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DBORAH S. DE VASCONCELOS
CONSUMO COLABORATIVO E MEIO AMBIENTE: UM ESTUDO DA
RELEVNCIA DA PREOCUPAO COM A QUESTO AMBIENTAL E DA
CRTICA AO CONSUMISMO EM REDES AUTOGESTIONADAS
Niteri
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAO SOCIAL
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MDIA E COTIDIANO
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Dborah S. de Vasconcelos
CONSUMO COLABORATIVO E MEIO AMBIENTE: Um estudo da relevncia da
preocupao com a questo ambiental e da crtica ao consumismo em redes autogestionadas
Dissertao submetida ao Programa de Ps-
Graduao em Mdia e Cotidiano da
Universidade Federal Fluminense, como parte
dos requisitos necessrios obteno do grau
de mestre em Mdia e Cotidiano.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Nery Atem
Coorientadora: Profa. Dra. Lucimara Rett
Niteri
2016
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V331 Vasconcelos, Deborah S. de
Consumo colaborativo e meio ambiente: Um estudo da relevncia
da preocupao com a questo ambiental e da crtica ao
consumismo em redes autogestionadas../ Deborah S. de
Vasconcelos. Niteri, 2016.
130 f.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Nery Atem.
Coorientadora: Profa. Dra. Lucimara Rett
Trabalho de Concluso de Curso (graduao) - Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Artes e Comunicao, Ps-
Graduao em Mdia e Cotidiano, 2016.
1. Consumo colaborativo. 2. Meio ambiente. 3. Redes sociais. I.
Atem, Guilherme Nery. II. Universidade Federal Fluminense.
Instituto de Artes e Comunicao. Programa de Ps-Graduao em
Mdia e Cotidiano. III. Ttulo.
CDD: 791.43
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Dborah S. de Vasconcelos
CONSUMO COLABORATIVO E MEIO AMBIENTE: Um estudo da relevncia da
preocupao com a questo ambiental e da crtica ao consumismo em redes autogestionadas
Dissertao submetida ao Programa de Ps-Graduao em Mdia e Cotidiano da Universidade
Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de mestre em
Mdia e Cotidiano.
Niteri, 20 de julho de 2016
_________________________________________________
Prof. Dr. Guilherme Nery Atem, PPGMC/UFRJ (orientador)
_________________________________________________
Profa. Dra. Lucimara Rett, ECO/UFRJ (coorientadora)
_________________________________________________
Prof. Dr. Frederico Augusto Tavares Junior, EICOS/UFRJ
_________________________________________________
Profa. Dra. Andrea Medrado, PPGMC/UFF
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Aos que, em meio a uma sociedade consumista e
individualista, trabalham para torn-la mais justa para todos.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, que sempre me deram apoio e suporte para que eu pudesse me dedicar aos
meus sonhos profissionais e pessoais;
Aos amigos, por compreenderam as minhas ausncias sem nunca terem deixado de estar por
perto dando fora a nimo;
Ao namorado, por sempre acreditar em mim e de quem o apoio foi fundamental para superar
os momentos de dificuldade;
Ao orientador Guilherme Nery, pelos ensinamentos e por estar sempre disponvel a ajudar
com tranquilidade e bom humor;
coorientadora Lucimara Rett, por abraar esse projeto trazendo um novo olhar a pontos que
se mostravam crticos;
Aos colegas de turma do PPGMC, pelas trocas de experincias, discusses e reflexes sempre
produtivas;
Coordenao do PPGMC, pelo auxlio em todo o processo, compreendendo as dificuldades
enfrentadas no decorrer da pesquisa;
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pela bolsa
concedida em parte do perodo do mestrado;
A todos os administradores dos grupos, por concederam no apenas uma entrevista, mas um
momento de convivncia com trocas importantes no s para a pesquisa, mas tambm para a
vida.
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mais do que pelas coisas que todos os dias so fabricadas vendidas
compradas, a opulncia de Lenia se mede pelas coisas que todos os
dias so jogadas fora para dar lugar as novas. Tanto que se pergunta se
a verdadeira paixo de Lenia de fato, como dizem, o prazer das
coisas novas e diferentes, e no o ato de expelir, de afastar de si,
expurgar uma impureza recorrente.
(Italo Calvino As cidades invisveis)
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RESUMO
VASCONCELOS, Dborah S. de. Consumo colaborativo e meio ambiente: Um estudo da
relevncia da preocupao com a questo ambiental e da crtica ao consumismo em redes
autogestionadas. Dissertao (Mestrado em Mdia e Cotidiano) Programa de Ps-Graduao
em Mdia e Cotidiano, Universidade Federal Fluminense. Niteri, 2016.
Esta dissertao tem como tema central o consumo colaborativo, uma proposta que ganha
fora e destaque na ltima dcada e que envolve a emergncia de prticas que so apontadas
como uma nova forma de consumo. No consumo colaborativo o acesso a bens e servios se
d sem que haja necessariamente aquisio de um produto ou custo entre as partes envolvidas
no processo, o que permitiria que as pessoas percebessem o benefcio do acesso aos produtos
ao invs da sua posse. A pesquisa tem como objetivo entender a relevncia da preocupao
com a questo ambiental e da crtica ao consumismo em redes de consumo colaborativo. Para
proceder a essa investigao, elege-se como objeto as redes autogestionadas formadas de
forma independente, que utilizam a ferramentas de Grupo do Facebook e cujo foco recai sobre
os chamados mercados de redistribuio (BOTSMAN; ROGERS, 2011). A pesquisa tem um
carter qualitativo, utilizando-se do mtodo etnogrfico e recorre-se combinao de trs
tcnicas: observao participante, entrevista semiestruturada (com os administradores dos
grupos) e questionrio com perguntas fechadas e abertas (voltado todos os integrantes do
grupo). Esta ltima tcnica, ainda que no seja comum em pesquisas qualitativas, permite ter
uma maior abrangncia de respostas e auxilia na verificao dos dados levantados a partir da
aplicao das duas primeira tcnicas. A partir desse mtodo e combinao de tcnicas, assim
como da pesquisa bibliogrfica preliminar realizada utilizando diferentes autores e escolas em
seus possveis dilogos, possvel perceber que a preocupao com questo ambiental
secundria, no sendo o fator principal para os integrantes desses grupo mas, de uma forma
geral, h uma relevante crtica aspectos do consumismo.
PALAVRAS-CHAVE: CONSUMO COLABORATIVO. MEIO AMBIENTE. REDES
SOCIAIS.
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ABSTRACT
VASCONCELOS, Dborah S. de. Collaborative consumption e meio ambiente: and
environment: A study of the relevance of concern for environmental issues and the critique of
consumerism in self-organized networks. Dissertao (Mestrado em Mdia e Cotidiano)
Programa de Ps-Graduao em Mdia e Cotidiano, Universidade Federal Fluminense.
Niteri, 2016.
This dissertation is focused on the collaborative consumption, a proposal that gains power
then highlight in the last decade and that involves the emergence of practices that are seen as a
"new way" of consumption. In collaborative consumption access to goods and services is
given without necessarily buying a product or cost between the parties involved in the process,
which would allow people to understand the benefit of access to goods rather than their
possession. The research aims to understand the importance of concern for environmental
issues and the critique of consumerism in collaborative consumption networks. To carry out
this research, is elected as the object self-organized networks formed independently using the
Facebook Group tools and whose focus is on so-called redistribution markets (BOTSMAN;
ROGERS, 2011). The research has a qualitative, using the ethnographic method and refers to
the combination of three techniques: participant observation, semi-structured interview (with
administrators group) and questionnaire with closed and open questions (aimed at all members
of the group ). The latter technique, although it is not common in qualitative research, allows
for a wider range of responses and assists in verifying the data collected from the application
of the first two techniques. From this method and combination of techniques, as well as the
preliminary literature search performed using different authors and schools in their possible
dialogue, it is possible that the concern with environmental issues is secondary, not the main
factor for the members of these groups but, in general, there is a relevant criticism of aspects
of consumerism.
KEYWORDS: COLLABORATIVE CONSUMPTION. ENVIRONMENT, SOCIAL
NETWORKS.
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RSUM
VASCONCELOS, Dborah S. de. Le consommation collaborative et l'environnement: Une
tude de la pertinence de proccupation pour les questions environnementales et la critique du
consumrisme dans les rseaux auto-organiss. Dissertao (Mestrado em Mdia e Cotidiano)
Programa de Ps-Graduao em Mdia e Cotidiano, Universidade Federal Fluminense.
Niteri, 2016.
Cette thse se concentre sur le consommation collaborative, une proposition qui gagne la force
et l'importance dans la dernire dcennie et qui implique l'mergence de pratiques qui sont
considres comme une nouvelle forme de la consommation. En consommation
collaborative l'accs conomique aux biens et services est donn sans avoir acheter
ncessairement un produit ou le cot entre les parties impliques dans le processus, ce qui
permettrait aux gens de comprendre l'avantage de l'accs aux biens plutt que leur possession.
La recherche vise comprendre l'importance de proccupation pour les questions
environnementales et la critique du consumrisme dans les rseaux de consommation
collaborative. Pour mener bien cette recherche, est lu les rseaux auto-organiss objet
form en utilisant indpendamment les outils Facebook Groupe et dont l'objectif est le soi-
disant marchs de redistribution (BOTSMAN; ROGERS, 2011). La recherche a une
qualitative, en utilisant la mthode ethnographique et se rfre la combinaison de trois
techniques: observation participante, entrevue semi-structure (avec groupe d'administrateurs)
et le questionnaire avec des questions fermes et ouvertes (destine tous les membres du
groupe ). Cette dernire technique, mais il est pas commun dans la recherche qualitative,
permet une plus large gamme de rponses et aide vrifier les donnes recueillies auprs de
de l'application des deux premires techniques. De cette mthode et la combinaison des
techniques, ainsi que la recherche prliminaire de la littrature ralise en utilisant diffrents
auteurs et les coles dans leur dialogue possible, il est possible que le souci des questions
environnementales est secondaire, pas le facteur principal pour les membres de ces groupes,
mais, en gnral, il y a une critique pertinente des aspects de la consommation.
MOTS-CLS: CONSOMMATION COLLABORATIVE. ENVIRONNEMENT. RSEAUX
SOCIAUX.
