 9 de Julho, pouco antes da Praça das Bandeiras, que não era usado pela Ultracred, da qual Vitinho Malzoni era dono e também se lembra muito bem:

– Até o tal do relógio fi cava lá. O trambolho...

***

Não havia muitos problemas com as corridas, porque eram na USP, saindo da Reitoria ou no Ibirapuera, com circuitos não muito grandes, de seis, dez quilôme-tros. E tudo fora da Federação, naquela época, segundo Victor Malzoni.

– São Paulo havia feito uma ou duas maratonas, mas que não eram da Corpore. Até emprestei o relógio para eles...

38

CAPÍTULO 8

A força dos patrocinadores... e da tevê

No início da década de 80, aumentou o interesse das fábricas de material esportivo – Adidas, Nike, Fila –, por exemplo, em divulgar suas marcas nas provas de fi m de semana, porque era ali que estavam os compradores, que se multiplicaram por milhares de corredores. O boom das corridas de rua aconteceu também pelos investimentos que as empresas de material esportivo fi zeram no esporte. É o que diz Agberto Guimarães, vencedor das provas dos 800 e 1.500 metros dos Jogos Pan-Americanos de Caracas/1983. Ele, que é de Belém do Pará mas morou em São Paulo nesta época e foi corredor da Corpore, lembra que a Nike vinha da década de 80, quando também havia a Asics (Tiger) com os melhores produtos, a Mizuno, a New Balance.

***

As histórias ganhavam força com a tevê. Agberto dá um exemplo que ajudou na popularização das corridas de rua: Alberto Salazar.

Cubano naturalizado norte-americano, corredor de 5 mil e 10 mil metros, havia passado à longa distância e feito história na Maratona de Nova York, que teve a primeira edição em 1969. Venceu em 1980/81/82. Na última, fezduas horas, oito minutos e 13 segundos. Seria a melhor marca do mundo depoisde 12 anos do australiano Derek Clayton, de 1969 (2h08min33, na Bélgica), se depois não fosse constatado um erro de 148 metros a menos no percurso, equivalente a uma diferença em torno de 27 segundos.

Ainda em 1982, Salazar (apelidado de “A Mula” pelos colegas do colégio) ganhou o “duelo no sol” com Dick Beardsley, com um fabuloso sprint antes de entrar em colapso e ser levado ao hospital completamente desidratado. Ele já havia passado por isso em 1978, em Falmouth, no estado norte-americano de Kentucky, quando cruzou em décimo a linha de chegada com temperatura de 41,7 graus e desmaiou.

Então, naquele ano de 1982, pelas conquistas de Nova York e Boston, foi considerado o melhor maratonista pela revista norte-americana Track and Field.

– A corrida de rua se popularizava. Os organizadores viam que havia um nicho de mercado muito bom, pois se tratava de qualidade de vida, de condicionamento físico. As pessoas já não corriam sozinhas, buscavam clubes de corredores. Virou uma febre e apareceram vários eventos.

Patrocinadores. E tevê. E mais patrocinadores...

39

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 9

Mulher também corre

A maratonista Eleonora Mendonça tem sua parte nessa história, como relata o jornalista Rodolfo Lucena em seu blog. A fundista e empresária convenceu a Avon a seguir a matriz norte-americana, e partiu para o Circuito Avon de corridas para mulheres em todo o Brasil antes da primeira maratona no Rio de Janeiro,em 1979.

Eleonora enfrentou obstáculos com a Confederação Brasileira de Atletismo. No começo dos anos 80, estava preparada para correr a maratona do Mundial de Atletismo de Helsinque/1983. Participou de uma seletiva – prova com apoio do Jornal do Brasil –, como havia sido estabelecido pela CBAt, mas o presidente Hélio Babo (no cargo de 1977 a 1982) acabou não inscrevendo a corredora brasileira.

Em 1984, na Olimpíada de Los Angeles, as mulheres participariam pela primeira vez da maratona. Mais uma vez, Eleonora estava pronta, tendo vencido a maratona promovida pela Atlântica-Boavista no Rio de Janeiro (que também apoiava o vôlei, começando a se profi ssionalizar ofi cialmente – a empresa tinha como presidente Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, apaixonado por esportes, das corri-das de Fórmula-1, Copas do Mundo e Olimpíadas).

Dessa vez, a CBAt teve de levar Eleonora. Ela correu com 60 inscritas a Marato-na de Los Angeles. Depois, foi ao alojamento da Suíça, que era ao lado do Brasil, na UCLA (Universidade de Los Angeles), ver como estava Gabriela Andersen-Schiess, que comoveu o mundo cruzando desorientada e sem qualquer coordenação a linha de chegada da maratona, no Estádio Olímpico. A brasileira diz que a suíça, que morava em uma região fria, em Idaho, nos Estados Unidos, estava bem, depois de se sentir mal com o calor da prova.

Naquele mesmo, 1984, foi realizada a maior corrida de rua feminina do mundo, no Ibirapuera, em São Paulo, com cinco mil inscritas.

***

Elisete Leite, que trabalhou no Departamento de Marketing do Bradesco antes de se casar com o Vasco, diz que as empresas que representavam marcasde tênis, vestuário, nutrição estavam cada vez mais envolvidas nesse universoesportivo. “As academias, percebendo o movimento das corridas de ruas, passaram a incentivar a atividade para conseguir manter seus alunos “indoor”, contou.

– Sem grandes investimentos fi nanceiros – continua Elisete – contrataram treinadores especializados em corridas, para estimular os alunos a conquistarem novos objetivos, com desafi os individuais e performances fáceis de serem medidas. Formaram equipes de corredores e de divulgadores das marcas, que passaram a investir em mais eventos.

40

As próprias empresas – como o Pão de Açúcar – passaram a formar clubes e incentivar a atividade física com grupos de funcionários, até com academias próprias, dentro das sedes, que saíam depois para as provas de rua. Com as cami-setas das empresas.

***

A maratona da Olimpíada de Los Angeles/1984 ajudou muito na divulgação das provas de rua e também dos tênis oferecidos pelas fábricas.Foi ao vivo para todos os Estados Unidos e o mundo, que viram a vitória do português Carlos Lopesaos 40 anos.

E se pela primeira vez era “permitido” às mulheres disputarem a maratona olímpica, também se acompanhou a agonia da suíça Gabriela Andersen-Schiess cruzando a linha de chegada, toda descoordenada. Imagens marcantes fortalece-ram as corridas de rua de meia distância e também de longa distância em muitos países.

***

Mas também naquela Olimpíada de Los Angeles/1984 veio o ouro de Joaquim Cruz nos 800 metros. E mesmo que ainda indiretamente, a medalha iria ajudar na percepção da população paulistana quanto ao bom hábito da prática de exercícios a partir do mais simples dos esportes: correr.

***

Os patrocínios ganhavam mais força. Até então, Vitinho, Fernando Nabuco, Flávio Aronis eram os que custeavam os corredores da Corpore, como o próprio Cruz, que tinha sido indicado por Agberto Guimarães ou Zequinha Barbosa (que já entrou quando Vitinho havia fundado o Ultracred Clube), que tinha atletas para provas de pista, para os meetings do Ibirapuera que começaram no ano seguinte (1984).

41

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 10

Experimentar e aprender

Flávio Freire, professor de Educação Física, tem hoje um dos maiores gruposde assessoria esportiva na cidade de São Paulo. Quando ainda não havia se vol-tado para esse mercado (que se tornou específi co com o tempo), guardou um documento, que virou raridade.

– Um fi lme em CD, com o Vasco, quando ele ainda organizava a “Prova do Russo” no Cepeusp. Mais ou menos por volta de 1985/87. Aquela prova era uma homenagem. E realizada sempre no começo do ano. Tinha 10 mil metros – equivalente a 25 voltas na pista. Era o Vasco e o Espanhol que faziam.

A “Prova do Russo” faz parte da história das corridas de rua porque, na verdade, virou uma maneira dos interessados em corrida terem um parâmetro para treinos e provas do ano seguinte.

***

As lembranças, de novo, são do Vasco: “Russo” era Roberto de Moraes.Estudante de engenharia na USP e, bem perto de se formar trabalhando no siste-ma de turnos de 15 dias em uma plataforma da Petrobrás. Nas folgas, costumava correr no convés. Morreu em 1983, na queda de um helicóptero.

Sobre a prova que homenageava “Russo”, é Flávio quem conta:

– Não se fazia inscrição, não tinha prêmio. A gente sabia pelo boca a boca. Todo mundo da USP e arredores usava a prova para uma auto-avaliação e dela partir para fazer sua própria programação para o ano.

Flávio diz que “era muita gente mesmo”.

– Claro que não tanto, se comparado com o que seria hoje. Mas o fato é que não cabia todo mundo na pista. Então, o Vasco, ele e voluntários do laboratório organizavam baterias de 20, 30 pessoas para correr na pista de tartã – hoje a pista virou de “concretan”...!

Havia três, quatro baterias. Dividiam-se os corredores mais ou menos pelos tempos que tinham.

– E cada um pegava seu próprio tempo. Os voluntários fi cavam com aquelas pranchetas, marcando. Aquilo foi um “laboratório” para o Vasco!

42

CAPÍTULO 11

Os maiores atletas do mundo, no Ibirapuera

Victor Malzoni era um pesquisador do que havia fora do País. Tinha corredores pagos por ele e os amigos, defendendo a Corpore. Manoel Garcia Arroyo, o Vasco, estava com ele na Corpore desde sua fundação, em 1982. Júlio Deodoro, então jornalista especializado em atletismo no jornal A Gazeta Esportiva, se recorda:

– Eu conheci o Vasco, engenheiro do IPT, nesse ano de 1982. Estava meio per-dido, não tinha certeza de nada, mas estava na organização da Corpore, com o José Carlos Puppo. Tinha ido para lá aliando o prazer a um jeito de ganhar dinheiro.

No ano seguinte, “1983 ou 1984”, Júlio conheceu Victor Malzoni. O empre-sário, com Vasco de diretor técnico na Corpore, quis organizar o Troféu Brasil de Atletismo de 1984 no Ibirapuera. Tudo seria feito da melhor forma – a mais profi ssional. Já teve, por exemplo, assessoria de imprensa – uma novidade naque-les meados dos anos 80.

Júlio assinala:

– O Vasco trocou o emprego por uma possibilidade. Pela possibilidade do que ele é hoje, do que ele vislumbrava de como as coisas poderiam ser, mas sem ter certeza de que aconteceriam. A gente sempre achava que o Vasco dava conta de tudo – e ele dava. Por isso, certamente é preciso citar a participação do Vasco nessa história de organização de provas, assim como o aprendizado de lidar com problemas e a coragem de enfrentar os leões. Mesmo porque, como a gente diz, “põe o Vasco lá que ele resolve”.

***

E, para provas de pista e campo, que viriam em paralelo às corridas de rua, Vasco já havia feito seu “laboratório”, na citação do professor Flávio Freire.

***

Sobre o início da organização dos meetings de atletismo, Vitinho Malzoni conta:

– Fui para o Ewald Gomes da Silva, que havia passado de presidente da Federação Paulista de Atletismo para presidente da Confederação, a CBAt (fi cou de 1983 a 1986), e disse que ia fazer um Grand Prix de Atletismo no Brasil. Ele deu aval.

***

Logo, o empresário teria muito o que fazer... Que era: mais meetings de atletismo no Ibirapuera, então anuais e crescendo. Por um tempo, Vitinho se tornou o principal responsável pelas competições do atletismo em pista e campo no País, principalmente depois da medalha de ouro de Joaquim Cruz na Olimpía-da de Los Angeles-1984. Iria trazer para São Paulo algumas das maiores estrelas internacionais do esporte.

43

CORRENDO NA FRENTE

***

Assim, havia a “mistura de focos”, mencionada por Fernando Nabuco – que se tornou presidente da Confederação Brasileira de Ciclismo, a CBC, enquanto Vitinho Malzoni se envolvia com as provas de pista e de campo. Octávio Aronis assumiu a Corpore.

CAPÍTULO 12

Os russos estão chegando...

Realizado o Troféu Brasil de 1984, ainda antes do ouro de Joaquim Cruz, Vitinho inventou de fazer um meeting do Grand Prix de Atletismo, no mesmo Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães do Ibirapuera.

O primeiro Meeting do Ibirapuera, em 1985, foi chamado de Torneio Internacio-nal Sears Ford de Atletismo. Tinha o campeão olímpico Joaquim Cruz. Veio Edwin Moses, uma lenda dos 110 metros sobre barreiras – que acabou não correndo –, e os três triplistas brasileiros (Ademar Ferreira da Silva, Nelson Prudêncio e João Carlos de Oliveira, o João do Pulo) na homenagem ao russo Victor Saneiev (campeão olímpico em vitória polêmica sobre o brasileiro João do Pulo em Moscou/1980).

Vinham três atletas russos para o Brasil pela primeira vez, depois da formação da União Soviética. Claro, alguma confusão podia dar. Deu.

O Vasco também estava lá para contar.

– A Federação Russa de Atletismo mandou um telex confi rmando a participa-ção deles no meeting. Vinham em voo da Aerofl ot para o Hotel Maksoud, o melhor do Brasil na época. Chegaram na segunda-feira, tinham um almoço e depois íamos de carro para uma entrevista na TV Cultura. Mas eles, ofi cialmente, só podiam se pronunciar em russo... A gente tinha pedido ao consulado alguém que falasse russo e eles mandaram. Só que o cara falava russo, mas não falava português! Pior que, a TV Cultura, na época com Luiz Noriega, e Orlando Duarte, era tudo ao vivo! E não tinha nem comerciais para chamar – nem intervalo! O próprio cônsul, que podia quebrar o galho em espanhol, era proibido de falar...

***

Esse foi um dos micos que podiam acontecer a todo momento.

Vasco, que queria o melhor para os atletas, montou áreas de aquecimento, por exemplo. Mas já havia também placas de publicidade no campo, criou backdrops para entrevistas (publicidade em painel atrás dos entrevistados), tribuna VIP, ônibus fretado e lanche para crianças de escolas irem ao Ibirapuera... Os jornalistas já tinham melhores condições de trabalhar (havia até “área de bufê”). Mas para isso, a assessoria de imprensa do meeting precisava solicitar formalmente

44

as máquinas de telex a serem alugadas dos Correios, pagar os funcionários para transmissão, os caríssimos alugueis de telefones...

Vasco recorda:

– Na assessoria de imprensa, a gente já tinha clipping (xerox das matérias publicadas). Por volta de 1986, as matérias ainda eram enviadas por telex e os fotógrafos de fora de São Paulo, se quisessem mandar fotos, tinham de montar um laboratório escuro para revelar fi lmes, ampliar no papel, revelar, secar e mandar em três lâminas – que eram “recebidas” nas cores básicas – amarelo, azul e vermelho...

– Na nossa assessoria, estava o “Pato Rouco” (Eduardo Holanda) e o Júlio Deodoro. E eu, que era pior que os dois. Era “erro zero, tolerância menos um”. O Vitinho era muito educado e eu, um cavalo! Levava tudo a ferro e fogo.

***

– Antes das corridas de rua e dos meetings, três assessorias de imprensa dife-rentes disputavam este espaço: de Luiz Carlos Secco, Ivo Simon e Cláudio Amaral – lembra Doro Jr., dono da ZDL, que se tornou uma das principais assessorias especializadas em esporte do País. Doro lembra que, por volta de 1984, os torneios de tênis já contavam com esse tipo de divulgação.

– Fui conhecer a Elisete por causa do tênis, no marketing do Bradesco. E como ela falava do marido dela, o Vasco! Então, conheci o Vasco...

***

Grandes patrocínios a caminho do atletismo

O advogado Octávio Aronis comenta:

– Agberto Guimarães, Joaquim Cruz eram atletas da Corpore, mas que, por lei, não podiam ser patrocinados ofi cialmente. Então, o Vitinho formou um clube,a Ultracred, depois da compra da Sears (a empresa havia comprado a Sears do grupo holandês Dillard’s e trocou o nome das lojas).

***

A Ultracred era uma ADC (Associação Desportiva Classista), que tinha corredo-res registrados como funcionários – caso de Agberto Guimarães (meio-fundista que foi ouro nos 800 e nos 1.500 metros dos Jogos Pan-Americanos de Caracas/1983), Zequinha Barbosa e Joaquim Cruz (medalha de ouro nos 800 metros na Olimpíada de Los Angeles/1984).

O empresário passaria então a ter corredores da Corpore defendendo uma equipe, que era da Ultracred.

***

45

CORRENDO NA FRENTE

Júlio Deodoro diz:

– O Vitinho via corridas fora do Brasil e se entusiasmava. Daí ter ido pelo cami-nho da fundação da ADC Ultracred, para manter aqueles corredores de alto nível.

