daniel volume 2 jo o calvino

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Reliigioso

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  • V olum e 2

    C ap tu los 7 - 1 2

    oao ffakino

    Traduo

    Valter G raciano Martins

  • Dados Internacionais p a ra Catalogao na Publicao (CIP) (C m ara Brasileira do Livro)

    Calvino, Joo, 1509-1S64Daniel,volume 2, captulo$7-12 / JooCalvino;

    traduo: Vai ter Graci ano Martins. Slo Bem ardo do Campo, S P : Edies Parakletos, 2002.

    ISBN 85-88589-08-7

    1. Biblia. A.T. Daniel-Critica c interpretao I. Ttulo.

    O riginalm ente im presso por Calvin Translation Society, E dim burgo, Esccia.

    R eim presso em 1998 p or B aker Books um a diviso da B aker B ook H ouse Com pany

    P.O. B ox 6287, G rand Rapids, M I 49516-6287

    1 edio em portugus: dezem bro de 2002 Tiragem: 2.000 exem plares

    02-5878 CDD-224.506

    ndices p a ra catlogo sistemtico: I. Daniel: Livros profticos: Bblia:

    Intcrprclao c critica 224.506

    E dio baseada em: Calvin s Commentaries

    Volum e XIII ISBN: 0-8010-2440-4

    Editorao e capa: Eline A lves M artins

    Rua Adamantina, 36 Baeta Neves 09760-240 So Bernardo do Campo, SP - Brasil

    Telefax: 11 4121-3350 e-mait: paraMetoK9uol.com.br

  • L e e

    33* Exposio.......................................................................................................... 22

    35* Exposio.......................................................................................................... 46

    36* Exposio...........................................................................................................59

    38 Exposio...........................................................................................................84

    39* Exposio...........................................................................................................98

    40a Exposio......................................................................................................... 110

    41* Exposio........................................................................................................ 123

    42* Exposio......................................................................................................... 135

    43* Exposio......................................................................................................... 148

    44* Exposio......................................................................................................... 160

    45* Exposio......................................................................................................... 172

    46* Exposio......................................................................................................... 186

    47* Exposio.........................................................................................................201

    48* Exposio........................................................................................................ 214

    49* Exposio........................................................................................................ 228

    50* Exposio........................................................................................................ 242

    51*Exposio...................................................................................................... 25552* Exposio.........................................................................................................268

    53* Exposio......................................................................................................... 28154* Exposio.........................................................................................................292

    55* Exposio.........................................................................................................304

    5

  • DANIEL

    56* Exposio........................................................................................................ 318

    57* Exposio.........................................................................................................331

    58* Exposio........................................................................................................ 343

    59* Exposio........................................................................................................ 356

    60* Exposio........................................................................................................ 370

    6l*Exposio.........................................................................................................381

    62* Exposio........................................................................................................ 393

    63* Exposio........................................................................................................406

    64* Exposio........................................................................................................422

    65a Exposio........................................................................................................436

    66* Exposio........................................................................................................449ndice de referncias bblicas..............................................................................465

    ndice de palavras hebraicas............................................................................... 469

    ndice de autores sacros e profanos.................................................................... 471

    6

  • O rao que Joo Calvino costum ava fazer no incio de suas prelees:

    Que o S en h o r y e rm ita nos en ga ja rm o s nos m istr ios ceestia is d e sua sab edoria , p a r a q u e jjr o g r id a m o s em verdad eira san tidad e, y a r a o

    ou vo r d e sua g r ia e y a r a nossa y r y r i a ed ifica o.

    Amm.

  • 32a

    d i p t u o 7

    1 N o prim eiro ano de Belsazar, rei de B a- 1 A nno prim o B eltsazar R egis Babylonis,b ilnia, D aniel teve um sonho e v ises de Daniel som nium vidit, e t visiones capitissua cabea, em seu leito. Ento escreveu o ejus in lecto ejus. T unc som nium scripsit,sonho, e relatou a sum a dos assuntos. sum m am serm onum exposuit.2 Falou D aniel, e disse: Vi em m inha v i- 2 L oquutus est D aniel, e t exposuit: Vidiso noturna, e eis que os quatro ventos in v isione m ea per noctem , e t eccequatu-do cu agitavam o grande mar. o r venti ccelorum p u g n a n te s ,1 in raari

    magno.

    Aqui Daniel com ea oferecendo instruo peculiar Igreja. Pois Deus anteriormente o designara como intrprete e instrutor de reis profanos. Agora, porm, ele o designa como mestre da Igreja, para que exera nela seu ofcio e sua instruo destinados aos filhos de Deus em seu seio. E mister que notemos esse fator, antes de tudo, porque at aqui suas predies se estenderam para alm dos limites da fam lia da f; aqui, porm, o dever de Daniel se restringe Igreja. Diz ele: E sta viso m e foi concedida no p rim eiro ano do rei B elsazar, antes que ocorresse a mudana que j vimos previamente. Antes de tudo, devemos tentar entender o desgnio do Esprito Santo; ou, seja, o fim e o uso para os quais ele revelou a Daniel o contedo deste captulo. Todos os profetas insistiram com o povo eleito sobre a esperana de livramento, depois que Deus houvera castigado neles sua ingratido e

    1 Alguns traduzem erguendo-se de".

    9

  • [7.1, 2] DANIEL

    obstinao. Ao lermos o que outros profetas anunciaram concernente a sua redeno futura, presumiramos que Igreja fora prometido um estado feliz, tranqilo e completamente pacfico, depois que o povo houvesse regressado do cativeiro. A histria, porm, testifica quo diferente foi tal regresso. Pois os fiis teriam cado exaustos e teriam apostatado, a menos que fossem admoestados sobre as diversas perturbaes que estavam por vir. Eis aqui, pois, a prim eira razo por que Deus revelara a seu Profeta o que logo veremos; ou, seja, que ainda restavam trs m onarcas, cada um dos quais sucederia o anterior, e que durante seu governo todos os fiis teriam que perseverar em permanente e constante confiana nas promessas, ainda que vissem o mundo inteiro estremecer e severas e angustiantes convulses prevalecendo por toda parte. Por essa razo, aqui se apresenta a viso de Daniel concernente aos quatro imprios. Talvez seria melhor adiar seu sumrio at que o Profeta comece a tratar de cada animal em separado. Mas, com respeito aos dois primeiros versculos, bom que observemos o tempo do sonho.

    Antes que os medos e persas transferissem o imprio caldai- co para si, os profetas foram instrudos sobre este assunto, para que os judeus pudessem reconhecer o cumprimento parcial do que Deus lhes havia com muita freqncia prometido, a eles a seus pais. Pois se seus inimigos houvessem possudo Babilnia sem alguma nova predio, talvez os judeus no atentassem bem para aquelas profecias que outrora foram pronunciadas em seu favor. Da Deus querer arejar suas memrias, e ento, quando vissem a queda daquele imprio que todos criam ser inexpugnvel, perceberiam o domnio dos conselhos secretos de Deus, domnio parcial, se no completo, cujo cumprimento fora testificado pela instrumentalidade de seus profetas. D iz ele: teve u m sonho. Ao falar previamente do sonho do rei Nabucodonosor, ele mencionou um a viso, porm no pela mesma razo, porque a descrena, mesmo vendo, no observa. De fato observavam algo,

    10

  • 32* EXPOSIO 17.1, 2]

    obscuramente, sem qualquer distino, enquanto seus pensamentos imediatamente esmaeciam. O mtodo dos profetas era diferente; visto que no apenas sonhavam, porm divisavam uma viso distinta, e ento proveitosamente passavam para outros o que haviam recebido. O Profeta, pois, expressa algo peculiar por meio desta frase, pois sabemos como os profetas costumeiramente atribuam a Deus tais vises, quando percebiam os segredos do cu, no com os olhos carnais, mas pela iluminao e inteligncia procedentes do Esprito.

    Ele acrescenta: vises de sua cabea, em seu leito; e assim o sonho teria mais peso, e no concluiramos que teria havido alguma confuso no crebro de Daniel. E assim ele expressa como vira tudo quanto o Senhor quis que ele soubesse, atravs de um sonho, com mente serena. Ele diz em seguida: E n to ele escreveu o sonho e explicou o significado das palav ras. Por meio dessa frase, ele nos ensina que a viso que recebera no foi por sua prpria causa, mas para a edificao com um da Igreja. Os que supem Daniel como que saltando subitamente de seu leito, para que esquecesse o sonho, oferecem um com entrio ftil e frvolo. Daniel, antes, desejava testificar essa viso como sendo no peculiar a ele prprio, mas como algo comum ao povo eleito de Deus; e da no s teria que ser celebrado oralmente, mas tinha que ser entregue posteridade para memorial perptuo. Precisamos ter em mente estes dois pontos: primeiro, Daniel escreveu esta profecia para que o conhecimento dela fosse sempre celebrado entre os fiis; e, segundo, ele considerava os interesses da posteridade, e por isso escreveu a viso. Ambos esses pontos so dignos de nota para induzir-nos a prestar mais ateno viso, um a vez que a mesma no fora enunciada por um mero indivduo; seno que Deus escolhera a Daniel como seu ministro e como o arauto e testemunha deste orculo. D a virmos com o esse orculo nos diz respeito; no foi o ensino para alguma poca singular, mas se estende a ns e deve vigorar at o fim do mundo.

    11

  • [7.1,2] DANIEL

    Ele repete a mesma coisa, adicionando: explicou o sentido das p a lav ras. Pois os que separam essas duas classes parecem ir d ireto ao cho.2 D aniel en to falou e disse - Isso no um a referncia a palavras, mas a escritos; como se o Profeta dissesse: Cumpri meu dever! J que ele sabia que o que mais adiante veremos concernente s quatro monarquias no lhe fora divinamente confiado devido ao encobrimento de algo j conhecido, mas, antes, ele se sentia um instrumento escolhido de Deus, que estava assim sugerindo aos fiis recurso para confiana e pacincia. Portanto, ele fa lou e explicou; ou, seja, ao desejar prom ulgar este orculo, ele dava testemunho de no haver diferena entre ele e a Igreja de Deus neste anncio; mas, como fora eleito e ordenado mestre, assim entregou o que havia recebido, atravs de suas mos. D a Daniel no s enaltece sua prpria f, mas excita a todos os piedosos ansiedade e ateno, para no desprezarem o que Deus pronunciara por sua boca.

    Ele reitera uma vez mais: E le viu em sua viso d u ra n te a noite. U m a vez mais, repito, Daniel afirm a que no apresenta nada mais seno o que autorizadamente lhe entregara. Pois sabemos que na Igreja todas as tradies humanas tm de ser tratadas como algo sem valor, visto a sabedoria humana no passar de vaidade e mentira. Como somente Deus merece ser ouvido pelos fiis, assim Daniel aqui assevera que ele nada oferece de si mesmo por meio de sonhos, no sentido ordinria, mas que a viso certa, e com o tal no engana os piedosos.

    Em seguida ele acrescenta: E eis que os q u a tro ventos do cu agitavam o g ran d e m ar. Dou mais preferncia a esta traduo. Os intrpretes diferem com respeito aos ventos, mas o sentido genuno parece-me ser este: Daniel usa um smile universalmente conhecido, pois em cho firme, quando estala algum a po-

    1 A frase no texto latino um provrbio: nttdum quierere in scyrpo. O francs correto em sua interpretao: chercher de la difficult o il n 'y en a point. Tanto Ennius quanto Terence usam o provrbio.

