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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU FACULDADE INTEGRADA AVM NULIDADES DE PROVAS ENVOLVENDO CRIMES FINANCEIROS Por: PETER AONDOAKAA UNONGO Orientadora Profª. MÔNICA FERREIRA DE MELO Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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Page 1: DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · Por fim, são destacados e analisados os fundamentos dos dois casos referidos acima, nos quais, os Tribunais, em especial, o STJ,

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

FACULDADE INTEGRADA AVM

NULIDADES DE PROVAS ENVOLVENDO CRIMES

FINANCEIROS

Por: PETER AONDOAKAA UNONGO

Orientadora

Profª. MÔNICA FERREIRA DE MELO

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

FACULDADE INTEGRADA AVM

NULIDADES DE PROVAS ENVOLVENDO CRIMES

FINANCEIROS

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito e

Processo Penal

Por:. Peter Aondoakaa Unongo.

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AGRADECIMENTOS

Às minhas filhas e esposa pela

compreensão e apoio constantes.

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DEDICATÓRIA

Dedico aos meus pais Peter Unongo (in

memoriam) e Felícia Unongo (in

memoriam) pelo investimento sem par na

minha formação fundamental, a mais

importante na vida de qualquer ser

humano. Muito Obrigado!

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RESUMO

A presente obra examina os fundamentos jurídicos doutrinários e

jurisprudenciais das nulidades de provas envolvendo crimes financeiros,

decretadas pelo Superior Tribunal de Justiça, no curso dos processos das

Operações “Castelo de Areia” e “Satiagraha”, deflagradas pela Polícia Federal

em meados de 2008/2009. O tema dos crimes de colarinho branco é bastante

palpitante, ainda mais, fazer a sua analise relacionada à questão das nulidades

no processo penal. Praticados sem violência, por pessoas de respeitabilidade,

como empresários influentes, seus reflexos atingem toda a coletividade,

ameaçam a credibilidade da atividade econômico-financeira e refreiam

investimentos financeiros no País, contribuindo com o retrocesso do

desenvolvimento nacional. Apesar de sua gravidade, não se admite, no curso

do seu processo, a prática de atos processuais atípicos ou o uso de provas

ilícitas, situação que enseja a nulidade dos atos, das provas ou do próprio

processo penal. A priori, a obra procura conceituar os crimes financeiros,

delimitar a sua amplitude, explicitar a composição e o funcionamento do

Sistema Financeiro e demonstrar a interação deste com a ordem econômica,

ligação realçada pela Constituição vigente. Por seu papel central, desde a

investigação à prolação da sentença, as provas também são examinadas, em

especial as provas ilícitas, detendo-se mais sobre a teoria dos frutos da árvore

envenenada ou venenosa, cuja aplicabilidade levou à anulação dos casos

concretos analisados. Sob a ótica da teoria geral dos atos jurídicos, destaca-se

a atipicidade como o aspecto relevante na identificação das nulidades. Por fim,

entende-se que as nulidades servem como forma de concretização do devido

processo legal.

Palavras chave: Crimes financeiros. Provas. Provas ilícitas. Nulidades.

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METODOLOGIA

O trabalho está embasado em fontes bibliográficas de renomados

juristas como Ada Pellegrini Grinover, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis

Prado, dentre outros. Igualmente, apoia-se, na vasta jurisprudência sobre o

tema, bem como em fontes webgráficas, como artigos de revistas e jornais

especializados no assunto.

Ante a proposta e os objetivos da monografia, a sua elaboração teve

como fonte primária e indispensável os acórdãos dos Tribunais Superiores

referentes aos casos concretos sob análise, envolvendo as nulidades de

provas apontadas nas investigações da Polícia Federal e nas denúncias do

Ministério Público Federal.

Outra fonte importante para a composição da presente obra foi o texto

da Lei 7.496/86, conhecida como a Lei do colarinho branco brasileira, além de

outras normas correlatas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 08 CAPÍTULO I – CRIMES FINANCEIROS: contexto, conceito e amplitude ........ 10 CAPÍTULO II – AS PROVAS NO PROCESSO PENAL ................................... 35 CAPÍTULO III – NULIDADES NO PROCESSO PENAL....................................51 CAPÍTULO IV – CRIMES FINANCEIROS: casos concretos de nulidades nos Tribunais .......................................................................................................... 66 CONCLUSÃO ................................................................................................ 102 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 109 WEBGRAFIA...................................................................................................111 ÍNDICE ........................................................................................................... 113

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INTRODUÇÃO

Há alguns anos atrás (2008/2009), provas e processos envolvendo

crimes financeiros ou de colarinho branco, oriundos de megaoperações,

conhecidas como “Castelo de Areia” e “Satiagraha”, deflagradas pela Polícia

Federal, foram anulados ab initio, pelo Superior Tribunal Justiça, com

fundamento em nulidades e ilicitudes, obrigando o Ministério Público Federal a

oferecer outras denúncias com base em provas novas sem máculas.

Indaga-se, então, que irregularidades suscitaram tais nulidades? E

quais os fundamentos de sua decretação? Eis aí a situação-problema, objeto

deste trabalho.

Com o propósito de responder às referidas questões, o presente

trabalho tem como objetivo estudar a questão das nulidades no processo penal

e compreender os fundamentos doutrinários e jurisprudenciais pelos quais o

STJ anulou as provas e processos dos mencionados casos, envolvendo crimes

financeiros.

O assunto é instigante e de extrema importância, considerando que

as mesmas inquietações motivaram alguns parlamentares a sugerir a

convocação dos ministros do Superior Tribunal de Justiça para deporem acerca

dos fundamentos jurídicos de tais anulações (independente das convocações

serem cabíveis ou não) (www.estadao.com.br, acessado em 06 Abr. 2013).

Ainda, justifica-se o presente estudo em face da contribuição que

poderá oferecer com vistas ao aprimoramento do trabalho, tanto da PF, quanto

do MPF. Até porque, refletir sobre tais erros do passado, evitará que os

mesmos se repitam nas futuras investigações, contribuindo com a efetividade

do processo e o fim da impunidade.

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Ademais, a decretação de nulidades processuais referente a crimes

envolvendo empresários de renome no âmbito nacional, além de causar

frustrações, por parte dos investigadores, devido à sensação de tempo e

recursos desperdiçados, espalhou no imaginário da grande massa da

sociedade – talvez por desconhecimento do que seja o devido processo legal –

uma sensação de impunidade, dando a impressão de que a Polícia e o

Ministério Público prendem, enquanto o Judiciário solta.

Em meio a essas indagações e questionamentos, surgem hipóteses

de como superar o referido quadro. Pois bem, sabe-se que, só ocorrem

nulidades quando há violação à norma ou a algum princípio jurídico. Portanto,

se as investigações forem conduzidas com respeito às garantias e direitos

fundamentais dos investigados, as provas daí obtidas não serão anuladas.

Outra hipótese é que, se os métodos e técnicas da investigação

criminal forem condizentes com o Estado democrático de direito, então as

provas e os processos não serão anulados pelo judiciário. Ainda, suponha-se

que sejam reformulados e atualizados os tipos penais da lei dos crimes

financeiros, que é dos idos de 1986, isto facilitaria o trabalho dos órgãos de

persecução penal e dos aplicadores do direito em geral.

Então, caminhando-se em direção ao objetivo proposto, é

necessário conceituar os crimes financeiros, dimensionar o seu contexto e sua

amplitude. Em seguida, abordar a questão das provas no processo penal e

adentrar, na seqüência, o cerne do trabalho: as nulidades no processo penal.

Por fim, são destacados e analisados os fundamentos dos dois casos referidos

acima, nos quais, os Tribunais, em especial, o STJ, apontaram ilicitudes e

vícios processuais ensejando a anulação de suas provas e dos processos.

Com o detalhamento, a seguir, dos conteúdos propostos, espera-se

contribuir, de forma singela, com o debate nacional que anseia por uma

sociedade sem impunidade, justa e solidária, através da reforma da legislação

econômico-financeira, que desde o seu nascedouro enfrenta críticas ferrenhas.

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CAPÍTULO I

CRIMES FINANCEIROS: contexto, conceito e amplitude

Atualmente a Ordem Econômica encontra-se disciplinada em

conjunto com a Ordem Financeira, no título VII da Carta Magna. De certa

maneira, isto evidencia o reconhecimento da interação e interdependência, em

nível constitucional, dessas duas ordens ou dois “braços” do mesmo sistema

econômico capitalista adotado pelo País.

Ocorre que, no contexto dessa dinâmica de mútua influência e

compartilhamento de princípios correlatos surgem também alguns males

assemelhados, tais como; os crimes financeiros, ou seja, crimes da ordem

econômica e financeira ou a criminalidade econômica.

O referido contexto se confirma em nível infraconstitucional, uma vez

que o artigo 23 da própria Lei Penal Especial 7.492/86, que define os crimes

financeiros, consigna que tais condutas afetam o funcionamento regular do

Sistema Financeiro Nacional, bem como os valores e interesses da ordem

econômico-financeira. Portanto, estes, claramente, compõem o seu objeto de

tutela e os elementos caracterizadores do seu contexto.

Conclui-se, portanto, a despeito de algumas críticas doutrinárias,

que a proteção da Lei 7.492/86 alcança inclusive interesses e valores da ordem

econômica e financeira. Conclusão que independe do subjetivismo da

expressão “ordem econômico-financeira” ou da “duvidosa constitucionalidade

do próprio dispositivo em questão”, apontados por Tortima (2011, p.149 e 150).

Da mesma forma, apesar do alerta de Prado (2011, p. 224), a dúvida

quanto à função cumulativa ou alternativa da expressão “bem como” contida no

artigo 23, da Lei 7.492/86, não interfere na abrangência desta norma. Isto

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porque, tal indefinição atinge apenas o modo de consumação da prevaricação

especial do referido artigo.

Deste modo, a interpretação cumulativa favorecerá o acusado,

considerando que a prevaricação, neste caso, só se consumaria se houver

prejuízo, tanto ao sistema financeiro quanto aos valores e interesses da ordem

econômico-financeira; enquanto que, sob o ponto de vista alternativa, o

acusado responderá de qualquer maneira por este crime, uma vez que ele se

consumaria com a simples ofensa a qualquer um desses bens protegidos.

Eis que na mesma esteira, segundo a qual os crimes financeiros

atingem tanto o Sistema Financeiro Nacional quanto os valores e interesses da

ordem econômico-financeira, caminha o magistério de Ali Mazloum (2007).

Neste sentido, referindo-se aos bens jurídicos tutelados pela Lei Especial

7.492/86, ele afirmou que:

A rigor, as condutas típicas afetam a ordem financeira porquanto atentatórias a bens ou interesses jurídicos que se encontram na orbita da ordem econômica. Apenas de forma secundária e incidental é que bens individuais acabam ingressando na orbita de proteção legal. Mas, a tônica da proteção penal repousa no interesse coletivo representado pelo Sistema Financeiro Nacional. Registre-se que a prática dos crimes de colarinho branco pode, por vezes, atingir a Ordem Econômica diretamente em sua base de sustentação, formada, como se disse, pelos valores e princípios postos na Constituição Federal (livre iniciativa, livre concorrência, etc.); outras vezes, é o mais comum, pode ofendê-la em seus aspectos organizacional e funcional. (...) merecendo destaque os seguintes, no dizer de João Marcello de Araujo Junior: a organização do mercado; a regularidade dos seus instrumentos; a confiança nele exigida; e a segurança dos negócios (p. 43 e 44).

Daí afirmarem, na mesma linha, Rodrigo Sánchez Rios e Daniel

Laufer (2011), que os crimes financeiros são considerados como espécie do

gênero delitos econômicos, objeto de estudo do moderno Direto Penal

Econômico ou Direto Penal Socioeconômico, orientado por princípios

constitucionais.

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Nessa quadra, porém, é preciso enfatizar que, em observância aos

princípios da subsidiariedade, fragmentariedade e lesividade, a proteção penal,

como em qualquer área da vida social, deve ser o derradeiro recurso de

intervenção estatal, atingindo somente as condutas mais graves e que

autenticamente lesionem os bens e interesses jurídicos fundamentais do

âmbito econômico-financeiro.

Na verdade, ao se afirmar que a expressão Ordem Econômica e

Financeira apresenta duas “ordens”, “braços” ou “sistemas” do mesmo

mercado capitalista democrático pelo qual o País optou, tem-se em mente o

fato das referidas ordens (econômica e financeira) possuírem normas legais

próprias de disciplina, organização e funcionamento, portanto, normas gerais

não incriminadoras. Entretanto, saliente-se que, com elas coexistem as normas

penais, que incriminam determinadas condutas nocivas a bens essenciais para

a coletividade do meio econômico-financeiro.

Em suma, a incidência mais drástica do direito penal neste âmbito é

subsidiária, mas concomitante, nos quesitos de maior importância a ele

reservados pelo legislador. Dessa lógica e estrutura constitucional, percebe-se

que os crimes financeiros pertencem a um subsistema inserto numa

superestrutura de subsistemas com papéis definidos.

Em outras palavras, a ampla estrutura que logo se apresenta, neste

caso, é a Ordem Econômica e Financeira, com os princípios gerais da atividade

econômico-financeira, nela estando inserido o Sistema Financeiro Nacional.

Este, por seu turno, além de seus princípios peculiares de funcionamento,

possui tipos penais específicos (os crimes financeiros), que protegem bens,

valores e interesses no seu seio, que foram previamente selecionados pelo

legislador como merecedores de tutela penal.

Focando, em especifico, o Sistema Financeiro Nacional, é

interessante observar a inversão percorrida na sua disciplina e proteção,

porque antes que a Constituição de 1988 avocasse a si o estabelecimento de

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suas diretrizes, as questões financeiras já eram objeto de normas

infraconstitucionais especiais como da Lei 4.595/64 (reforma bancária), Lei

4.728/65 (mercado de capitais), Lei 6.385/76 (criação de CVM para fiscalizar o

mercado de valores) e da Lei 7.492/86 (dos crimes financeiros).

Hoje, sem dúvida, a base constitucional da Ordem Econômica e

Financeira é a Constituição de 1988, sendo, porém, a de 1934, o nascedouro

de fato da Ordem Econômica. Enfim, superando a inversão de tratamento

legislativo e a omissão das Constituições anteriores em relação à disciplina e

normatização do Sistema Financeiro Nacional, a atual Carta Maior inovou

triplamente na sua abordagem.

