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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ECONÔMICA TRAB AL HO PRODUTIVO EM KARL MARX Novas e velhas q uestões  VERA AGUIAR COTRIM São Paulo 2009 

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA ECONMICA

    TRABALHO PRODUTIVO EM KARL MARX

    Novas e velhas questes

    VERA AGUIAR COTRIM

    So Paulo2009

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA ECONMICA

    TRABALHO PRODUTIVO EM KARL MARX

    Novas e velhas questes

    VERA AGUIAR COTRIM

    Dissertao de Mestrado apresentada aoDepartamento de Histria Econmica daFaculdade de Filosofia, Letras e CinciasHumanas da Universidade de So Paulo.

    Orientador: Prof. Dr. Jorge Lus da Silva Grespan

    So Paulo2009

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    Para o Lu.

    Tambm aos meus pais

    e aos pequenos Lia, Theo, Raul e Pedro.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo muito especialmente ao meu pai, Ivan, que no apenas sugeriu e demonstrou

    a importncia do tema, como discutiu os desenvolvimentos dessa pesquisa; e minha

    me, que leu, indicou e continuamente encorajou o trabalho. E conjuntamente a ambos,

    por terem apresentado o pensamento de Marx, oferecido uma perspectiva revolucionria

    de compreenso do mundo social que por outros meios no seria acessvel e, por fim,

    pelo empenho e dedicao minha formao geral e apoio prtico em todos os

    momentos.

    Pelo apoio alm de qualquer medida, agradeo v Clia, ao v Alozio e a Tim, que

    deram conta de tudo, no apenas durante a pesquisa, mas sempre.

    s minhas queridas v Maria, pelo otimismo, tia Zilda, pelo incentivo e minha

    priminha Helena.

    Ana e ao Dani, pela disposio cotidiana de ouvir e conversar, pelas contribuies

    tericas e pela reviso dos textos.

    Ao T, que, nesse tempo de amizade e estudos conjuntos, contribuiu terica e

    praticamente para essa pesquisa, alm de encoraj-la continuamente.

    Ao Srgio, pela amizade, pela sensibilidade aos estudos de Marx, pelos grupos de

    discusses, e pelo trabalho conjunto no Ncleo 2 do Teatro Coletivo.

    Goreti, por compartilhar essa posio frente s questes humanas e ser uma

    importante interlocutora.

    Iracema, pela amizade, interesse pelo trabalho e interlocuo.

    Ao Joo, pelo entusiasmo com os estudos sobre trabalho, pelo contato que proporcionou

    com movimentos sociais rurais e urbanos, pela amizade e interlocuo.

    Ao Du, pelas conversas e esclarecimentos sobre as formas atuais do trabalho produtivo

    na indstria automobilstica.

    Anete e ao Z Antnio, pelo raro acolhimento e apoio pessoal.

    Lia, ao Theo, ao Pedro e ao Raul, pela alegria e entusiasmo.

    Nalva, pelo carinho e apoio cotidianos.

    Ao Cores, por tornar o cotidiano mais vivo e garantir espao para a pesquisa.

    Ao Jorge, por sua constante disponibilidade para discutir as grandes questes, orientar a

    leitura dos textos de Marx, situ-los nos debates contemporneos e, assim, por teralado a pesquisa a uma maior elaborao.

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    Cida Rago e ao Lincoln Secco, por encorajarem o trabalho e proporem questes que,

    por sua real importncia, no apenas contriburam, mas reencaminharam a pesquisa.

    Ao Chasin, in memorian, por ter produzido uma anlise radical e original do

    pensamento de Marx, fundada na inescapvel necessidade revolucionria, da qual partiu

    meu estudo.

    E ao Lu, por discutir cada passo do trabalho e se colocar como interlocutor incansvel,

    por me levar a conhecer as oficinas domsticas de trabalho industrial, por ampliar meu

    tempo de estudo, resolvendo os problemas de outras ordens e tarefas cotidianas, e por

    todo apoio, incentivo e carinho.

    Esta pesquisa contou com o apoio da CAPES.

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    RESUMO

    Esta pesquisa examina a conceituao de Marx acerca do trabalho produtivo, tanto em

    suas determinaes gerais, quanto como categoria econmica particular do modo de

    produo capitalista. Tem por objetivo, em primeiro lugar, explicitar o critrio distintivo

    do trabalho produtivo com relao ao trabalho improdutivo na forma de sociabilidade

    capitalista, analisando a relao que ambas as categorias estabelecem com o capital

    social, bem como entre si. Com isso, pretende-se explicitar os fundamentos da unidade

    da classe trabalhadora e a base de sua oposio ao capital. Em segundo lugar, temos

    como finalidade expor as transformaes concretas que o trabalho experimenta aps a

    subsuno ao capital, em sua relao com a categoria de trabalho produtivo. Assim,

    abordamos o trabalho complexo e o trabalho imaterial como formas do trabalho

    produtivo para o capital, em sua conexo com o desenvolvimento da produtividade do

    trabalho social.

    Palavras-chave: trabalho produtivo; trabalho improdutivo; trabalho complexo; trabalho

    imaterial; capital produtivo e improdutivo; produtividade do trabalho

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    ABSTRACT

    This research examines Marx conception of productive labour concerning both its

    general determination and its existence as a particular economic category of capitalist

    mode of production. Firstly, it is aimed at eliciting the distinctive criteria of productive

    labour with regard to unproductive labour in capitalist form of sociability and analyzing

    the relationship that both categories establish with social capital, as well as to one

    another. On that basis, it is intended to show the chief principles of working class unity

    and its opposition to capital. Secondly, it is aimed at presenting concrete labour

    transformations after its subsumption to capital in respect to the category of productive

    labour. Thus, complex and immaterial labours as forms of labour productive to capital

    are approached in their connection to the development of productivity of social labour.

    Key-words: productive labour; unproductive labour; complex labour; immaterial

    labour; productive and unproductive capital; labour productivity

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    NDICE

    APRESENTAO ........................................................................................................ 02

    ABREVIAES DAS OBRAS DE K. MARX ............................................................ 06

    CAPTULO I - A DEFINIO MARXIANA DE TRABALHO PRODUTIVO ........ 07

    1. O trabalho em geral produtivo ........................................................................ 09

    2. A categoria econmica de trabalho produtivo ................................................ 16

    3. As determinaes concretas do trabalho produtivo .......................................... 34

    4. O trabalho improdutivo ................................................................................... 44

    CAPTULO II CAPITAL PRODUTIVO E CAPITAL IMPRODUTIVO ................ 60

    1. O capital produtivo ......................................................................................... 63

    2. O capital mercantil ou capital socialmente improdutivo ................................ 84

    3. O trabalho improdutivo como forma assalariada necessria reproduo de

    capital ........................................................................................................... 109

    CAPTULO III TRABALHO IMATERIAL E COMPLEXIFICAO

    SOCIAL DO TRABALHO ............................................................. 132

    1. A definio acessria de trabalho produtivo: trabalho material e imaterial .... 132

    2. Trabalho simples e trabalho complexo ............................................................ 144

    3. O trabalho como categoria social em si mesma complexa:

    conhecimento e sociabilidade .......................................................................... 154

    4. O processo de complexificao do trabalho produtivo social

    sob a forma do capital ...................................................................................... 164

    CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 203

    BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 209

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    APRESENTAO

    A atual configurao do trabalho social caracteriza-se por sua imensa

    diversidade, tanto de atividades concretas, quanto das formas jurdicas que o

    regulamentam. Em sua apresentao cotidiana, o trabalho trabalho do comrcio, dos

    bancos, trabalho fabril, domiciliar, prestao de servios pessoais, domsticos, trabalho

    de escritrio, trabalho intelectual, artstico, servios de transportes, de comunicao ou

    mdia, de educao, de sade, pesquisa, funcionalismo pblico, trabalho rural, trabalho

    artesanal. O trabalho tambm trabalho registrado, informal, autnomo, por tempo, por

    empreitada, por pea, por conta, temporrio. O trabalhador pessoa fsica assalariada,

    que vende sua fora de trabalho, ou pessoa jurdica, que sob as mais diversas

    regulamentaes vende o produto de seu trabalho, seja servio ou mercadoria. Alm

    disso, a magnitude dos salrios ou pagamentos pelo trabalho, parte sua legitimao

    jurdica, apresenta uma variedade cada vez maior. O trabalho no manifesta, pois,

    imediatamente sua unidade de classe, o carter comum a todas as atividades efetivadas

    pelos indivduos sociais no-proprietrios, e que servem igualmente como forma

    exclusiva de acesso aos meios de vida para o trabalhador.

    No perodo em que Marx desvendou as relaes capitalistas de produo, a

    classe trabalhadora se apresentava de modo imediato como tal, e se identificava em

    conjunto com o trabalho operrio. As outras funes do trabalho apareciam como o que

    de fato eram: secundrias, ou menos significativas da classe, independente das

    propores em que as diversas atividades perfaziam na dinmica social. O significado

    central da classe trabalhadora sua condio de herdeira da histria, ou seja, sua

    potencialidade concretamente determinada para revolucionar as relaes de produo e

    engendrar um novo patamar histrico da reproduo social. O trabalho operrio, como

    produto do desenvolvimento ltimo da produtividade social, poca de Marx, consiste

    e se mostra como forma concreta de oposio ao fundamento do modo de produo

    capitalista, qual seja, a propriedade privada dos meios de produo da vida social.

    Hoje, contudo, a produo social que tem no trabalho operrio direto mquina

    sua forma concreta mais desenvolvida explicita-se como a primeira configurao do

    modo de produo plenamente capitalista. O prprio capital experimentou

    desenvolvimentos subseqentes que resultaram em diversas transformaes nas formasconcretas do trabalho e conduziram a uma diversificao das funes levadas a cabo

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    pelo trabalho social. Assim, nenhuma dessas funes se apresenta na imediaticidade

    como primordialmente significativa da classe trabalhadora. Alm da pluralidade de

    atividades, o desenvolvimento capitalista engendrou ainda a diversificao das formas

    jurdicas que regulamentam a relao entre capital e trabalho. Estabeleceram-se

    regulamentaes para o trabalho em que este se subordina a formas jurdicas mais

    prximas da regulamentao legal do capital, o que se expressa na transformao de

    parte dos trabalhadores em pessoa jurdica. Dessa maneira, a classe trabalhadora

    experimenta ainda a perda de sua delimitao jurdica.

