cultura e diversidade

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1 Cultura e diversidade O que é cultura? A palavra cultura possui vários significados. Para o senso comum corresponde às tradições e invenções de uma população ou então remete à educação formal (ex: homem culto: pôde estudar e é detentor de cultura; o “inculto” não teve essa oportunidade e por isso não tem cultura). No entanto, esta visão é carregada de preconceito e desvalorização das camadas populares. Cultura segundo a Antropologia Segundo a Antropologia, a cultura é um modo compartilhado por um coletivo capaz de produzir significados, relações e coisas. A “cultura” é algo dinâmico e histórico, não diz respeito apenas a coisas ou produtos, mas a processos de continuidade e transformação. Cultura significa tudo aquilo que o homem faz e pensa, é o conjunto de tradições e invenções, de produções simbólicas e materiais que singularizam grupos e coletivos. No final do século XVIII, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se às realizações materiais de um povo. O conceito de cultura foi definido pela primeira vez, em 1871, pelo antropólogo inglês Edward Tylor (1832-1917) como um todo “complexo de conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Esta definição leva em conta o aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos. Para Tylor, a cultura é um fenômeno que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo. Mais do que preocupado com a diversidade cultural, Tylor preocupava-se com a igualdade existente na humanidade. A diversidade é explicada como resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução. Assim, uma das tarefas da antropologia seria a de estabelecer uma escala de civilização. O contexto histórico de Tylor era um momento de grande impacto da Origem das espécies de Darwin e do evolucionismo unilinear. Segundo as teorias evolucionistas, as sociedades desenvolvem-se de maneira uniforme, numa escala

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Page 1: Cultura e diversidade

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Cultura e diversidade

O que é cultura?

A palavra cultura possui vários significados. Para o senso comum corresponde

às tradições e invenções de uma população ou então remete à educação formal (ex:

homem culto: pôde estudar e é detentor de cultura; o “inculto” não teve essa

oportunidade e por isso não tem cultura). No entanto, esta visão é carregada de

preconceito e desvalorização das camadas populares.

Cultura segundo a Antropologia

Segundo a Antropologia, a cultura é um modo compartilhado por um coletivo

capaz de produzir significados, relações e coisas. A “cultura” é algo dinâmico e

histórico, não diz respeito apenas a coisas ou produtos, mas a processos de

continuidade e transformação. Cultura significa tudo aquilo que o homem faz e pensa,

é o conjunto de tradições e invenções, de produções simbólicas e materiais que

singularizam grupos e coletivos.

No final do século XVIII, o termo germânico Kultur era utilizado para

simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra

francesa Civilization referia-se às realizações materiais de um povo. O conceito de

cultura foi definido pela primeira vez, em 1871, pelo antropólogo inglês Edward

Tylor (1832-1917) como um todo “complexo de conhecimentos, crenças, arte, moral,

leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como

membro de uma sociedade”. Esta definição leva em conta o aprendizado da cultura

em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos.

Para Tylor, a cultura é um fenômeno que possui causas e regularidades,

permitindo um estudo objetivo. Mais do que preocupado com a diversidade cultural,

Tylor preocupava-se com a igualdade existente na humanidade. A diversidade é

explicada como resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de

evolução. Assim, uma das tarefas da antropologia seria a de estabelecer uma escala de

civilização.

O contexto histórico de Tylor era um momento de grande impacto da Origem

das espécies de Darwin e do evolucionismo unilinear. Segundo as teorias

evolucionistas, as sociedades desenvolvem-se de maneira uniforme, numa escala

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evolutiva, podendo ser classificadas hierarquicamente, indo da mais atrasada às mais

evoluídas e complexas (selvagem, bárbara e civilizada).

A principal reação ao evolucionismo inicia-se com Franz Boas (1858-1949)

que estava interessado não nas leis que governam o desenvolvimento da cultura

humana, mas nos processos pelos quais certos estágios culturais se desenvolveram, na

história do desenvolvimento de costumes e crenças. Ele pretendia estudar

determinado fenômeno em relação às complexas relações de cada cultura em

particular, compreendendo os efeitos do meio e das condições psicológicas, a fim de

precisar as causas históricas do desenvolvimento deste fenômeno. Boas desenvolveu o

“particularismo histórico” segundo o qual cada cultura segue os seus próprios

caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou.

