dissertaÇÃo original- souza, paulo roberto elias
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7/22/2019 DISSERTAO ORIGINAL- SOUZA, Paulo Roberto Elias
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
Curso de Ps-Graduao em Cincias Humanas e Sociais
Dissertao de Mestrado
Paulo Roberto Elias de Souza
DO BLOG SUJO COLETIVA DO PLANALTO
Um estudo de caso de contrainformao poltica atravs de blogs
Santo Andr
2013
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Curso de Ps-Graduao em Cincias Humanas e Sociais
Dissertao de Mestrado
Paulo Roberto Elias de Souza
DO BLOG SUJO COLETIVA DO PLANALTO
Um estudo de caso de contrainformao poltica atravs de blogs
Trabalho apresentado como requisito parcial
para obteno do ttulo de Mestre em
Cincias Humanas e Sociais, sob orientao do Professor DoutorClaudio Luis de Camargo Penteado.
Santo Andr2013
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FOLHA DE ASSUNATURAS
Assinaturas dos membros da Banca Examinadora que avaliou e aprovou aDefesa de Dissertao de Mestrado do candidato Paulo Roberto Elias deSouza, realizada em 07 de junho de 2013:
Prof. Dr. Claudio Luis de Camargo Penteado Presidente (UFABC)
Prof. Dr. Srgio Amadeu da Silveira Membro Titular (UFABC)
Prof. Dr. Rafael de Paula Aguiar Arajo Membro Titular (PUC)
Profa. Dra. Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho MembroSuplente (UFABC)
Profa. Dra. Rosemary Segurado Membro Suplente (PUC)
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Este exemplar foi revisado e alterado em relao verso original, deacordo com as observaes levantadas pela banca no dia da defesa, sobresponsabilidade nica do autor e com a anuncia de seu orientador.
Santo Andr, ____de _______________ de 20___.
Assinatura do autor: _____________________________________
Assinatura do orientador: _________________________________
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Para ngela Pereira de Souza (in memoriun)e Manoel Elias de Souza.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo especialmente ao meu orientador Professor Doutor Cludio Luis de
Camargo Penteado. Sua inteligncia, competncia, senso crtico e pacincia foram
fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho. Acrescenta-se ainda a amizade.
A CAPES e Fundao UFABC meu agradecimento pelo incentivo e possibilidade
material que me permitiram uma dedicao exclusiva pesquisa.
No poderia de deixar de agradecer a todo o programa de ps-graduao em cincias
humanas e sociais e seus respectivos docentes, pela dedicao e seriedade na conduo do
curso. Enfatizo meu orgulho de fazer parte da primeira turma deste programa.
Agradeo tambm ao Professor Doutor Srgio Amadeu da Silveira pelas disciplinasministradas e principalmente pelos instigantes debates, questionamentos e contribuies
durante a produo deste trabalho.
Quero lembrar e agradecer corpo docente da FESPSP Fundao Escola de
Sociologia e Poltica de So Paulo onde iniciei minha formao acadmica. Mas gostaria de
agradecer especialmente Professora Doutora Roseli Martins Coelho por muito mais do que
um comeo, assim como o Professor Doutor Rafael de Paula Aguiar Arajo que vem
contribuindo qualitativamente desde o projeto inicial at o final deste trabalho.Agradeo ainda os colegas de mestrado, especialmente os amigos Bruno Arajo, Cau
Pimentel, Thiago Battaglini e Thiago Mattioli pelas conversas nos almoos, cafs e na rede
que, abastecidas com qualidade e bom humor, contriburam para que o esprito crtico e
dialtico do mundo das ideias ficasse em constante dilogo com o mundo das coisas.
Por fim, agradeo minha companheira Brbara Pereira Fernandes pelo amor,
incentivo, pacincia, inteligncia e pelos constantes e interminveis dilogos que nos renovam
e nos fazem ir adiante nesta audaciosa tarefa de se fazer cincias sociais.
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No foram nem condenados nem julgados. Como um
rastilho, a notcia correu veloz por todo o pas, os meiosde comunicao vituperaram os infames, as irmsassassinas, o genro instrumento do crime, choraram-selgrimas sobre o ancio e o inocentinho como se eles
fossem o av e o neto que toda a gente desejaria ter tido,pela milsima vez jornais bem pensantes que actuavamcomo barmetros da moralidade pblica apontaram o
dedo imparvel degradao dos valores tradicionais dafamlia, fonte, causa e origem de todos os males em suaopinio, e eis seno quando quarenta e oito horas depoiscomearam a chegar informaes sobre prticas idnticasque estavam a ocorrer em todas as regies fronteirias.
(Jos Saramago, As intermitncias da morte)
Voc no sente nem vMas eu no posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudana em breve vai acontecerE o que h algum tempo era jovem novo
Hoje antigo, e precisamos todos rejuvenescer.
(Belchior, Velha Roupa Colorida).
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RESUMO
O objetivo deste trabalho analisar lutas simblicas promovidas atravs da produo de
contrainformao poltica dos jornalistas-blogueiros Paulo Henrique Amorim, Luiz CarlosAzenha e Rodrigo Vianna de forma colaborativa com outros blogueiros e leitores contraescndalos polticos miditicos veiculados pela grande mdia do Brasil durante as eleies2010. A fundamentao terica parte do dilogo entre a compreenso de hegemonia deGramsci com a teoria de campos sociais de Bourdieu. Em seguida, busca-se debater acategoria de contrainformao poltica como uma forma simblica especfica produzida paraquestionar o mainstream. Debatem-se tambm as transformaes das formas de comunicaomediadas, os tipos e caractersticas das principais formas simblicas produzidas pelasempresas de mdia e as caractersticas e importncia dos escndalos polticos miditicos na
poltica contempornea, baseado em John B. Thompson e Castells. Em seguida, debatem-seas transformaes da poltica, do jornalismo tradicional e da mdia alternativa com o advento
da internet, seguido da categorizao poltica de blog, blogosfera e do g rupo dos blogueirosprogressistas. Aps a identificao dos temas agendados pela mdia nas eleies 2010, apresentado o estudo de caso realizado atravs da metodologia de pesquisa em blogs de
poltica que buscou identificar a contrainformao produzida pelos blogueiros contra o casoda quebra de sigilo, o caso Erenice Guerra e o caso da bolinha de papel. Os resultadosdemonstram que possvel identificar a contrainformao poltica particular de cada caso, asformas e contedos da produo, as fontes e colaboraes, mas tambm a interatividade comleitores, alm de indcios de uma reorganizao de uma mdia alternativa na rede.
PALAVRAS CHAVES:Blogs; Eleies 2010; Escndalos Polticos Miditicos; Informao eContrainformao Poltica.
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ABSTRACT
The objective of this work is to analyze symbolic struggles promoted through the productionof counter-information politics of journalists-bloggers Paulo Henrique Amorim, Luiz CarlosAzenha and Rodrigo Vianna collaboratively with other bloggers and readers against politicalscandals media conveyed by mainstream media in Brazil during elections 2010. Thetheoretical part of the dialogue between the understanding of hegemony in Gramsci's theoryof Bourdieu's social fields. Then seeks to discuss the category of counter-information politicsas a symbolic form produced for specific questioning mainstream. Also discuss thetransformations of forms of mediated communication, the types and characteristics of majorsymbolic forms produced by media companies and the features and importance of politicalscandals media in contemporary politics, based on John B. Thompson and Castells. Thenstruggling up the transformation of political, traditional journalism and alternative media withthe advent of the Internet, followed by the categorization politics blog, blogosphere and the
group of blogueiros progressistas. After identifying the issues by the media in electionsscheduled in 2010, is presented the case study conducted by research methodology in politicalblogs aimed at identifying the counter-information produced by bloggers against the case ofquebra de sigilo,the case Erenice Guerra and the case of bolinha de papel. The resultsdemonstrate that it is possible to identify the counter-information politics of each particularcase, the form and content production, sources and collaborations, but also interactivity withreaders, plus evidence of a reorganization of an alternative media network.
KEYWORDS:Blogs; Elections 2010; Political Scandals Media; Information and Counter-Information Politics.