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LISTA DE ABRAVIATURAS E SIGLAS
3R Reduzir, Reutilizar, Reciclar (Poltica dos 3R)
CMC Comunicao mediada pelo computador
CMMAD Comisso Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
MCM Meios de comunicao de massa
NTIC Nova tecnologia de informao e comunicao
ONG Organizao no governamental
ONU Organizao das Naes Unidas
PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente
RIO-92 Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Rio de Janeiro 1992)
RIO+10 Cpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentvel (Johanesburgo 2002)
RIO+20 Conferncia das Naes Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentvel (Rio de
Janeiro 2012)
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SUMRIO
INTRODUO 12
1 REFLEXO SOBRE O CONSUMO NA CONTEMPORANEIDADE E SUA
RELAO COM O MEIO AMBIENTE 19
1.1 Perspectivas do consumo no mundo contemporneo 19
1.2 Aspectos do consumismo contemporneo 28
1.3 Consumismo e meio ambiente: entre questionamentos e propostas 35
1.3.1 Movimento ambientalista e movimentos contraculturais 37
1.3.2 Da militncia construo de um discurso ambiental internacional 40
1.3.3 Desenvolvimento sustentvel enquanto discurso 45
1.3.4 Prticas de resistncia ao consumo: propostas para um consumo consciente? 47
2 PRTICAS DE CONSUMO COLABORATIVO: PROPOSTAS PARA UMA
NOVA FORMA DE CONSUMO? 55
2.1 Definindo consumo colaborativo: afinal, o que isso? 55
2.1.1 Mapeando o consumo colaborativo: exemplos e classificaes 57
2.1.2 Consumo colaborativo: o retorno a uma velha forma de consumo? 62
2.1.3 A ascenso do consumo colaborativo: por que agora? 66
2.2 Aspectos envolvidos no consumo colaborativo 69
2.2.1 Desenvolvimento das NTICs e da internet: Web 2.0 e redes sociais virtuais 69
2.2.2 Comunidades virtuais e colaborao 73
2.2.3 Interao com a economia de mercado 78
3 ANLISE EMPRICA EM REDES AUTOGESTIONADAS DE CONSUMO
COLABORATIVO: A QUESTO AMBIENTAL, O CONSUMISMO E
OUTRAS CONSIDERAES SOBRE O TEMA 80
3.1 Metodologia 80
3.1.1 Definindo mtodo e tcnicas: o uso do mtodo etnogrfico na internet 82
3.1.1.1 Observao participante 87
3.1.1.2 Entrevista 88
3.1.1 Questionrio 90
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3.2 Aplicao da metodologia proposta: histrico de pesquisa 95
3.3 Questo ambiental nas redes analisadas e outros pontos relevantes: alguns
resultados da anlise de dados 102
CONSIDERAES FINAIS 104
REFERNCIAS 107
APNDICE A EXEMPLOS DE CONSUMO COLABORATIVO NO BRASIL E
CLASSIFICAO PROPOSTA 120
APNDICE B INFORMAES GERAIS DAS REDES ANALISADAS 104
APNDICE C ROTEIRO-GUIA PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA121
APNDICE D QUESTIONRIO DE PESQUISA 124
APNDICE E RESULTADS QUANTITATIVOS OBTIDOS COM A
APLICAO DO QUESTIONRIO 129
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INTRODUO
Os estudos sobre consumo ocupam, hoje, posio de relevncia nas cincias
sociais e estudos histricos (BARBOSA, 2006), no sendo diferente no campo da
comunicao social; interesse que tem levado a uma considervel troca interdisciplinar
entre pesquisadores e estudiosos dentro e fora do mundo acadmico. Estes estudos
abordam o consumo a partir de diferentes perspectivas e, de uma forma geral,
influenciam na percepo de que se vive em uma sociedade consumista e hedonista, na
qual o mais valorizado no o ser e sim o ter, ou ainda, como ressalta Debord
(1997), o parecer.
Contudo, em um perodo recente, observa-se a emergncia de prticas que so
apontadas como uma nova forma de consumo. No que vem sendo chamado de
consumo colaborativo, o acesso a bens e servios se d sem que haja necessariamente
aquisio de um produto ou custo entre as partes envolvidas no processo, o que
permitiria que as pessoas percebessem o benefcio do acesso aos produtos ao invs da
sua posse. Diversos produtos e servios, novos e antigos, so relacionados ao consumo
colaborativo, por exemplo, emprstimo entre vizinhos, troca de livros, revenda de
roupas e objetos, compartilhamento de carros, caronas, espaos de coworking,1
couchsurfing,2 etc. De uma forma geral, o consumo colaborativo baseia-se em aes de
grupos em torno de um interesse comum e coletivo, sendo a colaborao local ou
pessoal e com o consumidor podendo usar a internet para conectar e formar grupos com
pessoas que possuem os mesmos interesses (BOTSMAN; ROGERS, 2011).
Como possvel perceber, o tema amplo, assim como cada vez maior a
predisposio da populao em ser parte ativa desse movimento. Ainda que esta
cultura colaborativa no seja to difundida no Brasil, comparada a alguns pases da
Europa (em especial Alemanha e Frana), ela tem cada vez mais adeptos e
simpatizantes, mesmo que no sejam consumidores atuantes, de fato, dentro desses
1 Coworking um modelo de trabalho que se baseia no compartilhamento de espao e recursos de
escritrio, reunindo pessoas que trabalham no necessariamente para a mesma empresa ou na mesma rea
de atuao, podendo inclusive reunir entre os seus usurios os profissionais liberais e usurios
independentes. 2 O Projeto CouchSurfing um servio de hospitalidade com base na internet. Confira em:
.
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sistemas. Uma pesquisa, realizada pela Nielsen3 em 60 pases em 2014, mostra que duas
em cada trs pessoas querem compartilhar ou alugar seus produtos (NIELSEN, 2014).
Estes nmeros mostram que, embora seja uma prtica emergente e no configurando
uma revoluo na forma como se d o consumo hoje, o consumo colaborativo uma
tendncia que no pode ser ignorada. Marcas e empresas tm adaptado suas estratgias
de comunicao mercadolgica com o intuito de acompanhar e tentar se inserir de
diferentes formas nesta nova proposta, tal qual buscam apresentar um posicionamento
socioambiental e um discurso verde a seus pblicos.
O crescente interesse por este tipo de prticas e redes de consumo abre caminho
para reflexo em diversas reas, mas, sendo um fenmeno recente, ainda so poucos os
autores que tem tratado teoricamente do tema. Surge, assim, o interesse por pesquisar as
questes envolvidas no consumo colaborativo, como forma de contribuir para o
aprofundamento do tema e um maior entendimento destas prticas. Esta investigao
estimulada pela constatao de que o consumo colaborativo surge com fora e passa a
fazer parte do cotidiano dos participantes destas redes, influenciando suas atitudes, e
dos que esto a sua volta, frente a diversas questes de ordem econmica, social e
cultural. O intuito o de entender, ainda que parcialmente, algumas das motivaes e
suas relevncias para os participantes de redes colaborativas, o que feito mobilizando
e aprofundando conceitos de diferentes reas em que a proposta dessa dissertao se
inscreve.
Dentre os motivadores que alguns autores indicam como fundamentais para que
as prticas de consumo colaborativo se desenvolvam neste momento histrico,4 est um
maior engajamento da populao no que se refere preocupao com o meio ambiente e
os impactos causados pelo aumento nos padres de consumo (traduzidos pelo
consumismo) em decorrncia da crise ambiental e do crescimento do movimento
ambientalista. De uma forma geral, objetiva-se, justamente, entender a importncia
deste fator para os participantes das redes conformadas sob a influncia da cultura do
consumo colaborativo. Diante desse panorama, se colocam algumas questes: Seria a
3 Nielsen uma empresa de pesquisa de mercado presente em mais de 100 pases. Ela realiza medies e
anlises sobre a dinmica do mercado e as atitudes e comportamentos do consumidor. Confira em:
. 4 So destacados como fatores que permitem a ascenso do consumo colaborativo: a crise ambiental e
crescimento do movimento ambientalista; o incremento da internet e crescimento da participao nas
redes sociais virtuais; e a crise econmica mundial que foi deflagrada entre 2008 (BOTSMAN; ROGERS,
2011).
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questo ambiental um grande motivador para as pessoas se engajarem e aderirem a estas
redes e prticas? Qual a relevncia da preocupao com questes ambientais e da crtica
e seus problemas, ou seja, enquanto prtica de resistncia, para os participantes destas
redes?
Esta pesquisa parte da percepo geral de que a motivao na participao de
redes de consumo colaborativo requer, sim, uma inclinao, ainda que mnima, para a
mudana de atitude com relao forma e padro de consumo. Porm, ainda que possa
envolver uma vontade legtima de proporcionar o bem para a comunidade e o meio
ambiente, atravs das ideias embutidas no compartilhamento, interdependncia e
interao, acredita-se que estes no seriam o principal motivador para a participao
nestas redes, uma vez que a lgica mercadolgica est presente em grande parte destas
redes, assim como na vida de cada um de seus participantes. justamente na busca de
um entendimento sobre estas questes levantadas e o esclarecimento sobre esta
percepo geral que se tem, que se desenvolve esta investigao.
Visando atender os objetivos propostos e auxiliar no entendimento do assunto de
forma ampla, realiza-se uma pesquisa qualitativa com um carter exploratrio, um tipo
de pesquisa realizado especialmente quando o tema escolhido pouco explorado e
torna-se difcil sobre ele formular hipteses precisas e operacionalizveis (GIL, 2008, p.
27). Em uma primeira etapa, realiza-se uma reviso bibliogrfica dos principais temas
envolvidos, sendo necessrio, pelo carter interdisciplinar do assunto tratado, recorrer a
tericos e autores de diversos campos de estudo, tais como sociologia, antropologia,
filosofia, economia, psicologia, cincia da informao, engenharia ambiental, entre
outros. Sendo assim, como embasamento terico, so utilizados autores das diferentes
reas que se destacam no estudo do consumo, do meio ambiente e das redes sociais, o
que permite desenvolver um trabalho mais rico ao apresentar e contrapor diferentes
pontos de vistas de estudiosos de diversas formaes. Em decorrncia da atualidade do
assunto, alm de livros e artigo cientficos, traz a necessidade de buscar como fonte
outras publicaes e suportes, tais como contedos disponveis em blogs, redes sociais
virtuais e publicaes em mdia especializada.