    12

  • 32* EXPOSIO [7.1,2]

    derosa tempestade, qualquer concusso turbulenta raramente se ouve como vinda do mar. Sem dvida, ele aqui apresenta a imagem de um mar furioso para advertir os fiis contra a proxim idade de comoes terrveis, como se o m ar fosse agitado por tormentas e furiosas tempestades estalassem por todos os lados. Esse o significado da frase. Da denominar ele de quatro ventos, para mostrar aos fiis como o movimento que estilhaaria o globo no seria nico e simples, mas que diversas tormentas viriam juntas de todos os lados - exatamente como acontece. As vezes possvel vermos a terra sacudida justamente como se um a tempestade a quisesse arremessar ao mar vinda de todas as direes, mas o movimento ainda nico. Deus, porm, queria mostrar a seu Profeta no s um a simples concusso, mas muitas e distintas, como se todos os ventos se centrassem num nico conflito geral. verdade que os filsofos enumeram os ventos como sendo mais de quatro quando desejam tratar do nmero com preciso, porm o costume falar de quatro ventos soprando dos quatro cantos ou regies do globo. O sentido, contudo, bvio e de forma alguma forado - sendo o mundo como um mar conturbado, no agitado por uma nica tormenta ou vento, mas por diferentes rajadas conflitantes, como se todos os cus conspirassem para provocarem comoes.

    Esta viso, num primeiro relance, parece muito amarga para os fiis, porquanto contavam os anos prescritos por Jeremias; expirando assim os setenta anos, Deus ento lhes prometera o trmino de suas tribulaes. Agora Deus anuncia que no devem deixar-se dominar pela esperana de repouso e alegria; mas, ao contrrio, que se preparassem para enfrentar o mpeto de ventos ainda mais ferozes, quando o mundo seria por toda parte agitado por diferentes tormentas. Quem sabe chegassem mesmo a suspeitar que Deus no concretizaria suas promessas; todavia, isso seria suficiente para apaziguar suas mentes e reanim-las com a esperana de redeno, quando nada viam acontecer, nem abrup

    13

  • [7.3] DANIEL

    tamente, nem casualmente. Uma vez mais Deus veio ao encontro de suas tentaes a fim de que sua coragem no se desvanecesse, ensinando-lhes que o mtodo de sua redeno no era to fcil quanto haviam previamente concebido luz das predies anteriores. Deus deveras no havia mudado seus planos, pois ainda que passasse um longo perodo desde que ele falara pelos lbios de Isafas e outros profetas, todavia desejava preparar os judeus contra a delonga, a fim de que no se lhes desvanecesse a coragem que lhes era requerida para mitigar to profundas aflies. Mas quando a redeno realmente se aproximava, ento Deus explicou seu mtodo mais clara e familiarmente, e mostrou quo grandes e severas eram as lutas restantes. Da os fiis, introduzidos por tais profecias, contenderiam exaustivamente, e todavia avanariam constantemente em seu curso de f e obedincia. E ento prossegue:

    3 E quatro animais grandes, d iferentes uns 3 E t quatuor b e s t is raagn prodibant e d os outros, subiram do mar. mari. d iv e rs* hsec ab illa.'

    Depois que Daniel divisou essas grandes comoes que estavam abalando a terra em diferentes partes, foi-lhe oferecida outra viso. O que j se disse concernente ao mar agitado e o conflito dos ventos se estende a quatro monarquias, acerca das quais trataremos agora. Insinua-se uma certa preparao quando Deus pe ante os olhos de seu Profeta um mar conturbado, proveniente do conflito dos ventos. como se dissesse: depois dessas turbulncias, outras surgiro; assim os homens esperaro em vo pela paz e tranqilidade, pois tero de sofrer sob as agitaes da carne. Agora expresso o tipo de conturbao, atravs das palavras: q u a tro an im ais g randes su b iram do m ar. D a essa concusso, essas tormentas e esse confuso distrbio do mundo inteiro atravs de um reino sucedendo a outro. Dificilmente seria possvel ocorrer que algum reino venha a perecer sem que envolva outros

    ' Ou. seja, diferenciando entre si.

    14

  • 32* EXPOSIO [7.4]

    em sua runa. Dificilmente seria possvel que um nico edifcio se desmorone sem que sua coliso seja ouvida por rinces distantes e a terra no se embasbaque ante sua fragorosa runa. Ento, o que aconteceria quando as mais poderosas monarquias subitamente perecessem? Da Daniel mostrar neste versculo como o mundo se assemelha a um mar encapelado, um a vez que violentas mudanas, entre seus imprios, estavam to prximas. A com parao dos imprios com animais facilmente explicvel. Sabemos como a glria e o poder de Deus se manifestam com fulgor em todos os reinos, se forem corretamente conduzidos segundo a lei da eqidade. Visto, porm, que amide vemos a verdade do que fora dito a Alexandre: Os maiores reinos so os maiores gatunos, e bem poucos assimilam todo o poder num grande imprio e exercem uma tirania cruel e excessiva. Aqui o Profeta compara os imprios a animais enormes e selvagens, dos quais ele tratar mais adiante. Agora entendemos o significados das palavras: e podemos aprender esta lio do que geralmente acontece nos imprios do mundo; em si mesmos, como j dissemos, eles so os mais belos reflexos da sabedoria, virtude e justia divinas, a despeito de que os que obtm supremo domnio raramente reconhecem que eles mesmos so criados para o desempenho de seu ofcio. Portanto, como os reis so, em sua maioria, tiranos, sobrecarregados de crueldade e barbrie, esquecidos do esprito de humanidade, o Profeta caracteriza esse vcio como que emanando deles mesmos, e no da sacra ordenao de Deus. Avancemos mais:

    4 O prim eiro era com o um leo, e tinha 4 Prim a sicut leo,1 e t alie a q u ilx ei: vidiasas de gua; enquanto eu olhava, foram - donec e v u ls s sun ta lsee jus, e tsu b la ta fu itlhe arrancadas as asas, e ele foi levantado e terra, e t super pedes suos quasi hom oda terra e posto em p com o um hom em , estetit. e t cor hom inis datum est ei.e foi-lhe dado um corao de hom em .

    evidente que as quatro monarquias so aqui representadas.

    A primeira besta como um leio.

    15

  • [7.4] DANIEL

    No h, porm, concordncia entre todos os escritores sobre qual m onarquia a ltim a e qual a terceira. Com respeito primeira, todos se dispem a entender a viso como sendo um a referncia ao imprio caldaico, o qual se uniu ao assrio, como j se viu anteriormente. Pois Nnive foi absorvida pelos caldeus e babilnios; porm o Profeta discorre por fim sobre o imprio assrio e caldaico, o qual ento florescia. Ningum, contudo, teria imaginado que seu fim estaria to prximo; e na mesma noite em que Belsazar foi morto, vimos como ele, entregue segurana e soberba, mergulhou em seus prazeres, e que excessiva e desatenta segurana imperava por toda a cidade. Essa monarquia, pois, tem de estar, em primeiro lugar, diante de nossos olhos. Visto como no segundo captulo esse imprio foi chamado a cabea de ouro da esttua, assim tambm ele agora chamado um leo; ou, seja, comparado a um animal nobre. Est compreendido sob a imagem de um animal, e sua ferocidade e atrocidade, como eu j disse, esto assim implcitas; mas, com respeito ao outro reino, admite-se-lhe alguma superioridade, visto que o mundo est sem pre indo de mal a pior. E ainda que Ciro fosse um prncipe bastante prudente, todavia ele no atingiu a temperana dos sculos anteriores; era insacivel em sua ambio, avareza e crueldade. Pois Isaas tambm, ao falar dos persas, diz: "no faro caso da prata, nem tampouco desejaro ouro (13.17).

    Percebemos, pois, a razo por que o profeta diz: O p rim eiro an im al e ra com o leo, posto que maior integridade florescia sob os caldeus do que quando todos os imprios se mesclaram, e os persas subjugaram tanto os caldeus quanto os medos. Pois evidente, luz de todas as histrias, que constituam uma nao brbara e feroz. Alis, eram ostentosos em seu louvor da virtude, visto que viviam suas vidas em austeridade e desprezavam toda e qualquer luxria e eram excessivamente temperantes em seu viver; sua ferocidade e brutal crueldade, porm, fizeram deles seres detestveis.

    16

  • 32* EXPOSIO 17.4]

    O primeiro animal, pois, era como leo , diz ele, e tin h a asas de guias; ou, seja, embora fosse um leo. todavia possua asas. Isso se refere a sua ligeireza, visto sabermos como em pouco tempo os assrios fizeram sua monarquia desenvolver-se, pois haviam previamente subjugado os caldeu, precisamente como um leo em sua ligeireza. Pois um leo possua fora, mpeto e crueldade para a prtica de destruio. Alm disso, o Profeta viu um leo alado, visto que no s aumentavam seu imprio com sua prpria fora, mas subitamente estenderam suas asas em toda direo. Vemos, pois, como a fora e o poder esto implcitos, de um lado, e maior rapidez, do outro. Em seguida, ele diz: Suas asas fo ram a rran ca d as . Pois quando os caldeus quiseram estender suas fronteiras ainda mais, o Senhor os restringiu dentro dos devidos limites e refreou suas vitrias contnuas. Suas asas foram ento arrancadas quando Deus os restringiu, pondo-lhes freio para que no avanassem to livremente com o fizeram anteriormente.

    Ento o Profeta acrescenta: E ste an im al foi levan tado da te rra , implicitando a cessao do imprio. Porque nem os caldeus nem os assrios foram inteiramente destrudos; porm sua glria foi completamente obliterada. O rosto do animal no mais apareceu, quando Deus transferiu essa monarquia para os medos e persas. D a o Profeta acrescentar: e posto em p com o um hom em , e lhe foi dado um corao de hom em . Por meio dessa forma de expresso, ele pretendia realar a reduo dos assrios e caldeus a sua ordinria condio, e que no mais eram como um leo, mas como homens individuais privados de seu poder e fora. Da a expresso e lhe fo i dado um corao como de homem no deve ser entendida guisa de louvor, mas por um homem ele tinha em mente alguma pessoa em particular; como se quisesse dizer: o aspecto dos caldeus e assrios no mais era terrvel, visto que, enquanto prevalecia seu domnio, todos os homens eram terrificados por seu poder. Da Deus remover do mundo o rosto

    17

  • [7.5] DANIEL

    desse animal, substituindo-o por um rosto de homem, e o fez pr-se de p. Anteriormente planavam no ar e desprezavam a terra, pondo tudo sob seus ps; Deus, porm, os fe z erguer sobre seus ps\ ou, seja, no se conduziram segundo seus costumes e postura antiga, mas simplesmente no nvel comum, depois de Deus os privar de seu imprio. Esse, em meu juzo, o significado simples do Profeta. Se houver alguma necessidade, mais adiante confirmaremos as observaes que ora assinalamos, porm rapidamente. Segue:

    5 E e is outro anim al, um segundo, sem e- 5 E t ecce bellua, beslia . posterior altera5 lhanie a um urso, e ele se ergueu num de sim ilis urso (inquit) et surrexit ad latusseus lados, tendo na boca trs costelas unum : e t tres c o s ts in ore ejus in te rd en -entre seus dentes; e lhe foi dito assim : tes ejus: e t sic dicebant e i/ ' Surge, come-L evanta-te, devora m uita carne. de carnem multam.

