depressão – bases biológicas e neuroanatomia

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Depressão – bases biológicas e neuroanatomia Dra. Tania Correa de Toledo Ferraz Alves Professora Colaboradora Médica do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Professora Assistente das Disciplinas de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) CRM-SP 85.182 Objetivos do aprendizado Discutir a epidemiologia e a fisiopatologia dos quadros depressivos e sua associação com doenças clínicas, em particular doenças cardiovasculares. Pontos-chave - Epidemiologia dos quadros de humor e suas relações com momento de vida e comorbidades clínicas; - Modelos fisiopatológicos da depressão; - Modelo neuroanatômico dos transtornos de humor e circuitos cerebrais implicados na fisiopatologia da depressão. Introdução Na prática clínica diária, frequentemente os pacientes com depressão são subdiagnosticados e subtratados. Em geral, as mulheres apresentam risco

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Depressão – bases biológicas e neuroanatomia

Dra. Tania Correa de Toledo Ferraz Alves

Professora Colaboradora Médica do Departamento de Psiquiatria da Faculdade

de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

Professora Assistente das Disciplinas de Psiquiatria e Psicologia Médica da

Faculdade de Medicina do ABC (FMABC)

CRM-SP 85.182

Objetivos do aprendizado

Discutir a epidemiologia e a fisiopatologia dos quadros depressivos e sua

associação com doenças clínicas, em particular doenças cardiovasculares.

Pontos-chave

- Epidemiologia dos quadros de humor e suas relações com momento de vida e

comorbidades clínicas;

- Modelos fisiopatológicos da depressão;

- Modelo neuroanatômico dos transtornos de humor e circuitos cerebrais

implicados na fisiopatologia da depressão.

Introdução

Na prática clínica diária, frequentemente os pacientes com depressão são

subdiagnosticados e subtratados. Em geral, as mulheres apresentam risco

duas vezes maior em relação aos homens durante e fase reprodutiva. Nas

seguintes páginas procuramos revisar alguns aspectos da fisiopatologia da

depressão maior, bem como salientar os aspectos biológicos e de

neuroimagem subjacentes. O Quadro 1 apresenta a classificação atual dos

quadros de humor segundo o Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos

Mentais (DSM-IV).

Quadro 1 - Classificação dos transtornos depressivos baseada no DSM-V

Transtorno Delimitação sintomatológica

Critério temporal

Subtipos Subtipos de acordo com a evolução

Transtorno Depressivo Maior

Humor depressivo ou diminuição do interesse ou prazer + 4 manifestações depressivas

> 2 semanas

Melancólico Atípico Psicótico Catatônico Puerperal

Crônico Recorrente Sazonal Episódio único

Transtorno Distímico

Humor depressivo ou diminuição do interesse ou prazer + 2 manifestações depressivas

> 2 anos Atípico

Transtorno depressivo devido a uma condição médica ou induzido por substância

Humor depressivo

Correlação temporal com a condição médica ou o uso de substância

Transtorno depressivo menor

Humor depressivo + 2 manifestações depressivas

> 2 semanas

Epidemiologia da depressão

A prevalência de depressão maior no momento da avaliação, segundo estudo

realizado nos Estados Unidos, é em torno de 4,9% na população geral.

Situações específicas, como climatério e doenças clínicas, podem

vulnerabilizar o paciente para quadros de humor (Soleimani, Lapidus et al.;

Kessler, Birnbaum et al., 2010). A Tabela 1 apresenta os dados de prevalência

da depressão por faixa etária e país ao longo da vida.

Tabela 1: Prevalência de 12 meses de TDM por faixa etária e país

Prevalência de 12 Meses de TDM DSM-IV/CIDI por Idade e País

Grupos por Idade 12 Meses Todas

as Idades

18–34 35–49 50–64 ≥65

Brasil 10,4 (0,6)

10,9 (0,7)

11,8 (1,2)

9,1 (1,1)

3,9 (1,1)

Espanha 4,0 (0,3)

3,6 (0,7)

3,8 (0,5)

5,4 (0,7)

3,6 (0,6)

Países em Desenvolvimento

5,9 (0,2)

5,3 (0,2)

6,2 (0,3)

6,8 (0,4)

7,5 (0,8)

Países Desenvolvidos

5,5 (0,1)

7,0 (0,3)

6,0 (0,2)

5,1 (0,2)

2,6 (0,2)

Adaptado de: Kessler RC, Birnbaum HG, Shahly V, et al. Age differences in the prevalence and co-morbidity of DSM-IV major depressive episodes: results from the WHO World Mental Health Survey Initiative. Depress Anxiety. 2010 Apr;27(4):351-64.