    Por conseguinte, assim como essas transformaes histricas tornam imperioso

    o estudo das configuraes atuais do trabalho para a compreenso da produo social e

    da forma nova que a potencialidade revolucionria da classe trabalhadora assume,

    explicitam a insuficincia de uma anlise fundamentada nas formas jurdicas da relao

    entre trabalho e capital. A investigao deve visar s prprias relaes sociais de

    produo, a oposio real entre trabalho e capital. A mais profunda e abrangente

    compreenso desta relao encontra-se na obra de Marx, que tem na explicitao da

    possibilidade revolucionria da classe trabalhadora seu fundamento e norte. Esta

    pesquisa tem por objeto a anlise de Marx acerca do trabalho produtivo.

    O trabalho produtivo definido por Marx, em anlise que abstrai a histria

    concreta, como trabalho que produz (portanto, como todo o trabalho do ponto de vista

    de seu resultado), e em exame especfico da forma de sociabilidade do capital, como

    trabalho produtivo para o capital. Consiste, pois, em tema privilegiado para a

    explicitao das relaes capitalistas de produo, que embasam a compreenso das

    inmeras atividades que tm em comum o fato de integrarem o trabalho social.

    A anlise do trabalho produtivo que Marx empreende alcana os fundamentos

    das relaes sociais e desvenda a forma histrica capitalista destas relaes em seus

    nexos essenciais. O trabalho produtivo para o capital examinado em suas

    determinaes distintivas como crtica radical a essa forma social do trabalho, isto ,

    como discernimento da potencialidade revolucionria da classe trabalhadora. A crtica

    econmica de Marx, ao desvelar as determinaes centrais de um modo de produo,

    base necessria de que deve partir o exame das transformaes que o desenvolvimento

    das foras produtivas imps ao trabalho produtivo em nossos dias. Este ponto de partida

    se impe com maior veemncia quando se observa, nas palavras de I. I. Rubin1, que

    1A teoria marxista do valor, p. 277, cf. bibliografia.

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    Infelizmente, nenhuma parte da ampla literatura crtica sobre Marx est to cheia de

    desacordos e confuso conceitual como a relativa a esta questo, tanto entre marxistas,

    como entre estes e seus adversrios. Uma das razes dessa confuso a idia obscura

    que se tem das prprias concepes de Marx acerca do trabalho produtivo. Assim, esta

    pesquisa pretende contribuir para o estudo das atuais configuraes do trabalho trazendo

    tona as formulaes marxianas a respeito do trabalho produtivo em sua acepo geral,

    das categorias de trabalho produtivo e improdutivo no modo de produo do capital,

    bem como das determinaes do trabalho complexo e do trabalho imaterial.

    No interior do modo de produo capitalista, a determinao do trabalho como

    produtivo e improdutivo e a forma especfica da mediao que se estabelece entre estas

    categorias do trabalho so aspectos fundamentais que permeiam a compreenso da

    produo social sob a diviso capitalista em classes e, portanto, das determinaes

    centrais das classes. Por outro lado, o exame do desenvolvimento histrico do trabalho

    produtivo para o capital lana luz sobre a relao que as diversas formas concretas

    particulares do trabalho individual e coletivo, material e imaterial, simples e complexo

    estabelecem com as categorias de trabalho produtivo e improdutivo e, por

    conseguinte, com a forma social capitalista da produo.

    Pretende-se examinar, em primeiro lugar, algumas das antigas questes

    presentes no debate marxista sobre o tema, das quais se destacam a delimitao das

    atividades capazes de incorporar valor ao produto, ou, em outras palavras, a

    discriminao do produto do trabalho humano passvel de assumir a forma de capital, e

    o papel do trabalho improdutivo na produo capitalista. Em segundo lugar, algumas

    das novas questes que a expanso produtiva e as conseqentes transformaes no

    trabalho assalariado impem anlise do trabalho produtivo. Entre elas, a subsuno da

    cincia, e do trabalho intelectual em geral, ao capital, e alguns aspectos relativos ao

    lugar que trabalho complexo ocupa na produo capitalista atual.

    Dividimos o texto em trs captulos. O primeiro expe as determinaes gerais

    das categorias de trabalho produtivo e trabalho improdutivo, e tem a funo de

    circunscrever a pesquisa concepo marxiana.

    No segundo captulo, examinaremos as diferentes formas como o trabalho

    produtivo e o trabalho improdutivo se relacionam com o capital social. Marx o

    primeiro a distinguir entre essas categorias do trabalho no interior das relaes

    capitalistas de produo, isto , do trabalho diretamente assalariado pelo capital. Este sedesdobra em capital produtivo e capital improdutivo por referncia categoria de

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    trabalho que empregam. A anlise destas duas formas do capital serve explorao do

    conjunto de mediaes sociais que intervm na relao entre as formas produtiva e

    improdutiva do trabalho. Alm disso, a exposio dos nexos que perfazem essa relao

    explicita as determinaes centrais da classe trabalhadora.

    No ltimo captulo, lanamos mo da abordagem histrica do trabalho

    produtivo, com o objetivo de analisar o modo como o desenvolvimento histrico da

    forma capitalista das relaes sociais engendra transformaes no carter concreto do

    trabalho produtivo. O eixo que coordena esta abordagem o processo de

    complexificao social da produo, ou aumento progressivo da produtividade do

    trabalho, em sua conexo com as formas que a atividade individual do trabalho assume

    em cada grande fase do desenvolvimento capitalista. Pretendemos expor a progressiva

    subsuno ao capital das diversas atividades produtivas que compem a produo social

    anterior, bem como as formas de trabalho engendradas pelo desenvolvimento do modo

    de produo capitalista, ou seja, impulsionadas pelas prprias relaes sociais do

    capital. Estas formas do trabalho so examinadas sob seu aspecto concreto em seu

    vnculo orgnico com a diviso social do trabalho. Com isso, objetivamos analisar a

    interconexo entre o aprimoramento produtivo concreto e a expanso da forma de

    sociabilidade do capital, destacando as contradies que este desenvolvimento

    socialmente definido envolve.

    Essa pesquisa tem, portanto, a finalidade de examinar a conceituao marxiana

    de trabalho produtivo nestes diversos aspectos e, com isso, reunir elementos que

    contribuam para fundamentar a investigao da forma particular que o trabalho e a

    classe trabalhadora assumem nos dias atuais.

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    ABREVIAES DAS OBRAS DE K. MARX

    O Capital Livro I: C,I

    O Capital Livro II: C,II

    O Capital Livro III: C,III

    Teorias da mais-valia volume I: TMV,I

    O Capital captulo VI (indito): Cap. In.

    Introduo Crtica da Economia Poltica:ICEP

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    CAPTULO I - A DEFINIO MARXIANA DE TRABALHO PRODUTIVO

    O primeiro captulo desta pesquisa tem como objetivo expor a conceituao da

    categoria de trabalho produtivo em Marx, em sua determinao positiva. Como temas

    desta primeira parte, abordaremos o trabalho produtivo em geral, a categoria econmica

    de trabalho produtivo para o capital, o trabalho improdutivo e o servio, este ltimo

    com relao determinao do trabalho como produtivo e improdutivo.

    Partimos da delimitao histrica que Marx estabelece ao conceituar o trabalho

    como produtivo ou improdutivo. Trabalho produtivo , em Marx, uma categoria que,

    assim como as outras categorias econmicas que analisa, s pode ser definida com

    referncia ao modo de produo social especfico sob o qual se efetiva. As categorias

    econmicas no so e no podem ser tratadas como exterioridades empricas ou dados

    da objetividade imediata, mas expressam formas objetivas das relaes sociais que

    determinam a produo da vida material e, portanto, so sempre histricas ou datadas.

    Essa delimitao original de Marx, e no concerne apenas ao trabalho produtivo:

    desde Trabalho assalariado e capital, de 1847, todas as categorias econmicas so

    tratadas como relaes histricas (lembrar a conhecida passagem em que Marx

    compara a determinao do indivduo social como escravo e da riqueza como capital) e,

    mesmo antes, nos Manuscritos econmicos filosficos, de 1844, o trabalho alienado

    examinado como uma forma social histrica das relaes de produo.

    Ao apontar o problema da anlise levada a cabo pela economia poltica

    burguesa, Marx circunscreve historicamente a categoria econmica de trabalho

    produtivo que pretende analisar:

    S o tacanho esprito burgus, que considera absolutas e portanto formas naturaiseternas as formas capitalistas de produo, pode confundir estas duas perguntas que trabalho produtivodo ponto de vista do capital, e que trabalho em geralprodutivo ou produtivo em geral e assim ter-se na conta de muito sbio, aoresponder que todo trabalho que produza alguma coisa, um resultado qualquer, porisso mesmo, trabalho produtivo (TMV,I, p. 338).

    O tacanho esprito burgus, que a obra da economia poltica burguesa deixa entrever,

    no distingue, de acordo com Marx, entre o trabalho produtivo em geral ou em geral

    produtivo, por um lado, e o trabalho produtivo do ponto de vista do capital, por outro.

    Essa confuso advm do fato de que considera absolutas e portanto formas naturais

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    eternas as formas capitalistas de produo. Apreende, dessa maneira, as determinaes

    do trabalho produtivo especficas das formas capitalistas de produo e estende essas

    determinaes conceituao geral ou abstrata do trabalho produtivo, uma vez que

    desconhece outras formas de produo como diferentes na essncia. Como no

    reconhece outros modos de produo que sejam determinantes do trabalho produtivo,

    apenas o ponto de vista do capital pode defini-lo e, assim, por ser nico, apresenta-se

    como geral. Interessa examinar a distino que Marx estabelece entre o trabalho em

    geral produtivo e o trabalho produtivo para o capital, fazendo do trabalho produtivo sob

    o modo de produo capitalista um caso especfico, socialmente determinado, do

    trabalho produtivo em geral, que independe das determinaes histrico-sociais

    particulares. Essa demarcao proposta por Marx original. O foco de sua ateno a

    esse respeito recai sobre o trabalho produtivo no interior do modo de produo

    capitalista ou do ponto de vista do capital, uma vez que o objetivo amplo de sua obra

    econmica desvendar a forma capitalista de organizao social da produo com vista

    sua superao. Com efeito, a partir desse ponto de vista que a categoria de trabalho

    produtivo estabelecida.