Dentre as inovações, destaca-se, em primeiro lugar, a própria

constitucionalização do Sistema Financeiro Nacional, através do título “Ordem

Econômica e Financeira” (título VII da CF/88). Em segundo lugar, o fato de a

Ordem Econômica ter sido disciplinada em conjunto com o sistema financeiro e

não mais com a Ordem Social como ocorreu nas Constituições entre 1934 e

1969, sob a nomenclatura de “Ordem Econômica e Social”.

Aliás, com essa postura o constituinte realçou a relação íntima

existente entre a Ordem Econômica e a Financeira, como já foi destacado,

reconhecendo a interdependência, mútua influência, orientação por princípios

correlatos e o caráter assemelhado de seus males.

Por fim, a terceira inovação encontra-se na conciliação do sistema

financeiro com a questão da justiça social e do bem estar da coletividade,

conforme preconizado pelos artigos 70 e 192 da CF/88.

Ora, quanto à Ordem Econômica, juristas renomados como Eros

Roberto Grau (2005), Vital Martins Moreira (2009) e Luiz Regis Prado (2011),

alertam que tal expressão é ambígua, possuindo pelo menos três significados

possíveis. Dois deles refletem aspectos relativos ao mundo do dever-ser e o

outro do mundo do ser. Em outras palavras, a Ordem Econômica denota o que

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se idealiza juridicamente em relação à economia e, ao mesmo tempo, descreve

a realidade econômica concreta e fática que ocorre.

No âmbito da Ordem Econômica, interessa ao trabalho consignar

que, segundo o ensinamento de Garcia Martin, trazido à colação por Prado

(2011), a proteção penal é dirigida às atividades realizadas no âmbito

econômico-empresarial, imbricadas entre si, o que abrange, na visão de

Antolisei (apud PRADO, 2011), “a intervenção estatal na economia, a

organização, o desenvolvimento e a conservação dos bens econômicos

(inclusive serviços), bem como sua produção, circulação, distribuição e

consumo” (p. 39).

De acordo com essa concepção, nas palavras de Luiz Regis Prado

(2011), o bem jurídico da Ordem Econômica “acaba por agasalhar as ordens

tributária, financeira, monetária e a relação de consumo”, consagrando, “em

sede penal, um conceito amplo de delito econômico, mas não totalizador ou

amplíssimo”. (p. 40).

Porém, a despeito da amplitude do delito econômico, o gênero dos

crimes financeiros, pelo princípio da reserva legal, a qualidade de crimes

financeiros atribui-se apenas aos delitos de caráter econômico-financeiro e/ou

monetário, desde que devidamente tipificados em norma penal. De modo que,

para o efeito deste trabalho, limitar-se-á a tal contexto.

1.1 O conceito e amplitude dos crimes financeiros

A compreensão do que sejam crimes financeiros passa pela

definição geral de crime. Era idéia comum entre os gregos e romanos da

antiguidade considerar o crime como toda ação humana que causasse repúdio

e indignação pública. Dessa percepção, prescreveram normas proibitivas

acompanhadas de punições para seus transgressores.

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Após um longo período do desenvolvimento jurídico da teoria do

crime, os doutrinadores consagraram as concepções formal, material e

analítica como sendo as predominantes, das quais, interessam a este trabalho

as duas primeiras.

Sob o aspecto formal, o crime é a violação de uma lei penal. Já sob

o ângulo material, é a conduta que lesa ou expõe a perigo de lesão um bem

protegido pela norma penal. O conceito formal centraliza-se na lei penal

infringida e o material enfatiza a lesão ou a ameaça de lesão ao bem protegido

penalmente. O ponto em comum é a conduta humana que, do ponto de vista

formal, contraria a descrição legal proibitiva e, na realidade material, lesa ou

expõe a perigo de lesão um bem protegido pela lei penal.

Cabe aqui o registro da existência de uma nova teoria do crime

muito interessante, conhecida por teoria constitucionalista do delito, defendida

no Brasil pelo jurista Luiz Flavio Gomes e na Argentina por Eugenio Zaffaroni.

Como o próprio nome sugere, essa teoria se fundamenta em bases

constitucionalistas, adequando a teoria do delito ao modelo do Estado vigente,

superando as bases naturalistas e ontológicas, bem como a filosofia dos

valores e os fins da pena e da norma. (http://jus.com.br, acessado em 16 Fev.

2013).

Ora, quanto à nomenclatura dos crimes, normalmente o próprio

legislador atribui designações específicas aos fatos puníveis, simplificando a

compreensão das longas descrições dos tipos penais. Por exemplo, o tipo

penal em abstrato que diz: “ofender a integridade corporal ou a saúde de

outrem” recebe o nome de “lesão corporal” (art. 129, caput do CP). Este nome

legal é conhecido por nomen júris.

Por sua vez, conforme os ensinamentos de Jose Frederico Marques

(apud JESUS, 1999), como fruto do “trabalho construtivo de sistematização

científica da teoria do crime”, a doutrina também atribui qualificações aos fatos

criminosos, fazendo distinções entres elas com base nos “(...) múltiplos

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elementos essenciais da norma penal e da infração, da estrutura desta e de

seu conteúdo”. (p. 187).

A partir deste esforço doutrinário, cunhou-se, por exemplo, a

expressão “crimes financeiros”. Estes, de modo geral, referem-se ao conjunto

de crimes relacionados com recursos financeiros e econômicos da coletividade

(País), em consonância com os significados dos termos finanças e financeiro,

extraídos do minidicionário da língua portuguesa do Século XXI de Aurélio

(2002).

É preciso salientar que, os crimes financeiros se diferem dos crimes

contra os bens individuais de valor econômico, cujo nomen juris já tinha sido

definido pela doutrina como “crimes contra o patrimônio” ou “crimes

patrimoniais”, referindo-se, neste caso, aos delitos do Título II do Código Penal,

que abrange os artigos 157 a 183.

Neste particular, segundo a doutrina de Mirabete (2001, p. 219), a

designação de crimes patrimoniais deveria incluir os crimes contra os direitos

do autor (patentes, marcas etc.) - tratados pelo título III, do Código Penal,

(alterado pela Lei 9.279/96), referente aos crimes contra a propriedade

imaterial - bem como pelo Decreto Lei nº 7.903/45 (com as alterações do

Decreto Lei 8.481/45 e revogações da Lei 9.279/96).

A respeito da definição e amplitude dos crimes financeiros, é preciso

consignar que ainda não há consenso doutrinário ou jurisprudencial. A

propósito, poucos doutrinadores consultados se detêm sobre seu conceito

propriamente dito. No entanto, é imprescindível estabelecer de antemão a

abrangência dessa categoria de crimes para melhor defini-los.

Quanto ao desenvolvimento doutrinário do tema, anota-se, em

primeiro lugar, que Jose Carlos Tortima (2011, p. 1), por exemplo, apenas cita

que juristas renomados como Manoel Pedro Pimentel, René Ariel Dotti, Miguel

Reale Junior e Sérgio Pitombo, dentre outros, comungam do entendimento de

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que tal conjunto contempla “todas as infrações de caráter econômico,

financeiro e tributário” como propuseram no Anteprojeto da Reforma da Parte

Especial do Código Penal, antes da Lei 7.492/86.

No entendimento de Ali Mazloum (2007), as figuras penais da Lei

7.492/86, devem ser consideradas como crimes contra a Ordem Econômica,

porque protegem bens e interesses abrangidos pelos amplos princípios do

Direito Penal Econômico. Ele ainda critica que, apesar do sentido amplo da

terminologia utilizada por essa lei, em termos de conteúdo, ela deixou de fora

algumas infrações de natureza econômico-financeira.

Em suma, Mazloum (2007) afirma que, em respeito ao principio da

reserva legal, os crimes financeiros designam:

As condutas lesivas ou perigosas que atentem contra o sistema financeiro nacional, o qual abarca o mercado financeiro e o mercado de capitais. Em face do princípio da reserva legal, cumpre acentuar que somente as condutas descritas nesta lei especial podem ser consideradas atentatórias a esse sistema, ficando de fora outras infrações que, embora de caráter econômico, visem a tutelar outros bens ou interesses tais como relativos ao consumidor, ao meio ambiente e à economia popular (p. 40).

Por sua vez, Luiz Regis Prado (2011) registra acerca do tema que

estudiosos estrangeiros da atualidade, como Fernandez Albor, preferem a

expressão “criminalidade econômica” nas suas referências aos crimes contra o

Sistema Financeiro ou do colarinho branco, que na concepção original de

Sutherland, (apud PRADO, 2011), são delitos praticados “em determinado

âmbito profissional, por pessoa respeitável e de elevado status social” (p. 153).

E, frise-se, esse meio profissional é, justamente, o econômico-financeiro.

Dos escritos de Bitencourt e Breda (2010), aduz-se que os crimes

financeiros são aqueles que atingem “os mercados financeiros, de capitais e

cambial”. (p. 315). Prefaciando a mesma obra dos mencionados autores, Luiz

Flavio Gomes (2010), em alguns trechos, referiu-se aos crimes contra o

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sistema financeiro e contra os mercados de capitais como a criminalidade

econômico-financeira, contra a qual, ele alerta, ronda o Direito penal do inimigo

na America Latina.

Por fim, apreende-se também da pesquisa realizada que, os

doutrinadores, em geral, utilizam a expressão crimes financeiros a título de

uma abreviação dos crimes tipificados nas Leis 7.492/86 e 6.385/76.

Rios e Laufer (2011), por seu turno, com base nas lições de Klaus

Tiedemann e Luis Garcia Martin, destacam que os crimes financeiros integram

o amplo rol dos delitos econômicos (objeto do moderno Direito Penal

Econômico), que para uma grande parte da doutrina penal atual abrange:

As transgressões no âmbito do Direito Administrativo-Econômico (...); aquelas infrações contra bens jurídicos coletivos ou supraindividuais da vida econômica; (...) delitos patrimoniais clássicos (estelionato etc.) sempre e quando coloquem em perigo patrimônios supraindividuais ou quando constituam abuso de medidas e instrumentos da economia (precisamente no âmbito dos delitos contra o sistema financeiro, as falsidades de informações etc.) (p. 168).

Quanto à amplitude do conceito dos delitos econômicos,

prosseguem Rios e Laufer (2011) a dizer, claramente, que:

Assim, situam-se dentro deste conceito, dentre outros, os delitos contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986), contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990 e art.334, CP), crimes contra a seguridade social (art.168-A e 337-A do CP), a lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998), crimes contra o procedimento licitatório (Lei 8.666/1993) e os crimes contra o meio ambiente (Lei 9.605/1958) (p. 169).

Daí, concluem os referidos doutrinadores que a discussão sobre o

conceito dos delitos econômicos, o gênero dos delitos financeiros, está

superada.

No entanto, o mesmo ainda não ocorreu em relação ao conceito de

crimes financeiros. Pois, na correta avaliação de Montenegro e Coelho (2008),

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a doutrina brasileira é incipiente neste campo, preferindo tratá-lo de forma

pontual, a partir de determinados normativos.

Montenegro (2012) esclarece tal incipiência numa obra individual

afirmando que:

No ordenamento jurídico brasileiro, ainda inexiste tipificação específica para “crime financeiro” propriamente dito, no entanto, essa é a terminologia utilizada em muitos países, inclusive no Brasil, para designar crimes não violentos que envolvem pecúnia (p. 36).

Dito isso, em seguida, Montenegro (2012) recorre à sua obra em

conjunto com Coelho (2008), na qual conceituaram os “crimes financeiros”

como sendo:

(...) não apenas delitos contra o sistema financeiro nacional, mas todo aquele praticado com conotação financeira, sem o uso de violência, danoso à sociedade e que tenha como objetivo final a obtenção de lucro. (...) geralmente esses crimes são praticados com a utilização de meios ardilosos, dissimulados, com emprego de tecnologia avançada e, muitas vezes, com o auxílio de agente público. (MONTENEGRO e COELHO apud MONTENEGRO, p. 36).

É de se notar que tal conceito possui uma abrangência semelhante

ao dos delitos econômicos, que há pouco se atribuiu a Rios e Laufer (2011),

por ter incluído no bojo dos crimes financeiros outros crimes fora do sistema

financeiro nacional. Tal extensão, como se viu, foi afastada por Mazloum

(2007) em relação aos crimes financeiros, em respeito ao principio da reserva

legal.

Ademais, se por um lado é justificável a amplitude da definição de

Rios e Laufer (2011) - considerando que ela se refere aos crimes econômicos,

gênero dos crimes financeiros, tendo assinalado os autores, inclusive, a

coletividade do bem jurídico atingido - por outro lado, é incabível a ampliação

feita por Montenegro e Coelho (2008), com base apenas no aspecto

pecuniário, conotação financeira e objetivo de lucro.

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Neste aspecto, saliente-se que, o bem jurídico atingido pelos crimes

financeiros não se resume a questões pecuniárias, existindo tipos penais da

própria Lei 7.492/86, cujo bem jurídico protegido é simplesmente a manutenção

da fé pública, ou seja, a confiança no Sistema Financeiro, cujo papel é

preponderante.

Afora disso, estender o objetivo de lucro a todos os tipos criminais

dessa natureza seria prejudicial. Porque, de um lado, nem sempre a

persecução penal poderá prová-lo e, do outro, a sua presunção cercearia a

defesa do acusado. Assim, a adoção desse raciocínio inviabilizaria a

consumação de tipos penais, por exemplo, dos artigos 18 e 21 da Lei 7.492/86,

que tutelam a probidade do Sistema Financeiro e a fé pública no mercado de

câmbio, respectivamente.

Alem disso, se estaria firmando entendimento contrário ao consenso

atual de que a consumação dos crimes dos mencionados artigos se dá apenas

com o perigo de dano aos bens protegidos, mesmo que o sujeito ativo não

obtenha o fim desejado, seja ele, até mesmo, o lucro, como pretendem

Montenegro e Coelho (2008).

A respeito dos artigos 18 e 21 da Lei 7.492/86, semelhantes

observações são apontadas nas obras de Mazloum (2007, p. 230 e 258) e

Prado (2011, p. 210 e 218), respectivamente. De modo que, a melhor opção

deve ser pela definição mais restritiva dos crimes financeiros, o que coaduna

com a tendência da Jurisprudência Nacional, como se vê a seguir.