Fisiopatologia dos transtornos de humor Nas últimas décadas, a neuroquímica vem recebendo um grande destaque nas

pesquisas sobre a fisiopatologia da depressão, particularmente a partir da

observação do mecanismo de ação dos antidepressivos gerando alterações

agudas sobre os níveis sinápticos dos neurotransmissores. Entretanto, com o

passar dos anos, verificou-se que essas hipóteses eram muito limitadas na sua

capacidade de explicar a fisiopatologia, e foram propostas hipóteses mais

complexas, focalizando as alterações em múltiplos sistemas de

neurotransmissão e as adaptações celulares e moleculares aos medicamentos

antidepressivos.

Modelo monoaminérgico na fisiopatologia da depressão

A síntese do neurotransmissor se faz a partir de um precursor (tirosina,

triptofano, colina e outros alfa-aminoácidos) que, vindo do meio externo para o

interior do neurônio, atravessa a membrana do corpo celular da estrutura

neuronal por intermédio de mecanismos especializados. Como passo seguinte,

o precursor e suas enzimas encaminham-se, por processos ativos de

condução, para a porção terminal do neurônio, a telodendria do axônio, onde

uma parte menor dele fica livre no citoplasma e a parte maior fica armazenada

em órgãos denominados vesículas sinápticas. Quando acontece a

despolarização do neurônio, fenômeno bioelétrico, físico-químico, surge um

potencial de ação e o neurotransmissor é, então, liberado por ação de enzimas

(as monoamino-oxidases) armazenadas nas mitocôndrias. Liberado o

neurotransmissor, através de um processo conhecido como exocitose, a

vesícula sináptica funde-se à parede, porém, da membrana da porção terminal

do neurônio, o axônio. Em seguida, voltando a desempenhar função de

vesícula sináptica, o neurotransmissor, junto com outras substâncias, é lançado

na fenda sináptica.

Os sistemas monoaminérgicos se originam em pequenos núcleos no tronco

cerebral e mesencéfalo e projetam-se difusamente pelo córtex e sistema

límbico. Esses sistemas são compostos por neurônios que contêm adrenalina

(ou norepinefrina [NE]), serotonina (5-HT) e dopamina (DA). Junto com a

acetilcolina (ACh), eles exercem efeitos de modulação e integração sobre

outras atividades corticais e subcorticais e estão envolvidos na regulação da

atividade psicomotora, apetite, sono e, provavelmente, do humor. Inicialmente,

as monoaminas constituíram a principal hipótese envolvendo os

neurotransmissores cerebrais.

A hipótese das monoaminas baseia-se no conceito da deficiência das aminas

biogênicas, particularmente NE, 5-HT e DA, como a causa das depressões. A

primeira hipótese aminérgica de Schildraut (1965) e Bunney e Davis (1965) foi

denominada hipótese catecolaminérgica, pois propunha que a depressão se

associava a um déficit nas catecolaminas, principalmente a NE. A figura abaixo

ilustra essa associação e a liberação dos neurotransmissores na fenda

sináptica (Nemeroff, 1998; Ordway, Farley, et al., 1999; Iritani, Tohgi, et al.,

2006; Joca, Ferreira, et al., 2007; Sumegi, 2008).

Posteriormente, surgiu a hipótese serotonérgica, de Van Praag e Korf (1971),

que teve grande impulso com o desenvolvimento da classe de antidepressivos

chamados inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS), e a

hipótese dopaminérgica de Wilnner (1990), devida à implicação da DA nos

fenômenos de recompensa cerebral, estando envolvida na fisiopatologia da

anedonia (Nemeroff, 1998; Ordway, Farley, et al., 1999; Iritani, Tohgi, et al.,

2006; Joca, Ferreira, et al., 2007; Sumegi, 2008). Além disso, outros estudos

demonstraram que o uso continuado de antidepressivos tricíclicos (ADT)

aumenta a resposta comportamental à DA injetada no núcleo acumbens, que

age como interface entre o sistema motor e o sistema límbico (Nemeroff, 1998).

As figuras abaixo ilustram a interação entre monoaminas e seus correlatos

clínicos propostos.

