desafios da educação

Upload: debora-vieira

Post on 08-Mar-2016

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Texto direcionado à área pedagógica

TRANSCRIPT

  • 337Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.Disponvel em:

    Pesquisarem Educao:

    desafioscontemporneos

    Lus Armando Gandin

    RESUMO Pesquisar em Educao: desafios contemporneos. O artigo aborda aproblemtica da pesquisa em educao, situando o campo e introduzindo os textosselecionados para compor a seo temtica Pesquisar em Educao. Pontua elementoschave da discusso contempornea sobre a investigao na rea educacional e traz anlise os desafios do ofcio de pesquisador. Por ltimo, aponta para a possibilidade deestarmos produzindo, com nosso trabalho investigativo, uma ecologia de saberes, talcomo proposta por Boaventura de Sousa Santos.

    Palavras-chave: Pesquisa. Educao. Epistemologia da Educao.

    ABSTRACT Researching Education: contemporary challenges. The article dealswith the educational research problematic, situating the field and introducing the textswhich were selected to the thematic section on Researching Education. It highlights keyelements of the contemporary debate about educational research and analyzes the challengesof being a researcher. Finally, it points to the possibility of an ecology of knowledge asBoaventura de Sousa Santos proposes being produced by our research efforts.

    Keywords: Research. Education. Educational Epistemology.

  • 338 Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.

    Educao & Realidade, em seus 35 anos (comemorados neste ano de2011) de histria ininterrupta, tem sido um dos meios de divulgao da pesqui-sa em educao realizada em nosso pas e no mundo. Mais do que apenasdivulgar essa pesquisa, Educao & Realidade tem buscado propor novostemas para o campo da educao no Brasil. Nessa tradio, que j introduziutextos da escola crtica dos Estados Unidos e Inglaterra na dcada de 1980 e1990, clssicos sobre gnero e sexualidade na dcada de 1990, artigos dosEstudos Culturais e do ps-estruturalismo nos anos 1990 e 2000 e de diversostemas candentes na nossa rea, como a relao da arte visual, da performancee dos estudos sobre o meio ambiente com a educao, nossa revista traz, nestenmero, uma seo temtica que se debrua sobre o nosso ofcio de pesquisara educao. Em uma chamada de artigos especfica sobre o tema, recebemosmais de 40 textos. A seo, que ora apresentamos, composta por nove artigose duas entrevistas com pesquisadores consagrados em suas reas de atuao.Se o mundo em que vivemos se complexifica cada vez mais, necessrio cons-truir ferramentas tericas e metodolgicas de anlise que possam dar contadessa complexidade. Os textos dessa seo temtica abordam concretamente, apartir de diferentes perspectivas tericas, a tarefa de pesquisar em educao.Ao refletirem sobre a educao como campo de pesquisa, os autores nos ofe-recem possibilidades, nos abrem portas, provocam os limites da teorizaoconstituda ou ainda rompem com esses limites, oferecendo um novo olharsobre o campo. Todos eles no fogem da responsabilidade de pensar o nossocampo e, nesse processo, o transformam.

    O artigo de Susan Robertson e Roger Dale, renomados pesquisadores daUniversity of Bristol no Reino Unido e editores fundadores da revistaGlobalisation, Societies and Education, bastante apropriado para abrir essaseo temtica. Em seu texto intitulado Pesquisar a Educao em uma EraGlobalizante, Robertson e Dale oferecem, de forma compacta, grande partedos argumentos que eles vm desenvolvendo em sua prolfica produo sobrea relao da educao com a globalizao. Eles mostram os desafios que ns,pesquisadores do campo da educao, temos ao debruar nosso olhar sobre ascomplexas sociedades contemporneas e sobre as estruturas que muitos dens subentendemos estveis. Os autores apresentam os grandes riscos de con-tinuarmos com modelos tericos que no so mais adequados, em sua viso,para analisar uma sociedade em profunda modificao. Nesse esforo, criticamaquilo que denominam de ismos, ou seja, uma inclinao a ignorar a histria dasestruturas e dos conceitos que buscam explic-las e, com isso, fixar interpreta-es das mesmas. Robertson e Dale apresentam quatro desses ismos em seutexto: nacionalismo metodolgico, estatismo metodolgico, educacionismometodolgico e fetichismo espacial. Em uma rica discusso, os autores pontu-am os riscos de tomar conceitos como estado-nao e globalizao (para citarapenas dois exemplos) como dados. Para eles, o trabalho do pesquisador emeducao deveria sempre iniciar revisitando esses conceitos, redefinindo-osnos contextos especficos.