Em relação à Jurisprudência Nacional, a mesma tem incorporado e

utilizado a expressão “crimes financeiros”, sempre se referindo estritamente

aos crimes da Lei 7.492/86, ou seja, aos tipos penais desta norma especial,

como se nota nos seguintes Habeas Corpus do STF: HC 115.405 SP; HC

98.841 RJ; HC 93.368 PR; HC 89.908 PR e HC 85.060 PR. Da mesma forma

consta dos seguintes acórdãos do STJ: HC 182.791 RS; REsp. 897.656 PR;

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HC 111.527 PR; HC 238.317 SP e HC 178.011 AM. (http://www.stf.jus.br e

http://www.stj.jus.br, acessado em 16 Fev. 2013).

Vale observar que, em Juízo, às vezes, pode haver desclassificação

ou retificação da definição jurídica dos fatos narrados na denúncia ou queixa-

crime - em conformidade com os artigos 383 e 384 do CPP - afastando até

mesmo o seu enquadramento na Lei 7.492/86, o que seria algo bem diferente

de inicialmente considerar uma situação fática que não configure crime

financeiro como se fosse e vice versa. Entretanto, tal seria assunto para outro

momento.

Retomando a visão da Jurisprudência pátria acerca dos crimes

financeiros, nota-se que, no caso do HC nº 115.405 SP, por exemplo, em

decisão monocrática, o Ministro Luiz Fux usa de forma intercalada as

expressões “crimes financeiros” e crimes contra o Sistema Financeiro Nacional,

admitindo que a Lei 7.492/86 dispõe sobre crimes financeiros. Destaca-se o

trecho que interessa:

CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. CRIMES FINANCEIROS E DE LAVAGEM DE DINHEIRO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE CUMULADA COM PENA DE MULTA. INDULTO DA PRIMEIRA E INSCRIÇÃO DA SEGUNDA NA DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL QUE SE DECLAROU INCOMPETENTE PARA ANALISAR O PEDIDO DE INDULTO DA MULTA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO FISCAL. IMPETRAÇÃO DE HHCC NO TJ/SP E NO STJ. NÃO CONHECIMENTO SOB O FUNDAMENTO DE QUE A MATÉRIA VEICULADA É ESTRANHA AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO, OBJETO DE TUTELA NO HABEAS CORPUS (CF, ART. 5º, INC. LXVIII). (....). Decisão: (...) Resuma dos autos que o paciente foi condenado pela prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional à pena de 10 (dez) anos de reclusão e 240 (duzentos e quarenta) dias-multa (...). (STF, HC 115405 SP, Relator Ministro LUIZ FUX. Julgamento: 09.10.2012. Publicação: DJe-201, em 11.10.2012 e 15.10.2012). (http://www.stf.jus.br, acessado em 16 Fev. 2013).

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Sua excelência, o Ministro Luiz Fux, ratificou esse entendimento no

HC nº 93.368 PR, julgado pela 1ª Turma do STF, empregando, desta vez, a

expressão “delitos financeiros” a título de sinônimo de “crimes financeiros”.

Novamente, referindo-se aos crimes tipificados na Lei 7.492/86. Eis a parte

relevante do voto que proferiu:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI Nº 7.492/86, ARTS. 4º, 16 E 22, PARÁGRAFO ÚNICO. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI Nº 9.613/98, ART. 1º, VI E VII C/C ARTIGO 1º,§ 1º, II C/C ARTIGO 1º, § 2º, II C/C ARTIGO 1º, § 4º. CONEXÃO HÁBIL A FIXAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO PREVENTO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA QUE PREJUDICA A ANÁLISE DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA DA INÉPCIA DA DENÚNCIA. COMPATIBILIDADE ENTRE OS CRIMES DOS ARTIGOS 4º E 16 DA LEI 7.492/86. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVA NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A conexão probatória impõe a reunião das ações penais para julgamento simultâneo, máxime quando se trata de delitos financeiros apurados em determinado juízo de onde emanam informações de negócios cruzados entre as empresas envolvidas (...). (STF, HC 93368 PR, Relator Ministro LUIZ FUX. Julgamento: 09.08.2011. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-163, em 24.08.2011). (http://www.stf.jus.br, acessado em 16 Fev. 2013).

Um detalhe a ressaltar em relação a esses julgados é o surgimento

de alguns assuntos adjacentes, ligados à estrutura do combate aos crimes

financeiros, como a criação e/ou transformação de Juízos Federais em Varas

Especializadas em Crimes Financeiros (HC 93.368 PR); a implantação de

Delegacias Especializadas em Crimes Financeiros e Lavagem de dinheiro, no

âmbito da Polícia Federal (HC 85.060 PR e HC 98.841 RJ) e a estruturação de

Grupo de Trabalho em Lavagem de Dinheiro e Crimes Financeiros, no âmbito

do Ministério Público Federal (AP 470/MG-137 STF - http://www.stf.jus.br,

acessado em 16 Fev. 2013).

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As supracitadas medidas estatais, é preciso esclarecer, integram a

Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime de Lavagem de

Dinheiro (ENCCLA), instalada com o fim de coordenar e articular de forma

permanente, em nível nacional, o combate sistemático e organizado aos

mencionados crimes, inclusive aos crimes financeiros, que se tornaram

preocupação nacional e internacional. Por exemplo, em nível nacional, após

quase seis anos de vigência da Lei Contra a Lavagem de Dinheiro (Lei

9.613/98), ainda era notável a grande defasagem entre os casos resolvidos e

os índices reais do crime de lavagem de dinheiro, o que caracterizava a

ineficiência na sua aplicação. (http://portal.mj.gov.br, acessado em 16 Fev.

2013).

Assim, estes e outros fatores levaram o Ministério da Justiça a

convencer, no final de 2003, os demais órgãos dos três poderes da República,

dos Ministérios Públicos e da sociedade civil para a necessidade de se criar a

ENCCLA, cuja estrutura integra, por exemplo, no âmbito do Executivo Federal,

órgãos de combate aos crimes financeiros como o COAF e o Departamento de

Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros, ligados ao Banco Central, dentre

outros, criados a partir da Lei 9.613/98 sobre Lavagem de Dinheiro.

(http://portal.mj.gov.br e https://www.coaf.fazenda.gov.br, acessado em 16 Fev.

2013).

Devido à complexidade e transnacionalidade dos crimes envolvidos,

a filosofia de trabalho da ENCCLA é empregar pessoas e estruturas

especializadas, por exemplo, as supramencionadas Varas Federais

Especializadas para processar e julgar crimes financeiros e de lavagem de

dinheiro, as Delegacias da Polícia Federal Especializadas em combate aos

crimes financeiros, bem como estabelecer metas conjuntas e compartilhar

informações e conhecimentos, a fim de obter melhores resultados.

(http://portal.mj.gov.br). (veja também o HC 98.841 RJ, localizado no site:

http://www.stf.jus.br, acessado em 16 Fev. 2013).

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Apesar do importante papel da ENCCLA e suas medidas, no HC

85.060 PR, que tramitou no STF, houve um questionamento veemente quanto

à instalação de Varas Federais Especializadas em processamento e

julgamento de Crimes Financeiros e de Lavagem de dinheiro, uma das

estratégias fundamentais do Estado no combate a tais crimes.

(http://www.stf.jus.br, acessado em 16 Fev. 2013).

No julgamento do referido HC 85.060 PR, acompanhando o relatou,

o Ministro Eros Grau, a Primeira Turma do STF reconheceu a legalidade e

constitucionalidade das Varas Especializadas, fundamentando que, tendo sido

criadas por Resolução dos Tribunais Regionais Federais, em cumprimento à

Resolução do Conselho de Justiça Federal, representam uma simples

prorrogação da jurisdição territorial, firmada no interesse público, portanto, não

afrontam nenhuma garantia constitucional de acusados em processo penal.

A seguir, a ementa resumida do profundo e denso voto de sua

excelência Eros Grau naquela assentada:

HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. FORMAÇÃO DE QUADRILHA E GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. COMPETÊNCIA. ESPECIALIZAÇÃO DE VARA POR RESOLUÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À RESERVA DE LEI [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, ARTIGOS 5º, INCISOS XXXVII E LIII; 22, I; 24, XI, 68, § 1º, I e 96, II, ALÍNEAS a e d]. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E PRINCÍPIOS DA RESERVA DA LEI E DA RESERVA DA NORMA. FUNÇÃO LEGISLATIVA E FUNÇÃO NORMATIVA. LEI, REGULAMENTO E REGIMENTO. AUSÊNCIA DE DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO LEGISLATIVA. SEPARAÇÃO DOS PODERES [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, ARTIGO 2º]. (...) 3. Especialização, por Resolução do Tribunal Regional da Quarta Região, da Segunda Vara Federal de Curitiba/PR para o julgamento de crimes financeiros. (...) 5. Ofensa ao princípio do juiz natural [artigo 5º, incisos XXXVII e LIII da Constituição do Brasil] e à reserva de lei. Inocorrência.

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6. Especializar varas e atribuir competência por natureza de feitos não é matéria alcançada pela reserva da lei em sentido estrito, porém apenas pelo princípio da legalidade afirmado no artigo 5º, II da Constituição do Brasil, ou seja, pela reserva da norma. No enunciado do preceito --- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei --- há visível distinção entre as seguintes situações: [i] vinculação às definições da lei e [ii] vinculação às definições decorrentes --- isto é, fixadas em virtude dela --- de lei. No primeiro caso estamos diante da reserva da lei; no segundo, em face da reserva da norma [norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar ou regimental]. Na segunda situação, ainda quando as definições em pauta se operem em atos normativos não da espécie legislativa --- mas decorrentes de previsão implícita ou explícita em lei --- o princípio estará sendo devidamente acatado. 7. No caso concreto, o princípio da legalidade expressa reserva de lei em termos relativos [= reserva da norma] não impede a atribuição, explícita ou implícita, ao Executivo e ao Judiciário, para, no exercício da função normativa, definir obrigação de fazer ou não fazer que se imponha aos particulares --- e os vincule. 8. Se há matérias que não podem ser reguladas senão pela lei [...] das excluídas a essa exigência podem tratar, sobre elas dispondo, o Poder Executivo e o Judiciário, em regulamentos e regimentos. [...] A legalidade da Resolução n. 20, do Presidente do TRF da 4ª Região, é evidente. 9. Não há delegação de competência legislativa na hipótese e, pois, inconstitucionalidade. Quando o Executivo e o Judiciário expedem atos normativos de caráter não legislativo --- regulamentos e regimentos, respectivamente --- não o fazem no exercício da função legislativa, mas no desenvolvimento de função normativa. O exercício da função regulamentar e da função regimental não decorrem de delegação de função legislativa; não envolvem, portanto, derrogação do princípio da divisão dos poderes. Denego a ordem. (HC 85.060 PR, Relator Ministro EROS GRAU, Julgamento: 23.09.2008. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-030, em 12.02.2009). (http://www.stf.jus.br, acessado em 16 Fev. 2013).

Ante toda compilação dessa seção, pode-se afirmar que, os crimes

financeiros são espécie de crimes econômicos, no sentido de atos ilícitos

praticados sem violência, no âmbito empresarial (ou seja, econômico-

financeiro) ou não, que atacam ou ameaçam bens protegidos do Sistema

Financeiro Nacional, que engloba os mercados financeiros, de capitais e de

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câmbio. Tal conceito respeita o princípio da reserva legal e a vedação da

analogia (NUCCI, 2011, p. 98).

Afora os aspectos formais e materiais, os crimes financeiros podem

ser definidos de acordo com a teoria de sistemas sociais, que neste caso

abarcam a Ordem Econômica e o Sistema Financeiro. Nesse contexto,

reconhecendo que a comunicação diferencia os sistemas sociais, conforme a

teoria dos sistemas autopoiéticos de Niklas Luhmann (apud VIANA FILHO,

2011, p. 228 e 229), apreende-se que o papel do direito na organização,

regulamentação ou tutela da ordem econômica e financeira é de separar as

comunicações acopláveis àquelas ordens das que são inaceitáveis por sua

nocividade.

Portanto, os tipos penais incriminadores do Sistema Financeiro

Nacional representam mecanismos de defesa contra incursões que tendem a

modificar prejudicialmente a realidade fática e jurídica deste Sistema e,

conseqüentemente, da Ordem Econômica.

Por fim, sob essa ótica de comunicação entre os sistemas sociais

(VIANA FILHO, 2011), os crimes financeiros são aquelas comunicações

contrárias ao código binário lícito/ilícito estabelecido pelo direito no seio das

ordens econômica e financeira, onde o sistema jurídico, respeitando as

peculiaridades desses sistemas, protege a coletividade, o direito a livre

iniciativa, livre concorrência, etc. e, sobretudo, os fins e fundamentos da ordem

econômica e financeira, que constam do título VII da Constituição Federal de

1988.

1.2 Conceito e estrutura do Sistema Financeiro Nacional

Um esforço em direção à conceituação do Sistema Financeiro

Nacional requer uma boa compreensão de sua estrutura, seus valores e

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interesses, sobre os quais recai a proteção da Lei 7.492/86, conforme se

depreende do seu artigo 23, considerando que “o delito financeiro expressa

uma disfunção do sistema financeiro” (MAZLOUM, p. 49).

Em primeiro lugar, em consonância com o vocábulo “sistema”, que

consta do Minidicionário de Língua Portuguesa, Sec. XXI, de Aurélio (2001), o

Sistema Financeiro Nacional pressupõe uma estrutura organizada, em nível

nacional, de elementos ou partes, essencialmente da mesma espécie ou afins,

que se relacionam entre si. Essa é a linha de raciocínio seguida pelos diversos

conceitos doutrinários sobre o tema, sempre levando em conta o que diz a

Constituição Federal e as demais normas complementares (no sentido amplo

do termo complementar).

O artigo 192 da Constituição Federal, por sua vez, realça a idéia do

Sistema Financeiro Nacional como uma estrutura composta por diversas

partes, sobretudo instituições financeiras e cooperativas de crédito, regulada

por leis complementares, com o escopo de “promover o desenvolvimento

equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade”. O dispositivo

acrescenta que, as leis complementares do Sistema Financeiro devem dispor,

inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas suas instituições.

A proposta do doutrinador Rodolfo Tigre Maia (apud MAZLOUM,

2007) é de uma definição mais abrangente do Sistema Financeiro Nacional,

nos seguintes termos:

O conjunto articulado de instituições financeiras ou entes a ela equiparados, públicos ou privados, que correspondam ao modelo expressamente definido em lei e estruturados com o escopo de “promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”, instituições em atuação na captação, gestão e aplicação de recursos financeiros e valores mobiliários de terceiros – quer entes públicos ou privados – sob a fiscalização do Estado, bem como as relações jurídicas existentes entre tais instituições, seus usuários, funcionários e o poder público (p. 49).