J em um segundo momento da pesquisa, realiza-se uma investigao emprica,
buscando entender a partir das prticas existentes a relevncia da questo ambiental e da
crtica ao consumismo para os participantes das redes de consumo colaborativo.
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Recorre-se ao mtodo etnogrfico por entender que este um mtodo indicado para
estudar questes ou comportamentos sociais que ainda no so claramente
compreendidos [...] e ajudar um pesquisador a tomar p da situao antes de se centrar
em questes especficas (ANGROSINO, 2009, p. 36), mas sem deixar de levar em
considerao que a aplicao de metodologias de pesquisa j existentes em um
ambiente online requer adaptaes e anlises das possibilidades e os limites de tal
adaptao para a pesquisa efetuada na web (HINE, 2005). Dessa forma, prope-se a
utilizao de uma combinao de tcnicas de investigao que auxiliam a anlise
emprica, buscando atender o objetivo geral da pesquisa: a observao participante
permite obter uma viso ampla e detalhada da realidade das redes de consumo
colaborativo; as entrevistas semi-estruturadas, feita com os administradores das redes
analisadas, buscam um maior aprofundamento no que diz respeito s relaes dentro do
grupo, permitindo emergir informaes relevantes para a pesquisa; e a aplicao de um
questionrio qualitativo semiestruturado, direcionado aos participantes das redes
escolhidas para anlise, enriquece a pesquisa, funciona como um verificador dos
resultados obtidos com as duas primeiras tcnicas e permite uma caracterizao geral
dos grupos pesquisados.
O foco da pesquisa e das anlises concentra-se em redes sociais constitudas no
ciberespao voltadas para prticas de consumo colaborativo classificadas como
mercados de redistribuio, ou seja, aquelas que promovem a redistribuio de
mercadorias, usadas ou no, cujos proprietrios desejam passar adiante (BOTSMAN;
ROGERS, 2011, p. 190). Buscando uma maior segmentao deste objeto de estudo,
utiliza-se de uma diviso desenvolvida a partir da observao e levantamento de
prticas existes no Brasil.5 Dessa forma, so escolhidas redes que surgem independente
de uma plataforma ou uso especfico, funcionando de forma autogestionada; podendo
envolver trocas monetrias ou no; e que tenham como foco de suas interaes os bens
materiais (fsicos). De uma forma geral, as prticas dessas redes se traduzem em
doaes, emprstimos, trocas e vendas livres entre pares, ou seja, entre indivduos de
forma pessoal, sem envolvimento de empresas.
5 Esta proposta de segmentao apresentada no captulo 2, item 2.1.1.
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Para proceder a essa investigao, opta-se pelo acompanhamento de algumas
redes que se utilizam da ferramenta de Grupos da rede social Facebook,6 das quais a
pesquisadora tambm participante, uma vez que, dessa forma, se torna possvel
acompanhar as atividades e trocas (pelo menos em parte) entre os integrantes da rede,
tendo em vista que possvel (por meio de um mural aberto) que todos os participantes
do grupo leiam e interajam.7 A seleo dos grupos se d com base nas redes ativas que
possuam caractersticas da proposta do consumo colaborativo, tendo como critrio o
volume e pertinncia das publicaes, as interaes e trocas efetuadas pela rede e a
localidade de referncia sendo a cidade do Rio de Janeiro. A partir do monitoramento de
nove grupos,8 opta-se por analisar trs deles: calada resiste, Hipstrech Decor e
Liberte suas coisas (Free your stuff) - Rio de Janeiro. Para esta escolha leva-se em
considerao a pertinncia da proposta inicial do grupo com o tema investigado,9 acesso
aos administradores para realizao de entrevista e retorno de respostas ao questionrio
por parte dos integrantes.
Ao estruturar o caminho percorrido at chegar os resultados desta pesquisa,
opta-se por apresentar um trabalho desenvolvido em trs captulos que contemplam
discusses tericas sobre o tema abordado, assim como a aplicao dos pressupostos
terico-metodolgicos na analise de situaes concretas. Buscando conceituar
teoricamente o consumo na sociedade contempornea, o primeiro captulo apresenta um
percurso histrico-terico trazendo as diferentes vises sobre o consumo
contemporneo e abordando a mudana de foco da produo para o consumo, que
reflete a mudana na sociedade e os deslocamentos que resultaram na atual da cultura
do consumo e do consumismo. Na sequncia acrescenta-se discusso a temtica do
consumismo contemporneo, ressaltando alguns de seus aspectos e passando pela
questo da obsolescncia programada e dos impactos na sociedade e no meio ambiente.
Dando continuidade ao tema do consumismo e suas consequncias, so abordadas as
contestaes histricas feitas ao modo de produo capitalista, como os movimentos
contraculturais e ambientalista, e as questes que envolvem a construo de discurso
6 Confira em: .
7 Este recurso no possvel em outras plataformas.
8 Grupos monitorados e observados: Bazar Aconchego; calada resiste; Calada Autogestionada;
Desapega meninas!!!; Desentulha, troca, empresta RJ; Feira Feminina de Escambos Horizontais; Feira
Grtis da Gratido; HIPSTRECH Decor; HIPSTRECH GRANDE TIJUCA , CENTRO e ZONA SUL
- APEGOS e DESAPEGOS!. 9 Em alguns grupos esta informao foi conseguida apenas na etapa de entrevistas.
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poltico do desenvolvimento sustentvel no pensamento ambientalista hegemnico
internacional e brasileiro. O captulo finaliza com a apresentao e problematizao de
algumas propostas de resistncia cultura do consumo e da ideia de consumo
consciente.
O segundo captulo busca conceituar e explicar aquilo que tem sido chamado de
consumo colaborativo, trazendo suas caractersticas especficas que o diferencia das
prticas de consumo hegemnicas. So apresentadas definies, exemplos,
classificaes propostas, caractersticas e particularidades do consumo colaborativo, no
intuito de aprofundar a discusso sobre o tema, ainda pouco explorado, e traar algumas
das bases sob a qual se dar a investigao emprica no ltimo captulo. Alm disso,
destacam-se as principais mudanas e contingncias histricas que resultaram na
ascenso das prticas de consumo colaborativo no mundo contemporneo e que no
esto ligadas a comunidades tradicionais. Ainda neste captulo, so discutidos alguns
aspectos envolvidos diretamente com as prticas colaborativas, trazendo um panorama
que aprofunda teoricamente o tema. Relaciona-se o consumo colaborativo a questes
como o desenvolvimento da internet e das redes, comunidades virtuais e colaborao.
Alm disso, este captulo tambm busca apresentar como o consumo colaborativo se
relaciona e se comporta frente economia de mercado, destacando o uso da proposta de
consumo colaborativo como forma de agregar valor na formao de novos negcios, ou
ainda, na associao de marcas e empresas j consolidadas.
No terceiro captulo aprofunda-se a anlise das redes de consumo colaborativo,
de forma especfica, a partir de uma pesquisa emprica que tem como objetivo ancorar e
comprovar, no plano da experincia, aquilo apresentado conceitualmente. Aps a
fundamentao da escolha da abordagem mtodo e tcnicas utilizadas, so justificados
os critrios que levam a escolha de determinadas redes a serem analisadas, assim como
a apresentao de cada uma delas. Em seguida, descreve-se como se deu o processo de
pesquisa emprica, apresentando um breve histrico. Por fim, traz-se a anlise dos dados
coletados por meio das tcnicas empregadas e so feitas as consideraes finais com
relao pesquisa emprica.
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O consumo colaborativo um fenmeno novo e se confunde com outras prticas
de consumo (por exemplo, a economia criativa10
). Devido ao seu carter recente, o
estudo desta temtica envolve questes emergentes no meio acadmico, ainda
carecendo de estudos empricos que tratem do contexto brasileiro, o que leva ao
entendimento de que este estudo possibilita ampliar a compreenso do fenmeno do
consumo colaborativo no Brasil. Dessa forma, esta pesquisa se apresenta, antes de tudo,
com o intuito de colocar em debate esse tema ainda pouco abordado, buscando ressaltar
seus pontos positivos mas tambm olh-lo de forma crtica.
Tendo em vista que a comunicao se impe como fora estruturante de novas
formas de socializao, esta proposta de investigao se mostra relevante para o campo
da comunicao social tambm enquanto relao entre mdia e cotidiano, uma vez que,
impulsionada pelo uso da internet, a cultura colaborativa tem crescido, de forma a afetar
o cotidiano dos sujeitos envolvidos com essas prticas. A internet apresenta-se com um
papel central no crescimento desse tipo de rede, em decorrncia de suas possibilidades
de aproximar pessoas distantes geograficamente, mas com interesses em comum, o que,
nesse caso, est diretamente ligado popularizao do uso das redes sociais. Assim, o
consumo cotidiano dos sujeitos afetado por meio de suas prticas comunicacionais em
rede, que tambm trazendo consequncias para suas vidas em sociedade e comunidade.
10
Economia Criativa um termo criado para nomear modelos de negcio ou gesto que se originam em
atividades, produtos ou servios desenvolvidos a partir do conhecimento, criatividade ou capital
intelectual de indivduos com vistas gerao de trabalho e renda. [...] as atividades do setor esto
baseadas no conhecimento e produzem bens tangveis e intangveis, intelectuais e artsticos, com
contedo criativo e valor econmico (SEBRAE, 2016).
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1 REFLEXO SOBRE O CONSUMO NA CONTEMPORANEIDADE E SUA
RELAO COM O MEIO AMBIENTE
Quando se pretende tratar de temticas que envolvem o consumo preciso
considerar seu contexto histrico, social, poltico e econmico, alm das diferentes
abordagens e percepes que existem sobre o tema. Historicamente deixadas de lado em
estudos e pesquisas de diversos campos, que privilegiavam a produo, as atividades e
os atos de consumo atingiram tal relevncia na contemporaneidade que o consumo
tornou-se tema central em muitas teorias e pesquisas. Dentre as possveis abordagens
que podem ser feitas quanto s implicaes desta centralidade, est a relao do
consumismo com a questo ambiental, uma vez que o aumento do consumo tem
impacto direto no meio ambiente, seja pelo uso de recursos na produo de bens ou pelo
descarte de rejeitos, dentre outros.