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    1. O trabalho em geral produtivo

    Embora tenha como propsito central examinar o trabalho produtivo no interior

    do modo de produo do capital, Marx no deixa de definir o trabalho produtivo em

    geral e referi-lo em certos momentos. Estas passagens concernem invariavelmente

    elucidao de algum aspecto do processo de trabalho em geral, isto , da relao do

    homem com a natureza, sem considerao forma social s relaes de produo

    especficas que medeiam sua efetivao. Toma por ponto de partida a anlise do

    processo de trabalho, que fundamenta igualmente todas as formas de sociabilidade,

    como uma atividade humana especfica voltada a um fim determinado:

    Antes de tudo, o trabalho um processo em que participam o homem e a natureza,processo em que o ser humano, com sua prpria ao, impulsiona, controla e regulaseu intercmbio material com a natureza. (...) No fim do processo de trabalho,aparece um resultado que j existia antes idealmente na imaginao do trabalhador(C,I, pp. 211-2).

    Do ponto de vista daquele que trabalha, o trabalho uma atividade consciente que recai

    sobre um objeto. O resultado desta atividade, posto que planejado, seu produto. Se a

    atividade no se realiza sobre um objeto, mas apenas na imaginao, no h produto; se,

    por outro lado, a atividade no consciente, ou seu resultado no existe previamente na

    imaginao de seu agente, ento no produto do trabalho. Alm de ser a finalidade da

    atividade, o produto do trabalho sua objetivao, concretiza-se em um objeto exterior

    alterando a sua forma:

    No processo de trabalho, a atividade do homem opera uma transformao,

    subordinada a um determinado fim, no objeto sobre que atua por meio doinstrumental de trabalho. O processo extingue-se ao concluir-se o produto. Oproduto um valor-de-uso, um material da natureza adaptado s necessidadeshumanas atravs da mudana de forma. O trabalho est incorporado ao objetosobre que atuou. Concretizou-se, e a matria est trabalhada. O que se manifestavaem movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma deser, do lado do produto. Ele teceu, e o produto um tecido (C,I, pp. 214-5).

    Do mesmo modo que a expresso processo de trabalho utilizada por Marx

    quando pretende destacar o aspecto ativo do trabalho, ou focar a atividade, a expresso

    trabalho produtivo em sua dimenso geral empregada quando a nfase deve recairsobre o produto do trabalho, ou nas palavras de Marx, Observando-se todo o processo

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    do ponto de vista do resultado, do produto, evidencia-se que (...) o trabalho trabalho

    produtivo (C, I, p. 215, grifo nosso). Neste ponto, Marx insere uma nota ressaltando

    que Essa conceituao de trabalho produtivo, derivada apenas do processo de trabalho,

    no de modo algum adequada ao processo de produo capitalista (C,I, p. 215, nota

    7). Patenteia-se, pois, que o termo produtivotem a funo de explicitar um predicado

    inalienvel do trabalho em geral, ou seja, do processo de trabalho em sua dimenso

    comum a todas as formas de sociabilidade, que consiste na necessidade de resultar em

    um produto ou objetivar-se de alguma forma. O termo produtivo utilizado para o

    trabalho em geral no , portanto, uma caracterizao restritiva do trabalho, com a

    finalidade de delimitar o trabalho produtivo em relao ao no produtivo, mas, ao

    contrrio, cumpre a funo de destacar a objetivao como uma determinao

    inalienvel da atividade: todo trabalho, para s-lo, precisa exteriorizar-se e, portanto, ter

    um produto. Nesse sentido geral todo trabalho produtivo e, assim, no existe

    trabalho improdutivo, uma vez que aquilo que no se converte em ao objetiva ou

    atividade sensvel, que no se faz objeto externo, no trabalho. O termo designa

    apenas uma caracterstica intrnseca ao trabalho. Por conseguinte, no h, em Marx,

    uma categoria de trabalho produtivo em geral, na medida em que trabalho produtivo no

    uma categoria diversa da categoria trabalho, se tomarmos ambas em sua dimenso

    abstrata.

    O trabalho produtivo em sua dimenso genrica expressa a produo humana em

    termos abstratos, e por essa razo pressuposto da anlise da forma de sociabilidade

    especfica do capital. A produo em geral uma abstrao, mas uma abstrao

    razovel, na medida em que, efetivamente sublinhando e precisando os traos comuns,

    poupa-nos a repetio (ICEP, p. 110). til apontar brevemente quais so estes traos

    comuns a toda produo humana, a fim de delimitar os elementos que constituem o

    trabalho produtivo em geral. Em primeiro lugar, produo atividade prtica

    consciente, e portanto implica um sujeito e um objeto que so, respectivamente, em

    termos os mais gerais, o homem e a natureza. Esse fato o primeiro que confere

    unidade histria humana:

    As determinaes que valem para a produo em geral devem ser precisamenteseparadas, a fim de que no se esquea a diferena essencial por causa da unidade,a qual decorre j do fato de que o sujeito a humanidade e o objeto a natureza

    so os mesmos (ICEP, p. 111).

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    Essa no a nica caracterstica comum ao trabalho em geral, pois o sujeito da

    produo, na medida em que produz, compreende ainda outras determinaes

    essenciais. A produo necessariamente social, isto , implica um coletivo de

    indivduos e no pode ser desenvolvida por um indivduo isolado. Esta necessidade

    advm do carter consciente do trabalho, como atividade que se distingue por no ser

    imediatamente determinada pela natureza, seja do homem ou externa. A produo do

    indivduo isolado fora da sociedade (...) uma coisa to absurda como o

    desenvolvimento da linguagem sem indivduos que vivam juntos e falem entre si

    (ICEP, p. 110).

    O carter consciente ou social do trabalho predica-se da finalidade geral de toda

    de produo, qual seja, criar um valor-de-uso, um material da natureza adaptado s

    necessidades humanas. Por isso, a necessidade, critrio da atividade produtiva,

    precede, como fator subjetivo, a produo: No fim do processo de trabalho, aparece um

    resultado que j existia antes idealmente na imaginao do trabalhador. A produo

    meio de satisfao de necessidades que se realiza efetivamente com o consumo

    individual: consumir satisfazer necessidades por intermdio de um objeto externo.

    Contudo, Marx ressalta que o consumo no se separa da produo, mas ao contrrio, A

    produo imediatamente consumo (ICEP, p. 114), e isso em trs aspectos. Em

    primeiro lugar, a produo envolve o consumo subjetivo das foras vitais do indivduo

    que produz: o indivduo, que ao produzir desenvolve suas faculdades, tambm as gasta,

    as consome, no ato da produo, exatamente como a reproduo natural um consumo

    de foras vitais (ICEP, p. 114). Em segundo lugar, a atividade da produo consumo

    objetivo de meios de produo, instrumentos e objetos de trabalho necessrios para criar

    o produto. Destes, parte se incorpora e passa a formar o produto, parte se dissolve

    novamente na natureza, como ocorre, no exemplo de Marx, com a combusto. O

    consumo dos meios de produo denomina-se consumo produtivo: A produo,

    enquanto imediatamente idntica ao consumo, o consumo, enquanto coincide

    imediatamente com a produo, chamam de consumo produtivo (ICEP, p. 115). No

    obstante, para alm do consumo da energia e faculdades subjetivas e do consumo

    produtivo, Marx demonstra que o consumo propriamente dito, isto , o consumo

    individual do produto objetivo, tambm imediatamente produo. Isso caracteriza o

    trabalho produtivo como meio de satisfao de necessidades humanas, ou ainda, a

    produo objetiva como forma da produo do sujeito. Todo consumo ao mesmotempo produo do indivduo que consome: claro que, por exemplo, na alimentao,

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    uma forma de consumo, o homem produz seu prprio corpo; mas isto igualmente

    vlido para qualquer outro tipo de consumo, que, de um modo ou de outro, produz o

    homem (ICEP, p. 115). Ao consumir, o indivduo molda sua natureza subjetiva.

    Embora coincidam de modo imediato, produo e consumo no so idnticos, pois

    opera-se um movimento mediador entre ambos (ICEP, p. 115): a produo

    mediao do consumo na medida em que cria seu objeto, e o consumo mediador da

    produo na medida em que cria, para o produto, o sujeito, sem o qual deixa de ser

    produto, tornando-se meramente um dado imediato.

    O consumo mediador da produo em dois sentidos. Em primeiro lugar,

    consiste no momento final da produo, no fator que completa a existncia do objeto

    enquanto produto:

    (...) por exemplo, um vestido converte-se efetivamente em vestido quando usado;uma casa desabitada no , de fato, uma casa efetiva; por isso mesmo o produto,diversamente do simples objeto natural, no se confirma como produto, no setornaproduto, seno no consumo (ICEP, p. 115).

    Alm disso, o consumo produz novas necessidades, que so o impulso e a finalidade da

    nova produo. Cria, portanto, o momento ideal da produo, pressuposto da atividade

    prtica.A produo, por outro lado, cria o consumo no apenas porque gera seu objeto,

    mas porque gera a forma determinada do consumo por meio deste objeto:

    A fome fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, que se come comfaca ou garfo, uma fome muito distinta da que devora carne crua com unhas edentes. A produo no produz, pois unicamente o objeto do consumo, mastambm o modo do consumo, ou seja, no s objetiva, mas subjetivamente. Logo, aproduo cria o consumidor (ICEP, p. 116).

    A produo cria o objeto e, com ele, a forma do consumo. Ademais, desenvolve as

    necessidades mediante o consumo determinado do objeto, isto , cria novas carncias a

    partir da existncia do objeto, para o objeto. Marx exemplifica com a produo artstica:

    Quando o consumo se liberta da sua rudeza primitiva e perde seu carter imediato(...), o prprio consumo, enquanto impulso, mediado pelo objeto. A necessidadeque se sente deste objeto criada pela percepo do mesmo. O objeto de arte, talcomo qualquer outro produto, cria um pblico capaz de compreender a arte e

    apreciar a beleza. Portanto, a produo no cria apenas um objeto para o sujeito,mas um sujeito para o objeto (ICEP, p. 116).