***

Os meetings foram transmitidos ao vivo pela televisão. Primeiro, pela TV Globo,com Horácio Berlinck e seu Escriptório Central (para o qual Vasco passaria a trabalhar) negociando, e depois pela Band, “O Canal do Esporte”, com Luciano do Valle comandando o Show do Esporte. Além da organização geral, da direção técnica à assessoria de imprensa, algo de novo e muito importante estava chegan-do: as placas de publicidade...

Com mais apelo pela transmissão de tevê, os meetings de atletismo com Victor Malzoni à frente iam se sucedendo e crescendo, em São Paulo, com o empenho do empresário e de todo um grupo de pessoas em correria, em pleno aprendizado – incluindo os jornalistas –, que cresciam a cada ano em qualidade.

***

Júlio Deodoro diz que “o Vitinho mandava o Vasco viajar e ele aproveitava bem, se aperfeiçoava”.

***

Entre 1986/87, Doro já havia chegado aos meetings de Atletismo do Ibirapuera,que tinham patrocinadores fortes como a Ford e o Banespa. Até então, Júlio Deodoro e Eduardo Holanda faziam assessoria de imprensa. O jornalista Edson Scatamacchia também chegaria ao grupo que tinha o empresário Victor Malzoni, da UItracred, no comando – mais Vasco e depois Agberto Guimarães, este já como ex-atleta.

Os meetings de atletismo já estavam consolidados, diz Doro:

– Vinha todo mundo para cá, em termos de atletas e de mídia. O Meeting do Ibirapuera passou a nível “A” pela IAAF (a então Federação Internacional de Atletismo). Veio Carl Lewis, veio Serguei Bubka, veio Michael Johnson. Era ponto de encontro de jornalistas, do marketing. O atletismo ganhava as primeiras páginas dos jornais em maio/junho e até a TV Globo passou a transmitir mais o atletismo de maneira geral.

***

(Vale lembrar que, na sala de imprensa do Ibirapuera, uma turma de jornalis-tas, jovens ou veteranos, todos com seus defeitos e qualidades, também ia se encontrando em novas formas de cobertura esportiva, além do futebol, produzindo matérias da parte técnica à tecnologia, aprendendo a “se virar” com entrevista-dos do Leste Europeu, da África. Todos correndo atrás de informações – leia-se “Vasco” também – brigando entre si ou se juntando contra os que tentavam organizar os eventos, e aprendendo.)

46

Lá, dentre outros, também estavam, pelo Jornal da Tarde, o “JT”, Roberto Pereira de Souza e Castilho de Andrade; João Pedro Nunes, pelo Estadão; Orlando de Almeida, Edgard Alves, Sérgio Branco, pela Folha; e Benê Turco, de A Gazeta Esportiva. Passavam por lá também Ricardo Fonseca, Alberto Ludwig, Odair Pi-mentel e Isabel Tanese, da sucursal do Jornal O Globo; Ouhydes Fonseca, do Jor-nal do Brasil, o “JB”; Kitty Balieiro, da TV Globo, assim como Abigail Costa; HelinhoAlcântara, da Cultura; Álvaro José e Gilson Ribeiro, da Bandeirantes, assim como Roberto Petrin, Olivério Júnior... Braga Júnior, da Rádio Globo.

E também Jorge de Souza, da mesma rádio – protagonista de um dos “melhores momentos”, ao narrar uma corrida de 100 metros depois de encerrada, por conta da publicidade que entrou naquele instante, e aí narrando de maneira toda rebuscada, já sabendo do vencedor, em bem mais que 10 segundos. Virou “clássico” do jornalismo!

***

Foi assim até a saída de Victor Malzoni da frente dos meetings, que muitas ve-zes chegou a bancar ele mesmo os cachês internacionais, como comenta Doro Jr.

Vasco, diz o jornalista, foi trabalhar no Escriptório Central e apenas mais tarde, já com a mulher Elisete, montou a empresa Events.

– Até então, ele continuava trabalhando para o Vitinho. Só depois é que se associou à Yescom, empresa que trabalhava com merchandising desde 1972, des-de a Koch Tavares, ligada ao tênis. Os Kassabian trabalhavam para os irmãos Luiz Felipe e Juliano Tavares e depois da cisão entre eles, por volta de 1984, para o Luiz Felipe. A primeira Maratona de São Paulo, em 1995, teve a Koch Tavares. E assim se seguiu por mais dois ou três anos. Depois, seria feita pela Yescom, já em conjunto com a Events. E o Vasco sairia do Escriptório Central.

47

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 13

Inventando o que ainda precisava existir

As corridas e outros eventos, muitos de empresas, seguiam em paralelo aos meetings. Victor Malzoni não vê um vínculo muito forte dos meetings de Atletismo em São Paulo com o fortalecimento das provas de rua. De toda forma, foram nesses anos de meetings no Ibirapuera que, coincidência ou não, também aumentou o número de corridas de rua.

Os anunciantes estavam muito mais atentos do que os organismos ofi ciais de atletismo, ainda contrários às corridas abertas à população, que nem eram consideradas parte do esporte. O público em geral passava a ter mais percepção do esporte como um todo. A tevê e anunciantes tinham boa parte de participação nesse novo tipo de comportamento – de espectadores que passavam a praticar corrida.

***

– Fazíamos os meetings e as corridas, que vinham desde 1982, 1983, com a Corpore, como a Meia-Maratona do Trabalhador, com saída e chegada no Ibirapuera– conta Vasco.

No caso das corridas, a ideia era, com o tempo, acabar com as distâncias inter-mediárias, como era a Volta da USP – que teve sua primeira edição ainda em 1982 – de 8.700 metros. As provas “redondas” tinham mais apelo, eram mais fáceis para serem vendidas.

– Teve a 10 Km Staroup, ganha pelo Elói Schleder... Eu sabia o que os corredoresprecisavam: hidratação, banheiro, distâncias certas, tempos certos.

***

Nas corridas, Vasco diz que “fazia tudo”:

– Ia na Defesa Civil, que aproveitava para fazer treinamento, da prefeitura, atrás de contêineres, sabia de esgotos, dos médicos intensivistas, fazia reunião com a polícia, ia brigar no CET (então DSV) porque eles não queriam fechar os melhores lugares... Depois, eles até iriam normatizar tudo, com responsabilidade de todos.

***

Vasco resume:

– O que é preciso para fazer uma corrida?

Ele mesmo responde:

– Limpar o que não precisa pela frente. Público fora da largada e da chegada, com grades. E dar tudo o que o cara quer: facilidade para se inscrever, distância de percurso correta e aferida, o tempo dele. Tempo para todo mundo, mesmo com diferentes chegadas. Do mesmo jeito que era em pista. Porque em corrida de rua, antes, nem o segundo colocado tinha seu tempo. Porque não passava pela

48

multidão, que invadia tudo. E isso na São Silvestre, que era a prova mais importante. O grande problema é que, para corridas de rua, o tempo é limitado para a organiza-ção de tudo e também para a desmontagem das coisas.

– Por tudo isso, é que fomos criando empresas – de montagem de grades, apuração de resultados, de colocação de placas de publicidade, de transporte des-se material todo...

Vasco também conta que sempre comprava o que aparecia no mercado, de novidade. Primeiro fax, primeiro Nextel (telefone por rádio), primeiro celular. E arrumando equipamentos que nem existiam, mas ele “sabia que precisavam existir”.

CAPÍTULO 14

O inventor e o executor

José Augusto Martins era técnico em eletrônica e responsável pelo som no Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães do Ibirapuera, ainda em 1984. Antes de “umas provas” de atletismo na pista, “o Vasco estava com problemas de cronometragem e perguntou se eu podia ver cabos para ele, se podia quebraro galho”.

– Depois disso, aquele mesmo Vasco me procurou, interessado em dicas para comprar um equipamento de som.

(Ainda havia restrições à importação, nos anos 80)

Então, Zé Augusto listou o que achava básico para se comprar.

– Qual não foi minha surpresa quando o Vasco apareceu para me mostrar um jornal “Primeira Mão” (onde as pessoas anunciavam de graça objetos usados) com um anúncio de uma banda de bairro vendendo equipamentos. Era o equipamentode som que eu conhecia – era da banda da minha rua! E ele comprou toda a tranqueirada. Inauguramos na Olimpíada BCN.

***

São Silvestre, meetings de atletismo, corridas de rua... Júlio Deodoro diz que nesses meados dos anos 80, realmente surgia um “ramo” novo, aberto à norma-tização, à profi ssionalização. Foi quando optou por deixar o lado da imprensa para fi car na organização de eventos.

***

Júlio diz que conheceu Vasco organizando eventos e começaram a trabalhar juntos, depois que resolveu deixar de vez a profi ssão de jornalista, entre 1985/86, atrás de oportunidades inéditas que surgiam. Também começaram a inventar.

49

CORRENDO NA FRENTE

– Éramos mesmo dois aventureiros. A gente pensava em uma coisa e saía atrás de verba. Até por causa disso, o Vasco conheceu a Elisete Leite, mulher dele: a gente foi atrás do Trabuco, então do marketing do Bradesco, e aquela loirinha de olhos azuis é que foi encaminhar a gente... Aliás, o Bradesco comprou a ideia da corrida de 10 milhas.

***

A experiência dele “e do Vasco”, no entanto, registrou muito coisa (depois) engraçada.

– Certa vez, a Sears iria fazer uma promoção com Joaquim Cruz na pista do Ibirapuera, de “caça-talentos”, e era para ter um monte de criança correndo, porque havia inscrição em shopping, um sufoco, uma loucura generalizada! Foi quando pensamos um jeito: três meninos e três meninas iriam representar todas. Acabou dando certo e com vantagem para os dois lados...

(Vasco também lembra desse episódio, de 1985, como uma seletiva da Sears, que tinha o técnico Neílton de Moura e seu irmão, Nélio de Moura, como “trainee” – hoje Nélio é técnico, campeão olímpico com a saltadora em distância Maurren Maggi em Pequim/2008. Na época, Nélio fazia a biometria completa das crianças – as medidas, porque ainda não havia o exame de ossos das mãos, que revelam a idade, pelo crescimento. Vasco diz que também já faziam campings de atletas, de técnicos, para repasse de experiência, com troca de informações...)

Juntos, diz Júlio, começaram a criar esses novos eventos e também novas formas de organização.

– Fora corridas de rua, meetings de atletismo e São Silvestre, eram muita coisa. Teve a Mac-Med (competição dos rivais Mackenzie e Medicina), quando a gente chegou a ir com o Popeye e a Caveira, símbolos das duas faculdades, até as redações, no programa “Balancê”, na rádio Excelsior.

***

Da necessidade à invenção. Foi assim com o som, com José Augusto Martins, seria depois com o sistema de cronometragem, com Sérgio Müller...

50

CAPÍTULO 15

A “escola” do Vasco

Rogério Amante já em 1982 havia “trabalhado” na Volta da USP. Conhecia Ricardo Schuchi, que estudou Química, e que, por sua vez, conhecia o Vasco, engenheiro químico (o Schuchi, segundo Rogério, “tinha um Fiat 147 em que a gente ia para Santos...”). Dessa turma eram ainda o Espanhol, o Tigrão...

– O Ricardo convidou a turma para participar da organização. Aí já estavam também o Fábio Leite da Silva e o Maurício Menna Barreto Foz.

Depois teve Mini-Maratona da Independência, a Meia-Maratona do Trabalhador... Ele mesmo entraria na Escola de Educação Física da USP e teria de se dividir entre as corridas e eventos, basicamente nos fi ns de semana, e aulas como professor.

– O Júlio Deodoro também passou a participar. Em 1983, iniciamos o CircuitoBradesco (ex-Atlântica-Boavista), quando saiu o Schuchi e entrou o Fernando Reis Júnior.

***

No caso de Zé Augusto, o técnico de som, depois de “quebrar o galho” no Ibirapuera em 1984, passou também a ajudar aquele Vasco na organização de eventos, todo sábado. Carregava para cima e para baixo as caixas acústicas, todo o som, cones, cavaletes, o “pirulito” dos funis na chegada das corridas... Ainda era para a Corpore, naquele prédio da Avenida 9 de Julho...

– O escritório, com o depósito, era em cima de uma pastelaria, com aquele cheiro de gordura o dia inteiro!... Eu cuidava dos materiais, da manutenção, pintava grades... Os vizinhos queriam morrer... A gente botava tudo no caminhão do seu Nelson, que também ajudava muito. Depois, trazíamos tudo de volta. Trabalháva-mos eu e o Cristiano, da Corpore, a Marília, secretária do Vasco. Era a “escola do Vasco”: a gente fazendo tudo, e quase de graça. Som, luz, projeção. Seu Nelson também punha a mão na massa, ele e o irmão Adésito. Fizemos todo o Circuito Bradesco de Corrida pelo interior de São Paulo em 1985.

***

Prossegue Rogério Amante:

– O sistema de som para as corridas de rua no interior, ainda era daquele de cornetas, do tipo “Pamonha de Piracicaba”. Lembro que o Vasco comprou as cornetas. Às oito da manhã, a gente fechava o trânsito na unha, nem tinha prefeitura.Parava o caminhão, descarregava tudo, muitas vezes o tiro de largada era da polícia. Teve um de verdade, do Tiro de Guerra. Porque o tiro era de pistola, com pólvora seca. Aí um sargento, veio com uma pistola 9 mm. e deu o tiro no chão. Vasco estava do lado. Eu ouvi.

O funil era montado com cordas, “um trabalho absurdo”.

51

CORRENDO NA FRENTE

– O processo foi sendo criado – o modus operandi. Era tudo manual. Fizemos até corrida de graça, como a “Pare de Fumar Correndo”... A secretária era a Ana Jun, da Federação Paulista de Atletismo. Tinha a Teresa, a Gerusa, que era engraçada e brava; o Marcos Félix, que tinha uns 15 anos; o Hélio Takai, hoje da HT Esportes que faz o Circuito Caixa. Entrou a Sílvia, mulher do Fábio – conta. – O Vasco, a gente chamava de “Tia Véia”, de tanto que reclamava. Aliás, ele melho-rou muito nos últimos anos.

CAPÍTULO 16

A turma “pau para toda obra”

Rogério Amante lembra:

– Éramos “pau para toda obra” na infraestrutura das provas. Havia quem cuida-va dos caminhões, o Maurício fi cava com largada e chegada; o Fábio e o Fernando cuidavam do percurso; o Wanderlei de Oliveira media (Wanderlei era professor de Educação Física e se tornou personal trainer, antes de ser precursor na criação de programas para empresas e em levar grupos para correr maratonas fora do País).

***

No grupo, continua Zé Augusto, “tinha o Silvério dos Santos, que tambémfoi importante”.

– Era segurança, namorado da Esmeralda de Jesus, que hoje tem empresa de segurança. Era o Müller (chip), o Sérgio, o seu Nelson com o transporte – tinha dois caminhões, 46 funcionários, 150 extras.

***

Como Zé Augusto, Rogério também cita “seu Nelson Correia da Silva, o McGiver, que tinha conhecimento prático das coisas, muita agilidade mental, estavasempre pronto para tudo.

– Naquele prédio, da avenida 9 de Julho, onde fi cava a Corpore (o mesmo do “cheiro da pastelaria” lembrado por Zé Augusto), não se podia subir no elevador de bermuda. A gente tinha de subir tudo no braço e o seu Nelson ajudava. Era material de infraestrutura de tudo. De corridas de rua às voltas ciclísticas, e todos ajudavam. O seu Nelson, o Zé Augusto, que uma vez vinha de uma cidade do interior, atrás da picape com a Brasília dele, quando “apagou” no volante e parou em um muro...

O trabalho nas provas era duro, trabalho físico intenso, diz Rogério, “e muitas vezes as corridas não chegavam onde a gente montava a chegada, às vezes, porque a rua era de paralelepípedo...” Na turma, depois também chegariam Carlos Alberto Barreto e Clairisson Humberto Gonzaga, o “Zé Galinha”.

52

***

Zé Augusto, que não se lembra de dormir no volante, tem na memória outras histórias das corridas pelo interior de São Paulo, onde era preciso estar de manhã, mesmo se a corrida fosse às quatro da tarde.

– Uma vez, para uma corrida em Ribeirão Preto, dormimos em quarto de oito camas, aqueles de esquina de neón que fi ca piscando na frente... E o Vasco fi cava no hotel quatro estrelas do Bradesco...!

CAPÍTULO 17

A força do Bradesco

Aqui, cabem parênteses... Como já lembrou o advogado Octávio Aronis, Elisete Leite trabalhava no Departamento de Marketing do Bradesco quando conheceu Manuel Garcia Arroyo. Ele, o Vasco, foi com o jornalista Júlio Deodoro, já um especialista em atletismo da Gazeta Esportiva, até o Bradesco tratar de um projeto de corridas de rua no interior de São Paulo, que seria o Circuito Bradesco, entre 1983/85.