Culturas no plural

Existe uma divisão entre “cultura erudita” e “cultura popular” que prevaleceu

em boa parte do século XX, mas que perdeu sua validade, pois as duas formas de

cultura se mesclaram. De toda forma, estas classificações ainda persistem, sobretudo

por aqueles que desejam perpetuar as desigualdades entre classes sociais.

Cultura popular: valores e visões de mundo das camadas sociais

subordinadas. A cultura popular seria os mitos, contos, danças, música, artesanato

rústico, enfim, as manifestações genuínas de um povo.

Cultura erudita: valores e visões de mundo das elites. Abrange expressões

artísticas como a música clássica de padrão europeu, as artes plásticas, o teatro e a

literatura de cunho universal

A cultura pode materializar-se em uma obra, como o quadro de um pintor, ou

em uma tradição coletiva, como as festas populares. Por isso, distinguimos em dois

pontos:

Cultura material: bens culturais materiais como acervos bibliográficos ou

iconográficos, conjuntos arquitetônicos ou urbanísticos, sítios arqueológicos, etc.

Cultura imaterial: práticas, representações, expressões, conhecimentos e

técnicas que as comunidades, os grupos ou os indivíduos reconhecem como parte

integrante se seu patrimônio cultural. A ênfase está nos processos que resultam nos

produtos culturais e não apenas nestes últimos. (ex: modo artesanal de fazer queijo de

minas, ofício das baianas de acarajé).

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Natureza e cultura

No pensamento ocidental, natureza possui vários sentidos:

Princípio de vida ou princípio ativo que anima ou movimenta os seres. É este

o sentido da palavra grega physis, tema dos primórdios da investigação

filosófica;

Essência própria de um ser ou aquilo que um ser é necessariamente em si

mesmo. Aqui, natural ou inato opõem-se ao que é acidental (o que pode ser

ou deixar de ser) e ao que é adquirido por costume ou pela relação com o

ambiente e com as circunstâncias de vida;

Organização universal e necessária dos seres segundo uma ordem regida por

leis universais e necessárias. A natureza é a ordem e a conexão universal e

necessária, expressa, expressa em leis naturais;

Tudo o que existe no universo sem a intervenção da vontade e da ação

humanas. Nesse sentido, natureza opõe-se a artificial, artefato, técnico e

tecnológico;

Conjunto de tudo quanto existe e é percebido pelos humanos como o meio

ambiente no qual vivem. Natureza significa aqui o conjunto de condições

físicas em que vivemos.

Quanto à palavra cultura, será observado aqui o seu significado simbólico:

De acordo com este entendimento, a cultura é instituída no momento em que

os humanos determinam para si mesmos regras e normas de conduta que

asseguram a existência e conservação da comunidade e por isso devem ser

obedecidas sob pena de punição;

A ordem simbólica significa a afirmação de que os humanos são capazes de

criar uma existência que não é simplesmente natural (física e biológica);

Assim sendo, as leis, a sexualidade, a linguagem, o espaço, o tempo, o

trabalho, o sagrado e o profano podem ser entendidos como simbólicos.

Convivendo com a diferença: etnocentrismo e relativismo cultural

A antropologia foi sempre a ciência da alteridade, isto é, a ciência que busca

investigar o outro, aquele que é diferente de mim. Através do conhecimento do outro

eu acabo reconhecendo, pelo contraste, meu próprio costume. Assim, apesar das

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diferenças e por causa delas, nós acabamos por nos reconhecer nos outros. Cada

sociedade humana é um espelho onde a nossa própria existência se reflete.

A alteridade é também a maneira pela qual o “eu” (pesquisador) concebe sua

relação com o “outro” (pesquisado), estando próximo ou distante. A grande questão

da antropologia é a construção e a compreensão das identidades, mecanismos que

fazem o outro ser quem é e como é.

