desestruturaÇÃo cultural, relaÇÕes de …...2.1 poder e resistência, “força para existir”...
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DESESTRUTURAÇÃO CULTURAL, RELAÇÕES DE PODER E RESISTÊNCIA NO
TERRITÓRIO QUILOMBOLA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS EM MOJU/ PA
Elanne Natividade Odorizzi1 Edna de Carvalho Fonseca2
Renato Matos Marques3 Dedival Brandão da Silva4
RESUMO: Este artigo faz parte de uma pesquisa em
andamento de mestrado, tem como objetivo identificar e descrever como os projetos empresariais estão ou não causando a desestruturação cultural no território quilombola da comunidade Nossa Senhora das Graças em Moju-Pa. O foco principal da pesquisa está na resistência cultural ou não da comunidade face ao problema, evidenciando as relações de poder, resistência e identidades da comunidade. A pesquisa é de cunho etnográfico. Os resultados preliminares são: conflitos, desestruturação sociocultural e ambiental como poluição de igarapés, derrubada de castanhais, violência e etc. Evidenciamos que a resistência ocorre como estratégia de defesa do território.
Palavras-chave: Relações de poder. Território. Resistência. Cultura.
RESUMEN: Este artículo forma parte de una investigación en curso de maestría, tiene como objetivo identificar y describir cómo los proyectos empresariales están o no causando la desestructuración cultural en el territorio quilombola de la comunidad Nuestra Señora de las Gracias en Moju-Pa. El foco principal de la investigación está en la resistencia cultural o no de la comunidad frente al problema, haciendo relación con las formas de poder, resistencia e identidades de la comunidad. La investigación es de cuño etnográfico. Los resultados preliminares son: conflictos, desestructuración sociocultural y ambiental como contaminación de igarapés, derrumbe de castañas, violencia, etc. Evidenciamos que la resistencia ocurre como estrategia de defensa del territorio.
Palabras clave: Relaciones de poder. Territorio. Resistencia.
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cidades Territórios e Identidades (UFPA), na Linha de
Pesquisa Identidades: Linguagens, práticas e representações, sob a orientação do Profº. Dr. Dedival Brandão; [email protected] 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cidades Territórios e Identidades (UFPA), na Linha de
Pesquisa Identidades: Linguagens, práticas e representações, sob a orientação da Profª. Drª. Denise Machado Cardoso; [email protected] 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cidades Territórios e Identidades (UFPA), na Linha de
Pesquisa: Políticas Públicas, Movimentos Sociais e Territórios; [email protected] 4 Doutor em Letras/Literatura Comparada. Docente da Faculdade de Educação e Ciências Sociais, Áreas de
Antropologia e Educação, e do programa de Pós- Graduação Cidades: Territórios e Identidades – PPGCITI, Campus Universitário de Abaetetuba/UFPA; [email protected]
Cultura.
1 INTRODUÇÃO
A partir da observação e de conhecer um pouco sobre a história tradicional dos
sujeitos que vivem no Jambuaçu surgiram as seguintes indagações: Se ocorre a
desestruturação do território quilombola no que se refere à questão cultural? Quais as
relações de poder e resistência ali existente? A pesquisa está sendo realizada no município
de Moju /PA no território do Jambuaçu com a comunidade Nossa Senhora das Graças, onde
os remanescentes quilombolas aparentemente estão sendo prejudicados com invasões das
empresas que causam danos socioculturais no local.
O interesse por essa temática foi aguçado quando percebemos que os conflitos
territoriais gerados pela ação de setores ligados à mineração, hidrovias (quilombolas do
Capim, Moju e Acará) e os agronegócios de coco e dendê prejudicam de inúmeras formas a
reprodução social da comunidade, provocando desestruturação sociocultural e ambiental. A
pesquisa tem relevância no setor acadêmico em diversas áreas do conhecimento, e
contribui com a formação cultural da Amazônia e especificamente com a história da Cidade
de Moju.