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Assim, o amplo conceito de Rodolfo Maia inclui, acertadamente, as

instituições financeiras por equiparação, as diferentes atividades das

instituições no mercado financeiro, as relações jurídicas entre todos os sujeitos

envolvidos com o Sistema, ressaltando, por fim, o papel do Estado como fiscal

de todo o conjunto.

Em termos de estrutura funcional do Sistema Financeiro Nacional,

Jose Carlos Tortima (2011, p. 13 e 14) classificou as instituições financeiras

segundo a natureza de suas atividades, da seguinte forma: Mercado Financeiro

– engloba captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de

terceiros; Mercado de Capitais – refere-se à emissão, distribuição, negociação,

intermediação, administração ou o custódio de valores imobiliários.

Enquanto a categoria das Instituições Financeiras por Equiparação –

envolve as atividades de captação e/ou administração de seguros, câmbio,

consórcio, capitalização, qualquer tipo de poupança ou recursos de terceiros.

Segundo o autor, as pessoas naturais são equivocadamente integradas a essa

categoria quando exercem, ainda que de forma eventual, quaisquer das

atividades mencionadas neste artigo.

A classificação de instituições financeiras, elaborada por Tortima

(2011), lembra a definição do Sistema Financeiro Nacional de Luiz Regis Prado

(2011), segundo a qual, este consiste “no conjunto de instituições financeiras

(monetárias, bancárias e sociedades por ações) e do mercado financeiro (de

capitais e valores mobiliários)” (p. 154). No entanto, esse conceito se mostra

incompleto por não abranger as instituições financeiras por equiparação.

Por outro lado, uma conjugação de normas atinentes ao Sistema

Financeiro, como as do BACEN (http://www.bcb.gov.br, acessado em 16 Fev.

2013), da reforma bancária (artigo 1º e 17 da Lei 4.595/64), do mercado de

capitais (Lei 4.728/65) e dos crimes financeiros (artigo 1º e parágrafo único da

Lei 7.492/86), apresenta um organograma mais amplo do Sistema Financeiro

Nacional.

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De modo que, com base em tais normas, o Sistema Financeiro

Nacional integra em sua estrutura órgãos normativos, entidades supervisoras,

instituições financeiras propriamente ditas (públicas ou privadas) e as demais

instituições financeiras por equiparação, que desempenham atividades no

mercado financeiro e de capitais, inclusive pessoas naturais, que exerçam

quaisquer dessas atividades, ainda de que forma eventual.

Dentre os órgãos normativos do Sistema Financeiro Nacional, têm

se o Conselho Monetário Nacional (CMN), responsável pela expedição das

diretrizes gerais do Sistema Financeiro Nacional; o Conselho Nacional de

Seguros Privados (CNSP), que traça as diretrizes e normas da política dos

seguros privados e, por fim, o Conselho Nacional de Previdência

Complementar (CNPC), que regula a previdência complementar operado pelas

entidades fechadas de previdência complementar (os fundos de pensão)

(http://www.bcb.gov.br, acessado em 16 Fev. 2013).

Além da função normativa, o Banco Central do Brasil (BACEN),

ligado ao Conselho Monetário Nacional (CMN), desempenha outras funções

primordiais no Sistema Financeiro como fiscalização, supervisão e controle das

instituições financeiras propriamente ditas.

O BACEN também responde pela liquidez da economia, estabilidade

e permanente aperfeiçoamento do sistema financeiro e zela pelas reservas

internacionais (http://www.bcb.gov.br, acessado em 16 Fev. 2013). O BACEN

ainda faz cumprir as diretrizes e disposições do CMN (TORTIMA, 2011, p. 9),

mantendo, sobretudo, “acessa a confiança no sistema financeiro”, nas palavras

de Mazloum (2007, p. 34).

Vale consignar que, a atuação do BACEN tem respaldo no seguinte

arcabouço normativo: o artigo 10 da Lei 4.595/64, as leis 4.728/65, 6.024/74,

7.492/86, Decreto-Lei 2.321/87, Resoluções 1.718/90 e 1.748/90 do Conselho

Monetário Nacional (CMN) e, igualmente, a Lei Complementar nº 105/2001

(MAZLOUM, 2007, p. 27 e 30).

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Ali Mazloum (2007) acrescenta que, o BACEN no desempenho de

suas funções como fiscal das instituições financeiras, além de aplicar as

penalidades, atua também como “agente orientador e estimulador da atividade

que se desenvolve no sistema financeiro” nos termos do artigo 174, caput, da

CF/88, observando sempre, como Autarquia Federal que integra a

administração pública, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência do artigo 37 da Carta Federal. (p. 30 e 31).

Em relação à supervisão do Sistema Financeiro, cabe salientar que

o Banco Central do Brasil (BACEN) o faz em conjunto com outros órgãos

estatais como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Superintendência

de Seguros Privados (SUSEP) e a Superintendência Nacional de Previdência

Complementar (PREVIC). (http://www.bcb.gov.br, acessado em 07 Fev. 2013).

Neste sentido, a Comissão dos Valores Mobiliários (CVM) - uma

Autarquia Federal, vinculada ao Ministério da Fazenda, instituída pela Lei

6.385/76 - atua junto “às entidades que lidam com títulos e valores mobiliários

(...)”, o que inclui instituições como as bolsas de valores, as bolsas de

mercadorias e futuros e outras, desde que se ocupem com “a distribuição,

negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários”

(TORTIMA, 2011, p. 13) e (http://www.bcb.gov.br, acessado em 07 Fev. 2013).

O foco da CVM é, em suma, assegurar a credibilidade, transparência

e regularidade do funcionamento do mercado de capitais (BITENCOURT e

BREDA, 2010, p. 320).

Já a SUSEP, outra Autarquia Federal vinculada ao Ministério da

Fazenda, responde pela fiscalização e supervisão das resseguradoras,

seguradoras, sociedades de capitalização e entidades abertas de previdência

complementar.

Enfim, no seu papel de Secretaria Executiva do Conselho Nacional

dos Seguros Privados (CNSP), ela cumpre e faz cumprir as deliberações do

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CNSP, bem como executa outras atividades que CNSP lhe delega, mantendo a

estabilidade e liquidez desse mercado, bem como a solvência das sociedades

que o integram. (http://www.bcb.gov.br, acessado em 07 Fev. 2013).

Cabe, por fim, à PREVIC, Autarquia Federal vinculada ao Ministério

da Previdência Social, fiscalizar e supervisionar os fundos de pensão, que são

as entidades fechadas de previdência complementar, executando as “diretrizes

estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Conselho Nacional de

Previdência Complementar”. (http://www.bcb.gov.br, acessado em 07 Fev.

2013).

1.3 O funcionamento do Sistema Financeiro Nacional

Após conceituar o Sistema Financeiro Nacional, bem como abordar

a sua estrutura, a seguir a análise de seu funcionamento que, em parte, já foi

desenvolvido no item anterior, ao detalhar as funções de cada órgão

administrativo que participa de sua regulamentação, fiscalização e supervisão.

No entanto, é possível aprofundar um pouco mais o assunto.

Assim, a partir do artigo 1º da Lei 7.492/86, conclui-se que a atuação

das instituições financeiras está adstrita às nove atividades nele contidas,

quando consideradas as principais e acessórias sem repetição. O mesmo

artigo evidencia que as instituições financeiras operam com recursos de

terceiros, além de valores mobiliários e/ou outros instrumentos específicos

como seguros, câmbio, consórcio, capitalização e qualquer tipo de poupança.

Do ponto de vista jurídico empresarial, embora a definição de

instituição financeira do artigo 1º da Lei 7.492/86 destaque a natureza do objeto

da atividade por ela desempenhada, vale consignar que, a sua constituição se

dá como sociedade empresária, no sentido de ser detentora de personalidade

jurídica distinta da dos sócios, tendo como objeto o exercício de atividades

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financeiras, nos moldes do empresário, com fim lucrativo, sujeitando-se ao

registro próprio, nos termos dos artigos 981, 982 e 983 do Código Civil,

combinado com os artigos 80 e 94 da lei 6.404/76.

Outro detalhe relevante é que as instituições financeiras se

enquadram na categoria de sociedades que dependem de autorização do

Poder Executivo Federal para funcionar, nos estritos termos do artigo 18 da Lei

4.595/64 e do artigo 1.123 do Código Civil e seu parágrafo único.

Portanto, as instituições financeiras nacionais só funcionam no País

após a autorização do BACEN e as estrangeiras somente após o Decreto

presidencial (art.1.134 CC). Aliás, o artigo 25 da Lei 4.595/64 determina que

“as instituições financeiras privadas, exceto as cooperativas de crédito,

constituir-se-ão unicamente sob a forma de sociedade anônima...”.

Uma vez constituída a instituição financeira sob o tipo legal

(natureza jurídica) de sociedade anônima, além de seu capital social, poderá

captar recursos de terceiros para sua manutenção, mediante os mesmos

instrumentos do mercado financeiro, a exemplo do que fazem aquelas do setor

econômico, porém restritos aos bônus de subscrição e debêntures,

ressalvando que, neste último caso, somente para a instituição financeira que

não receba depósitos do público e, mesmo assim, a emissão das debêntures

dependerá da autorizada do BACEN, como preconizam os arts. 72; 75 e 170

da Lei 6.404/76 e o art. 35, parágrafo único, da Lei 4.595/64.

O impulso do funcionamento do Sistema Financeiro provém do fluxo

monetário necessário para alavancar as empresas de atividades econômicas.

Pois, ocupando-se da produção ou circulação de bens ou serviços, como

preceituam os artigos 966 e 982 do Código Civil, a busca cada vez mais por

rentabilidade leva essas empresas a captar recursos financeiros de terceiros

para investimentos em novas instalações, maquinarias, insumos, etc.

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Para este fim, essas empresas do setor econômico acabam

procedendo na forma do artigo 4º, §§ 1º e 2º, da Lei 6.404/76, a fim negociar

seus títulos e valores mobiliários como ações, debêntures, partes beneficiárias

e bônus de subscrição no mercado financeiro nacional, inclusive, em

consonância com os artigos 9 e 16 da Lei 6.385/76.

Explica-se melhor como e em que momento ocorre essa captação

de recursos monetários de terceiros na economia. Pois, bem, constituída uma

empresa como uma unidade produtora, ela passa a fornecer à sociedade bens

e serviços por ela demandados. Ao mesmo tempo, a empresa demanda e

obtém da sociedade fatores de produção necessários como mão de obra, terra

e capital para produzir seus bens e serviços.

A essa dinâmica dos recursos monetários na economia intitula-se de

fluxo real da economia. No entanto, acrescentam Vasconcellos e Garcia (2011)

que, “o fluxo real da economia só se torna possível com a presença da moeda,

que é utilizada para o pagamento dos bens e serviços e para a remuneração

dos fatores de produção” (p. 9). E, concluem que, diante da circulação e troca

inevitável da moeda entre a sociedade e a empresa, incorpora-se ao sistema o

que se chama de fluxo monetário da economia.

Portanto, a subsistência empresarial requer, concomitantemente, o

fluxo real e monetário da economia, conjunto que forma o chamado fluxo

básico. O primeiro é atinente a questões propriamente econômicas e o

segundo ao setor financeiro. O fluxo completo é uma somatória ao fluxo básico

dos efeitos dos impostos e gastos públicos, provenientes do setor público, bem

como “as transações com mercadorias, serviços e o movimento financeiro com

o resto do mundo” (VASCONCELLOS e GARCIA, 2011, p. 11), oriundos do

setor externo.

Essa íntima associação entre a Ordem Econômica e a Financeira

evidencia-se também pela abordagem conjunta das duas ordens na

Constituição de 1988, como consta do título VII. Razão pela qual o Sistema

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Financeiro deve ser analisado “sob a ótica geral da Ordem Econômica

positivada na Constituição Federal”, afirma Mazloum (2007, p. 26).

Nesta linha, Ali Mazloum (2007) prossegue dizendo que, “uma

economia saudável, estável e alicerçada em princípios inabaláveis de

sustentação...” depende de “um sistema financeiro eficiente, devidamente

estruturado e organizado...”. (p. 26). O autor conclui que, inclusive, a conquista

de alguns direitos fundamentais precisa de uma economia saudável que, por

sua vez, requer um sistema financeiro confiável.

Em outras palavras, para que o Sistema Financeiro Nacional adquira

credibilidade e impulsione a economia nacional, o mesmo precisa ser

estruturado adequada e ordenadamente e, sobretudo, ser eficaz no seu

funcionamento, isto é, produzir os efeitos positivos esperados de suas normas,

bem como dos órgãos públicos que controlam e fiscalizam suas atividades. Do

contrário, adverte Mazloum (2007), a “desconfiança geraria graves riscos para

o mercado e para o País” (p. 29).

Enfim, tal desconfiança pode abalar o Sistema Financeiro Nacional,

assegura Mazloum (2007, p. 28). Isto porque as riquezas do País que circulam

no mercado financeiro e de capitais são recursos de terceiros, captados pelos

diversos intermediários financeiros da própria sociedade para a qual retornam

em forma de financiamentos, créditos, etc. Como tais investimentos são feitos a

base de confiança, se a mesma faltar no sistema circulatório desses recursos,

por certo acarretará uma fuga de capitais para fora do País.

Portanto, não restam dúvidas de que um dos papéis fundamentais

da normatização, fiscalização e supervisão eficientes, a cargo dos órgãos

públicos, é inspirar a confiança necessária para que o Sistema Financeiro

Nacional funcione regularmente e cumpra os objetivos almejados pelo

Constituinte. Nesse contexto, as normas penais têm o seu espaço de atuação

também.

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CAPÍTULO II

AS PROVAS NO PROCESSO PENAL

Após compreender o papel normativo e regulador do Estado e

abordar as atribuições administrativas do executivo, quanto à fiscalização,

regulamentação e supervisão das atividades financeiras, parte-se para as

conseqüências, em sede penal, da violação formal da norma penal e seus

princípios ou da ofensa material ao bem jurídico econômico-financeiro tutelado

penalmente. Porque “praticado o fato definido como crime, surge para o Estado

o direito de punir, que se exerce através do processo penal” (MIRABETE, 2001,

p. 29).