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LISTA DE QUADROS E FIGURAS
QUADROS:
QUADRO 1.1:Meios de comunicao tradicionais e internet: diferenas............................ 56
QUADRO 2.1: Desenvolvimento dos meios de comunicao e formas de interao
interpessoal.............................................................................................................................. 70
QUADRO 4.1:Posts e comentriosCaso da quebra de sigilo......................................... 113
QUADRO 4.2: Enquadramento das mensagensCaso da quebra de sigilo(%). ............... 114
QUADRO 4.3:Fontes utilizadasCaso da quebra de sigilo............................................... 122
QUADRO 4.4:InteratividadeCaso da quebra de sigilo (%) ............................................ 126QUADRO 4.5:Posts e comentriosCaso Erenice Guerra............................................... 129
QUADRO 4.6:Enquadramento das mensagensCaso Erenice Guerra (%)...................... 129
QUADRO 4.7:Fontes utilizadasCaso Erenice Guerra.................................................... 135
QUADRO 4.8:InteratividadeCaso Erenice Guerra (%) .................................................. 138
QUADRO 4.9:Posts e comentriosCaso da bolinha de papel......................................... 141
QUADRO 4.10:Enquadramento das mensagensCaso da bolinha de papel (%)............. 141
QUADRO 4.11:Fontes utilizadasCaso da bolinha de papel............................................ 146QUADRO 4.12:InteratividadeCaso da bolinha de papel (%)......................................... 149
QUADRO 4.13:Blogs utilizados como fontes (em ordem alfabtica).................................. 150
FIGURAS:
FIGURA 3.1:Ficha falsa do Deops de Dilma Rousseff.......................................................... 94
FIGURA 4.1:Blog Conversa Afiada (parte 1)...................................................................... 106FIGURA 4.2:Blog Conversa Afiada (parte 2)...................................................................... 106
FIGURA 4.3:Blog Conversa Afiada (parte 3)...................................................................... 107
FIGURA 4.4:Blog Conversa Afiada (parte 4)...................................................................... 107
FIGURA 4.5:Blog Viomundo (parte 1)................................................................................. 108
FIGURA 4.6:Blog Viomundo (parte 2)................................................................................. 108
FIGURA 4.7:Blog Escrevinhador (parte 1)......................................................................... 109
FIGURA 4.8:Blog Escrevinhador (parte 2)......................................................................... 109
FIGURA 4.9:Blog Escrevinhador (parte 3)......................................................................... 110
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FIGURA 4.10: Vernica Serra e Vernica Dantas (Caso da Quebra de Sigilo) ................... 123
FIGURA 4.11: Registro da empresa Decidir.com no Estado da Flrida, Estados Unidos
(Caso da Quebra de Sigilo)................................................................................................... 124
FIGURA 4.12:Montagem com Jos Serra (Caso da Quebra de Sigilo).............................. 124
FIGURA 4.13: Charge ironizando o escndalo poltico miditico (Caso da Quebra de Sigilo)
.... ........................................................................................................................................... 125
FIGURA 4.14:Jos Serra desconfiado (Caso Erenice Guerra)....................................... 137
FIGURA 4.15: Charge ironizando Jos Serra e ndio da Costa (Caso Erenice Guerra)..... 137
FIGURA 4.16: Comparao entre a imagem da bolinha de papel e do borro causado por
outra cabea atrs de Serra (Caso da Bolinha de Papel)..................................................... 148
FIGURA 4.17:Montagem com o smbolo da Rede Globo e uma bolinha de papel ao centro(Caso da Bolinha de Papel)................................................................................................... 148
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SUMRIO
INTRODUO ..................................................................................................................... 14
PARTE 1: FUNDAMENTAO TERICA
Captulo IMdia, Poltica e Sociedade .............................................................................. 27
1.1. Caractersticas estruturais das sociedades modernas ........................................................ 27
1.2. Campos sociais: campo econmico, campo poltico, campo jornalstico e habitus......... 29
1.2.1. Conceitos de campo social e habitus............................................................................. 29
1.2.2. Poder simblico, campo econmico, campo poltico e campo jornalstico................... 321.2.2.1. A matria prima: o poder simblico ........................................................................... 32
1.2.2.2.Campo econmico ...................................................................................................... 34
1.2.2.3.Campo poltico ........................................................................................................... 36
1.2.2.4.Campo jornalstico ...................................................................................................... 37
1.3. Contra-hegemonia e hegemonia alternativa ..................................................................... 40
1.3.1. Contrapoder: verso contempornea ............................................................................. 44
1.4. Contrainformao poltica: uma luta simblica................................................................. 46
1.4.1. Caractersticas da contrainformao poltica produzida atravs blogs ........................... 49
1.5. Visibilidade: conceito e transformaes ........................................................................... 50
1.5.1. Expanso do espao de visibilidade: da copresena at a comunicao de massas ....... 51
1.5.2. A Nova Visibilidade na autocomunicao de massas ..................................................... 54
1.6. Espetacularizao e midiatizao da poltica .................................................................... 57
1.7. Escndalos Polticos Miditicos: conceito, histria e relevncia ...................................... 61
CAPTULO IIJornalismo, Poltica e Internet ................................................................. 69
2.1.Mdia alternativa no Brasil: reorganizao atravs da internet ......................................... 77
2.2. Blogs e blogosfera: definindo o dispositivo e o espao .................................................... 86
2.3. Blogosferas: espaos de interao entre similares ............................................................. 89
2.3.1. O Movimento dos Blogueiros Progressistas ................................................................... 90
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PARTE 2: ELEIES 2010
CAPTULO III Agenda da Mdia nas Eleies 2010 .......................................................... 93
CAPTULO IV Informao e contrainformao poltica nas eleies 2010 ................... 101
4.1. Histrico e descrio dos blogs ....................................................................................... 103
4.2. Classificao dos blogs .................................................................................................... 105
4.3. Anlise da estrutura dos blogs ......................................................................................... 111
4.4. Caso da Quebra de Sigilo: descrio e anlise do escndalo .......................................... 109
4.4.1. A informao: escndalo da quebra de sigilo............................................................ 112
4.4.2. Anlise da contrainformao sobre o caso da quebra de sigilo................................ 1134.4.3. Anlise da interatividade no caso da quebra de sigilo.............................................. 125
4.5. Caso Erenice Guerra: descrio e anlise do escndalo .................................................. 127
4.5.1. A informao: escndalo Erenice Guerra .................................................................. 127
4.5.2. Anlise da contrainformao sobre o caso Erenice Guerra...................................... 129
4.5.3. Anlise da interatividade no caso Erenice Guerra.................................................... 137
4.6. Caso da Bolinha de Papel: descrio e anlise do escndalo .......................................... 139
4.6.1. A informao: escndalo... ............................................................................................ 1394.6.2. Anlise da contrainformao sobre o caso da bolinha de papel............................... 140
4.6.3. Anlise da interatividade no caso da bolinha de papel............................................. 149
4.7. Blogs em ao: fontes interconectadas nos casos ............................................................ 150
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 153
REFERNCIA BIBLIOGRFICA .................................................................................... 168
STIOS E PORTAIS DA INTERNET ................................................................................ 174
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INTRODUO
A comunicao via internet vem ganhando mais importncia no campo poltico a cada
nova disputa eleitoral no Brasil. O acompanhamento das campanhas pelo pblico mais
interessado ocorre atravs de stios, portais e canais em redes sociais dos candidatos e de seus
respectivos partidos, bem como a busca de informao atravs de portais jornalsticos que
acompanham o dia-a-dia das campanhas. Dentre estas fontes jornalsticas se destacam novos
canais alternativos fora do mainstream e blogs de poltica escritos por polticos, militantes,
cidados comuns e especialmente por jornalistas.
No dia 19 de agosto de 2010, o ento candidato presidncia da Repblica Jos Serra
do PSDBPartido da Social Democracia Brasileira participou do "8 Congresso Brasileiro deJornais, onde assinou a Declarao de Chapultepec, assumindo o compromisso com a
liberdade de expresso1dos meios de comunicao. Serra aproveitou o evento para criticar e
acusar o governo federal sob o comando de Luiz Incio Lula da Silva do PT Partido dos
Trabalhadores. O candidato tucano acusou o governo de financiar blogs sujos que davam
norte do patrulhamento a jornalistas no pas, ou seja, atentariam contra a liberdade de
expresso.
Mesmo sem citar nominalmente, Serra se referia a um grupo de blogueiros queganharam crescente notoriedade produzindo notcias atravs de blogs e se organizando na
internet. Um grupo recm-organizado naquele momento que contava com a participao de
alguns jornalistas conhecidos na mdia tradicional e que, em virtude disso, ganharam
relevncia na blogosfera. Em comum: apoio ao governo petista e constante oposio a
governos de tucanos e aliados, especialmente na prefeitura de So Paulo e no governo do
Estado, dos quais Serra fora prefeito e governador respectivamente.
Se por um lado Serra acusava os blogueiros de atentarem contra a liberdade deexpresso, por outro lado, os blogueiros acusavam Serra de tentar promover o pensamento
nico atravs da inter-relao dele e de seus aliados com as principais empresas de mdia do
Brasil. Atravs de alguns de seus principais colaboradores, a grande mdia tambm acusa os
blogueiros de serem financiados pelo governo federal, enquanto os blogueiros acusam a
grande mdia de serem coniventes com os governos tucanos ao mesmo tempo em que tentam
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Disponvel em http://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtml. Acesso em 18/10/2012. Declarao de Chapultepec disponvel emhttp://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-de-imprensa/declaracao-de-chapultepec. Acesso em18/10/2012.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtmlhttp://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-de-imprensa/declaracao-de-chapultepechttp://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-de-imprensa/declaracao-de-chapultepechttp://www.anj.org.br/programas-e-acoes/liberdade-de-imprensa/declaracao-de-chapultepechttp://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/poder/785564-serra-acusa-governo-de-financiar-blogs-sujos-e-perseguir-jornalistas.shtml -
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prejudicar os petistas.
Assim, sem espao na grande mdia para produzir contedo jornalstico sem
interferncias superiores, diversos jornalistas passaram a utilizar blogs para produzir contedo
de jornalismo poltico de forma direta e independente, isto , sem gatekeepers ou influncia
de agentes externos, tais como patrocinadores e anunciantes.
Estava montada a arena para se desenvolver vrias lutas simblicas durante o perodo
eleitoral: de um lado, os meios de comunicao tradicionais jornais, revistas, rdio e
televiso publicando ao longo de quase cinco meses diversas informaes gerando
escndalos polticos que envolviam a candidata governista ou o seu partido. Do outro lado, os
autodenominados blogueiros progressistas respondiam, questionando as informaes
veiculadas nesses meios.A conjuntura nacional que combinava boa avaliao do governo Lula (2003-2010)
no qual Rousseff ocupou dois ministrioseconomia em crescimento, desemprego em baixa,
estabilidade poltica aliados ainda ao fenmeno do lulismo nas classes sociais mais baixas
(SINGER, 2012), fez com que o favoritismo da candidata governista fosse questo de tempo.