O estudo tem como objetivo em primeiro plano apontar as características
socioculturais, e as formas de poder e resistências existente na comunidade,
posteriormente fazer a descrição como as ações dos projetos vêm prejudicando no território
quilombola da comunidade Nossa Senhora das Graças no que se refere às questões
socioculturais.
A metodologia adotada para a pesquisa será a pesquisa etnográfica qualitativa,
pois se entende que tal abordagem proporciona um contato maior com a realidade, verifica
uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o
mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. (MINAYO, 2007).
Os resultados preliminares indicam a existência de: conflito e prejuízo à
comunidade, desestruturação sociocultural, como interferência no modo de viver desses
sujeitos, no que diz respeito às relações com a natureza e com os saberes da comunidade,
como derrubada da mata nativa, principalmente dos “castanhais”, destruição de área de
lazer e de trabalho como campos de futebol e retiros, aumento da violência, causados pela
posse irregular de território quilombola.
O Artigo está dividido em introdução, desenvolvimento e conclusão. Abordaremos
aspectos relacionados à Poder e Resistência, “força para existir”, a questão cultural através
do tema “desestruturação sociocultural devido a ação dos projetos empresariais”, tal
abordagem se pautará em práticas do cotidiano e da memória da comunidade. Por fim, a
conclusão indicará que elementos a pesquisa nos apresenta até então e possibilidades de
análises futuras.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Poder e resistência, “força para existir”
As relações de poder e resistências existentes nas relações sociais a qual o homem
está inserido, faz parte de um contexto complexo e dinâmico de interação do sujeito com o
outro e com as regras culturais pré-existente. Podemos afirmar que tal contexto pode ser
percebido desde as primeiras organizações sociais que a história tem registro, mas é com
Foucault a partir do século XVIII, que temos a formulação talvez mais coerente relacionada
a ideia de que “onde existe poder há resistência”, o poder se perpetua nas mais diversas
relações do cotidiano e seu exercício não ocorre de maneira independente dos processos
de resistência.
Michel Foucault em Microfísica do Poder, demonstra os diversos mecanismos do
exercício do Poder, nos faz conhecer como o poder e o saber do Estado se apresentam em
todas as esferas, são exercidos nas sociedades modernas, e tem objetivos de produzir
“verdades” para uma dominação política, econômica e social, onde suas características
estão no bojo da sociedade capitalista. Os poderes periféricos e moleculares não são
necessariamente criados pelo Estado, esse poder é exercido por indivíduos, grupos,
empresas, cientistas, comunicadores. Nesse sentido, os micropoderes existem integrados
ou não ao Estado.
Sendo assim, quando estudamos a Comunidade Nossa Senhora das Graças,
percebemos o que evidencia Foucault sobre as características do exercício do poder, que
pode ser visto como algo negativo quando está vinculado ao Estado como aparelho
repressivo que castiga para dominar, e de maneira positiva quando direciona a vontade para
a satisfação de desejos e prazeres. O poder é exercido em todas as relações sociais do
cotidiano, configurando assim, as relações existentes em nosso objeto de estudo onde a
ação de resistência está associada as relações de poder existente.
A luta constante das minorias e especificamente das comunidades quilombolas
para garantir seus direitos sempre foi marcada por forças de poder desiguais, onde
verificamos que é preciso uma boa estratégia para a conquista de objetivos. Tal estratégia
parte da ideia de fortalecimento do coletivo, onde a identidade étnica e de fundamental
importância para garantir legitimidade em diversas reivindicações.