Constitucionalmente está consolidado que a pena deve ser aplicada

somente após o devido processo legal. Este envolve, dentre outros requisitos,

o processo e julgamento perante a autoridade judiciária competente; o direito

ao contraditório e à ampla defesa; a não utilização de provas ilícitas contra o

acusado; a observância do princípio da inocência, que considera o acusado

como culpado só após o trânsito em julgado da sentença condenatória, dentre

outras garantias que constam do artigo 5º, em especial, dos incisos XXXV, LIII

e LVII, da CF/88.

Frise-se, de outra banda, que o desenvolvimento do devido processo

legal e o provimento judicial final que dele resulta necessitam de provas. A

obtenção dessas, por sua vez, depende de persecução penal, que se divide em

duas fases, a pré-processual ou administrativa e a judicial ou processual. A

primeira consiste na apuração e esclarecimentos dos fatos e sua autoria pela

Polícia Judiciária e a segunda, iniciada pela denúncia do Ministério Público ou

queixa do ofendido, consiste na apreciação pelo Judiciário dos elementos

probatórios trazidos aos autos.

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No quesito das provas, é preciso salientar que as provas pré-

processuais em geral são submetidas ao crivo do contraditório e da ampla

defesa em juízo, devido ao caráter inquisitivo do inquérito policial. Desta forma,

as provas cautelares, antecipadas e não repetíveis (art. 155, CPP)

submetessem ao chamado contraditório diferido ou postergado, já que,

colhidas durante o inquérito, a sua contradita só ocorre na fase judicial.

Em função disso e considerando que as nulidades de provas

envolvendo crimes financeiros, foco do presente trabalho, são objeto de

argüição apenas na fase judicial, não será abordada a fase de investigação

criminal pela Policia Judiciária, salvo menções pontuais quando necessário.

Portanto, a abordagem a seguir focaliza o conceito do processo penal e das

provas referentes à fase judicial. Trata-se, igualmente, das modalidades das

provas inadmitidas, sobretudo, das provas ilícitas originárias e por derivação.

2.1 O conceito de processo penal

Processar, à luz da Constituição, é levar à apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça ao bem ou direito protegido, consoante o artigo 5º,

inciso XXXV, da CF/88. Etimologicamente, de acordo com Francisco Torrinha

(1945, p. 689), a palavra processo vem do latim “processus”, que traz consigo a

idéia de “ação de avançar”; “movimento para frente”; “avanço”; “marcha”.

Assim, na essência, o processo é algo dinâmico e sucessivo como

inferem os vocábulos “curso”, “marcha” e “técnica” (CUNHA, 2007, p. 636). O

termo “técnica” lembra a técnica processual, que na linguagem jurídica designa

a forma, o rito ou o procedimento processual determinado em lei.

Segundo o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa,

ilustrado, do filólogo Aurélio (1971), publicado pela editora Gamma, o processo

é uma “série ordenada de atos sucessivos formalizados por lei no decurso de

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uma lide”. (p._). Portanto, falar em processo refere-se a um conjunto de atos

sucessivos, cuja seqüência lógica e requisitos formais são ditados por lei, com

a finalidade de compor uma determinada lide. Por isso, na seara penal, o

processo “é o conjunto de atos cronologicamente concatenados

(procedimentos), submetidos a princípios e regras jurídicas destinadas a

compor as lide de caráter penal” (MIRABETE, 2001, p. 26).

Em face desse conceito, fica evidente que processo penal

pressupõe a existência de conflitos de interesses de natureza penal. Contudo,

o Estado como detentor do direito-poder de punir não admite que esses

conflitos sejam resolvidos através da autodefesa (o mais forte prevalece sobre

o mais fraco) ou autocomposição (a submissão da parte menos resistente –

nos processos dos Juizados Especiais Criminais adota-se em parte essa forma

– art. 76, Lei 9.099/95), mas somente mediante o processo penal perante o

órgão jurisdicional (MIRABETE, 2001, p. 26) e (ALVIM, 2009, p.11 a 16).

É notório que todo processo nasce como instrumento de composição

de conflito de interesses intersubjetivos (litígio), que surge no momento em que

há oposição de uma parte à pretensão da outra perante o judiciário. Na esfera

penal, essa lide se instala entre o titular do direito subjetivo de punir (jus

puniendi), o Estado e o titular do direito à liberdade (jus libertatis), o acusado de

prática delituosa. Porque, este, querendo conservar sua liberdade, opõe-se à

pretensão punitiva do Estado com fundamento nas normas objetivas, que

regulam as relações sociais em geral, dos cidadãos entre si e entre esses e o

Estado.

Desta forma, do ponto de vista material, “o processo é uma relação

jurídica autônoma, diversa do direito material discutido, de caráter público,

entre o Estado-Juiz e as partes” (MIRABTE, 2001, p. 28).

A partir dessa concepção do processo como relação jurídica, a

doutrina predominante destacou como sujeitos da referida relação processual,

o Estado-acusador (O MP, na qualidade de autor), o Estado-Juiz (julgador) e o

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acusado (réu) do crime subjudice. A relação processual é tida como triangular,

com direitos e obrigações recíprocos entre o autor e o Juiz, o juiz e o réu, e o

réu e o autor (ALVIM, 2009, p. 164 a 174).

2.2 Provas no processo penal

Antes de adentrar o instituto das nulidades de provas no processo

penal, convém compreender o que sejam provas e a sua relevância

processual, já que ocupam um espaço considerável no processo penal,

exercendo um papel fundamental, de início ao fim da atividade processual. De

fato, as provas são o cerne da investigação policial, o lastro da denúncia do

parquet e, ao mesmo tempo, o fundamento da sentença do julgador.

Na linha dos artigos 4º e 6º, do CPP, ao tomar conhecimento de

infração penal, a Autoridade Policial e seus auxiliares partem para colher todas

as provas que sirvam para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias, bem

como realizar diversas diligências preceituadas pelos artigos 6º aos 23 do CPP,

além de outras providências estipuladas pelo próprio CPP e por Leis Penais

Especiais, conforme o caso.

No caso específico da apuração dos crimes financeiros, vale

salientar que, a sua apuração recai sobre a Polícia Federal, na qualidade de

Polícia Judiciária exclusiva da União, conforme o artigo 144, § 1º, inciso VI, da

Constituição Federal de 1988, em sintonia com o entendimento do artigo 26 da

Lei 7.492/86.

A base do inquérito policial, bem como da denúncia do Ministério

Público é formada pelas provas, cuja falta ensejará o arquivamento do

inquérito, o não oferecimento da denúncia ou o pedido de mais informações,

conforme se extrai dos artigos 18 e 28 do CPP.

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De maneira que, o Ministério Público só oferecerá a denúncia ao

Estado-juiz se tiver o mínimo de provas contra o ofensor, sejam elas do

inquérito (arts. 5º, § 3º; 18; 28 e 46, caput, do CPP), das peças de informações

(arts. 27 e 46, § 1º, do CPP), dos elementos da representação (art. 39º, § 5º do

CPP), das cópias e documentos sobre notícia crime provenientes de órgão

judicial (art. 40 do CPP).

Por seu turno, o Estado-Juiz, tendo admitido a denúncia e a

tramitação do processo sob sua presidência, ao final formará sua convicção a

partir da livre apreciação e valoração das provas dos autos, fundamentando

nelas (as provas) a sua sentença, quanto ao juízo de culpabilidade ou não do

acusado, na linha do artigo 155 do CPP.

Devido à indispensabilidade das provas, a polícia, o parquet ou o

próprio Juiz poderá pedir mais diligências no sentido de suprir ou

complementar as provas existentes, quando consideradas insuficientes. Por

exemplo, ao se tratar de fatos de difícil elucidação, o § 3º do artigo 10, do CPP,

estabelece que, a pedido da polícia, o Juiz pode conceder novo prazo, além

daquele prazo do caput deste artigo, para a realização de diligências ulteriores.

Da mesma forma, o Ministério Público pode requisitar à polícia

novas diligências, desde que imprescindíveis ao oferecimento da denúncia ou

requisitar maiores esclarecimentos, documentos complementares ou novos

elementos, diretamente de quaisquer autoridades ou funcionários, que devam

ou possam fornecê-los, a fim de formar sua convicção, em conformidade com o

art. 13, inciso II; art. 16 e art. 47, todos do CPP.

Pela mesma razão da relevância das provas, a despeito das críticas

doutrinárias, entende-se que, nos termos do artigo 156, inciso II, do CPP,

durante o andamento da ação penal, o juiz, visando melhor fundamentar sua

decisão, pode determinar diligências para esclarecer alguma dúvida sobre um

ponto relevante que surja no curso da instrução, desde que seja antes de

proferir a sentença.

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Tal determinação judicial faz parte dos poderes instrutórios do juiz,

que segundo o magistério de Marco Antonio de Barros (2011), são poderes

genéricos e imparciais, que “nascem com a instauração do processo e só

desaparecem com a publicação da sentença” (p. 146 e 147). No entanto,

sublinha o mestre Barros que, tais poderes são “desvinculados das pretensões

formuladas pelas partes” (p. 147).

2.2.1 O conceito, objeto e sistema de apreciação e valoração

das provas

Em vista do peso atribuído às provas, cabe indagar, o que são

provas?

Tendo em foco a sua finalidade ulterior, para alguns, as provas são

os elementos integradores da convicção do juiz com os fatos da causa

(CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO apud AVOLIO, 2012, p. 27). Para

outros, representam o instrumento de apuração da verdade dos fatos

(BARROS, 2011, p. 123).

Sob o aspecto formal, prova consiste no “conjunto de atos praticados

pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos, etc.) e até pelo juiz para

averiguar a verdade e formar a convicção deste último” (TORNAGHI apud

MIRABETE, 2001, p. 256).

De acordo com Guilherme Nucci (2009, p. 343), uma prova pode ter

o sentido de ato a provar, meio ou instrumento para se chegar à verdade de um

fato ou, ainda, o resultado da avaliação dos instrumentos de prova oferecidos,

com o intuito de demonstrar a verdade dos fatos.

Tidas como atos, meios ou resultados, as provas esclarecem os

fatos alegados pelas partes, com o escopo de influir o convencimento do

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julgador, ao longo do processo. Esses esclarecimentos, na essência, destinam-

se ao juiz, mas as partes também podem valer-se delas para “aceitar ou não a

decisão judicial final como justa” (RANGEL, 2004, p. 405).

Por outro lado, como é de se supor, o objeto da prova são os fatos

da causa. Isto inclui o fato criminoso, a sua autoria, as circunstâncias objetivas

e subjetivas ligadas a tais fatos, tudo para dar conhecimento ao juiz e influir no

seu convencimento. Por isso, na brilhante lição de Paulo Rangel (2004), o

objeto da prova “são os fatos sobre os quais versa a lide... a verdade dos fatos

imputados ao réu com todas as suas circunstâncias” (p. 406).

Assim, quando se demonstra a evidência e a veracidade dos

próprios fatos da causa, têm-se aí provas diretas. Porém, quando se utiliza de

raciocínio lógico (indícios) para se chegar ao fato que se quer provar, o

resultado é uma prova indireta. (BARROS, 2011, p. 128). Entretanto, não se

pode fugir muito do objeto da lide, a pretexto de provas indiretas, pois, o Juiz

pode indeferir as provas que considerar irrelevantes, impertinentes ou

protelatórias, nos termos do artigo 400, § 1º, CPP.

Na sistemática processual, as provas precisam ser propostas e

produzidas pelas partes, caso admitidas pelo juiz. Este, por sua vez, as aprecia

e valora na sua sentença. Diante disso, cabe à acusação o ônus de

“demonstrar a existência dos fatos constitutivos afirmados na pretensão

deduzida em juízo (...)”, o que engloba “as duas etapas da persecução penal,

cabendo a primeira à Polícia Judiciária e a segunda ao Ministério Público”.

(BARROS, 2011, p. 132)

À defesa, por seu turno, atribui-se “o ônus de provar a existência do

fato impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão acusatória” (BARROS,

2011, p. 133). Em suma, a acusação objetiva confirmar a veracidade dos fatos

imputados ao acusado e a defesa, demonstrar a falsidade das alegações do

parquet.

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Referente à apreciação e valoração das provas admitidas em juízo,

a doutrina vem buscando conciliar postulados da verdade material com os da

verdade formal, resultando no conceito de verdade judicial ou processual.

“Essa visão moderna do processo almeja consagrar a integração participativa

do autor, réu e juiz na relação processual, a fim de desvendar a verdade no

processo” (BARROS, 2011, p. 38 e GRINOVER, GOMES FILHO e

FERNANDES, 2011, p. 125).

Desta forma, composta pela verdade formal e material, a verdade

processual prioriza provas de iniciativa das partes e admite, igualmente, a

participação dosada do juiz na atividade probatória, para contrapor à

participação ruinosa das partes, visando aproximar-se da realidade dos fatos

(BARROS, 2011, p. 38 a 42).

Uma vez admitidas e produzidas, as provas são submetidas ao

contraditório. A partir da contradita das provas, o julgador fundamenta a sua

convicção, mediante uma livre apreciação e valoração das mesmas.

Quanto ao sistema de apreciação de provas, Paulo Rangel (2004, p.

450 a 458) leciona que, tendo principiado com o sistema da íntima convicção

(nele, não se impunha a fundamentação da sentença, a exemplo do Tribunal

do Júri atual), adotou-se, em seguida, o da prova legal ou tarifada (nesse, a lei

elencava todas as provas com seu peso correspondente, não restando espaço

para a consciência do juiz, havendo, para alguns, seus resquícios no artigo158

c/c artigo 564).

Atualmente, conclui Paulo Rangel (2004, idem), vigora o sistema de

livre convicção ou da persuasão fundamentada (nesse, não há valor prefixado,

nem hierarquia entre as provas, é preciso fundamentar a decisão judicial, sob

pena de nulidade), em sintonia com o que diz artigo 157, CPP c/c o artigo 93,

IX, da Carta Magna de 1988.

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2.2.2 As provas ilícitas

As normas sobre provas encontram-se disciplinadas no título VII, do

Livro I, do Código do Processo Penal. Os critérios e princípios básicos de sua

aplicação estão inseridos nos artigos 155 aos 157, do capítulo I, do mesmo

título VII. A relação dos meios de provas, que consta dos capítulos seguintes,

segundo Mirabete (2001), não é “exaustiva, mas exemplificativa, sendo

admitidas as chamadas provas inominadas, aquelas não previstas

expressamente na legislação” (p. 259).

