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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
PENAS ALTERNATIVAS: ASPECTO RESSOCIALIZADOR OU
DESPENALIZANTE DA NORMA.
Por: Flávio Villar Nogueira
Orientador
Prof. José Roberto
Rio de Janeiro
2013
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
PENAS ALTERNATIVAS: ASPECTO RESSOCIALIZADOR OU
DESPENALIZANTE DA NORMA.
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Direito e Processo Penal.
Por: Flávio Villar Nogueira
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a Deus, que nos deu
saúde e inteligência suficientes e, aos
meus amigos, Carla, Cláudia, Maurício,
Fábio, Eugene, Márcia e Leandro que
deram apoio para a realização deste
trabalho.
4
DEDICATÓRIA
À minha esposa Ana Paula e aos meus
filhos João Pedro e Pollyana, que
souberam conviver com nossa ausência
em vários momentos, neste período de
especialização acadêmica.
5
RESUMO
No primeiro capitulo, abordar-se-á a origem do Direito Penal,
conceituando-o. Será relatada a evolução histórica da pena de prisão em
diversas civilizações e épocas. Reportar-se-á à Idade antiga, assim como à
aplicação da pena nos idos da Idade Média e Contemporânea, em especial as
legislações brasileiras. Será feita a conceituação de institutos que servirão de
base ao desenvolvimento do trabalho. Serão apresentadas as finalidades para
as quais a penas foram criadas, os princípios a serem observados, além de
sua classificação. O segundo capítulo terá uma abordagem mais especifica no
tocante ao tema em debate, penas alternativas, a sua origem, classificação,
natureza jurídica e os requisitos estabelecidos no ordenamento jurídico para
aplicação da reprimenda alternativa. As questões controvertidas serão tratadas
no capitulo 3, onde serão apresentadas doutrinas e jurisprudências acerca da
possibilidade ou não da substituição das penas privativas de liberdade pelas
restritivas de direitos ou seu caráter mitigador da norma, apresentando os mais
variados entendimentos de renomados doutrinadores, quanto à sua aplicação
em crimes hediondos e assemelhados. Por derradeiro, no capitulo 4,
comentar-se-á sobre a execução da pena e sobre a eficácia do sistema
prisional no que concerne ao objetivo de ressocialização do condenado,
levando-se em consideração a falência do sistema carcerário. Após,
chegaremos a uma conclusão a respeito do objeto abordado neste trabalho de
pesquisa.
6
METODOLOGIA
Pesquisa bibliográfica realizada através de análise de livros, leis,
reportagens e jurisprudência dos Tribunais, demonstrando que as penas
alternativas no Direito Brasileiro não vem atingindo ao fim a que se destinam,
mas revelam-se, tão somente, numa forma de mitigação de aplicação da lei
penal.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I – Direito e Pena 10
CAPÍTULO II – Das Penas Alternativas 22
CAPÍTULO III – Questões Controvertidas 27
CAPITULO IV – A execução da pena e ressocialização do condenado 41
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 47
ÍNDICE 49
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa é uma proposta de estudo que visa uma
melhor reflexão acerca da aplicação das penas alternativas, fazendo uma
analise critica dos aspectos controvertidos, concernentes a sua eficácia, frente
à realidade social brasileira na busca da ressocialização do apenado, nos
moldes de uma boa política criminal, tudo no âmbito do ordenamento jurídico
pátrio.
Trata-se de um tema bastante controverso, em que se observam as
mais variadas discussões sobre a aplicação do instituto, não tão somente na
área de atuação do operador do direito, mas também alcançado outros setores
da sociedade.
Será feita uma abordagem sobre alguns conceitos que serão os
alicerces teóricos e doutrinários que servirão de base para um melhor
entendimento sobre o tema.
Buscar-se-á explicações se em nosso ordenamento jurídico a
aplicação das penas alternativas alcançam os objetivos para quais foram
criadas, ou se apenas se tornaram uma mitigação ao poder punitivo estatal.
Diante do quadro social pelo qual passa a sociedade
contemporânea, em especial a brasileira, que anseia pela total garantia às
liberdades individuais, forçoso será o questionamento sobre aplicação de
reprimenda alternativa, consistente em não privação da liberdade, quanto ao
caráter preventivo, seria o modelo mais eficaz de punição aos transgressores
da lei.
Far-se-á comentários sobre divergências em relação à aplicação
das penas alternativas, em especial quanto aos crimes hediondos a eles
assemelhados.
Concluir-se-á se o Estado, através do seu poder coercitivo,
prestando a tutela jurisdicional, resolve de maneira mais justa o caso em
concreto que lhe foi apresentado, aplicando o direito aos fatos com
repercussão jurídica, na busca da mais plena e lídima justiça.
9
O tema contribuirá com a bibliografia, buscando uma melhor
reflexão, por parte do aplicador da lei penal, no sentido de avaliar cada caso
concreto sobre a real necessidade de se impor uma reprimenda mais branda.
Avaliar se aquela forma de punição alcançará o caráter retributivo e preventivo
da pena. Fazer uma analise critica, questionando se o Estado, através de seus
agentes públicos e políticos, proporciona uma estrutura basilar para real
aplicação das penas alternativas, pois o que se busca é a implementação de
mecanismos que atendam aos objetivos da reeducação e ressocialização do
delinqüente, adequando este ao convívio social, sem isolá-lo, oportunizando a
todos aqueles merecedores um benefício – se é que podemos nos referir de tal
maneira – como forma de uma boa política criminal.
10
CAPÍTULO I
DIREITO E PENA
1.1 – Origem do Direito Penal
O grupo social constitui-se pela propagação em cadeia de outros
pequenos núcleos de seres humanos que necessitam viver em sociedade, vez
que não mais se pode ver o homem como um ser isolado, mas sim como um
ser social.
Com isso, os seres e grupos passam a se relacionar na busca de
objetivos e ideais de corporativismo, mas também de competição e conflito, o
que em razão disto, vislumbra-se a necessidade de um instrumento capaz de
proteger essas relações, com fincas a dirimir tais conflitos, surge então as
normas de conduta e o Direito.
O Estado, por sua vez, com intuito de combater a prática de
condutas delituosas, estabelece normas jurídicas que selecionam os
comportamentos humanos tidos como mais graves e os descrevem como
infrações penais, cominando, conseqüentemente sanções, fixadas
paralelamente a outras medidas, com o objetivo de reprimir a ocorrência de
fatos lesivos aos bens jurídicos dos cidadãos, visando sua correta e justa
aplicação. Este é o Direito Penal, um seguimento do ordenamento jurídico.
Portanto, Direito Penal, é o conjunto de normas pertencentes ao
ordenamento jurídico público interno, de caráter autônomo, pessoal e
imperativo, que disciplina a conduta dos indivíduos, tutelando interesses
sociais fundamentais, mediante a imposição de mecanismos sancionados de
caráter retributivo e preventivo.1
1 COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal. Volume I, Tomo I – Parte Geral. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.8.
11
Então, o Direito Penal regula a convivência humana, protegendo os
valores elementares da vida comunitária, sendo as penas impostas o meio
pelo qual o Estado protege os bens jurídicos tutelados e procura reintegrar o
autor do fato delituoso ao convívio social.
Entretanto, modernamente, observa-se que devemos nos orientar
pelo principio da intervenção mínima, contra o uso indiscriminado das penas
criminais que privam a liberdade, devendo estas serem consideradas somente
com ultima conseqüência.
Atualmente, compreendem-se os problemas criminais frente a um
pensamento humano, voltado contrariamente à solução radical de imposição
de sanção corporal, amparado pelo principio da proporcionalidade da pena ao
mal causado pelo infrator.
Conquanto se perceba que haja uma tendência à descriminalização,
despenalização ou não tipificação das condutas delituosas. Iremos durante
este trabalho, concluir se realmente constitui em verdadeira renúncia do poder
estatal ao controle da ordem social.
1.2 – Evolução Histórica
Para compreendermos bem o instituto das penas alternativas, se
suma importância é fazer um histórico, demonstrando a evolução pela qual
passou a imposição das penas em diversas civilizações e épocas,
comparando-as com a aplicação do direito positivado ate chegarmos às
legislações atuais.