A noção de identidade da comunidade se dá em função do relacionamento com o
outro e na tomada de consciência de pertencimento a determinado grupo social, no caso da
comunidade em estudo ela se auto-afirma como construção identitária da cultura negra,
onde os mesmos buscam fortalecer os laços tradicionais e a identidade étnica de seus
antepassados e assim articular as estratégias de resistência. Nesse sentido, nos
apropriamos da ideia de construção da identidade descrita por Castells para facilitar a
compreensão sobre o contexto. Segundo o autor:
a construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que organizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão tempo/espaço. (CASTELLS, 2018, p. 55)
Para melhor entendermos tais relações, as considerações do autor, indicam que há
distinções no que se refere a construção da identidade, sendo elas de três formas e origens
fixadas nas relações de poder: Identidade legitimadora, Identidade de resistência e
identidade de projeto. Explica que a identidade legitimadora faz parte do processo de
dominação das instituições hegemônicas, a de resistência nasce da necessidade de reagir
às manobras da dominação, surge de agentes sociais excluídos, marginalizados,
estigmatizados na sociedade, e por fim, temos a identidade de projeto, que se organizam
através de teias culturais, cujo objetivo principal e a redefinição indentitárias, causando
dessa forma, mudanças no contexto social.
A resistência do negro contra a dominação é evidente em nossa historia e faz parte
de um projeto de inclusão e valorização da cultura que se figura na ação coletiva dos
sujeitos e contribui significativamente para a garantia de direitos e sobrevivência no território
quilombola. Atualmente a área Território de remanescente quilombola do Jambuaçu é
reconhecida através de titulação coletiva, a exemplo do que ocorre com as demais terras
que se encontram na mesma condição, sendo legitimadas pela Constituição Federal
Brasileira de 1988. Veja.
A expressão “remanescente das comunidades de quilombos” está na constituição do Brasil, promulgada em 1988. A versão mais conhecida do que foi um quilombo está relacionada às antigas aglomerações de escravos que fugiam durante o período em que vigorou a escravidão negra no Brasil, ou seja, entre o século XVI e século XIX. (PEREIRA, 2012, p.7)
Somente após um século da assinatura da “Lei Aurea”, com a implantação da
Constituição Federal de 1988, é que houve a legalização dos direitos das comunidades
quilombolas. Isso demonstra o quanto foi relegado os direitos da população negra em nossa
sociedade. A luta pela garantia do território e de sua cultura faz parte de muitas
reivindicações que objetivam preservar as memórias, identidades e constituição da
cidadania dos remanescentes quilombolas do território de Jambuaçu. Local este, da
comunidade de estudo deste projeto. Tal território, dentro desse contexto passa a ter um
papel fundamental, enquanto unidade aglutinadora, que congrega outras tantas
comunidades. Como lócus, a Casa da Agricultura Familiar, assume a condição de contribuir
para as múltiplas interações, na busca da construção de políticas públicas, cuja ações
coletivas podem ser vistas “como uma das novas formas de ação em sociedade, ao lado da
ação histórica” de acordo com Touraine (2006).
Ser remanescente quilombola significa pertencer a grupos étnico-raciais, que tem
uma trajetória histórica de ancestralidade negra, de relações territoriais específicas que
estão relacionadas à opressão e resistência dos negros contra qualquer tipo de dominação.
Nas visitas feitas a comunidade foi possível perceber alguns anseios e conflitos.
Conhecemos os projetos de recriação e valorização da cultura daqueles sujeitos, através de
roda de conversa, projetos de agricultura familiar, educação por alternância, trilha ecológica,
produção artesanal, o incentivo dos líderes comunitários na construção de ações coletivas e
democráticas.
O líder da comunidade, junto com seus colaboradores exerce papel de
intermediários em diversas negociações com o poder público e privado, levando para
discursão a vontade da comunidade cujo objetivo é lutar para serem reconhecidos e
respeitados pelo arcabouço cultural existente no local, as inquietações mais evidentes
estavam nos danos causados pelas empresas de plantio do dendê e pela invasão da
empresa Vale em seu habitat, ou seja, a garantia de segurança em seu território.
Os quilombolas do Jambuaçu ao se organizarem em associações passaram a ter
maior visibilidade. A organização dessas associações foi de grande relevância para o
processo de fortalecimento da luta pela titulação das terras e a efetivação de direitos
básicos como educação, saúde e incentivo a projetos da comunidade, foi necessário nesse
processo a participação de todos homens, mulheres, jovens e crianças.