Entre os trs principais candidatos (Rousseff da situao, Serra da oposio e Marina Silva,
ex-ministra de Lula como a terceira via), a disputa programtica girava em torno daquele
que seria o herdeiro legtimo do lulismo.Diante da limitao de pontos crticos a serem explorados tanto pelos adversrios
como pela grande mdia, o foco se voltou para fatos e factoides polmicos em torno da figura
de Dilma Rousseff e sua militncia poltica em grupos de esquerda que aderiram luta
armada durante o regime militar brasileiro (1964-1985), declaraes antigas em relao a
temas polmicos como o aborto, mas tambm a tentativa de consolidao e explorao de
escndalos polticos miditicos (ALENCAR, 2012).
O desenvolvimento dos meios de comunicao possibilitou novos espaos de
visibilidade para os agentes polticos, mas com carter ambguo, isto , permite que os agentes
polticos apaream mais e apresentem-se positivamente, ao mesmo tempo em que os tornam
mais vulnerveis a gafes e constrangimentos por desvios de conduta dentro de contexto social
determinado. Estes desvios de conduta passaram a ser muito explorados pelos meios de
comunicao que os transformam em escndalos polticos miditicos que tem como
consequncia, a perda de capital social para os agentes envolvidos, assassinatos de reputaes
e, em casos mais srios, derrubada de lderes, tal como ocorreu com o ex-presidente
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estadunidense Richard Nixon, aps o consagrado caso de Watergate, marco inicial do gnero
(THOMPSON, 2002; 2008).
Assim, os meios de comunicao de massas, desde a imprensa de Gutenberg at as
tecnologias de informao e comunicao (TICs), influenciaram e transformaram as prticas
polticas, especialmente, durante os perodos eleitorais, ponto alto da visibilidade poltica.
Consequentemente, os meios de comunicao de massas, principalmente a televiso
(presente em quase todos os lares brasileiros) tornaram-se o principal palco de disputa da
poltica contempornea (LIMA, 2001). neste espao que agentes sociais se concentram na
busca de melhores vantagens particulares, polticas ou econmicas. Deste modo, as relaes
entre os agentes do campo econmico, poltico e jornalstico ficaram mais intensas e cada vez
mais marcadas por interdependncia e competio mtua, garantindo espaos privilegiadospara alguns grupos em detrimento de outros, ao mesmo tempo em que exercem influncia
fundamental na construo de conjunturas, atores e at da agenda poltica.
Em uma sociedade liberal-democrtica como o Brasil, a competio poltica
geralmente ocorre atravs de eleies diretas em que grupos organizados em partidos polticos
competem pelo poder institucional. Com os sistemas nacionais de comunicaes estando
consolidados (LIMA, 2004), os meios de comunicao tradicionais (a mdia) tornam-se o
principal instrumento de visibilidade para atores e agentes polticos, os principaisinstrumentos de transmisso dos projetos de nao, ideologias, valores culturais e opinio dos
grupos organizados, como os partidos polticos, movimentos sociais e grupos de interesses
presentes na sociedade, em suma, os maiores portadores de poder simblico (BOURDIEU,
1997) capaz de agregar valor, ou melhor, capital aos agentes sociais.
Porm, a obteno de espao para tornar-se visvel positivamente no to simples e
homogneo: a veiculao de informaes e discursos pelos grandes meios de comunicao
recebem enquadramentos de acordo com os interesses da instituio miditica, isto , deacordo os interesses dos donos da mdia, compreendida com uma empresa capitalista com
interesses econmicos e polticos prprios, influenciada pelos patrocinadores e, em escala
varivel, pelo prprio Estado que pagam a veiculao de propagandas comerciais, que acabam
por influenciar na escolha do que deve ser ou no visto, bem como o enquadramento
discursivo, gerando uma m reproduo da diversidade social (Ibidem).
H tambm o problema da visibilidade ser negativa ou pior, nem existir. Determinados
atores e grupos sequer conseguem aparecer nos meios de comunicao em razo dos seus
posicionamentos e escolhas polticas opostos queles defendidos pelos meios de comunicao
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Nasser sabia que aquela conversa era uma espcie de jogo no combinadoentre os dois. Ele se gabava de ter sido anti-Dutra quando o patro eradutrista, anti-Vargas quando Chateaubriand defendia a permanncia deVargas, e agora atacava Kubitschek em pleno idlio do chefe com Juscelino.David Nasser ficou. Semanas depois Chateaubriand sairia a pblico paradefender o presidente da campanha pertinaz que lhe movia O Estado de S.
Paulo, que ele passara a chamar ironicamente de o porta-voz doesquerdismo udenista:o Estado agora deu de negar tudo o que a administrao Kubitschek tempromovido pelo progresso do Brasil. Se algum nesta terra tomasse a srioos vaticnios desse jornal, o abismo j haveria tragado este pas. A sorte que os leitores olham os articulistas do Estado como uma fauna delirante,recrutada entre o que o paroxismo partidrio tem de mais doentio.(MORAIS, 2011, p. 14).
Eis aqui o primeiro problema: como considerar os meios de comunicao tradicionais
como aqueles que nos informam a verdade se eles carregam consigo tantos interesses e
tambm limitaes, tais como as de formatos, isto , nmeros de pginas ou tempo de
transmisso da informao, alm das limitaes impostas tanto pelas empresas de mdia,
como por outros grupos externos, como polticos, grandes empresas e, em menor grau, pelo
perfil do consumidor das informaes?
O trecho acima, extrado da biografia do primeiro dono de uma grande empresa de
meios de comunicao de massas em seu formato mais bem acabado no sculo XX, que
agregava em um s grupo mdia impressa, rdio e televiso (com a pioneira TV Tupi), nos
permite compreender melhor a relao entre os campos poltico e jornalstico. Chateaubriand
parece ter sido um agente perspicaz que soube explorar ao mximo o poder de influncia dos
meios de comunicao no campo poltico e na sociedade brasileira durante boa parte do
sculo passado: geralmente governista2, sabia utilizar seus meios para criticar quando
necessrio e, com isso, obter vantagens para seus interesses particulares. Seu imprio entra em
decadncia na dcada de 1960, a partir da debilitao de sua sade em consequncia de uma
trombose que o deixa tetraplgico (MORAIS, 2011). Por outro lado, o perodo tambm
coincide com o golpe militar em 1964 e com a ascenso das organizaes Globo, dirigida por
Roberto Marinho, como maior indstria miditica do pas3.
Voltando ao dilogo entre o Chateubriand e Nassser, o que ele refora que
geralmente a opinio poltica veiculada pela mdia a opinio do dono da mdia. Assim,
2 Assis Chateaubriand tambm foi senador entre 1952 e 1957. Disponvel emhttp://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1658&li=38&lcab=1946-1951&lf=39.
Acesso em 18/10/2012.3 Em uma pesquisa com leitores, a revistaIsto elegeu em 1999, Roberto Marinho como o comunicador dosculo, enquanto Chateaubriand ficou com a segunda colocao. Disponvel emhttp://www.istoe.com.br/reportagens/27752_O+BRASILEIRO+DO+SECULO+.Acesso em 16/10/2012.
http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1658&li=38&lcab=1946-1951&lf=39http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1658&li=38&lcab=1946-1951&lf=39http://www.istoe.com.br/reportagens/27752_O+BRASILEIRO+DO+SECULO+http://www.istoe.com.br/reportagens/27752_O+BRASILEIRO+DO+SECULO+http://www.istoe.com.br/reportagens/27752_O+BRASILEIRO+DO+SECULO+http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1658&li=38&lcab=1946-1951&lf=39 -
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vises de mundo, posies polticas e interesses privados, tanto do jornal como o de qualquer
outro meio de comunicao empresarial tendem a ser minimamente alinhados ao(s)
proprietrio(s).
Diante deste quadro, fica difcil supor que as empresas de mdia conceda espao
significativo para que todos, ou para a maioria de grupos sociais sejam visveis e defendam
suas bandeiras e interesses, apesar de alguns espaos cedidos para grupos ou agentes com
perspectivas diferentes, tais como os token leftist (quota de esquerdistas) do jornalismo
estadunidense; o restante geralmente excludo, sem voz para disputar as representaes do
mundo social que so travadas nos meios de comunicao (MIGUEL, 2002). Assim, a sada
para grupos que no obtm espao nos grandes meios de comunicao bem prxima daquela
sugerida por Chateaubriand, isto , produzir um meio de comunicao prprio.E assim fizeram: nas sociedades modernas e tambm no Brasil grupos de agentes
polticos e jornalistas produziram e consolidaram a mdia alternativa ou independente, isto ,
um tipo de imprensa que produzia contedo poltico de acordo com as posies polticas
prprias a fim de informar grupos e classes sociais, tais como sindicatos, partidos polticos
radicais (na maioria de esquerda, mas tambm de direita) e minorias raciais e de gnero.
No Brasil, este processo iniciou-se um pouco antes da proposio do Chat. No sculo
XIX, os pasquins do perodo da independncia e da regncia no que, desordenadamente,atiravam para todo lado, mas com mais nfase na direo da Coroa e de seus personagens.
Foi neste contexto que D. Pedro I fez de Frei Caneca personagem de um aviso espetacular
queles que contestavam sua soberania (SODR, 1999).
Na virada para o sculo XX, a imprensa operria desempenhou papel importante na
mobilizao e organizao da classe trabalhadora a fim de reivindicar e conquistar melhores
de condies de trabalho e de vida (FERREIRA, 1978); foi atravs dela que anarquistas e
comunistas (e posteriormente trotskistas) organizaram greves, informavam sobre a situao daclasse trabalhadora principalmente na Europa e, os segundos conseguiram se organizar e
fundar o Partido Comunista do Brasil em 1922 (PCB), e onde combatiam sindicalistas pelegos
e os emergentes integralistas, inspirados no nazi-facismo europeu4. Neste perodo, esta
imprensa era mais organizada, onde era possvel saber que alm da imprensa hegemnica
existia tambm uma imprensa contra-hegemnica e alternativa (SODR, 1999).