Neste captulo, a partir de um percurso histrico-terico, so apresentadas
diferentes vises sobre o consumo contemporneo abordando a mudana de foco da
produo para o consumo, que representa tambm uma mudana na prpria sociedade.
Em seguida, abordada a temtica do consumismo contemporneo, apresentando
alguns de seus aspectos e passando pela questo da obsolescncia programada e dos
impactos na sociedade e no meio ambiente. Para finalizar, so trazidas tambm as
contestaes feitas ao modo de produo capitalista e apresentadas algumas propostas
de resistncia cultura do consumo.
1.1 Perspectivas do consumo no mundo contemporneo
corrente a percepo de que o consumo ocupa hoje um lugar central na vida
dos indivduos da sociedade contempornea. Essa ideia tende a associ-lo ao
consumismo e a identific-lo como um fenmeno recente em nossa sociedade. Porm, o
consumo um tema complexo, sendo o consumismo apenas uma das inmeras questes
que a ele se relacionam e o ato de consumir sendo algo presente no cotidiano de todos
os indivduos de todas as sociedades em todos os tempos: o consumo uma condio,
e um aspecto, permanente e irremovvel, sem limites temporais ou histricos; um
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elemento inseparvel da sobrevivncia biolgica que ns humanos compartilhamos com
todos os outros organismos vivos (BAUMAN, 2008, p. 38). Assim, o que vai trazer
destaque para o consumo na contemporaneidade o lugar que este ocupa entre os
fatores determinantes do estilo e da qualidade de vida social e ao seu papel como
fixador de padres (um entre muitos ou o principal) das relaes inter-humanas
(BAUMAN, 2008, p. 38).
Nas sociedades ocidentais contemporneas, as atividades de consumo tm sido
entendidas, de uma forma geral, enquanto forma de satisfao de necessidades bsicas
e/ou suprfluas (BARBOSA, 2004, p. 7). As necessidades bsicas seriam aquelas
que so essenciais para a sobrevivncia humana enquanto espcie e as suprfluas
todas aquelas que no se encaixam nesse tipo de necessidade. 11
Esta diviso tende a
criar uma percepo que v como positivo apenas o consumo em seu aspecto de
utilidade, sendo esta uma caracterstica prpria do objeto, e o termo suprfluo Tal
como empregado na vida cotidiana, traz um timbre de condenao (VEBLEN, 1974,
p. 326). Porm, o consumo visto como necessidade uma ideia que se deve temer, pois
encontra uma explicao determinista, com o natural explicando o cultural e retirando o
sentido coletivo e simblico do consumo (ROCHA, 2009). Sendo assim, os significados
dos bens s devem ser determinados na relao com o funcionamento da sociedade, no
existindo um valor social intrnseco, mas sim uma preparao semntica com os valores
e identidades sendo negociados na esfera da recepo. Alm disso, existe na ideia de
suprfluo um tom moralizador, muito em decorrncia das tradicionais abordagens
utilitaristas, ainda que, como descreveu Barbosa (2006, p. 11), diversos trabalhos e
exemplos nos levem ideia de que nenhuma sociedade em alguma poca, tenha
desenvolvido uma relao estritamente funcional com o mundo material. Pode-se
dizer, portanto, que esta diferenciao entre bens relativa, como destaca Veblen (1974,
p. 327-328):
Um artigo pode ser til e suprfluo a um tempo, e a sua utilidade para
o consumidor pode constar de utilidade e superfluidade nas mais
variadas propores. Os bens consumveis, e at mesmo os bens
produtivos, geralmente revelam os dois elementos combinados,
componentes que so da sua utilidade; conquanto, de modo geral, o
elemento superfluidade tenda a predominar em artigos de consumo,
11
Esta ideia aproxima-se da Pirmide de Maslow, uma escala de necessidades que devem ser atingidas
de forma hierrquica (fisiologia, segurana, relacionamento, estima e realizao pessoal) para que se
atinja a autorrealizao.
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enquanto o contrrio verdadeiro em se tratando de artigos destinados
ao uso produtivo. Mesmo nos artigos que primeira vista parecem
servir apenas pura ostentao, sempre possvel captar a presena
de um propsito til, pelo menos ostensivo; e, por outro lado, mesmo
na maquinaria e nas ferramentas inventadas visando a algum processo
particular, bem como nos mais grosseiros aparelhos da indstria
humana, os traos de consumo conspcuo ou, pelo menos, o hbito da
ostentao, usualmente se tornam evidentes em face de um escrutnio
mais atento. Seria arriscado afirmar que um propsito til est sempre
ausente da utilidade de qualquer artigo ou servio, por mais bvio que
seja o desperdcio ostensivo do seu propsito original e principal
elemento; e seria apenas um pouco menos arriscado afirmar em
relao a qualquer produto originalmente til, que o elemento de
desperdcio nada tenha a ver, imediata ou remotamente, com o seu
valor.
Na perspectiva tradicional da economia, relaciona-se o desenvolvimento do
consumo na sociedade moderna diretamente com a Revoluo Industrial. A partir dessa
viso, a intensificao da produo que imputa nos indivduos os hbitos de consumo.
Porm, as abordagens tradicionais economicistas e utilitrias apresentam limitaes
para a compreenso da complexidade do fenmeno do consumo no mundo
contemporneo. Essas perspectivas tericas e interpretativas no consideram que o
consumo envolve aspectos do contexto histrico, social, poltico e econmico e que
podem existir diferentes abordagens e percepes sobre o tema. Dessa forma, no
conseguem dar conta da complexidade do consumo, assim como no explicam o
consumismo moderno e,
A despeito das diferenas de nfases em certos temas e pocas
investigadas [o conservadorismo keynesiano ou a viso revolucionria
marxista], fica claro que, ao contrrio do que a historiografia
tradicional tem afirmado e os economistas repetido, a sociedade e a
cultura de consumo no so a gratificao histrica retardada do
longo labor industrial (BARBOSA, 2004, p. 18).
Partindo de uma viso sociolgica, Featherstone (1995, p. 31) considera que
importante focalizar a questo da proeminncia cada vez maior da cultura de
consumo, e no simplesmente considerar que o consumo deriva inequivocamente da
produo. Do mesmo modo, Baudrillard (2008) destaca que se pode definir o consumo
enquanto uma atividade e um processo tanto econmico quanto cultural. Vale destacar
que, de acordo com Campbell (2002), uma nova aptido e propenso ao consumo surge
ainda no sculo XVIII, com a chamada Revoluo do Consumidor. A explicao para
essa transformao estaria ligada a uma revoluo cultural que modifica valores morais
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e ticos e que leva substituio do ascetismo pelo hedonismo, reduzindo as restries
puritanas ao desejo, ambio material e ao anseio por opulncia (CAMPBELL, 2002).
A partir desta viso, teria sido a Revoluo do Consumidor uma das responsveis pelo
sucesso da Revoluo Industrial.
Por muito tempo encarado de maneira moralista e considerado algo despojado de
importncia simblica, o consumo e as questes que o cercam passam a ser tema de
interesse de estudos acadmicos, que historicamente mantiveram o foco na esfera da
produo para analisar as relaes sociais. Estes estudos ganham corpo nos anos 1980 e
essa temtica tem, hoje, uma posio relevante no campo das cincias sociais e estudos
histricos (BARBOSA, 2006), com diversos os autores destacando o papel central que o
consumo ocupa na sociedade atual, influenciando atividades no apenas econmicas,
mas polticas, culturais e sociais, e pautando muitas das atividades cotidianas dos
indivduos. Porm, essa mudana de foco nos estudos no se d sem motivo, por um
querer dos pesquisadores. A ateno se volta para os estudos sobre o consumo na
medida em que a sociedade se transforma e tambm muda seu centro organizador. Se na
sociedade moderna a produo era vista como organizadora da sociedade e do
capitalismo industrial, tendo o trabalho como o centro,12
a partir do sculo XX
observou-se uma tendncia de mudana no paradigma do principio estruturante e
organizador da sociedade, da produo para o consumo (BAUDRILLARD, 2008;
FEATHERSTONE, 1995). Para Baudrillard (2008), durante o sculo XX, o capitalismo
foi mudando seu centro de gravidade e, no mundo fragmentado atual, o principal terreno
da atividade social deixou de ser a produo e passou a ser o consumo.13
A sociedade contempornea vem, portanto, sofrendo profundas alteraes em
relao modernidade que transformam todos seus mbitos: econmicos, polticos,
sociais, ecolgicos e tecnolgicos. A complexidade caracterstica desta sociedade leva
diversos tericos14
a se esforarem para esclarecer a natureza dos processos em curso e
compreender as motivaes e implicaes do consumo na sociedade. Esses autores tem
como referncia a mudana, que muitas vezes vista como a diluio do que vinha
12
Em uma perspectiva sociolgico-marxista, em geral, o trabalho que se encontra na centralidade da
vida cotidiana e que definidor do ser do homem. uma atividade bsica e genrica do homem, o
intercmbio entre a sociedade e a natureza (HELLER, 2004). 13
Para Baudrillard (2008), o real perdeu sua espessura, desapareceu, e todas as relaes humanas so
simulacros mediados por signos. 14
Franois Lyotard (2002), com seu conceito-chave de ps-modernidade; Zygmunt Bauman (2003), com
sua ideia de uma modernidade lquida; Gilles Lipovetsky (2004), com a hipermodernidade, entre outros.
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anteriormente (a modernidade) para a entrada de uma nova formatao. Um desses
autores Gilles Lipovetsky, que v a sociedade contempornea como a experimentao
das ideias da modernidade em seu grau mais avanado, em que a cultura do excesso,
determinada e marcada pelo efmero, com o sujeito, em ritmo frentico, buscando a
satisfao dos seus desejos15
(LIPOVETSKY, 2004). Os princpios modernos so
readaptados na contemporaneidade para uma sociedade liberal, caracterizada pelo
movimento, pela fluidez, pela flexibilidade; indiferente como nunca antes se foi aos
grandes princpios estruturantes da modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo
hipermoderno para no desaparecer (CHARLES, 2004, p. 26).