Reporta-se à Idade antiga do direito, mas precisamente a
Mesopotâmia, onde adotaremos como marco inicial o estudo das obras
jurídicas das grandes civilizações.
As mais remotas aldeias e os povoados desenvolveram-se
progressivamente, atingindo o status de cidades, onde foram criados os
primeiros textos legais escritos.
12
Por volta de 2111 a 2094, antes da era cristã, Ur-Namur, rei da
cidade de UR, descobriu o texto jurídico mais antigo que se tem noticia a qual
fora batizado de código, dispositivos de Direito Penal, geralmente voltados
para o ressarcimento dos danos causados.
Outro código fora encontrado em melhores condições que de Ur
Namur, lá pelos idos de 1934-1924 a.c; é o de Lipt-Ishtar, rei da cidade de Isin,
famoso pela grande habilidade legislativa, que organizando as leis,
administrava a própria sociedade.
Em Eshunna, cidade reino que ficava na margem direita do rio
Diyalla, entre os anos de 1945 e 1847 a.c, próximas à Bagdá, capital do Iraque
foram encontradas referências ao direito de um modo geral e no que concerne
a determinados crimes, estes estavam estatuídos nos §§ 12 e 13. Evidencia-
se, dessa forma, que não estamos tratando de um verdadeiro código de leis,
mas sim de um conjunto de decisões em casos concretos, devido à ordem
aleatória de termos.
Exemplificaremos através de uma descrição do texto do § 12 das Lei
de Eshunna: “O awilum (homem livre, com todos direitos de cidadão)2 que for
apanhado no campo de um mushkênum (camada que ainda suscita muita
dúvida por parte dos estudiosos)3, ao meio-dia, junto dos feixes de grão,
pesará dez siclos de pratas; o que for apanhado, de noite, junto aos feixes de
grão, morrerá, ele não viverá”.
Observou-se uma forma de proteção ao mushkênum e sua
propriedade. Revelou-se a intenção de um furto por parte do homem livre.
O adultério feminino também era punido com a pena de morte,
consoante o § 28, parte final: “Se, porém, de um contrato e um banquete de
núpcias para o seu pai e a sua mãe e a tomou por esposa: (ela é) esposa. No
dia em que for apanhada no seio de um outro awilum, morrerá. Ela não viverá”.
Verificamos que na Mesopotâmia deu-se a primeira manifestação do
direito, onde as regras surgiram escritas, ainda que em forma jurisprudencial,
ratificando de maneira pioneira os costumes.
2 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003. p.15.
13
No código de Hammurabi revelou-se em normas descritas em 282
“artigos”, que dotados de algumas partes especificas da estrutura utilizada
pelos povos daquela época, possuíam, um prólogo, um corpo das leis e um
epílogo. Entretanto, chegou-se à conclusão de que as leis de Hammurabi não
formaram um código, mas sim, um conjunto de decisões proferidas pelos
juizes e, sentenças da vontade dos reis ou corroboradas pelos costumes.
Podemos afirmar que se tratava de um período da fase da vingança
privada em que representava uma reação instintiva e impulsiva, de indivíduo
para indivíduo, sem nenhum critério, mas tão somente, aplicar ao delinqüente
um castigo rigorosamente proporcional ao dano que causou.
Já no primeiro parágrafo, vislumbra-se que a persecução penal
ficava a cargo do particular, onde não aparecia a figura do advogado, nem
tampouco do Ministério Público. Verifica-se ainda uma pequena referência ao
que hoje chamamos de principio in dúbio pro reo: “Se um awilum acusou um
(outro) awilum lançou sobre ele (suspeito de) morte, mas não pôde comprovar;
o seu acusador será morto”.
Neste mesmo sentido dispunha a Lei de Talião, considerado o mais
importante dispositivo do Código de Hammurabi: “Se um awilum destruiu o
olho de um outro awilum, destruirão o seu olho. Se quebrou um osso de um
awilum, quebraram o seu osso. Se um escravo de um awilum bater na face de
um awilum, cortarão sua orelha”.
Observa-se, portanto, que os sistemas penais foram
progressivamente ficando mais enérgicos, ante a um acréscimo de numero de
habitantes, diretamente proporcional aos conflitos, na medida em que as lides
se apresentavam, acompanhadas, de um declínio significativo das condições
básicas satisfatórias para a vida em sociedade.
Por isso que as decisões de Hammurabi procuraram, ao menos, em
tese, buscar a paz social e garantir a justiça aos povos, afirmando que aquelas
eram dinat misharim (sentenças justas).
Já em outro momento, estabelecido um poder social capaz de impor
normas de conduta e de castigo, em nome da religião e para satisfação da
3 Ibidem
14
divindade, começam a ser aplicadas penas terríveis determinadas pela
grandeza do deus ofendido, tendo com destaque o Código de Manu, que se
caracteriza como regras de cunho mais religioso do que jurídico, sendo
conferido a cada delito o caráter de pecado. Atualmente, ainda é aplicado na
Índia.
Continuando nesta viagem, chegamos a um importante marco que
bem relatou vários aspectos, passagens e posicionamentos acerca do objeto
deste trabalho de pesquisa, em que a contestação às atrocidades das
punições, como a morte na fogueira, a roda, o arrastamento, o
esquartejamento, a estrangulação, o sepultamento em vida, o sigilo dos
processos, os meios inquisitoriais, as leis imprecisas e imperfeitas, a tirania
dos julgadores, a desproporção das penas, as acusações secretas, a tortura e
os suplícios suscitaram na consciência comum a reforma do sistema
repressivo.
Trata-se de Cesare Beccaria, o Marquês de Beccaria, o autor do
livro Dos Delitos e das Penas, obra esta, que serve como fonte de orientação
para aqueles milita na área do Direito Penal, em especial, quanto à aplicação
da pena.
O renomado autor proclamou o principio da igualdade perante a lei.
Condenou o pseudodireito, baseado este no direito de punir como utilidade
social. Não concordou com a pena de morte, salvo em casos especialíssimos.
Estabeleceu a proporcionalidade entre a pena e o delito praticado. Propôs a
separação dos poderes judiciário e legislativo.
Para o Marquês de Beccaria, os delitos hão de ser mais raros,
proporcionalmente ao mal que causam à sociedade. Deve haver uma
proporção entre os delitos e as penas.
Não se terá nenhum obstáculo para o cometimento de um delito
maior se a pena imposta foi igual à cominada em face de dois delitos
desiguais.
Necessário se faz registrar que as penas aplicadas causem
impressão, tornando-se mais eficaz e menos tormentosa ao réu, de modo a
impedir que este venha causar novos danos e coibir a ação de outros na
15
prática de condutas delituosas. Em uma passagem de sua obra, Cesare
Beccaria, sintetiza bem estas palavras: “Para que a pena não seja a violência
de um ou de muitos contra o cidadão particular, devera ser essencialmente
pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas
circunstâncias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei”.4
Em meados do século XVIII vem a lume um documento de suma
importância, onde os direitos naturais e inalienáveis do ser humano foram
observados. Que a igualdade pudesse resistir. Construiu-se um sistema mais
democrático, o qual serviu de inspiração para as constituições atuais.
Referimo-nos à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que em
seus artigos 7º, 8º e 9º foram estatuídas normas referentes à liberdade,
aplicação de pena e a presença de alguns princípios constitucionais que ate
hoje se encontram previstos em algumas legislações.
Art. 7º - Ninguém pode ser preso, acusado, ou detido, senão
nos casos determinados em lei e segundo a forma por ela
prescrita. Todo aquele que solicita, expede ou faz cumprir
ordens arbitrárias, deve ser punido; mas todo cidadão
chamado, ou convocado, em virtude da lei, deve obedecer
incontinenti, sob forma de ser culpado de residência.
Art. 8º - A lei só pode estabelecer as penas estritamente e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido a não
ser de acordo com a lei criada e promulgada anteriormente que
deverá, também, ser legalmente aplicada.
Art. 9º - Todo homem, sendo julgado inocente até quando for
declarado culpado, se é julgado para assegurar-se de sua
pessoa deve ser severamente proibido pela lei.5
Assim, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, foi um diploma legal escrito pela
4 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Tradução de José Cretella Jr e Agnes Cretella, 2ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.139. 5 PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em História. 2ed. Nova Friburgo: Imagem Virtual, 1999. p.182.