O perodo mais produtivo do gnero ocorreu durante o perodo do regime militar,
especialmente entre os anos de 1964 e 1980. Mas, as perseguies polticas, escassez material
4 O principal terico e lder do integralismo no Brasil, Plnio Salgado foi colaborador da ento imprensatradicional, com maior destaque para o peridico de So Paulo, Correio Paulistano.
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e a perda das principais bandeiras de luta desta imprensa, condenou o gnero ao quase
desaparecimento na dcada de 1980, apesar da reabertura poltica e da consequente liberdade
de imprensa garantida na Constituio de 1988 (KUCINSKI, 1991).
A imprensa alternativa retornou timidamente com a revista Caros Amigos em 1997,
mas mesmo assim um marco positivo de retomada (FERREIRA FILHO, 2004). Entretanto,
esses peridicos, assim como os ainda existentes de organizaes e partidos polticos, tm
alcance fsico limitado de distribuio e acesso em todo o pas.
Com a difuso da internet na virada do sculo, novas possibilidades de produo de
mdia surgiram e, consequentemente, novas possibilidades de produo de contedo
jornalstico alternativo: alm das mais diversas formas de comunicao direta entre duas ou
mais (e cada vez mais) pessoas ao mesmo tempo para todo tipo de assunto cotidiano, ainternet vem se tornando tambm uma importante ferramenta para ao poltica. Inicialmente
com maior nfase no hemisfrio norte e atualmente com a expanso contnua da rede que
ultrapassa dois bilhes de pessoas no mundo5 cresce em relevncia o papel da internet na
participao poltica, assim como se multiplicam as possibilidades de obter informao
atravs de outros canais alternativos aos meios de comunicao tradicionais.
Nas eleies brasileiras de 2006, a febre dos blogs de poltica (AUD et al., 2006)
multiplicou os canais de informao na internet, mas trouxe consigo olhares desconfiados docampo jornalstico at o campo acadmico, assim como a emergente mdia alternativa em
rede. Dentre as dvidas, destacam-se aquelas relacionadas qualidade e credibilidade do
contedo veiculado e de seus respectivos produtores (HINDMAN, 2009) e a eficincia em
promover a reflexo e o debate poltico, ao invs simplesmente reproduzir a doxa e pregar
para convertidos (NORRIS, 2001b).
Em parte, estes argumentos esto corretos, em parte, no. Passada a febre, muitos
blogs que abordavam temas polticos parecem ter perdido relevncia. Entretanto, com aorganizao de blogosferas que produzem contedo e colaboram entre si, alguns grupos
ganharam relevncia e parecem ter encontrado um lugar ao sol, principalmente pela
credibilidade conquistada e compartilhada entre blogueiros e leitores. No que diz respeito ao
debate, se os blogs ainda apresentam pouco debate nos comentrios que, geralmente so
alinhados aos blogueiros, por outro lado possibilitam a um pblico incrdulo canais
alternativos de informao alm da grande mdia, ou seja, nem toda blogosfera inova e
reproduz, pregando para convertidos, mas algumas ocuparam um espao vago, para um
5 Disponvel em Acesso em 13/04/2013.
http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.htmlhttp://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/onu-diz-que-2-bilhoes-de-pessoas-acessam-a-web-20110126.html -
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pblico vido por heresia.
Assim, na blogosfera possvel encontrar contedos novos e diversificados daqueles
produzidos pela grande mdia, com temas ocultados ou tratados de modo superficial pelo
jornalismo tradicional, chegando at em alguns casos a produzir contedo que questiona o
contedo produzido pela grande mdia, travando uma luta simblica que, alm de produzir um
contedo diferenciado promove um processo de transferncia de credibilidade na medida em
que desconstri uma informao da grande mdia com a produo de uma contrainformao
qualificada.
Os convertidos no ficaram sem seus pastores, pois a maior parte da mdia
tradicional j se reconfigurou para atender a demanda na internet: jornais, revistas e canais de
televiso criaram seus espaos de difuso de contedo na rede, aumentaram seu capitalhumano para dar conta de noticiar em tempo real, apesar de algumas empresas, especialmente
de mdia impressa, enfrentarem crises em funo do atraso e/ou da m qualidade de adaptao
internet. Ainda assim, no que diz respeito ao jornalismo poltico, destacam-se os jornalistas
conhecidos nas mdias tradicionais que ampliaram sua influncia atravs da manuteno de
blogs com informaes polticas frequentes, tais como Ricardo Noblat, Josias de Souza e
Kennedy Alencar, para citar alguns bem conhecidos vinculados grande mdia.
Com seus mais diversos formatos que vo desde meios de divulgao de boletinsinstitucionais at a extenso do espao de publicao de comentrios por parte de colunistas
de grandes meios de comunicao de massa, o blog tambm foi apropriado por jornalistas
independentes para questionar o que eles denominam de grande mdia: jornalistas conhecidos
pelos trabalhos nos grandes meios de comunicao tradicional passaram a publicar e manter
blogs sem vnculo empregatcio com qualquer empresa de mdia, publicando contedo de
autoria prpria ou em colaborao com outros blogueiros e leitores, sendo eles seus prprios
gatekeepers e orientadores polticos de seus respectivos blogs.Dentre vrios jornalistas-blogueiros esto: Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos
Azenha e Rodrigo Vianna que atualmente so funcionrios da TV Record, mas que mantm
blogs independentes na internet colaborando para a reestruturao de uma mdia alternativa
em rede. Os blogueiros produzem contedo poltico de temas no abordados pela grande
mdia, alm de travar lutas simblicas diretas em alguns casos especficos em que so
veiculados escndalos polticos miditicos pela grande mdia: quando a esta produz uma
informao poltica com o objetivo de prejudicar determinado agente ou grupo poltico
(geralmente apoiado pelos blogueiros), eles entram em ao atravs de uma investigao
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paralela do caso que culmina na produo de contrainformao poltica, que tem como
objetivo desconstruir a informao anterior, denunciando os objetivos e alinhamentos
polticos da mdia tradicional, que se coloca como objetiva e neutra, ao contrrio dos
blogueiros.
Assim, os jornalistas viraram protagonistas na blogosfera, pois seus blogs geralmente
so os mais acessados e as mensagens produzidas por eles ganham mais repercusso na rede,
em funo a legitimidade dada por aquilo que Bourdieu chama de monoplio dos
profissionais, isto , o poder simblico que legitima o que o agente especializado produz
(BOURDIEU, 1997).
No dia 24 de novembro de 2010 ocorreu o que talvez seja at o momento o
reconhecimento poltico mais importante para o jornalismo produzido na blogosfera: o aindapresidente Lula recebeu no Palcio do Planalto alguns blogueiros progressistase concedeu a
primeira entrevista coletiva exclusiva com durao de duas horas. Deste modo, estava
completo o abrupto reconhecimento: dos adversrios, mas tambm dos aliados.
As novas possibilidades de utilizao da internet para fins polticos parecem ir alm:
ao redor do mundo mobilizaes sociais organizadas atravs da rede, principalmente a partir
de 2011 quando a primavera rabe contribuiu para questionamentos e mudanas de governos,
os indignados espanhis protestaram contra a inrcia administrativa do PP e PSOE que sealternam frente do pas e que no apresentaram alternativas para o pas superar a crise
financeira cada vez mais agravada e os ocupadores de praas pblicas e dos grandes centros
financeiros mundial, novos atores polticos ocuparam o espao poltico. Em comum, estes
movimentos utilizaram novas ferramentas de comunicao e interao para se organizar e agir
politicamente: no foram os partidos polticos, os sindicatos ou os movimentos sociais de
outrora, mas sim a ao direta organizada e conduzida atravs da internet.
Os dispositivos para produzir contedo na internet so variados, tais como redessociais, e-mails, fruns e blogs pelos quais agentes sociais se organizam para aes coletivas,
mas tambm produz informao alternativa, em casos especficos, a contrainformao. Eles
tambm driblam censuras, fortaleceram laos em rede e, em aes mais extremas, se
organizam e ocupam ruas e praas para lutar pelos seus interesses comuns dentro de seus
contextos, desde a necessidade de conduzir a queda de regimes, contestao dos modelos
ditos democrticos vigentes, o abuso de poder de foras policiais, a falta de representatividade
dos partidos polticos atuais, a crtica direta ao que consideram irresponsabilidade
especulativa do sistema financeiro at, para ser mais pontual, o resgate do simples direito de
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protestar. Estes e outros recentes movimentos mostram empiricamente as novas e variadas
possibilidades de comunicao atravs da internet. E o mais importante para este trabalho, as
possibilidades de conseguir visibilidade para fins polticos atravs desta nova forma de
interao de caractersticas mais completas e de rpida expanso por todo o mundo.
Da mesma forma, agentes e grupos passaram a utilizar blogs e stios na internet para
produzir informao alternativa e contrainformao poltica, sendo esta ltima o grande
interesse de investigao deste trabalho.
Assim, o objetivo deste trabalho verificar se os blogs polticos de jornalistas
independentes na rede so eficazes na produo de contrainformao poltica acerca de
informaes polticas produzidas pelos meios de comunicao tradicionais, atravs de
interao com outros blogueiros e tambm leitores, para isso ser estudado a atuao dosblogueiros Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha e Rodrigo Vianna, ligados ao grupo
dos blogueiros progressistas, durante os escndalos polticos conhecidos como o (i) caso da
quebra de sigilo, (ii) caso Erenice Guerra e (iii) caso da bolinha de papel envolvendo
direta ou indiretamente a ento candidata Dilma Rousseff, durante o perodo da campanha
presidencial de 2010.
A hiptese inicial de que existe uma ao poltica dos blogueiros que pode ser
classificada de contrainformao poltica, cujo objetivo questionar determinadasinformaes produzidas pela grande mdia. Nas eleies 2010, a produo de
contrainformao poltica se concentrou principalmente na contestao dos escndalos
polticos miditicos acima descritos.