Apesar da relevância da hipótese das monoaminas na investigação da

depressão, existe certa resistência para sua plena aceitação, especialmente

devido ao fato de que todos os medicamentos antidepressivos aumentam, de

imediato, as monoaminas no âmbito das fendas sinápticas, porém seu efeito

clínico só ocorre algumas semanas depois.

Foi necessário o estabelecimento de hipóteses que explicassem essa latência

na resposta e que levassem em conta os efeitos adaptativos crônicos dos

receptores na administração de antidepressivos. O conhecimento atual da

complexa inter-relação entre os sistemas neurotransmissores cerebrais

restringiu as hipóteses de déficits de neurotransmissores nas fendas sinápticas

a concepções simplistas, e uma de suas consequências foi o deslocamento do

foco das hipóteses biológicas da depressão para os receptores dos

neurotransmissores.

Teoria da suprar-regulação pós-sináptica (up-regulation)

O conhecimento dos receptores cerebrais evolui constantemente, sendo já

identificados quatro subtipos de receptores noradrenérgicos, sete subtipos de

receptores serotoninérgicos e cinco subtipos de receptores dopaminérgicos.

Alguns desses subtipos são ainda subclassificados em diferentes isoformas,

tendo por base características farmacológicas e moleculares. O interesse a

respeito da importância dos receptores na biologia da depressão derivou dos

seguintes achados:

a) a depleção de monoaminas provoca um aumento compensatório do número

de receptores pós-sinápticos (up-regulation);

b) estudos post-mortem, em cérebros de pacientes suicidas, encontraram um

acréscimo no número de receptores 5-HT2 no córtex frontal;

c) a ativação de alguns subtipos do mesmo receptor provoca efeitos diversos e

até mesmo opostos, como no caso dos receptores 5-HT2 e 5-HT1A.

Assim, alterações da função dos sistemas neurotransmissores podem ocorrer

através da mudança na sensibilidade de receptores pré e pós-sinápticos, sem

alteração da quantidade do próprio neurotransmissor. Essa observação

permitiu que a hipótese de deficiência de neurotransmissores fosse modificada

e, em seu lugar, fosse proposta a hipótese de dessensibilização dos

receptores. Tal hipótese propunha que o atraso no aparecimento do efeito

terapêutico dos antidepressivos estava relacionado a alterações no número e

sensibilidade dos receptores monoaminérgicos. Como esse efeito demora dias

ou semanas para ocorrer, os investigadores propunham que a depressão podia

ser explicada por uma supersensitividade de receptores betaadrenérgicos

(Paillere-Martinot, et al., 2007).

A redução de serotonina e de noradrenalina na fenda sináptica se associariam

à presença de sintomas de ansiedade, impulsividade e queda de energia. Já a

dopamina se associaria à questão volitiva. Regiões relacionadas ao controle do

humor, como córtex pré-frontal e hipotálamo, áreas límbicas e demais áreas do

circuito que regula o humor apresentam uma interação com o sistema

monoaminérgico, particularmente serotonina e noradrenalina e dopamina. A

hipótese monoaminérgica implica a redução da neurotransmissão, com

consequente up-regulation dos receptores pós-sinápticos na fisiopatologia dos

transtornos de humor (Nemeroff, 1998). As alterações presentes na

sensibilidade e no número de receptores, podem ser vistas meramente como

marcadores de adaptações crônicas dos neurônios monoaminérgicos, em vez

de representarem o mecanismo terapêutico.

A hipótese de dessensibilização tem limitações e não fica claro se a super ou

subsensibilização de receptores é apenas um epifenômeno ou é um passo

fundamental na ação antidepressiva. A figura abaixo ilustra o aumento dos

receptores secundário à redução dos neurotransmissores na fenda sináptica

(Nemeroff, 1998; Iritani, Tohgi, et al., 2006; Bragulat, Paillere-Martinot, et al.,

2007).

Até hoje se conjetura a implicação dos receptores alfa-2-adrenérgicos pré-

sinápticos e dos receptores dopaminérgicos D1, estes últimos podendo se

apresentar hipoativos na depressão, com a possibilidade da via dopaminérgica

mesolímbica estar disfuncionante nessa patologia. Com menos evidência, mas

também sob investigação, estão os receptores da acetilcolina, alguns

receptores opioides endógenos e os receptores GABAB, entre outros

(Nemeroff, 1998; Iritani, Tohgi, et al., 2006; Bragulat, Paillere-Martinot, et al.,

2007).