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    Desse modo, a determinao geral da produo segundo a qual o homem

    transforma a natureza moldando o objeto natural, com a finalidade de adequ-lo s

    necessidades humanas, significa no apenas a transformao objetiva, mas tambm

    subjetiva. Transformar a natureza exterior consiste ao mesmo tempo em moldar a

    natureza humana. A produo, como movimento contnuo de transformao da natureza

    objetiva e subjetiva se d por intermdio da acumulao do trabalho passado, ponto de

    partida de toda produo. Assim, cada nova gerao de indivduos sociais no inicia

    novamente a produo com base na natureza imediata. A natureza que encontra, tanto a

    externa quanto a subjetiva, j incorporou os resultados da produo anterior, e por

    conseguinte o produto pregresso o fundamento da nova produo. Isto define o carter

    histrico da produo humana: o desenvolvimento produtivo se d a partir do acmulo

    do trabalho passado, incorporado nos meios objetivos e subjetivos de produo, ainda

    que estes sejam apenas, em princpio, experincias determinadas incorporadas como

    tcnica na subjetividade dos indivduos produtores: No h produo possvel sem

    trabalho passado, acumulado; seja esse trabalho a habilidade que o exerccio repetido

    desenvolveu e fixou na mo do selvagem (ICEP, p. 111). Assim, a histria da

    produo o movimento de qualificao ou complexificao do trabalho produtivo: a

    atividade dos indivduos em determinado momento histrico em primeiro lugar

    objetivao do trabalho passado do conjunto dos indivduos sociais, reproduo do

    produto de desenvolvimento humano anterior2.

    A produo cria o mundo objetivo social a partir da apropriao, sempre social,

    dos resultados anteriores do trabalho. Este carter histrico da produo exige que seja

    realizada por meio de relaes sociais de produo e de distribuio, isto , de

    determinada forma da organizao social dos indivduos. Por isso, os fatores expostos

    como elementos gerais da produo, nos quais se inclui a atividade humana, ou trabalho

    produtivo em geral, so necessariamente abstratos quando separados das relaes

    sociais dos indivduos: Quando se trata, pois de produo, trata-se da produo em

    grau determinado do desenvolvimento social, da produo dos indivduos sociais

    (ICEP, p. 110).

    Marx se refere em diversas passagens ao trabalho produtivo nesse sentido

    genrico, e no h dificuldade para distingui-las dos momentos em que trabalho

    2Abordaremos a determinao marxiana de trabalho complexo no terceiro captulo desta pesquisa.

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    produtivo diz respeito categoria econmica circunscrita ao modo de produo

    capitalista. Quando a expresso utilizada com referncia ao trabalho especfico que

    produz valores de uso determinados, refere-se ao processo de trabalho em sentido geral

    e portanto significa trabalho que se objetiva ou que resulta em um produto particular.

    o que ocorre na passagem abaixo:

    O trabalho do fiandeiro, como processo de produzir valor-de-uso, especificamente distinto dos outros trabalhos produtivos, e a diversidade sepatenteia, subjetiva e objetivamente, na finalidade exclusiva de fiar, no modoespecial de operar, na natureza particular dos meios de produo, no valor-de-usoespecfico de seu produto (C,I, p. 222, grifo nosso).

    Como, por um lado, a referncia produo em geral, sem considerao pela

    forma de sociabilidade em que ocorre, sempre uma abstrao, e por outro, Marx

    pretende desvendar as relaes capitalistas de produo, h passagens em que o nosso

    autor destaca a dimenso abstrata da produo ao abordar o trabalho produtivo no

    interior do modo de produo do capital. No contexto da anlise de aspectos

    econmicos da forma social do capital, as passagens que qualificam como produtivoo

    trabalho concreto, isto , produtor de valor de uso especfico por meio de atividade

    determinada, referem-se tambm sua acepo geral, como se percebe nos exemplos

    seguintes: Se o trabalho produtivoespecfico do trabalhador no for o de fiar, no

    transformar ele o algodo em fio, no transferir, portanto, os valores do algodo e do

    fuso ao fio (C, I, p. 236, grifo nosso); ou ainda Quando o trabalho produtivo

    transforma os meios de produo em elementos constitutivos de um novo produto,

    ocorre uma transmigrao com o valor deles (C,I, p. 242, grifo nosso). Em ambas as

    passagens, Marx examina o modo como o valor dos meios de produo so transferidos

    ao produto pelo trabalho concreto e, portanto, seu interesse a explicitao de um

    aspecto do valor, elemento particular do modo de produo capitalista. Ainda assim,

    como aborda o trabalho concreto ou processo de trabalho que gera valor de uso,

    trabalho produtivoest sendo empregado em seu sentido geral.

    Ao analisar as sociedades pr-capitalistas, Marx tambm utiliza o termo

    produtivo para designar o trabalho material, ou realizado pela classe que produz

    (valores de uso), como modo de distinguir as atividades da classe produtora e da classe

    dominante. Nesses casos, trata-se do trabalho produtivo em geral, pois Marx abstrai das

    relaes sociais de produo e destaca o atributo do trabalho de gerar valores de uso.

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    H ainda outro importante contexto em que trabalho produtivo utilizado com

    referncia ao processo de trabalho, isto , em sua acepo geral. A produtividade do

    trabalho, que designa a relao entre a quantidade de valores de uso e a quantidade de

    tempo de trabalho necessria para sua produo, tem como referncia o processo de

    trabalho, uma vez que a produtividade diz respeito atividade especfica, que utiliza

    meios de trabalho particulares, com a finalidade de produzir valores de uso

    determinados. Por isso, as mudanas na produtividade do trabalho so sempre

    condicionadas por elementos concretos da produo:

    A produtividade do trabalho determinada pelas mais diversas circunstncias,dentre elas a destreza mdia dos trabalhadores, o grau de desenvolvimento dascincias e sua aplicao tecnolgica, a organizao social do processo de produo,o volume e a eficcia dos meios de produo e as condies naturais (C,I, p. 62).

    A produtividade sempre se refere, por essa razo, a um tipo de trabalho especfico e se

    comporta de modo relativamente independente com relao s outras espcies de

    trabalho. Assim, produtividade do trabalho, bem como o termo produtivo quando

    empregado com relao a ela, devem ser tomados em seu sentido geral, inclusive

    quando o contexto amplo em que aparecem a anlise da forma social do capital. o

    que se reconhece na seguinte passagem: O trabalho transfere ao produto o valor dosmeios de produo por ele consumidos. Demais, o valor e a quantidade dos meios de

    produo mobilizados por dada quantidade de trabalho aumentam na medida em que

    este se torna mais produtivo (C,I, p. 705, grifo nosso). Aqui, o trabalho se torna mais

    produtivo por gerar maior quantidade de valores de uso em menos tempo, devido ao

    incremento de seus meios tcnicos especficos. Trata-se, pois, do processo de trabalho

    ou do trabalho concreto, e portanto da acepo geral de trabalho produtivo.

    Marx o primeiro a definir o trabalho produtivo em geral de modo distinto do

    trabalho produtivo para o capital, e sua anlise de fato abstrai as formas histricas de

    sociabilidade e apresenta-se como geral. Por essa razo, no uma categoria

    econmica, mas explicita um ngulo de abordagem do processo de trabalho como

    atividade humana vital, a saber, o ponto de vista do produto.

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    2. A categoria econmica de trabalho produtivo

    A partir da definio de trabalho produtivo em geral, distinguem-se, pois, com

    clareza, as passagens do texto de Marx em que o termo empregado com esse sentido.

    Assim, elas deixam de concorrer para a confuso conceitual ou ambigidade com

    relao definio de trabalho produtivo para o modo de produo capitalista.

    No interior da forma capitalista da produo, o termo produtivo um predicado

    restritivo do trabalho, que pretende discerni-lo do trabalho improdutivo ou no

    produtivo. , portanto, uma categoria econmica. Desse modo, trabalho produtivo,

    como categoria econmica especfica, , em Marx, trabalho socialmente determinado,

    definido pela forma concreta das relaes sociais por meio das quais se efetiva. Refere-

    se e existe apenas na forma social capitalista de produo, e no pode ser estendido a

    outras formas de sociabilidade, na medida em que sua substncia prpria e exclusiva

    deste modo de produo, resultado exclusivo destas relaes sociais histricas.

    Marx define trabalho produtivo sob o modo de produo capitalista como

    trabalho que produz mais-valia e, portanto, trabalho produtivo para o capital:

    produtivoo trabalhador que executa trabalho produtivo, e produtivo o trabalho que

    gera diretamente mais-valia, isto , que valoriza o capital (Cap. In., p. 71). Para

    compor a categoria de trabalho produtivo para o capital, a atividade deve no apenas

    produzir um resultado objetivo qualquer, ou ter um produto, mas resultar em um

    produto determinado. A definio de trabalho produtivo na forma social do capital no

    apenas diferente, mas mais restrita, constituindo-se como um caso especfico da

    definio geral. Pressupe, portanto, a determinao abstrata, de modo que para ser

    produtivo, o trabalho sob a forma social do capital deve gerar produtos objetivos, ou

    valores de uso; isso no mais suficiente, contudo, para delimit-lo: h processos de

    trabalho, ou trabalhos produtivos na acepo geral, que no podem ser qualificados

    como produtivos no interior da forma social do capital. Embora a produo de um

    resultado objetivo ou produto concreto mantenha-se como condio do trabalho

    produtivo sob o capital, o critrio que o define outro, e subordina a determinao do

    trabalho produtivo em geral:

    O conceito de trabalho produtivo no compreende apenas uma relao entreatividade e efeito til, entre trabalhador e produto do trabalho, mas tambm uma

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    relao de produo especificamente social, de origem histrica, que faz dotrabalhador o instrumento direto de criar mais-valia (C,I, p. 578).

    Esse critrio definitivo que o trabalho na forma social do capital deve cumprir

    coincide com a finalidade principal e imediata da produo sob a forma capitalista:gerar mais-valia para a classe proprietria, fornecendo assim a substncia da expanso

    de seu capital. Portanto, o critrio de determinao do predicado produtivo o prprio

    fim a que o trabalho criador de valor de uso socialmente se dirige quando organizado

    pelas relaes capitalistas de produo.