    Aqui o Profeta proclama como fora instrudo, por meio de um sonho, acerca do segundo animal. Se simplesmente ju lgarmos luz do evento, este animal sem dvida representava o reino dos medos e persas, embora o Profeta especifique os persas, quando o medos desde outrora se submeteram a seu jugo. Eis, diz ele, o u tro an im al sem elhante a um urso. Sabemos ser o urso um animal estpido e imundo, indolente e inerte, bem como cruel. Ao com parar o urso com o leo, sua aparncia imunda e desagradvel, enquanto que a do leo notvel pela beleza e formidvel em seu porte. Ele compara os persas a um urso, em virtude de sua barbrie, porquanto j declaramos que essa nao era em extremo feroz e selvagem. Repetindo, os persas no eram civilizados como os assrios e os caldeus, que habitavam na mais bela regio de todo o mundo, e num pas to encantador que se assemelhava a um nobre teatro. Os persas, porm, viviam ocultos com o bestas selvagens em suas covas. Habitavam entre suas montanhas e viviam como os brutos. Da o Profeta compar-los.

    ' Ou, seja, o segundo animal seguia o primeiro.* Ou, seja. Assim lhe foi diio"; pois esta palavra tomada em sentido indefinida.

    18

  • 32* EXPOSIO [7.5]

    mui apropriadamente, a um urso. Sim, Deus revelou essa form a a seu Profeta. Em seguida, ele acrescenta: e ele se e rg u eu num de seus lados. H quem pensa que isso foi acrescentado com o intuito de expressar o domnio bem combinado dos medos e persas; essa opinio, porm, no se adequa bem. Sabemos quo extenso era o domnio dos medos antes de serem subjugados pelo poder de Ciro e dos persas. Por si ss, os medos eram mais poderosos; ento os persas foram acrescentados e em seguida Ciro apoderou-se das possesses da monarquia caldaica. Ele possuiu inclusive as chaves do Egito, reinou na Sria, dominou a Judia e estendeu-se para alm do mar, at que, por fim, foi vencido pelos citas. Quando, pois, se diz: ele se ps num de seus lados, est implcita a origem obscura de seu reino, pois a fam a dos persas se espalhou inclusive no seio de suas montanhas, at Ciro adqui- rir-lhes um nome por meio de suas proezas. Porque ele era um bravo guerreiro, merecidamente eclipsou a glria de todos os mais. Da, a princpio, esse anim al se ps num de seus lados\ ou, seja, os persas eram sem fama ou reputao; no possuam riquezas e jam ais emergiram de seus esconderijos. Vemos como este particular se restringe a sua origem em decorrncia de sua obscuridade.

    Ento o Profeta acrescenta: tendo n a boca tr s costelas en tre seus dentes; e lhe foi d ito assim : L evanta-te , devo ra m uita carne! Os que entendem as trs costelas como sendo trs reinos definidos parecem dar demasiada ateno a minudncias. Creio ser um nmero indefinido, porque esse animal havia abocanhado no apenas uma costela, mas trs; uma vez que os persas, como j dissemos, exibiam em si o poder dos medos, e mais tarde subjugaram os assrios e os caldeus, e Ciro tambm subjugou muitas naes, at que toda a sia M enor reconhecesse sua autoridade. Quando, pois, o Profeta fala de trs costelas, o que est implcito a natureza insacivel desse animal, posto que no se contentava com apenas um corpo, mas concomitantemente devorava muitos homens. Porque, por muitas costelas ele tem em vista muita

    19

  • {7.5] DANIEL

    presa. Eis o sentido como um todo. No hesito explicar as palavras foi-lhe d ito [ao animal] como um a referncia aos anjos ou ao prprio Deus. H quem prefere entend-las no sentido de estmulo pelo qual Ciro fora instigado crueldade. Visto, porm, que Deus exibe ante seu Profeta a imagem de sua Providncia, o que recentemente sugeri vem a ser muitssimo provvel, ou, seja: fo i-lhe d ito : E rgue-te , devo ra m u ita carne ; no porque Deus fosse o autor de crueldade; mas, visto que ele governa, por seu secreto conselho, os eventos que os homens realizam sem mtodo, sua autoridade aqui merecidamente posta ante nossos olhos. Posto que Ciro no teria penetrado to ligeiramente em diferentes regies, cumulado para si tantos imprios e subjugado naes to poderosas, no houvera Deus planejado punir o mundo, e no teria tomado a Ciro como seu instrumento de matana. Como, pois, Ciro executou a vingana de Deus derramando tanto sangue humano, o Profeta declara que lhe disseram: Ergue-te, devora muita carne. Em um aspecto, Deus no se deleitou com a matana de tantas naes, pelas mos de Ciro e pelo crescente poder e tirania de um s homem atravs do derramamento de sangue humano; mas, em outro aspecto, fala-se de Deus como comandando a conduta de Ciro, uma vez que ele queria punir o mundo por sua ingratido, qual acrescentou-se a mais desesperada obstinao e rebelio. No havia remdio para tais vcios; da Deus confiar a Ciro o dever de executar seu juzo. Sinto-me compelido a deter-me neste ponto.

    ORAO

    Deus Onipotente, visto que nos expuseste a vrias tribulaes neste mundo com o propsito de exercitar nossa f e pacincia, concede- nos que permaneamos tranquilos em nossa condio, pelo exerccio da confiana em tuas promessas. Quando as tormentas nos envolvem de todos os lados, que jamais desmaiemos e jam ais nossa coragem se descorooe; ao contrrio, que permaneamos firm es em nossa vocao. O que quer que acontea, possamos reconhecer-te como Aquele que leva a bom termo o governo do mundo, no s para

    20

  • 32* EXPOSIO

    punir a ingratido dos rprobos, mas para reter a f de teu prprio povo e revelar-lhe tua proteo, bem como preserv-lo at o fim. Que mantenhamos nossa pacincia, sejam quais forem as mudanas que nos afetem; e que nossa mente jam ais se perturbe e mergulhe em profunda angstia, at que, por fim, sejamos congregados naquele descanso feliz, onde estaremos isentos de toda guerra e de todas as disputas, e onde desfrutaremos da eterna bem-aventurana, a qual preparaste para ns em teu unignito Filho. Amm

    21

  • 33ag.xposio6 D epois disso, continuei olhando, e eis 6 Post hoc vidi,7 e t ecce alia, beslia scili-outro , sem elhante a um leopardo, e tinha cet, sicut pardus, sim iiis pardo, e t alsequatro asas de aves em suas costas; o ani- quatuor avis super dorsum ejus, e t quatu-mal tinha tam bm quatro cabeas; e foi- o r capita b c s tis : et potestas data est ei.lhe dado dom nio.

    Daniel acaba de falar de dois imprios, a saber: o caldaico e o persa. Os intrpretes concordam com a necessidade de atribuir esta viso ao imprio macednio. Ele compara esse reino a um leopardo, ou, como alguns o traduzem, a um a pantera, visto Alexandre haver granjeado seu grande poder unicamente por sua rapidez. E ainda que ele no fosse de modo algum um animal notvel, todavia conduziu-se com extraordinria rapidez e subjugou todo o Oriente. Outros encontram muitos pontos de semelhana, nos quais o carter grego se acha em harmonia com a natureza do leopardo. Receio, porm, que tais minutics sejam de mui pouco peso. Para mim suficiente que o Esprito esteja aqui tratando do terceiro imprio. A princpio ele no era de grande importncia, e tampouco podia terrificar as regies longnquas nem adquirir sditos por sua prpria dignidade. Ento ele veio a tornar-se semelhante a um animal veloz, se assim podemos dizer, visto a rapidez de Alexandre tornar-se notria; porm no se destacou em prudncia, nem em gravidade, nem em juzo, nem em quaisquer outras virtudes. A mera precipitao assenhoreou-se dele; e mesmo que jam ais houvesse provado vinho, s sua ambio o

    1 Ou. seja, foi-me oferecida uma viso.

    22

  • 33" EXPOSIO [7.6]

    teria intoxicado. Da ser toda a vida de Alexandre a de um brio; no havia nele nem moderao nem compostura. Vemos, pois, quo adequadamente isso corresponde ao carter de Alexandre, ainda que o mesmo se tenha estendido a seus sucessores, partilhando todos eles, em grande escala, da natureza de seu prncipe. Portanto Daniel declara: A pareceu-lhe ou tro anim al sem elhante a u m leopardo.

    E diz tambm: T in h a ele q u a tro asas nas costas e q u a tro cabeas. Algumas pessoas, e creio que obstinadamente, fazem distino entre as asas e as cabeas. Pressupem o reino na figura de animais alados, visto Alexandre haver se assenhoreado de muitos reinos num perodo muito curto. O sentido mais simples, porm, que esse animal tinha quatro asas e quatro cabeas, uma vez que Alexandre, ao morrer, dificilmente teria completado suas vitrias, contrariando toda e qualquer expectativa; e, depois de sua morte, cada uma [das cabeas] assenhoreou-se para si de uma poro da presa. Entretanto, isto indubitvel: depois de os principais generais de seu exrcito haver contendido por muitos anos, todas as histrias concordam em declarar que o supremo poder centrou-se em quatro. Pois Seleuco obteve a sia M aior e Ant- gono, a sia Menor; Cassandro foi rei da Macednia, e foi sucedido por Antpater; enquanto que Ptolomeu, filho de Lago, veio a ser o governante do Egito. Alis, haviam tambm concordado entre si: pois Alexandre teve um filho com Roxana, filha de Da- rio; ele teve um irmo, Arideus, que chegou idade adulta, mas era epilptico e de intelecto avariado. Ento, j que os generais de Alexandre eram por demais sagazes, agiram sob esse pretexto para que todos jurassem lealdade a seu guarda, e ento a Ari- dasus, em caso de seu guarda morrer antes que chegasse idade senil.8 Ento Lismaco foi posto sobre o tesouro, outro comandou as foras e os outros receberam vrias provncias. Quinze ou

    ' O texto latino na edio de Genebra de 16J7 traz populi", onde deveria ser "pupillC. A de 1569 a redao correia - pupilU".

    23

  • [7.6] DANIEL

    vinte lderes dividiram entre si as foras e o poder, enquanto ningum ousava assumir o ttulo real. Pois o filho de Alexandre era o rei legtimo e seu sucessor era aquele A rid$us de quem j falei. Mas logo depois se uniram; e essa foi um espcimen admirvel de providncia divina, o que por si s suficiente para provar aquela passagem bblica: Aquele que derramar o sangue do homem, pelo homem seu sangue ser derramado (Gn 9.6). Porquanto nenhum dos generais de Alexandre escapou em segurana, exceto aqueles quatro de quem j fizemos meno. Sua me, com a idade de oitenta anos, sofreu morte violenta; sua esposa, Roxana, foi estrangulada; seu filho pereceu miseravelmente; Ari- dzeus, seu irmo, homem de mente avariada, e quase se nivelando aos brutos, foi morto com o restante - na verdade toda a fam lia de Alexandre sofreu mortes violentas. Com respeito aos generais, pereceram em batalhas, sendo alguns deles trados por seus soldados e outros, vtimas de sua prpria negligncia; e, todavia, posto que previssem um fim sanguinrio, no escaparam dele. Mas, somente quatro sobreviveram, e assim todo o imprio de Alexandre foi dividido em quatro partes. Pois Seleuco, cujo sucessor foi Antoco, obteve a sia Superior, ou, seja, o imprio oriental; Antgono, a sia Menor, com parte da Cilicia, Panflia e outras regies circunvizinhas; Ptolomeu apoderou-se do Egito e parte da frica; Cassandro e ento Antpater foram reis da Mace- dnia. Pelas expresses quatro asas e quatro cabeas Daniel tem em mente aquela partilha que se procedeu imediatamente aps a morte de Alexandre. Agora, pois, entendemos o que Deus quis mostrar a seu profeta sob esta viso, quando ps diante dele a imagem de um leopardo com quatro asas e quatro cabeas.