***

Clóvis Capuzo lembra de ter conhecido Elisete e Vasco “por volta de 1986” por causa do Departamento de Marketing do banco. Além do Circuito de Corridas Bradesco pela Corpore, Vasco já fazia outras provas.

O mercado foi se abrindo...

Capuzo conta:

– Muitas vezes, eles me chamavam para ajudar na produção. Eu fazia até locução!

***

Amador Aguiar, então presidente e dono do Bradesco, e Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, da Atlântica-Boavista, queriam valorizar e expandir o esporte no Brasil. No Departamento de Marketing do Bradesco desde 1980, Elisete se envolvia na coordenação de eventos de tênis a natação, de vela a hipismo, passando pelo vôlei em jogos amistosos que tinha uma das grandes equipes do Brasil – a Atlântica-Boavista, dirigida pelo técnico Paulo Roberto de Freitas, o Bebeto, e que contava com meia Seleção Brasileira nos campeonatosde clubes que disputava.

Elisete explica:

– O banco contratou o Vasco para organizar o Circuito Bradesco de corridas de rua, pelo interior de São Paulo. Por isso, viajei durante dois anos com ele e equi-

53

CORRENDO NA FRENTE

pe. A gente brigava porque eu me preocupava com a parte de marketing – para aparecer a marca Bradesco – e ele só pensava na parte técnica e no bem-estar dos atletas. Mas um aprendia com o outro. A união nos tornou parceiros.

Juntos foram a cada corrida do Circuito Bradesco:

– A gente descobria novas necessidades, dando unidade estética aos even-tos, com relação ao local e à parte técnica. Criamos novas ações de merchandi-sing e espaços para dar visibilidade ao patrocinador. Usávamos fl âmulas, banners, quiosques em praças públicas como postos de inscrição, grades de segurança com o logotipo do Bradesco.

Assim, ligavam-se a publicidade e a parte técnica, com os cavaletes de separa-ção de público e “pirulitos” com avisos e logomarcas usados no funil de chegada dos atletas.

***

Meados da década de 80... Elisete vai lembrando:

– O Vasco sempre ia às agências do Bradesco nas cidades do interior vestindo “micro-shorts” de corrida... Era uma ousadia! Imagine-se isso em uma agência de banco, com gente conservadora...

A relação de Elisete e Vasco era “super formal”, como ela assinala. Mas depois de um ano...

– Admiti que estava apaixonada por ele. E pelas suas lindas pernas!

Mas bem antes disso, ela também lembra quando o Bradesco promoveu a “Corrida do Século”, setembro de 1982, com a vinda do doutor Kenneth Cooper em comemoração ao centenário dos batistas no Brasil.

– Não teve quase púbico para a marcha e palestra de abertura no Parque Ibirapuera... Mas interessado em ganhar camiseta alusiva ao evento, o próprio Vasco deve ter entrado na fi la umas cinco vezes. Quem sabe, foi um encontro marcado, sem mesmo nos conhecer.

Na “Corrida do Século”, realizada no Rio de Janeiro, contou com cerca de dez mil pessoas, no cálculo de Elisete, mas ainda não havia infraestrutura adequada para tanta gente, como é hoje.

– Uma hora lá... palco, grades, quase que vai tudo para o chão...

***

Pois essa parte de infraestrutura iria ganhar importância e cuidados por parte de vários promotores de eventos esportivos.

Capuzo, ao sair do Bradesco, abriu em sociedade uma agência de publicida-de e promoções. Percebendo a necessidade de um trabalho dirigido para ações de merchandising para corridas de rua e outros eventos, passou a desenvolver material mais específi co. Algum tempo depois, procurou Vasco para conversar sobre essas novas necessidades e os dois falaram das grades de proteção e

54

isolamento de público.

Até então, ainda se usava fazer o funil de chegada das provas com cordas e cavaletes. Capuzo lembra:

– O Vasco me disse que se eu as fi zesse as grades de acordo com o material mais adequado, ele poderia alugar de mim. Foi assim que desenvolvi protótipos... Rabiscava como achava que deviam ser, fazia uma meia dúzia...

As grades de proteção, explica, não existiam na quantidade em que hojesão utilizadas.

– Essa história das grades gerou um mercado que evoluiu muito.

CAPÍTULO 18

A Corpore “vai para a gaveta”

Assim, entre 1982 e 1990, houve expansão das provas de rua. E a São Silvestre continuava fi rme – também seguiam os meetings no Ibirapuera.

Mas, em 1987, lembra José Augusto Martins – o técnico de som que aprendeu a ser “faz-tudo”, é hoje um dos maiores empresários do País no setor de luz e som, principalmente para eventos corporativos –, “veio aquela história dos planos econômicos”.

– Em fevereiro, com o plano do presidente José Sarney, o Bradesco cortou a verba do Departamento de Eventos, que tinha o Trabuco (Luiz Carlos Trabuco Cappi, hoje presidente do banco), a Elisete e (Clóvis) Capuzo. A gente já tinha até programado fazer show do RPM após as corridas, com som, luz, palco...

A Corpore praticamente deixou de existir, conta.

– O Vasco foi trabalhar para o Escriptório Central, de Comunicação e Marketing, ali perto da Avenida Cidade Jardim. Ficou entre 1986, 1990 e pouco. Para continuar a fazer as corridas e eventos.

***

O advogado Octávio Aronis lembra que as corridas de rua continuaram cres-cendo – mas “entre 1986/87 deu uma acalmada”, porque a Corpore perdia forças: Fernando Nabuco estava mais voltado para o ciclismo e Vitinho para os meetings de Atletismo.

Havia a tal “mistura de focos”, como comentou Nabuco, que criou a Volta do Brasil de Ciclismo e ainda teve o Vasco de diretor técnico das duas ediçõesem 1987 e 1988.

55

CORRENDO NA FRENTE

Aronis resume:

– O Vasco ia fazer provas de corrida de rua pelo interior de São Paulo, mas fez também de ciclismo ... A Corpore fi cou engavetada entre 1989/91. Levei os livros para a minha casa.

CAPÍTULO 19

Quem fazia corridas, fazia

São Silvestre, meetings...

De atleta, Agberto Guimarães voltaria à cidade de São Paulo em 1990, na direção geral dos meetings de atletismo, pela Ultracred, que havia sido fundada por Victor Malzoni como ADC (Associação Desportiva Classista). Seria responsável principalmente pelos contatos internacionais com agentes de atletas, porque co-nhecia “os dois lados”.

Entrou na organização dos meetings. Mas também da São Silvestre, da Maratona de São Paulo, da Meia-Maratona do Rio de Janeiro, da Volta da Pampulha em Belo Horizonte...

***

Mas alguém vinha lá de trás, ainda à frente do grupo que “se virava”, que fazia de tudo um pouco, de corridas a meetings. Era o mesmo Vasco, então pelo Escriptório Central, a caminho de se tornar o maior rabugento de todos os envol-vidos nos torneios e competições da cidade – pelo menos para os jornalistas –, mas também aquele a quem se podia perguntar sobre qualquer coisa de todos os setores envolvidos na organização de cada evento.

***

Em meio a todas as corridas que o grupo do Vasco fazia, Zé Augusto lembra de uma vez em que quase foi preso antes da São Silvestre:

– Eu ia com um veículo sem identifi cação para pintar as faixas no percurso. Seguia atrás do carro da TV Globo que tira as faixas piratas (tem empresa que faz todo um estudo para colocá-las de forma a aparecer na transmissão). A TV Globo na frente tirando faixas e colocando os prismas com a mídia dela, eu atrás pintan-do a quilometragem. Daí, queriam me tirar de lá! Eu disse que não saía, foi uma confusão, chamaram o delegado... Mais jovem, a gente tem aquilo de enfrentar. Quase fui preso mesmo. Quem manda desafi ar autoridade?

***

Enquanto isso, Doro Jr. lembra que, depois dos meetings do Ibirapuera, com a saída de Victor Malzoni, passou a fazer assessoria de imprensa para a São

56

Silvestre, a primeira delas em 1988.

– Ainda foram duas de noite para depois passar a ser de dia.

***

Mas a grande “reforma” mesmo da São Silvestre foi em 1989, diz Júlio Deodoro, depois de levada a proposta à Gazeta.

– A São Silvestre como é hoje foi o Vasco quem começou.

***

Aprendizado conjunto

Era um grupo de confi ança e não de especialidades técnicas, diz Rogério Amante:

– Nos meetings de Atletismo, por exemplo, cada um cuidava de uma área diferente, mas a gente se cobria em todas – hospedagem, que era quase 24 horas, transporte, almoxarifado, recepção. Cada um resolvia as coisas como podia – é bom lembrar que não havia celular... os jornalistas mandavam matéria por telex. O Vasco varria a areia da pista, como eu também varria, operava placar eletrô-nico sem saber de computação, fazia cronometragem. Era muito de aprendizado mesmo, em uma variedade de eventos e que fazíamos pelo grupo.

E a “outra vida” ainda continuava, para Rogério, com aulas em escola, no clube Pinheiros.

– O Vasco tinha necessidade de controlar tudo, era centralizador. Às vezes, ele perguntava: “O que você acha?” e só depois ia usar... E ainda acreditava que tinha sido ideia dele! Com o tempo, quando ganhou confi ança, começou a deixar a gente mais solto.

Frases do Vasco que Rogério guardou: “Eu sou responsável pelas coisas que eu faço. E sou responsável pelo que as outras pessoas fazem para mim.”

– É um aprendizado recíproco, mas tenho comigo algumas coisas importantes que ele me ensinou. Como: “O importante é o percurso”, “Mapa não é território”. Mapa a gente sabe o que é, mas não foi lá, não vivenciou, não tem o conhecimento de qualquer que seja a situação. Por isso é preciso conhecer o território.

***

A cada prova, quem organizava percebia necessidades que, na maioria das vezes, tinham de ser solucionadas com improvisos.

***

Esse grupo todo fi cou até 1989, 1990, diz Rogério Amante.

– Era um relacionamento na palavra, tipo “avisa o pessoal”, contrato verbal. Eu estava desde 1983, fi quei, quando muita gente saiu do grupo. Depois, também saí. E voltei.

57

CORRENDO NA FRENTE

***

Assim, a corrida de rua foi tendo uma evolução muito grande, segue Rogé-rio Amante, que calcula em 200% por ano no Estado de São Paulo. Segundo a Federação Paulista de Atletismo, foram realizadas no Estado 240 provas ofi ciais em 2009.

– Fizemos parte dessa evolução. O Vasco tem responsabilidade e mérito nisso. Ele estava no território...

***

Rogério, hoje, trabalha em algumas corridas com o Vasco, mas tambémorganiza outras.

– O Vasco seguramente é a pessoa que mais entende de corrida de rua no Brasil. Desde a Corpore, quando ele criou o jeito de fazer um grupo. Ele foi sem-pre o cabeça, o que aparece. Mesmo o intercâmbio com o Rio de Janeiro, com o Rodolfo Eichler, os bastidores – o Vasco é um vínculo.

CAPÍTULO 20

Empresas são inventadas a

partir de novas necessidades

Quando a Corpore “foi para a gaveta”, mas as corridas continuaram, era preciso arrumar um lugar para guardar todo o material das corridas. José Augusto Martins, o técnico de som, arrumou um galpão para alugar em Santana, na zona norte, onde morava.

– Era da dona Anita. Um acordo informal com ela. Dividia o depósito com um cara que fazia camisetas – o Charles. Ficou lá o arquivo da Corpore. E as gra-des... Eu alugava o material para pagar o aluguel do lugar. Porque eu fi quei com a responsabilidade de pagamento e não tinha como pagar. Eu falava para o Vasco. Mas cuidei até 1994, quando então abri uma empresa.

– O Vasco é assim. A gente tem de tomar pelo lado positivo, saber se relacionar com a informalidade, ser capaz de fazer o próprio dinheiro. Ele dá essa oportunida-de para as pessoas.

***

Como Flávio Freire e Wanderlei de Oliveira se tornaram personal trainers, depois empresários e donos de um dos maiores grupos especializados em preparação física no País, hoje, e depois faria Clóvis Capuzo trabalhar por conta própria até se transformar no grande empresário de aluguel de equipamentos para infraestrutura de eventos, José Augusto Martins diz que “saiu da inércia”.

58

– Estava iniciando minha carreira, formando minha personalidade empresarial. O Vasco me abriu os olhos, posso dizer, pelo inverso – a não fi car no comodismo. E assim foi com o Hélio Takai, da HT, o Cristiano, da Federação de Atletismo.

Zé Augusto diz que seu foco passou a ser o mundo corporativo, depois que começou a trabalhar com o Banco de Eventos, de José Victor Oliva.

– Com o boom corporativo, tive um puxão. Aprendi a fazer tudo de maneira mais estética, com acabamento. Nas corridas, a gente não cuidava de esconder o cabeamento, por exemplo.

***

O mercado, principalmente por conta do marketing e da tevê, requisitava mes-mo mais estética nos eventos.

Capuzo montou a primeira empresa especializada em toda essa infraestrutura de corridas, hoje a maior do Brasil. Lembra que Vasco já tinha ideias de novos formatos, como a maratona de revezamento Pão de Açúcar, em 1992. Abílio Diniz, João Paulo Diniz, Wanderlei de Oliveira tinham encampado o projeto e Vasco tinha se associado a Eduardo Gayotto por essa época.

– O Gayotto fi cava mais com a parte da perfumaria, vamos dizer, e o Vasco, com a parte técnica – e eu fazia a produção para ele nessa área técnica: montagem de área VIP, área médica, grades, preocupação com o trânsito, comunicação coma cidade por faixas, pórticos de chegadas, backdrops, pódio...

***

Capuzo considera que ter conhecido o Vasco foi um marco em sua vida, um divisor de águas.

– Tudo caminhava para ser mais elaborado, com mais qualidade e mais quanti-dade. Eu me aprimorei.

***

Houve uma evolução plástica grande, diz Capuzo, nessa parte material, física.

– De novo, só para citar as grades: elas foram fi cando mais pesadas ainda,e não apenas para não cair, mas sim porque viraram “velas” – um veículo de comunicação, de marketing, nos anos 90. Precisavam ser mais pesadas para fi car mais estabilizadas.

59

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 21

O boom do marketing, com a tevê

Para Thadeus Kassabian, que trabalha com promoção e organização de corridas de rua ao lado de Manuel Garcia Arroyo, o Vasco, a quem conhece há “600 anos”, a entrada da tevê na transmissão das corridas de rua em São Paulo foi o marco, início do boom das provas, que se tornaram praticamente semanais.

***

Vasco lembra que na São Silvestre de 1980, vencida por José João da Silva, já havia placas de publicidade.

– O pessoal da Fundação Casper Líbero vendeu patrocínio no dia 29 de dezem-bro... Passamos direto pintando placas da Le Coq Sportif com tela de silk screen.

***

Vasco lembra das placas de publicidade antigas.

– Os Kassabian tinham as placas de publicidade, que eram de madeira. Lá por 1983, 1984, usamos na São Silvestre.

***

As faixas e placas – lembra o jornalista Doro Jr. – eram de João Kassabian, que passou a fornecer para a Corpore e depois se ligou ao Escriptório Central. Mais tarde ainda, Thadeus Kassabian, da Yescom, se tornaria sócio de Vasco.

***

Marco na história:

o capitalismo “plantado” em Cuba

Ainda quando trabalhavam para o Escriptório Central, de Horácio Berlinck, Vasco e Thadeus passaram praticamente a morar em Havana, Cuba. O grupo, já através da TV Globo, foi contratado para cuidar das placas de publicidade em giná-sios e campos dos Jogos Pan-Americanos/1991.

***

– Seria a primeira vez que haveria placas de publicidade nos campos e quadras daquele país comunista mostradas pela TV Globo na transmissão das competições pela tevê.

Foi histórico – lembra Capuzo – que, no entanto, não pôde aceitar o convite para ir junto.

– Minha agência de publicidade tinha quebrado com o Plano Collor e eu tinha ido parar no Mato Grosso, tentando a vida no comércio por lá...

***

60

Thadeus Kassabian foi.

– O Escriptório Central ganhou a concorrência para fazer os projetos de proprie-dade e direitos de arena do Pan/91. Então, a gente, pela Kassabian, foi contratada para fazer isso. O Vasco era o coordenador do projeto pela Events. Ficamos seis meses montando a estrutura. Tudo foi feito lá, mesmo porque havia limitações de exportação. Eram 40 pessoas, com produção básica: placas das quadras de bas-quete e vôlei, estádio de futebol, impressão de tudo, montagem...