16
Organização das Nações Unidas com a finalidade de chegar a denominador
comum, por parte dos Estados-Membros no mundo pós-guerra.
Seriam estes dispositivos de inspiração humanística, conforme se
verifica em seu artigo 5º: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento
ou castigo cruel, desumano ou degradante”.
No que se trata da prisão e da acusação criminal, a declaração
prestigiou a liberdade, que é o segundo direito material mais importante do
cidadão, sendo esta garantida e respeitada conforme dispõe os artigos 9º e
10º:
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Todo
homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública
audiência por parte de um Tribunal independente e imparcial,
para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusação criminal contra ele.6
No tocante legislação pátria, o instituto da pena corporal, no âmbito
do Direito Penal, iniciou-se na época do Brasil Império com a promulgação da
Constituição de 1824, que já previa a determinação, em seu artigo 179 que as
cadeias deveriam ser seguras, arejadas e limpas, com diversas casas para os
presos, de acordo com as circunstâncias de natureza do crime.
Entretanto, ainda que presentes vários direitos individuais no corpo
do texto constitucional, o que se verificava era o total descumprimento por
parte do Estado das normas estatuídas na Lei Maior.
Em 1830, frente à necessidade de regular as relações da sociedade
da época, vislumbrou-se a urgência de elaboração de normas de cunho civil e
criminal, Após debates, chegou-se à redação do Código Criminal de 1830, em
que a penalização dos crimes teve um papel de destaque, levando-se a várias
discussões sobre o tema.
Com intuito de reformar a legislação anterior, a fim de corrigir
algumas incorreções, elaborou-se o Código Penal de 1890. Aboliu-se a pena
6 Ibidem, p. 199.
17
perpétua, assim como o livramento condicional, dependendo das condições
impostas, concernentes ao comportamento do apenado.
Posteriormente, veio o Código Penal de 1940, que vigora até os dias
atuais. Sendo certo que sofrera algumas alterações introduzidas pela lei
7.204/84. Foi uma legislação que se filiou à corrente de uma boa política
criminal, conforme podemos observar no texto que apresentaremos abaixo,
segundo entendimento de Aníbal Bruno:
Uma legislação que, ao lado da concepção objetiva do crime
acolhe a sua concepção sintomática, conduzindo ao dualismo
culpabilidade-pena, perigosidade-criminal, medida de
segurança, mas fazendo sentir-se no Código um sopro salutar
de realismo com consideração em mais de um ponto de
personalidade do criminoso, que não é abstração, mas uma
realidade natural-social.7
Culminou-se com a promulgação da Carta Magna de 1988, que
elevou à categoria de grande destaque os direitos e garantias individuais,
presentes em seu artigo 5º, servindo de base para aplicação das penas
alternativas no ordenamento jurídico pátrio atual.
Tal análise possibilita a busca de soluções, evitando-se repetir os
erros passados. Faz-se necessária uma solução para que a sociedade não
seja penalizada duplamente, ou seja, não venha a ser punida pelo próprio
Estado, ao ver seus componentes corrompidos no ambiente prisional,
tornando-se vítima em potencial de maiores violências, e, mais absurdo ainda,
pagando para que isso ocorra, pois o Estado nada mais é que uma sociedade
política que abrange todas as demais espécies de sociedades, sendo sua
verba a receita arrecadada dos tributos cobrados aos contribuintes, que somos
todos nós.
Destarte, acreditamos que fizemos um breve histórico acerca da
evolução da norma penal, particularmente, no que se refere à aplicação da
7 Ibidem, p. 491.
18
pena nas várias civilizações e épocas da história, finalizando-se com o modelo
adotado pelo direito brasileiro na atualidade.
Com efeito, a Lei 9714/98 adotou um compromisso com o novo
modelo de jurisdição consensual e alternativo.
1.3 – Conceitos Basilares
Necessário nesta etapa do trabalho, na busca do enriquecimento da
pesquisa, expor alguns conceitos que serão a base para o melhor
entendimento sobre o estudo do instituto das penas alternativas.
Iniciaremos pelo conceito mais genérico do Direito, na visão do
grande jurista Paulo Nader: “Direito é um conjunto de normas de conduta
social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança,
segundo os critérios de justiça”.8
Entretanto, em razão das significativas mutações pelas quais tem
passado a sociedade, não possuindo o Direito um caráter de imutabilidade,
este sofre transformações, adequando-se às diversas situações que a vida em
sociedade proporciona na busca das soluções de conflitos advindas das
relações entre indivíduos. Senão vejamos, permitindo-me citar o conceito
sociológico do Direito, cuja autoria pertence ao mestre Sérgio Cavalieri Filho:
“Direito é o conjunto de normas de conduta, universais, abstratas, obrigatórias
e mutáveis, impostas pelo grupo social, destinadas a disciplinar as relações
externas do indivíduo, objetivando prevenir e compor conflitos”.9
A partir deste momento passaremos a tratar do assunto objeto da
proposta da pesquisa acadêmica. Conceituaremos o que é pena,
apresentaremos sua classificação e características, além de apresentar outros
aspectos mais pormenorizados.
8 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 90. 9 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica (Você conhece?). 8 ed. Rio de Janeiro:Editora Forense, 2000. p.27.
19
Inúmeras laudas seriam necessárias para descrevermos os
conceitos que tratam sobre o instituto da pena ou sanção penal, nomenclatura
esta defendida por muitos autores.
Pedimos vênia aos demais juristas pela escolha de um único
conceito, que de maneira bastante abrangente retratou, com poucas palavras,
o entendimento doutrinário.
Para o grande mestre Fernando Capez, o instituto da pena poderia
ser conceituado nos termos do texto abaixo transcrito:
Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em
execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma
infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem
jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao
delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir
novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. 10
A pena, como integrante da legislação penal brasileira surgiu da
necessidade de proteger a sociedade, visando uma boa política criminal, como
meio capaz de inibir a prática de delitos, com a privação da liberdade. De certo,
outras soluções nasceram para os casos de pequena periculosidade do
delinqüente, assim como o delito praticado possuía menor gravidade,
limitando-se o cárcere nos casos de extrema necessidade, devendo ser
imposta como a ultima ratio.
1.4 – Dos princípios Constitucionais
Para aplicação da sanção penal, o Estado-Juiz deve sempre ter
como alicerce os princípios constitucionais norteadores, que passamos a
enumerá-los: Legalidade – A sanção deve ser prevista por lei vigente à data do
fato, conforme dispõe o artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal e artigo 1º do
10 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.332.
20
Código Penal. Individualização – A pena deve ser individualizada em cada
caso e não pode passar da pessoa do delinqüente, como disposto no mesmo
artigo, agora nos incisos XLV ,XLVI, XL, XLVIII. Aplicação pelo Poder Judiciário
-:Só o Poder Judiciário pode impor pena, e após processo regular contraditório,
assegurada ampla defesa, também previsto na Magna Carta nos incisos
XXXVII, LIII, LIV, LV do artigo 5º e Proporcionalidade – A pena deve ser
proporcional ao crime praticado, incisos XVVI e XLVII, artigo 5º da Constituição
Federal.
1.5 - Finalidades
As penas são incumbidas de três finalidades: A retributiva, onde há
a retribuição do mal injusto praticado pelo criminoso; A preventiva concernente
à prevenção geral ou especial do crime, evitando-se a prática de novas
infrações; Por fim, temos a finalidade conciliatória, em que se busca a punição
do infrator da norma, assim como a prevenção da prática de outros delitos,
através do poder coercitivo que o Estado exerce.
1.6 – Classificação das penas
Quanto à classificação, doutrinariamente de modo reduzido, temos:
As penas privativas de liberdade, em que se tem a limitação em parte da
locomoção do apenado, São as mais utilizadas em legislações atuais, ainda
que diante da falência do sistema prisional. Existem as restritivas de direito,
que retiram ou limitam direitos dos apenados. São sanções que começaram a
ganhar um grande espaço nas legislações atuais. Por derradeiro, temos as
penas pecuniárias, que acarretam em diminuição do patrimônio do apenado.