Influência das comorbidades clínicas Doença cardiovascular e depressão A prevalência de depressão maior no momento da avaliação, segundo estudo

realizado nos Estados Unidos, é em torno de 4,9% na população geral (Fava,

Abraham, et al., 1996; Musselman, Evans, et al., 1998; Schulz, Beach, et al.,

2000). A prevalência de depressão maior em pacientes com insuficiência

cardíaca varia de 17% a 30%, de depressão clínica em torno de 21% e de

sintomatologia depressiva significativa em torno de 36% (Fulop, Strain, et al.,

2003; Almeida, Alves, et al., 2005; Alves, Rays, et al., 2007).

A associação entre depressão e comprometimento do sistema cardiovascular

pode ocorrer em três direções. A depressão pode ser desencadeada pelo

estresse psicológico de um evento cardíaco, a depressão pode, direta ou

indiretamente, acarretar um impacto cardiovascular negativo, ou uma

predisposição genética comum pode aumentar o risco para a ocorrência de

ambos (Yeager, Binkley, et al.).

A depressão pode indiretamente comprometer o sistema cardiovascular

intensificando outros fatores de risco. Pacientes com depressão apresentam

maior dificuldade para a realização de dietas, interrupção do tabagismo,

realização de atividades físicas, controle da pressão arterial e aderência ao

tratamento. A associação entre depressão e outras comorbidades médicas

também pode contribuir para a maior morbidade cardiovascular dos transtornos

depressivos (Schulz, Beach, et al., 2000).

A depressão pode acometer diretamente o sistema cardiovascular via sistema

nervoso autônomo, diminuindo o limiar para arritmias cardíacas, diminuindo a

taxa de variabilidade de frequência cardíaca ou interferindo na atividade

plaquetária (Frasure-Smith, Lesperance, et al., 1995; Carney, Freedland, et al.,

1999; Nicholson, Kuper, et al., 2006). Via sistema nervoso autônomo, a

depressão pode acometer o sistema cardiovascular através da diminuição da

função vagal e do relativo aumento da função simpática. O aumento do tônus

simpático ou diminuição da função vagal foram associados com arritmias

ventriculares e morte cardíaca súbita (Schulz, Beach, et al., 2000). A depressão

foi associada a uma diminuição da taxa de variabilidade de frequência cardíaca

(Carney, Blumenthal, et al., 2001), a uma elevação da frequência cardíaca de

repouso e a uma resposta exagerada de frequência cardíaca na posição

ortostática (Carney, Blumenthal, et al., 2001). Pacientes depressivos

submetidos a testes que elicitavam raiva apresentaram uma maior elevação na

norepinefrina plasmática, maior débito cardíaco e diminuição do intervalo entre

as contrações cardíacas (Scherrer, Xian, et al., 2003). Alteração da

repolarização ventricular com variações no intervalo QT à meia-noite e às 6

horas da manhã foi relatada em pacientes com depressão pós-infarto do

miocárdio e também foi considerada como um possível mecanismo pelo qual a

depressão estaria associada a uma maior mortalidade naqueles pacientes

(Nicholson, Kuper, et al., 2006).

Transtornos de humor e climatério

O climatério é tipicamente caracterizado por um complexo conjunto de

sintomas físicos e psicológicos, associado ao declínio da função ovariana

(Soares e Zitek, 2008). Alterações do sono, sintomas vasomotores e

urogenitais são prevalentes em mulheres na peri e pós-menopausa (Soares e

Frey, 2010). Sintomas pré-menstruais graves são relatados por 20% a 40% das

mulheres na idade reprodutiva, e 10% a 12% das mulheres no pós-parto

apresentam transtorno depressivo maior (TDM). Mulheres apresentam um

maior risco de mediação de episódios depressivos por estresse do que

homens, em geral. Em mulheres com TDM foi observada a presença de um

evento estressor em até seis meses antes do início do episódio, concluindo-se,

assim, haver um maior risco de desenvolvimento de depressão após um

estresse importante de vida (Soares e Frey, 2010).