    D iz ele: Foi dado poder ao an im al, porque o sucesso de Alexandre, o Grande, foi incrvel. Pois quem teria imaginado que, ao cruzar o mar, teria ele conquistado toda a sia e o Oriente? Levou consigo 30.000 homens, e no empreendeu a guerra exclusivamente sob sua prpria responsabilidade, mas, atravs de

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  • 33* EXPOSIO [7.7]

    vrias artes, ele obteve dos Estados Livres nomeao para a liderana da Grcia. Alexandre foi, portanto, um rei de mercenrios gregos, porque no podia levar consigo mais de 30.000 homens, com o j dissem os. Engajou na batalha 150.000, em seguida 400.000, e ento quase uma mirade. Pois Dario, em sua ltima batalha, havia coletado acima de 800.000 homens, alm de camponeses; de sorte que juntou a seu redor quase um milho. A lexandre j havia atrado a si alguns auxiliares dentre as naes estrangeiras que havia conquistado; porm no pde confiar neles. D a toda sua fora estar centrada nesses 30.000, e no dia em que venceu a Dario sentia-se to vencido pelo sono que mal podia manter-se desperto. Os historiadores que enaltecem sua prudncia justificam esse fato registrando sua viglia durante a noite anterior. Alm disso, todos concordam em declarar que ele se manteve aparentemente morto, e quando todos seus generais se aproximaram, quase no puderam acord-lo, e ento propositadamente fizeram ecoar um a gritaria em torno de sua tenda, ainda que ningum ousasse entrar. Alexandre mal esfregara seus olhos, e Dario j havia fugido. Da ser verdadeira a declarao do Profeta: ao animal fo i dado poder, visto tal acontecimento ter-se dado alm da expectativa natural e de toda e qualquer opinio humana, como se por sua exclusiva orientao ele pudesse apavorar toda a Grcia e lanar prostrado to imenso exrcito. Ele fala isso em referncia ao Terceiro Imprio. No repetirei aqui o que se pode dizer e se pode deduzir da histria; pois muitas coisas podem ser proteladas at o captulo onze. Portanto, sumariarei em termos breves os pontos que parecem necessrios para a interpretao da passagem. Ento prossegue:

    7 D epois d isso vi nas vises noturnas, e 7 Postea, post hoc. vidi, hocest, videbam,eis um quarto anim al, espantoso e tem '- in visionibus noctis; e t ecce b estiaquartavel e excessivam ente forte; e ele linha form idabilis, e t m etuenda,9 e t fortis val-grandes den tes de ferro; devorava e des- de: et dentes ferri, hocest, feirei, illi mag-

    * Ou. seja, o qual pode infligir terror.

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  • [7.7] DANIEL

    pedaava e p isava aos ps o que sobrava; ni: com edens e t conterens, et reliquume era d iferente de todos os anim ais que pedibus conculcans: e t ip sa diversa eraivieram an tes dele; e tinha dez chifres. ab om nibus bestiis prioribus, e t com ua

    decem illi.

    A dificuldade com esta Quarta M onarquia ainda maior. Os que se revestem de juzo moderado confessam que esta viso se concretizou no imprio romano; mas depois discordam, um a vez que o que aqui se diz do quarto animal muitos transferem para o papa. ao acrescentar-se o surgimento de um Pequeno Chifre; outros, porm, acreditam que o que est aqui compreendido o reino turco sob o romano. Os judeus em sua maioria se inclinam nesta direo, e so necessariamente compelidos a agir assim, visto que Daniel mais adiante acrescentar: Vi o trono do Filho do Homem; visto ser evidente, luz desta predio, que o reino de Cristo foi erigido pela subverso do domnio romano, os ju deus retrocedem e, como j disse, renem a monarquia turca com a romana, um a vez que no descobrem seu Cristo em conformidade com sua imaginao. E h entre nossos escritores quem pense dever esta imagem restringir-se ao imprio romano, mas que deve incluir o turco. A meu ver, no h nada provvel nessa opinio. No tenho dvida de que nesta viso mostrou-se ao profeta a figura do imprio romano, e isso se far ainda mais evidente medida que avanarmos.

    D iz ele que surgira u m q u a r to an im al. No fixa um nome, porque nada semelhante existira no mundo. O profeta, no acrescentando nenhuma similitude, d a entender quo terrvel monstro era aquele, pois previamente comparara o imprio caldaico a um leo, o persa a um urso e o macednio a um leopardo. Em tais comparaes havia algo de natural; mas quando se dirige ao quarto animal, sua descrio : e ra form idvel em seu aspecto , e te r r vel, e bravssim o, ou muito forte, e sem qualquer adio o denomina um animal . Vemos, pois, seu desejo de expressar algo prodigioso atravs desse quarto animal, como no havendo animal to feroz ou cruel no mundo que pudesse, de algum a forma,

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  • 33a EXPOSIO [7.7]

    representar com suficiente fora a natureza deste animal. Portanto, eis o quarto animal, o qual era form idvel e feroz e fo rtssimo. No temos notcia de um a tal monarquia antes desta. Ainda que Alexandre subjugasse toda o Oriente, sua vitria, bem o sabemos, no foi estvel. Ele apenas se contentou com a fama; concedeu liberdade a todo mundo; e enquanto fosse bajulado por todos, nada mais lhe importava. Sabemos, porm, que os romanos se tom aram soberanos at mesmo sobre Babilnia; sabemos ainda que os seguintes pases foram subjugados por eles: sia Menor, Sria, Cilicia, Grcia e Macednia, tanto a Espanha, a Glia, o Ilrico como parte da Alemanha. Por fim, a Bretanha foi subjugada por Jlio Csar. No surpreende que esse animal fosse denominado t form idvel e fortssim o ! Pois antes que Jlio Csar se tornasse soberano do imprio, todo o M ar M editerrneo se tornou, em todas suas partes, sujeito ao imprio romano. Sua espantosa extenso bem notria. verdade que o Egito teve seus prprios reis, mas era tributrio; todos os ditos que os romanos decretavam eram imediatamente executados no Egito. Existiam soberanos menores na sia Menor como um a espcie de espies, mas tal estado de coisas trataremos no momento oportuno. tambm mui notrio que possuam poder supremo sobre todo o Mar M editerrneo, e isso mediante a conquista de Mitridates. Pompeu reduziu o Ponto a seu vassalo. As atividades no Oriente foram todas pacificadas. Os medos e os persas lhe trouxeram muita dificuldade, mas jam ais reagiam a no ser que fossem provocados. Os espanhis no estavam ainda acostumados ao jugo, porm sabemos que sempre houve dois pretores ali. Jlio Csar foi o primeiro a entrar na Bretanha depois de subjugar a Glia. Da vermos o quanto e quo amplamente os romanos estenderam seu poder, e com que imensa crueldade. D a Daniel denominar este animal dq form idvel e fortssimo.

    E em seguida acrescenta: possua g randes den tes d e ferro . Isso deve ser atribudo a sua audcia e insacivel avidez. Desco-

    27

  • [7.7] DANIEL

    brimos que sua nao era completamente isenta do medo da m orte; pois eram to impiedosos que, se algum deles se desertasse de suas fileiras para evitar o perigo, o mesmo era em seguida estigmatizado com tais marcas de infmia, que ou era com pelido a estrangular-se ou aexpor-se voluntariamente morte! Existe, pois, certa crueldade brutal naquela nao, e sabemos quo insaciveis eram eles. Por essa razo, Daniel diz que tinham grandes dentes de ferro. E acrescenta: ele consum ia, despedaava e p isava aos ps o que sobejava.

    Essas coisas so expressas alegoricamente, no s porque esta viso foi apresentada ao santo Profeta, mas tambm porque Deus desejava pint-la com cores vivas, nas quais pudesse exibir o carter peculiar de cada governo. Pois sabemos quantas terras os romanos consumiram e como transferiram para si as pompas do mundo inteiro, e tudo quanto era valioso e precioso na Asia M enor, na Grcia, na Macednia, bem como em todas as ilhas e na sia M aior - era tudo varrido! - e tudo isso era ainda insuficiente para saci-los! Essa, pois, a voracidade de que o Profeta ora fala, visto que consumiam, diz ele, e pisavam aos ps o que sobejava - metfora essa digna de observao, porquanto sabemos que estavam acostumados a distribuir a presa que pudessem levar consigo. Devoravam e rasgavam com seus dentes os tesouros e tudo quanto era objeto carssimo. Pois suas provises provinham dos tributos que, por sua vez, produziam enormes somas de dinheiro. Se havia alguma poro do M editerrneo que no pudessem defender sem manter ali um a guarnio permanente, sabemos que empregavam os servios de reis tributrios. Assim o reino de Eumenes aumentou numa grande extenso at os tempos de seu neto talo, mas a concederam em parte aos rodianos e em parte aos cipriotas e outros. Jamais remuneravam os aliados que quase exauriam suas prprias possesses no esforo de auxi- li-los, tirando de seus prprios recursos, porm os enriqueciam espoliando outros; e no s apoderavam da propriedade de uma

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  • 33a EXPOSIO [7.7]

    cidade e a concediam a outra, mas expunham suas terras venda. E assim a liberdade dos lacedemonianos foi entregue ao tirano Nabis. Tambm enriqueceram os masinissas com tanta riqueza, que adquiriram a frica para si a sua prpria custa. Em suma, eles agraciaram de tal sorte os reinos, apoderando-se deles e dando-lhes domnio, que se converteram em provncias tranqilas pela riqueza e s custas de outras. Isso se fez admiravelmente conspcuo no caso da Judia, onde do nada criaram etnarcas, te- trarcas e reis, que outra coisa no eram seno seus satlites - e que no duravam mais que um momento. Pois to logo alguma mudana ocorria, retraam o que haviam dado to facilmente quanto o haviam concedido. D a essa sua astuta liberalidade ser denominada como pisar sob a planta de seus ps\ pois, o que sobrava do que no podiam devorar e consumir, lanavam debaixo de seus ps e o pisoteavam , mantendo em sujeio todos quantos haviam enriquecido ou favorecido. Assim vemos com que servido eram exaltados por aqueles que haviam obtido algo atravs de sua generosidade. E quo degradante era a servido da Grcia desde o tempo em que os romanos entraram no pas! Pois assim que cada estado adquiria algum novo territrio, logo erigia um templo em honra dos romanos. Enviavam tambm seus em baixadores para l e os erigiam como espies que, sob a pretenso de punir o povo vizinho por subtevar-se contra eles, enriqueciam-se por meio de pilhagem. E assim os romanos mantinham debaixo de seus ps tudo quanto haviam dado a outros. Vemos, pois, com quanta propriedade e justeza fala o Profeta, ao dizer: os romanos pisoteavam o resto; pois quanto estava em seu poder, o que no podiam consumir, e que sua voracidade no podia devorar, eles pisavam debaixo de seus ps.