Encerramos este capítulo com um embasamento teórico que servirá
de alicerce para a compreensão dos demais assuntos a serem abordados
futuramente, em que se buscará fazer um estudo mais aprofundado das penas
21
alternativas, sob um olhar critico, analisando vários aspectos controversos e
polêmicos, diante da verdadeira finalidade para qual estas medidas
alternativas foram criadas.
22
CAPÍTULO II
DAS PENAS ALTERNATIVAS
2.1 – Origem
A pena privativa de liberdade, no tocante a ressocializaçao do
apenado, não vem conseguindo atingir os resultados esperados, caminhando
para uma verdadeira “falência” do instituto, razão pela qual, busca-se uma
nova forma de aplicação de sanções que sejam impostas, alternativamente,
para situações cujo encarceramento do transgressor da norma não venha a
prejudicar o processo de reeducação do condenado, vez que a privação da
liberdade não seria o meio mais aconselhável.
No ano 1984, na modificação do Código Penal, a Lei nº 7.209/84
inseriu no ordenamento jurídico alterações na legislação atual, pelas quais o
Estado deveria providenciar as medidas para a efetiva execução das penas
restritivas de direitos, assim como, para viabilizar o seu devido cumprimento,
quando e onde fosse possível.
A lei nº 9.714/84 ampliou, em cumprimento ai estabelecido como um
direito individual previsto na Constituição da Republica, em seu artigo 5º, incido
XLVI, a previsão da pena de prestação alternativa, aumentando, desta forma, o
leque das penas já previsto no Código Penal, exigindo ainda mais a tomada de
providências, por parte do Estado, na efetivação das penas restritivas de
direitos.
A lei objetivou diminuir a superlotação dos presídios e reduzir os
custos do sistema penitenciário; buscou o favorecimento da ressocialização do
apenado, retirando-o do ambiente do cárcere, como também aspirou reduzir a
reincidência, pois a pena privativa de liberdade é a que detém os maiores
índices de pessoas que voltam da delinqüir.
23
A legislação atual adotou um compromisso com o novo modelo de
jurisdição consensual e alternativo.
Em apertada síntese, procurou-se com o instituto das penas
alternativas uma concepção mais humanista, em que se observa, um menor
custo para o Estado, bem como, um baixo índice de reincidência crimina, não
sendo necessário, afastar os infratores da lei que praticaram delitos de menor
gravidade de seu lar e encarcerá-los no sistema prisional.
2.2 – Classificação
De acordo com a Lei nº 9.714/84, que modificou o artigo 43 do
Código Penal, acrescentando à sua redação outras reprimendas alternativas,
passou-se a contemplar as seguintes sanções penais: a) Prestação pecuniária;
b) Perda de bens e valores; c) Prestação de serviços à comunidade ou a
entidades públicas; d) Interdição temporária de direitos; e) Limitação de fim de
semana.
Vale ressaltar, ainda que, embora estejam sob o titulo de penas
alternativas de direitos, como se observa no caput do artigo 43 do diploma
repressivo, o nomem juris que melhor se adequaria às hipóteses, seria o de
penas alternativas, vez que nem todas as sanções ali previstas, naquele rol
taxativo, restringem direitos, como podemos inferir no caso da sanção por
perda de bens e valores, pois, como se percebe, trata-se de pena pecuniária.
Igualmente, ocorrem com a prestação de serviços à comunidade e limitação de
final de semana, uma vez que estas, ao revés, restringem a liberdade do
apenado.
2.3 – Natureza Jurídica
24
São penas autônomas, pois não necessitam de imposição de uma
outra reprimenda detentiva ou reclusiva, ou seja, subsistem por si mesmas
após a substituição.
São substantivas, vez que a substituição é obrigatória quando
presentes os requisitos de admissibilidade, não se tratando de uma faculdade
judicial, demonstrando outra natureza das penas alternativas.
A reprimenda e aplicada sob condição. Uma vez descumprida,
retorna ao status quo ante, uma situação anterior à substituição.
Conquanto apresente natureza substitutiva, atualmente
encontramos na legislação pátria exemplos de aplicação de penas restritivas
independentemente da aplicação das penas privativas de liberdade. Apenas
para ilustração podemos citar o artigo 292 da lei nº 9.503/97 (Código de
Trânsito Brasileiro) que assim dispõe: “a suspensão ou a proibição de se obter
a permissão ou habilitação para dirigir veiculo automotor pode ser imposta
como penalidade principal, isolada ou cumulativamente com outras
penalidades”.
2.4 – Requisitos
A lei nº 9.714/84 estabeleceu na redação do artigo 44 do Código
Penal, que a substituição das penas privativas de liberdade, pelas restritivas de
direitos, dependem do preenchimento de alguns requisitos.
Trataremos, neste momento, de maneira superficial, uma vez que
mais adiante far-se-á uma abordagem mais profunda em outros tópicos
vindouros.
Adotando o sistema das penas substitutivas, o da legislação
repressiva estabeleceu como requisitos ou condições o que se segue: a)
requisitos de ordem objetiva (natureza do crime, forma de execução e
quantidade da pena, previstos no artigo 44, I e §2º; b) requisitos de ordem
subjetiva (culpabilidade e circunstâncias judiciais, conforme artigo 44, II e III e
§3º), atendida a prevenção especial (artigos 44, III e 59, caput) a saber: 1) a
25
pena imposta pela prática de crime doloso, não pode ser superior a 4 anos. 2)
Tratando-se de crime culposo, qualquer que seja a pena imposta, desde que
atenda às circunstâncias judiciais favoráveis. 3) Necessidade da não
reincidência em crime doloso. 4) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias que indiquem ser conveniente a substituição da pena.
Vale ressaltar que o aplicador da norma tem o dever de fazer uma
rigorosa analise acerca das condições favoráveis à aplicação das penas
alternativas, pois em varias hipóteses o condenado atende a todos os
requisitos objetivos elencados na norma, entretanto, o juiz com os elementos
colhidos durante a instrução criminal, terá a possibilidade de analisar as
circunstâncias de caráter pessoal, demonstrando que o apenado não possui
convivências sociais, harmônicas, sendo certo que não irá cumprir com os
deveres impostos na condenação, já que demonstra ter uma tendência a voltar
da delinqüir.
Desvirtua-se, portanto, de uma finalidade para qual as penas
alternativas foram criadas, ou seja, a ressocialização do apenado, conseguida
com o afastamento do transgressor do ambiente carcerário, procurando assim
evitar a reincidência, pois como se sabe, condenação à pena privativa de
liberdade registra os maiores índices de antecedentes na prática do mesmo
delito.
Diante da evolução pela qual passa a sociedade, em que as
garantias individuais foram colocadas num patamar mais elevado, buscando a
preservação da liberdade da pessoa humana,sendo esta levada ao cárcere
somente nas últimas conseqüências, o legislador elaborou normas, que
adotando um novo modelo de jurisdição consensual e alternativa, possibilitam
a aplicação de reprimenda mais branda ao delinqüente, observados os
requisitos objetivos e as condições subjetivas favoráveis do condenado.
Após as exposições acima descritas, possuímos condições de
visualizar os critérios com os quais o juiz venha aplicar uma sanção penal,
através das provas colhidas durante a instrução criminal.
26
A partir do próximo tópico, iremos tratar da aplicação das penas
alternativas em determinadas hipóteses que causam bastante divergência de
posicionamento por parte da doutrina e da jurisprudência.
27
CAPÍTULO III
QUESTÕES CONTROVERTIDAS
3.1 – Quanto aos Crimes Hediondos
Crimes hediondos são delitos repugnantes, que causam clamor
público e intensa repulsa, estão estatuídos nas Constituição da República em
seu artigo 5º, XLIII:
A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça
ou anistia a pratica da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes
e drogas afins o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que podendo evitá-los, se omitem.
No tocante à imposição de uma medida alternativa, a Lei nº
8.072/90, em seu artigo 2º, §1º, fazia referência como deveria ser o
cumprimento da pena, ou seja, integralmente no regime fechado: “A pena por
crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.