A segunda hiptese que a atuao de jornalistas profissionais na produo de
contrainformao pode aumentar a visibilidade em razo do capital simblico acumulado por
eles, ou seja, o jornalista tem o poder dar maior legitimidade a determinada contrainformao
poltica.
A dissertao est dividida em duas partes, com dois captulos em cada. A primeira
parte de referencial terico. No primeiro, o mais denso e extenso captulo, o objetivo
debater o referencial terico-conceitual de construo e localizao do objeto desta pesquisa.
Para tanto, apresentada a compreenso da sociedade contempornea partindo da estruturao
de Gramsci, compreendendo a sociedade como uma estrutura conduzida por uma hegemonia
que precisa reproduzir-se ideologicamente para promover sua manuteno, com os meios de
comunicao tradicionais desempenhando um papel central nesta dinmica atravs da
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produo de formas simblicas.
Os campos sociais tm estruturas e regras de funcionamento especficas, mas no
esto isolados, isto , qualquer campo social tem regras internas que so constitudas atravs
das relaes hierarquizadas e legitimadas a partir de referncias internas, mas tambm
externas, gerando o habitus do campo. Neste trabalho, como j dito, o campo econmico,
poltico e jornalstico tm relaes mtuas de interdependncia e conflito especficos, que
tambm busco compreender o tema central deste trabalho, a visibilidade, importante tanto
para os agentes polticos quanto para os agentes jornalsticos na relao destes com o restante
da sociedade, bem como a compreenso da contrainformao poltica produzida por estes
meios. Alm do jornalismo hegemnico, busco compreender o lugar dos contra-hegemnicos
e alternativos nos campos sociais. Em seguida, apresento o processo de produo da notcia,em especial a notcia poltica pelos meios de comunicao atravs dos processos de
midiatizao e espetacularizao do que se quer informar.
Por fim, ainda no captulo I, busco compreender os escndalos polticos miditicos,
consolidados com o Watergate e que se multiplicam e se espalham globalmente com a
internet. Nos ltimos anos os escndalos so produzidos com grande frequncia nos meios de
comunicao tradicionais no Brasil e colaboraram para a renncia do primeiro presidente
eleito ps-ditadura, prejudicou a imagem e minou a carreira poltica de outros tantos polticos,passando a ser protagonista no jornalismo poltico contemporneo.
A relao entre jornalismo, poltica e internet o tema central do captulo II. Nele
buscarei debater a apropriao da internet pela poltica e os respectivos estudos acerca das
mais diversas formas de ao, especialmente o jornalismo alternativo digital que se apropria
dos dispositivos e do espao da internet para se reestruturar e se consolidar, tais como as
experincias da blogosfera, a partir da apropriao de blogs por jornalistas e agentes sociais e
a distino entre blogs e blogosferas institucionais e alternativas.A segunda parte dedicada s eleies 2010. No terceiro captulo so debatidas
algumas pesquisas acerca do papel da mdia nas eleies 2010, desde os principais temas at
os mais polmicos como a ficha falsa de Rousseff publicada na capa daFolhae as discusses
em torno da questo do aborto, tratado muito mais como uma questo moral do que de sade
pblica por grupos conservadores, religiosos, mas tambm pelos candidatos e familiares,
passando pelo enquadramento e cobertura dos principais candidatos presidncia, alm da
relevncia da blogosfera durante a campanha.
A pesquisa emprica apresentada no quarto e ltimo captulo. A metodologia da
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pesquisa em blogs de poltica (SANTOS et al., 2009) apresentada juntamente com as
adaptaes e inseres realizadas em razo das necessidades trazidas durante o processo de
pesquisa. Com um total de 157 mensagens coletadas e analisadas, mais os comentrios
correspondentes a cada mensagem, o objetivo apresentar detalhadamente a
contrainformao produzida pelos blogueiros, os enquadramentos utilizados, a receptividade e
interao dos leitores e a rede colaborativa envolvida no processo de produo de difuso das
mensagens.
Por fim, as consideraes finais deste trabalho esboam uma autoanlise do trabalho
em geral, a eficincia da base conceitual, da metodologia, bem como a anlise dos resultados.
Algumas consideraes, entretanto, buscam ir um pouco alm da produo de
contrainformao poltica dos blogs, buscando levantar algumas questes acerca daconjuntura contempornea, possibilidades e desafios que a mdia alternativa emergente na
internet, especialmente a blogosfera, tem de enfrentar dentro e fora da rede.
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comunicao e o restante desempenham hoje um papel mais central noprocesso de controle social. (EAGLETON in ZIZEK, 2009, p. 198).
Deste modo, a estrutura como um todo deve agir para que a sociedade consinta a
manuteno da hegemonia dominante, isto , da cultura vigente. Ademais, necessrio que a
hegemonia seja renovada, recriada, defendida e modificada (LIMA in RUBIM, 2004, p.
12), sendo os meios de comunicao agentes importantes nos processo de legitimao de
manuteno dostatus quo.
A sociedade civil composta por diversos grupos e instituies organizados, tais como
igrejas, partidos polticos, movimentos sociais e meios de comunicao de massas que,
internamente, mantm estruturas hegemnicas ou dominantes em seus respectivos meios de
reproduo e influncia.
Entretanto, em todas as instncias h algum tipo de resistncia que gera alteraes e
at ruptura, que se manifestam atravs da contra-hegemonia ou da hegemonia alternativa
(LIMA in RUBIM, 2004). Um processo contra-hegemnico ou alternativo, na viso
gramsciana, deve se apropriar dos espaos e modelos hegemnicos para fazer-se
compreensvel e, consequentemente, conseguir mudanas radicais na sociedade. Portanto, a
relao entre as diversas instituies ambgua, de interdependncia, mas tambm de
competio, conflito e apropriao das instituies hegemnicas e de suas formas para ao
mesmo tempo combat-la e/ou propor novos formatos para ela (EAGLETON, 1997).
A construo do conceito de hegemonia ocorre a partir da luta de classes, ou seja, a
hegemonia a forma que a classe dominante (burguesia) exerce seu poder sobre as classes
subalternas. Seu limite est em seu jogo de soma zero: os indivduos das classes subalternas
recebem a cultura hegemnica passivamente ou, ao contrrio, rompe com ela. Mas a prpria
possibilidade do alternativo abre espao para a ao do indivduo, logo, no somente a
resistncia, mas tambm a reproduo das prticas sociais ocorre a partir de aes dos sujeitosenvolvidos em determinada ao que, se no conseguem uma ruptura com a hegemonia
dominante, consegue alteraes relativas, que podem ser mais ou menos relevantes de acordo
com o contexto em questo.
Estas aes podem ser mais bem compreendidas a partir de uma investigao
intrainstitucional, isto , as instituies e grupos possuem estruturas internas que funcionam a
partir de leis e regras pr-estabelecidas e que distribuem os agentes e permite que estes se
redistribuam em diversas posies, mantendo ou alterando o espao e as regras imanentes.Estes espaos so campos sociais, na formulao de Pierre Bourdieu, onde o espao particular
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tem uma singularidade e se relaciona com os demais. Na anlise bourdiana os indivduos so
mais ativos nos processos de legitimao e manuteno da hegemonia atravs de aes e
escolhas cotidianas que influenciam diretamente nos espaos em que se relacionam e nos
demais com os quais se inter-relacionam.
1.2. Campos sociais: campo econmico, campo poltico, campo jornalstico e habitus
1.2.1. Conceitos de campo social e habitus
De acordo com Bourdieu, um campo social pode ser compreendido como
(...) um espao multidimensional de posies tal que qualquer posio atualpode ser definida em funo de um sistema multidimensional decoordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variveispertinentes: os agentes distribuem-se assim nele, na primeira dimenso,segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimenso,segundo a composio do seu capital quer dizer, segundo o peso relativodas diferentes espcies no conjunto das suas posses. (BOURDIEU, 2011, p.135).
Cada campo social um microcosmo que, em sua especificidade um sistema de
relaes objetivas que determina o lugar que cabe a cada indivduo que a includo, que
estabelece cada posio, quanto cada um vale, representa e acumula prestgio e
reconhecimento (GOMES, 2004, p. 53). Internamente um campo possui posies desiguais e
hierrquicas em que os indivduos so distribudos a partir de lutas com leis e regras
especficas e que todos tm conhecimento prvio e as assimila para dar sentidos as suas aes
orientadas para fins prprios. Trata-se de uma parte do social com leis prprias que orientam a
ao dos indivduos.
Para Bourdieu (1996), os indivduos devem ser compreendidos como agentes, isto ,
sujeitos que agem, lutam por seus interesses. Os agentes esto distribudos em um
determinado campo a partir de suas posies relativas, que determinada pela distino
(hierarquias) dos agentes atravs do capital social distribudo e incorporado por cada um; este
capital no somente ou necessariamente financeiro, mas tambm pode ser capital cultural,
poltico, jornalstico, simblico etc. A obteno de capital ocorre em diversos campos que no
somente o de atuao mais efetiva do agente: atravs da famlia, da escola, da classe social, da
religio etc. A relao entre os agentes complexa, tal como entre os campos (instituies), hinterdependncia, competio, luta e, obviamente, resistncia.
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Assim, da dialtica entre campo(s) e sujeito surge o que Bourdieu classifica como
habitus, que pode ser compreendido como um
(...) sistema de disposies [durveis] adquiridas pela aprendizagemimplcita ou explcita que funciona como um sistema de esquemas geradores, gerador de estratgias que podem ser objectivamente em conformidadecom os interesses objectivos dos seus autores sem terem sido expressamenteconcebidas para esse fim. (BOURDIEU, 2004, p. 125).