    A produo capitalista (...) essencialmente produo de mais-valia. O trabalhadorno produz para si, mas para o capital. Por isso, no mais suficiente que ele

    apenas produza. Ele tem de produzir mais-valia. S produtivo o trabalhador queproduz mais-valia para o capitalista, servindo assim auto-expanso do capital (C,I, p. 578).

    relevante expor brevemente as categorias de valor e de mais-valia com o objetivo de

    indicar como o processo de trabalho, atividade em que os indivduos criam valores de

    uso, se faz processo de valorizao, em que a produo de valores de uso toma a forma

    da produo de capital3. Partimos, com Marx, da especificidade do produto gerado no

    modo de produo capitalista, isto , da determinao mais imediata do valor do uso

    quando produzido sob esta forma social. O produto do trabalho sob a organizao social

    do capital gerado como mercadoria. A mercadoria define-se como valor de uso

    produzido para a troca. Deste modo, alm de valor de uso, a mercadoria deve ter um

    valor de troca, que aparece primeiramente como uma proporo em que se trocam

    valores de uso. Mas para que duas coisas sejam postas em proporo e ento trocadas

    preciso que apresentem uma qualidade comum, algum aspecto qualitativo em que sejam

    comparveis. Como os valores de uso caracterizam-se justamente por suas qualidades

    distintas, que os fazem capazes de satisfazer necessidades as mais diversas, para

    encontrar a qualidade comum a todos os valores de uso, preciso justamente abstrair

    seu carter til, sua especificidade. Deixando de considerar suas qualidades especficas

    como valores de uso, resta s mercadorias ser produto do trabalho humano, trabalho

    objetivado:

    3A categoria econmica de capital bem como as formas que assume no processo de reproduo social soobjeto do segundo captulo desta pesquisa. Neste, sero tambm examinadas as taxas de mais-valia e delucro.

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    Se prescindirmos do valor-de-uso da mercadoria, s lhe resta ainda umapropriedade, a de ser produto do trabalho. Mas ento o produto do trabalho j terpassado por uma transmutao. Pondo de lado seu valor-de-uso, abstramos,tambm, das formas e elementos materiais que fazem dele um valor-de-uso. Eleno mais mesa, cs, fio, ou qualquer coisa til. Sumiram todas as suas qualidadesmateriais (C,I, p. 60).

    Os valores de uso, parte aquilo que os distingue e os torna teis, tm em comum o fato

    de serem produto do trabalho humano. Essa qualidade comum a substncia da

    determinao do valor de troca das mercadorias que permite sua comparao e a

    conseqente determinao da proporo em que so trocadas. Contudo, deve-se atentar

    para o carter do trabalho que identifica as mercadorias. Se, para alcanar a

    determinao comum aos valores de uso, que consiste em seu valor, deve-se abstrair de

    sua especificidade til, de suas formas e elementos prprios, tampouco se deve levar emconta o carter concreto dos trabalhos diversos que os engendram, a atividade especfica

    de produzir um valor de uso determinado. Desse modo, o que gera a propriedade

    comum a todas as mercadorias no o trabalho em seu aspecto concreto, determinado,

    pois, ao abstrair do carter til das mercadorias, abstrai-se tambm a utilidade especfica

    do trabalho que as produz:

    Tambm no mais o trabalho do marceneiro, do pedreiro, do fiandeiro, ouqualquer outra forma de trabalho produtivo. Ao desaparecer o carter til dosprodutos do trabalho, tambm desaparece o carter til dos trabalhos nelescorporificados, desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto,elas no mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se, todas a uma nicaespcie de trabalho, o trabalho humano abstrato (C,I, p. 60).

    O trabalho humano abstrato, resduo dos produtos do trabalho quando deles se

    abstrai a utilidade especfica e por conseguinte o carter concreto da atividade, consiste

    na objetividade impalpvel, a massa pura e simples do trabalho humano em geral, do

    dispndio de fora de trabalho humana, sem considerao pela forma como foi gasta

    (C,I, p. 60). Esta a qualidade comum a todos os produtos do trabalho que permite que

    sejam comparados, e assim estabelecida a proporo em que so trocados. O trabalho

    abstrato pois a substncia do valor das mercadorias: Como configurao desta

    substncia social que lhes comum, so valores, valores-mercadorias. (...) O que se

    evidencia comum na relao de permuta ou no valor-de-troca , portanto, o valor das

    mercadorias (C,I, p. 60).

    A mercadoria, forma elementar da riqueza no modo de produo capitalista, unidade de valor de uso e valor. Como objeto produzido para a troca, exige ambas as

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    determinaes: em primeiro lugar, deve ser socialmente til, isto , til para outros

    indivduos sociais, e, alm disso, produzido pelo trabalho, caso contrrio no conteria

    valor. O trabalho materializado na mercadoria pois, de duplo aspecto. trabalho

    concreto produtor de valor de uso determinado, isto , trabalho produtivo em sua

    acepo genrica, e trabalho produtor de valor, que consiste unicamente no carter de

    dispndio de atividade humana em geral, trabalho abstrato. Este o fator da mercadoria

    que determina seu valor, de modo que a quantidade de trabalho necessria produo

    de cada mercadoria, medida pelo tempo de trabalho, exprime a magnitude de seu valor.

    O carter abstrato do trabalho, ou trabalho humano em geral, no contudo, uma

    abstrao intelectual das atividades especficas, levada a cabo com o objetivo de tornar

    comparveis valores de uso que se definem pela multiplicidade, e assim possibilitar a

    troca. Ao contrrio, ele resultado da forma social da produo em que o conjunto dos

    valores de uso so criados com essa finalidade especfica, qual seja, a troca. Todo

    trabalho, enquanto atividade, realiza-se no decorrer do tempo, e, por essa razo, todo

    produto, independente das relaes sociais mediante as quais gerado, contm tempo de

    trabalho humano. No entanto, o trabalho abstrato e seu resultado prprio, o valor,

    apenas existem socialmente, isto , como fatores objetivos do trabalho e de seu produto,

    na medida em que a prtica da troca entre resultados de produes privadas exige a

    comparao dos produtos e a definio da proporo em que so trocadas. No

    imediata a equiparao das atividades prprias ao campons, ao fiandeiro e ao ourives,

    por exemplo, como formas do trabalho humano em geral. Apenas quando seus produtos

    so dispostos para a troca e efetivamente comparados, o valor passa a existir como uma

    objetividade social. As atividades concretas, por conseguinte, apenas apresentam

    socialmente sua qualidade comum de trabalho humano, que abstrai daquilo que as

    distingue, quando seus produtos so contrapostos enquanto valores. A generalizao da

    produo para a troca subverte o conjunto das atividades produtivas em trabalho

    abstrato produtor de valor. Dessa maneira, o carter abstrato do trabalho e o valor como

    seu produto especfico so resultado do modo de produo que gera o conjunto dos

    valores de uso na forma de mercadorias. A mercadoria pois valor de uso cuja

    determinao central consiste na capacidade de cristalizar trabalho humano homogneo,

    ou em outros termos, valor de uso que serve como veculo de valor.

    A criao do produto social como mercadoria pressupe a forma privada da

    propriedade social. Mas esta se estabelece paulatinamente pelo domnio progressivo daproduo para a troca sobre as velhas relaes de produo. A conformao do conjunto

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    das relaes sociais de produo para a finalidade de criar o produto na forma especfica

    de mercadoria, ou seja, o estabelecimento do modo de produo social do capital,

    implica a propriedade privada como forma dominante da apropriao social. A condio

    da produo dos valores de uso sociais como mercadoria , pois, a propriedade privada

    dos meios de produo, tanto objetivos (instrumentos e objetos), quanto subjetivos, a

    fora de trabalho dos indivduos sociais.

    A propriedade privada define-se pela diviso do conjunto dos indivduos sociais

    duas classes principais, em que uma se apropria do produto do trabalho social, e a outra

    privada dos meios de produo e de vida. Por essa razo, a ltima se torna classe

    trabalhadora, e assalariada, na medida em que possui como nico meio de produo sua

    fora de trabalho individual. O trabalhador livre aquele que no est vinculado a

    nenhum territrio e a nenhuma comunidade, e a ausncia desse vnculo comunitrio

    implica a separao entre o trabalhador e os meios ou condies de sua atividade

    (especialmente a terra). Quando o trabalhador perde o acesso aos meios de produo,

    impe-se ao trabalho a condio assalariada. Assim, o modo de produo condicionado

    pela forma privada da apropriao social a que se baseia, por um lado, no trabalhador

    livre no-proprietrio e, por outro, em massas de riqueza privada. A apropriao privada

    do trabalho social materializado e a conseqente expropriao da classe produtora

    caracterizam, pois, o processo histrico de formao da forma da propriedade peculiar

    produo capitalista.4. O direito de cada indivduo na apropriao do produto social

    determinado, por sua vez, pela posio que ocupa nas relaes sociais de produo, isto

    , pela classe a que pertence.

    A forma privada da propriedade impe como finalidade da produo social a

    expanso da riqueza como valor. Isso porque a acumulao do produto do trabalho

    social incompatvel com sua forma de valor de uso. Assim, a criao de valor

    excedentese torna o fim a que se dirige a produo social. Esta finalidade imposta

    classe produtora, e se faz possvel pela condio de privao que o trabalho assume. A

    forma mercadoria do produto social adequada a esta finalidade da produo, que faz

    tambm da fora de trabalho uma mercadoria, embora subjetiva, j que existe apenas

    como potncia do indivduo.

    A mercadoria, como forma geral do produto social, no alcana essa condio

    casualmente, ou seja, com o objetivo de intercambiar valores de uso excedentes entre

    4Marx expe esse processo histrico no captulo sobre a acumulao primitiva, ao final do primeiro livrode O Capital.

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    grupos sociais ou comunidades. Dado que a finalidade da produo social a expanso

    privada de valor, a mercadoria a condio primeira do produto. Assim, o proprietrio

    das condies de trabalho empreende a produo de mercadorias com o objetivo de

    acrescentar valor sua propriedade primitiva. A produo de mercadoria como

    determinao central do produto do trabalho social meio para a expanso da riqueza

    privada, expressa em valor, porque compreende a produo de mais-valia. As condies

    objetivas da produo tornadas propriedade privada, e postas para funcionar como meio

    de ampliar seu valor incorporando mais-valia, assumem a forma de capital.