Apreende-se da parte final do inciso LV, do artigo 5º, da CF/88, que

a ampla defesa assegurado aos litigantes e acusados em geral inclui todos os

meios e recursos a ela inerentes. Isto é, está garantido o direito à ampla defesa

e permitido o uso de quaisquer meios e recursos (ou seja, de provas) para

concretizá-lo. “Entretanto, essa ampla liberdade da prova encontra limites”

(MIRABETE, 2001, p. 259).

Os limites da liberdade probatória encontram-se nas liberdades

públicas, consagradas na Constituição; em outros direitos materiais

infraconstitucionais, bem como em normas processuais atinentes, a exemplo,

do parágrafo único, do artigo 155 do CPP, bem como do artigo 92 do CPP,

segundo os quais as restrições da Lei Civil, quanto ao estado civil das pessoas,

devem ser observadas no processo penal, de ofício pelo Juiz ou a

requerimento das partes (art. 94, CPP), a título de questões prejudiciais (Veja

art. 581, XVI, do CPP.

Na verdade, o balizamento legal do direito à prova encontra amparo

constitucional no inciso LVI, (que vem logo após o inciso LV, que garante

ampla defesa e os meios de efetivá-la), do mesmo artigo 5º da Carta Federal

de 1988, cuja norma-garantia constitucional, de natureza processual, inadmite

o uso de provas ilícitas em qualquer processo.

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Tradicionalmente, a doutrina subdivide as provas vedadas em

provas ilegítimas e provas ilícitas, considerando as ilegítimas aquelas que

violam normas processuais, ou seja, aquelas, cuja lógica e finalidade é o

processo, enquanto as provas ilícitas consistem naquelas colhidas com

infração a normas ou princípios de direito material. Neste contexto, uma sanção

possível pelo descumprimento das normas processuais é a nulidade e para a

prova obtida por meios ilícitos a inadmissibilidade (art. 5º, inciso LVI, CF/88).

(AVOLIO, 2012, p. 42 e 43).

Porém, antes da regulamentação da norma do inciso LVI, do art. 5º,

CF/88, a doutrina e a jurisprudência, no intuito de delimitar quais seriam os

meios de prova admissíveis e inadmissíveis, sempre entenderam como

aplicável ao processo penal, por analogia, a regra do artigo 332 do Código de

Processo Civil, segundo a qual, são hábeis para provar a verdade dos fatos em

que se funda a ação ou a defesa, todos os meios legais, bem como os

moralmente legítimos, ainda que não especificados no CPC.

De igual modo, a doutrina também vinha considerando aplicável a

todo e qualquer processo a regra do artigo 295 do Código do Processo Penal

Militar, que admite “qualquer espécie de prova, desde que não atente contra a

moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva...”, como consigam

Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p. 123).

Com o advento da nova redação do artigo 157 do CPP, dada pela

Lei 11.690/2008, o referido dispositivo passou a definir as provas ilícitas como

aquelas obtidas mediante violação de normas constitucionais ou legais,

cabendo ao juiz declarar a sua ilicitude e ordenar o seu desentranhamento dos

autos, só prosseguindo a ação, quanto à matéria, mediante novas provas, sem

mácula.

Entretanto, ao definir as provas ilícitas, o legislador criou outro

impasse em relação às provas obtidas mediante ato materialmente ilícito.

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Porque, apesar de estar claro que a prova ilícita é aquela que viola a

Constituição e a lei, quanto à natureza desta, queixa-se a doutrina de que:

A falta de distinção entre a infringência da lei material ou processual pode levar a equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de regras processuais implica ilicitude da prova e, em conseqüência, o seu desentranhamento do processo. O não cumprimento da lei processual leva à nulidade do ato de formação da prova e impõe a sua renovação, nos termos do art. 573, caput, do CPP. (GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES, 2011, p. 127).

No entanto, para Luiz Flavio Gomes (2008):

Essa doutrina já não pode ser acolhida (diante da nova regulamentação legal do assunto). Quando o art. 157 (do CPP) fala em violação a normas constitucionais ou legais, não distingue se a norma legal é material ou processual. Qualquer violação ao devido processo legal, em síntese, conduz à ilicitude da prova. (...) Não importa se a norma violada é constitucional ou internacional ou legal, se material ou processual: caso venha a prova a ser obtida em violação a qualquer uma dessas normas, não há como deixar de concluir pela sua ilicitude (que conduz, automaticamente, ao sistema da inadmissibilidade). (http://www.clubjus.com.br, acessado em 17 de Mar. 2013).

Como se nota, hoje, há certo consenso doutrinário de que, provas

contrárias às normas constitucionais são ilícitas, porém, o mesmo não ocorre

em relação às violações a normas legais; asseverando uma corrente (a

minoritária), que provas ilícitas violam apenas normas legais materiais,

enquanto violações a regras processuais produziriam provas ilegítimas.

Por outro lado, para a doutrina majoritária, são ilícitas, provas

obtidas com violação a normas matérias e procedimentais, uma vez que o atual

artigo 157 do CPP não específica a natureza da norma legal violada, que

enseja a ilicitude da prova, isto é, se de natureza processual ou material,

referindo-se apenas a provas ilícitas como aquelas “obtidas em violação a

normas constitucionais ou legais”.

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O dilema é que “a inobservância da formalidade legal pode,

eventualmente, não configurar produção de prova ilícita” (BARROS, 2011, p.

153). Mas, também, “o fato de uma prova violar uma regra de direito

processual... nem sempre conduz ao reconhecimento de uma prova ilegítima...

o que é decisivo para se descobrir se uma prova é ilícita ou ilegítima é o locus

da sua obtenção: dentro ou fora do processo”, conforme ensina Luiz Flavio

Gomes (2008). (http://www.clubjus.com.br, acessado em 17 de Mar. 2013)

Em suma, prova ilícita é uma espécie do gênero de provas vedadas

pelo ordenamento jurídico, no sentido de ser contrária a norma constitucional,

internacional, legal ou princípio normativo, seja a vedação de natureza

processual ou material, desde que obtida fora do processo, enquanto as

ilegítimas seriam as obtidas ou produzidas dentro do processo.

Superando tais embates acima, hoje em dia, é consensual na

doutrina e jurisprudência que a conseqüência das provas ilícitas é a sua

inadmissibilidade no processo penal, por mandamento constitucional e

infraconstitucional, como preceituam os artigos 5º, LVI, CF/88 e 157, do CPP,

respectivamente.

Portanto, o Juiz inadmitirá a obtenção, bem como a produção nos

autos, de todas as provas tidas como ilícitas, quando requeridas ou indicadas

pelas partes. Ademais, as provas ilícitas, que porventura existam nos autos,

serão desentranhadas e inutilizadas mediante decisão judicial, inclusive em

grau de recurso.

E mesmo que ocorra o trânsito em julgado da sentença

fundamentada em provas ilícitas, a mesma poderá ser desconstituída e

anulada, através de revisão criminal ou de habeas corpus, conforme o caso.

Pois, a natureza deste tipo de provas é de inexistência jurídica e ineficácia

total.

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Após estabelecer a distinção entre a ilicitude e ilegitimidade da

prova, cabe afirmar que, a questão da nulidade restringe-se a esta última

situação, em que, tratando-se de atipicidade processual grave e insanável

(nulidade absoluta), será anulado o ato de formação da prova, a fim de que o

mesmo seja renovado. Porém, se a atipicidade resultar de meras

irregularidades ou falhas irrelevantes, que não afetam a essência dos atos

probatórios (nulidade relativa), as mesmas serão convalidadas de acordo com

as regras do instituto das nulidades, como se verá a seguir.

2.2.3 Provas ilícitas por derivação

Outra questão fundamental, como se verá na análise dos casos, diz

respeito às provas ilícitas por derivação, ou seja, aquelas que, embora,

validamente produzidas, em momento posterior, encontram-se maculadas pela

ilicitude de provas que lhes deram causa. Tais provas lícitas, derivadas das

ilicitamente obtidas, devido ao nexo causal evidente entre ambas, são também

inadmissíveis no processo penal, nos termos do § 1º, do artigo 157, do CPP.

Um exemplo clássico dado pela doutrina é o caso do acusado que, submetido

à tortura, confessa onde se encontra o produto do crime que, posteriormente, é

apreendido mediante ordem judicial válida de busca e apreensão.

Igualmente, configura prova ilícita por derivação, se um advogado,

tendo renunciado a um caso, por revolta da repercussão da gravidade do crime

de seu antigo cliente, relata tudo que sabe à polícia que, mediante

interceptação telefônica, bem como busca e apreensões válidas, acaba por

incriminar o acusado. Tal prova deve ser banida dos autos por violação a

normas legais (art. 157, § 1º, 1ª parte, CPP c/c art. 207, CPP c/c art. 154 CP

c/c art. 7º, inciso XIX, Lei 8.906/94).

A ilicitude por derivação, cunhada pela Suprema Corte americana

em 1920, no caso “Sliverthorne Lumber Co. v. United States”, sob a

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nomenclatura de teoria dos frutos da arvore envenenada (expressando a

contaminação de uma prova lícita pelo vício da prova ilícita responsável por

sua obtenção) teve como objetivo claro, dar fim aos abusos cometidos pelas

investigações policiais (ANDRADE apud NUCCI, p. 359).

Com a referida teoria, a Justiça Americana visava, sobretudo,

desencorajar as buscas e apreensões que ocorreram nos casos como “de

mapp v. Ohio” e “Silverthorne Lumber Co. v. United States”. No segundo caso,

em síntese, consta que Frederick Sliverthorne e seu filho, além da multa de

U$250,00, foram presos por desobediência a uma intimação da Justiça

Estadual para que comparecessem e apresentassem alguns livros e

documentos contábeis de sua empresa.

Após a prisão de Frederick e seu filho, policiais teriam realizado

buscas e apreensões dos referidos documentos e livros da empresa, sem

nenhum mandado judicial, recusando a devolvê-los sob a alegação de que os

mesmos seriam elementos probatórios capazes de condenar os acusados.

Porém, a suprema Corte dos EUA decidiu pela contaminação das provas

colhidas neste caso, por entender que foram obtidas mediante busca e

apreensão ilegais. (http://supreme.justia, acessado em 01 Abril 2013).

As decisões da Suprema Corte dos EUA também tinham como fim

frear as interceptações telefônicas ilegais como no caso: “Katz v. United

States”, (1967). Neste caso, Charles Katz foi acusado pelo crime de exploração

de jogos de azar em violação à Lei Federal (o equivalente, no Brasil, ao jogo de

azar do art. 50 da LCP/41).

Em relação ao processo de Charles Katz, a fim de coletar provas

contra o mesmo, os agentes federais interceptaram, sem ordem judicial, o

telefone público por ele utilizado, tendo captando apenas conservas de Katz

com seus interlocutores a respeito das transações de jogo ilegal. Ao apreciar o

caso, a Suprema Corte Americana anulou as provas coletadas com base na

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sua ilicitude por derivação. (http://www.uscourts.gov, acessado em 01 de Abril

2013).

Porém, vale salientar que, desde 1961, durante o julgamento do

caso “Mapp v. Ohio”, chegou-se à conclusão de que a regra de exclusão das

provas ilícitas por derivação não havia refreado de modo substancial a má

conduta policial. (AVOLIO, 2012, p. 67).

Por outro lado, com os debates favoráveis e contrários, surgidos em

torno da referida teoria dos frutos da árvore envenenada ou “efeito à distancia”

(NUCCI, 2009, p. 358), na Alemanha, Itália, etc, levantaram-se desconfianças

dos dois lados. Os que eram contra a extensão dos efeitos da mácula da

ilicitude alegavam que a busca pela verdade real dos fatos “poderia ser

frustrada por uma manobra hábil da parte interessada, provocando alguma

irregularidade de modo a excluir importantes elementos de prova...” (AVOLIO,

2012, p. 70).

Por outro lado, a corrente a favor da comunicação dos efeitos à

prova secundária, ao advogar pela sua inadmissibilidade no processo alegava,

que permitir o uso em juízo da prova derivada da ilicitamente obtida, “poderia

servir de expediente para contornar a vedação probatória” (AVOLIO, 2012, p.

70). De modo que, as partes e a própria polícia se sentiriam estimuladas a

obter provas de forma ilícita e, em seguida, fazer um tipo “lavagem de provas”,

para que fossem aceitas em juízo sem problemas.

Neste contexto, acabaram sendo introduzidas exceções para a

aplicação da teoria dos frutos da arvore envenenada, acerca das quais o Brasil

adotou a da fonte independente, descrita como “aquela que por si só, seguindo

os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal,

será capaz de conduzir ao fato objeto da prova”, conforme o art. 157, §§1º e 2º,

CPP. Também ressalvou os casos em que há aparente nexo de causalidade,

no entanto, não tão evidente entre umas e outras.

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Vale consignar que, mesmo antes da entrada em vigor da Lei

11.690/08 (o que ocorreu 60 dais após sua publicação em 09.06.2008), que

deu nova redação ao artigo 157 do CPP, no dia 10.06.2008, ao apreciar o HC

93.050 RJ, a 2ª Turma do STF, mediante o acórdão da lavra do Ministro Celso

de Mello, admitiu claramente a fonte independente ao afirmar que:

Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela macula da ilicitude originária. (NUCCI, 2009, p.359).

Entretanto, a exceção da fonte independente é um dos pontos mais

criticados pela doutrina. Alguns doutrinadores afirmam que o legislador

nacional “afastou-se da noção original fixada pela jurisprudência americana

(...), que supõe que o dado probatório possua efetivamente duas origens, uma

ilícita e outra lícita, subsistindo como elemento de convicção válido, mesmo

com a supressão da fonte ilegal” (GRINOVER, GOMES FILHO e

FERNANDES, 2011, p. 135).

A crítica se estende ao fato de que o legislador teria confundido a

descoberta inevitável (quando se poderia, de qualquer modo, descobrir as

provas derivadas da ilícita por outros meios de investigação) com a dita fonte

independente.

Ademais, critica-se que, na regulamentação da questão, o legislador

acabou dando a impressão de que a prova derivada da ilícita deve ser admitida

até por simples suposição da possibilidade de sua obtenção por outros meios

legais, “o que esvazia por completo, o sentido da garantia (...) por isso,

entendemos que o texto do art. 157, § 2º, na redação da Lei 11.690/2008, é

inconstitucional” (GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES, 2011, p. 136).

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CAPÍTULO III

NULIDADES NO PROCESSO PENAL

Neste ponto central do trabalho, em que será analisada a questão

das nulidades no processo penal, é fundamental entender que o monopólio da

jurisdição é do Estado, sendo, portanto, inadmissível fazer justiça com as

próprias mãos, na linha do artigo 345, do Código Penal.