Dentre as principais mudanas percebidas na sociedade destaca-se a rpida
expanso do consumo e da comunicao de massa, que passam a ter forte presena no
cotidiano de toda a sociedade. Assim, o consumo de bens, de comportamentos e da
prpria mdia constituiria a base da sociedade contempornea, sendo potencializado
pela corrida pelo bem-estar individual, atravs do consumo hedonista, e pela busca
infinda pela felicidade. De acordo com Lipovetsky (2005, p. 84),
A revoluo do consumismo, que s chegar a seu pleno regime aps
a Segunda Guerra Mundial, tem, de fato, a nosso ver, um alcance mais
profundo, que reside essencialmente na realizao definitiva do
objetivo secular das sociedades modernas, a saber, o controle total da
sociedade e, por outro lado, a liberao cada vez mais ampla da esfera
particular, agora entregue a um self-service generalizado, velocidade
da moda, flutuao dos princpios, dos papis, dos status.
Diante dessas transformaes associadas ao sistema econmico capitalista e
globalizao, a sociedade e suas relaes passam a ser organizadas e voltadas para o
consumo, com valores, ideias e aspiraes passando a ser definidos e organizados de
acordo com aquilo que se consome. Trata-se de uma sociedade de mercado,
caracterizada pela cultura do consumo, que tem ntima relao com a mdia e a
globalizao, que maximiza o acesso aos bens em toda a parte do mundo.
De acordo com Barbosa (2004, p. 8), a sociedade de consumo seria, dependendo
da abordagem terica utilizada, simultaneamente algum tipo de consumo particular e
um tipo de sociedade especfica com arranjos institucionais, princpios classificatrios
e valores particulares. Enquanto alguns autores do destaque para o primeiro ponto,
15
Para se referir a esse processo, Lipovetsky (2004) utiliza o termo hipermodernidade. O prefixo hiper
tambm usado pelo autor para caracterizar o padro de consumo presente nessa sociedade, o
hiperconsumo (LIPOVETSKY, 2010).
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definindo essa sociedade por um tipo de consumo especfico por exemplo, quando
Jean Baudrillard (2008) se refere ao consumo do signo , outros trazem questes
referentes s caractersticas sociolgicas deste tipo de sociedade especfica como o
consumo de massas e para as massas, alta taxa de consumo e descarte de mercadorias
per capita, presena da moda, sociedade de mercado, sentimento permanente de
insaciabilidade e o consumidor como um de seus principais personagens sociais
(BARBOSA, 2004, p. 8).
Ao tratar da relao e diferena entre sociedade de consumo e cultura de
consumo, Barbosa (2004) destaca que nem toda sociedade de consumo uma cultura de
consumo. Algumas sociedades, ainda que sejam sociedades de mercado em que existe a
figura do consumidor com privilgios e direitos, culturalmente no utilizam o consumo
como principal forma de reproduo nem de diferenciao social, e variveis como
sexo, idade, grupo tnico e status ainda desempenham um papel importante naquilo que
usado e consumido (BARBOSA, 2004, p. 9). Esta situao pode ser exemplificada
por sociedades mais tradicionais, como a da ndia, onde coexistem a sociedade de
consumo e uma cultura baseada em aspectos institucionais fortes.
Don Slater (2002) ressalta que na cultura do consumo os valores no so apenas
organizados pelo consumo, mas, de certo modo, derivados dele. Na cultura do consumo,
o ato de consumir ganha importncia simblica indita, se infiltrando em todas as
esferas da vida social e com as relaes passando a ser mediadas por ele. Para o autor,
os valores do reino do consumo invadem outros domnios da ao social, de modo que
a sociedade moderna in toto uma cultura do consumo, e no especificamente em suas
atividades de consumo (SLATER, 2002, p. 32-33). Assim, na cultura de consumo
contempornea, todas as atividades, at as mais simples, esto permeadas por relaes
de consumo, que vo ocupando todos os espaos da vida cotidiana dos indivduos e
fazendo com que aspectos que a princpio no se relacionam com prticas de consumo,
como o contato com a natureza, o cio, a sade e a educao, se transformem em
mercadoria. No que Bauman (2008) chama de sociedade de consumidores, o consumo
se torna o eixo organizador da sociedade,16
fonte emanadora de inspirao para a
modelagem de uma enorme variedade de formas de vida e de padres de relaes entre
as pessoas. Nessa sociedade, as relaes de consumo esto inseridas na cultura da
16
Substituindo o papel do trabalho na sociedade moderna de produtores (BAUMAN, 2008).
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sociedade e seus valores e ideologia so reforados pelo mercado e por instituies
como a mdia.
Ao tratar deste tema, Featherstone (1995, p 121) destaca que
Usar a expresso cultura do consumo significa enfatizar que o
mundo das mercadorias e seus princpios de estruturao so centrais
para a compreenso da sociedade contempornea. Isso envolve um
foco duplo: em primeiro lugar, na dimenso cultural da economia, a
simbolizao e o uso dos bens materiais como comunicadores, no
apenas como utilidades; em segundo lugar, na economia dos bens
culturais, os princpios de mercado oferta, demanda, acumulao de
capital, competio e monopolizao operam dentro da esfera dos
estilos de vida, bens culturais e mercadorias.
O mesmo autor, analisando os estudos relacionados cultura do consumo, identifica
trs perspectivas fundamentais: as que abordam a questo do ponto de vista da
produo do consumo; as que se detm aos modos de consumo; e as que tratam do que
chama de consumo de sonhos, imagens e prazeres (FEATHERSTONE, 1995).
Na perspectiva das teorias que tratam da produo do consumo, a cultura de
consumo tem como premissa a expanso da produo capitalista, que deu origem a uma
vasta acumulao de cultura material na forma de bens e locais de compra e consumo
(FEATHERSTONE, 1995, p. 31). Aqui, o consumo entendido como consequncia da
produo e a cultura do consumo consequncia da expanso do capitalismo e o
aumento da produo. De acordo com Barbosa (2004, p. 37), esta perspectiva
compartilhada igualmente tanto por economistas clssicos como por neomarxistas que
veem consumo como uma consequncia das necessidades da produo em massa
oriunda da revoluo industrial e que levou a uma viso estritamente economicista do
consumo. A diferena entre as vises desses dois grupos est na questo do controle
sobre os consumidores. Enquanto economistas clssicos tem uma viso positiva que
considera a cultura do consumo como emancipadora, na medida em que teriam
resultado em maior igualitarismo e liberdade individual (FEATHERSTONE, 1995, p.
31); neomarxistas a veem como alimentadora da capacidade de manipulao
ideolgica e controle sedutor da populao, prevenindo qualquer alternativa melhor
de organizao das relaes sociais (FEATHERSTONE, 1995, p. 31), sendo
desintegradora e responsvel pelo afastamento das pessoas de valores e tipos de
relaes sociais consideradas mais verdadeiras, autnticas (BARBOSA, 2004, p. 37).
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Considerando o consumo como derivado da produo, este segundo grupo
considera que a necessidade de criar novos mercados e formar e educar novos
pblicos criou mecanismos de seduo e manipulao ideolgicas das pessoas atravs
do marketing e da propaganda (BARBOSA, 2004, p. 37). Um exemplo dessa viso
negativa da cultura de consumo a da Escola de Frankfurt,17
ancorada nas percepes
de indstria cultural e transformao da cultura em mercadoria. Os autores desta escola
destacam a obliterao do valor de uso em relao ao valor de troca, um processo que
permite que as mercadorias se tornem livres para mltiplas associaes. Outro exemplo
Baudrillard (2008), que destaca que o consumo supe a manipulao ativa dos signos,
tornando-se central na sociedade capitalista, com o signo e mercadoria formando a
mercadoria-signo. Para o autor, essa autonomia do significante permite que a mdia e
a publicidade manipulem os signos.
O ponto de vista que trata do tema a partir dos modos de consumo tem uma
abordagem sociolgica que percebe que a satisfao e o status dependem da exibio e
da conservao das diferenas em condio de inflao. Nesse caso, focaliza-se o fato
de que as pessoas usam as mercadorias de forma a criar vnculos ou estabelecer
distines sociais (FEATHERSTONE, 1995, p. 31). Assim, o consumo visto como
uma forma de diferenciao social, com a transferncia das propriedades simblicas
atribudas s mercadorias para seus usurios, enquanto categorias de pessoas. Mary
Douglas e Baron Isherwood (2009) destacam o papel dos bens enquanto marcadores
sociais dentro de um sistema informacional, sendo seu consumo fsico apenas uma parte
do processo. Assim a informao contida nos bens utilizados vo servir para estabelecer
contato com aqueles que possuem vises de mundo semelhantes e esto em um mesmo
patamar, ao mesmo tempo em que provoca a excluso daqueles que no fazem parte
deste mundo: Os bens so neutros, seus usos so sociais; podem ser usados como
cercas ou como pontes (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009, p. 36). As
mercadorias/bens seriam usadas como diferenciadores ou comunicadores sociais
relacionando-se com as prticas e estratgias de consumo dos diferentes segmentos
sociais, implicando na formao de hbitos, identidade e diferenciaes. Ao existir
formas socialmente estruturadas pelas quais as mercadorias so usadas para demarcar
17
O que ficou conhecido como Escola de Frankfurt consistiu em um grupo de intelectuais que na primeira
metade do sculo XX produziu um pensamento conhecido como Teoria Crtica. Dentre os nomes mais
conhecidos esto Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamim.
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relaes sociais, o consumo se realizaria coletivamente, existindo como algo
culturalmente compartilhado e sendo preciso considerar as transformaes que os
indivduos, que compram e usam bens, provocam ao compartilharem o consumo
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009). De acordo com Bourdieu (2007), as prticas de
consumo so centrais na criao e manuteno de relaes sociais de dominao e
submisso. Os chamados bens posicionais, os quais os grupos dominantes buscam deter
o monoplio sobre (BOURDIEU, 2007), tem na sociedade de consumo contempornea
uma instabilidade que permite sua chegada a uma populao maior, o que leva a uma
corrida social constante para a obteno de novos bens para, assim, conservar distino
de status reconhecveis.