Esses sujeitos tentam garantir o direito ao território no período de 2000 a 2008,
através de articulações com os órgãos governamentais como, por exemplo, ITERPA5. Onde
5 ITERPA – Instituto de Terras do Estado do Pará.
algumas comunidades ganharam a titulação e outras ainda estão com os processos em
tramitação. A titulação das terras é um processo lento e árduo devido os conflitos territoriais
existentes e a burocracia do Estado, tal conquista significa um avanço importantíssimo para
a visibilidade do negro e sua comunidade, que constantemente luta por justiça social e
valorização de sua cultura.
A área das localidades quilombolas aqui citados, é composta por várias
comunidades existentes no Município de Moju, cada uma tem suas especificidades, o que
as unem é a resistência e a ressignificação de suas culturas. Que para sobreviverem em
seus territórios criam estratégias diante das situações impostas pela lógica capitalista.
Nesse sentido, Kroeber (1949), ao afirmar que o homem ao adquirir cultura, passa
a depender muito mais do aprendizado do que agir através de atitudes geneticamente
determinadas. O homem através da cultura, que é um processo acumulativo construído
social e historicamente, passou a depender mais do aprendizado do que da hereditariedade,
por isso, ele é capaz de ressignificar sua cultura adaptando-se ao meio que vive, sendo
assim a ação dos projetos capitalistas no território quilombola produzem uma nova dinâmica
de organização cultural que produz a ação de resistência para existência da comunidade.
2.2 Desestruturação sociocultural devido a ação dos projetos empresariais.
A Comunidade Nossa Senhora das Graças vem sendo atingida direta e
indiretamente pela ação dos projetos exógenos instalados em suas terras ou nas
proximidades. Os impactos socioculturais causados são descritos por membros da
comunidade como destruição de artefatos culturais, a violência, derrubada dos castanhais,
poluição dos igarapés, córregos e rios da região, morte de animais por excesso de
agrotóxicos e poluentes de diversas espécies, além da dominação de alguns sujeitos da
própria comunidade através do discurso de promessas de bons negócios, vinculando à
agricultura familiar às empresas de coco e dendê instaladas na região.
O território cultural aqui evidenciado, demonstra estratégias de sobrevivência dos
indivíduos de acordo com suas representações sobre o espaço vivido, principalmente no
contexto de crise. Vale ressaltar que existem diversos significados sobre territórios e
acompanham a complexidade das relações sociais existente no mundo globalizado, entre
poder público, empresas privadas nacionais e internacionais e comunidades quilombolas
que aqui estão constantemente em conflitos.
As intencionalidades de cada grupo demonstram o domínio de poder operante em
diversas negociações e também em ações violentas que decorrem da disputa pela garantia
de posse dos territórios. Por isso, é preciso um olhar mais amplo sobre definição de
território. Pois, além do espaço de governança, o território em sentido amplo passa a ser um
espaço de representações e simbologias múltiplas, lugar de saberes culturais, de conflitos e
de outras relações que abarca desde a desestruturação local, implantação de políticas
públicas e privadas nos campos e em diversos locais, até diversas resistências na busca da
titulação desses territórios e do modelo de desenvolvimento imposto na configuração dos
mesmos. Modelos estes, que são nacionais e transnacionais, e que destoa do cotidiano da
comunidade, da realidade dos povos tradicionais, fomentando disputas territoriais no plano
material e imaterial.
Verificamos então, que o espaço da convivência social é alvo de disputa, dentro de
um contexto desenvolvimentista que ignora as populações tradicionais e tentam determinar
a organização territorial do país pautada em uma lógica capitalista supranacional.
Foi possível perceber na pesquisa, como os sujeitos pertencentes a comunidade,
fazem suas representações simbólicas culturais e como as relacionam com a memória de
seus antepassados. Os saberes vivenciados por esses sujeitos, fazem parte de um acúmulo
de conhecimento perpassado no cotidiano, através de ritos, brincadeiras, rodas de
conversas, e das diversas maneiras de interação com seus pares e com a natureza.