A internalizao de regras especficas pelos agentes geram prticas particulares que
podem ser racionais ou no, mas sempre imanentes, e que mediam as lutas para se ocupar
espaos privilegiados em um campo determinado. Desta forma,
(...) o habitus , com efeito, princpio gerador de prticas objetivamenteclassificveis e, ao mesmo tempo, sistema de classificao (pricipiumdivisionis) de tais prticas. Na relao entre as duas capacidades que definemo habitus, ou seja, capacidade de produzir prticas e obras classificveis,alm da capacidade de diferenciar essas prticas e esses produtos (gosto), que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espao dos estilosde vida. (BOURDIEU, 2007, p. 162) (grifos do autor).
() [so] sistemas de disposies durveis, estruturas estruturadaspredispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto , como
princpio gerador e estruturador das prticas e das representaes que podemser objetivamente reguladas e regulares sem ser o produto de obedinciaa regras, objetivamente adaptadas ao seu fim sem supor a intenoconsciente dos fins e o domnio expresso das operaes necessrias paraatingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da aoorganizadora de um maestro. (BOURDIEU, 1983, p. 60-61)
O habitus uma estrutura estruturada que antecede o sujeito, mas tambm estrutura
estruturante, que modificada constantemente a partir das aes humanas, isto , a partir das
lutas pela conservao e/ou transformao da configurao das relaes de fora. De acordo
com Setton:
Pensar a relao entre indivduo e sociedade com base na categoria habitusimplica afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo sosimultaneamente sociais e coletivamente orquestrados. O habitus umasubjetividade socializada (Bourdieu, 1992, p. 101). Dessa forma, deve servisto como um conjunto de esquemas de percepo, apropriao e ao que experimentado e posto em prtica, tendo em vista que as conjunturas de umcampo o estimulam. (SETTON, 2002, p. 63).
Em suma, o habituspode ser considerado a predisposio do indivduo para ao, suasreferncias para agir dentro de um contexto especfico, adquiridas ao longo de sua vida social,
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o que lhe possibilita desenvolver estratgias de ao em um determinado contexto.
Alm da obteno de espao privilegiado no campo, os agentes mais antigos procuram
conservar o habitusvigente, enquanto os mais novos tendem a tentar alter-lo (BOURDIEU,
1997). Assim, o indivduo com maior conhecimento das regras e com maior quantidade de
capitais incorporados determinantes dentro do campo especfico, teria melhores condies
para ocupar posies de maior destaque na hierarquia deste campo de forma legtima. Em
uma palavra, quanto mais capital, mais poder; quanto mais poder, mais autonomia para agir e
para agregar valor, o capital social. E isso socialmente aceito tacitamente, ou seja, no
necessrio ser enunciado para ser legitimado, naturalizado. Deste modo,
A dialtica das condies e dos habitus o fundamento da alquimia quetransforma a distribuio do capital, balano de uma relao de foras, emsistemas de diferenas percebidas, de propriedades distintivas, ou seja, emdistribuio de capital simblico, capital legtimo, irreconhecvel sem suaverdade objetiva. (BOURDIEU, 2007, 164).
A consequncia que um campo social distribui internamente os seus agentes e
legitima os seus representantes externos (jogadores) que travam as disputas atravs da ao
com os representantes dos outros campos sociais tambm legitimados como representantes
destes e, por outro lado, protege seu campo da influncia de profanos e a arena de disputade jogadores extraordinrios, aventureiros sem legitimidade para disputar o jogo em
questo, pois em todos os campos, os profissionais so os detentores do monoplio da ao
(BOURDIEU, 1996; 2011). Tudo isso baseado na crena de que se assim, legtimo, por
mrito.
Quando falamos de poltica, possvel compreender os meios de comunicao como
palco e objeto privilegiado das disputas pelo poder poltico na contemporaneidade (LIMA,
2001, p. 176) e a relao entre o campo econmico, poltico e jornalstico se apresentam comodas mais intensas: primeiro pela interdependncia, segundo pela luta pelo capital que parece
ser o mais precioso para a manuteno do poder: o capital simblico aquele que legitima a
verdade, uma viso de mundo. Assim, possvel compreender as lutas entre os campos
como lutas simblicas. Da mesma forma ocorre internamente nos campos, isto , lutas
simblicas entre empresas de mdia, entre profissionais e mdia, mas tambm entre empresas e
profissionais, tal como o caso dos trs jornalistas-blogueiros abordados neste trabalho que
enfrentam grandes meios de comunicao desenvolvendo com outros agentes meios de
comunicao alternativos que produzem contedo diferente daquele produzido pela grande
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mdia, priorizando temas no abordados ou desprezados pelo mainstream, mas tambm
atravs da produo daquilo que ser abordado neste trabalho como contrainformao
poltica.
Para compreender melhor como so possveis estas lutas, necessrio compreender o
que o poder simblico que permite a luta entre agentes e os trs campos envolvidos
diretamente neste trabalho, de forma mais especfica e aprofundada e tecer as relaes entre
ambos.
1.2.2. Poder simblico, campo econmico, campo poltico e campo jornalstico
1.2.2.1. A matria prima: o poder simblico
Nos campos sociais os agentes precisam vender a sua verdadepara ocupar lugares
privilegiados em seu campo especfico e na sociedade como um todo. O empresrio precisa
convencer e contribuir para legitimar aes polticas e econmicas que tragam benefcios para
si, mas tambm para o mercado. Um jornalista precisa convencer os seus espectadores que a
narrao que constri acerca de determinado fato fiel ao que realmente ocorreu em
determinada situao. O poltico por sua vez, precisa convencer os eleitores de que ele amelhor pessoa para conduzir a sociedade. Em todos os casos, os agentes com mais
credibilidade so aqueles que tm maior quantidade de poder simblico acumulado,
geralmente pela sua posio dentro do campo.
Assim, de acordo com Bourdieu o poder simblico seria
Um poder de construo da realidade que tende a estabelecer uma ordemgnosiolgica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo
social). (...) Os smbolos so por excelncia da integrao social: enquantoinstrumentos de conhecimento e de comunicao (...), eles tornam possvel oconsensus acerca do sentido do mundo social que contribuifundamentalmente para a reproduo da ordem social: a integrao lgica a condio da integrao moral (BOURDIEU, 2011, p. 9-10).
Segundo John B. Thompson (2011), a origem do poder simblico est na produo
transmisso e recepo do significado das formas simblicas (Ibidem, p. 42) que, com o
advento dos meios de comunicao, alguns agentes passaram a utilizar os mais variados
recursos disponveis para construir suas formas simblicas.
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Apesar de reconhecer o campo econmico como autnomo e a teoria econmica como
consequncia em parte desta autonomia, Bourdieu (2005) prope uma reinsero da economia
no social (RAUD, 2007), isto , assim como os demais campos o econmico tambm est em
constante inter-relao e interdependncia com os demais campos sociais.
Segundo Bourdieu, o campo econmico se distingue dos outros campos pelo fato de
que as sanes so especialmente brutais e que as condutas podem se atribuir publicamente
como fim a busca aberta da maximizao do lucro material individual (BOURDIEU, 2005,
p. 22), mas isso no quer dizer que todas as relaes de trocas possam ser reduzidas ao
comrcio de mercadorias comprveis. Assim, as trocas no so meramente econmicas, mas
contm outras influncias e referncias extracampo, ou seja, so dependentes de uma histria
anterior que orienta determinada ao econmica que pode ser poltica, escolstica, religiosaetc.
A dinmica do campo econmico orientada pelas relaes de transao entre
produtores e clientes e as relaes de concorrncia internas ao campo econmico (RAUD,
2007, p. 213). Assim, a tendncia que os maiores grupos criem barreiras contra grupos
novos e/ou menores a fim de manter a posio privilegiada no campo. Desta forma
conseguem se proteger dos fatores de mudanas dentro do campo, que podem variar desde
inovao que possibilite a ascenso de grupos antes dominados, a diviso em vriossubcampos at o surgimento de um novo campo que supere a dominao anterior, como no
caso da informtica e das telecomunicaes (RAUD, 2007, p. 213) (grifo do autor).
Porm, Bourdieu (2005) chama a ateno para a interao que considera a mais
importante para o campo econmico, a interao com o campo poltico:
A competio entre as empresas assume frequentemente a forma de umacompetio para o poder sobre o poder do Estado, - notadamente, sobre o
poder de regulamentao e sobre os direitos de propriedade e para asvantagens asseguradas pelas diferentes intervenes do Estado, tarifaspreferenciais, patentes, regulamentos, crditos para pesquisa-desenvolvimento, compras pblicas de equipamento, ajudas para a criaode emprego, inovao, modernizao, exportao, habitao, etc.(BOURDIEU, 2005, p. 40).
Ou seja, o campo econmico no tem vida prpria independente dos outros campos,
especialmente, do campo poltico, do Estado. Aqui cabe lembrar tambm que o campo
jornalstico formado por empresas de mdia que concentram diversos meios de comunicao
e que, consequentemente, tem interesses claros na relao com o campo poltico, tais como
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conseguir eleger aqueles grupos que mais lhe tragam benefcios polticos, mas tambm
econmicos atravs da manuteno de concesses pblicas, incentivos fiscais e,
principalmente financeiro, atravs da veiculao de propagandas governamentais e empresas
estatais e tambm com a obteno de produtos destas empresas atravs de assinaturas ou
compra de direitos autorais.