O trabalho do planejamento estratégico incluía então a produção do material. Foi erguido um galpão para montar todas as coisas.

– Morávamos em hotel, sim, em bons hotéis. Foi legal. O Fidel Castro? Sim, conhecemos o Fidel.

***

Trabalhando com produção, Thadeus fazia planos de merchandising e organização de eventos, onde Vasco trabalhava.

– Por isso, a gente se encontrou. Acho que na São Silvestre, por conta de material promocional. Mas os encontros eram em corridas, depois triatlos, quando havia parceria com o Escriptório Central. Havia todo um processo em ebulição na área de corrida, depois do tênis. Meu pai tinha trabalhado com o Luís Felipe Tava-res, na Koch Tavares. Mas aquele momento era da corrida. E o Vasco, tecnicamen-te, trouxe valores para o movimento. Depois, a gente se associou.

***

Clóvis Capuzo, que deixou de ir a Havana para o Pan/91, voltou de Mato Grosso e passou a trabalhar nessa área de infraestrutura de corridas. Hoje, sua empresa aluga estruturas de tendas, galpões com pisos, geradores, projetos de marketing...

– Nas corridas de rua, é toda a parte física. Calculo que a gente faça 60% das provas do Estado de São Paulo, que no ano devem chegar a 300. Às vezes fazemos duas por fi m de semana.

Ainda assim, diz que “o mundo está andando para trás”. Surgiram muitas empresas, mas que baixaram a qualidade de produtos, e não estão sendo profi ssionais com relação a prazos, pouco preocupadas com questões trabalhistas e sociais...

– Hoje, vejo as corridas com olhos técnicos.

61

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 22

O bolo de sorvete que mudou o percurso de corridas

Nesses anos de aprendizado, Mário Rodrigues, da CET, sempre manteve con-tato com os organizadores das provas – e, no caso de Manuel Garcia Arroyo, o Vasco, praticamente desde o início das corridas de rua em São Paulo.

– Conheço o Vasco há 25 anos pelo menos. Ele sempre foi assim, agitado. É um organizador. Não mudou nada.

Houve tempos em que as trapalhadas deixavam muita gente nervosa. Hoje, Mário pode contar rindo, mas no dia...

– Logo no início das maratonas, o itinerário pegava a Avenida dos Bandeiran-tes e ia para a Marginal Pinheiros. As pessoas fi cavam bloqueadas. Daí, uma se-nhora, desesperada, saiu do carro com um bolo de sorvete, que jogou em um “marronzinho” da época. Daí, a organização começou a melhorar!

Mário lembra do episódio do bolo de sorvete, de como o cidadão se sentia indignado, de como havia reclamação e revolta. De como se cobrava do que agora é a CET. Mas também de como as relações entre todos os envolvidos foram se aprimorando, de como hoje milhares de pessoas podem se divertir sem atrapalhar o ir e vir de outros tantos.

De “antiexemplos”, o engenheiro cita o caso da tradicional corrida Gonzaguinha,em Santos, que só não causava mais confusão porque as pessoas gostavam, tinham carinho pela prova.

– Imagine uma prova que justamente corta os grandes eixos de trânsitode uma cidade. Fecha tudo e os motoristas fi cam sem alternativas. Em Santos, as pessoas levavam na boa, até desciam dos ônibus para fi car assistindo aos corredores passando. Ou desligavam o carro.

O próprio Mário acabou se tornando corredor depois de um curso que foi fazer no Japão.

– Fiquei dois meses e meio, sentia muita saudade da família... Até que fui levado a correr por um brasileiro que também estava lá, no centro de treinamento. Comprei um tênis e fui. Comecei com 500 metros. Ele me incentivou, também para emagrecer e na volta fazia corridas no Ibirapuera. O Vasco fazia corridas pela Corpore. Fizemos uma primeira corrida pelo Centro Histórico de São Paulo que eu nem achava que conseguiria terminar, de seis quilômetros. Eu corria duas voltinhas na “pista de Cooper” do Parque do Ibirapuera.

Mário conta que ele mesmo chegou a correr duas maratonas – de São Paulo em 2001 e Nova York em 2004.

– O Vasco era meu “personal trainer”. Passava minha planilha, por telefone, a cada semana. Dava dicas até de alimentação... E fi z a Maratona de Nova York em

62

quatro horas e 30 minutos. Tenho a foto, diploma... Mas é muito difícil treinar para maratona. Você precisa de quatro, cinco horas por dia. Não dá tempo. Mas corri muitas “meias” no Rio de Janeiro, na Pampulha, em Belo Horizonte, aqui...

CAPÍTULO 23

Tecnologia passa a ser fundamental

Para Vasco, a tecnologia tem um peso muito grande na evolução das corridas de rua. Mais do que as questões de estética, marketing, tevê e logística.

Elisete, mulher dele, lembra que na época do Departamento de Marketing do Bradesco, puxava pela parte das placas do banco enquanto Vasco se voltava para os atletas, a parte técnica.

Para o Vasco, tecnologia virou quase uma obsessão, um “capítulo à parte”.

***

Júlio Deodoro diz que, juntos, fi cavam bolando muita coisa.

– Eu e ele começamos a criar. Mudamos aquela coisa do espeto na chegada da São Silvestre para o código de barras, com a Accutrac. A São Silvestre, na chegada, tinha muita fi la. Daí, ele bolou o tal relógio com o código de barras, para depois fi nalmente implantar o chip... Eram maneiras de facilitar o trabalho, por exemplo, de cronometragem, classifi cação...

***

Vasco, um apaixonado pelas possibilidades tecnológicas, conta mais:

– Até 1983, a classifi cação da São Silvestre, a corrida mais tradicional do País, ainda era manual – e sem tempos. Formava-se uma fi la depois da linha de chegada para os números dos corredores serem anotados.

Vasco lembra da chegada da corrida de 1979, que ainda era à noite, quando se formou uma fi la de 800 metros em frente ao MASP, na Avenida Paulista.

***

Depois, os corredores começaram a querer saber seus tempos...

Mesmo sendo internacional, conta Vasco, só eram marcados os tempos dos oito primeiros, depois dos “top ten”, os dez primeiros.

– Na foto da chegada do Zé João, ele está cercado pela polícia, pelas pessoas, gente com cronômetro na mãos, em meio a cavaletes de madeira... Depois, quando fi zemos a primeira São Silvestre, em 1985, já pensamos nas grades, porque eram duas, três mil pessoas no funil, senha na mão... Hoje, a prefeitura tem depósito fi xo para tudo isso, funcionários...

63

CORRENDO NA FRENTE

***

Vasco continua:

– Em provas com chegadas de duas ou três mil pessoas, ainda era maisfácil, com atletas entrando no funil pela ordem. As senhas plastifi cadas eram grampeadas no peito, que o corredor arrancava na chegada e dava para alguém ali pregar no espeto (sim, as pessoas trabalhavam com luvas de couro). E havia duplas no cronômetro cantando número de inscrição e tempo. E, ainda assim, para se tirar tudo das pranchetas era trabalho de dias.

***

Em 1984, Vasco inventou de emprestar leitores de códigos de barras (eram de importação proibida e caríssimos, “uns quatro mil dólares cada, o preço de um car-ro no fi m dos anos 80”), aqueles de leitura ótica de preços de supermercados...

– Em vez de digitar o número do cara que chegava, o aparelho lia as senhas grudadas no peito dos atletas que até então eram feitas por escrito. Realmente agilizou. Mas a captação dos tempos era a mesma. Havia fi las com 50 pessoas cada uma, para a tomada de tempos. E ainda se precisava fazer um acerto na clas-sifi cação, se alguém passasse à frente já depois da linha de chegada.

***

Como colocar ideias na prática

A classifi cação ainda tinha de ser digitada, manualmente, e a as listas dechegadas das provas já tinham 10 mil pessoas! Um desespero! Por isso, Vasco queria achar um jeito de acoplar um cronômetro a um micro.

Vasco conhecia Eugênio Carlos Longhi, que corria. Foi quem lhe apresentou Sérgio Luiz Müller.

***

Agora é Müller quem vai contar:

– Eles tinham um aparelhinho, de onde saía uma fi ta enorme, com as chega-das. Mas para a classifi cação, o trabalho ainda era à mão, “um trabalho absurdo!”.

Em apenas uma semana, diz Müller, em meados de julho e agosto, foi desen-volvida a ideia do cronômetro que passava os resultados para o micro. “Era um caixotão”, nas palavras dele, “do tamanho de duas caixas de sapato”.

***

O programa estava feito – um sistema que fazia o “casamento” do número do corredor com a chegada de tempo tomada pelo fi scal. Com isso, passou a haver mais vazão dos corredores que encerravam a prova.

***

O tal “caixotão” foi então usado em setembro de 1984, na Mini-Maratona da Inde-

64

pendência – foi uma “primeira revolução” nas corridas de rua, com marcação eletrôni-ca ofi cial. E apareceu como programa de apuração da São Silvestre daquele ano.

– Gostei da brincadeira. Então, desenvolvemos o relógio de chegada já com o tempo de prova. Isso, sem qualquer referência internacional. Se havia, não se conhecia. Era uma invenção nacional.

***

– Lá atrás, o Vasco precisava aperfeiçoar o sistema de classifi cação das provas, que se desenvolvesse alguma coisa nesse sentido. Precisava, na verdade, de um projetista eletrônico, com desenvolvimento de hard e sofware. E eu tinha interes-se em trabalhar com isso, em conhecer uma área que era “crua”. Aprendi muito – diz Sérgio Müller.

Necessidade de um, vontade de outro, como observa.

***

Como Júlio Deodoro cerca de seis anos antes, Sérgio Müller vislumbrou a força de um “ramo novo” de trabalho que se apresentava.

***

Segundo Sérgio Müller, “aquele negócio todo saiu da técnica, mas também da vontade de pesquisar”.

– Por isso, digo que o Vasco tem visão futurista. Está sempre um passo à frente no mercado. Mesmo quando ele tinha apenas um cronômetro, era “o” cronôme-tro, o cronômetro “que só ele tinha”. Foi o segundo daquele vendido em todo o mundo! Era muito raro. E o Vasco comprou um.

***

Júlio Deodoro atesta:

– Na tecnologia de corridas, o Vasco sempre esteve à frente.

***

Sérgio Müller lembra de quando teve de tomar a decisão de deixar um emprego se-guro.

– Trabalhar com o Vasco transformou minha vida. Toda minha carreira profi ssio-nal. Em 1992, mesmo bem empregado, rompi com tudo para fundar uma empresa. Era arriscado, um desafi o. E tinha a excitação do trabalho em si, com a criação de coisas, novidades.

65

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 24

Do “caixotão” ao chip

Vasco conta que, no rastro do “caixotão”, passaria ao chip. Que, assinala, “nasceu” na Holanda, no fi m dos anos 60, para controlar porcos – ou gado. Rastreava-se “a vida inteira” dos porcos, para dar vacina. Ajudou até na automati-zação dos cochos.

Cada chip tem um número eletrônico de fábrica, que é determinado a cada atleta, na inscrição. Funciona a cada vez que o atleta passa por um tapete com campo magnético. Então, registra o local da passagem e o tempo. Existem vários desses tapetes ao longo da prova – na largada e na chegada, claro, mas também em vários pontos do percurso – os pontos de controle –, para o corredor não ter chance de “cortar caminho”.

Vasco explica:

– Os “tapetes” funcionam como uma antena. São freqüências diferentes e as antenas sabem que tal número passou em tal tempo. O chip é de 1994. Fui o primeiro também a colocá-lo nas provas.

***

Sobre os tais chips, agora é Sérgio Müller quem lembra:

– Era uma espécie de ampola de vidro de uns três centímetros de comprimen-to por três milímetros de diâmetro, como um tubo de caneta Bic que ia “colado” por um velcro no tornozelo do atleta.

Só que o chip colocado com velcro no tornozelo, machucava muito, diz Müller.

– Até sangrava. E aquilo tinha de ir para um balde de água, para tirar o suor, fazer a higiene com cândida para desinfetar, mais um dia para secar...

O trabalho era absurdo, até que o bastão se transformou em uma espécie de “moeda” com furos para ser amarrado no cadarço. Assim, o chip não se quebrava e não se precisava mais fazer a lavagem.

***

Se o início foi o “caixotão”, que ligava os códigos de barras de cada atleta com os tempos do cronômetro passando os dados para o computador, a partir daí Sérgio Müller só foi inventando mais e mais – e crescendo.

Então, das dezenas de empresas que foram criadas a partir das necessidades das corridas de rua, a sua ChipTiming é uma delas.

Vem de lá 1984 (sim, em 2010 já tem 26 anos). E tudo por causa de uma “necessidade técnica” que resolveria um dos problemas daquele Vasco,lá da Corpore.

***

– Devo minha vida profi ssional ao Vasco: 1984 foi o “start”. Com projetos de risco. Mas eu não estaria onde estou hoje, com a maior empresa nacional de

66

cronometragem, se não fosse o Vasco – diz o empresário.

***

A tecnologia foi desenvolvida para outros países, com empresas parceiras no Uruguai, Peru, Paraguai, Espanha e Portugal. Além das corridas de rua, também para triatlo e para provas diferentes, que vêm sendo “inventadas” também, como corridas de duplas, provas de revezamento.

– Os organizadores aproveitaram a vontade de correr das pessoas, que virou até lazer de família. Para a corrida não se precisa de nada. Não é como a natação, por exemplo. Aliás, você não precisa nem correr. Pode andar. Qualquer pessoa pode praticar. E não falamos mais apenas de São Paulo, mas do Brasil. Na minha opinião, o País está muito avançado nisso, mais até do que o Primeiro Mundo. Temos organizações fantásticas.

Pelos cálculos de Müller, “se há umas mil corridas de rua por ano no Brasil – 400 delas já são com chips”.

***

Os chips mudam, diz Sérgio, mas a tecnologia tem sido a mesma.

– Daqui a pouco, teremos um chip descartável. Estamos fazendo uns testes de posicionamento no corpo do atleta de um chip como uma etiqueta de meio milímetro quadrado, mas que tem uma antena de uns dez centímetros – adianta.

***

Na visão de Júlio Deodoro, com o tempo todo mundo “se espalhou”, trabalhan-do por conta própria – já com as novas empresas no mercado que exigia setores mais especializados. Depois, voltariam a se juntar, mas já “cada um na sua”.

***

– Comparo o Vasco a um grande mestre de obras: um engenheiro desenha, dá a planta e aí vai o Vasco e constrói. Ele dá o caminho. Ele organiza. Tem o domínio de tudo, o domínio que todo mundo gostaria de ter. Hoje, ele tem uma visão muito ampla das corridas.

67

CORRENDO NA FRENTE

ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

Largada

68

Da esquerda para a direita: Irmã Joana, a mãe (Dona Pepa), Vasco (no destaque), seu Zé (pai) e a irmã Fina

Largada de mais um treino na USP

69

CORRENDO NA FRENTE

Grupo de empresários paulistas treina na USP; Vasco está láRevista Viva – Set. 1982

70

Vasco participa de corrida no velódromo da USP

71

CORRENDO NA FRENTE

Vasco participa de corrida no velódromo da USP

72

Vasco no Super 40 Km (Revezamento), Interlagos (2005).Foto: Marcos Viana (Pinguim)

Vasco na Maratona de Nova York de 1983

73

CORRENDO NA FRENTE

ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

Organização

74

Victor Malzoni Júnior e Vasco: companheiros de muitas jornadas e conquistas

Troféu Brasil de Atletismo (1985)Organização: Victor Malzoni Júnior e Vasco.

75

CORRENDO NA FRENTE

Lançamento da corrida 10 km Bradesco – Boa Vista em São Paulo- Vasco (no destaque), diretor técnico.

Vasco colhe os tempos dos atletas (1984)

76

Congresso técnico da SS: Vasco explica como medir o percurso.

Vasco e amigos da USP

77

CORRENDO NA FRENTE

Rodolfo Eichler (agachado) na primeira medição do percurso da Maratona do Rio realizada em 1982Foto: JB - 12/04/82

Vasco mede o percurso ofi cial da SS: 12.640 metros Foto: Gilberto Lineira (Gazeta Esportiva 27/12/1990)

78

Vasco e equipe no Grand Prix de Atletismo de São PauloÁlbum de família

Desafi o Ultracred de Ciclismo: Vasco com a mão na massaÁlbum de família

79

CORRENDO NA FRENTE

Montagem tapete Chip (RJ)Agilidade e precisão dos tempos.

Álbum de Família

Vasco implanta chip eletrônico na São Silvestre de 1998.Garantia de precisão dos tempos.