    E em seguida acrescenta: E este an im al e ra d iferen te de to dos os an te rio res , e possua dez chifres. Ao dizer: este animal era diferente de todos os anteriores, ele confirma o que anteriormente eu disse, ou, seja, este era um prodgio horrvel, e nada se

    29

  • [7.7] DANIEL

    lhe podia comparar na natureza das coisas. E, seguramente, se algum atentar e prudentemente considerar a origem dos romanos, com certeza se sentir atnito ante seu notvel progresso de to imenso poder; pois ele era um monstro inusitado, e nada semelhante jam ais aparecera. Os intrpretes analisam de vrias maneiras o que o Profeta anexa no que diz respeito aos dez chifres. Eu sigo um a opinio simples, porm genuna, a saber: o que o Profeta tem em mente que este imprio pertence a mais de um a pessoa. Porquanto o anjo a seguir assevera que os dez chifres so reis; no que Roma seria governada por muitos reis, segundo o tolo sonho dos judeus, os quais so ignorantes quanto a todas as coisas; o Profeta, porm, aqui distingue do resto a Quarta M onarquia, como se quisesse dizer que a mesma seria um governo popular, no presidido por apenas um rei, mas dividido em muitas cabeas. Pois ainda dividiam as provncias entre si e faziam alianas recprocas, de modo que um era governador da Ma- cednia, outra da Cilicia e outro da Sria. E assim notamos quo numerosos eram os reinos. E com respeito ao nmero dez, sabemos ser essa uma forma de expresso freqente e comum na Escritura, onde dez significa muitos. Quando se denota pluralidade, se usa o nmero dez. Portanto, quando o Profeta declara que o quarto animal possua dez chifres, sua inteno que h muitas provncias assim divididas, uma para cada governante, fosse procnsul ou pretor, era ele considerado rei. Enquanto o poder suprem o lhes era dado, a cidade e a Itlia eram cedidas aos cnsules. Alis, o cnsul podia escrever s provncias e ordenar-lhes o que bem lhe agradasse; e assim ele podia elevar em honra a quem quisesse motivado por algum favor ou amizade; porm, cada um dos pretores e procnsules, ao obter uma provncia, se convertia numa espcie de rei, um a vez que ele exercia o supremo poder de vida e morte sobre todos seus sditos. No carece ficarmos preocupados com o nmero, como j explicamos. Os que o aplicam s provncias romanas cometem grave equvoco; omitem o elemento primordial; consideram Espanha como apenas um a pro-

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  • 33* EXPOSIO [7.8]

    vncia, quando sabemos que havia duas. No dividem a Glia, todavia sempre houve ali dois procnsules, com exceo de Jlio Csar que obteve o comando de ambas as Glias. Da mesma forma se referem Grcia, e no entanto nem procnsul nem pretor jam ais era enviado para l. Finalmente o Profeta simplesmente pretende dizer que o imprio romano era complexo, sendo dividido em muitas provncias, e essas provncias eram governadas por lderes de grande dignidade em Roma, cuja autoridade e posio eram superiores aos demais. Os procnsules e pretores obtinham as provncias por sorteio, mas o favor amide prevalecia, como as histrias daqueles tempos nos asseguram sobejamente. Prossigamos:

    8 E stando eu a considerar o s chifres, eis que entre e les subiu outro chifre pequeno, d iante do qual havia trs d en treos prim eiros ch ifres arrancados pelas razes; e eis que neste chifre havia o lhos com o os o lhos de hom em , e um a boca que falava grandes coisas.

    Daniel prossegue com sua descrio do quarto animal. Primeiro, diz ele, eu estava aten to [ou considerava], com a inteno de despertar-nos para sria meditao. Pois o que se diz do quarto animal era extraordinariamente memorvel e digno de nota. Eis, pois, a razo por que Deus golpeou o corao de seu servo com indagao. Pois o Profeta no teria dado ateno considerao do quarto animal a menos que fosse impelido pelo instinto secreto de Deus. A ateno do Profeta, pois, proviera de um impulso celestial. D a ser nosso dever ler o que aqui est escrito, no com um a mente displicente, seno com o intuito de pesar seriamente e com a mais atenta diligncia o que o Esprito pretende com esta viso.

    Portanto, eu estava a ten to , diz ele, p a ra os chifres, e eis que

    10 Ou. seja, eu estava atento.

    8 In telligebam 1 ad cornua: e t ecce cornu aliud parvum exortum fuit in ter alia: et tria ex cornibus prioribus ab lata sun t e facie ejus: et ecce oculi quasi oculi hom inis in cornu illo, e t os loquens grandia.

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  • [7.8] DANIEL

    sub iu en tre eles u m chifre pequeno. Aqui os intrpretes com eam a diferir entre si. Alguns o torcem para significar o papa; e outros, a Turquia. Mas nenhuma dessas opinies me parece provvel. Ambas so errneas, um a vez que acreditam que todo o curso do reino de Cristo est aqui descrito, enquanto Deus queria simplesmente declarar a seu Profeta o que sucederia at o primeiro advento de Cristo. Eis, pois, o erro de todos aqueles que querem abarcar nesta viso o estado perptuo da Igreja at o fim do mundo. A inteno do Esprito Santo, porm, era totalmente diferente. Explicamos no incio por que esta viso foi dada ao Profeta - porque as mentes dos santos desmaiariam constantemente ante as terrveis convulses que se aproximavam, ao verem o supremo domnio escapar aos persas. E ento os maced- nios se lanaram sobre eles e se revestiram de autoridade por todo o Oriente, e em seguida os assaltantes que fizeram guerra sob o comando de Alexandre de repente se converteram em reis, em parte por crueldade e em parte por fraude e perfdia, o que criou mais discrdia do que hostilidade aparente. E quando os fiis viram todas essas monarquias perecerem, e o imprio romano surgir como um novo prodgio, sua coragem se desvaneceu em meio a tais mudanas confusas e turbulentas. E assim esta viso foi apresentada ao Profeta para que todos os filhos de Deus viessem a entender que graves tribulaes os aguardavam antes do advento de Cristo. Daniel, pois, no foi alm da redeno prometida e no abrangeu, como eu j disse, todo o reino de Cristo, mas se contenta em apresentar aos fiis aquela exibio da graa que aguardavam e pela qual suspiravam.

    suficientemente bvio, pois, que essa exibio deva ser uma indicao do primeiro advento de Cristo. No tenho dvida de que o pequeno chifre se relaciona com Jlio Csar e com os outros Csares que o sucederam, a saber: Augusto, Tibrio, Calgu- la, Cludio, Nero e outros. Se bem que, como eu disse antes, o conselho do Esprito Santo se fazia presente, o qual conduziu os

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  • 33* EXPOSIO (7.8]

    fiis rumo aos primrdios do reino de Cristo, ou, seja, para a pregao do evangelho, a qual comeou sob Cludio, Nero e seus sucessores. Eie o denomina de pequeno chifre, porquanto Csar no assumiu o ttulo de rei; quando, porm, Pompeu e a maioria do senado foram vencidos, ele no celebrou sua vitria sem antes arrogar para si o poder supremo. Da ele se fez tribuno do povo e seu ditador. Entrementes, sempre houve procnsules; existiu sempre alguma sombra de repblica, enquanto consultava diariamente o senado e assentava-se em seu trono enquanto os cnsules estavam nos tribunais. Otvio seguiu a mesma ttica, e mais tarde tambm Tibrio. Pois nenhum dos Csares, a menos que fosse cnsul, ousava ascender ao tribunal; cada um tinha sua prpria sede, ainda que dessa posio ele pudesse com andar todos os demais. No surpreende, pois, que Daniel tenha denominado a monarquia de Jlio e dos demais Csares de pequeno chifre, seu esplendor e dignidade no eram bastante grandes para eclipsar a majestade do senado; pois enquanto o senado retinha o ttulo e a forma de honra, suficientemente notrio que um nico homem possua o poder supremo. Portanto, ele diz: este pequeno chifre se ergueu en tre os ou tros dez. Tenho que prorrogar a explicao do que segue, a saber: tr s desses dez fo ram arran cad o s.

    ORAO

    Deus Onipotente, visto que outrora admoestaste teus servos de que teus filhos, enquantoforem peregrinos neste mundo, devem estar bem a par de bestas horrveis e cruis, caso a mesma coisa vier a suceder-nos, que estejamos preparados para todo e qualquer combate.Que suportemos e venamos todas as tentaes, e que jam ais duvidemos de teu intuito de defender-nos por tua proteo e poder, consoante tua promessa. Que prossigamos pelos meandros de inumerveis perigos, at que se conclua a trajetria de nossa luta e por fim alcancemos aquele fe liz descanso que nos est preparado no cu p o r Cristo nosso Senhor. Amm.

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  • 34ag.xposio(~ 7rs coisas restam a serem explicadas por ns na exposio

    dos Quatro Animais. Em primeiro lugar, trs chifres foram arrancados de seus lugares; segundo, o pequeno chifre, que subiu entre os dez, apareceu com olhos humanos; terceiro, fa lava com magnificncia, ou pronunciava palavras arrogantes. Com respeito aos trs chifres, suficientemente bvio luz do testemunho do anjo que eram trs reis; no porque isso deva indicar pessoas, como refutei na mensagem anterior, mas porque os romanos costum avam enviar a cada provncia governantes como reis que ali exerciam suprema autoridade. Os que estendem esta profecia at o final do reino de Cristo crem que est im plcita uma disperso que ocorreu certa de trs ou cinco sculos depois da morte de Cristo; porm esto muitssimo equivocados. Evidentemente, boa parte de toda a fora do imprio romano era exaurida e as provncias gradualmente eliminadas at tornar-se um a espcie de corpo mutilado; mas j demonstrei a inexatido de qualquer explicao deste orculo, exceto aquela acerca do estado da Igreja no primeiro advento de Cristo e a proclamao do evangelho. Naquele tempo, sabe-se bem, nada fora subtrado das fronteiras do imprio. Pois Jlio Csar foi formidvel no s em relao aos gauleses, mas tambm em relao aos germnicos; e, alm disso, os negcios do Oriente estavam em paz. Aps sua morte, ainda que Otvio ou Augusto houvesse sofrido dois m orticnios muito destrutivos, especialmente sob Quintino Varo, o qual foi enviado Germnia com um poderoso exrcito, todavia

    34

  • ele tambm estendeu as fronteiras do imprio, especialmente no Oriente. Ele tambm subjugou toda a Espanha, onde depois disso no mais ocorreu nenhuma comoo. Portanto, como naquele perodo nenhuma provncia foi eliminada do imprio romano, o que se pretende com a expresso: Trs chifres foram arrancados e removido do animal pelas razesJ A soluo no difcil. Basta observarmos como o pequeno chifre comparado com a primeira estrutura do animal. Ele prim eiro apareceu com dez chifres; quando o pequeno chifre se ergueu, sua figura foi modificada. O Profeta ento diz - uma parte dos chifres foi eliminada, quando o senado ento cessou de criar procnsules. Pois sabemos que, quando Augusto assumiu para si certas provncias, ele fez isso com o propsito de criar presidentes segundo seu talante e de constituir um a fora bem resistente, sempre perto, para que ningum se rebelasse contra ele. Pois ele no se preocupava tanto com as provncias quanto com um exrcito, qualquer tumulto que surgisse. Portanto, ele nutria o desejo de pr freio a todas elas a fim de que nenhuma ousasse tentar um a revoluo. Tudo quanto foi assim acrescentado ao pequeno chifre foi tirado dos dez chifres, ou, seja, de todo o corpo, quando o estado da monarquia foi inteiramente modificado. No h nada forado nesta exposio. D evemos tambm insistir com um nmero definido ou fixo sendo estabelecido no lugar de um incerto; como se o Profeta dissesse: uma parte do poder do animal foi subtrada depois do surgimento do pequeno chifre. E assim muito da primeira sentena.