1.2.2.3. Campo poltico
Dentro da estrutura hegemnica contempornea no Brasil, a anlise bourdiana se
apresenta como aquela considerada ideal para este trabalho. Com o objetivo de compreender o
campo poltico nas sociedades liberais-democrticas, tais como o sistema poltico francs desua poca, Pierre Bourdieu considera que,
Entendido ao mesmo tempo como campo de foras e como campo das lutasque tm em vista transformar a relao de foras que confere a este campo asua estrutura (...) [o campo poltico ] o lugar em que se geram, naconcorrncia entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtospolticos, problemas, programas, anlises, comentrios, conceitos,acontecimentos, entre os quais os cidados comuns, reduzidos ao estatuto deconsumidores, devem escolher, com possibilidades de mal-entendidos
tanto maiores quanto mais afastados esto do lugar de produo.(BOURDIEU, 1996, p. 163-164).
O campo de atuao dos agentes do campo poltico so as instituies do Estado
institudo, mais especificamente, os poderes legislativo (no Brasil, Senado e Congresso no
mbito federal, Assembleias Legislativas estaduais e Cmara dos Vereadores municipais) e
executivo (Presidncia e Ministrios no mbito federal, Governo e secretarias estaduais, alm
das Prefeituras e secretarias municipais). O judicirio outro campo autnomo, o campo
jurdico. Os detentores do monoplio, os polticos, so alados posio de representantes
pelos grupos de interesses, a partir do reconhecimento (reputao e qualidades especficas
tcitas) e podem ter origens variadas: representantes de classes, sindicalistas, empresrios,
profissionais liberais, lderes religiosos etc.; inclusive representantes do campo jornalstico
e/ou dos meios de comunicao em geral. Segundo Bourdieu, o representante :
o porta-voz dotado do pleno poder de falar e de agir em nome do grupo e,em primeiro lugar, sobre o grupo pela magia da palavra de ordem, osubstituto do grupo que somente por esta procurao existe; personificaode uma pessoa fictcia, de uma fico social, ele faz sair do estado de
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indivduos separados os que ele pretende representar, premitindo-lhes agir efalar, atravs dele, como um s homem. Em contrapartida, ele recebe odireito de se assumir pelo grupo, de falar e de agir como fosse o grupo feitohomem. (BOURDIEU, 2011, p. 158).
So os representantes os lutadores simblicos, os agentes politicamente ativos que
competem entre si para vender a melhor viso de mundo para o todo da sociedade,
composta pelos agentes politicamente passivos, a partir da concesso da representao para
os representantes, consentida como legtima. Bourdieu ainda acrescenta:
O capital poltico uma forma de capital simblico, crdito firmadona crena e no reconhecimento ou, mais precisamente, nas inmeras
operaes de crditos pelas quais os agentes conferem a uma pessoa (...). Opoder simblico um poder que aquele que lhe est sujeito d quele que oexerce, um crdito com que ele o credita, uma fides, uma auctoritas, que lheconfia pondo nele a sua confiana. (BOURDIEU, 2011, p. 188) (grifos doautor).
A posio dos agentes dentro do campo varivel de acordo com a acumulao de
poder simblico ou capital social acumulado, assim como nos outros campos sociais. No caso
brasileiro possvel identificar a variedade de alinhamentos e lutas entre os agentes polticos
que ocorrem alm da associao partidria, com o posicionamento nas bases aliadas ou
oposicionistas, adeso a determinados grupos de interesses (as bancadas) e a luta simblica
com outros grupos de acordo com a pauta em questo. Deste modo, funo do agente poltico
parece ser difundir as ideias do seu(s) grupo(s) representado(s), fazendo com que estas sejam
aceitas pela maioria da sociedade que ocorre geralmente atravs dos meios de comunicao de
massas: aqui est instituda a relao entre o campo poltico e jornalstico e entre seus agentes.
1.2.2.4. Campo jornalstico
Assim como a abordagem dos campos econmico e poltico, o compreenso bourdiana
parece ser a mais adequada para compreender o campo jornalstico contemporneo:
Um espao social onde se busca, controla e distribui um recurso ou valorespecfico em funo do qual as prticas e representaes se ordenam comoum sistema. Esse recurso fundamental e especfico est relacionado autoridade jornalstica e comporta prestgio, reconhecimento, fama,celebridade, lugar de fala. Como tal, o jornalismo representa uma formaimanente de controle e distribuio de poder material e simblico e, aomesmo tempo, caracteriza-se como um sistema de conflito na busca,
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controle e distribuio do capital simblico do campo. (GOMES, 2004, p.53).
Segundo Bourdieu (1997) a estrutura do campo jornalstico pode ser compreendida a
partir de dois tipos de legitimao opostos: o reconhecimento comercial e o reconhecimento
dos pares. O reconhecimento comercial baseado na quantidade de receptores (leitores ou
espectadores, dependendo do veculo) que consequentemente gera lucro em dinheiro a partir
da compra de contedo miditico que gera a audincia mdia que tem como consequncia
uma maior vitrine para anunciantes que compram espaos ou tempos para anunciar produtos.
O reconhecimento dos pares concedido a atravs de respeito baseado em valores ou
princpios internos que geram a reputaopositiva ou negativado agente.
A distino entre os diversos meios de comunicao geralmente ocorre pelo contedo,
isto , baseado no principal produto do jornal, sejam notcias de poltica, esportes, notcias de
celebridades, indstria cultural etc.
Da mesma forma que os outros campos, o campo jornalstico seria
(...) uma arena de luta concorrencial pela autoridade jornalstica, pelaacumulao do capital jornalstico que d ao seu portador individual ouinstitucional a competncia jornalstica. A autoridade jornalstica o
equivalente da credibilidade, s que voltada para dentro do campo e no paraos consumidores e assinantes muito embora a credibilidade sirva paraalimentar a autoridade e vice-versa. Acumulada ao mximo, assegura ao seudetentor um poder sobre a prpria estrutura e mecanismos constitutivos dojornalismo o poder de definir as regras do jogo. Em suma, disputa-se,juntamente com o prestgio, as estruturas das regras da disputa do prestgio.(...) A competncia jornalstica (...) a capacidade de falar e agir de maneiraautorizada e com autoridade. (GOMES, 2004, p. 54).
Complementando definio de Gomes, h de se considerar que o valor simblico da
credibilidade jornalstica tambm legitimador para agentes e assinantes, assim como para
outros campos sociais. Para os agentes consumidores dos produtos jornalsticos, consumir o
produto de As ou Bs, passa pela compreenso de que uns so mais confiveis do que os
demais; a responsvel pela crena de que estes meios esto lhe informando o verdadeiro
estado das coisas. Trata-se aqui do processo de legitimao do que Bourdieu denomina de
doxa, isto , algo que as pessoas acreditam ser, pela falta de saber ante aqueles que acreditam
ter este (dom de) saber (BOURDIEU et. al. 2010). Em uma palavra, o senso comum.
Os outros campos sociais tambm reconhecem determinados agentes e empresas de
jornalismos como mais legtimos, baseados em seus interesses especficos. Deste modo, a
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retribuio do reconhecimento pode ocorrer com a veiculao de propagandas e/ou a
reproduo do contedo produzido por determinado jornalista ou empresa de mdia.
Desta forma, polticos e jornalistas tm posies privilegiadas para produzir vises de
mundo (ortodoxia): de um lado, o representante legitimado pelo voto, que recebe o poder de
representar determinado grupo a partir do consenso com o representado desenvolvido a partir
da recepo e legitimao das formas simblicas, isto , o representado opta por conceder a
determinado poltico legislar a seu favor, mediante a identificao com a viso de mundo
deste. Por outro lado, o jornalista o agente legitimado para apresentar a informao, o
feedback, a resenha da ao do poltico, a partir do seu ponto de vista acerca da poltica e de
seus agentes.
Porm, Bourdieu chama a ateno para a vulnerabilidade do agente poltico suspeitas, calnias e escndalos que podem desconstruir a crena que o legitima,
(...) faz com o que o homem poltico esteja comprometido com o jornalista,detentor de um poder sobre os instrumentos de grande difuso que lhe d umpoder sobre toda a espcie de capital simblico (o poder de fazer oudesfazer reputaes, de que o caso Watergate deu uma mediada [verescndalos polticos miditicos]). (BOURDIEU, 2011, p. 190, nota 31).
Deste modo, o campo jornalstico parece ter alguma vantagem em relao aos outroscampos sociais na construo das vises de mundo contemporneas e, certamente, com o
advento da internet, cada vez mais. Enquanto o primeiro, baseado no seu ethosprofissional de
informar a verdade (principal caracterstica do jornalismo investigativo), de ser o defensor dos
interesses do pblico etc. aumenta sua credibilidade ao denunciar casos de corrupo, trfico
de influncias, desvios morais etc.
Entretanto, esta relao no to simples e determinada, mas ao contrrio, bastante
complexa. Segundo Lus Felipe Miguel (2002), os campos da mdia e da poltica estointerligados, exercem influncia entre si, mas ainda assim, ambos guardam certo grau de
dependncia. Porm, a dependncia varivel, dependendo da posio e do capital acumulado
dos agentes envolvidos em uma determinada relao.
Geralmente os agentes de ambos os campos necessitam ter relaes prximas que
gerem benefcios para ambos. Assim, polticos e jornalistas desenvolvem e mantm relaes
prximas para a viabilidade de interesses de um pelo outro. So polticos que podem dar
informaes privilegiadas acerca de um acontecimento importante para os jornalistas, os
chamados furos de reportagem, que permite que este se antecipe aos outros jornalistas,
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agregando capital simblico e tambm econmico sua imagem. Por outro lado, os jornalistas
tm o controle da visibilidade e da agenda, escolhendo aquilo que noticivel ou no
(MIGUEL, 2002). Logo, determinado jornalista privilegia noticiar determinados polticos,
seus respectivos grupos e agenda positivamente, em detrimento de outros, que aparecem mais
negativamente, pouco aparecem ou sequer tm qualquer espao para pautar a agenda poltica,
sendo obrigados a forjar aes espetaculares para adentrar ao campo jornalstico:
Aqueles que esto situados na periferia dos agentes no campo poltico (...)so mais fortemente constrangidos a introjetar os critrios miditicos deapreciao da realidade e procurar a ao espetacular, como forma de rompera cortina da indiferena, e assim, incluir um novo item na agenda pblica. Jos que ocupam as posies centrais do campo poltico podem esperar uma
ateno mais ou menos constante dos meios de comunicao para seus atos epalavras, o que significa a possibilidade de alcanar destaque com dispndiode esforo bastante menor. (MIGUEL, 2002, p. 172).