O terceiro ponto de vista daqueles que tratam do consumo de sonhos, imagens
e prazeres, destacando os prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos
celebrados no imaginrio cultural consumista e em locais especficos de consumo que
produzem diversos tipos de excitao fsica e prazeres estticos (FEATHERSTONE,
1995, p. 31). Featherstone (1995, p. 42), destaca que, de acordo com o argumento de
alguns autores, pode-se inferir que o capitalismo tambm produz (somos tentados a
seguir a retrica ps-modernista e dizer superproduz) imagens e locais de consumo
que endossam os prazeres do excesso. Essas imagens e locais promoveriam um
embaamento da fronteira entre arte e vida cotidiana e de todo conjunto de associaes
negativas relacionadas cultura ps-moderna. Por outro lado, Featherstone (1995)
destaca que existem autores, por exemplo Walter Benjamin, que veem como positiva a
produo em massa de mercadoria, pois liberaria a criatividade da arte, permitindo que
migrasse para os objetos contemporneos. J para Semprini (2006), o projeto industrial
da modernidade inicialmente no estava comprometido com questes estticas, estando
fora do seu programa cultural e de competncias, sendo exceo produtos de alta-
costura e perfumes, que eram restritos elite. Porm, com a sensibilidade esttica sendo
inserida no consumo de massa, estimula-se o desenvolvimento do estetizar da vida
cotidiana, fenmeno social em plena expanso que leva a que um nmero crescente de
artefatos culturais e/ou de consumo incorpore uma dose significativa de estetizao,
entendida a partir de uma perspectiva clssica de filosofia esttica.
A partir desse panorama, Featherstone (1995, p. 48) coloca que na cultura de
consumo ainda persistem economias de prestgio em que bens podem ser
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interpretados e usados para classificar o status de seu portador ao mesmo tempo em
que usa imagens, signos, e bens simblicos evocativos de sonhos, desejos e fantasias
que sugerem autenticidade romntica e realizao emocional em dar prazer a si mesmo,
de maneira narcsica, e no os outros. com esta ideia, que trabalha com essas duas
perspectivas agindo simultaneamente, que ser tratado o consumo nesta pesquisa.
1.2 Aspectos do consumismo contemporneo
Para Bauman (2008, p. 41), enquanto o consumo basicamente uma
caracterstica e uma ocupao dos seres humanos como indivduos, o consumismo se
configura enquanto um atributo da sociedade, apresentando-se como um tipo de
arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos
rotineiros, permanentes e, por assim dizer, neutros quanto ao regime, transformando-
os na principal fora propulsora e operativa da sociedade (BAUMAN, 2008, p. 41,
grifo do autor). Assim, ainda que o consumo enquanto prtica tenha sempre existido na
vida do ser humano, o que se destaca atualmente uma exacerbao de sua participao
no cotidiano dos indivduos, atuando como organizador da vida.
Dentre outros aspectos, o consumismo atual pode ser relacionado ao que Veblen
(1974) identifica como consumo conspcuo, correntemente definido como um dispndio
feito com a finalidade precpua de demonstrao de condio social, sendo, portanto,
um hbito cuja aquisio motivada pela competio (comparao individual)
(CHELUCHINHAK; CAVICHIOLLI, 2010, p. 21). De acordo com Veblen (1974), o
dispndio conspcuo se relaciona com o gasto com as coisas que costumam ser
consideradas como suprfluas, uma vez que no haveria mrito em consumir apenas
coisas necessrias vida, estando, portanto, diretamente ligado compra de artigos de
luxo e gastos ostentatrios por aqueles que desejam se identificar com algum grupo.
A respeito deste tema, o autor destaca aspectos que so relevantes para esta
pesquisa, uma vez que resultam em um maior consumo e produo de produtos, e seu
consequente descarte, gerando impacto direto no meio ambiente. Por um desejo de se
identificar com as classes dominantes, os indivduos procuram copiar padres de
comportamento de estratos superiores, utilizando o consumo para demonstrar um
determinado status que no possuem, muitas vezes ignorando seu bem estar. Esta ideia
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origem da teoria trickle down effect,18
que foi tratada por Simmel (1957) e expandida
e atualizada de acordo com a sociedade contempornea por McCracken (2003). Como
consequncia, as classes superiores tendem a mudar seus padres de comportamento a
fim de diferenciarem das classes superiores que tentam imit-los. Assim, o que
considerado adequado e de bom gosto hoje, dentro de um determinado tempo, quando
se tornar padro e de fcil acesso, j no ser mais. Esta configurao d origem,
portanto, a
uma corrida incessante para as pessoas atingirem um determinado
nvel, que no mais que o ponto de partida para atingir o nvel do
grupo que se situa imediatamente acima delas, num processo sem fim
[...]. Sua base est, antes de tudo, em uma corrida pelo prestgio, que
seria infinita porque impossvel de se saciar, uma vez que o resultado
depende sempre de uma comparao entre quem tem mais e quem tem
menos bens (TASCHNER, 1996-1997, p 31).
Esse comportamento descrito por Veblen (1974) sofre uma adaptao na
sociedade contempornea individualista e de mercado, uma vez que a relao entre
estilo de vida e posio social se flexibiliza e no existem mais regras ou restries
sobre o que cada classe social pode ou no consumir: como no existem grupos de
referncias nem regras que decidam por e para ns, os grupos sociais so
indiferenciados entre si em termos de consumo (BARBOSA, 2004, p. 22). Assim, os
grupos de referncia deixam de serem, necessariamente, as classes sociais mais altas e o
efeito trickle-down, tal qual descrito por Simmel (1957) e Veblen (1974), tambm deixa
de ser imperativo. Existe hoje uma multiplicidade de grupos, tribos urbanas e
indivduos criando suas prprias modas. Em vez de olharmos para cima, olharamos
para os lados (BARBOSA, 2004, p. 22). McCracken (2003) vai abordar este tema
quando realiza uma reviso da teoria do efeito trickle-down, ressaltando que, apesar de
seu declnio, ela ainda pode ser de grande valia para os pesquisadores da moda e do
consumo. De acordo com o autor, ainda que eficiente para a anlise da moda europeia
dos sculos XVI, XVII e XVIII, a teoria no se adequa configurao das relaes e da
moda na sociedade contempornea. Dessa forma, McCracken (2003), em um esforo
intelectual de minimizao das limitaes apresentadas pelo modelo inicial, prope a
incluso de outros fatores no modelo terico, utilizando os argumentos do estudo em
18
De maneira geral o efeito trickle down remete ao fato de que, com o tempo, as classes mais baixas
tendem a adotar comportamentos que, anteriormente, eram adotados apenas pelas classes sociais mais
altas.
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uma concepo de tribos ou segmentos distintos da sociedade. Em sua reviso sobre a
teoria do efeito trickle down, o autor abandona os distintivos de classe social, baseada
na capacidade financeira, e adere aos distintivos de gnero, ocupao, raa/etnia,
cultura, orientao sexual, religio, poltica, dentre outros (FREITAS; PINTO;
OLIVEIRA, 2012, p.6).
J na percepo de Lipovetsky (2010), o que os indivduos buscam no mais a
ostentao ou a exibio como forma de diferenciao de classe, mas viver e satisfazer
seus desejos emocionais, corporais, estticos, relacionais, sanitrios e ldicos. O terico
destaca o papel da felicidade na sociedade contempornea, onde haveria uma busca
permanente de realizao pessoal. Os bens, que antes eram um meio de se diferenciar
do outro e usados como smbolos de status, agora se colocam disposio desse
indivduo que espera que eles proporcionem liberdade, sensaes, novas experincias,
melhoramento da vida fsica. Por este ngulo, a dinmica consumista se sustentaria na
busca de felicidades privadas. Em tempos de hiperconsumo, as motivaes privadas
superam muito as finalidades distintivas (LIPOVETSKY, 2010, p. 42), sendo o
hiperconsumidor atrado pelas sensaes variadas e de maior bem-estar sensvel. As
novidades mercantis so desejadas por si mesmas, pela simples razo da satisfao dos
benefcios subjetivos que elas estimulam.
Passa-se para o universo do hiperconsumo quando o gosto pela
mudana se difunde universalmente, quando o desejo de moda se
espalha alm da esfera indumentria, quando a paixo pela renovao
ganha uma espcie de autonomia, relegando ao segundo plano as lutas
de concorrncia pelo status, as rivalidades mimticas e outras febres
conformistas (LIPOVETSKY, 2010, p. 44).
Esta percepo se alinha com a ideia de que existiria hoje uma busca incessante pela
felicidade que se concretizaria no consumo, no possuir determinados bens. A
contradio desta busca se encontra no fato de que esta felicidade nunca atingida, pois
o desejo de consumir que funciona como motivador, sendo maior a alegria em desejar
e esperar do que em possuir. Como apontado por Bauman (2008), a felicidade est na
deciso da compra e no no uso em si.
Para Campbell (2002), essa insaciabilidade dos consumidores o que caracteriza
a sociedade de consumo e sua origem est na passagem do hedonismo tradicional para o
hedonismo moderno. Em A tica romntica e o esprito do consumismo moderno, alm
de identificar o romantismo como um dos ingredientes fundamentais na formao da
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31
sociedade de consumo moderna, Campbell (2002) destaca que uma mudana na
concepo das fontes do prazer, ou seja, na estrutura do hedonismo, da subjetividade
moderna, resulta na mudana no padro de consumo. Isso ocorre porque, enquanto no
hedonismo tradicional o prazer oriundo das sensaes e se ancora nos sentidos e na
satisfao que esses podem obter de estmulos exteriores (BARBOSA, 2004, p. 51), no
hedonismo moderno ele se desloca para as emoes, o que permite evocar estmulos
atravs da imaginao e na ausncia de qualquer sensao gerada a partir do mundo
exterior (BARBOSA, 2004, p.51). Assim, com a prevalncia do hedonismo moderno,
h uma ampliao das experincias agradveis uma vez que o controle est por conta da
imaginao, para a qual no h restries, e bens e servios se transformam em
detonadores de daydreams (BARBOSA, 2004, p 52), os sonhos auto-ilusivos. Os
consumidores esto mais preocupados com o prazer das experincias auto-ilusivas que
constroem com suas significaes associadas a partir de produtos e servios, do que
com a satisfao das necessidades a que estes se prestam.