Diante de tal dispositivo, a doutrina e a jurisprudência se
posicionavam no sentido da impossibilidade de ser aplicada a pena alternativa
para os fatos tipificados como crimes hediondos, uma vez que para tais delitos
existia a impossibilidade de progressão de regime, como poder-se-ia ser o
apenado ser beneficiado com a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos.
Fernando Capez era taxativo ao sustentar naquela época, antes da
alteração da lei dos crimes hediondos, com a nova redação dada pela lei nº
11.464/07, sobre a impossibilidade da substituição, sob o fundamento do artigo
2º, §1º, da lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), corroborado por farta
28
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A corte, entendia, e até hoje, o
tema é controvertido, que a pena alternativa é incompatível com o
cumprimento da pena no regime fechado.
No mesmo sentido entendia o professor Júlio Fabbrini Mirabete que
elencava os requisitos objetivos e subjetivos, sustentando pela impossibilidade
da substituição da pena, quando se tratava de crime hediondo, nos termos do
artigo 2º, §1º, da lei dos crimes hediondos, pois entendia ser a questão
paradoxal, vez que a lei impedia a execução da reprimenda nos regimes
semiaberto ou aberto e permitiria a substituição da pena corporal por restritivas
de direitos.
A aplicador da norma não deve ficar tão somente adstrito aos
requisitos, mas sim sopesar as circunstâncias quando da fixação da pena,
oportunidade em que se observará a medida da conveniência para a
substituição. A prisão é reservada para as espécies mais graves de ilicitude, ou
em outra hipótese, quando da análise dos antecedentes, da personalidade e
da conduta social do agente recomendem tal providencia.
Noutra banda, Damásio de Jesus, divergia dos outros juristas
anteriores. Fundamenta seu posicionamento, sinteticamente, na tese que o
instituto das penas alternativas trata-se de medidas sancionatórias, de
natureza alternativa, não se relacionando com os regimes de execução.
3.1.1 – Jurisprudência Aplicada
Capitaneando o posicionamento sobre a possibilidade de aplicação
das penas restritivas de direitos em casos de crimes considerados hediondos,
destacou-se o Ilustre Ministro Luiz Vicente Chernicchiaro, relator do habeas
corpus nº 8753/RJ, o qual ementou seu voto da seguinte maneira:
HC – PENAL PENA SUBSTITUTIVA –LEI Nº 9714/98 – CRIME
HEDIONDO – a lei nº 9714/98, de 25 de novembro de 1998,
recomendada pela Criminologia, face a caótica situação do
29
sistema penitenciário nacional, em boa hora, como
recomendam resoluções da ONU, de que as Regras de Tóquio
são ilustração bastante, ampliou significativamente a extensão
das penas restritivas de direitos, conferindo nova redação a
artigos do Código Penal Brasileiro. O artigo 44 relaciona as
condições: I – aplicada pena privativa de liberdade não
superior a quatro anos e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a
pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for
reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as circunstancias
indicarem que essa situação seja suficiente. Reclamam-se,
pois, condições objetiva e subjetiva; conferem, aliás, como
acentuam os modernos roteiros de Direito Penal, amplo poder
discricionário ao Juiz. O Magistrado, assim, assume
significativa função, exigindo-se-lhe a justiça material. O crime
hediondo não é óbice à substituição. A lei, exaustivamente,
relaciona as hipóteses impeditivas (art.44).11
Analisando o acórdão acima, verificamos que por vezes o aplicador
da norma milita no sentido da possibilidade de substituição da pena privativa
de liberdade por restritivas de direitos, mesmo que no caso em concreto o
acusado seja condenado pela prática de crime previsto na lei nº 8.072, tido,
portanto, como hediondo.
Ao revés, encontramos outro posicionamento, já naquela época, que
evidenciava se tratar de um tema bastante controverso, em que o aplicador da
lei necessita analisar cada caso concreto conforme suas características:
HC - PENAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - LEI DAS
PENAS ALTERNATIVAS – INAPLICABILIDADE - As
alterações introduzidas no Código Penal pela Lei das Penas
11 Supremo Tribunal Federal , Habeas Corpus 8753/RJ, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 15/04/99.
30
Alternativas (Lei 9.714/98) não alcançam o crime de tráfico de
entorpecentes (crime hediondo), cujo cumprimento da pena é
em regime integralmente fechado. Impossibilitada, portanto, a
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de
direitos. - Precedentes. – Ordem denegada. (STJ – HC
10108/RJ – Relator Ministro Jorge Scartezzini – Quinta
Turma).12
Entretanto, havia quem não concordava com o posicionamento
apresentado acima apresentado, pois entendiam que a lei não havia alcançado
o crime de tráfico de drogas, com foi mencionado na decisão, ponto este que
será objeto de nosso estudo.
Atualmente, este cenário não modificou muito, conquanto tenha a
legislação sofrido algumas alterações consideráveis, em especial, a lei dos
crimes hediondos em seu artigo 2º, §1º, que com a nova redação dada pela lei
11464/07, estabeleceu a progressão de regime para os crimes definidos
naquela lei, até porque, no caso em concreto , na maioria da vezes o montante
da pena é superior a quatro anos, além de se tratar de delitos cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, não preenchendo, desta forma, os
requisitos exigidos pelo artigo 44 do código Penal.
3.1.2. Posicionamento Doutrinário.
Para uma melhor reflexão acerca dos efeitos da lei nº 9.714/98, no
tocante aos crimes hediondos, necessário se faz algumas considerações
iniciais.
O Direito Penal, conforme nos mostra a evolução histórica das
ciências criminais, é utilizado como instrumento solucionador de conflitos,
visando o estabelecimento da paz e do bem comum. Percebe-se, que a esta
solução encontra-se distante.
12 Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 10108/RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, Julgado em 28/02/2000.
31
O Estado deveria ter maior preocupação com a prevenção, e não
com a repressão, ante a falência do sistema prisional que se alienou diante
das finalidades de ressocialização e da recuperação dos delinqüentes.
As penas privativas de liberdade se justificariam necessárias
somente para a punição de crimes graves. Outras sanções alternativas seriam
aplicadas para casos onde houvesse menor gravidade, obedecendo ao
princípio da proporcionalidade.
Atualmente, não há que se preterir pena privativa de liberdade em
favor de outras reprimendas não reclusivas ou detentivas, sempre que estas se
revelem insuficientes. Diante disto, justifica-se o encarceramento, sempre que
não for possível a correção através de outros meios de coerção.
A finalidade buscada pela lei especial, ou seja, diminuir a
superpopulação carcerária, favorecendo a ressocialização do agente infrator
por vias alternativas, não seria alcançada diante da impossibilidade de
aplicação ao crimes hediondos, como retratada num moderna política criminal,
adequados aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito
acolhidos na Constituição da República.
Prisão não cura, corrompe. A pena não é uma vingança, pelo seu
caráter retributivo. Deve ela proporcionar a redenção e recuperação do infrator,
respeitando sua dignidade e ampliando a possibilidade de retorno ao convívio
social.
Entretanto, algumas especificidades devem ser observadas em cada
caso em concreto, assim como o quantum da pena, se o crime foi praticado
mediante violência ou grave ameaça à pessoa, nos termos exigidos pelo artigo
44 do Diploma Repressivo.
Ao que parece, uma vez aplicada a medida alternativa para os
crimes hediondos, estará se divorciando da finalidade da sanção penal, ou
seja, não se punirá o autor e uma infração, inexistindo a retribuição do mal
injusto, como também não se observará a prevenção, pois o cumprimento da
pena se dará extra-muros do sistema penitenciário, fato este que contribuirá
para o retorno do delinqüente à marginalidade, mas sim evidenciando-se em
uma forma de mitigação do poder punitivo do Estado.
32
3.2 – Quanto à lei de Drogas
Iniciaremos este tópico fazendo um breve histórico sobre os
posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais que marcaram a evolução da
questão sobre a possibilidade de aplicação da pena restritiva de direitos aos
crimes de tráfico de entorpecentes.
A lei antitóxicos de 1976 dispunha sobre medidas de prevenção e
repressão ao trafico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecente ou que
determinem dependência física ou psíquica e, em seu capítulo III tratava dos
crimes em espécie, mas precisamente do artigo 12 ao 19.