  • 339Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.

    Os desafios do pesquisador da educao no se restringem s anlises socio-lgicas dos aspectos macro. Eles se intensificam quando se busca entender osefeitos da educao que no se d dentro da sala de aula, algo que Andr Petitatchama de educao difusa. Em seu artigo Educao Difusa e Relao Social, osocilogo da Universidade de Lausanne, Sua, Andr Petitat, examina o efeito quea ateno sobre a escola provoca na anlise da educao em nossas sociedades.Ele defende a ideia de que preciso ampliar o nosso olhar sobre a educao e focarmais as dissonncias, as contradies, nos espaos onde a identidade se constriem convergncia e divergncia de sentido. Petitat mostra, concretamente, o que elebusca forjar como anlise da educao difusa quando d o exemplo de que sabe-mos muito sobre o saber formal ao estudar a formao acadmica de um trabalha-dor, mas para que possamos entender a sua ao como sindicalista preciso focaressa cultura que se estabelece fora dos espaos formais da escola e das institui-es de ensino. So esses espaos da famlia, dos amigos, da organizao sindicale mltiplos meios que criam essa educao difusa, responsvel pelas mudanas.Apesar de alertar para o fato de que no devemos ignorar o debruar-se da socio-logia sobre a escola, que muito nos ensinou, Petitat alerta para a necessidade deatentar tambm no apenas para as manifestaes mais consagradas dessa educa-o difusa, mas para os mnimos movimentos que apontam contradies, rudos,rupturas, sem os quais ficamos sem potncia explicativa para capturar o novo quebate nossa porta.

    Se esses so alguns dos macrodesafios dessa aventura do pesquisar emeducao, desafios no menores se apresentam quando se passa a examinarsubcampos da rea. O artigo A Pesquisa na rea de Poltica e Gesto da Educa-o Bsica: aspectos tericos e metodolgicos de ngela Maria Martins inves-tiga um desses subcampos: a poltica e a gesto da educao. O texto inicia comuma anlise da contribuio das cincias sociais e seus mtodos de pesquisapara essa subrea da educao. A autora mostra a importncia de no apenasfazer uma anlise da poltica e da gesto como prescrio, mas tambm de suarecepo e negociao pelos sujeitos dessas polticas e da gesto, nos locaisonde elas se efetivam. O texto demonstra que, assim como ocorreu na sociologiae na cincia poltica, tem havido uma tendncia nos analistas das polticas educa-cionais e da gesto da educao em buscar analisar a micropoltica empregandomodelos de anlise bottom-up ao invs dos tradicionais mtodos top-down. Noque se refere gesto escolar, a autora alerta, ainda, que h uma tendncia deanalisar os desdobramentos no interior da escola como se fossem sempre umaconsequncia direta da ao do Estado. Ela conclui afirmando que, apesar de serdifcil de implementar, a anlise das polticas em educao e gesto escolardeveria estar calcada em um trip explicativo: as macrorrelaes sociais e pol-ticas, o enquadramento burocrtico das instituies e a esfera das relaes nosespaos da escola.

    Para realizar essa anlise complexa do real, dependemos de referenciaisepistemolgicos e metodolgicos. O artigo Pesquisa Qualitativa Crtica: con-ceitos bsicos de Phil Francis Carspecken, pesquisador estadunidense da teoria

  • 340 Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.

    e da etnografia crticas em educao e cincias sociais, uma resposta concretaa esses desafios. Carspecken apresenta uma exaustiva introduo ao trabalho depesquisa em educao feita a partir do referencial da teoria crtica. O autor iniciaafirmando que o conhecimento visto, na tradio crtica, no apenas como umsaber construdo sobre a realidade social, mas, ele mesmo, realidade social. Insis-te que a pesquisa crtica no tem por objetivo apenas descrever o mundo social,mas transform-lo. Em um texto em que explica, detalhadamente, os pressupos-tos e os parmetros da pesquisa qualitativa crtica, Carspecken oferece, em suaspalavras, um modelo que inclui condies de ao, conscincia do ator sobre ascondies, o sentido das aes, as consequncias de aes e sistemas quevinculam consequncias a novas condies de aes. Em suas concluses, oautor alerta o leitor para o fato de que o seu artigo um exerccio de desenhar umpercurso da pesquisa e, por isso, seu texto muito mais esquemtico do que naverdade a pesquisa que segue os princpios crticos. Refora, no entanto, usan-do a analogia da linguagem, que para construir textos inspirados preciso co-nhecer a gramtica; esse um artigo que leva a srio a gramtica da pesquisaque usa a teoria crtica como referencial.