MMeennoorr aaddeerrêênncciiaa

DDiissffuunnççããoo eennddootteelliiaall

AAuummeennttoo ddooss ffaattoorreess

CCoommoorrbbiiddaaddee

AAuummeennttoo ddaa aattiivviiddaaddee

AAuummeennttoo ddaa aattiivviiddaaddee

DDEEPPRREESSSSÃÃOO

Características da depressão nas mulheres Mulheres com transtorno depressivo maior em geral:

• Apresentam mais sintomas atípicos (reatividade do humor, hipersonia, hiperfagia, paralisia de chumbo, sensibilidade à rejeição)

• Queixam-se de mais sintomas • Apresentam um padrão mais sazonal da depressão • Experimentam mais ansiedade comórbida • Apresentam um maior número de tentativas de suicídio • Apresentam mais tentativas frustradas • Desenvolvem mais depressão associada a estressores

maiores • Viveram história de eventos e perdas traumáticas • Apresentam maior risco de se deprimir em resposta a

mudança dos hormônios sexuais Burt VK, Stein K. Epidemiology of depression throughout the female life cycle. J Clin Psychiatry. 2002; 63 [suppl 7]:9-15.

Transtornos de humor de início tardio

Depressão do idoso ou “late-life depression” pode ser definida de forma mais

ampla como sintomatologia depressiva que ocorre em pessoas acima de 65

anos de idade (Driscoll, Basinski, et al., 2005; Sheline, Pieper, et al., 2010). A

depressão de início tardio é caracterizada pela ocorrência do primeiro episódio

depressivo na vida após os 65 anos de idade. Esses quadros parecem estar

mais associados a comprometimento cognitivo e comorbidades neurológicas

que podem ou não estar presentes no momento do diagnóstico (Sheline,

Pieper, et al., 2010). Em geral, apresentam uma história familiar negativa para

transtornos do humor, maior prevalência de demências, maior

comprometimento cognitivo, maior deficiência auditiva, maior alargamento dos

ventrículos e maior quantidade de hiperintensidades de substância branca

(Roman, 2006; Ikram, Luijendijk, et al., 2010).

Neuroanatomia - envelhecimento cerebral

É bem difundida a noção de que o cérebro sofre atrofia durante o processo de

envelhecimento. Diversos estudos sobre envelhecimento encontraram uma

evolução diferente do volume de substância branca (SB) e de substância

cinzenta (SC) durante a vida. O volume da SC apresenta um declínio com o

passar dos anos na idade adulta, envolvendo regiões de córtex frontal e

temporal (Curiati, Tamashiro, et al., 2009; Terribilli, Schaufelberger, et al.,

2009). Já outras áreas, como regiões límbicas e paralímbicas, parecem

apresentar algum grau de preservação com o envelhecimento (Curiati,

Tamashiro, et al., 2009). A figura abaixo apresenta imagens de ressonância

magnética (RM) mostrando a atrofia cortical ao longo da vida, que pode se

associar a uma vulnerabilidade para os quadros do humor.

Modelo neuroanatômico da depressão

Nos transtornos do humor, alterações volumétricas e neuroquímicas foram

encontradas nessas estruturas. Em pacientes adultos com depressão,

verificamos diminuição do volume do hipocampo (Suslow, Konrad, et al., 2010)

e do giro do cíngulo (van Wingen, van Eijndhoven, et al., 2010) durante

episódio agudo de depressão, mas também observamos recuperação do

volume em pacientes em remissão comparados a controles saudáveis.

Foi proposto um modelo neuroanatômico de estruturas cerebrais envolvidas na

fisiopatologia dos transtornos do humor, baseado nas suas funções de

regulação, expressão e reconhecimento de emoções específicas, sendo essas

estruturas: o córtex pré-frontal, responsável por direção do comportamento e

por geração de estratégias de conduta; hipocampo, associado à memória

declarativa e à conversão da memória de curto prazo em longo prazo; a

amígdala, à memória de eventos emocionais; o giro do cíngulo, responsável

pela integração das emoções; o tálamo, responsável pela integração dos

estímulos sensoriais e motores; e os gânglios da base, que auxiliam no

controle global do movimento do corpo (Benedetti e Smeraldi, 2009;

Brockmann, Zobel, et al., 2009; Halari, Simic, et al., 2009; Peluso, Glahn, et al.,

2009; Klumpers, Veltman, et al., 2010).

Conclusões

Os estudos neuroquímicos e de neuroimagem combinados sugerem

um substrato biológico da depressão. A presença de doenças clínicas

pode ser influenciada e influenciar a depressão e o prognóstico do

paciente.

Não se pretende reduzir toda a patogênese dos quadros depressivos

a alterações neuroanatômicas, mas com certeza a melhor

compreensão da etiopatogenia poderá futuramente auxiliar na

detecção precoce.

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