Álbum de Família

80 81

CORRENDO NA FRENTE

ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

Corridas

82

Chegada da São Silvestre, na época disputada à noite, na virada do ano.Foto: Balancete Bradesco

10 km de Campinas patrocinada pelo BradescoFoto: Balancete Bradesco

83

CORRENDO NA FRENTE

10 km de São José do Rio Preto (Circuito de Corridas Bradesco, 1984)Foto: Balancete Bradesco

10 km de Ribeirão Preto (1984) 5ª Prova do Circuito de Corridas Bradesco. Vasco participou da prova. Foto: Balancete Bradesco

84

XVII Mini Maratona A Gazeta Esportiva: Equipe técnica e Vasco no detalhe.

Álbum de família

3ª Maratona de Revezamento Pão de Açúcar: Vasco na direção técnica.

Álbum de família

85

CORRENDO NA FRENTE

Ultra Maratona 24/48 Horas :Vasco organiza prova na pista de atletismo do Ibirapuera – SP

Álbum de família

IV Maratona Bradesco/ Jornal do Brasil – RJ (1983)Vasco correu esta prova.

Foto: Balancete Bradesco.

86

10 Km de S. J. Rio Preto - Circuito de Corridas Bradesco 1984 . Foto: Balancete Bradesco.

Circuito Bradesco pelas cidades do interior do São Paulo. Foto: Balancete de Bradesco

87

CORRENDO NA FRENTE

Vasco trabalha em novos formatos para corridas.

88 89

CORRENDO NA FRENTE

ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

Família

90

Vasco e Elisete, passes mágicos em Bariloche (Argentina) 1996Álbum de família

Atleta Marroquino Brahim Boutaib fi ca com Pablo e Paloma; os pais Vasco e Elisete trabalham na organização do Grand Prix de Atletismo

91

CORRENDO NA FRENTE

Paloma (fi lha do casal Vasco-Elisete) na premiação da Corrida de São Silvestre ao lado de Arturo Barrios, vencedor da prova, e Júlio Deodoro, da Gazeta Esportiva.

92

Vasco e o fi lho Pablo na pista do Constâncio Vaz Guimarães do Ibirapuera/SP:Ensaio para dar a largada de uma corrida.

93

CORRENDO NA FRENTE

Pablo (fi lho do casal Vasco-Elisete) e o fi lho do ucraniano Sergei Bubka, recordista mundial de Salto com Vara. A linguagem das crianças é universal

94 95

CORRENDO NA FRENTE

PARTE II

Do mundo para São Paulo, de São Paulo para o mundo

96

CAPÍTULO 25

Da antiguidade e de antigamente

– Você sabe o que é hemerodromus?

Vasco incorpora o “professor” e o prazer de transmitir conhecimento, o que acaba com sua pressa:

– Os antigos povos gregos treinavam mensageiros para correr até 200 quilômetros por dia. Precisavam que mensageiros alcançassem lugares em que os cavalos não passavam. Às vezes, mandavam uns a cavalo, para disfarçar, enquanto as mensagens verdadeiras eram enviadas a pé. Claro, os que iam a cavalo quase sempre morriam...

Enquanto segue a explicação, Vasco vai rindo, como se ele mesmo fosse um estrategista ateniense ou espartano, um general que estivesse assistindo às batalhas nos campos, vistas de uma colina.

Pheidippides (Fidípides), o protagonista da lenda que deu origem à prova de maratona (42 km195 m), era um hemerodromus – do latim para o português, um corredor, estafeta, ou mensageiro.

Os persas haviam chegado à cidade de Maratona em 490 AC e Fidípides foi mandado a Atenas para levar a notícia da vitória na “batalha de Maratona”. Teria corrido os 35 quilômetros subindo as planícies entre as duas cidades, transmitido a mensagem e morrido ali mesmo.

***

Outra versão para a origem da corrida – que foi disputada na primeira Olimpíada da Era Moderna (em Atenas/1896) – tem o soldado Fidípides correndo para avisar Esparta, a pedido de Atenas, que os persas já estavam em território grego rumo à cidade, para destruí-la. E que, por isso, disse aos “homens de Lacedaemon”, como Esparta era conhecida pelos antigos gregos, que era preciso juntar forças para não acontecer como Eretria, uma das cidades-Estado gregas que havia sido escravizada.

O mensageiro teria então corrido 246 quilômetros em um dia, em vez de dois – retornando em seguida com uma resposta negativa quanto aos reforços – pela lei, só poderiam ir quando a lua estivesse cheia e estavam apenas no nono diade lunação.

Na volta, o mensageiro encontrou o deus Pan, que dentre seus poderes tinha o de ser capaz de causar extremo medo, a ponto de paralisar ações: o pânico. O encontro foi no Monte Pathernium, perto de Tegea (na península do Peloponeso), e Pan lembrou o quanto já havia ajudado os atenienses, sem receber sua atenção. Mas disse que estaria ao lado deles na batalha de Maratona.

Enquanto Esparta esperava a lua cheia para enviar Hippias, fi lho de Pisistratus,

97

CORRENDO NA FRENTE

até Maratona, naquela cidade os atenienses já enfrentavam os persas no que hoje seria setembro, mês ainda mais quente e seco. E para lá foi o soldado Fidípides lutar. Quando os atenienses – com a ajuda do deus Pan – venceram os persas,o mensageiro foi mandado para dar a notícia em Atenas. Na chegada, teria excla-mado “Nenikikamen!” (Nós vencemos!) e morrido.

Depois, os atenienses construiriam um tempo na Acrópoles para o deus Pan, que receberia então homenagens anuais em cerimônias que incluíam corridas com tochas!

98

CAPÍTULO 26

De profi ssionais e amadores

Da mesma forma que gosta de novidades “futuristas”, Vasco também é curioso sobre o passado e um estudioso de excelente memória para história.

– Por que a IAAF era a antiga Federação Internacional de Atletismo Amador? Porque já existia atletismo profi ssional desde o meio do século XIX. Eram corridas de seis dias, por exemplo, no Crystal Palace de Londres, ou já nos anos 1870 no Madison Square Garden, de Nova York. Daniel O’Leary, em 1877, ganhou US$ 60 mil, que seriam US$ 3 milhões agora. Havia desafi os de corridas com cachor-ros, cavalos, locomotivas... Como no boxe também. Anos depois, a Maratona de Nova York, que começaria em 1970 com 127 inscritos, em 1977 já tinha 4.823 ehoje teve de ser limitada para 30 mil.

O Daniel O’Leary, que Vasco foi buscar, consta do livro “Running Throughthe Ages”, de Edward Seldon Sears. Surge como rival de Edward Payson Weston, “o pai da corrida de seis dias”, um showman que em 1871 cruzou a pé 712 quilôme-tros de Boston a Washington; depois fez 2.135 quilômetros em 16 dias, de Portland a Chicago; então teve a ideia de ser o primeiro homem a fazer 500 milhas (805 quilômetros) em seis dias, o que fi nalmente conseguiu em 1874, em Nova Jersey.

Seu rival irlandês O’Leary, que chegou à América em 1866 e vendia bíblias na região de Chicago, completou as 500 milhas em seis dias naquela cidade em 1875 e então desafi ou Weston. A disputa foi em dezembro daquele ano e O’Leary ganhou, com 501 milhas, tornando-se o “andarilho campeão do mundo”. Weston então embarcou em um navio e foi tentar a sorte na Inglaterra – onde se saiumuito bem.

***

Esses precursores do profi ssionalismo das corridas têm grandes históriasregistradas.

***

Sir John Astley, do Parlamento inglês, era um velocista em meados de 1850, depois conhecido como “barão do esporte” por seus ganhos e perdas em todos os esportes que recebiam apostas. Em 1877, decidiu bancar Weston “contra qual-quer homem respirando”. O’Leary leu sobre o antigo adversário e foi atrás dele na Inglaterra. Mais de 70 mil espectadores se enfi aram no Agricultural Hall, de Isling-ton. Era abril e Weston acreditava que poderia fazer 510 milhas contra o máximo que o irlandês já havia feito, que era de 505. Mas O’Leary fez 519 e um quarto.

Astley perdeu 20 mil libras. Mas continuou dando força ao esporte e fi caram conhecidas suas “Astley Series”, de corridas de seis dias. Em 1878, O’Leary já ganharia de Astley Belt em Londres, com 520 milhas e um quarto. Levou o “cintu-rão” para Chicago, nos Estados Unidos, onde depois iria ter como oponente John

99

CORRENDO NA FRENTE

“The Leper” Hughes – que melhoraria marcas com a idade. Enquanto isso, Astley queria seu cinturão (belt) de volta à Inglaterra.

Lá, um jovem, Charles Rowell, com estilo “trote de cachorro”, foi escolhido por Astley para ser enviado ao desafi o de março de 1879 no Madison Square Garden, de Nova York, com a polícia segurando centenas de espectadores que queriam forçar a entrada no ginásio já superlotado.

O’Leary, com 31 anos, era um dos que estavam lá, como John Ennis e Char-les A. Harriman. Papéis com a progressão da prova eram colocados em todos os lugares com aglomerados de gente, como hotéis, bares, lojas, barbearias e merca-dos. O irlandês desistiu com 215 milhas e Rowell seria protagonista de uma cena que se repetiria muitos anos depois, na maratona da Olimpíada de Atenas/2004, com o ex-padre irlandês Cornelius Horan investindo contra o brasileiro VanderleiCordeiro de Lima.

Naquele desafi o de 1879, em Nova York, foi um irlandês bêbado que entrou no cenário de punho fechado, como se partisse para dar um soco em Rowell. Foi seguro por dois policiais. Ennis diminuiu o passo para ser alcançado por Rowell e disse para a multidão respeitar o inglês, no que foi aplaudido. Disse que se Rowell fosse machucado, ele, Ennis, irlandês, deixaria a prova. Rowell levou o cinturão mais 20 mil dólares de volta a seu país.

Em junho de 1879, haveria o quarto desafi o de Astley, em Londres. Rowell, por causa de um espinho no pé, teve de fi car de fora; O’Leary também não participaria. O veterano Weston, já com 40 anos, era a zebra: 10 contra 1. Mas, alternando caminhada e corrida, foi ele quem venceu com o recorde de 550 milhas (886 quilômetros).

No quinto e último desafi o Astley, novamente em Nova York. Rowell parecia que ia ganhar fácil. Na sexta-feira, no fi m da manhã, tinha 419 milhas, quando foi para a tenda de descanso e de lá só conseguiu sair depois de seis horas, muito mal (Astley escreveria que provavelmente tinha sido envenenado, por comida ou bebida). Ao saber da notícia, multidões correram para o Madison Square Garden. Rowell, mesmo mal, tentava continuar. Sam Merritt, atrás com pouco mais de 13 quilômetros, começou a apertar a corrida, mas Rowell se recusou a desistir e correu com o rival.

À uma da manhã da noite de sábado para domingo, 6 mil pessoas aplaudiam a disputa e o inglês tinha 452 milhas – à uma e dois minutos da tarde, completaria 500 e a banda começou a tocar “God Save the Queen” (o “hino” inglês). Rowell ganhou 30 mil dólares ao completar a prova com 530 milhas; Merritt foi segundo, com 515. O jornal The New York Times dedicou toda a primeira página de 27 de setembro de 1879 para o desafi o.

***

Em Londres, em 1880, Rowell conseguiu um recorde de 566 milhas (911 quilô-metros), depois batido por John Hughes, com camiseta patrocinada pela National

100

Police Gazzette, em janeiro de 1881, com 568 milhas e 825 jardas (915 quilôme-tros) em seis dias no American Institute, porque o Madison Square Garden estava sendo reformado. Em maio do mesmo ano, outro irlandês, Robert Vint, fez 578 milhas e 610 jardas; nas festas de Natal de 1881, outro meio-irlandês, meio inglês, Patrick Gerald, chegava as 582 milhas. Em março de 1882, Rowell tentava nova tá-tica, de dar tudo no início, e tinha 150 milhas (241 quilômetros) no primeiro dos seis dias de desafi o, quando virou uma xícara com vinagre pela goela, em vez de água. Teve de abandonar, mas essa marca de 150 milhas em um dia durou até 1953.

“Puxado” por Rowell no início da prova, George Hazael foi o primeiro homem a cobrir 600 milhas em seis dias.

Finalmente, para os atletas de hoje que usam doping, a história de um desafi o de maio de 1884, novamente no Madison de Nova York, acompanhado por 12 mil pessoas. Patrick Fitzgerald tinha vantagem boa sobre Rowell, mas no início do último dia se sentia tão cansado “como se um prédio de 12 andares” tivesse caído sobre ele. Havia trocado de roupa e usava calções rosa, camiseta branca e um cachecol de seda vermelha, que não cobria o ponto que havia lacerado na véspera “para tirar os venenos do sangue”.

Das 20 milhas de vantagem no início da madrugada que tinha sobre Rowell, às sete de domingo restavam dez. No meio da tarde, Fitzgerald quase não conseguia mais mexer as pernas. Um médico, doutor Naylor, foi chamado para tentar um “novo procedimento” nas corridas de apostas...

Levado à tenda iluminada por lâmpada de óleo, Fitzgerald viu então o médico tirar da maleta um instrumento de 16 lâminas, um “fazedor de cicatrizes” na tradu-ção de seu nome. Empurrando o gatilho do aparelho na coxa esquerda do paciente, foram feitos cortes com dois centímetros e meio. O procedimento foi executado então na outra coxa. Funcionou... A pressão nas pernas inchadas diminuiu e ele bateu o recorde de 610 milhas (982 quilômetros, sobre 602 de Rowell). Depois disso, se aposentou...

***

Em novembro de 1888, o inglês George Littlewood quebrou o último recorde de seis dias do século XIX, no Madison Square Garden. Fez 623,75 milhas em 139 horas e 59 minutos. Poderia ter terminado com 650 (1.047 quilômetros), mas diminuiu o passo porque pagava-se bônus de mil dólares por recorde e ele queria vencer a prova com nova marca, mas “guardando” quilômetros para os próximos desafi os. Quando fez 621 milhas e três quartos (1.001 quilômetros), o detentor desse recorde, James Albert “Cathcart”, pulou na pista acenando uma das mãos com o chapéu e uma vassoura (que “varria” a antiga marca) e bandeirinhas norte-americanas na outra. Littlewood terminou com 623 milhas e três quartos e esse seu recorde duraria quase um século.

Esses foram anos de ouro dos desafi os profi ssionais de corridas...

101

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 27

O esporte do paulistano

O hábito de correr começou a ser incorporado pelos paulistanos naqueles anos 80. São Paulo fi cou cada vez mais complicada para o esporte, comenta o advoga-do Octávio Aronis, vice-presidente da Corpore, mas para correr o indivíduo não depende de ninguém.

– É um dos grandes diferenciais da corrida. Podemos dizer que é ideal para o paulistano, porque não é preciso muito. É democrático. Muita gente treina no Ibirapuera. Chega às sete da noite, faz um “strip” dentro do carro. Do empresário João Paulo Diniz ao operário.

– Na hora da corrida, dá para ir batendo papo, uma experiência única – diz Octávio, para quem os Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, foram grandes parceiros da fase II da Corpore, com João Paulo e mesmo o pai, Abílio, que também corria.

– Não sei se a Corpore estaria viva hoje, com 11.500 associados sem o Pão de Açúcar. Depois, o Pão de Açúcar chegou a montar estrutura própria para os funcionários deles.

***

– Virou uma característica de São Paulo essa história dos personal trainers, das “tribos” de corrida. É muito “paulistano”. Hoje, nas corridas, cada tribo tem uma tenda, com cada vez mais sofi sticação, comida, massagistas. Funciona também como networking, onde se conhece muita gente.

A corrida virou o segundo esporte no Estado de São Paulo.

– Tenho convicção de que a Corpore teve um peso muito grande nisso, no boom. São 30 provas em 2009, 28 profi ssionais internos e muitos terceirizados.

São Paulo não tem fi m de semana sem corrida, tem domingo que tem duas. São Paulo não tem mais datas. Ficou sem datas. E são seis sites só de corridas, quatro revistas, programas de tevê, rádio...

– O foco é qualidade de vida. De 30 provas, duas são competitivas. A Corporeainda faz seminários e é uma incentivadora. A cada prova, de 30 a 40% das pessoas são novas no esporte.

Essa, diz Octávio, é uma diferença dos clubes de corrida, dos organizadores que fazem provas pelo Brasil todo, com tudo cada vez mais aprimorado, profi ssio-nal, com aferição, chips, água.

– O Vasco foi um propulsor de toda essa parte técnica. Foi o nosso professor. Não existe história de corrida de rua em São Paulo e no Brasil sem o Vasco, sem que se cite o nome dele. O Vasco foi o mentor disso tudo, nosso consultor.