A partir destas consideraes, poder-se-ia dizer que a atividade fundamental do
consumo no a seleo, a compra ou o uso dos produtos, mas a procura do prazer
imaginativo a que a imagem do produto se empresta (BARBOSA, 2004, p. 52-53). E,
to logo um desejo ou necessidade seja satisfeito, j h outro espera, em um
processo incessante e ininterrupto, que no se d por um simples querer, mas pela
insaciabilidade para com novos produtos. nesse mesmo sentido que Lipovetsky
(2010) considera que o hiperconsumidor atrado pelas sensaes variadas despertadas
e pelo desejo de maior bem-estar sensvel. Os objetos novos so desejados por si
mesmos, apenas pela satisfao dos benefcios subjetivos que despertam
(LIPOVETSKY, 2010). Como destaca Baudrillard (2002, p. 206), no so os objetos e
produtos materiais que so objetos de consumo. Estes so apenas objeto da necessidade
e da satisfao.
Baudrillard (2002, p. 207) considera que no o aumento na quantidade
produtos no mercado ou a busca por satisfazer as necessidades que torna o consumo
prprio da sociedade contempornea, mas sim a converso do objeto em signo. Porm,
para suprir a demanda constante por novos produtos, so desenvolvidas estratgias que
levam acelerao da produo de objetos, o que acaba tendo como consequncia a
perda do valor de uso desses objetos, diminuindo sua durabilidade e acelerando seu
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descarte. Uma dessas estratgias, que basilar na manuteno e intensificao do
consumismo contemporneo, a chamada obsolescncia programada, que alimenta a
produo de novos bens e, entre outros reflexos, gera um impacto direto no meio
ambiente em decorrncia da explorao de recursos naturais para produo. Para Arendt
(2005, p. 138): Sua mera abundncia os transforma em bens de consumo. A
interminabilidade da produo s pode ser garantida se os seus produtos perderem o
carter de objetos de uso e se tornarem cada vez mais objetos de consumo.
Ainda que nos parea um fenmeno atual, a ideia de fabricar produtos com curta
durabilidade de maneira premeditada obrigando os consumidores a adquirir novos
produtos no recente. O primeiro passo para o desenvolvimento do modelo de
obsolescncia programada ocorre ainda na dcada de 1920, com o surgimento do cartel
S.A Phoebus, em 1924. Reunindo um grupo de fabricantes de lmpadas e comandado
pelas empresas Osram e Philips, o cartel nasce com o intuito de dividir o mercado
mundial. Uma das medidas tomadas a determinao que define que todas as lmpadas
devam ter a vida til limitada em 1000 horas,19
havendo um controle rigoroso por parte
do cartel e com multas previstas em caso de no serem seguidas as limitaes pelos
fabricantes (CONCEIO; CONCEIO; ARAJO, 2014). J enquanto conceito, a
obsolescncia programada surge durante a grande crise de 1929 como uma proposta
para solucionar a depresso econmica. Para o investidor imobilirio Bernard London,
autor do artigo Ending the depression through planned obsolescence,20
se os produtos
tivessem seus ciclos de vida interrompidos (diminudos), os consumidores precisariam
voltar s compras, gerando mais demanda de produo e consequentemente mais
emprego, o que daria fim crise. Para London (1932), o governo deveria estipular um
prazo de vida para cada produto que seria considerado como morto aps este perodo,
podendo ser multados aqueles que seguissem utilizando produtos que estivessem fora
da validade. O plano no posto em prtica pelo governo e nos anos seguintes se d a
recuperao econmica e social que vai at o incio da II Guerra Mundial, mas a ideia
de diminuir a vida til dos produtos para intensificar o consumo ressurgiria com fora
no ps II Guerra Mundial.
19
A lmpada de Thomas Edison, em 1881, tinha 1500 horas de vida. Nessa poca eram produzidas
lmpadas com at 3000 horas de durao (CONCEIO; CONCEIO; ARAJO, 2014). 20
Acabar com a depresso atravs da obsolescncia programada.
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Com a recuperao da economia mundial e o aumento de renda, ocorre um
aumento no consumo e os consumidores passam a procurar produtos para alm das
chamadas necessidades bsicas, de melhor qualidade e que os diferenciasse. Assim,
nos anos 1950, so apresentados aos consumidores novos produtos, novas funes e
novos designs com a ajuda dos meios de comunicao, em especial da publicidade, que
alcana uma massa de potenciais consumidores. A obsolescncia no planejada
apenas em seu aspecto tcnico ou fsico, ela tambm da ordem da percepo e
desperta no consumidor o desejo de se ter sempre algo mais novo e moderno. Novos
produtos so apresentados como mais atraentes ou com tecnologia superior, buscando
convencer o consumidor que aquele que ele possui est obsoleto e que esse consumidor
ficar socialmente defasado (SLADE, 2006).
Chegamos ento, hoje, em um momento em que essa lgica se intensificou e
aperfeioou, tendo em vista as caractersticas da sociedade atual. Uma das evidencias da
obsolescncia programada de produtos em seus aspectos tcnicos so as celebradas
estratgias de melhoria continuada de produtos. Quando os ltimos lanamentos de
determinada marca esto chegando s lojas, j existe um novo produto na linha de
produo para substitu-lo. A acelerao e a inovao tecnolgica, aliadas publicidade
global e tcnicas modernas de marketing, trazem uma quantidade e velocidade
impressionante de lanamento de novos produtos no mercado com aparncia inovadora
e pequenas mudanas funcionais, levando os consumidores, vidos por novidades, a
uma corrida para serem os primeiros a adquirir o mais novo lanamento, ainda que no
precisem ou que o produto no atenda s suas propostas.
A obsolescncia programada pode ser identificada como um instrumento de
controle do consumo, uma vez que o fabricante programa a vida til de um produto para
que ele dure menos de forma intencional, sendo um modelo que estimula a
desatualizao e o descarte de tudo. Percebe-se a obsolescncia programada operando
por duas vias: por um lado cooptando o consumidor a adquirir um novo produto sem
necessidade, seja porque no precisa21
ou porque o seu antigo ainda est funcionando;
por outro, afetando a durabilidade dos produtos que passam a ser projetados para
possurem uma vida til mais curta e com novos modelos sendo lanados de forma mais
21
Sobre a subutilizao dos produtos, Silva (2007) traz discusso o fato de que poucos so os usurios
que conhecem todas as funcionalidades de um celular, no sendo raro que as pessoas comprem itens
desnecessrios, por exemplo, relgios resistentes profundidade sem que nem ao menos saibam nadar.
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rpida para suprir essa defasagem. Ainda assim, muitas vezes o preo o fator decisivo
de compra, em detrimento da qualidade, para consumidores que buscam novas
tecnologias e produtos. Predomina um consumo rpido e sem compromisso com a
qualidade do produto. Esse um aspecto a ser considerado, em especial porque
significativa a produo de baixo custo aliada a pouca qualidade (por exemplo alguns
produtos chineses) que, alm de estarem relacionados com problemas como pirataria,
contrabando e trabalho escravo e semiescravo, geram uma enorme quantidade de
resduos. Esta questo ainda mais problemtica quando se considera que grande parte
desse descarte de produtos de baixa qualidade est relacionada a eletrnicos, os quais
possuem em sua composio elementos danosos para o meio ambiente. Alm disso, o
incentivo ao consumo aliado vasta oferta de produtos e a grande concorrncia leva ao
barateamento na aquisio de um novo produto em detrimento de seu conserto, uma vez
que torna mais fcil e barato, e muitas vezes a nica opo, comprar um produto novo
do que consertar aquele que j se possui. Assim, a incessante oferta de produtos
substitutos favorece o fenmeno da obsolescncia em que so descartados itens ainda
em plena capacidade de uso.
Para Baudrillard (2008), o desejo constante por novos produtos (novidades) est
relacionado busca por novos signos, uma vez que estamos inseridos em uma
sociedade que passa a referenciar no a funcionalidade de um produto, mas a sua
simbologia perante a sociedade, levando com que a indstria desenvolva novos
produtos e conceitos apoiados nessa busca por novos significados e associaes. Nesse
cenrio, a moda deve ser vista como um processo de obsolescncia cultural programada.
medida que ela se dissemina pelo interior da sociedade ela deixa de ser um diferencial
para alguns grupos e um novo ciclo para um novo produto estabelecido (BARBOSA,
2004, p. 42). Segundo McCracken (2003), o sistema de moda capaz de inventar
significados culturais atravs de lderes formadores de opinio que estimulam a
mudana de princpios e categorias culturais. Assim, com a ajuda da mdia, a lgica da
moda, at ento restrita ao vesturio, transferida para todo e qualquer bem, adentrando
todos os aspectos do cotidiano dos indivduos. O que era antes entendido como uma
ferramenta utilitria passa a ser visto como parte da expresso pessoal de quem o
possui. Semprini (2006) complementa esta temtica ao destacar que a difuso do
paradigma esttico que recupera a lgica do funcionamento da moda para outros
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territrios, pois, ao utilizar a experincia sensvel, torna possvel introduzir uma lgica
de renovao permanente, com a obsolescncia programada de base cultural
substituindo a obsolescncia tecnolgica/fsica dos produtos. atravs do estetizar que
a lgica de renovao permanente amplia-se e estende-se a um nmero crescente de
setores do consumo.
1.3 Consumismo e meio ambiente: entre questionamentos e propostas
A partir do trajeto histrico e terico traado at aqui, abordando as diferentes
interpretaes do consumo e perspectivas acerca da cultura de consumo, possvel
perceber que o consumismo traz consequncias para a sociedade como um todo, no
apenas simblicas, mas tambm materiais. Visando suprir os desejos dos consumidores
por mais e novos produtos, h a intensificao na produo que tem impacto direto no
aumento da utilizao de energia, da explorao de recursos e tambm dos rejeitos
gerados. importante destacar que, com o incremento do consumo de massa e o
desenvolvimento de novos tipos de materiais, a velocidade com a qual cresce o volume
de materiais descartados acelera-se e as caractersticas dos resduos domsticos slidos
alteram-se: alm do aumento no volume de resduos gerados, estes agora possuem uma
decomposio mais lenta, pois a maior parte no mais de natureza orgnica. Essa
configurao gera diversos problemas, por exemplo o grande depsito de lixo do
Pacfico, como conhecida uma regio no Oceano Pacfico em que se acumulam
toneladas de lixo que se dirigem para l em decorrncia das correntes martimas. A
composio deste lixo , principalmente, de plstico, podendo chegar a conter um
milho de pedaos desse material por cada quilmetro quadrado. A maior parte de
microfragmentos que se espalham muito rapidamente e flutuam abaixo da superfcie em
uma esteira de lixo, sendo ingeridos por animais marinhos (CORRAL, 2014).