No entanto, nesse processo de conhecimento do outro, algumas distorções

podem acontecer. O Etnocentrismo é a atitude na qual a visão ou avaliação de um

grupo social está baseada nos seus próprios valores, no seu grupo de referência. A

tendência do homem de repudiar ou negar tudo que lhe é diferente ou não está de

acordo com suas tendências, costumes e hábitos é um tipo de posicionamento

preconceituoso. Incluem-se aqui as pessoas que observam as outras culturas em

função da sua própria, tomando-a como padrão para valorizar e hierarquizar as

restantes. Daí resulta incompreensão e intolerância em relação aos aspectos das outras

culturas, incluindo etnia, gênero, religião e outras variáveis.

Apesar disso, em nossa convivência com os outros, devemos tentar

compreender cada cultura na sua particularidade. Este tipo de perspectiva é uma

“chave metodológica” para o relativismo cultural. O relativismo cultural implica no

fato de não podermos estudar um elemento de uma cultura senão pelos seus próprios

princípios. A compreensão de um fato deve implicar a sua contextualização numa

determinada cultura, ou seja, uma determinada sociedade deve ser compreendida em

relação a seus próprios costumes e traços culturais.

Cultura e diversidade

A globalização, ao intensificar a aceleração do tempo e a supressão do espaço,

altera fundamentalmente a vida do individuo, estabelecendo uma comunicação

global, causando um impacto profundo na cultura de um país.

Ao contribuir para o enfraquecimento de instituições que antes eram centrais

na vida do homem moderno (Estado, Igreja, família, partidos políticos e organizações

profissionais), a sociedade pós-moderna, pós-industrial ou de capitalismo tardio

facilita o aparecimento de uma cultura de massa que padroniza o imaginário das

pessoas de forma global, enfrentando dificuldades enormes na consolidação das

identidades individuais e coletivas. Neste processo de perda de referência, existem

múltiplas relações de pertencimento as quais os sujeitos podem pertencer.

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A sociedade contemporânea tornou ineficazes as formas tradicionais da

cultura pela quais se construíam as identidades de grupo e individuais. É neste sentido

que abandonou-se a busca por formas de identidade normativas, regulares ou

institucionais (como família e nação), para se construir mecanismos identitários

emergentes, de natureza cultural e política, como a organização das minorias.

A globalização estimula ainda o aparecimento de uma poderosa indústria

cultural global, que tende a neutralizar ou conter a produção cultural de um país.

Por isso, difunde para todos os países e para as mais diferentes regiões as mesmas

imagens, filmes, músicas, espetáculos, costumes e gostos.

No entanto, essa neutralização ou contenção da cultura nacional pode criar a

ocasião propícia para o surgimento de várias manifestações culturais que não

encontravam visibilidade diante da preponderância da cultura nacional. Assim, a

cultura conhece uma diversidade de manifestações que reivindicam reconhecimento,

além da aceitação social da identidade grupal ou comunitária.

A pluralidade de movimentos identitários ou manifestações culturais surgida

com a crise da cultura nacional pode ser algo positivo, já que resulta na quebra da

hegemonia de uma identidade forjada, impondo-se de maneira repressiva. Neste

sentido, a pluralidade favorece a democracia.

Por outro lado, alguns movimentos identitários são francamente contrários às

praticas democráticas, alem de serem discriminatórios e violentos, chegando a incitar

ódio contra outros grupos sociais ou outras manifestações culturais.

Assim, para reconhecermos a validade de uma manifestação cultural não

podemos atentar contra outras expressões culturais, seja discriminando, seja adotando

posturas violentas, nem adotar práticas que prejudiquem o exercício da cidadania.

Referências

Livros didáticos: Ser protagonista; Sociologia para o ensino médio; Tempos

Modernos, Tempos de Sociologia; Sociologia: uma bússola para o século XXI

Marilena Chauí - Convite à filosofia

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Ed., 1986.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,

2006.