102

CAPÍTULO 28

Das corridas solitárias aos grupos

Flávio Freire já é um “produto” do boom das corridas em São Paulo. De atleta e professor de Educação Física com pós em Fisiologia, hoje está estabe-lecido com assessoria esportiva para grupos de corrida, seu trabalho há 16 anos.

– Eu dava aulas na Companhia Athlética da rua Kansas, uma das primeiras grandes academias em São Paulo. Era atleta. E havia muitos interessados em participar da Maratona de Nova York, por volta de 1993/94. Então, comecei a treinar essas pessoas. Não havia isso.

As corridas não eram tão comuns como agora, segundo Flávio.

– Quando você vê o cenário hoje, não dá para visualizar como era, como come-çou. Era boca a boca. A Maratona de Nova York, por exemplo, era um glamour, algo que o público da Companhia Athlética queria.

Flávio diz que treinava com o professor Valdir Barbanti (da Escola de Educa-ção Física da USP, que foi preparador físico da Seleção Brasileira Masculina de Basquete), mas depois de correr sua primeira maratona (duas horas e 36 minutos) em Blumenau, como estava dando muitas aulas, se machucou.

– Percebi que tinha de escolher: ou dar aulas ou dar treinamentos. Foi uma decisão difícil, porque não tinha nada de treinamentos de corrida, ainda, fora o Miguel Sarkis, o Wanderlei de Oliveira. Hoje, são mais de 300 treinadores especí-fi cos de corrida de rua no Brasil, a maioria em São Paulo.

Mas em 1993/94, Flávio treinava 12 pessoas. Fazia um programa aeróbio com musculação. Agora, são 160 alunos, com mais três professores.

Flávio se diz suspeito para falar sobre o prazer das corridas, hoje com muito mais pessoas praticando, porque é um “apaixonado”, identifi cado totalmentecom a modalidade.

– Tem a parte boa e a parte ruim. Correr depende só de você. Não precisa ter ninguém junto e pode praticar em qualquer lugar. Para o paulistano, encaixa tudo.

***

Como é um esporte que pode ser individual, observa Flávio, cada vez mais há pessoas que têm difi culdades em se relacionar, aquelas que teriam difi cul-dade em jogar vôlei, por exemplo, onde se tem de passar a bola, pedir. Ficam “no seu mundo”.

– Mesmo se treinam em grupo, continuam solitárias, não aprendem a se conhecer, têm difi culdades para dividir. Mas isso, claro, depende de cada pessoa.

Flávio diz que, hoje, esses aspectos passam a ser preocupação também, além da segurança dos alunos, mesmo dentro de parques, check ups médicos com especialização em grupos distintos, como de hipertensos...

103

CORRENDO NA FRENTE

– A pessoa precisa ter objetivos, a curto, médio e longo prazos, e ser incen-tivada para participar de provas. Mas é preciso cuidado para não impor, porque muitas vezes as pessoas se sobrecarregam, a família reclama. É preciso haver uma divisão. A vida não é só ele – e os outros?!

CAPÍTULO 29

Os olhos das câmeras

nos corredores e na publicidade

Fábio Caetano, diretor Operacional da TV Globo, trabalha com a São Silvestre desde 1986, quando mudou para a TV Globo, saído da Record, e passou a gerente de operações da divisão de esportes em 1988. Naquela época, a emissora já tinha toda uma equipe e know how desenvolvido para a cobertura da prova paulistana do 31 de dezembro:

– O que mudou mesmo, e muito, foram os equipamentos. A transmissão com volantes. Carro e moto ao longo do percurso, mostrando o corredor. Tecnicamente passou a ser mais fácil com o estabilizador de câmeras. Sim. Havia começado com a Olimpíada de Barcelona/92, na vela. Foi a primeira vez que nos chamou atenção. E passou a ser usado em todo tipo de esporte – por exemplo, para a corrida. Se não é usado, a gente fi caria mareado mesmo, como de dentro de um barco, fi lmando algo subindo e descendo...

Outro ponto importante, recorda o diretor da TV Globo, foi o estabilizadorde sinais:

– O sinal caía no meio da corrida. Depois, para ter o sinal durante todo o per-curso, a gente dependia de um helicóptero. Mas... e se chovesse e o helicóptero não pudesse subir?

Mas o que foi mesmo uma segunda revolução, de acordo com Fábio Caetano, chegou com as câmeras digitais nas transmissões.

– Se antes o sinal era muito fraco e suscetível de queda, como no caso de chu-va, as câmeras digitais fi zeram com que esse sinal fi casse melhor. O estabilizador de transmissão e o da imagem foram muito importantes.

As novidades tecnológicas surgem mais no Japão e Estados Unidos (e menos na Europa), mas o Brasil “pega” rápido as inovações, principalmente a TV Globo.

As corridas, para a TV Globo, são cada vez mais embasadas na tecnologia, privilegiam os cartões postais das cidades, no caso da São Silvestre, da Maratona de São Paulo, da Meia-Maratona do Rio de Janeiro e da Volta da Pampulha (em

104

Belo Horizonte).

– Foi mesmo um boom nas corridas, quando a TV Globo começou a transmitir. A primeira Maratona de São Paulo, que o Vasco fez, em 1995, teve um crescimento absurdo.

***

A Maratona de São Paulo, diz Fábio, é uma prova mais técnica. Começou saindo da Avenida Rio Branco, depois do Estádio do Pacaembu, do Obelisco do Ibirapuera. Agora é Ponte Estaiada e Obelisco. Essa corrida também é um exemplo de evento que evolui, segundo Fábio, porque além da técnica procura-se fazer um percurso com “cartões postais” das cidades.

– É bom para a tevê que o evento seja sempre bonito, cheio de gente. Daí a mudança de percurso que incluiu a Ponte Estaiada.

Mas na São Silvestre não se mexe.

– Por quê? Porque tem tradição grande e é melhor deixar como está.

A São Silvestre, observa o diretor, antes de ser uma corrida é um “happening”, uma verdadeira festa antes da virada do ano, com pessoas que estão lá para se divertir.

– É como aquele boteco, em que todo mundo vai e um dia o dono resolve mudar as mesas, pintar. Ninguém mais vai. Não mexemos na São Silvestre. Não mexemos na festa das pessoas. Não devemos fazer isso. Por isso, também é mantida a largada festiva, a descida da Consolação “com aquele mar de gente”, a Avenida Rio Branco.

Fábio Caetano cuida de todo o planejamento da transmissão de uma corrida, que vai desde onde colocar as câmeras, quantas, até quantos volantes. E de toda a coordenação no dia.

– Para a São Silvestre, temos um conjunto de câmeras no MASP – são dez para a largada – e outro na Gazeta – são oito para a chegada. Tem a câmera na frente da Igreja da Consolação, para pegar aquele mar de gente, a outra na São João com Ipiranga porque é um ponto de São Paulo. Temos um carro que vai com a câmera estabilizada, que vai com o líder, duas motos... Uma com as mulheres, uma com os homens. Além da câmera do helicóptero.

Hoje, Fábio diz que já consegue dormir. Mas quando dependia do helicóptero para ter o sinal, da antena, da chuva...

– Quem sabe da história mesmo é o Marco Mora, que faz a São Silvestre desde que começou e agora é diretor Geral de Esportes. Foi ele quem inventou a trans-missão da São Silvestre na TV Globo.

***

Doro Jr., da ZDL, a assessoria de imprensa especializada em esporte, diz que quando Victor Malzoni deixou de fazer os meetings de Atletismo no Ibirapuera,

105

CORRENDO NA FRENTE

por um tempo seguiu com a São Silvestre e a Maratona de São Paulo, “esta já encampada pelo prefeito da época, Paulo Maluf, e pela TV Globo”.

– Aí, sim, a TV Globo provocou o boom das corridas de rua em São Paulo.

A emissora também se voltaria para outros esportes, além do futebol.

– Eles tinham a São Silvestre... Mas o ano já seguia com Verão Espetacular até março. Maratona de São Paulo em maio, Maratona do Rio de Janeiro em agosto ou setembro... e então a Volta da Pampulha, em Belo Horizonte, no começo de dezembro e aí a São Silvestre... Foi a São Silvestre que aproximou a Yescom (do Thadeus Kassabian, que já tinha parceria com o Vasco por volta de 1995/96), da TV Globo.

***

Em todas essas corridas da emissora de tevê, lá está “o Vasco” de diretor técnico.

– A emissora, que tem custos altos com essas provas, foi abrindo caminho para a publicidade, como da Caixa, abrindo alternativas de parcerias, abrindo mais campo para espaços, além do futebol – comenta Doro.

***

Júlio Deodoro, diretor-geral da São Silvestre, assinala que a corrida do 31 de dezembro, para Vasco, “é o coroamento de tudo, do ano”.

– Ele é o diretor técnico da São Silvestre. Cuida da parte operacional. Tem cerca de cinco mil pessoas,1.200 só com ele, mais 350 do departamento médico. Só da PM são duas mil, 2.500, mais 200 da Guarda Civil. A montagem já começa em 23 de dezembro. No dia 31, estamos lá às cinco da manhã e só saímos às nove da noite.

***

José Augusto Martins lembra que “a São Silvestre, desde a manhã, tem que ter o toque dele.

– Água antes de tudo, logística de largada, funil de chegada. Por 25 anos de réveillon, participei. Só em 2009 resolvi fi car de fora.

106

CAPÍTULO 30

Fazendo corridas sem parar São Paulo

Mas, se antes os desafi os eram em locais fechados, como se interrompe hoje o trânsito de uma cidade do século XXI – conhecida pelos congestionamentos –, hoje chegando perto de 11 milhões de habitantes? Requer organização de parce-rias, logística, bom senso, respeito.

Mário Rodrigues, da Companhia de Engenharia de Tráfego, a CET, chegou a criar uma linguagem própria de comunicação com os paulistanos, para navegar entre problemas que tinha de solucionar, principalmente quando a capital ainda não estava acostumada às corridas de rua, que hoje ocupam praticamente todos os fi ns de semana da cidade.

– A organização precisa ser em conjunto – CET, promotores, prefeitura, secreta-rias... Precisamos unir a parte esportiva com a movimentação urbana. E chegamos, sim, a uma harmonia muito boa.

Em primeiro lugar, o promotor de uma corrida precisa decidir junto com a CET o itinerário da prova e sua “adequação ao ambiente da cidade”, como denomina o “assessor da Superintendência de Tráfego da CET”. Mário está nesse trabalhohá 33 anos.

– É preciso que a prova não “agrida” os motoristas que estarão circulando pelas imediações. Ao mesmo tempo, há requisitos técnicos da parte esportiva e também relacionados à estrutura necessária à prova, que fi ca no entorno dela, como estacionamento para corredores que vão de carro até locais para postos médicos, policiais e de bombeiros, rotas para ambulâncias...

Ao mesmo tempo, o percurso tem de passar por locais agradáveis.

Depois que o percurso é defi nido, entra em ação a estrutura da CET, que precisa bloquear o tráfego naqueles pontos determinados e criar alternativas viárias que não criem congestionamentos paralelos.

– Fomos aprendendo ao longo do tempo. No início, com as grandes provas como a maratona, principalmente, tínhamos mais problemas. Mas fomos aprendendo com o próprio usuário das vias. Precisávamos dar uma satisfação a ele, à população em geral. Distribuímos faixas grandes, de pano, em ruas – o que não fazíamos há 20 anos –, dizendo que “no domingo esta via estará interditada de tal hora a tal hora”, para realização de tal corrida. E também faixas informando os desvios, as rotas alternativas. Sempre com informações rápidas e precisas e sem propaganda, em acordo com a lei “cidade limpa”. O paulistano, hoje, está mais acostumado e se programa com antecedência.

***

Em São Paulo – que tem corrida praticamente todo fi m de semana e domingos

107

CORRENDO NA FRENTE

em que há mesmo duas provas – isso não é possível, prossegue Mário. As duas corridas simultâneas até são permitidas, mas não dentro de uma mesma região. Até pode ser interessante, porque diluem problemas. Quem é de determinada região não precisa atravessar a cidade para participar de evento em outra ponta da cidade.

– Mas de toda forma temos de arrumar maneiras de o motorista chegar a seu destino sem fi car preso.

Fora uma prova grande como a Maratona de São Paulo (chegam a 15 mil parti-cipantes quando trabalham cerca de 130 pessoas da CET), as corridas mais curtas, com média de cinco mil participantes, contam com cerca de 40 – pelo menos 30 operadores e um supervisor, diz Mário, que lembra: fora as corridas de rua, ainda existem também as provas de ciclismo.

***

Mário acredita também que, com o passar o tempo, o paulistano comum não só se acostumou às alternativas de trânsito por conta das corridas em São Paulo, mas também passou a gostar de correr, a compreender a importância da ativi-dade física para a saúde – descobriu a corrida como “saúde e prazer”, como diz o engenheiro, assinalando que a corrida é muito mais prática do que jogar tênis, por exemplo.

Os organizadores também foram entendendo que fazer uma prova em São Paulo “não era tranqüilo e fácil”, que as pessoas culpavam a CET, que não tinha como inter-romper o trânsito, “dar respaldo” ao promotor da prova “e no lugar que eu quero”.

– Ao longo do tempo houve muita conversa e todos evoluíram. Hoje, as corridas estão aí, praticamente em todos os fi ns de semana. Sabemos que a cidade carece de esporte.

Sobre provas mais para a periferia da capital, Mário diz que existem corridas mais curtas, promovidas pelas subprefeituras, mas a topografi a da cidade não aju-da e também não existem tantas alternativas viárias. É mais difícil adequar o trajeto e ainda se conseguir um percurso interessante. Os patrocinadores também que-rem atrativos, observa.

– Em muitos locais, seria preciso fechar o bairro, deixar pessoas ilhadas. Isso, não fazemos. Aqui em São Paulo, em nenhuma prova, nem com uma maratona de 42 quilômetros, as pessoas fi cam ilhadas. Ninguém fi ca ilhado. Sempre há alterna-tiva de sair. A não ser em casos em que a casa fi que no próprio trajeto – mas aí é que nem morar em rua de feira, quando é preciso tirar o carro antes – ou esperar.

À meia-noite da véspera de provas começam a ser instalados os pórticos (de largada e chegada), por exemplo, grades, banheiros químicos. Bloqueios come-çam às cinco, cinco e meia da manhã, para as sete se fazer a “a varredura” e o trabalho de indicação das rotas alternativas, com barreiras e faixas mostrando dire-ções, retornos. Em corridas maiores, o trabalho começa até na quarta-feira antes, se a prova for no domingo.

108

CAPÍTULO 31

Como funciona hoje: a logística

José Augusto Martins, o técnico que virou fornecedor de som e luz para as grandes empresas do País, observa que hoje as agências de eventos têm a fi gura do “produtor master”. Tradução? Vasco.

– É o cara que sabe tudo: de bombeiro, de energia, de chuveirinho, de faixa, dos rádios que são usados por todo o percurso...

***

Vasco diz que desenvolveu um planejamento pessoal de como fazer uma corrida de rua. Em primeiro lugar, diz, é preciso responder “onde?” e “o quê?”.

– Temos de medir o percurso e correr nele.

Depois, verifi car os espaços laterais próximos à largada e à chegada, saber de sua ocupação antes da corrida e depois dela.

É preciso ter patrocinadores, autorização da prefeitura, planejamento com o departamento de trânsito, contato com as federações locais, avisar os atletas, abrir inscrições e detalhar como fazê-las (muitas vezes uma pessoa faz paradez outras)

– Fora isso, o atleta precisa confi ar que terá o número correto na entrega.

***

No dia, diz Vasco, o trânsito deverá estar fechado, as ruas marcadas e sina-lizadas, os banheiros químicos colocados, assim como os guarda-volumes, policiais e bombeiros a postos (os bombeiros são os responsáveis por verifi car se as arquibancadas estão seguras), assim como os médicos, se há água e gelo, se as arquibancadas e palanque têm a ART de um engenheiro (Aviso de Compatibilidade Técnica), se o palanque está aterrado, se houve vistoria, mais todos os geradores, se o cabeamento está seguro, se as placas estão no lugar, assim como os fi scais em todo o percurso, se estão lá as balizas de quilômetros, os postos de água, as distâncias das ambulâncias e banheiros, os postos de controle nas corridas mais longas. Nas provas curtas, tudo precisa estar pronto uma hora antes da largada; nas maiores, meses antes.

***

Com relação ao percurso, lembra Vasco, é preciso fazer a medição, mas tam-bém saber, por exemplo, se há feira no domingo em algum dos pontos, se há como estacionar carros em ruas paralelas. É preciso evitar igrejas, hospitais, cemi-térios, e que ambulâncias tenham acesso para entrar e sair.

Na largada, é preciso ver se há local para estacionamento para quem for correr, onde os carros vão fi car, se os ônibus chegam, se é necessário reforçar a linha de ônibus, a que horas a linha deve começar a operar.