    Assim, a forma mercadoria do produto necessria realizao do processo de

    trabalho como processo de valorizao, isto , um processo de criao de valor

    excedente como propriedade do capitalista. Historicamente, a subsuno da atividade

    produtiva social ao processo de criao de valor levada a cabo paulatinamente pela

    expanso dos produtos gerados desde o princpio como mercadorias para alimentar a

    atividade comercial. Os meios de produo assumem, pois, a forma de capital quando o

    processo produtivo se faz processo de acrescer o valor prvio contido nesses meios:

    Todo capital novo, para comear, entra em cena, surge no mercado de mercadorias, de

    trabalho ou de dinheiro, sob a forma de dinheiro, que atravs de determinados processos

    deve transformar-se em capital (C, I, p. 177). O proprietrio de dada massa de valor

    expressa em dinheiro compra as mercadorias exigidas pelo processo de produo, meios

    de produo (instrumentos, materiais acessrios, matria-prima) e fora de trabalho, e

    os coloca para funcionar, isto , os consome no processo produtivo. O consumo destas

    mercadorias deve gerar um valor maior do que aquele que contm, mas o consumo das

    mercadorias objetivas no cria novo valor. Se consumidas individualmente, seu valor

    desaparece; quando transformadas ou consumidas produtivamente, transferem seu valor

    para o novo produto, como ocorre, no exemplo de Marx, com o algodo que serve de

    matria-prima ao fio. Entretanto, a fora de trabalho mercadoria subjetiva cujo valor

    de uso consiste na capacidade de trabalho: Por fora de trabalho ou capacidade de

    trabalho compreendemos o conjunto das faculdades fsicas e mentais existentes no

    corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele pe em ao toda vez que

    produz valores-de-uso de qualquer espcie (C,I, p. 197). Consumir a fora de trabalho

    faz-la trabalhar, incorporando tempo de trabalho aos meios de produo. O consumo

    da fora de trabalho pelo capitalista a incorporao de valor ao objeto de trabalho,

    levada a cabo pela produo da mercadoria:

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    Para extrair valor do consumo de uma mercadoria, nosso possuidor de dinheirodeve ter a felicidade de descobrir, dentro da esfera da circulao, no mercado, umamercadoria cujo valor-de-uso possua a propriedade peculiar de ser fonte de valor,de modo que consumi-la seja realmente encarnar trabalho, criar valor, portanto. E opossuidor de dinheiro encontra no mercado essa mercadoria especial: acapacidade de trabalho ou a fora de trabalho (C,I, p. 197).

    A fora de trabalho adquirida como mercadoria acrescenta valor aos meios de produo

    ao transform-los na nova mercadoria. Esta criada como propriedade do capitalista na

    medida em que este dispe dos meios e da fora de trabalho. O novo valor, portanto,

    igualmente gerado como propriedade do capitalista. Este deve, contudo, pagar as

    mercadorias que comprou, e assume-se que o faz pelo valor que elas contm. Assim,

    quando os meios de produo so pagos, o capitalista apenas transmuta seu dinheiro em

    uma forma adequada ao consumo de fora de trabalho, e nada ganha com esta compra.

    Por outro lado, do novo valor criado no processo produtivo por meio da incorporao de

    tempo de trabalho abstrato mercadoria, o capitalista deve deduzir o salrio, ou valor da

    fora de trabalho, mercadoria subjetiva comprada no mercado como todas as outras.

    Como se define o valor da fora de trabalho? Nas palavras insubstituveis de Marx:

    O valor da fora de trabalho determinado, como o de qualquer outra mercadoria,pelo tempo de trabalho necessrio sua produo e, por conseqncia, sua

    reproduo. Enquanto valor, a fora de trabalho representa apenas determinadaquantidade de trabalho social mdio nela corporificado. No mais que a aptidodo indivduo vivo. A produo dela supe a existncia deste. Dada a existncia doindivduo, a produo da fora de trabalho consiste em sua manuteno oureproduo. Para manter-se, precisa o indivduo de certa soma de meios desubsistncia. O tempo de trabalho necessrio produo da fora de trabalhoreduz-se, portanto, ao tempo de trabalho necessrio produo desse meios desubsistncia, ou o valor da fora de trabalho o valor dos meios de subsistncianecessrios manuteno de seu possuidor (C,I, p. 200-1).

    O valor da fora de trabalho identifica-se, portanto, com o valor total dos meios de

    subsistncia suficientes para manter o nvel de vida do trabalhador e sua famlia, de

    modo que se perpetue no mercado essa raa peculiar de possuidores de mercadorias (C,

    I, p. 202). O valor da fora de trabalho pois o valor da reproduo da condio de

    trabalhador, indivduo que tem como nico meio de vida a venda de sua fora de

    trabalho. Como se reduz soma dos valores de determinados meios de vida, o valor da

    fora de trabalho muda conforme o tempo necessrio para produzi-los. Por isso, so

    fatores que alteram o valor da fora de trabalho a produtividade do trabalho nos ramos

    da produo de meios de subsistncia, as condies histricas que determinam o volume

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    e as espcies de necessidades, assim como a luta de classes, mediante a qual os

    trabalhadores organizados impem necessidades ao capital.

    O valor excedente criado como propriedade do capitalista consiste na diferena

    entre o valor gerado na produo e o valor que retorna ao trabalhador como salrio.

    Assim, se na jornada de trabalho incorpora mercadoria criada o valor referente a 10

    horas de trabalho, retorna a ele como salrio, valor de sua fora de trabalho, o produto,

    expresso em dinheiro, equivalente, por exemplo, a cinco horas. Sua jornada se divide,

    pois, entre tempo de trabalho necessrio sua reproduo, ou seja, produo do

    salrio, e tempo de trabalho excedente. Durante esse tempo, o trabalhador incorpora

    valor ao produto como propriedade do capitalista, e por conseguinte, produz o valor

    excedente. O que permite que o processo produtivo seja um processo de valorizao do

    capital nele despendido o fato de que a fora de trabalho produz valor maior,

    incorporado na mercadoria, do que o contido na fora de trabalho, e que por essa razo

    pago ao trabalhador. No processo de circulao em que o valor da mercadoria se realiza,

    o capital vende o que no pagou. A diferena entre o valor da fora de trabalho e o valor

    do produto do trabalho a mais-valia. Esta se define, pois, como o tempo de trabalho

    no-pago. A possibilidade da extrao de mais-valia consiste, por sua vez, na

    transformao da fora de trabalho, assim como do produto do trabalho social, em

    mercadoria.

    A mais-valia no o nico produto da produo capitalista, mas

    essencialmenteseu produto. Sob o modo de produo do capital produzem-se os valores

    de uso que so veculos da mais-valia, bem como aqueles que no o so. Todos eles tm

    em comum o fato de serem valores de uso, isto , produtos socialmente considerados

    teis e portanto necessrios ao conjunto ou a uma parte da sociedade, quer esta

    necessidade advenha do estmago ou da fantasia, como advertiu Marx no primeiro

    captulo de O Capital. No entanto, a produo de mais-valia ou a contnua expanso do

    capital a finalidade ltima e especfica, a essncia da produo capitalista, que

    subordina a si o carter til prprio do objeto no qual se concretiza. A produo

    dirigida pela utilidade que tem para o capital ou, em outras palavras, para satisfazer a

    necessidade de acumulao privada de riqueza. O valor de uso que os produtos tm para

    o capital sua propriedade inespecfica de concretizar valor e no seu valor de uso

    prprio, singular por meio da incorporao de trabalho abstrato objetivado.

    Analogamente, o valor de uso que a atividade do trabalho, ou, do ponto de vista doagente, a fora de trabalho tem para o capital no sua propriedade de criar objetos

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    particularmente teis, mas sua capacidade de objetivar quantidade de trabalho superior

    ao que contm ou que necessrio para reproduzi-la. Como observa Marx:

    O valor de uso da fora de trabalho para o capital justamente o excesso daquantidade de trabalho que ela fornece alm da quantidade de trabalho que nelamesma se materializa e por isso necessria para reproduzi-la. Fornece essaquantidade naturalmente na forma determinada inerente a trabalho de utilidadeparticular, como, por exemplo, trabalho de fiar, tecer etc. Mas, esse carterconcreto, que o capacita a configurar-se em mercadoria, no seu valor de usoespecfico para o capital. Para este, seu valor de uso especfico consiste em suaqualidade de trabalho em geral e no que a quantidade de trabalho que a fora detrabalho realiza excede a quantidade de trabalho que ela custa (TMV,I, p. 395).

    Segue-se da que o critrio da determinao do trabalho produtivo o de ter

    como produto a mais-valia e no o objeto til que invariavelmente tambm resulta daproduo de mais-valia.

    Como o fim imediato e [o] produtopor excelnciada produo capitalista a mais-valia, temos que s produtivo aquele trabalho e s trabalhador produtivoaquele que emprega a fora de trabalho que diretamente produza mais-valia(Cap. In., p. 70, grifo nosso).

    Trabalho produtivo o termo utilizado por Marx para definir a relao social

    capitalista especfica da atividade do trabalho com a objetividade exterior, com seus

    meios, isto , objetos e instrumentos. Designa uma relao social de produo, ou seja,

    um modo histrico de organizao social por meio do qual as relaes de produo se

    estabelecem, os valores de uso so gerados e as necessidades satisfeitas. Est, portanto,

    na base da determinao especfica de um modo de produo e , em contrapartida, por

    ele engendrada. A mais-valia, resultado necessrio do trabalho produtivo para o capital,

    expresso material da relao social que esta forma do trabalho leva a cabo, e define a

    condio em que a fora de trabalho, sua atividade, produto e apropriao se apresentamna particularidade do modo capitalista de produo da vida humana. , por conseguinte,

    trabalho socialmente definido.

    Trabalho produtivono seno expresso sucinta que designa a relao integral eo modo pelo qual se apresentam a fora de trabalho e o trabalho no processocapitalista de produo. Por conseguinte, se falamos de trabalho produtivo,falamos, pois, de trabalho socialmente determinado, de trabalho que implicarelao nitidamente determinada entre o comprador e o vendedor de trabalho (Cap.

    In., p. 75).