Em assim sendo, o Estado assegura aos cidadãos o direito à ação

penal e às garantias constitucionais correlacionadas ao direito e ao processo,

sobretudo, ao penal. Como se nota do artigo 5º, incisos XXXV aos LXVII do

CF/88, o Estado garante o acesso ao serviço judiciário a todos, para que

busquem o cumprimento de seus direitos, lesados ou postos a perigo por

terceiros ou pelo próprio Estado.

Estando a serviço dos cidadãos, a ação penal tem uma “função

pública”, no sentido de que objetiva, antes de tudo, o interesse público. Nesse

serviço público - ao qual afluem os indivíduos com conflitos concretos, a fim de

que o Estado diga o direito (jurisdição) - deposita-se uma expectativa, mesmo

que inexprimível, por segurança jurídica.

Visto deste ângulo, o formalismo processual penal deixa de ser mero

capricho para tornar-se um instrumento de concretização das garantias

constitucionais e legais, notadamente, as relativas à atividade estatal de

persecução penal, seja na fase policial (administrativa) ou judicial.

Por conta disso, a inobservância das formas, ritos ou momentos dos

atos processuais pode gerar nulidades. Na verdade, é preciso entender que

esses “procedimentos e atos processuais descritos na legislação processual

impedem que se instale o predomínio da balburdia (...) que inevitavelmente

aconteceria caso fosse permitido a cada juiz, ditar livremente as regras do

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processo”. (BARROS, 2011, p. 320). Assim, por essa ótica, é possível dizer

que o instituto das nulidades é um guardião das formalidades processuais e,

por conseguinte, do devido processo legal.

Por outro lado, deve-se reconhecer que “a regulamentação das

formas processuais (...) constitui para as partes a garantia de uma efetiva

participação na série de atos necessários à formação do convencimento judicial

e, para o próprio juiz, instrumento útil para alcançar a verdade sobre os fatos

que deve decidir” (GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES, 2011, p. 19).

Deste modo, através do instituto das nulidades, a atividade

processual é submetida ao controle de validade e eficácia, sendo convalidados

os atos que estejam em conformidade com o modelo legal, aplicando, em

contrapartida, a sanção de nulidade àqueles em desacordo com o referido

modelo legal.

Sendo certo que a atividade probatória ocupa um espaço

considerável do processo penal, os seus atos e formas também devem ser

submetidos ao crivo da nulidade. Justifica-se tal exame, porque o direito à

prova, constitucionalmente assegurado, possui limites, tanto para a acusação,

quanto para a defesa.

Alias, é aqui que se impõe a vedação da prova obtida por meios

ilícitos. Proibição essa, que exige a condução da investigação e a luta contra a

criminalidade de acordo com o rito determinado, as regras preestabelecidas

(GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES, 2011, p. 124) e o respeito aos

direitos fundamentais do investigado.

Essa premissa também impõe ao Ministério Público o dever de atuar

“com a verdade e em conformidade com os ditames legais, ficando descartado

o emprego de meios escusos para obtenção de provas (...)” (BARROS, 2011,

p. 115). Isto implica que o MP deve empregar “métodos probatórios que

respeitem as regras do devido processo legal” (BARROS, 2011, p. 115).

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Nessa linha de raciocínio, é vedado ao acusado, a pretexto de

liberdade probatória ou do exercício de ampla defesa, utilizar-se de meios ou

recursos ilícitos, em consonância com o art. 5º, incisos, LV e LVI da CF/88,

considerando que as limitações constitucionais e processuais do direito à

prova, sujeitam os litigantes em geral, sem exceção.

Na verdade, a existência/ocorrência de nulidades no processo penal

impede a realização do devido processo legal, objetivo inicial da atividade

processual. E, permiti-las, inclusive as provas ilícitas, seria consagrar a

deslealdade na relação processual e, por conseguinte, sabotar a segurança

jurídica atinente a ação penal, ou seja, a confiança popular depositada na

função jurisdicional do Estado.

Enfim, é através do instituto das nulidades que as partes e o Juiz

exercem um controle mútuo, no âmbito interno do processo, zelando pela sua

regularidade, bem como legalidade.

3.1 Invalidade e ineficácia dos atos processuais

Anotadas as questões relevantes quanto às provas, segue-se a

questão das nulidades no processo penal, cuja compreensão deve partir da

concepção do processo como “conjunto de atos coordenados visando o

julgamento da pretensão punitiva (...)” (GRINOVER, GOMES FILHO e

FERNANDES, 2011, p. 28).

Para Paulo Rangel (2004) “o ato processual é espécie de ato jurídico

e, portanto, deve obedecer a todas as formalidades exigidas em lei para a sua

realização, sob pena de haver a chamada atipicidade processual, ou seja, a

desconformidade na prática do ato e à lei” (p. 695).

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O instituto das nulidades, na concepção de Mirabete (2001, p. 591),

tem sido tratado de maneira complexa, insegura, com incertezas e dificuldades.

Ele acrescenta que, tal confusão gira em torno da natureza jurídica da nulidade

que, para uns é a sanção imposta ao ato viciado, ou seja, uma conseqüência

do ato praticado em desconformidade com a lei, enquanto para outros, é o

vício, o defeito ou a imperfeição do próprio ato em si.

Numa tentativa de conciliar a questão da natureza jurídica da

nulidade, Mirabete (2001) admite que, “há, sim, na nulidade, duplo significado,

dois aspectos: um para indicar o motivo que torna o ato imperfeito, outro para

exprimir a conseqüência que deriva da imperfeição jurídica do ato ou sua

inviabilidade”. Portanto, a nulidade para Mirabete, é “a inobservância de

exigências legais ou uma falha ou imperfeição jurídica que invalida ou pode

invalidar o ato processual ou todo o processo” (p. 591).

Na concepção de Barros (2011), boa parte das dificuldades em torno

das nulidades é devido à “sobreposição de alguns princípios que visam a

estabelecer razoável equilíbrio entre o rigor formal da lei e o possível

aproveitamento de atos processuais, principalmente quando estes são

executados em flagrante inobservância às formalidades estabelecidas” (p.

318).

De todo modo, todos entendem que há uma desconformidade legal

ou atipicidade do ato em questão, porquanto a perfeição dos atos, ritos e

formas processuais, como todo ato jurídico, depende do preenchimento de

todos os seus requisitos legais, do contrário, será tido como ato jurídico

imperfeito.

Decorre daí que, só o ato perfeito (válido) produz os efeitos

esperados (eficácia). Por outro lado, da imperfeição do ato deriva-se a

ineficácia, ou seja, a incapacidade de produzir os efeitos jurídicos próprios.

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3.1.1 Atos processuais: inexistentes, irregulares e nulos.

Como se vê, a questão da inexistência, irregularidade e nulidade dos

atos processuais é própria da teoria geral dos atos jurídicos. Nessa senda, os

atos processuais também devem ser analisados quanto à existência, validade e

eficácia.

Assim, o ato existe quando reúne todos os seus requisitos

constitutivos. Quanto ao aspecto da validade, este examina se o ato está em

conformidade com a lei ou não, caso afirmativo, o ato é tido como válido ou

típico; caso negativo, o mesmo é considerado inválido ou atípico. Quanto à

eficácia, esta se refere à capacidade do ato gerar ou não as conseqüências

jurídicas previstas pela norma. Se o ato produz efeitos, é eficaz; se não, é tido

como ato ineficaz.

A aplicabilidade dessas premissas ao instituto das nulidades no

processo penal põe em evidência a atipicidade dos atos processuais como o

fator determinante das nulidades.

Em outras palavras, a eficácia dos atos processuais existentes é

presumida até que o ato contaminado seja identificado, em seguida, argüida,

reconhecida e declarada a sua nulidade ab initio, por decisão judicial, que retire

a eficácia do ato viciado. Quanto a isso, há consenso na doutrina.

Assim, Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011) afirmam que:

Com efeito, no âmbito do direito privado, o ato nulo não produz qualquer efeito, segundo a regra quod nullum est, nullum producit effectum; a nulidade é automática, pois emana da vontade do legislador. Já no direito processual, a sanção de nulidade não decorre necessariamente do texto legal, mas depende de uma decisão judicial que reconheça, retirando a eficácia do ato praticado irregularmente; desta forma, mesmo vícios gravíssimos podem não afetar a validade do ato, se não for reconhecida a nulidade e houver trânsito em julgado da sentença final (...) (p.21).

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Reforçando seus argumentos de que a nulidade processual não é

automática, os referidos autores acrescentam que, por conta disso, será

impossível reconhecer um grave vício como a nulidade de uma decisão

absolutória sem motivação transitada em julgado, simplesmente por falta de

previsão legal de qualquer forma de revisão pro societate.

Alexandre Câmara (1999) também consigna que, no direito

processual, “não existe ato processual inválido de pleno direito. É preciso, pois,

que haja um provimento judicial afirmando a invalidade do ato processual, para

que o mesmo possa ser tido como inválido. Antes de tal provimento, o ato será

tratado como válido” (p. 220).

E prossegue Alexandre Câmara (1999) a dizer que, “não pode

causar espanto, pois, a possibilidade de executar-se uma sentença

condenatória nula. Esta produz seus regulares efeitos até que venha a ser

reconhecida a invalidade. Enquanto não for decretada a nulidade, a execução

poderá se desenvolver normalmente” (p. 224).

Enfim, identificado o ato processual, juridicamente inexistente,

irregular ou nulo, verifica-se qual seria o grau ou a intensidade de sua

atipicidade. Se o desacordo referir-se a algum elemento essencial exigido pela

lei, o vício será tido como muito grave e o ato considerado inexistente, ou seja,

um não ato. Neste caso, nem se “cogita de invalidação, pois a inexistência

constitui um problema que antecede a qualquer consideração sobre validade”,

na visão de Grinover, Gomes Filho e Fernandes, (2011, p. 20).

Quanto à inexistência material e jurídica, alguns autores não

distinguem uma da outra. Marco Antonio de Barros (2011, p. 319 e 320) aponta

que, materialmente, um ato processual inexiste, quando devendo ser praticado,

o mesmo deixa de sê-lo. Por exemplo, quando falta perícia em crimes que

deixam vestígios (art. 564, III, b, CPP). Situação em que a nulidade é do

próprio processo, por ausência de peça obrigatória.

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A inexistência jurídica, por outro lado, diz respeito à presença de

alguma falha ou imperfeição no ato praticado. Por exemplo, se na falta de um

perito oficial, a perícia for realizada por apenas um perito não oficial, o que

contraria o artigo 159, § 1º, CPP que exige dois peritos não oficiais para a sua

elaboração. Ou então, caso a perícia seja realizada por dois peritos não

oficiais, a mesma tenha sido subscrita por apenas um deles. Assim,

materialmente tais perícias existem, porém, juridicamente não, tendo em vista a

sua realização em desacordo com o artigo 159 do CPP, sendo motivo de

anulação das perícias e não do processo em si.

Porém, tratando-se de um desvio mínimo em relação ao modelo

legal, ou seja, que diz respeito aos elementos não essenciais do ato, então,

nem a validade nem a eficácia do ato serão afetadas, configurando tal apenas

ato irregular.

No entanto, uma sanção poderá recair sobre a pessoa responsável

pela sua prática. Por exemplo, “o oferecimento de uma denúncia fora do prazo

legal: o ato é válido, mas o promotor poderá estar sujeito a uma penalidade no

âmbito administrativo pelo atraso”. (GRINOVER, GOMES FILHO e

FERNANDES, 2011, p. 20).

Quanto ao ato nulo, há dissonâncias doutrinárias acerca de seu

conceito. Alvim (2009, p. 257) aponta que o ato nulo é aquele “eivado de vício”.

Porém, o considera válido e eficaz até o momento da declaração de sua

nulidade pelo juiz. Mirabete (2001), por sua vez, ressalta que o ato nulo é

incapaz de produzir efeitos até que seja convalidado, ou seja, é inválido e

ineficaz.

Relativamente à validade e eficácia dos atos processuais, os autores

Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011) entendem que o ato nulo é aquele

inadequado ao tipo legal (inválido), mas que, no entanto, somente uma decisão

judicial será capaz de retirar a eficácia do referido ato irregular.

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Alexandre Freitas Câmara (1999), por seu turno, alerta que, ciente

de que a validade e a eficácia operam em planos distintos, é incorreto afirmar

que “o ato nulo é aquele que não produz efeitos”. Porque, “o ato nulo não vale,

mas pode produzir efeitos. Ato que não produz efeitos é ato ineficaz.” (p. 218).

Em suma, pode-se dizer que, o ato nulo é inválido, mas sua eficácia

encontra-se sob uma condição suspensiva, realizável ou não. Em outras

palavras, apesar do ato nulo ser inválido, por lhe faltar algum requisito legal, ele

é eficaz, podendo ser convalidados ou não os seus efeitos. Isto vai depender

do caso concreto, porque, “se essa condição suspensiva é possível, sanando-

se o ato com a sua ocorrência, fala-se em nulidade relativa. Se é impossível a

consolidação, estamos diante de nulidade absoluta” (MIRABETE, 2001, p.

592).

Dessa análise, é possível resumir que, em sentido estrito, falar em

nulidade refere-se, tanto aos casos de atos nulos sanáveis, quanto aos atos

insanáveis, estes ensejando nulidades absolutas e, aqueles, as relativas. Isto

implica na possibilidade da convalidação das relativas e na invalidação ou

anulação das absolutas, de acordo com os preceitos e princípios legais

atinentes.

3.1.2 Princípios e critérios gerais para a decretação de nulidade

Como se mencionou linhas acima, na doutrina e jurisprudência está

consolidado o entendimento de que, no processo penal, a nulidade dos atos

processuais não é automática, devendo sempre ser reconhecida, mediante

decisão judicial em que seja apontada a atipicidade (imperfeições) do ato e a

presença de alguns pressupostos (critérios) legais autorizadores da decretação

da invalidade do referido ato (GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES,

2011, p. 26).

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Como parâmetro basilar de avaliação das nulidades, os

ordenamentos jurídicos modernos vêm adotando o sistema da

instrumentalidade das formas em substituição ao sistema da legalidade das

formas como ensinam Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p. 26). No

sistema vigente, o processo não é um fim em si mesmo (nem as formas

processuais e procedimentais), mas um instrumento, cujo fim primordial é obter

um provimento judicial justo.