109

CORRENDO NA FRENTE

Se em uma corrida de dez quilômetros, por exemplo, o último corredor passará a linha de chegada em torno de uma hora e meia depois de largar, depois disso serão no máximo duas horas para desmontar tudo. E se o bolsão de estaciona-mento estiver com o percurso ao seu redor, ninguém sai antes disso...

– É um quebra-cabeça.

Vasco fez a primeira corrida na Avenida 23 de maio, a primeira corrida dentro do Ibirapuera, a primeira no Parque Villa-lobos.

– As soluções todas são apontadas por mim, que virei um ponta-de-lança.O que também não quer dizer nada... Mas quando fi zemos em lugares novos, na Bahia, por exemplo, mudei três coisas. A maratona de revezamento não andava.

Por isso, não se pensa apenas na corrida, explica, mas em todo o entorno.

– Todo mundo reclama, mas queremos sempre deixar a margem de desastre para o mínimo possível. E o mínimo de desconforto para todos. Por isso, passamos nas casas, deixamos panfl etos, colocamos faixas. A Maratona de São Paulo só deixa um pedaço de casas isoladas, mas é como um dia de feira.

***

Chuva é caso de pesadelo

– Em São Paulo podem ocorrer enchentes inesperadas, com bocas-de-lobo entupidas. A gente limpa, recolhe lixo, mas às vezes na chuva não se vê um buraco, uma caçamba. Pode ter acidente com morte. Por isso, tampamos todos os buracos.Nas grandes provas, além de ambulâncias, há também delegacias móveis da Polícia Civil – em trailers.

Corrida à noite também é raro, porque além de fechar todos os buracos usa-se tinta luminosa (corrida noturna, quando se faz, é na USP, porque é em um per-curso cercado e de apenas quatro quilômetros), porque senão os corredores podem não ver obstáculos. Os problemas de se fazer uma prova à noite motivaram a mudança da São Silvestre para a tarde. A elite do atletismo mundial não queria vir correr à noite.

A largada é outro problema: segurar os milhares de corredores, esperando a tevê entrar no ar, com o árbitro olhando. O pessoal acordou às seis da manhã, está há um tempão na Paulista para a corrida das cinco da tarde, a adrenalina a 600 por hora. É calor, aumenta a temperatura, não pode sentar, não pode comer, o descon-forto aumenta, com 20 mil pessoas fora os “pipocas” (não inscritos).

– A São Silvestre é a pior de todas.

No palanque, para a largada, fi ca Vasco, o locutor e o produtor da tevê, para olhar tudo isso.

– O jeito é tentar trabalhar com calma.

O carro da tevê não pode se adiantar, a moto com a câmera não pode ser

110

fechada, nem o veículo que vai com a câmera de grua. No meio não tem fi scal, polícia, tevê.

– Na largada da maratona de revezamento no Parque Villa-Lobos, com trans-missão ao vivo da largada, a Lady Di (2) tinha morrido na véspera e o laudo saiu junto com a largada, às oito da manhã daqui. Como a gente vai falar “espera um pouquinho” para a multidão..., “não posso dar a largada”. Atrasou quatro minutos. O diretor da prova precisa estar em contato direto com a tevê.

Hoje ainda se tem sistema de rádio, com tranking (ponto a ponto) para a cidade inteira. Mas não havia...

***

– Fui o primeiro a comprar Nextel, o telefone por rádio. Antes, com o HT, todo mundo escutava tudo, era tudo confuso. Agora, a gente fala com cada um.

Vasco foi o primeiro a ter fax em 1986...

– Fomos os primeiros a usar computador, a acompanhar toda a prova até terminar. No começo, quando os computadores eram muito caros, usávamos os da Cisco. Agora... Como ligar aquilo, depois como usar servidor, como fazer o cabeamento... fomos aprendendo tudo. Claro! Porque nós criamos o programa!

***

Em provas grandes, hoje, como a Maratona de São Paulo, por exemplo, que é no domingo, Vasco explica que é preciso ter tudo pronto muito antes. As passarelassão armadas a 45 dias da prova; os equipamentos de largada e da chegada, na segunda-feira anterior; a água chega na sexta.

– E sem falar das inscrições, que são abertas ainda com muito mais antecedên-cia. A Meia-Maratona do Rio de Janeiro para 2010, que será em setembro, já tinha inscrições abertas dez meses antes, e com 800 nomes.

Vasco diz que fi ca “imaginando coisas que não existem, mas eu sei que a gente precisa”.

– Minhas coisas são “pré-tudo”.

(2) Lady Di – Princesa de Gales, morta (1987), acidente de carro, em Paris. 111

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 32

Abertura de segmentos:

turismo esportivo

Agberto Guimarães, um dos grandes meio-fundistas brasileiros, hoje é gerente geral de Desenvolvimento Esportivo do COB, o Comitê Olímpico Brasileiro, em parte pelo aprendizado na Corpore e na Ultracred dos anos 80/90. Sobre corridas de rua, observa que as maratonas de Praga, de Nova York, viraram, hoje, objetivos de uma parcela de corredores que gosta de viajar e tem as provas como “gancho” para conhecer cidades.

– Virou “chique” para os amadores.

***

Wanderlei de Oliveira, por exemplo, que começou no atletismo em 1966, como atleta de velocidade e meio-fundo (200 e 400 metros), diz que foi pioneiro no País ao levar grupos de corredores para as maratonas de Nova York, Paris, Berlim, Roterdã, na Holanda, e a Comrades, na África do Sul. Isso, desde 1982, quando participou da criação da Corpore.

O corredor conta que também ajudou “nas diretrizes do Pão de Açúcar Clu-be e da qualidade de vida para o grupo”. Sim, porque ao mesmo tempo em que aumentava o número de academias e seus freqüentadores, assim como de personal trainers, também as empresas percebiam que incentivar seus funcioná-rios à prática esportiva tinha signifi cados a mais: saúde, motivação, confraterniza-ção. Abílio e seu fi lho João Paulo Diniz foram precursores em relação a isso.

Hoje, Wanderlei prioriza o trabalho com os grupos, com equipes técnicas que montam programas individuais com frutas e hidratação, nos diversos horários de trabalho de pessoas, “de 20 a 80 anos”, que estão pela USP e Ibirapuera, sim, mas também pelo Guarujá, Aldeia da Serra...

***

Do gosto pelas corridas, ao objetivo de correr uma maratona. E, delas, a Maratona de Nova York, como assinala Agberto Guimarães. Com os anos, toda uma aura de glamour foi se desenvolvendo em torno da prova, como a “noite das massas”, antes da competição. São várias promoções. As pessoas têm diplomas de que correram a maratona, mostram com orgulho. Tudo faz parte desse circuito esportivo-turístico, mania e ambição de muitos corredores.

***

E “o Vasco” nisso tudo?

– O Vasco? O Vasco é maluco, né?!!! – brinca Agberto. – O Vasco é engenheiro químico, professor de matemática. Gostava de correr lá na Cidade Universitária, com os outros malucos da USP... Tinha intervalo, ia correr. E foram se formando grupos de pessoas.

112

Como é “extremamente inteligente”, como diz Agberto, percebeu a necessida-de de profi ssionais ali, de pessoas que conhecessem tecnicamente os eventos.

– O Vitinho o mandou para o Exterior, para observar provas. Então, ele começou a desenhar a organização, ver a estrutura que precisava. Foi ele que desenhou o que ainda hoje temos de melhor.

Para Agberto, com a cabeça de “exatas”, o engenheiro ia formulando tudo, e muito bem-feito, para os corredores, como no caso da segurança.

– O Vasco é o mentor desse bem-estar dos corredores, da segurança na parti-cipação e da segurança nos resultados. É um gênio desse negócio. Tudo aqui que é levado a sério se deve ao Vasco.

CAPÍTULO 33

Tem ideia que dá um trabalho...

Doro Jr., da ZDL, a assessoria de imprensa ligada a esportes, observa que Vasco “é sempre muito criativo” e, por isso, está sempre com novos formatos de provas, para motivar as pessoas, patrocinadores e tevês.

***

Até a São Silvestrinha, diz Júlio Deodoro, foi uma das “invenções” do Vasco, já em 1993.

– Os atletas menores de 16 anos eram um problema para a gente, porque precisavam de autorização do pai para correr a São Silvestre. Daí que fomos nós dois, os “doidos”, fazer uma corrida para menores no Ibirapuera. A primeira foi em 1994, no parque mesmo. Os pais saíam correndo junto com os fi lhos! Eram 500 e a gente quase morto! E ainda tínhamos de arrancar pai da pista no braço!

Só de lembrar, Júlio dá risada.

Nesse tempo todo de convivência, Júlio lembra apenas de uma “briga”com Vasco, que acabou não fazendo a São Silvestre de 1987, em cima da hora, em 23 de dezembro. Júlio fez. Para ele, “o Vasco é assim: quer, quer. Ele não engana. É um grande fdp, mas é um p. cara! Trocou o emprego certo pela possibilidadedo que é hoje. Vislumbrava a possibilidade, mas não tinha certeza. Só que dava conta de tudo”.

***

Um grande sucesso, inventado por Vasco, como lembra Doro Jr., foi a fórmula da maratona de revezamento, encampada pelo Pão de Açúcar.

– Foi ideia dele. Ele fi ca formatando eventos. Agora está empenhado na Super 40, na GP 30 (esta, com seis pessoas, cada uma correndo cinco quilômetros).

113

CORRENDO NA FRENTE

O modelo da corrida em revezamento surgiu ainda em 1993, para abrir partici-pação de mais pessoas na corrida para comemoração de 45 anos do Grupo Pão de Açúcar. A primeira foi no Parque do Ibirapuera com cerca de mil inscritos divididos em mais de 250 equipes. Hoje, além de São Paulo, que em setembro de 2010 chega à sua 18ª prova, a Maratona de Revezamento Pão de Açúcar tem edições em outras cidades brasileiras – Brasília, Rio de Janeiro e Fortaleza –, além de uma versão para crianças na pista do Ibirapuera, que começou em 2004, com apoio do triatleta João Paulo Diniz.

Doro resume:

– O Vasco participou e participa de todos os movimentos que envolvem corridas de rua no Brasil. Não digo só que é um inovador, mas um “inconformado”: tem a personalidade irrequieta, provocante. Não concorda com o óbvio – vai na contramão. É diferenciado.

CAPÍTULO 34

A volta para o mercado interno

Para o diretor da ZDL, Vasco “vive o processo 24 horas”, está sempre pensando em novidades.

– Agora, está apresentando a Maratona de São Paulo em dez Estados, com novas ideias.

A maratona (42 km195 m) mesmo tem cerca de quatro mil corredores. Há ins-crições para interessados nos 25 quilômetros, nos dez quilômetros.

– Mas o Vasco quer aumentar o número de maratonistas, para 15 mil. Ele quer trazer mais gente. Esse pessoal que poderia sair do Brasil atrás de outras mara-tonas. Quer que esse pessoal venha correr a Maratona de São Paulo. E teve mais ideias para isso. A caminhada de três quilômetros, por exemplo, foi incluída para 2010. Porque o Vasco está pensando na inscrição das mulheres dos maratonistas.

Doro diz que “o Vasco quer vender a Maratona de São Paulo” como parte do turismo de negócios e de famílias na cidade. Assim, corredores e familiares viriam para a cidade não apenas para a corrida, mas também para passear.

– A Maratona de São Paulo não é uma prova cheia de subidas, por exemplo. Pela altimetria, se vê que não varia mais que 30 metros, mesmo com a cidade estando a 750 metros de altitude. Esse é um atrativo. No plano de vendas dele, o Vasco já levantou os tempos dos últimos 30 anos de maratonas no Brasil e a Maratona de São Paulo tem a melhor média de tempo.

Doro diz que a ideia é “sensacional”:

114

– O interessado na corrida pode vir com a família na sexta-feira e ir embora na terça. Une esporte, lazer, compras e turismo para toda uma família de fora. É assim que ele quer consolidar a Maratona de São Paulo como produto. E isso irá fazer com que o número de maratonistas cresça – chegue aos 15 mil corredores da distância, do País e do Exterior.

Para Doro, esse é “um novo caminho do Vasco – o motivacional”.

CAPÍTULO 35

Brasileiro no comando

Roberto Gesta de Melo é presidente da Confederação Brasileira de Atletis-mo desde 1987. O dirigente diz que desde aquela época foi procurado por vários grupos de corridas de rua, que inclusive disputavam entre si pela supremacia da organização das provas.

– Considero todos e nenhum deve ser hostilizado. As corridas de rua são um segmento muito importante para o esporte, porque inclusive atraem patrocinado-res em grande quantidade, dão visibilidade ao atletismo em geral. Não é um mal para o sistema, pelo contrário. E o Vasco tramitava bem entre todos esses grupos. Tem capacidade técnica, e é conciliador, o que também é fundamental.

Se antes se considerava que o atletismo só existia como esporte em pista, as corridas de rua abriram possibilidades por todo o mundo, com mais visibilidade para patrocinadores de tevê e também atraindo corredores por suas premiações que passaram a ser muito mais interessantes – e mesmo milionárias.

– Houve tempos em que ainda se discutia se mulheres podiam ou deviam participar de provas de longa distância. A IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo) determinou então que fossem incluídas no progra-ma dos Jogos Olímpicos as provas de dez quilômetros para mulheres. Hoje, há inclusive um Comitê de Corridas de Rua na IAAF – do qual, aliás, sou presidente.

Para ele, houve um boom de corridas de rua principalmente por conta da AMS (Athletics Management & Services) mais a IAAF.

– Em 2008, houve mesmo a criação de classifi cações de corridas de rua pelo mundo em golder, silver e bronzer, com apoio das grandes maratonas como Nova York, Londres e Berlim. Está tudo integrado. As corridas de rua são parte do atletismo. Até pelo estatuto da IAAF, já eram contempladas provas de pista, de campo, marcha e corridas de rua. Recentemente, entrou também o de corridas de montanhas, um segmento específi co que está crescendo muito – e que conta com corredores fanáticos, tanto quanto os ultramaratonistas. Não, estes ainda não es-tão na IAAF, pelo estatuto.

115

CORRENDO NA FRENTE

***

Gesta lembra que Manoel Garcia Arroyo, o Vasco, conhecia “exatamente tudo da São Silvestre” e também participou dos três Mundiais que a CBAt realizou no Brasil: de 1989 (Mundial Feminino de Corridas de Rua, de 15 quilômetros, no Rio de Janeiro); de 1998 (Mundial de Maratona em Revezamento, em Manaus); e de 2008 (Mundial de Meia-Maratona, no Rio de Janeiro).

– O Vasco formou uma “escola” de corridas de rua. Ajudou no processo. Tanto na parte de equipamentos como na parte de treinamento de grupos de pessoas. Ele ganhou muita experiência e hoje posso dizer que o Brasil tem know-how enorme de corridas de rua. Não deve nada a ninguém.

***

Anos depois de “engavetada”, a Corpore – precursora e referência das corridas de rua em São Paulo – iria voltar com o advogado Octávio Aronis, que agora é vice-presidente de David Cytrynowicz. Octávio é o único do grupo pioneiro que sempre esteve ligado à entidade e deixa claro:

– Apesar da Corpore ter passado, com o tempo, de um tipo de clube de corredores, de um organismo de fomento à corrida, para se voltar também à organização de provas, a idéia inicial continua a mesma: promoção da atividade física como saúde.

116 117

CORRENDO NA FRENTE

PARTE III

E o Vasco inventa um novo Vasco

118

CAPÍTULO 36

A capacidade de ir para o lado

místico sem deixar a realidade

Rogério Amante, da turma “pau para toda obra” e agora também um profi ssio-nal na organização de corridas, observa o Vasco, é curioso, inovador, lógico, mas também entrou em uma fase espiritual, onde “aprendeu a ponderar mais”.

– Ele evoluiu como pessoa. Bastante. Foi uma mudança grande, interna.

Está mais espiritualizado – diz Rogério, que credita a Elisete, mulher dele, boa parte na história.

– O Vasco se orgulhava do “raciocínio lógico e linear”, vivia declarando isso. Aessência dele pode até ser a mesma, mas na forma ele mudou. E realmente admiro o Vasco pelo processo todo de evolução geral – físico, emocional, fi nanceiro.

***

Doro também conta que, com o tempo, Vasco foi se abrindo para outros tipos de conhecimento – “até foi para o meio da fl oresta fazer curso de xamã (3)”.

– Na verdade, ele sempre é aberto ao novo. Mas foi além daquele racionalismo todo. Ele também se permitiu liberar outras faces da personalidade dele. E vai e volta entre esses dois mundos, uma característica que me agrada muito. Ele vai para esse lado mais místico, mas na hora que tem de voltar para a realidade, para o trabalho, ele volta. Ele não fi ca por lá.