    Ele ento acrescenta: Os olhos neste pequeno ch ifre e ram sem elhantes aos de hom em ; e ento: ele falava g randes coisas. Com respeito aos olhos, esta expresso implica: foi exibida a forma de um corpo humano, porque os Csares no aboliram o senado nem mudaram imediatamente toda a forma de governo; mas, como dissemos na mensagem anterior, contentaram-se com o poder; e quanto ao esplendor, ttulos e pompa, prontamente deixaram tudo isso com os cnsules e o senado. Se algum

    34a EXPOSIO 7.8]

    35

  • considerar a maneira na qual esses Csares, os quais so indubitavelmente indicados pelo pequeno chifre, se conduziam, sua conduta se assemelhar a um a figura humana. Pois Jlio Csar pretendia, ainda que fosse ditador, obedecer autoridade do senado, e os cnsules pediam a opinio dos senadores, segundo a moda antiga. Ele sentava-se no centro e perm itia que muitas coisas fossem decretadas sem interpor sua vontade. Augusto tambm usava em demasia a sombra do poder tribuncio s com o propsito de governar o imprio. Assim ele se submetia aos cnsules; e quando desejava ser eleito para aquele ofcio, fazia-se candidato com os demais competidores, e vestia um manto branco como um cidado particular. Tibrio tambm foi um grande pretendente, e enquanto tramava projetos de tirania, no era franco nem engenhoso em seus planos. Assim tambm apareceu no pequeno chifre os olhos de homem, ou, seja, depois que essa mudana ocorreu e o senado e o povo foram privados de sua liberdade. Aquele que mantinha o governo da repblica no era formidvel, como um animal completo, mas se assemelhava a qualquer homem em sua forma externa.

    O Profeta acrescenta: O pequeno chifre tin h a um a boca que fa lava g randes coisas. Pois ainda que, com vistas ao favor conciliatrio, os Csares se conduziam como os homens, sabemos quo atrozmente tratavam seus inimigos e quo imperiosamente impediam ou cometiam tudo quanto desejavam, como bem lhes apetecia. Havia, pois, um a grande diferena entre sua boca e seus olhos. Pois, como j dissemos, o esplendor e dignidade do imprio estavam, a princpio, no poder dos cnsules e do senado. Entretanto, por meio de artes insidiosas, os Csares assenhorearam- se de todo o poder, at que ningum ousasse fazer coisa alguma, exceto por ordem deles. Muitos intrpretes explicam isso como blasfm ia contra Deus e impiedade; e o anjo far meno disso no final do captulo. Mas, se pesarmos toda a expresso judiciosamente, o que afirmo parecer correto, e falar grandes coisas

    [7:8] DAN IEL

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  • 34* EXPOSIO [7.9]

    aqui mencionado pelo Profeta significar a soberba com que os Csares estavam inflados, impondo silncio a todos os homens e no permitindo que algum abrisse a boca contrariando sua vontade. As palavras do Profeta so muito bem explicadas por este fato; pois os trs chifres sendo removidos dentre os dez significam alguma parte do imprio que se separava do corpo principal; ento, o pequeno chifre sendo dotado com olhos humanos implica um tipo de modstia, quando os Csares agiam como pessoas particulares e se privavam da exibio externa ante o senado e o povo; e, terceiro, quando a boca do pequeno chifre fa lava sober- bamente, a consternao se assenhoreava de todos os romanos, especialmente daqueles que desfrutavam de alguma reputao, pendentes do aceno dos Csares, os quais impunham a mais vil escravido e recebiam a mais torpe e mais vergonhosa bajulao por parte do senado. Ento prossegue:

    9 Eu vi a inda que desciam tronos, e o 9 V idebam usque dum throni erecti sunt,"A ncio de dias tom ou assento, cu ja vesti- e t A ntiquus, senex, d ierum sedit: vestim enta era b ranca com o a neve; o cabelo m entum ejus quasi nix candidum , e t ca-de sua cabea, com o a pura l i ; seu trono pillus capilis e jus quasi lana m unda, soe ra como um a cham a ardente, e suas ro- lium ejus sei ntillat ignis, rota; ejus ignisdas como chama-s de fogo. ardens.

    Daniel ento relata como vira outra figura, a saber, Deus assentado em seu trono para exercer juzo. Veremos mais adiante acerca de Cristo, m as Daniel agora ensina simplesmente o aparecimento de Deus em seu carter de juiz. Essa a razo por que muitas pessoas estendem esta profecia at a segunda vinda de Cristo - interpretao essa de modo algum correta, como mostrarei mais amplamente no lugar prprio. Mas, antes, digno de considerao aqui por que ele diz: o A ncio de dias, significando sua prpria Deidade eterna, assentou-se no tro n o do juzo.

    " Ou removido; pois a palavra remiv, explicada pelos intrpretes em dois sentidos: verbalmente, at que removessem tronos ou os erigissem no ar1'. A palavra pode ser traduzida "foram armados" ou postos para a recepo da Deidade e seus assessores, os santos. - Winile.

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  • {7.9] DANIEL

    Esta cena parece desnecessria, porquanto o ofcio peculiar de Deus governar o mundo; e como sabemos que isso no pode ser feito sem o reto juzo, segue-se que Deus tem sido um ju iz perptuo desde a criao do mundo. Ora, mesmo um moderado conhecim ento das Escrituras revela quo bem esta passagem se adequa a ns, apelando a nossos sentidos; pois a no ser que o poder de Deus se faa patente, pensamos nele como que abolido ou interrompido. Da aquelas formas de expresso que ocorrem em outras partes, tais como: At quando te esquecers de mim, Senhor? Para sempre? At quando esconders de mim teu rosto? [SI 13.1; 9.7 e outros lugares]. E para o reconhecermos em seu papel de juiz, assentado em seu trono, temos de crer que ele real e experimentalmente se nos revela como tal. Eis, pois, a razo por que Daniel diz que Deus pessoalmente assentou-se para julgar.

    Mas antes de avanarmos mais, devemos observar o sentido em que ele diz: tronos foram erigidos ou postos - pois a palavra Tl, rum, pode ser tomada em ambos os sentidos. Os que a traduzem: Tronos foram removidos" a interpretam pelo prisma das Quatro Monarquias j mencionadas. De minha parte, porm, inclino-me, antes, para um a opinio distinta. Se algum prefere explic-la pelo prisma dessas monarquias, no me oponho ao mesmo, pois tal sentido provvel; no que diz respeito ao cerne da questo, no h muita diferena. Creio, porm, que os tronos so aqui postos com o intuito de exibir o juzo divino, visto que o profeta imediatamente representar mirades de anjos postos em p diante de Deus. Sabemos quo amide os anjos so adornados com este ttulo, como se fossem assessores da Deidade; e a forma de linguagem que Daniel usa quando diz: O juzo foi estabelecido" tambm concordar com isso. Ele fala aqui de assessores junto do Juiz, como se Deus no se assentasse s, mas tivesse conciliares a seu redor. Em minha opinio, a explicao mais adequada: foram criados tronos parao Onipotente sentar-se com seus conciliares; no implicando isso sua necessidade de algum

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  • 34* EXPOSIO [7.9]

    conclio, mas de seu prprio beneplcito e mero favor ele dignifica os anjos com tal honra, como veremos a seguir. Daniel, pois, descreve, segundo nossa forma humana, as preparaes para o juzo; precisamente como se algum rei fosse publicamente apresentado com o propsito de realizar algum negcio do momento e em seguida assentar em seu tribunal. Os conciliares e nobres assentariam em torno dele, em ambos os lados, no participando de seu poder, mas, antes, aumentando o esplendor de seu aparecimento. Pois se o rei ocupasse sozinho todo o espao, a dignidade no seria to magnificente como quando seus nobres, que dele dependem, esto presentes em toda parte, porquanto excedem muitssimo multido ordinria. Daniel, pois, relata dessa forma a viso a ele apresentada; primeiro, porque era um homem habitando na carne; e, segundo, ele no a divisava para si pessoalmente, mas para o benefcio comum de toda a Igreja. E assim Deus quis exibir uma representao que pudesse infundir na mente do Profeta e na de todos os santos um sentimento de admirao, e todavia pudesse ter algo em comum com os procedimentos humanos. Portanto, diz ele, foram erigidos tronos\ em seguida, o Ancio de dias tomou assento. J expliquei como Deus ento comeou a sentar-se assim que, previamente, apareceu pacificamente, e no para exercer justia no mundo. Pois quando as coisas so conturbadas e mescladas com densas trevas, quem pode dizer: Deus reina? Quando as coisas esto desordenadas e turbulentas na terra, como se Deus estivesse encerrado no cu. Em contrapartida, diz-se que ele sobe a seu tribunal quando assume para si o ofcio de ju iz e publicamente demonstra que no est dormindo nem ausente, ainda que esteja oculto da percepo humana.

    Essa forma de linguagem era muito apropriada para denotar a vinda de Cristo. Porque ento Deus exibiu seu supremo poder, como Paulo cita uma passagem dos Salmos [68.8 em E f 4.8]: Tu subiste s alturas. Quando o tema em questo a primeira vinda de Cristo, ele no deve restringir-se aos trinta e trs anos de

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  • [7.9] DANIEL

    sua peregrinao neste mundo, mas que abarca sua ascenso e a proclamao do evangelho que introduziu seu reino - isso ser expresso novamente com mais clareza e copiosamente. Daniel apropriadamente relata como Deus estava assentado quando se descreve o primeiro advento de Cristo, visto que a majestade de Deus resplandece na pessoa de Cristo; por essa razo ele denominado a imagem invisvel de Deus e o carter de sua glria [Hb 1.3]; ou, seja, da substncia ou pessoa do Pai. Deus, pois, que por tantos sculos parecia no haver notado o mundo nem se preocupado com seu povo eleito, subiu a seu tribunal no advento de Cristo. Todos os Salmos, do 95 ao 100, se relacionam com esse tema: Deus reina, regozije-se toda a terra; Deus reina, temam-no todas as ilhas. Alis, Deus no habitou [com os homens] em completa privacidade antes do advento de Cristo; mas o imprio que ele havia erigido estava oculto e invisvel, at que manifestasse sua glria na pessoa de seu unignito Filho. Portanto, o Ancio de dias tomou assento.