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    Trabalho produtivo , ento, a categoria econmica que fundamenta a forma de

    sociabilidade do capital, na medida em que expressa o contedo de sua relao social de

    base. Sua definio equivale explicitao de seu produto especfico: a mais-valia, ou,

    em outros termos, a substncia do capital. A definio, em termos gerais, de trabalho

    produtivo para o capital foi amplamente compreendida e repetida pelos comentadores

    de diferentes formas5.

    Entretanto, com respeito a outras caracterizaes menos gerais, ou s prprias

    concretizaes deste princpio genrico, o tema do trabalho produtivo no apresenta o

    consenso que aparenta quando o examinamos apenas em sua definio. Dada a sua

    abrangncia, pretende-se, nesta primeira parte da pesquisa, explicitar as determinaes

    especficas do trabalho produtivo e alguns de seus desdobramentos conforme

    apresentam-se na obra de Marx. Como o objetivo desta primeira parte caracterizar o

    trabalho que produz mais-valia ou capital, ou no que ele consiste, pode-se demonstrar,

    de incio, o carter secundrio de algumas de suas determinaes.

    O trabalho produtivo assalariado e produtor de mercadorias. No entanto,

    nenhuma dessas duas determinaes, isoladas ou em conjunto, so suficientes para

    qualificar o trabalho como produtivo, uma vez que no bastam para caracteriz-lo como

    produtor de mais-valia e, por conseguinte, capital. Mercadoria e dinheiro, bem como a

    troca de fora de trabalho por salrio, esto presentes historicamente em outras formas

    5Citamos em seguida a maneira como alguns deles expuseram esta categoria: Claudio Napoleoni, emLecciones sobre el captulo sexto (indito) de Marx: Estamos discutindo o trabalho que se encontra nasituao capitalista, no o trabalho humano em geral, e portanto, quando definimos este trabalho como

    produtivo, devemos defini-lo em funo daquilo em cujo interior este trabalho se encontra na realidade;este trabalho est subsumido ao capital aqui no importa se formal ou realmente e por isso contaenquanto trabalha em funo do capital; mas qual o trabalho produtivo em funo do capital? o que

    produz capital, evidentemente (p. 120). Isaak I. Rubin, em Teoria marxista do valor: Somente otrabalho organizado sob a forma de empresas capitalistas, que tem a forma de trabalho assalariado,empregado pelo capital com a finalidade de extrair dele uma mais-valia, includo no sistema de

    produo capitalista. Este trabalho trabalho produtivo (p. 280); Ben Fine e Lawrence Harris, em Parareler O Capital: A distino estabelecida por Marx entre o trabalho produtivo e improdutivo , naverdade, fcil de compreender. Se o trabalho produz mais-valia diretamente, produtivo; se no, improdutivo (p. 54); Harry Braverman, em Trabalho e capital monopolista a degradao do trabalhono sculo XX: Em essncia, Marx definia o trabalho produtivo no capitalismo como aquele que produzvalor de mercadoria, e, por conseguinte, valor excedente, para o capital (p. 348); Ruy Mauro Marine, emO conceito de trabalho produtivo nota metodolgica (1992-97): A definio adiantada por Marx nolivro I, captulo XIV, de que dentro do capitalismo, s produtivo o operrio que produz mais-valia ouque trabalha para fazer rentvel o capital (I, p. 426), d conta perfeitamente do conjunto do problema e jcontm em forma embrionria os desdobramentos de que ser objeto (p.196); Lincoln Secco, emTrabalho produtivo em Marx, produtivo o trabalho que engendra mais-valia e se organiza formalmentesob princpios especificamente capitalistas, no importando assim a natureza material do produto (p. 38);Paul Singer, em Trabalho produtivo ou excedente: No h dvida de que Marx considerava apenas

    produtivo o trabalho que, no capitalismo, produz mais-valia (p. 124); Ian Gough, em Marxs Theory ofProductive and Unproductive Labour: O trabalho produtivo especfico do modo de produo capitalista trabalho que produz mais-valia (p. 50).

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    de sociabilidade ou modos de produo, distintos do capitalista; por conseguinte, a mera

    existncia da troca seja de produtos do trabalho ou da fora de trabalho por dinheiro

    e do dinheiro como meio de troca no implicam em produo de capital. Tambm

    no interior da forma de organizao social em que predomina o modo de produo

    capitalista, existe produo no-capitalista de mercadorias, ainda que em escala cada

    vez mais reduzida. Ademais e especialmente relevante para nossa pesquisa, h trabalho

    assalariado que, embora necessrio e determinado pelo ciclo de reproduo do capital,

    no produz mais-valia.

    Alm de assalariado e produtor de mercadorias, outra determinao do trabalho

    produtivo ser criador de produto excedente. necessrio pontuar, contudo, que a

    existncia de trabalho excedente, bem como a explorao do trabalho, ou apropriao

    do produto excedente do trabalho por classe ou grupos dominantes, comum maior

    parte das formas sociais que as relaes de produo assumiram ao longo da histria.

    Portanto, o fato de a classe produtora fornecer trabalho excedente, ou de haver

    expropriao de parte do produto do trabalhador direto, em outros modos de produo,

    no faz com que seu trabalho possa ser qualificado como produtivo. O trabalho

    produtivo especificamente produtor de mais-valia, isto , produto excedente que

    assume a forma social de valorexcedente; esta caracterizao no se estende, portanto,

    criao de produto excedente em qualquer outra forma social inclusive sob a

    considerao de que a mais-valia ou valor excedente apenas ganha existncia atravs do

    produto excedente particular do trabalho. Qualquer forma de realizao de trabalho

    excedente est condicionada por relaes sociais de produo. O aumento da

    produtividade do trabalho, proveniente do desenvolvimento das foras produtivas, cria a

    possibilidade do trabalho excedente ao reduzir a quantidade de tempo de trabalho

    necessrio ou suficiente para sustentar os produtores. Esta possibilidade configura-se no

    tempo livre do trabalhador. Contudo, para que os produtores utilizem esse tempo livre

    para trabalhar para outrem ou gerar produto excedente, isto , para realizar o que antes

    existe apenas como possibilidade, so necessrias relaes sociais determinadas de

    produo, mais especificamente, a relao de coao de um grupo ou classe social sobre

    o conjunto dos produtores. A partir desta determinao geral, para que os trabalhadores

    criem produto excedente na forma de mais-valia, so necessrias relaes sociais de

    produo especificamente capitalistas, ou em outras palavras, a coao social especfica

    do capital.

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    produo de mais-valia imprescindvel, pois, um conjunto de relaes

    sociais capitalistas de produo, organizado para a finalidade de acumulao de capital.

    Essas relaes determinadas de produo fazem o processo de trabalho atividade de

    plasmar a matria natural de modo a adequ-la finalidade humana, e portanto comum

    a toda histria humana tomar a forma de um processo de valorizao. Deste modo, o

    trabalho produtivo a categoria que exprime a especificidade da forma social que o

    processo de trabalho assume quando a produo se torna essencialmente produo de

    mais-valia; uma expresso cujo contedo se constitui das relaes sociais que

    conferem forma capitalista produo de valores de uso ou objetos teis. Em outras

    palavras, trabalho produtivo e trabalhador produtivo so o processo de trabalho na

    forma social de processo de valorizaodo ponto de vista da atividade ou do agente6.

    Assim, trabalho produtivo uma categoria que se refere exclusivamente

    sociabilidade histrica que cria o produto excedente como valor excedente. No interior

    desta forma social das relaes de produo, contudo, h um conjunto determinado de

    trabalhos que podem ser denominados produtivos, uma vez que nem todas as atividades

    necessrias, que participam da produo ou reproduo social tm a mais-valia como

    produto. Cumpre, pois, reconhecer e caracterizar positivamente este conjunto com

    relao produo do capital social em sua totalidade.

    No primeiro volume de Teorias da Mais-Valia, Marx explicita as determinaes

    do trabalho que produz diretamente mais-valia ou capital.

    Trabalho produtivo no sentido da produo capitalista o trabalho assalariado que,na troca pela parte varivel do capital (a parte do capital despendida em salrio),alm de reproduzir essa parte do capital (ou o valor da prpria fora de trabalho),ainda produz mais-valia para o capitalista. S por esse meio, mercadoria oudinheiro se converte em capital, se produz como capital. (Isso equivale a dizer queo trabalho assalariado reproduz, aumentada, a soma de valor nele empregada ou

    que restitui mais trabalho do que recebe na forma de salrio. Por conseguinte, s produtiva a fora de trabalho que produz valor maior que o prprio) (TMV, I,pp.132-3).

    6 por essa razo que alguns autores assumem uma definio bastante genrica do trabalho produtivo,pautada pela forma capitalista da atividade econmica geral: Altvater e Freerkhuisen, em Sobre eltrabajo productivo e improductivo, afirmam que O sentido da distino entre trabalho produtivo eimprodutivo pode ser resumido assim: todo trabalho que, dentro do sistema de produo burgus,

    permite a manuteno ou acrscimo de sua base, o capital, pode ser chamado produtivo, enquanto quetodo trabalho que no necessrio no marco do sistema de produo burgus pode ser chamadoimprodutivo. Embora a definio no seja exata, pois, como se ver adiante, h trabalho improdutivo

    necessrio ao sistema de produo burgus em escala significativa, ela advm da preocupao dos autoresde referir as categorias econmicas forma social que faz do processo de produo em geral um processode produo essencialmente de capital.

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    O capital, valor que se acresce por meio da produo de mais-valia, em ltima

    anlise o produto do trabalho que se deve tomar por produtivo, (embora entre a

    produo de mais-valia incorporada mercadoria e sua transformao em capital sejam

    necessrias atividades mediadoras improdutivas). O que caracteriza o trabalho

    assalariado trocado por capital como produtor de valor seu carter abstrato. O trabalho

    adquire esta sobredeterminao de abstrato, ou seja, qualitativamente indiferenciado e

    medido pelo tempo, a partir da generalizao histrica da produo de mercadorias e

    pela ampla transformao da fora de trabalho em mercadoria. Esta generalizao ou

    abstrao das qualidades concretas do trabalho o conforma como produtor de valor, para

    alm de sua capacidade definitiva de engendrar valores de uso. o trabalho em seu

    carter abstrato, portanto, que reproduz o capital varivel, e que produz ainda um

    excedente de valor apropriado pelo dono dos meios de produo. O trabalho abstrato a

    forma social especfica do trabalho que faz com que o produto excedente assuma a

    forma de valor excedente. S por esse meio [produo de mais-valia], mercadoria ou

    dinheiro se converte em capital, se produz como capital (TMV, I, p. 132). O trabalho

    abstrato , pois, aquele que faz com que a produo de mercadorias seja tambm

    produo de capital7. Por conseguinte, como S produtivo o trabalho assalariado que

    produz capital (TMV, I, p. 132), a caracterizao do trabalho como produtivo ou

    improdutivo incide sobre seu carter abstrato, ao passo que o carter concreto do

    trabalho permanece alheio e inessencial a essa determinao: no se deve perguntar o

    que o trabalho produz, mas se o trabalho gera ou no valor.