No artigo 12, a lei apresentava uma falha, em que descrevia alguns
fatos que não eram estritamente ligados ao trafico, como a cessão gratuita e a
divisão da droga, desencadeando várias interpretações acerca da aplicação da
reprimenda mais adequada.
O crime de trafico ilícito de entorpecentes não é hediondo, mas sim
equiparado a ele. Este é disciplinado no artigo 1º da lei nº 8072/90. Entretanto,
o artigo 2º, caput, da mesma norma legal, faz uma diferenciação entre os
crimes hediondos e os a eles equiparados.
A Constituição da República, em seus artigos 5º, XLIII, 108, V e 200,
VIII, estatui o respeito aos direitos dos cidadãos, inclusive o referente à saúde,
portanto, o objeto principal da proteção penal nos crimes de trafico ilícito de
entorpecentes e drogas afins é a saúde pública. Trata-se de um bem palpável,
vez que é relacionado com a coletividade e com cada membro individualmente.
Enquanto na maioria dos crimes comuns existe um sujeito passivo
determinado, o mesmo não ocorre com os previstos na legislação antitóxico,
em que a coletividade é o principal sujeito passivo do fato criminoso, podendo
figurar com sujeito secundário a pessoa humana, conforme o tipo penal.
Na mesma linha de raciocínio que utilizou para os crimes hediondos,
Fernando Capez entendia pela impossibilidade de imposição de uma
reprimenda alternativa, pois entendia se tratar de crime equiparado ao
33
hediondo.13 Portanto, não seria cabível a pena restritiva de direitos, com
fundamento no artigo 2º, §1º da lei nº 8072/90, pois naquela época a pena
deveria ser cumprida em regime integralmente em regime fechado. Milita neste
mesmo pensamento, Júlio Fabbrini Mirabete.
Em contrapartida, outros doutrinadores, liderados por Luiz Flávio
Gomes, divergiam de posicionamento acima explicitado. Admitia a
possibilidade de aplicação da medida alternativa para os crimes tipificados na
lei de entorpecentes. Entendimento corroborado por jurisprudência dos
tribunais superiores, sob o fundamento de não haver nenhuma vedação
expressa para não aplicação do instituto penal.14
O crime de trafico de ilícito de entorpecentes, sob a égide da lei nº
6368/76, ainda que considerado como assemelhado aos hediondos, a norma
só fazia restrição quanto a concessão de anistia, graça, indulto, fiança,
liberdade provisória e ao cumprimento do regime, inexistindo qualquer óbice à
substituição, uma vez que não disposta expressamente.
Entretanto, com o advento da nova lei de drogas este cenário fático
modificou-se. A discussão perdeu uma pouco de força, vez que por força do
artigo 44 da lei nº 11.343/06, não mais seria possível a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, que estabeleceu vedação
expressa a concessão de tal benesse.
Porém, com a alteração da lei dos crimes hediondos, introduzida
pela lei nº 11.464/07, que previu que os crimes hediondos e a ele
assemelhados, dentre eles o trafico de drogas, passariam a comportar a
concessão de liberdade provisória sem fiança, reacendeu a chama daqueles
que viram novamente a possibilidade de aplicar medidas alternativas à prisão
corporal nestes particulares, porém não deixou de ficar tormentosa.
Assim se posicionava a jurisprudência de nossos tribunais:
H.C. SENTENÇA CONDENATÓRIA. AU-SÊNCIA DE
APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. ENTORPECENTES
(ART. 33, DA lei 11.343/06). APLICAÇÃO DA REDU-ÇÃO
13 CAPEZ, op cit
34
PREVISTA NO PARÁGRAFO 4º DO ART. 33 DA LEI
11.343/06. SURSIS NE-GADO. CONSTRANGIMENTO.
DESNE-CESSIDADE DA AÇÃO DE REVISÃO. O direito ao
sursis constitui direito público subjetivo, e a sua negação, sem
fundamentação adequada, produz incontornável
constrangimento. Transitada em julgado a sentença
condenatória, não interposta apelação, esta coação ilegal pode
ser sanada com o habeas corpus, pois não há necessidade de
dilação probatória, funcionando a ação constitucional do
habeas corpus como substitutivo da ação de revisão. A lei nova
- nº 11.343/2006, Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre
Drogas - ao inserir o §4º no artigo 33, diferenciou o traficante
habitual do ocasional, isto é, aquele primário, de bons
antecedentes, não dedicado às atividades criminosas nem
integrante de organização criminosa. A nova norma obstaculiza
a aplicação do sursis aos tipos penais descritos no artigo 33,
caput, e §1º, e aos artigos 34 a 37 (art. 44 da Lei
11.343/06).Vê-se que o legislador quis tratar de forma menos
severa o traficante ocasional, caso do réu, por reconhecer sua
menor culpabilidade em relação ao traficante habitual. Não
seria razoável dar-se a ele o mesmo tratamento dispensado
àqueles cujas condutas estão tipificadas no caput do artigo
33.Acolher o argumento de que o art. 33, §4º, não constitui
crime autônomo e que, portanto, não estaria sujeito a
tratamento diferenciado, seria consagrar um rigorismo
exacerbado, contrário aos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade. Por outro lado, se é certo que o art. 44 da Lei
11.343/06 estabelece que "os crimes previstos nos arts. 33,
caput e §1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e
insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade
provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas
de direitos", a mesma lei, ao cuidar da redução de pena do §4º
do art. 33, restringe, apenas, a não conversão
da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
14 GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
35
Repetição desnecessária, se levarmos em conta o disposto no
art. 44. A outorga do sursis, neste caso, seria irrecusável, se
preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos próprios do
referido instituto. Não se pode negar o direito à suspensão
condicional da pena com a burocrática justificativa de que "o
crime de tráfico é equiparado a crime hediondo, o que torna
inaplicável a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos ou o sursis, inclusive por vedação legal."
"A lei desumana é toda lei, a lei é desumana por estrutura, pois
deixa de lado o particular e, se há juízes, é para humanizá-la."
(Jac-ques-Alain Miller, 1º Congresso Científico da Scuola
Lacaniana Di Psicoanalisi, 2000).Estabelecida a pena de 01
ano e 08 meses de reclusão e 166 dias-multa, é concedido o
sursis pelo prazo de dois anos, mediante as condições do juízo
da execução. Lições de Cezar Roberto Bitencourt, Luigi
Ferrajoli, Zaffaroni, Nilo Batista, Luiz Regis Prado. Ordem
concedida. (DES. SERGIO DE SOUZA VERANI - Julgamento:
21/01/2010 - QUINTA CAMARA CRIMINAL HABEAS CORPUS
Nº 8123/2009)15
De outra banda, contrariamente ao posicionamento anterior
tínhamos outra interpretação, senão vejamos:
E M E N T A CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS.
ABSOLVIÇÃO - INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA
CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONSUMO PRÓPRIO -
APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÁXIMO DE DIMINUIÇÃO
DE PENA, QUE TRATA O §4º, DO ARTIGO 33, DA LEI
ANTIDROGAS - Ao contrário do que alega a defesa, os
depoimentos dos policiais militares ouvidos sob o crivo do
contraditório e da ampla defesa, conduzem à certeza de que o
material entorpecente, jogado pelo apelante ao chão o
15 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. HC 8123/09. Relator Desembargador Sergio de Souza Verani, Quinta Câmara Criminal. Julgado em 21/01/2010.