    Ele ento diz: Sua vestim enta e ra b ra n c a com o a neve; o cabelo de sua cabea, com o a p u ra l. Deus aqui se manifesta a seu Profeta na form a humana. Sabemos quo impossvel nos visualizar a Deus como ele realmente , at que ele nos transforme a sua semelhana, como Joo diz em sua epstola cannica [1 Jo 3.2], Visto que nossa capacidade no pode suportar o fulgor daquela inatingvel glria que essencialmente pertence a Deus, sempre que ele se manifesta a ns necessariamente tem de ser atravs de uma forma adaptada a nossa compreenso. Deus, pois, jam ais foi visto pelos pais em sua prpria perfeio natural; mas at onde a capacidade deles permitia, ele lhes oferecia um a prova de sua presena para o seguro reconhecimento de sua Deidade. E todavia eles o compreendiam at onde lhes era til e lhes era possvel suportar. Eis a razo por que Deus aparecia com vestim en ta b ran ca , que caracterstico do cu; com cabelos com o neve, brancos e puros como a l. O seguinte tem o mesmo prop-

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  • 34* EXPOSIO [7.10]

    sito: Seu tro n o e ra com o cham as a rden tes, ou, seja, como fogo candente; suas rodas e ram como cham as de fogo. Deus, na realidade, nem ocupa trono algum nem conduzido sobre rodas; mas, como eu j disse, no devemos imaginar a Deus, em sua essncia, como apareceu a seu prprio Profeta e outros santos pais, mas se vestia de variadas aparncias segundo a com preenso humana, a quem ele desejasse fornecer algum sinal de sua presena. No preciso ficar mais tempo sobre essas formas de linguagem, ainda que as alegorias sutis sejam agradveis a muitos. Fico satisfeito com aquilo que slido e seguro. Continuemos:

    10 Uma torrente ardente flu a e saa d e 10 F luvius1* ignis fluebat, e t exibat a p ra - d iante dele; m ilhares de m ilhares lhe m i- sentia ejus, vel a conspeciu: m illia m inistravam e dez m ilhares vezes dez m i- llium IJm in istrabantei:etdeciesm ilH acie- Ihares assistiam diante dele; assentou-se cies m illium 14 coram ipso stabant: jud i- o ju z o e abriram -se os livros. cium sedit, et libri aperti sunt.

    Daniel prossegue com o que comeou no versculo anterior. Ele fala de um esplendor ou torrente de fogo; pois TI3, neher, pode ser usado em ambos os sentidos, visto que TI3, neher, significa tanto fluir quanto brilhar. Todavia, visto que ele previamente falara de esplendor, a palavra torrente se adequa muito bem passagem, pois um a to rren te canden te flua d a p resen a de Deus, a qual tanto inundava quanto queim ava a terra. Sem dvida Deus queria inspirar seu Profeta com temor com o propsito de despert-lo mais profundamente, visto que jam ais com preenderemos suficientemente sua majestade a no ser quando somos humilhados; e no podemos experimentar essa humildade sem temor. Eis a razo por que Deus sempre revela algo de terrvel quando aparece a seus servos, no meramente para gerar perplexidade, mas para excitar seu temor e reverncia. D a Daniel parecer haver considerado este ponto nesta viso, quando a to r ren te su rg iu ju n tam en te com o aparecim ento dele, sim , um

    12 alguns, ik luz ou esplendor." Ou seja. milhes.IJ Ou seja. mirades de mirades, ou centenas de milhes.

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  • [7-10] DANIEL

    rio de cham as. Em seguida ele acrescenta: assistentes inum erveis estavam d ian te dele. Sem a menor sombra de dvida, o Profeta aqui fala de anjos. Ele declara que somavam m ilhares de m ilhares, ou dez vezes cem milhares: e ainda, dez m ilhares vezes dez m ilhares, ou, seja, dez mil mirades. Aqui os nmeros no so computados, porm Deus quer dizer que tem a sua disposio as maiores foras que obedecem a sua vontade, as quais excedem infinitamente os exrcitos arregimentados pelos mais formidveis e poderosos prncipes.

    Esta passagem nos ensina que os anjos foram criados com o propsito de receber e executar as ordens de Deus e de serem eles os ministros de Deus, visto que se acham a sua disposio no cu e na terra. No que respeita a nmeros, no admira que tantas mirades sejam mencionadas pelo Profeta. Cristo disse: Ou pensas tu que eu no poderia agora pedir a meu Pai, e que ele no me daria mais de doze legies de anjos? [Mt 26.53]. Portanto, nesta passagem Daniel diz que estavam ali anjos incontveis ao dispor de Deus, e que no havia necessidade de convocar exrcitos segundo o costume dos prncipes, visto que esto sempre presentes e prontos a obedecer. E assim cumprem imediatamente todas suas ordens, visto que os anjos percorrem velozmente todo o cu e terra. Percebemos tambm denotado aqui o supremo poder do Onipotente, como se o Profeta quisesse dizer: Deus no como um rei ou um ju iz [terreno] que possui um mero ttulo, mas ele possui o mais formidvel e o mais infinito poder; ele conta com mirades de satlites sempre mo com o propsito de cumprir e executar sua suprema vontade. E nesse sentido ele diz: assistiam d ian te dele. Ele usa a palavra para ministrio ou servio, e em seguida acrescenta: diante dele. Pois nem os ministros podem prestar seu servio to prontamente como seus superiores desejam . O mtodo anglico, porm, diferente. No s esto preparados a obedecer, mas num instante percebem o que Deus deseja e ordena sem necessitar de tempo para pronto atendimento. Ve

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  • 34* EXPOSIO [7.10]

    mos ainda que os maiores prncipes no podem pr em prtica im ediatam ente seus decretos, porque seus ministros nem sem pre esto disposio. Mas no h necessidade de continuar falando ainda dos anjos. Daniel acrescenta: assentou-se o ju zo e ab rira m -se os livros. A inda que unicam ente Deus seja em inente e conspcuo acima dos anjos, e a excelncia da glria deles e bem assim sua dignidade, no obscurecem o supremo im prio do Onipotente, todavia, com o j vim os previam ente, ele os ju lga dignos da honra de serem postos como conciliares acada lado dele, buscando engrandecer sua prpria majestade. Pois j declaramos que os mais nobres no tomam assento ao lado dos monarcas visando a ofuscar sua majestade ou detrair algo dela para si, mas, antes, procuram refletir mais plenam ente a m agnitude e poder do monarca. Eis a razo por que o Profeta associa os anjos com Deus, no como aliados, mas simplesmente como seus conciliares.

    Associo a frase abriram -se os livros com a pregao do evangelho. Embora Deus fosse reconhecido em Jud, como se acha expresso no Salmo 76 [v. 2], todavia tal reconhecimento era apenas superficial e envolvida em muitas figuras. Deus era revelado atravs de enigmas at a vinda de Cristo; mas ento ele manifestou-se plenamente, justam ente como o abrir de livros anteriormente fechados. H, pois, um contraste a ser observado aqui entre aquela poca obscura que precedeu a vinda de Cristo e a claridade que agora resplandece sob o evangelho. Portanto, visto que Deus se fez conhecer claramente depois que nasceu o Sol da justia, de acordo com o profeta M alaquias [4.2], essa a razo por que se diz que os livros foram abertos naquele tempo. Entrementes, confessamos que Deus no esteve totalmente oculto, nem falamos de ocultao, mas isso expresso pelo Profeta com parativamente, quando os livros eram abertos sempre que Deus se manifestava publ icamente como o Juiz, Pai e Preservador do mundo, na pessoa de seu unignito Filho. Ento prossegue:

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  • 11 E nto olhei, por causa da voz das gran- 11 Videbam tune, p ropter vocem 1' serm o-des palavras que o chifre proferia; olhei num g ran d iu m .q u o sco m u proferebal. vi-ainda a t que o anim al foi m orto, e seu debam usque dum occisa fuit bestia, etcorpo destru do e entregue cham a ar- abolitum corpus ejus, e t data fuit incen-dente. dio ignis.

    Visto que os pretensos discursos do pequeno chifre terrifica- ram o Profeta, ele agora diz que estava atento considerao dessa parte. Em seguida afirma: O an im al foi m o rto e seu c o rpo foi consum ido pelo fogo arden te . Isso deve ser claramente uma referncia ao fim do imprio romano. Pois desde o tempo em que os estrangeiros obtiveram o domnio, o quarto animal deixou de progredir. O nome foi sempre retido, todavia com grande desdm daquele antigo monarca. Omito agora toda e qualquer meno a Calgula, Nero, Domiciano e monstros afins. Mas quando os espanhis e africanos adquiriram o domnio absoluto, possvel continuarmos chamando Roma a senhora do mundo? Seguramente isso seria total estupidez! Da m esm a forma todos os dias os alemes tambm dizem que possuem o imprio romano: mas enquanto o ttulo imprio passou para os alemes, evidentemente muito de Roma est nesse mesmo dia em escravido. Pois quando o papa erigiu ali seu prprio trono, esse imprio indigno do nome monarquia. Mas seja qual for nossa viso desse ponto, cerca de 1500 anos os romanos tm estado sob escravido de prncipes estrangeiros. Pois depois da morte de Nero, Trajano foi seu sucessor, e desde esse tempo raramente um nico romano obteve o imprio; e Deus o estigmatizou com as marcas mais desditosas de ignomnia, quando um guardador de porcos foi feito imperador pelo desejo da fora militar! O senado reteve seu nome at ento; mas se a vontade dos soldados era fazer algum um nico Csar, o senado foi imediatamente compelido a submeter-se a seus ditames. Assim o Profeta com grande propri-

    " Ou, seja. estava olhando aquela viso at que: significa a ateno da mente, e isso no segundo o mtodo humano, mas como se fosse apanhado no ar pelo esprito proftico. E assim ele diz. que seus sentidos estavam fixados naquela viso - portanto "em raz lo da voz", ou atravs da voz".

    [7.11] DANIEL

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  • 34* EXPOSIO [7.11]

    edade diz: o animal fo i morto logo depois da promulgao do evangelho. Ento o pretenso discurso do pequeno chifre chegou ao fim, e o quarto animal foi concomitantemente extinto. Desde ento nenhum romano se fez imperador que reivindicasse para si alguma participao de poder; Roma mesma, porm, caiu em desditosa escravido, e no s ali reinaram estrangeiros da forma mais vergonhosa, mas at mesmo brbaros, criadores de sunos e de bovinos! Tudo isso ocorreu em cumprimento do que Deus mostrara a seu Profeta, ou, seja, aps a vinda de Cristo e a abertura dos livros, isto , depois do conhecimento que resplandeceu sobre o mundo inteiro atravs da proclamao do evangelho - a destruio do quarto animal do imprio romano que estava prxima.

    ORAO

    Deus Onipotente, sejam quais forem as revolues que ocorram diariamente no mundo, fa z com que estejamos sempre atentos vista de tua glria, uma vez manifestada a ns em teu Filho. Que o esplendor de tua majestade ilumine nossos coraes e penetremos alm dos cus visveis, alm do sol, da lua e de tudo quanto esplende; e que contemplemos a bem-aventurana de teu reino, o qual nos propuseste na luz de teu evangelho. Que atuiemos pelo meio das trevas e aflies do mundo, contentes com a luz pela qual nos chamas esperana da herana eterna que nos prometeste e adquiriste para ns por meio do sangue de teu unignito Filho. Amm.