A memória é entendida por muitos na comunidade como: “a história que tem do
nosso povo”, “o que guardamos dos nossos antepassados até hoje”. Esses exemplos
configuram a relação do homem com a natureza. “A sobrevivência através de produtos
retirados da natureza”. As relações vivenciadas pelos antigos moradores da comunidade
são relatadas através das lembranças que se tem de tempos de fartura, onde os laços de
solidariedade eram demonstrados através das trocas ou empréstimos de alimentos,
estabelecendo uma forma de garantir que a questão alimentar pudesse também ser provida
pela intervenção de um vizinho, que estaria pronto a suprir as necessidades de quem
precisasse. Além dessa estratégia foi possível perceber que essas relações ocorriam de
maneira natural, como um prazer de dividir o que se tinha devido à fartura que existia.
Com o passar do tempo às mudanças ocorreram, e a escassez se manifestou. Tal
situação é descrita como culpa da ambição do homem que não soube cuidar do que tinha
de graça, ambição de agentes externos que vieram destruir a mata, sem se importar com os
sujeitos que ali viviam. Nesse sentido, podemos destacar a exploração capitalista, onde o
lucro é seu principal objetivo. Como resultado disso, a ação dos grandes projetos destruiu o
habitat natural e alterou a cultura de um grupo que convivia com a natureza de forma
harmônica.
É perceptível em muitos relatos dos pesquisados que existia uma relação de
dependência com a natureza, que foi se esgotando devido a ação ambiciosa do homem e a
falta de preocupação com as gerações futuras. A cultura deixada pelos ancestrais está nos
saberes e modos de se relacionar com os recursos naturais e com os outros. Nesse sentido,
percebemos que há, o anseio da comunidade em reinventar a tradição e reconstituir sua
identidade. Segundo os moradores existe uma necessidade de “resguardar de alguma forma
a cultura local”.
É nítido o entrosamento entre os moradores, é lógico que não estamos querendo
esconder aqui as más querências, elas também existem no seio dessa comunidade. Mas, o
que se destacou foi um compartilhamento do convívio, seja nos momentos positivos ou
negativos. Os laços de parentesco e amizade se caracterizam pelo cuidado e solidariedade
entre os membros dessa comunidade. Aqueles que tem transporte se prontificam a levar o
doente até o atendimento médico ou até o ônibus para buscar tratamento na cidade. Esse
nível de entrosamento é observado quanto maior é o grau de afinidade. Todavia, percebe-se
que a atenção dispensada envolve a todos os membros desta comunidade.
Tal união é observada em diversos aspectos: na labuta do dia a dia, nos festejos da
igreja, nos mutirões para o cultivo da roça, etc. Os terrenos onde os moradores fazem suas
roças ficam distantes de suas moradias, constantemente eles se unem através de mutirão
antigo6 .
Segundo registro o mutirão ainda ocorre algumas vezes, principalmente para o
fabrico da farinha e trabalho em prol da comunidade. Toda essa rotina se altera devido
diversos fatores, e o que nos interessa identificar aqui são sobre se ouve ou não
desestruturação cultural com a implantação dos projetos empresariais?
Ao analisarmos os impactos causados pela ação dos diversos projetos instalados
em Moju, percebemos a intenção exploratória da origem do processo de ocupação da
Amazônia, cujo objetivo maior sempre foi e ainda é a apropriação dos territórios e dos
recursos naturais segundo a lógica capitalista de mercado, onde a exploração de matérias
primas é primordial, deixando de lado preocupações com as questões ambientais, sociais e
culturais.
O papel do governo no processo de dominação da Amazônia foi fundamental para
proteger de agentes internacionais e incentivar a exploração da mesma de acordo com seus
interesses, houve campanhas para incentivo de ocupação, sobre o lema e domínio dos
6 Mutirão Antigo - prática utilizada em algumas comunidades tradicionais, onde no trabalho da lavoura,
convidava-se os vizinhos para trabalhar no terreno de uma determinada pessoa, cabendo a essa, prover alimentação aos envolvidos na atividade. Essa atividade ocorreria como um rodízio, sendo que em outros momentos o combinado ocorreria em outra propriedade até fechar o ciclo. Vale ressaltar que alguns participavam do combinado somente pela amizade.
militares nas décadas 60 e 70, “integrar para não entregar” e também controlar seu território,
havia um interesse constante de que o capital privado se instalasse rapidamente na região.