    O texto que segue parte das contribuies de Carspecken e busca avaliar asimplicaes da etnografia crtica para o campo da educao. Em Reflexes sobre aEtnografia Crtica e suas Implicaes para a Pesquisa em Educao, JeffersonMainardes da Universidade Estadual de Ponta Grossa e Maria Ins Marcondes daPontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro iniciam com um histrico datradio da pesquisa crtica e, mais especificamente, da etnografia crtica. Nasequncia, pontuam aquilo que consideram as grandes contribuies da etnografiacrtica para a educao, utilizando-se basicamente do trabalho de Carspecken. Umadelas dar nfase ao local e ao micro, mas faz-lo de forma a conect-lo ao macro,a uma concepo de totalidade. Outro diferencial dessa concepo de pesquisasobre o social o seu compromisso com o desvelamento das situaes de opres-so e silenciamento das vozes dos grupos subalternos. Os autores apontam ainda algo que Carspecken tambm enfatiza a grande flexibilidade da etnografia crticacomo mtodo (entendido como mais do que uma mera metodologia) de pesquisa,podendo ser utilizado em mltiplos contextos do campo da educao. Mainardes eMarcondes e oferecem exemplos concretos, na literatura educacional brasileira, depesquisas que utilizam a etnografia crtica, mostrando os ganhos que tais pesqui-sas proporcionam ao campo da educao. Antes de sua concluso, apresentamtambm desafios que se colocam aos pesquisadores que utilizam a etnografiacrtica como mtodo, incluindo os aspectos cruciais da tica na pesquisa, que soainda mais importantes em uma concepo que busca mais do que a simples expli-cao dos fenmenos. Os autores concluem reiterando que a etnografia crtica mais do que uma tentativa de entender o mundo social; tambm uma forma deinterveno sobre o seu tema de estudo.

    Por buscar um mtodo que supere os constrangimentos da concepopositivista ou da mera descrio, a pesquisa crtica em educao volta suaanlise para os prprios pressupostos e procedimentos metodolgicos da in-

  • 341Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.

    vestigao. Se o objetivo mais do que descrever ou mesmo apenas explicar osocial, mas tambm transform-lo, crucial que a pergunta no seja apenascomo fazer a pesquisa, mas primeiramente perguntar para que faz-la, paraquem e com quem, e quem ser protagonista dessa atividade terico-prtica. Otexto de Cheron Zanini Moretti e Telmo Adams, ambos ligados Universidadedo Vale do Rio dos Sinos, busca exatamente esse olhar sobre a pesquisa a partirde outro lugar: o sul. Em seu artigo intitulado Pesquisa Participativa e Educa-o Popular: epistemologias do sul, os autores examinam a tradio da pes-quisa participativa dentro da educao popular, recuperando, entre outros, otrabalho de Paulo Freire e Orlando Fals Borda (ambos tambm citados porCarspecken) como intelectuais e ativistas do sul que examinam criticamente oeurocentrismo da concepo sobre a pesquisa. Os autores do artigo evidenci-am como a tradio da pesquisa participativa rompe com o binrio cincia/senso comum ao propor que os sujeitos das classes populares, consideradosobjetos de estudo nas pesquisas tradicionais, no so apenas a fonte da infor-mao que o pesquisador coleta, mas passam a ser, eles prprios, intrpretes desua vida, atravs da construo coletiva de novo conhecimento. Conectando atradio da educao popular da Amrica Latina concepo anticolonialistade Fanon e outros, o texto procura mostrar que na prtica cotidiana dosmovimentos sociais que uma nova epistemologia do sul, que luta contra oopressor que vive dentro do oprimido, como mostrou Freire, vai sendo forjada.Os autores concluem que a pesquisa participante, informada pela tradio daeducao popular, uma alternativa de ruptura epistemolgica na busca deuma identidade da pesquisa educacional latino-americana. Nas palavras dosautores, uma oportunidade de buscar no ser o que no somos.