Deste modo, o campo jornalstico contribui para a fixao de um campo poltico
centrado em si mesmo, ou seja, orientado pela disputa do poder entre os agentes inseridos no
campo, os parlamentares, governantes e lderes partidrios, dificultando o surgimento de
novos agentes e da insero de mais questes polticas alm do estabelecido. Em poucas
palavras, quanto menor o capital poltico acumulado, maior a dependncia da mdia
(MIGUEL, 2002).
Ademais, nesta interpendncia em relao apresentada por Miguel (2002) de sua
forma mais complexa, quando tambm chama ateno para a problemtica de que o campo
jornalstico , em grande medida, dependente do campo econmico, do qual incorpora
objetivos deste campo. Do mesmo modo, o campo poltico que, influenciado por lobby e
financiamento de campanha orienta muitas de suas aes prticas para a manuteno dos
interesses do campo econmico. Assim, o campo hegemnico se fecha em torno de si mesmo,
relegando os agentes periferia e com necessidade de buscar formas prprias de fazer poltica
e de obter visibilidade alm da mdia tradicional. Esta periferia onde se localiza os campos
contra-hegemnico e alternativo.
1.3. Contra-hegemonia e hegemonia alternativa
Compreendida a estrutura e dinmica social que contribui para a manuteno da
hegemonia em uma determinada sociedade, cabe agora identificar aqueles grupos que dealguma forma buscam novas formas de aes orientadas para a superao da hegemonia
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dominante ou para desenvolver formas alternativas. Estes grupos emergem em funo das
possibilidades de manifestaes de agentes e grupos contra-hegemnicos ou alternativo nestas
estruturas e passam a produzir formas simblicas diferentes daquelas produzidas pelos grupos
dominantes. Deste modo, enquanto as formas simblicas da hegemonia reproduzem a doxa,
os agentes e grupos contra-hegemnicos ou alternativos seriam os portadores da heterodoxia
na concepo de Bourdieu.
Tanto a contra-hegemonia como a hegemonia alternativa pode ser identificada nos
mais diversos campos sociais, desde modelos educacionais construtivistas no campo da
educao, at grupos que misturam elementos de diversas religies e concedem uma
interpretao religiosa prpria no campo religioso. O mesmo ocorre com os campos
econmico, poltico e jornalstico.A contra-hegemonia no campo econmico pode ser identificado nas propostas de
modelos de produo e relaes de troca de teorias como o marxismo e o anarquismo.
Enquanto que os modelos alternativos podem ser identificados naqueles que se baseiam na
multiplicao ou novas formas de relaes econmicas de trocas, tal como os modelos de
economia criativa.
Dentro do campo poltico, a contra-hegemonia poltica juntamente com seus
respectivos atores e agentes pode ser identificada em partidos polticos de pouca expressonas eleies diretas por sufrgio. Localizados ideologicamente nas extremas esquerda ou
direita, em geral, estes partidos defendem a superao da hegemonia liberal-democrtica, seja
para a superao da sociedade capitalista (esquerda), seja para evitar o perigo do
comunismo (direita), por exemplo. Dentre as diversas estratgias, destacam-se algumas que
utilizam os espaos possibilitados pelas campanhas polticas (como horrio eleitoral gratuito,
sabatinas e entrevistas para os grandes meios de comunicao no Brasil) para de alguma
forma promover lutas simblicas contra a sociedade hegemnica em sua totalidade, com oobjetivo de conseguir alcanar a simpatia de agentes sociais para as suas bandeiras. Estes
grupos tambm conseguem sua manuteno financeira com o recebimento do fundo
partidrio, como no caso do Brasil. Assim, com aes contraditrias, mas aproveitando as
possibilidades e espaos dentro da hegemonia, os partidos contra-hegemnicos ocupam os
espaos possveis para tentar viabilizar as suas vises de mundo e seus projetos polticos.
Por outro lado, emergem tambm os grupos alternativos que no necessariamente so
grupos contra-hegemnicos. Atualmente, um partido poltico alternativo pode ser a favor da
manuteno da hegemonia capitalista, mas com um carter mais humano, isto , com
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economia sustentvel, forte interferncia do Estado na economia etc. Esta condio varivel
e especfica de acordo com a sociedade. No caso brasileiro, seria possvel pensar o partido em
construoRede Sustentabilidadecomo um partido alternativo hegemonia. Concentrado em
torno da figura da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva (AC), o partido defende um projeto
alternativo de participao colaborativa a favor de propostas como o desenvolvimento
sustentvel, a mudana na forma de se fazer poltica etc. Entretanto, o grupo de entusiastas
rene diversos nomes conhecidos da poltica nacional, com atuao e defesas de bandeiras
que variam desde a esquerda at direita. Uma breve leitura do manifesto do grupo
demonstra a insatisfao com a poltica hegemnica, ao mesmo tempo em que apresenta
propostas de reformas da mesma6.
No campo jornalstico, os grupos contra-hegemnicos e alternativos partem de umaposiosine qua non com o campo hegemnico: a liberdade de imprensa. Os grupos contra-
hegemnicos geralmente so vinculados a grupos e partidos que tm como objetivo difundir
suas ideias e ideais de ruptura com o status quo, mas a atuao destes grupos de forma legal
s possvel em sociedades que respeitam a liberdade de imprensa, tal como o Brasil7.
O jornalismo alternativo geralmente busca ampliar a esfera pblica de opinio, dar voz
aos agentes silenciados pela falta de espao na grande mdia a partir da multiplicao das
fontes, ou seja, utiliza fontes oficiais (algo que o jornalismo contra-hegemnico refutaradicalmente), mas tambm utiliza fontes de agentes de movimentos sociais, intelectuais e
cidados comuns (MORAES, 2011). O jornalismo alternativo tambm procura diferenciar-se
do jornalismo do infroentretenimento, ou seja, do jornalismo espetacularizado que transforma
as notcias em meros produtos de consumo. De acordo com Peruzzo
o que caracteriza o jornal [ou a mdia] como alternativo o fato derepresentar uma opo enquanto fonte de informao, pelo contedo que
oferece e pelo tipo de abordagem. Mas, como j ressaltado, tambm ospequenos jornais, boletins informativos e outras formas de comunicao (...)eram chamados de alternativos mais pela fora do sentido do seu contedo esem dispensar a leitura de jornais convencionais. (PERUZZO, 2006, p. 8).
Em poucas palavras, o alternativo no campo jornalstico aquele que busca
diferenciar-se do jornalismo produzidos pela indstria da mdia. Desta forma, o jornalismo
6 importante deixar claro que a Rede Sustentabilidade se coloca como um grupo alternativo no mbitodiscursivo o que, no necessariamente se comprova ou se comprovar na prtica poltica. Disponvel em
. Acesso em 25/04/2013.7 No portal do grupo Reprteres Sem Fronteiras possvel ter acesso a pases onde a liberdade de imprensa censurada ou limitada, alm da denncia de diversos crimes contra jornalistas. A lista est disponvel em. Acesso em 25/04/2013.
http://brasilemrede.com.br/index.php/quem-somos/manifesto.htmlhttp://brasilemrede.com.br/index.php/quem-somos/manifesto.htmlhttp://en.rsf.org/http://en.rsf.org/http://en.rsf.org/http://brasilemrede.com.br/index.php/quem-somos/manifesto.html -
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contra-hegemnico alternativo, mas sendo uma das formas, assim como o jornalismo
comunitrio e o popular (PERUZZO, 2006).
O importante notar que a relao entre o campo econmico, poltico e jornalstico
de inter-relao e interdependncia, com estruturas internas que buscam a manuteno do
status quo para os agentes localizados nas posies mais privilegiadas. Este processo pode
ocorrer atravs de uma articulao que mantm os indivduos alheios a estas instncias como
espectadores que assimilam de forma mais ou menos consensual e, consequentemente,
legitimam estestatus quo. Porm, as disputas so constantes e agentes e grupos em posies
inferiores acabam por se organizar com o objetivo de processar alteraes nesta estrutura.
Assim, este trabalho identifica um destes grupos alternativos de produo de
jornalismo poltico que se apropriou do espao e de ferramentas disponibilizadas com oadvento da internet. Autodenominado blogueiros progressistas, o grupo composto de
diversos agentes sociais, tais como militantes, ativistas, entusiastas da blogosfera. Porm,
dentre aqueles com maior destaque e acesso a seus blogs esto jornalistas profissionais que
acumularam capital simblico trabalhando em grandes empresas de mdia hegemnicas no
campo jornalstico. Seja pela falta de espao para a produo de jornalismo poltico de forma
mais livre, em funo dos limites e imposies determinadas pelos donos dos grandes meios
de comunicao, seja pelo alinhamento poltico-ideolgico diferente daquele da grande mdia,estes agentes passaram a produzir jornalismo poltico atravs de blogs. Este grupo se
considera uma mdia alternativa e se organizou institucionalmente em torno do Centro de
Estudos de Mdia Alternativa Baro de Itarar8.
Deste modo, podemos notar que a disputa intensa e violenta, na medida em que, se
por um lado a internet ajudou a diminuir o dficit de tecnologia disponvel entre a grande
mdia e alternativa, por outro lado outros meios so utilizados pela primeira para subordinar a
se