Essa política de incentivo jamais levou em consideração a cultura dos povos
tradicionais, os nativos da região. Ao implementar o desenvolvimentismo, o chamado
“progresso” o governo automaticamente causou a expulsão de comunidades tradicionais e
antigos habitantes da região. “Eles acreditavam ser urgente estender o “progresso” à
Amazônia, e, para isso, era necessário povoar a região. Entretanto, nem mesmo nos tempos
dos conquistadores a Amazônia foi vazia ou desabitada” (Coelho, 1998, p. 14).
Os que resistiram os projetos do capital privado apoiado pelo governo ao se
sentirem ameaçados, começaram a procurar formas de reagir a tal situação, daí a
organização e fortalecimento de sindicatos, organizações comunitárias e outras maneiras de
resistência, como a violência real e simbólica, as negociações, audiências públicas fazem
parte das discussões da comunidade.
Tal como em outros locais temos a partir de 1979, a implantação do primeiro projeto
agroindustrial em Moju/Pa, a Sococo7, uma agroempresa detentora de grandes extensões
de terras neste município, utilizadas para o cultivo do coco em grande escala.
Posteriormente, por volta dos anos 80, outras empresas monocultoras se instalaram no
Município, mudando assim, a paisagem do campo e as relações ali existentes. A REASA8
em 1981, foi à primeira, com o plantio do dendê, teve também a Mendes Junior Agrícola do
Pará MARBORGES9, AGROPALMA10 criada em 1984, Companhia Universal Agroindustrial,
a AMAPALMA11 A.S do grupo AGROPALMA, BIO VALE12. Nesse cenário temos também
IMERYS13 e a empresa HIDRO14 da VALE cortando com suas tubulações todo o território
quilombola causando assim, problemas socioculturais para as populações tradicionais e
remanescentes quilombolas.
Os projetos de produção de coco e de dendê que se instalaram nessa região de
forma desordenada, não respeitando as propriedades dos antigos moradores, causaram
invasões e desestruturação do modo de vida dos povos tradicionais e devido a tal situação
ocorreram e ocorrem diversos conflitos pela posse do território, como o que ocorreu em
7 SOCOCO S.A Agroindustrial Amazônia – empresa produtora e beneficiadora de produtos de origem do coco. 8 REASA - Reflorestadora da Amazônia – empresa que trabalha com reflorestamento na área do município de Moju/Pa. 9 MARBORGES – Empresa especializada em comércio de óleos. 10 AGROPALMA – Empresa produtora de óleos e gorduras vegetal derivados de óleo de palma. 11 AMAPALMA - S.A, empresa que atua na fabricação de óleos vegetais de palma. 12
BIO VALE – Produtora de óleo de palma. 13IMERYS – Empresa de beneficiamento do Caulim. Tendo sua planta fabril, sediada no município de Barcarena/Pa. 14 HIDRO – Empresa do grupo Norsk Hydro – empresa beneficiadora de bauxita, com sede no município de Barcarena/Pa.
1980, consequência do modelo desenvolvimentista. Pois, “o que se viu durante a década de
1980 [...], Três mortes [...]. A do vereador e acionista da empresa Reasa, Edmilson, o
sindicalista Virgílio, e o colono Canindé. (SACRAMENTO, 2007, p.13)
A tempos, que os embates sociais, são notórios na região. Atualmente ocorrem
vários episódios de violência que ficam sem “explicação” e que geralmente o poder público
deixa no esquecimento. Podemos afirmar, que a instalação dos projetos agropecuários,
acabam fazendo com que os trabalhadores rurais, se organizem, como forma de
enfrentamento e resistência. Por serem os mais antigos donos das terras, veem nesse
contexto, a necessidade de união como forma de luta contra as invasões de suas terras.