    Continuando o esforo de olhar para nosso prprio caminho como pesquisa-dores da educao, o artigo As Epistemologias dos Estudos Curriculares: dife-renas e identidades de Jos Licnio Backes e Ruth Pavan, ambos da Universida-de Catlica Dom Bosco, examina os textos aprovados e apresentados no Grupode Trabalho de Currculo nas reunies anuais da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao entre 2005 e 2009. O texto foca um campoconsagrado da rea de educao, o currculo, e busca mapear como as categoriasde identidade e diferena aparecem nas pesquisas em tela. Logo no incio osautores dividem com os leitores seu dilema, pois, ao examinar as concepesepistemolgicas dos trabalhos e agrup-los nas categorias de diferena e identi-dade, eles nos mostram que as escolhas metodolgicas de nossas pesquisas soelas prprias um espao que merece exame minucioso, sob pena de nos contradi-zermos como pesquisadores. O uso do prprio conceito de identidade poderiaser entendido, segundo os autores, como, ao menos em princpio, em contradi-o com o conceito de diferena. Os autores nos convidam a adentrar seusdilemas como pesquisadores: como buscar operar com o conceito de identidadede trabalhos, quando esses mesmo trabalhos operam com o conceito de diferen-a? A sada encontrada por eles operar com identidade no sentido proposto porStuart Hall: uma identidade no essencialista. Backes e Pavan identificaram duas

  • 342 Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.

    tendncias na anlise dos 64 trabalhos examinados: uma que chamam deepistemologia da diferena pura e outra que nomeiam epistemologia da DIFE-RENA/identidade (com nfase na diferena, para demonstrar o uso de identida-de que fazem). O que divide essas duas perspectivas que o segundo grupo noest disposto a abandonar o conceito de identidade, a entendendo como sempreem necessidade de ressignificao e em relao inseparvel com a diferena. J oprimeiro grupo conclui que insistir no conceito de identidade negar a diferena.Ao mapear esse campo do currculo e suas contribuies nos ltimos anos, osautores nos ajudam a entender os problemas que enfrentam e as solues quetm encontrado os pesquisadores do campo do currculo.

    Contribuio igualmente importante para o campo da pesquisa em educao a anlise apresentada por Carla Beatriz Meinerz da Universidade Federal do RioGrande do Sul. Em seu texto intitulado Grupos de Discusso: uma opometodolgica na pesquisa em educao, a autora examina a metodologia dosgrupos de discusso, mas o faz com o olhar de quem entende a escolha dametodologia como parte da concepo de cincia que o pesquisador esposa. Aautora inicia situando o seu trabalho metodolgico com grupos de discussodentro da tradio da sociologia crtica espanhola, sem, contudo, desconheceros seus usos nos Estados Unidos e Alemanha. Ela demonstra que, nessa tradi-o, os grupos de discusso no so entendidos como uma tcnica, mas simcomo uma prtica de investigao. Mostra tambm que os grupos de discussono so exatamente um locus de discusso; eles acabam sendo um espao ondese busca reconstruir o discurso cotidiano dos sujeitos da pesquisa. Influenciadapela sociologia de Pierre Bourdieu, essa concepo de pesquisa objetiva tambmidentificar elementos do habitus dos grupos participantes. A autora demonstracomo a execuo do grupo de discusso crucial para seu xito e examina ascondies necessrias. O discurso (re)produzido pelos sujeitos da pesquisa (umaespcie de habitus falado, segundo a autora) ento analisado, sendo importan-tes tambm os rudos da fala e no apenas o som predominante. Indo alm damera descrio abstrata, Meinerz nos oferece um exemplo concreto do uso degrupos de discusso em seu prprio trabalho de pesquisa. A autora concluimostrando a importncia da vigilncia do pesquisador e a necessidade do cruza-mento dos dados obtidos com essa metodologia e outras fontes de dados.