Ainda que a questo do alto descarte de resduos seja central no impacto
ambiental gerado pelo aumento do consumo, ao se tratar do tema h uma tendncia em
se preocupar apenas com o incio da cadeia explorao dos recursos , deixando de
lado o impacto do ps-consumo. Certamente diminuir a explorao de recursos uma
questo importante, mas no se pode esquecer que quanto mais se consome novos
produtos mais rejeitos so produzidos. com essa percepo que o lixo apontado por
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ambientalistas como um dos mais graves problemas ambientais urbanos atuais e
destaque como preocupao de ordem pblica. Visando combater este problema, tm-se
utilizado a poltica dos 3Rs22
reduzir, reutilizar e reciclar como estratgia de
enfrentamento no mbito da gesto dos resduos slidos. Porm, pode-se observar, nas
prticas cotidianas e mesmo nos programas de conscientizao ambiental, uma relao
reducionista do tema com a inverso desta poltica, voltando o foco para a reciclagem,
quando o mais importante seria a reduo.23
Com uma atitude de resoluo de
problemas ambientais locais de forma pragmtica, a reciclagem torna-se uma atividade
fim com um direcionamento excessivo para os aspectos tcnicos, psicolgicos e
comportamentais da gesto do lixo. De acordo com Layargues (2002, p. 16), a
reciclagem, da maneira como vem sendo feita, ou seja, desprovida de polticas pblicas,
tem muito pouco de ecolgico; na verdade, tornou-se uma atividade econmica como
qualquer outra.24
O que se pode notar que, ao invs de ser encarado como um
problema situado na cultura da sociedade, o enfrentamento da questo do lixo visto
apenas pela ordem tcnica, na qual se busca dar um destino ao que produzido sem
questionamentos.
Bauman (2005) faz uma anlise crtica com relao ao refugo que compartilha o
mesmo espao semntico de rejeitos, dejetos, restos, lixo. Para o autor, a
sociedade atual em toda sua construo histrica no tem interesse no refugo, pois s o
produto interessa, e por isso os dejetos so removidos radicalmente, tornados invisveis
pois no se olha para eles e inimaginveis porque no se pensa neles. O destino
do refugo o depsito de dejetos, o monte de lixo (BAUMAN, 2005, p. 20). Essa falta
de interesse sobre o tema pode, em parte, ser atribuda s caractersticas da
contemporaneidade. As pessoas no querem sequer pensar sobre os seus rejeitos, o seu
lixo, pois este um tema sem interesse para uma sociedade que valoriza o bem-estar
individual atingido pelo consumo hedonista e a busca infinda pela felicidade.
22
Conhecido como os 3 Rs da sustentabilidade (reduzir, reutilizar e reciclar), um conjunto de atitudes
relacionadas aos hbitos de consumo que ajudam a poupar os recursos naturais, gerar menos resduos e
minimizar seu impacto sobre o meio ambiente, alm de promover a gerao de trabalho e renda. Os 3Rs
so objetivos da Poltica Nacional de Resduos Slidos do Brasil. 23
De acordo com a proposta, deve-se privilegiar a reduo e, s quando no for possvel, recorrer
reutilizao e ento reciclagem. Porm, o que se observa de uma forma geral a inverso dessa ordem
na aplicao prtica desta poltica. 24
Os rejeitos s foram incorporados ao capitalismo de produo quando se teve condies tecnolgicas
de torn-lo lucro.
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Em um modelo produtivo que tem a natureza como fonte inesgotvel de
matrias-primas e energia inicio do processo produtivo e depsito de lixo final do
processo , capaz de assimilar dejetos sem limites, a economia no passa da circulao
e consumo de bens em que a natureza uma externalidade que fornece recursos e
absorve resduos do processo. Como consequncia, configuram-se sistemas econmicos
concebidos sobre alicerces antiecolgicos e que no consideram a natureza no processo
produtivo (SOFFIATI, 1995). Este modelo associado com os novos paradigmas da
sociedade contempornea, caracterizada pelo movimento, pela fluidez e pela
flexibilidade, tem afetado diretamente as relaes socioculturais, questes de trabalho e
o meio ambiente, levando a questionamentos histricos por parte de diversos setores da
sociedade, como o caso dos movimentos ambientalistas e sociais que buscam propor
novas possibilidades de desenvolvimento para a sociedade. Estes movimentos, que vo
tratar de buscar novas propostas para a sociedade com relao aos padres de consumo
e de produo, contestando a lgica de mercado e a relao com o meio ambiente, se
intensificam, aprofundam e diversificam o debate na ltima dcada.
[...] As diversas formas de percepo e definio da questo ambiental
vm se alterando em funo do prprio aprofundamento do debate, da
agudizao dos problemas, do desenvolvimento de novos estudos
cientficos e da participao de novos atores que trazem novas
questes e interesses para o debate (PORTILHO, 2010, p.24).
De acordo com Portilho (2010), existe um aparente consenso internacional sobre as
necessidades de reverter a degradao do meio ambiente e os impactos para as
populaes, sendo um tema envolvido em uma disputa ideolgica com uma pluralidade
de definies, problematizaes e solues em diferentes setores polticos e sociais.
1.3.1 Movimento ambientalista e movimentos contraculturais
Os primeiros alertas para problemas ambientais causados pelo homem25
so bem
antigos e, em 1798, Malthus j chamava ateno para o fato que a populao crescia
rapidamente sem o mesmo ocorrer com os meios de subsistncia26
(BURSZTYN;
25
Crises ambientais sempre existiram antes mesmo do surgimento do homem. Uma das particularidades
desta crise est no fato de ser a nica causada por uma espcie (SOFFIATI, 1987). 26
A Revoluo Industrial, que acelera o processo de urbanizao e de crescimento demogrfico, ainda
no atinge o meio rural nesse momento, gerando falta de alimentos e recursos (BURSZTYN;
BURSZTYN, 2006).
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BURSZTYN, 2006). Sob o impacto da Revoluo Industrial, as sociedades europeias
comeam timidamente a se questionar a respeito dos efeitos da poluio e da
degradao da natureza, porm, com a incorporao de novas tecnologias produo no
campo,27
o problema da escassez de alimentos parece resolvido e instala-se um perodo
de otimismo quanto infinita capacidade da cincia e das tcnicas, desaparecendo a
preocupao com o crescimento populacional e com a expanso em todos os mbitos.
Assim, os trs primeiros quartos do sculo XX so marcados pelo crescimento da
populao, da produo, dos mercados, do consumo de matrias-primas e dos
conhecimentos, passando a ideia de ser possvel um crescimento ilimitado
(BURSZTYN; BURSZTYN, 2006, p. 56).
Somente aps a II Guerra Mundial o assunto volta a ser levantado, a partir do
reconhecimento de que os avanos cientficos poderiam trazer malefcios ao meio
ambiente e uma vez que os problemas decorrentes do desenvolvimento e do uso de
produtos qumicos e armamentos passam a ser notados no campo e nas cidades pela
populao. De acordo com Moscovici (2007), com os efeitos da bomba de
Hiroshima28
que a cincia moderna se depara com seus limites ticos e com a
perspectiva da finitude da vida sobre o planeta que ela prpria poderia ocasionar. Dessa
forma, na dcada de 1960, seguindo o caminho dos primeiros movimentos
antinucleares, uma mobilizao intelectual, militante e poltica em torno dos riscos
ambientais inicia os debates mundiais sobre degradao ambiental (BRSEKE, 1995).
Esta conjuntura vai dar origem ao movimento ambientalista, que tem como
marco o lanamento, em 1962, da obra da biloga Rachel Carson. Silent spring29
denuncia os malefcios causados ao meio ambiente e ao homem pelo uso de DDT,30
desafiando as prticas dos agricultores e a poltica do uso do pesticida. Ainda que
controverso e tachado de alarmista pelo governo, esse trabalho considerado o incio da
discusso internacional sobre o meio ambiente, introduzindo a questo ambiental nas
pautas polticas e contribuindo para as discusses em torno do tema. O principal legado
27
A mecanizao do campo e o uso de fertilizantes levam ao aumento da produo. 28
Refere-se aos bombardeios realizados pelos Estados Unidos nas cidades de Hiroshima e Nagasaky, no
Japo, que resultou seu rendimento ao final da II Guerra Mundial e que ocasionou milhares de mortes e
trazendo diversos de problemas de sade para os sobreviventes. 29
O nome do livro em portugus Primavera Silenciosa. 30
DDT a sigla de diclorodifeniltricloretano, o primeiro pesticida moderno e que foi largamente usado
aps a II Guerra Mundial para combater os mosquitos transmissores da malria e tifo. Depois das
denuncias de que causaria cncer em seres humanos e mortandade em animais, foi banido em vrios
pases na dcada de 1970. No Brasil, sua proibio s ocorre em 14 de maio de 2009, com a Lei 11.936.
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de Carson (1969) foi o combate ao materialismo da cincia e s ideias de controle da
natureza pela tecnologia.
No mesmo contexto que se configura o movimento ambientalista surge uma
srie de outros movimentos sociais que, nas dcadas de 1960 e 1970, lutaram por causas
das chamadas minorias sociais, com destaque para o movimento dos direitos civis dos
negros nos Estados Unidos e o movimento feminista. Na mesma poca, tambm
aparecem os primeiros movimentos contraculturais, os quais se caracterizam pela recusa
aos parmetros burgueses de felicidade (VOUGA; CANO; VASCO, 2015, p. 3) e que
influenciam diversas manifestaes estudantis, inclusive as que culminaram no Maio de
68.31
Os beatniks, ou gerao beat, nascem nos Estados Unidos no final da dcada
de 1950, sendo um dos primeiros movimentos considerados de contracultura. Formado
por jovens intelectuais que trazem contestaes com relao ao consumism