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  • 35a

    12 E, quan to aos ou tros anim ais, foi-lhes 12 E t reliquis bestiis abstu lerant potesta- tirado seu dom nio; todavia foi-lhes pro- tem , vel dominationem, e t longitudo in longada a vida por um a poca e um tem - vita data iltis fuerat usque ad tem pus et po. tem pus.

    Sem dvida, o Profeta se refere ao que deve vir primeiro em ordem, visto que os imprios de que est falando foram extintos antes do romano. Da, esses verbos tm de ser tomados no sentido mais-que-perfeito, porque o poder j havia sido removido dos outros trs animais. Pois os hebreus costumavam repetir algo depois de ser omitido, e nem sempre observavam a ordem de tempo em suas narrativas. E assim, depois de haver dito que o quarto animal fora morto e consumido pelas chamas, ele ento acrescenta o que havia omitido acerca dos trs restantes, a saber: foi-lhes tira d o seu dom nio. Acrescenta ainda o que digno de nota: a extenso ou continuao foi-lhes p ro longada a v ida por a in d a um a poca e u m tem po. H duas palavras diferentes usadas aqui, mas o significado de ambas o mesmo, ou, seja, um tempo conveniente. Aqui o Profeta entende que nada acontece acidentalmente, mas que todas as coisas ocorrem no mundo em seu devido tempo, segundo Deus as decretou no cu. Provavelmente, quando o tema do discurso se estende vida, significa a protelao do perodo dessas aflies, para que no se desvanea repentinamente como nuvens. O que se anuncia no so apenas provaes severas, mas provaes prolongadas aguardam os fiis, as quais afligiriam suas mentes com exausto, a menos que a

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  • 35a EXPOSIO [7.12]

    esperana de um melhor resultado os mitigasse. E assim o Esprito Santo prediz como Deus por fim libertaria sua Igreja, ao exercer ela sua pacincia por uma extenso de tempo. O p o d er dos an im ais restan tes foi tirado . A cpula na palavra HD1KX ve- arkeh, e extenso, pode ser resolvida assim: em virtude da extenso da vida; como se ele dissesse: As provaes pelas quais os filhos de Deus estavam para ser oprimidos no seriam perptuas, visto que Deus prescreveu e definiu um perodo fixo. Portanto, foi-lhes concedido um prolongamento da vida, ou, seja, por uma poca e um tempo. A cpula pode ser considerada como sendo um a partcula adversativa ; por exemplo, se bem que um prolongamento, ou, seja, se bem que as pessoas no escapam imediatamente dessas preocupaes dolorosas que as oprimiam, todavia chegar por fim a oportunidade de Deus, a saber, o tempo em que aprouve a Deus redimir sua prpria Igreja. Mas a prim eira exposio parece a mais genuna e a mais consistente, porque a extenso de tempo tem seus prprios limites e fronteiras. H tambm um contraste entre as palavras HD1K, arkeh, extenso, e p t , zemen, tem po, e ]1J, gneden, tem po, porque extenso ou prolongam ento se refere a nossas percepes; pois quando estamos sofrendo dores, o tempo mais rpido nos parece muito extenso. E assim algum que enfrenta ansiedade por um melhor estado de coisas conta cada minuto, e to clamoroso em seus desejos que chega ao ponto de questionar com Deus acerca de sua delonga. Como, pois, a impacincia humana dem asiadamente grande, quando os homens esto esperando com ansiedade a libertao de sua adversidade, o profeta diz, na acepo ordinria da frase: foi concedido aos animais um prolongamento do tempo; mas contrape um tempo conveniente; como a dizer: age sem propsito quem assim se entrega a suas prprias paixes. Visto que Deus tem fixado seu prprio tempo, requer-se pacincia e no devem contar os anos; mas essa nica coisa tem de ser concluda: quando o Senhor quiser, no mais reter seu auxlio. Este, pois, o pleno sentido do versculo. Ento prossegue:

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  • [7.13] DANIEL

    13 E u vi nas vises noturnas, e eis que 13 Videbam in v isionibus noctis: e t ecceum sem elhan te a Filho de hom em veio in nubibus1* cceli. vel ccelorum, tanquamcom as n uvens do cu , e se d irig iu ao F ilius hom inis veniebat, e t usque ad An-A ncio de d ias, e o fizeram chegar-se a t liquum dierum venit, e t coram eo re p rs -cle. sen larun t.17

    Aps Daniel narrar como viu a Deus no trono do juzo, exercendo publicamente seu poder e abrindo ao mundo o que anteriormente estivera oculto dele, ou, seja, sua suprema autoridade em seu governo, ele agora acrescenta a segunda parte da viso: com o foi que o F ilho do hom em apareceu nas nuvens. Sem dvida isso deve ser entendido como uma referncia a Cristo, e os judeus, perversos como so, se envergonham de neg-lo, embora posteriormente divirjam sobre Cristo, M as o objetivo desta viso era capacitar os fiis a esperar convictamente o Redentor prometido em seu tempo certo. Ele foi dotado com o poder celestial, e sentou-se destra do Pai. D a Daniel dizer: a ten te i bem nessas vises n o tu rnas. E tal reiterao de forma alguma suprflua, como somos informados luz da vigilncia do profeta, quando Deus se mostra presente. Daniel expressa isso plenam ente em suas prpria palavras, pois ele se despertou assim que percebeu as questes importantes, raras e singulares que se lhe apresentam. Essa atenta disposio do profeta deve instigar-nos a ler sua profecia sem apatia e com mentes despertas solicitamente a derivar do cu genuna e sincera inteligncia. Eu estava, pois, diz ele, atento s vises noturnas, e eis um com o F ilho de hom em . J afirmei que esta passagem no pode ser vista de outra forma, seno como uma indicao de Cristo. Devemos ento ver por que ele usa a palavra com o, semelhante a, um Filho de homem; ou, seja, por que ele usa a letra D, ke, a qual denota semelhana. Isso pode ser torcido em favor da estultcia dos mani- queus que pensavam ser o corpo de Cristo apenas imaginrio.

    14 Pois OJJ, gnenu nesta passagem tomado da Caldaica, como 3. be. Esse uso costumeiro; da. nas nuvens".

    Verbalmente, "fizeram-no aproximar-se . O texto latino de t56I tem eum " no finaldo versculo, e a traduo francesa o tem implcito.

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  • 35a EXPOSIO [7.13]

    Pois como torceram as palavras de Paulo e perverteram seu sentido, fazendo com que Cristo fosse em semelhana de homem [Fp 2.7], assim tambm podem usar mal o testemunho do profeta, quando no se diz ser Cristo um homem, mas simplesmente semelhante a homem. Com respeito s palavras de Paulo, ele no est falando da essncia de sua natureza humana, mas somente de seu estado; pois ele est falando de Cristo que se fez homem, de sua condio humilde e abjeta, e at mesmo servil. Mas, na passagem que temos diante de ns, a razo diferente. Pois o profeta diz: Ele lhe apareceu como um Filho de homem , quando Cristo ainda no havia tomado para si nossa carne. E bom que observemos este dito de Paulo: Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher [GI 4.4], Cristo, pois, comeou a ser homem quando apareceu sobre a terra como Mediador, porquanto ele no assumira a semente de Abrao antes que se unisse a ns em unio fraterna. Eis a razo por que o profeta no diz que Cristo se fez homem nesse perodo, mas apenas semelhante a homem; pois do contrrio ele no teria sido aquele Messias outrora prometido sob a Lei como o filho de Abrao e de Davi. Pois se desde o princpio ele houvera se vestido da carne humana, ento no teria nascido desses progenitores. Segue-se, pois, que Cristo no era homem desde o princpio, mas apenas apareceu na figura humana. Quando tambm Irineu18 diz: Este foi um 'preldio, ele usa aquela palavra. Tertuliano tambm diz: Ento o filho de Deus vestiu-se de um espcimen de sua humanidade. 19 Portanto, este foi um smbolo da futura carne de Cristo, mesmo quando tal carne ainda no existisse. Ento vemos quo adequadamente essa figura se harmoniza com a coisa significada, na qual Cristo se manifestou como o Filho do homem. em bora ele ento fosse o eterno Verbo de Deus.

    " A traduo latina de Irineu "pncluditim" . A francesa tem aqui "une approche et eniree. e ento acrescenta: "Ele usa uma palavra que no podemos traduzir para o francs." Ela significa um prefcio ou introduo.

    As palavras de Tertuliano so: Tunc prjeluxii Filus Dei humanitaie sua.

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  • 17.13] DANIEL

    Em seguida temos: E le veio ao A ncio de dias. Isso, em m inha opinio, deve ser explicado como um a indicao da ascenso de Cristo; pois ele ento comeou seu reinado, como transparece de inumerveis passagens bblicas. Tampouco esta passagem contrria ao que o profeta dissera previamente - ele viu o Filho do homem nas nuvens. Pois, com esta expresso, ele sim plesmente deseja ensinar como Cristo, em bora semelhante a um homem, todavia diferia de toda a raa humana e no partilhava da ordem comum dos homens, seno que excelia ao mundo inteiro em dignidade. Ele expressa muito mais quando diz, na segunda sentena: ele foi conduzido ao A ncio de dias. Pois ainda que a D ivina Majestade estivesse oculta em Cristo, todavia ele tomou sobre si o dever de um escravo e esvaziou-se, como diz Paulo [Fp 2.7]. Assim tambm lemos no primeiro captulo de Joo [Jo 1.14] que a Glria manifestou-se nele como a do unignito Filho de Deus; ou, seja, a qual pertence ao unignito Filho de Deus. Cristo, pois, despiu-se assim de sua glria por algum tempo, e contudo, por meio de seus milagres, bem como de m uitas outras provas, ofereceu um claro e evidente espcimen de sua glria celestial. Ele realmente apareceu a Daniel nas nuvens, mas quando subiu ao cu ento despiu-se de seu corpo mortal e assumiu uma nova vida. Assim tambm Paulo, no captulo 6 de Romanos, diz que ele vive a vida de Deus [v. 10]; e outras frases amide usadas por nosso Senhor mesmo concordam muito bem com isso, especialmente no Evangelho de Joo: Eu vou para o Pai ; conveniente que eu v para o Pai, pois o Pai maior do que eu [16.7; 14.28]; ou, seja, conveniente que eu suba para aquele tribunal rgio o qual o Pai erigiu para mim por seu eterno conselho, e assim o mundo inteiro saber que o supremo poder me foi confiado. Agora, pois, entendemos o pleno sentido das palavras do profeta.

    Visto, porm, que muitos fanticos torcem o que foi dito pela pessoa do Mediador, como se Cristo no fosse o verdadeiro Deus,

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  • 35* EXPOSIO [7.13]

    mas que tivesse origem no Pai em algum perodo de tempo, mister que observemos como a expresso do profeta se adequa no natureza humana, nem natureza divina de Cristo, propriamente falando, mas um M ediador aqui posto diante de ns que Deus manifestado em carne. Pois se mantivermos o princpio de que Cristo nos descrito, no como o Verbo de Deus, nem como a semente de Abrao, mas como o Mediador, ou, seja, o Deus eterno que se disps a tornar-se homem, tom ar-se sujeito a Deus o Pai, ser como um de ns e ser nosso Advogado, ento no restar dificuldade alguma. Assim ele apareceu a Daniel como o Filho do homem, que posteriormente tornou-se verdadeira e realmente como tal. Ele foi visto nas nuvens, ou, seja, separado da sorte comum da humanidade, como sempre portou em si al