    O campo da pesquisa em educao multifacetado e oferece uma grandevariedade de perspectivas. Educao & Realidade tem buscado, em sua traje-tria de 35 anos, dar nfase ao campo das artes, das experincias estticas e dacomunicao e nesse nmero sobre a pesquisa essa perspectiva est muitobem representada pelo artigo intitulado Tpicos para Pensar a Pesquisa emCinema e Educao de Fabiana de Amorim Marcello da Universidade Luteranado Brasil e Rosa Maria Bueno Fischer da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul. Em seu texto, as autoras defendem que a pesquisa da relao do cinemacom a educao implica em tratar simultaneamente de trs dimenses: a lingua-gem desse meio, a audincia e questes, a partir das cincias humanas, filosofiae, mais especificamente, educao, que abordem os temas da vida contempor-

  • 343Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.

    nea. Marcello e Fischer afirmam que o grande objeto do estudo da relao entreo cinema e o campo educacional a educao do olhar, mas insistem que esseno um caminho de mo nica entre a transmisso e a recepo; esse o olharque tambm influencia o que nos olha. Em vinte pontos que consideram cen-trais para aqueles que se dedicam pesquisa da interface do cinema com aeducao, as autoras cobrem detalhadamente as trs dimenses que propuse-ram no incio do artigo e oferecem um roteiro primoroso para aqueles que que-rem se aventurar nesse trabalho de pesquisa. As autoras, sem rejeitar a tarefada pesquisa em educao (segundo elas, dar conta das questes do nossotempo), propem novas perguntas, que rompem e superam questes como, porexemplo, qual o papel do cinema na produo da infncia e juventude contem-porneas. As autoras esto interessadas em responder questes que deveriamsempre vir antes dessas: de que criana e jovem estamos falando? Nesse sen-tido, mesmo examinando a pesquisa sobre o cinema e sua relao com a educa-o, Marcello e Fischer nos propem algo vital para qualquer pesquisa emeducao: como examinar os espaos que buscam educar os sujeitos.

    A seo temtica Pesquisar em Educao ainda oferece aos leitores, almdos artigos, duas entrevistas com estudiosos conhecidos dos pesquisadoresbrasileiros. No esforo de buscar o pensamento mais atual desses estudiosos eoferec-lo aos leitores de Educao & Realidade, os editores elaboraram ques-tes ligadas ao tema dessa seo temtica e as propuseram aos entrevistados.

    A primeira entrevista (Pesquisa como Conhecimento Compartilhado: umaentrevista com Michel Maffesoli) traz a contribuio do socilogo francs MichelMaffesoli. Essa entrevista foi feita, em Paris, por Gilberto Icle, Editor Associadode Educao & Realidade. Na entrevista, Maffesoli, conhecido por suas anli-ses da ps-modernidade, inicia falando sobre a necessidade de a pesquisa nascincias sociais propor novas metforas para falar de uma sociedade contempo-rnea que fugidia e que no adequadamente tratada a partir dos conceitosfechados da modernidade. Polmico, como tem sido no decorrer de sua carreira,Maffesoli afirma que entende o intelectual como algum que deve se manterneutro, diferenciado do militante. Provocado pelo entrevistador, ele diz que essaneutralidade impossvel de ser atingida, mas um ideal a ser buscado. Respon-dendo sobre o papel da educao na ps-modernidade, Maffesoli afirma que aeducao, tal como a entendemos na modernidade, est com seus dias contados;a iniciao a alternativa que apresenta. A iniciao reintroduz o que a educaomoderna eliminou: o imaginrio, o jogo. Defende que a internet e as redes permi-tem que a iniciao se processe, pois ela horizontal onde a educao era verti-cal. O socilogo conclui a entrevista respondendo uma questo sobre a relaodo conhecimento cientfico com o senso comum. Para Maffesoli, a ps-modernidade caracterizada por um conhecimento que cada vez mais construdocoletivamente e partilhado coletivamente. Isso, segundo ele, tem um impactosobre a pesquisa, pois ela dever integrar cada vez mais no apenas o cognitivo,mas tambm o emocional. Por ltimo, o trabalho mais recente de Maffesoli tam-

  • 344 Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.

    bm pode ser visitado atravs da resenha crtica do livro Saturao, publicadaneste nmero de Educao & Realidade.