Essa facilidade de “trânsito” também nessa área, diz Doro, é uma virtude.

– O Vasco é uma personalidade! – diz Doro, para emendar, rápido, que “tambémnunca é unanimidade”.

– Acontece que ele é acima da média, o que faz a diferença. Ele marca a importância dele e talvez não tenha o reconhecimento que devia ter. Mas, para ele, mesmo, essa importância pública não interessa. Ele se basta. Tem a auto-estima em alta.

***

Para Rogério, de toda forma, esses anos de convivência foram um “aprendiza-do recíproco”:

– Com essa troca, também acredito que me favoreci, pelo lado de evolução pessoal e espiritual. Isso sem falar da parte profi ssional na minha vida, que é muito ligada ao Vasco. Até a opção de trabalhar com corrida de rua, em 1997, que foi meio sem querer, depois de passar por dar aulas, por natação, ginástica,dança, recreação.

Para Rogério, uma forma que Vasco encontrou de não “fi car louco” com tudo que faz é nunca se adiantar às coisas.

(3) Xamã: sacerdote ou sacerdotisa do xamanismo. 119

CORRENDO NA FRENTE

– Quando já está todo mundo correndo para a São Silvestre, ele não fala nada como está tudo. Diz que “ainda tem Pampulha, Gonzaguinha, Silvestrinha”, que “ainda é daqui a uma semana...”

***

Claro que sabe de tudo, mas não divide as informações.

– Ele não dá chance. Depois é que vai “dar treino” para a equipe, que vai traba-lhar. É aquela cabeça de coordenador geral. Até que agora divide mais as informa-ções com os coordenadores, os fi scais – aqueles com quem tem amizade. E com ele também não tem tempo ruim. Se precisar ir bater a enxada para tirar terra da pista, como fazia lá atrás nas Voltas Ciclísticas, vai fazer.

***

Doro Jr. estende essa capacidade de “concentrar” o pensamento em determi-nada coisa para só então pensar em outra para as necessárias férias anuais:

– Ele trabalha muito, “dia e noite”, mas de repente consegue quebrar essa rotina e se desligar de tudo, viajar. Parece que vai até um ponto e aí levanta uma barreira. É quando quebra o ritmo e vai descansar. Isso é muito importante, porque a atividade dele é muito exigente, de trabalhar horas seguidas, muitas vezes em pé, montando coisas – o que ele faz há mais de 30 anos.

***

Clóvis Capuzo, aquele que começou com as grades e hoje dirige uma empresa que aluga toda a infraestrutura para eventos, tem um bom exemplo de como Vasco tem facilidade em “quebrar” situações e retornar ao ponto em que estava. Foi há cerca de dez anos, em que todos estavam na correria total dos preparativos da São Silvestre...

– Era uma terça-feira, acho, lá por 28, 29 de dezembro. No meio daquele caos, ele me chamou e chamou a Tata (a Elisete) para a gente ir ali no cinema. E lá fui eu! E era um fi lme romântico! Eu me perguntava o que é que eu estava fazendo ali! Um absurdo!...

***

O rei das novidades

Vasco tem dessas. Mas um aspecto se destaca muito mais de sua personali-dade, pelos depoimentos: a capacidade de inventar, de bolar formatos novos de eventos, de tornar tudo mais atrativo.

– Foi ele quem inventou a maratona de revezamento, por exemplo, que hoje reúne 30 mil pessoas em São Paulo. Mas o formato já tem duas décadas e agora ele vem com outra novidade: a Super 40, que “veio para ser um diferencial”.

Rogério diz que, na Super 40, cada um dos três da equipe tem um número diferente e correndo a mesma distância de quatro quilômetros, com classifi cações

120

individuais separadas, além das coletivas. Vai ter controle de largada e de chegada de cada um. Na maratona de revezamento, esse controle é mais frouxo, cada um pode correr distâncias diferentes do outro.

– Então... São coisas simples e inteligentes.

***

Exemplo de ideia “boba” e efi ciente? Rogério Amante tem:

– Eu não enxergo de longe. A gente precisava ver os números dos corredores para controle. O Vasco botou todo mundo dividido por camisetas de cores contras-tantes, com números grandes, para os grupos de dois, de quatro e de oito. Aliás, sempre é legal que mais gente corra e ele fi ca bolando como fazer isso.

***

Para Doro Jr., que tem “anos de janela de Vasco”, para constatar essa capacida-de de ter ideias e bolar formatos atrativos para eventos, a defi nição é simples:

– Ele é esse inconformista controlado.

***

Ou, na defi nição de Rogério Amante:

– O Vasco até está mais calmo, vamos dizer. Mas nunca está tranquilo.

***

Pensando na tevê, Vasco achou mais um atrativo a ser explorado nas corridas, diz Rogério:

– Na maratona, o pelotão de elite das mulheres larga na frente. Daí, ele achou mais uma coisa para explorar. Se o homem chegar na frente da primeira colocada, leva um bônus. Vale o mesmo para ela, se chegar na frente do primeiro homem.

Vasco fez os cálculos em cima dos tempos femininos e masculinos, para dar a diferença de largada entre os pelotões, que possibilite essa “briga” da primeira mulher e do primeiro homem no fi m da prova.

– Isso é inteligência. Ele tem essas possibilidades de criar coisas, criar cases. É quase um sexto sentido.

***

Só não é sexto sentido total porque Vasco mesmo conta que fi ca pensando no que pode acontecer para estar preparado para tudo – desde uma enchente na Avenida Paulista até a queda de um helicóptero de tevê sobre o público. Isso não é “azaração”, mas “antecipação de problemas”.

Mas ainda assim há uma dose de sexto sentido, garante Rogério.

– Se por ali existe o potencial de um problema grande, ele está preparado. Mas, às vezes, sem mais, diz: “Vamos ali dar uma olhada”. E às vezes ia dar algum problema mesmo.

Rogério Amante acredita que o Vasco deve ter aquele “pavor de andar de avião – o que também já melhorou muito”, porque quer controlar tudo, mesmo que não possa ter controle sobre determinada situação.

121

CORRENDO NA FRENTE

***

Quando disse que era possível fazer o Mundial de Meia-Maratona com atletas de elite e Meia-Maratona do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo, foi convincente.

– Era largada da elite, depois de todo mundo, oito, dez mil pessoas, com clas-sifi cações diferentes... e deu certo – diz Rogério.

Mas Rogério lembra de outra vez em que Vasco não conseguiu evitar uma situação absurda:

– Vinha o vencedor da São Silvestre atrás da moto da TV Globo, que em deter-minada hora ia sair, para o atleta seguir para o pórtico da linha de chegada. Mas ele ia atrás da moto... que desviava, fazia sinal, mas não tinha jeito... O Vasco só vendo, desesperado. Saiu correndo, ali pela Paulista, gritando para mim. Eu tenta-va direcionar o cara, não adiantou. Aí, a moto teve de sair por fora das grades... e o atleta foi atrás! Aquelas grades de ferro altas e pesadas. Pois o segundo colocado vinha para a chegada, ia ganhar. Tanto que ganhou. Um segurança “armário” ainda abriu aquela grade no braço, o verdadeiro vencedor pulou aquela grade grudada embaixo, um perigo total!, e assim chegou em segundo. Ih!..., foi uma chiadeira só! No fi m, os dois tiveram de levar o prêmio de campeão...

***

Para Doro, esse é um ponto fundamental na personalidade de Vasco: raramen-te perde o controle.

– Mas é uma calma aparente... É porque ele prevê tudo. Por isso, quando está em uma situação-limite, tem um tempo de reação. Ainda assim, ele está sempre muito atento.

Doro cita a última Meia-Maratona do Rio de Janeiro, quando uma ambulância fi cou entalada no meio do público e o Vasco tinha a saída.

– Na São Silvestre, em todas as corridas, tem o pessoal que pula grades para aparecer na tevê... O “Zé Galinha”, o Barreto na largada e chegada, está todo mun-do lá, também sempre muito atento. Mas em uma Volta da Pampulha, o pessoal do Vasco chegou a tirar uma moça que caiu na frente da multidão da largada, puxando a moça pelo cabelo. Ela podia ter sido esmagada, pisoteada por aquele monte de gente, que aí nem vê nada e nem tem como parar.

É preciso ter ao menos um padrão de controle das provas, porque ali nas corri-das, com a multidão, tudo é “imponderável”, como diz o jornalista.

Mas Doro, de certa forma, concorda com Rogério. Para ele, na verdade “o Vas-co percebe o que pode acontecer e o que vai acontecer”.

– Uma vez, vi o Vasco, ele mesmo, segurar no peito um cara que pulou a grade na frente da largada.

***

Se o Vasco tem medos, guarda para ele mesmo, continua Doro, “e é uma capa-cidade diferenciada essa de guardar os medos”.

– É uma virtude das lideranças.

122

***

Doro Jr. lembra que, em 1984, teve uma conversa com Elisete, então da área de Marketing do Bradesco, quando os dois estavam em Porto Alegre pela Copa Bradesco, quando o tenista Luiz Mattar ganharia seu primeiro título profi ssional contra o gaúcho Eleutério “Chimpanza” Martins. Elisete, já casada com Vasco, só falava do marido.

– Eu não conhecia o Vasco, mas não podia acreditar que ele fosse tudo aquilo que ela dizia! Ela estava completamente apaixonada, mas depois vi que ele é mes-mo apaixonante. Busca o novo, incomoda, instiga, faz todo mundo pensar...

***

Vasco - observa Doro - nunca tem uma resposta “simples”, normal. Vem sem-pre com uma informação nova.

– Cria um grupo de profi ssionais no entorno dele. Acho que hoje devem ser uns 40, que vivem a partir do trabalho do Vasco. E cada vez se abrem mais negócios, mais trabalhos em áreas que nem existiam.

Doro é outro que lembra do exemplo de Silvério, marido da ex-atleta Esmeralda de Jesus, que foi chefe de segurança da São Silvestre e hoje tem uma empresa de segurança especializada em corridas.

– E o Clóvis Capuzo? É dono de uma empresa que começou com grades e virou um “canhão” no setor de infraestrutura de eventos. É uma das maiores do País nessa área de corridas.

***

Depois de tantos anos de amizade, Capuzo aproveita e diz, brincando:

– O Vasco é a prova real de que é possível a gente melhorar muito! Ele era intratável! Eu, imediatista. Dois cabeças-duras. Só que eu tinha o bom-senso de saber quem mandava, mesmo sabendo que, às vezes, ele não estava certo. Para mim, ainda não é fácil. Não permite que o outro opine, porque tem opinião formada sobre tudo. Mas do nada ele dá lições de vida em uma conversa de meia-hora. Às vezes, expondo um ponto de vista que é uma obviedade, mas a gente não está vendo. Ele tem essa capacidade de enxergar, uma clareza tão absurda...!

***

Segundo Capuzo, Vasco segue com “a facilidade de ser um paizão e depois rude de novo”.

– Mas virou outro, perto do que era. E, fora disso tudo, é uma pessoa dulcíssi-ma. Uma pessoa de muitas relações, mas, no fundo, reservada.

– Engraçado: o Vasco parece próximo e é distante. Ele se resguarda muito no convívio interpessoal. Mas os dois, o Vasco e a Elisete são muito festeiros, mas eles também conseguem se preservar. Faz uns quatro anos que viajam muito jun-tos, com a família, se divertem... Eu, que faço aniversário no começo de janeiro, em 2009 recebi os parabéns da Tata via celular, de Machu Picchu (4) ! Este ano, me ligaram da praia, de Canoa Quebrada!...

(4) Machu Picchu: cidade perdida dos Incas (Peru). 123

CORRENDO NA FRENTE

CAPÍTULO 37

A família

Elisete conta que o marido sempre foi muito exigente no compromisso com os atletas, nas questões técnicas e na organização. Por tudo isso, lembra da única vez que ele chorou:

– O Vasco organizou, junto com o Escriptório Central, uma maratona com che-gada na pista de atletismo do Conjunto Constancio Vaz Guimarães do Ibirapuera. Lá, foi montado um palco enorme para um show de MPB, várias bandas, apoio da Jovem Pan. Uma festa bonita para atletas e familiares. Comunhão do esporte com a cultura. Mas caiu uma tempestade em São Paulo naquele dia e o show foi can-celado. O Vasco fi cou inconformado. Poderia ter sido pior: No meio da maratona, um sujeito roubou um veiculo, entrou na contra-mão e foi em direção dos atletas. Perseguição da polícia. Cena de fi lme americano. Por pouco, não vira tragédia.

***

Dos 23 anos de Paloma, apenas em dois a garota não esteve na São Silvestre e não passou a virada de ano na Avenida Paulista. Mesmo caso do irmão, Pablo, que tem 21. Desde bebês, eram levados nos cestinhos para corrida paulistana, tradicio-nalmente disputada em 31 de dezembro. Era o jeito de a família passar a virada de ano reunida – porque o Vasco, pai, com certeza estava no meio da organização da prova, emendando para a festa.

As lembranças de Elisete resgatam o casamento com festa à fantasia – e o pacto de “renovação de contrato” a cada cinco anos, se for do agrado “das partes”. E lá se vão 25.

Dos bebês, debaixo das escadarias do prédio da Gazeta, na Paulista – quartel-general da São Silvestre, as cenas com as brincadeiras de criança também se passavam nas salas de hotéis onde estavam a organização de eventos, como do Meeting de Atletismo do Ibirapuera.

Ai, as cenas já são nos corredores do Hotel Hilton, no centro da cidade. Paloma, Pablo e os dos dois fi lhos de Serguei Bubka, o recordista mundial do salto com vara, viraram amigos – os quatro ainda sem nem falar direito, quanto mais portu-guês, russo ou ucraniano.

Paloma tinha quatro anos de idade quando Júlio Deodoro, da Gazeta Esportiva, olhou para os lados com um troféu na mão para entregar ao bicampeão da Corrida de São Silvestre (Arturo Barrios) e viu a garotinha. Ela mesma. Virou entregadoraofi cial de troféus, completando 20 anos de atuação no cerimonial de premiaçãodo evento. Depois, com o irmão Pablo, ensaiava segurar as faixas que os primeiros colocados atravessavam na chegada.

Pablo bem lembra a bronca quando o dedo “escapou” na buzina que tocaa largada da São Silvestrinha – antes da hora, claro!

124

Paloma sente falta de muitos corredores, como “o velhinho, senhor Gustav Bush, um exemplo de pessoa e de atleta, que sempre batiam cartão na São Silves-tre e desapareceram”. Ele mesmo morreu atropelado, treinando para a corrida.

Vivendo em meio a tudo isso, Pablo foi fazer curso de rádio e tevê; Paloma, formada em relações internacionais, segue com os cerimoniais de varias corridas.

E o pai? Fez falta, sim, nas muitas vezes em que estava viajando e não podia ir com as crianças em algum evento da escola. A mãe, também. Paloma diz que iam com a babá, motorista, mas entenderam desde cedo a situação. E trazem en-sinamentos, como observa Pablo, de “fazer o que se gosta e ser feliz”, e como cita Paloma, de “batalhar muito por algo que se quer, para ser feliz no futuro”.

Quando os quatro estão com o tempo livre, sempre procuram fazer as refeições juntos, diz Paloma, que destaca a disciplina ensinada pelo pai, ele mesmo pouco fi cando em casa, viajando muito – e caindo de sono entre as tardes de domingo, na volta de provas, e a segunda-feira, na verdade “o domingo” da família.

Para Pablo, há algum tempo o pai está buscando mais o lado espiritual, mas continua “bem reservado, na dele, falando só o essencial, sendo objetivo, sem se abrir sentimentalmente, jogando a raiva para fora e pronto, passou”! Mas, ao mesmo tempo, há gestos para com o fi lho de preparar lanchinhos, café da manhã, uma comida, por exemplo. Humm, boa parte, essa...

Vasco, o engenheiro químico que rasgou o currículo e que tem credenciais de todas as competições em que esteve envolvido nos últimos 30 anos, é o pai “sabe-tudo”, dizem os fi lhos. “Mas sabe mesmo”, garantem em coro. “E não enro-la.” Paloma não deixa por menos:

– É o pai mais inteligente do mundo!

É hora de ter mais o pai em casa?

Os três, novamente, em coro, não acreditam nisso. Diminuir o ritmo? “Se pa-rar, ele despenca”, diz Pablo. “Da época em que a gente era criança até agora, ele já puxou um pouco o breque”, conta Paloma.

Elisete não vê o marido fora do mundo das corridas de rua: “O Vasco não para, tem prazer no que faz. As pessoas querem ele. O Vasco, hoje, também é umproduto, uma grife”.

***