36
pertencia e que seria utilizado no nefando comércio ilícito de
drogas, o que impossibilita o acolhimento da tese defensiva de
insuficiência de prova - Os depoimentos de militares devem ser
cridos quando coerentes e harmônicos e não contrariados por
outras provas produzidas - Irrelevante para a configuração do
delito de tráfico que o agente não tenha sido surpreendido
comercializando a droga, pois a conduta que lhe é imputada é
de trazer consigo drogas sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar, não sendo exigido,
na hipótese, o dolo específico, vale dizer, a consumação do
ilícito de tráfico de drogas não exige qualquer resultado, como
a venda ou a efetiva entrega da coisa, bastando a simples
posse da droga - A circunstância de ser o apelante usuário de
substância entorpecente, por si só, não afasta a imputação de
tráfico, pois não é incomum o envolvimento deste com o tráfico
para manutenção do próprio vício – A pena base deve ser
diminuída em 2/3 (dois terços), em razão da regra inserta no
§4º, do artigo 33, da Lei Antidrogas, pois que o juiz
sentenciante utilizou-se da única anotação constante da folha
penal do apelante, sem trânsito em julgado, para diminuí-la em
metade .- Nos delitos de tráfico o regime para cumprimento
das penas é o inicial fechado, nos termos do parágrafo
primeiro, do artigo 2º, da Lei nº 11.343/2006.- Os pleitos de
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos e de concessão da suspensão condicional da pena não
merecem acolhimento, uma vez que a nova Lei Antidrogas, em
seu artigo 44, vedou expressamente tais benefícios, em franca
demonstração de que os mesmos se mostram insuficiente e
inadequado à prevenção do delito, à reprovação da conduta ou
à ressocialização do agente - Recurso parcialmente provido.
DES. VALMIR RIBEIRO - Julgamento: 01/09/2010 - OITAVA
CÂMARA CRIMINAL - Apelação nº 0000766-52-2009-8-19-
0028.16
16 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação 0000766-52-2009-8-19-0028, Relator Des. Valmir Ribeiro. 8ª Câmara Criminal, julgado em 01 de setembro de 2010.
37
Surge então a argüição de inconstitucionalidade do artigo 44 da lei
nº 11.343/06, sob o argumento de que, em se tratando de trafico ilícitos de
entorpecentes, a vedação da substituição das penas privativas de liberdade
por restritivas de direitos ofende as garantias constitucionais da
individualização da pena, da inasfatabilidade da apreciação do Poder Judiciário
quanto a lesão ou ameaça de lesão a direito e da proporcionalidade da
resposta penal ao delito.
O Supremo Tribunal Federal em controle difuso de
constitucionalidade, no julgamento do habeas corpus 97256, oriundo do
Estado do Rio Grande do Sul, concedeu a ordem por maioria de votos.
Assim o Ministro Ayres Brito ementou seu voto:
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART.
44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA
RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA
CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
(INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM
PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de
individualização da pena é um caminhar no rumo da
personalização da resposta punitiva do Estado,
desenvolvendo-se em três momentos individuados e
complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a
lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o
poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a
ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto
balanceamento ou de uma empírica ponderação de
circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do
fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção
jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional;
ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar
38
segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial
da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com
ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação
ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já
não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade
física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância
julgadora a possibilidade de se movimentar com certa
discricionariedade nos quadrantes da alternatividade
sancionatórias. 3. As penas restritivas de direitos são, em
essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos,
estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas
elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois
essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo
ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena
privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função
retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção
penal. As demais penas também são vocacionadas para esse
geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e
ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no
caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é
suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar
socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do
gênero. 4. No plano dos tratados e convenções internacionais,
aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido
tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que
se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento
diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao
encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico
Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas,
incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho
de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária,
portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma
comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a
restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de
entorpecentes. 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente
39
para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei
11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a
conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º
do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de
inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de
substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva
de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que
faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da
convolação em causa, na concreta situação do paciente.
Daí adveio a Resolução nº 5 de 15 de fevereiro de 2012 que
suspendeu a execução da expressão “em penas restritivas de direitos” do
parágrafo 4º do artigo 33 da lei de Drogas.
Com isso, parte da doutrina e da jurisprudência entende ser pacifica
a substituição, seguindo o voto do Supremo Tribunal Federal que declarou a
inconstitucionalidade do artigo que a vedada. Entretanto, em que pese o
brilhantismo do voto, e o peso de seus seguidores, encontramos, e não sou
poucos, entendimentos, que a questão deve ser analisada em cada caso em
concreto.
Percebemos então que continua a divergência quanto à aplicação
das penas alternativas no que se refere aos crimes que envolvem o trafico
ilícito de drogas.
Apesar de o Supremo Tribunal Federal haver declarado
incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06 no
julgamento do HC nº 97256/RS, tal declaração não se deu erga omnes, nem
retirou do Judiciário o poder constitucional que tem de interpretar cada caso, a
fim de satisfazer à exigência de individualização da pena. Assim, o
convencimento motivado não está congelado nem a sensibilidade dos juízes
abalada de tal modo que não possam, no caso concreto, desde que de modo
fundamentado, aplicar o regime que melhor atende aos fins da pena.
Os índices crescentes do tráfico de drogas a espalhar, como um
câncer social, a corrosão da saúde pública, das relações familiares e a
40
desencadear a produção de outros muitos crimes, são fatores que, agregados
às peculiaridades de cada caso recomendam maior rigor na aplicação da lei.
Neste sentido temos a Jurisprudência de nossos Tribunais:
Ementa: Crime contra a saúde pública - Tráfico ilícito de
drogas - Preliminar arguindo nulidade do processo a partir da
AIJ realizada por inversão na formulação de perguntas às
testemunhas e ao interrogando - Mera irregularidade -
ausência de prejuízo - Defesa técnica presente ao ato que,
inclusive, formulou perguntas e não fez constar, na ocasião,
qualquer irresignação - Apelante preso em flagrante em
localidade conhecida como de venda de drogas, na posse de
43 (quarenta e três) "papelotes" contendo cloridrato de
cocaína, que pela quantidade e forma de embalagem, se
destinava ao nefasto comércio - Prisão efetuada quando
procurava evadir-se juntamente com comparsas depoimento
de policiais - Validade - Súmula nº 70 do TJERJ - Provas
suficientes para a condenação conquanto a Resolução do
senado nº 05/2012 tenha suspendido a eficácia da expressão
"vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do art.
44 da Lei de Drogas, tal substituição deve ser dirigida aos
traficantes eventuais ou iniciantes, o que não é o caso do
apelante, que possuía em seu poder farta quantidade de
drogas para comercializar e dinheiro, além de agir em conluio
com outros criminosos - O art. 44 da lei nº 11.343/06 veda a
concessão de sursis aos condenados pela prática do delito de
tráfico de drogas - Rejeição da prefacial - Desprovimento do
apelo. (Des. Antonio Jose Ferreira Carvalho - Julgamento:
07/08/2012 - Segunda Câmara Criminal – Apelação nº
0118920-96.2009.8.19.0038).17
17 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação nº 0118920-96.2009.8.19.0038. Relator Desembargador Antonio José Ferreira Carvalho. 2ª Câmara Criminal, julgada em 18 de junho de 2012.
41
CAPÍTULO IV
A EXECUÇÃO DA PENA E A RESSOCIALIZAÇÃO DO
CONDENADO
4.1 – A LEP e a Falência do Sistema Carcerário
Em 1984, foi editada uma lei que busca regular e a execução das
penas e medias de segurança aplicadas àqueles transgressores da norma, que
denominou-se Lei das Execuções Penais.
Possui tal norma objetivos quanto à sua aplicação no sentido de
efetivas as decisões ou sentenças que se destinam à prevenção ou repressão
de delitos, assim como o oferecimento de meios pelos quais os apenados
poderão ter um convívio social integrado à comunidade.
A lei veio proporcionar, mesmo que em abstrato, na intenção do
legislador, a toda população carcerária, os direitos sociais, econômicos e
culturais, objetivando a diminuir o foco de reincidência, observando o principio
da proporcionalidade, que ora se apresentava quando do cumprimento da
pena privativa de liberdade, onde se tinha uma privação de direitos.
Entretanto, não e o que se verifica atualmente, ante a falência do
sistema carcerário, em que o Estado não dispõe dos meios necessários e
efetivos, para cumprir os objetivos e metas traçadas na lei de execução penal,
em especial o seu aspecto ressocializador.
O tema se mostra bastante relevante no estagio atual, até porque
em experiência passada aqui no Brasil e em outros paises, podemos concluir,
a ineficiência do modelo de sistema de penas adotado, que em sua maioria,
revela que a segregação do delinqüente o único meio de punição e prevenção
ao crime não vem atingindo resultados satisfatórios.