A destruição ambiental causada pela ação dos projetos, retira das comunidades
quilombolas as condições de sobreviver da terra, daí a forma de resistência que eles
encontram é o fortalecimento das relações coletivas através organizações. Recentemente
efetivaram a aprovação do “Protocolo C.P.L.I15 e Consentimento do território Quilombola de
Jambuaçu, formada por uma rede de autoridades responsáveis e autônomas para tomada
de decisão no que tange a proteção e defesa da territorialidade quilombola em nome do
quilombo de Jambuaçu/Moju. “Essa negociação passa a priori pela confrontação dos
diversos mundos de referência dos indivíduos” (Berger e Luckmann, 1986).
A tomada de consciência dos grupos marginalizados fez com que através de ação
coletivas os mesmos reivindicassem seus direitos, se mobilizando em prol de um objetivo
comum que culminou em uma visibilidade na constituição de 1988. As intensas mobilizações
políticas foram significativas para uma articulação que buscou uma identidade e seu
reconhecimento através de leis, é claro que muito ainda tem que ser conquistado, mas
temos um grande avanço nesse sentido.
A maneira mais eficaz que tais comunidades encontraram para garantir o direito ao
território quilombola foi à união de todos, pois através da conscientização coletiva, criou-se
uma unidade no contexto da diversidade das comunidades. Essa iniciativa vem trazendo
conquistas de reivindicações como a luta de ação reparatória por danos ambientais
causados pela empresa CVRD16 que se instalou no território sem a permissão de seus
legítimos donos. O projeto Bauxita-Paragominas invadiu as terras por quilômetros,
instalando linha de transmissão e um mineroduto nessa área, mais de 57 famílias foram
atingidas por tal ação. Nesse contexto os quilombolas reivindicaram ações reparatórias,
como pagamento de dois salários mínimos mensais por dois anos para as famílias atingidas,
15 PROTOCOLO C.P.L.I – Consulta Prévia Livre e Informada. 16 CVRD – Companhia Vale do Rio Doce. Atualmente (Vale)
pagamento de multa, implantação da Escola Técnica familiar Rural, Posto de saúde, entre
outras reivindicações junto a empresa.
3 CONCLUSÃO
No decorrer desse estudo, observou-se, a existência de conflitos envolvendo os
vários atores sociais na disputa por esse território, assim como, foi percebido também os
prejuízos materiais e imateriais à comunidade. Destacamos a desestruturação sociocultural,
ao observarmos às relações dos povos tradicionais da comunidade quilombola de Nossa
Senhora das Graças no que se refere as suas relações com a natureza e com os saberes
da comunidade.
Ao analisarmos as ações de derrubada da mata nativa, principalmente dos
“castanhais”, destruição de área de lazer e de trabalho como campos de futebol e retiros, o
aumento da violência, os conflitos decorrentes da posse irregular de terras quilombola. É
latente a ausência de políticas públicas que contemplem a comunidade, coibindo as ações
exógenas das empresas instaladas no seu entorno.
Todavia, a forma de resistência encontrada pelos moradores da comunidade em
estudo, foi através do fortalecimento da identidade coletiva enquanto quilombola, pois assim,
existe uma maior articulação na busca de soluções que contemplem toda a coletividade, nos
mais diversos aspectos como: indenização para alguns moradores, construção de posto de
saúde, da casa de agricultura familiar, etc. A perda do acervo imaterial não será reparado e
nem amenizado. Mas, a comunidade se recompõe a partir das suas lutas, e de forma lenta
gradativa.
Sabemos que nenhum ato de compensação ou reparação vai resolver a
desestruturação cultural, social e ambiental causado pelos projetos desenvolvimentistas,
mas isso, pode representar uma forma de conquista e resistência para as comunidades
contra os danos que os mesmos vêm sofrendo. O jogo de forças está inserido na luta
constante das populações tradicionais contra a imposição do capital privado, nesse sentido,
resistir de maneira estratégica é um instrumento valioso para se afirmar culturalmente no
território.
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