    Na passagem abaixo, Marx reafirma a necessria determinao do trabalho

    produtivo como trabalho abstrato gerador de valor e, mais especificamente, valor

    excedente:

    (...) no esse carter concreto do trabalho, seu valor de uso como tal acircunstncia de ser, por exemplo, trabalho de alfaiate, sapateiro , fiandeiro, teceloetc. que constitui seu valor de uso especfico para o capital e por isso o qualificade trabalho produtivo no sistema de produo capitalista. O que constitui seu valorde uso especfico para o capital no seu carter til particular, tampouco aspropriedades especiais teis do produto em que se materializou, e sim seu cartercomo o elemento criador do valor de troca, como trabalho abstrato; maisprecisamente, no a circunstncia de representar, em suma, dada quantidadedesse trabalho geral, mas a de representar quantidade maior que a contida em seupreo, isto , no valor da fora de trabalho (TMV,I, p. 395).

    7Abordamos o processo histrico que origina a forma abstrata do trabalho no terceiro captulo destapesquisa.

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    preciso tambm considerar que, se o trabalho produtivo aquele que se

    transforma diretamente em capital, o trabalho que se troca pela parte varivel do capital,

    para ser considerado produtivo, deve fazer desse capital uma magnitude de fato

    varivel. A quantidade de capital investida em salrio deve se expandirno processo de

    consumo da fora de trabalho pela qual foi trocada. O trabalho deve poisproduzir valor

    em magnitude suficiente para pagar seu salrio e gerar ainda um excedente ou mais-

    valia. Assumindo que, segundo Marx, capital valor que se valoriza8, a criao de mais-

    valia faz com que o valor investido em fora de trabalho assuma a caracterstica de

    valor que cresce por si mesmo, e, portanto, de capitalvarivel. Nas palavras de Marx:

    S o trabalho que se transforma diretamente em capital produtivo; portanto, s o

    trabalho que faz do capital varivel magnitude varivel e, em conseqncia, torna ocapital total C = C + . Se o capital varivel,antes de se trocar por trabalho, forigual a x, de modo a se estabelecer a equao y = x, produtivo o trabalho queconverte x a x + h e por conseguinte faz y = x, y = x + h. Este, o primeiro ponto aelucidar: trabalho que produz mais-valia ou que fora que permite ao capital criarmais-valia, assumir a figura de capital, de valor que cresce por si mesmo (TMV,I,p. 388).

    importante ressaltar que, embora apenas a parcela do capital despendida na

    compra da fora de trabalho varie diretamente pelo acrscimo de mais-valia, a

    magnitude investida em meios de produo, ou os prprios meios de produo, tornam-

    se capital por conta do consumo previamente projetado da fora de trabalho como meio

    de produo de mais-valia. Isso porque, do ponto de vista geral, a atividade da fora de

    trabalho no pode prescindir de meios de produo, cuja ausncia impossibilita a

    prpria produo em qualquer forma social em que se apresente. Mas tambm porque,

    na forma de sociabilidade de que se trata, a separao da atividade do trabalho com

    relao a seus meios objetivos condio para a produo de valor excedente, pois

    consiste na coao especificamente capitalista do trabalho. O montante investido emfora de trabalho assalariada se faz capital varivel mediante a transformao de outra

    soma em capital constante: Uma parte s pode transformar-se em capital varivel,

    quando a outra se transforma em capital constante (TMV,I, p. 390).

    O capital constante assim chamado porque seu valor no se amplia, apenas

    transferido ao produto do trabalho por meio do processo de produo, mantendo-se

    8O valor se torna valor em progresso, dinheiro em progresso e, como tal, capital. Sai da circulao,

    entre novamente nela, mantm-se e multiplica-se nela, retorna dela acrescido e recomea incessantementeo mesmo circuito. D D, dinheiro que se dilata, dinheiro que gera dinheiro, conforme a definio decapital que sai da boca de seus primeiros intrpretes, os mercantilistas (C,I, p. 185).

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    constante o valor que ele representa no produto. tambm por meio do trabalho que o

    valor do capital constante meios de produo transferido ao produto, mas de modo

    distinto da criao de valor, que incorpora tempo de trabalho ou trabalho abstrato. O

    capital constante incorpora-se ao produto por meio do carter til e concreto do

    trabalho, que muda a forma do valor de uso dos meios de produo plasmando-os,

    atravs da atividade especfica, no novo produto e fazendo desaparecer, integral ou

    parcialmente, os valores de uso anteriores que serviram de objeto e instrumentos de

    trabalho. O valor dos objetos teis que se extinguem por meio da atividade do trabalho

    reaparece no novo resultado do trabalho, no por agregar-se nova quantidade de tempo

    de trabalho abstrato, mas porque os valores de uso anteriores mudaram de forma,

    transformaram-se em objeto diverso. , pois, o carter concreto da atividade do trabalho

    que transporta o capital constante, valor dos meios de produo, para o produto do

    trabalho: Se o trabalho especfico, produtivo, do trabalhador no fosse fiar, no

    transformaria o algodo em fio, nem portanto transferiria a este os valores do algodo e

    dos fusos (C, I, p. 236). O trabalho produtivo acarreta, no processo de produo, um

    efeito duplo que se explica por seu duplo carter: como simples incorporao

    quantitativa, isto , abstrata, o trabalho agrega valor, mas a qualidade especfica ou

    concreta do trabalho incorporado no produto que conserva nele os valores previamente

    constitudos nos meios de produo.

    A magnitude total investida na produo se faz capital pela efetivao de sua

    auto-valorizao atravs do consumo da fora de trabalho pelo capitalista, que a utiliza

    segundo seu desgnio, e do consumo dos meios de produo pela atividade do trabalho,

    no processo produtivo. O total investido na produo torna-se, pois, capital devido ao

    trabalho produtivo.

    S em virtude dessa converso direta do trabalho em trabalho materializadopertencente no ao trabalhador e sim ao capitalista que o dinheiro se converte emcapital, inclusive a parte dele que assumiu a forma de meios de produo, decondies de trabalho (TMV,I, p. 390).

    Trabalho produtivo aquele que mantm uma relao especfica com as condies de

    produo: a de conservar e acrescer o valor do trabalho materializado tornado

    independente da fora de trabalho. No a mera compra da fora de trabalho, como

    observamos, que transforma a magnitude nela investida em capital, mas o processo

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    efetivo de produo que faz do total investido em meios e fora de trabalho elementos

    da auto-valorizao do capital.

    Trabalho produtivo portanto o que - no sistema de produo capitalista produzmais-valia para o empregador ou que transforma as condies de trabalho emcapital e o dono delas em capitalista, por conseguinte trabalho que produz o prprioproduto como capital (TMV,I, p. 391).

    Ou ainda, do ponto de vista do trabalhador:

    Trabalho produtivo portanto o que, para o trabalhador, apenas reproduz o valorpreviamente determinado de sua fora de trabalho, mas, como atividade geradorade valor, acresce o valor do capital, ou contrape ao prprio trabalhador os valoresque criou na forma de capital (TMV,I, p. 391).

    No obstante, deve-se destacar que o capital s alcana esseproduto especfico

    do processo de produo capitalista, na troca pelo trabalho, que se chama por isso de

    trabalho produtivo (TMV,I, pp. 394-5). No mesmo sentido, esses fatores da produo,

    antes de se colocarem efetivamente no processo produtivo, so potencialmente capital

    devido sua finalidade, ou ainda, na medida em que existem com essa destinao

    determinada: necessria a troca anteriorde dinheiro por meios de produo e fora de

    trabalho. Da Marx afirmar que so capital em si, ou seja, por sua condio anterior ao

    processo produtivo: fora de trabalho e meios de produo existem, de antemo, de

    modo autnomo e, portanto, confrontam-se, o que impe a conformao do trabalho

    como gerador de um produto que capital, ou como trabalho produtivo. A relao

    especfica entre o trabalho e as condies do trabalho, estabelecidas pela troca de

    trabalho materializado por tempo de trabalho vivo em maior quantidade, consumido

    pelo processo de produo, o que expressa o termo trabalho produtivo, definido ento

    por trabalho que se troca por capital e que produz seu prprio produto, e nele incluso osmeios de produo, como capital. , pois, a relao determinada entre a fora de

    trabalho e os meios de produo, entre o trabalho e seu produto, entre atividade e

    objetividade.

    Desse modo, quedam integralmente irrelevantes para a definio do trabalho

    como produtivo ou improdutivo a particularidade do valor de uso produzido, o contedo

    do trabalho ou seu carter concreto especfico. Por outro lado, o trabalho produtivo deve

    gerar valor de uso. Isso no apenas porque o trabalho produtivo na forma desociabilidade do capital, como caso particular do trabalho em geral produtivo, deve

  • 5/23/2018 Cotrim Vera

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    exteriorizar-se, resultando em um produto objetivo. Mas especificamente por definir-se

    como trabalho que produz mais-valia. A mais-valia tem como veculo necessrio ou

    condio de existncia a mercadoria.

    Como Marx a define, a mercadoria um objeto que consiste em unidade de

    valor de uso e valor, sendo esta sua caracterstica definitiva: A mercadoria , antes de

    mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz

    necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estmago

    ou da fantasia(C,I, p. 57), ou seja, um valor de uso. Mas, Na forma de sociedade que

    vamos estudar, os valores-de-uso so, ao mesmo tempo, os veculos materiais do valor-

    de-troca (C, I, p. 58), veculos de algo que deles se distingue; ou, novamente nas

    palavras de Marx, Como valores-de-uso, as mercadorias so, antes de mais nada,