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De outra banda, ainda que o senso comum se conclua pela falência
dos organismos prisionais, persiste o desafio da diminuição da população
carcerária, ao argumento de que se tire do convívio aquele que efetivamente
ofereça perigo ao convívio social, dado ao seu comportamento. Aos demais,
onde fatos delituosos constituíram episódios isolados em suas vidas, ficarias
reservadas as penas restritivas de direitos, ou multa, de modo que sempre haja
uma resposta penal ao mal causado de forma proporcional, evitando-se, desta
forma, a exclusão social do sentenciado.
Desse modo, face à realidade do sistema penitenciário, superlotado,
caótico, oneroso, com pouco ou nenhum alcance de seus objetivos, no sentido
de reeducar o delinqüente, imperiosa se mostra a tarefa de perquerir, sempre
que possível, alternativas que tragam à segurança jurídica e a paz social.
4.2 – Da Ressocialização do Condenado
O processo de ressocialização do preso deve se iniciar modificando
a conduta do condenado, harmonizando as regras do convívio social, tornando
o homem capaz de viver em sociedade novamente, sem ser nocivo à
sociedade.
É necessário que se cumpra os ditames da Lei de Execução Penal,
buscando o resgate dos valores do delinqüente como pessoa humana, ainda
quando encarcerado, não lhe “presenteando”com um emprego, ou tratá-lo sem
preconceito.
Deve-se considerar o caráter pedagógico que aquele
encarceramento lhe proporcionou, através de um ambiente favorável à
assimilação de valores morais e éticos benéficos para sociedade, conforme se
infere da intenção do legislador quando da elaboração da norma que seria
aplicada no âmbito da execução penal.
Modernamente, tem-se a falsa idéia de que a pena privativa de
liberdade seria o meio mais eficaz para a reabilitação do delinqüente, ante aos
inúmeros problemas pelos quais passa o sistema carcerário no pais. A prisão
43
corporal não vem obtendo resultados satisfatórios, quanto ao seu caráter
ressocializador.
O cárcere não educa. O encarceramento das pessoas, ao contrario
do que deveria fazer embrutece. Não há aprendizado, nem exercício de
atividade laborativa, não havendo, portanto, um processo gradual de
reinserção no grupo social.
O indivíduo que chega ao termino de sua pena, conseguindo a sua
tão sonhada liberdade, será sempre rotulado como um ex-presidiário, e sua
convivência social será por muito dificultada, uma vez que serão sempre
estigmatizados por nunca terem alcançado a recuperação.
44
CONCLUSÃO
Após inúmeras considerações abordadas no tocante ao tema
proposto nesta trabalho de pesquisa, verifica-se que já dispomos de elementos
suficientes para se concluir acerca das indagações, que de forma indireta,
necessitam de um posicionamento, visando a eliminas as dúvidas existentes
sobre a real aplicabilidade do instituto objeto do estudo.
Obedecer-se-á a uma seqüência lógica, de acordo com os temas
que foram apresentadas, para uma melhor disposição didática.
Verifica-se que, mesmo com a edição de uma lei que trata do
instituto das penas alternativas, que ampliou o rol de possibilidades de
aplicação das penas prevista no diploma repressivo, a imposição da
reprimenda que restringem direitos é pouco utilizada pelo aplicado das leis.
Embora a norma esteja disposta no ordenamento jurídico pátrio,
ainda não alcançou aos objetivos traçados pelo legislador, que pretendida ver
diminuída a população carcerária, reduzindo os custos do sistema
penitenciário, em busca do favorecimento da ressocialização do apenado,
retirando-o do ambiente do cárcere, além de reduzir os índices de reincidência,
pois a pena privativa de liberdade e que apresenta o maior percentual de
reincidentes.
Observa-se que o aplicador do direito estabelece como regra a
imposição da pena privativa de liberdade em detrimento das restritivas de
direitos, adotando-se uma postura contrária à legislação que estabeleceu um
compromisso com um novo modelo de jurisdição consensual e alternativo.
No que se refere às controversas apresentadas, quanto à
possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por um que prive o
condenado de alguns direitos, no tocante aos crimes hediondos e a eles
assemelhados, em especial, os que envolvem o tráfico de drogas, entendo que
quanto aos primeiros, forçoso é o posicionamento pela impossibilidade, até
45
porque os crimes definidos naquela lei, no caso em concreto, na maioria da
vezes o montante da pena é superior a quatro anos, além de se tratar de
delitos cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, não preenchendo,
desta forma, os requisitos exigidos pelo artigo 44 do código Penal.
No tocante aos segundos, entendo que o Juiz, diante do caso em
concreto, analisando as circunstâncias objetivas e subjetivas, somados a
estas, as de caráter pessoal, quando da fixação da pena, oportunidade, em
que se observará a medida de conveniência para a substituição. A prisão é
reservada para as espécies mais graves de ilicitude, ou em outra hipótese,
quando da análise dos antecedentes, a personalidade e a conduta social do
agente recomendam tal providencia.
Conclui-se que diante de ma analise critica se o Estado, através de
seus agentes públicos e políticos, proporcionam uma estrutura basilar para real
implantação do instituto das penas alternativas. A resposta é negativa. Pois,
como é do conhecimento geral, o sistema carcerário se mostra totalmente
falido, não atendendo aos anseios de uma população carcerária, no sentido da
implementação de mecanismos que atendam aos objetivos educacionais e
ressocializadores do preso, adequando este ao convívio social, sem isolá-lo,
livres de preconceitos e estigmas, atendendo, desta forma, uma boa política
criminal.
O Estado, na figura do Juiz, aplicador da norma ao caso em
concreto presta a tutela jurisdicional, harmonizando as relações entre os
integrantes da sociedade, resolvendo de maneira mais justa, pois desta fora
estará procurando dar a segurança jurídica e a paz social, com vistas ao bem
estar comum.
Evidencia-se assim que o instituto das penas alternativas deveria
ser amplamente aplicado, pois é possuidor de um caráter pedagógico que
auxilia na reeducação do condenado, quando imposto de maneira coerente,
visando aos anseios da sociedade que clama por justiça, que muitas vezes, é
confundido com um sentimento de vingança.
Destarte, o que se observa é que as penas restritivas de direitos
uma vez aplicada, vem se divorciando da finalidade para qual foi criada, mas
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sim uma forma de esvaziamento da população carcerária, em razão da
falência de todo sistema de execução penal no pais, como também, vem
sendo utilizada como forma de despenalização da norma penal, evidenciando
assim em verdadeira forma de mitigação do poder punitivo do Estado.
47
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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ref. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 6 ed. São Paulo:
Saraiva, 2003.
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Editora Lumen Juris, 2003.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica (você conhece?).
8 ed. Rio de Janeiro: Editora forense, 2000.
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atualizada. São Paulo: Saraiva, 1999.
GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à prisão. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999.
48
MORAES, Guilherme Pena de. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São
Paulo: Atlas,2012.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 17 ed. Revista e atualizada.
Rio de Janeiro: Forense, 1999.
NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral: Parte
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NUCCI, Guilherme Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 9 ed.
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NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5
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PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em História. 2 ed. Nova Friburgo: Imagem
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RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2013..
SCHIMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória: Teoria e Prática.
6 ed. Ver., ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2011.
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ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
DIREITO E PENA 10
1.1 – Origem do Direito Penal 10
1.2 – Evolução Histórica 11
1.3 – Conceitos Basilares 18
1.4 – Princípios Constitucionais 19
1.5 – Finalidades 20
1.6 – Classificação das Penas 20
CAPÍTULO II
DAS PENAS ALTERNATIVAS 22
2.1 – Origem 22
2.2 – Classificação 23
2.3 – Natureza Jurídica 23
2.4 – Requisitos 24
CAPÍTULO III
QUESTÕES CONTROVERTIDAS 27
3.1 – Quanto aos crimes hediondos 27
3.1.1 – Jurisprudência aplicada 28
50
3.1.2 – Posicionamento Doutrinário 30
3.2 – Quanto à lei de drogas 32
CAPÍTULO IV
EXECUÇÃO DA PENA E A RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO 41
4.1 – A LEP e a falência do sistema carcerário 41
4.2 – Da ressocialização do condenado 42
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 47
ÍNDICE 49