    A segunda entrevista (Pesquisa em Educao como Processo Dinmico,Aberto e Imaginativo: uma entrevista com Antnio Nvoa) apresenta as ideiasde um pesquisador consagrado no campo da educao, o atual reitor da Uni-versidade de Lisboa e professor catedrtico de educao, Antnio Nvoa. Oestudioso respondeu as perguntas elaboradas e enviadas por Educao &Realidade por escrito. Em suas respostas, Nvoa aborda as questes da pes-quisa em formao de professores, a contribuio da pesquisa comparada emeducao, a realidade da pesquisa nas universidades europeias no contexto doProcesso de Bologna, o papel da escola na educao, os desafios postos paraas agendas contemporneas de pesquisa em educao e as lies para a anliseda pesquisa a partir da experincia de ser reitor de uma grande universidadeeuropeia. Nvoa inicia defendendo a necessidade de reforar a profisso do-cente e atacando o que chama da indstria do ensino. Para ele, a universidadetem um papel crucial nessa defesa, que diferente de falar pelos professores, oque, segundo ele, algo comum na postura da academia. O autor defende que,para aprimorar o trabalho docente, preciso aproveitar o que a pesquisa sobrea formao de professores j demonstrou: fazer a formao dos professoresdentro da prpria profisso; garantir a autonomia de organizao profissionalpara os professores; reforar as redes de trabalho coletivo. Refletindo sobre otrabalho comparativo na pesquisa em educao, Nvoa refora a ideia de que acomparao tambm deve ocorrer no tempo, enfatizando a importncia da his-tria e de superar a geografia nacional na comparao. Falando sobre os desa-fios da pesquisa contempornea em educao, o autor insiste que precisosuperar as lgicas do que ele chama de disseminao da pesquisa e culturasde salvao. Finalmente, refletindo sobre sua experincia como reitor, Nvoainsiste na importncia de investir no que ele designa fronteiras e cruzamentosdas disciplinas, pois, segundo ele, a est o futuro da pesquisa.

    Os textos apresentados nessa seo temtica oferecem firmes exemplos deum olhar atento e vigilante ao nosso fazer de pesquisador no campo da educa-o. Mas tambm oferecem evidncias de um processo que est ocorrendo emnosso campo. Boaventura de Sousa Santos cunhou um conceito que d contadessa ideia: para ele, no campo das cincias sociais, devemos fazer uma [...]sociologia das emergncias, a qual consiste numa amplificao simblica de si-nais, pistas e tendncias latentes que, embora dispersas, embrionrias e fragmen-tadas, apontam para novas constelaes de sentido referentes tanto compreen-so como transformao do mundo (Santos, 2007, p. 83). possvel vislumbraremergncias de novos arranjos explicativos, que buscam dar conta da complexi-dade de nosso mundo contemporneo. Isso fica claro nos textos oferecidos naseo temtica. Mas, talvez os autores apontem tambm para a necessidade derevisitarmos criticamente a prpria pesquisa cientfica. possvel que estejamoscaminhando a passos lentos, verdade para o que Santos chama de ecologiade saberes, ou seja, o reconhecimento da diversidade epistemolgica, que no

  • 345Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 337-345, maio/ago. 2011.

    acompanhou o reconhecimento cultural. Segundo Santos, to importante quantosaber o que se aprende saber o que se esquece, o que suprimido como saber,nesse processo de aprender (Santos, 2007, p. 87).

    O leitor de Educao & Realidade certamente ter muito proveito na leitu-ra dos textos. Que esta seo temtica sobre nosso ofcio de pesquisadores docampo da educao seja mais um passo na busca da ecologia dos saberes daqual fala Boaventura de Sousa Santos.

    Referncia

    SANTOS, Boaventura de Sousa. Para Alm do Pensamento Abissal: das linhas glo-bais a uma ecologia de saberes. Novos Estudos - CEBRAP,SoPaulo,n.79,p.71-94, nov. 2007.

    Lus Armando Gandin doutor (PhD) em Educao pela University of Wisconsin-Madison e professor da Faculdade de Educao e do Programa de Ps-Gradu-ao em Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Editor-Chefe de Educao & Realidade, Editor de Currculo sem Fronteiras (Portu-gal/Brasil) e Editor para a Lngua Portuguesa de Education Policy AnalysisArchives (Estados Unidos).E-mail: [email protected]