A partir dessa visão, em cada situação concreta, antes de declarar a

nulidade de um ato atípico (ato viciado), o Juiz deve verificar se a atipicidade

comprometeu a finalidade do ato e se houve algum prejuízo para as partes. Da

instrumentalidade das formas extrai-se o princípio do prejuízo.

Em face da importância do princípio do prejuízo, o mesmo é tido por

Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p. 27) como a “viga mestra do

sistema das nulidades”, enquanto Eugenio Pacelli (2009, p. 758) o denomina

de “a pedra de toque das nulidades”. Com base nele, não haverá nulidade sem

prejuízo. Daí a doutrina francesa ter cunhada a expressão de que: “pas de

nullité sans grief”.

De fato, a norma do caput do artigo 573 do CPP, referente aos

critérios gerais de nulidades, tem como principal foco o saneamento do

processo, a economia processual e a regularidade da ação penal, rumo ao

devido processo legal. Nunca o retrocesso.

Por isso mesmo a nulidade só será decretada em último caso,

notadamente, quando se tratar de atos absolutamente nulos, insanáveis

mediante convalidação, ratificação, preclusão, suprimento ou comparecimento

do interessado em juízo; sendo, portanto, renovados ou retificados tais atos,

na extensão determinada pela decisão judicial que a declarar (art. 573, caput e

§ 2º, CPP).

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3.1.2.1 Princípio do prejuízo

O legislador pátrio incorporou o princípio do prejuízo ao estabelecer

no artigo 563 do CPP que, “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade

não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Em outras palavras,

para se declarar nulo um ato processual, é preciso que da sua prática resulte

algum prejuízo para qualquer das partes.

Além do princípio do prejuízo, os artigos 563 aos 573 destacam

outros princípios como da causalidade, do interesse e da convalidação,

conforme expõem Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p. 27). Na

mesma esteira dispõe Eugenio Pacelli de Oliveira, (2009, p. 756 a 766).

Os primeiros autores assentam que, o conceito do prejuízo

processual engloba, de um lado, o dano à garantia da ampla defesa e do

contraditório, e de outro, o comprometimento da correção da sentença. Extrai-

se o entendimento do prejuízo da somatória dos preceitos dos artigos 563 e

566 do CPP. O primeiro enfatiza o aspecto processual da atipicidade que

acarreta prejuízo e o segundo disciplina as atipicidades que são meras

irregularidades, não sendo necessária a declaração de sua nulidade.

Na mesma linha, o sistema da instrumentalidade das formas

recomenda que se evite ao máximo o formalismo excessivo, em especial,

quando a mera irregularidade atingir sua finalidade e não tiver causado prejuízo

às partes. Por exemplo, inexiste prejuízo se o ato processual praticado não

influir na apuração da verdade substancial (obtenção da prova) ou na decisão

da causa (sentença), configurar-se-á mera irregularidade, sendo desnecessária

a declaração de sua nulidade, assim reza o artigo 566, do CPP.

A propósito, o prejuízo a justificar o retrocesso procedimental, a fim

de renovar os atos em questão, deve ser concreto e devidamente

demonstrado, não sendo necessário em casos de nulidades evidentes. De

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qualquer maneira, “seja o prejuízo evidente ou não, ele deve existir para que a

nulidade seja decretada. E nos casos em que ficar evidenciada a inexistência

de prejuízo, não se cogita de nulidade, mesmo em se tratando de nulidade

absoluta” (GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES, 2011, p. 28 e 29).

Porém, as nulidades relativas exigem demonstração do prejuízo e

argüição da parte prejudicada.

3.1.2.2. Princípio do interesse

O princípio de interesse está preconizado a contrário senso no artigo

565 do CPP, quando se relaciona os motivos pelos quais não haverá (não

deveria existir) interesse para a parte argüir nulidade. Assim, inexiste interesse

lógico e processual na alegação de nulidade por uma parte que lhe deu causa

ou dela concorreu de alguma forma.

Também não justifica a argüição de nulidade que só interessa à

parte contrária. Tais preceitos exigem certa lealdade processual, diz Marco

Antonio de Barros (2011, p. 326). Para Guilherme Nucci (2009), eles têm a

função de evitar a conturbação do processo, porque impedem que uma parte

plante um defeito “unicamente para servir a objetivos escusos”.

O interesse exigido, juridicamente, refere-se ao fato de que a

correção da irregularidade invocada deve trazer vantagem, no caso subjudice,

a quem o alega. Esse requisito, condizente com o sistema processual que

exige o interesse de agir para a propositura da ação, bem como para recorrer,

restringe-se às nulidades relativas, porquanto as absolutas atingem o próprio

interesse público, devendo ser reconhecidas de ofício pelo juiz,

independentemente de provocação.

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O princípio do interesse é mitigado em se tratando do Ministério

Público, na visão de alguns doutrinadores como Grinover, Gomes Filho e

Fernandes (2011). Nessa obra conjunta sobre as nulidades no processo penal

asseveram que:

No processo penal, a aplicação dessa regra é limitada, pois, na ação pública o MP sempre terá como objetivo a obtenção de título executivo válido, razão pela qual não se pode negar seu interesse na obediência de todas as formalidades legais, inclusive as que asseguram a participação da defesa, até porque eventuais vícios poderiam ser alegadas mesmo após o trânsito em julgado, por meio de habeas corpus ou revisão criminal; assim, não estando convencido tratar-se de nulidade relativa, sanada pela falta de alegação do interessado, pode e deve o promotor postular o reconhecimento de eventuais irregularidades que impliquem ofensa ao direito de defesa.( p. 31).

Na mesma linha afirma Eugenio Pacelli de Oliveira (2009) que:

No processo penal, a posição do Ministério Público é, do ponto de vista material (do direito material aplicável), sui generis, dado que deve sempre zelar pela correta aplicação da lei penal. Daí dizermos que o parquet é absolutamente imparcial. Se é assim, como de fato é não há como não reconhecer também ao Ministério Público a legitimidade para argüir a nulidade de ato cujo proveito seja unicamente da defesa (p. 756).

A corrente da mitigação do principio de interesse não é unânime na

doutrina. Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 923), por exemplo, entende que,

não há cabimento o promotor alegar nulidade por falta de intimação da defesa

a respeito da oitiva de testemunha em outra comarca por carta precatória, se a

defesa afirmar que não sofreu nenhum prejuízo.

3.1.2.3 Principio da causalidade

Outro principio que deve ser levado em conta na hora de decretar

nulidade é o da causalidade. Este está previsto nos parágrafos 1º e 2º do artigo

573 do CPP. Seus postulados dizem respeito ao que a doutrina denomina de

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nulidade originária e nulidade derivada (NUCCI, 2009) Trata-se de uma

avaliação lógica, considerando que os atos processuais formam uma cadeia

entre si, visando o provimento final.

A partir desse raciocínio, ao invalidar um ato, os subseqüentes, que

dele derivam sua existência e validade, também serão afetados. Igualmente,

serão nulos os atos que só foram praticados em conseqüência do ato anulado.

Neste sentido, Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011) assentam na sua

obra conjunta que “a nulidade dos atos da fase postulatória do processo se

propaga sempre para os demais atos, enquanto a invalidade dos atos de

instrução, em regra, não contamina os outros atos de produção da prova

validamente realizados” (p. 30).

Da interpretação conjunta do artigo 567 com o artigo 573, todos do

CPP, é possível afirmar que, ocorrendo nulidade por incompetência do juízo,

anulam-se os atos decisórios e o processo será remetido ao juízo competente.

Entretanto, Grinover, Gomes Filho e Fernandes (apud NUCCI, 2009, p. 923)

alertam que tal procedimento só é cabível em caso de incompetência relativa,

sendo inaplicável o artigo 567, CPP, em face da norma-garantia do artigo 5º,

inciso LIII, do CF/88.

3.1.2.4 Princípio da convalidação

De acordo com Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p. 32), a

convalidação confere eficácia a um ato atípico que, produzido sob o

contraditório, tenha atingido sua finalidade sem prejuízo às partes. Entretanto,

mesmo vigorando os princípios da instrumentalidade das formas, da efetividade

do processo e da economia processual, não será possível convalidar o ato

atípico, caso exista vedação normativa processual penal, constitucional ou

infraconstitucional, sobretudo, se a sua efetivação for prejudicial à defesa.

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O artigo 564 do CPP traz um rol de casos de nulidades relativas e

absolutas. Quanto às relativas, caso não sejam alegadas nos momentos

prefixados no artigo 571, do CPP, serão convalidadas, nos termos do artigo

572 do CPP, com base no instituto da preclusão.

A preclusão ocorre pelo simples decurso do tempo próprio para a

argüição da nulidade, se o ato em questão alcançar sua finalidade e não

acarretar prejuízo às partes ou, ainda, se a parte, que a princípio teria sido

prejudicada pelo ato, aceitar expressa ou tacitamente os seus efeitos. Desta

forma, a técnica processual é flexibilizada, evitando-se o formalismo inócuo, em

homenagem à efetividade do processo.

Algumas irregularidades formais podem ser convalidadas através da

prolação da sentença. No caso, o artigo 249, § 2º, CPC, é aplicado por

analogia, se a decisão de mérito for favorável à parte prejudicada pela

irregularidade (GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES, 2011, p. 33).

Outras irregularidades são convalidadas pela ocorrência de coisa

julgada. Neste sentido, irregularidades não alegadas ou não apreciadas

durante o processo são sanadas, pela força dos efeitos retroativos da

imutabilidade da sentença, salvo se a sua convalidação trouxer prejuízo à

defesa. Neste caso, a defesa poderá requerer a correção das irregularidades,

mediante Habeas corpus ou revisão criminal, nos termos dos artigos 626 e 648,

inciso VI, do CPP.

Existem outras formas especiais de convalidação estabelecidas

pelos artigos 568, 569 e 570 do CPP. Por exemplo, de acordo com o art. 568, a

qualquer tempo, as irregularidades dos atos praticados por um representante

ilegítimo da parte, serão sanadas mediante a ratificação dos referidos atos por

um representante regularmente constituído.

Vale esclarecer que, por se tratar de ilegitimidade ad processum e

não ad causam, o processo não será anulado, apenas o vício de ilegitimidade

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será corrigido e os atos anteriormente praticados serão ratificados pelo

representante legítimo.

Por sua vez, o artigo 569 admite o suprimento como forma de

saneamento processual, a qualquer tempo, de certas formalidades não

essenciais, elencadas pelo artigo, no curso do processo, desde seja antes da

sentença final. Desta maneira, são complementadas omissões de

formalidades, com o fim de regularizar o processo.

Por outro lado, de acordo com o artigo 570 do CPP, as nulidades por

defeitos das comunicações processuais poderão ser sanadas com o

comparecimento do interessado em juízo, antes da consumação do ato, salvo

se a prática do ato nessas condições for prejudicial ao direito da parte, caso em

que o ato será suspenso ou adiado pelo juiz.

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CAPÍTULO IV

CRIMES FINANCEIROS: casos concretos de nulidades

nos Tribunais.

Os casos concretos apresentados a seguir, mostram a aplicação

prática dos institutos das nulidades de atos processuais e da inadmissibilidade

de provas ilícitas no processo penal brasileiro. A escolha dos casos ateve-se à

sua pertinência temática, repercussão popular, sobretudo, ao seu valor jurídico.

A análise refere-se a duas Megaoperações da Polícia Federal,

conhecidas por “Castelo de Areia” e “Satiagraha”, deflagradas em 2008 e

2009, resultando na prisão de empresários por crimes financeiros, dentre

outros, cujas provas foram anuladas, notadamente, pelo Superior Tribunal de

Justiça, com fundamento na teoria dos frutos da árvore envenenada.

Essa teoria, conhecida pela doutrina e jurisprudência nacionais há

algum tempo, já havia sido aplicada pelo STF em alguns casos e afastada em

outros, conforme os seguintes arestos consignados na obra de Avolio (2012, p.

71): RTJ 122/47/1986 e HC 69.912 RS/1993 e dos seguintes: AP 307-3 DF de

1994; HC 73. 351 SP de 1999; HC 72.588 PB de 2000, citados na obra

conjunta de Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p.134).

Finalmente a referida teoria foi introduzida no ordenamento jurídico

pátrio através da Lei 11.690, de 09 de junho de 2008 (período contemporâneo

dos referidos casos), visando regulamentar a garantia constitucional da

inadmissibilidade de provas ilícitas no processo penal.

As discussões dos processos escolhidos giraram entorno de alguns

instrumentos e mecanismos de investigação criminal, de uso cotidiano da

Polícia Judiciária, como a denúncia anônima; o compartilhamento de

informações entre órgãos de inteligência; a famigerada interceptação

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telefônica; escuta ambiental; quebra de sigilo de dados telefônicos, dentre

outros.

Os casos são emblemáticos, porque o entusiasmo inicial da

sociedade em relação às operações transformou-se em frustração, uma vez

que o Superior Tribunal de Justiça considerou nulas todas as suas provas.

Diante disso, a reação de alguns parlamentares foi no sentido de propor a

convocação dos ministros do STJ a deporem acerca dos fundamentos jurídicos

de suas decisões.

Mas, que irregularidades suscitaram tais nulidades? Sobre que

fundamentos doutrinários e jurisprudenciais o STJ a anular as provas coletadas

pela Polícia Federal e, conseqüentemente, as denúncias do Ministério Público

Federal?

4.1 O caso: “Operação Castelo de Areia”

Na exposição do caso, far-se-á, primeiramente, um panorama do

caso, abordando em seguida alguns pontos relevantes relacionados ao tema

das nulidades e provas ilícitas no processo penal.

O panorama baseia-se nos votos da relatora do caso no STJ, a

Ministra Maria Thereza de Assis Moura; no voto-vista (vencido) do Ministro Og

Fernandes - que também compõe a 6ª Turma do STJ - proferidos nos HC´s

137.349-SP e HC 159.159-SP, bem como no voto da relatora Cecília Mello,

prolatado no julgamento em conjunto dos HC's nº 2009.03.00.027045-4 e nº

2009.03.00.014446-1, na 2ª Turma do TRF da 3ª Região.

Assim, neste caso, consta que a Polícia Federal em São Paulo, de

posse de uma denúncia anônima de suposta atividade ilícita de compra e

venda de dólares no mercado paralelo, no começo de 2008, iniciou

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investigações e buscas preliminares nos seus bancos de dados, logrando

identificar a pessoa indicada na referida denúncia anônima.

Sob o fundamento de enorme dificuldade na obtenção de provas

referentes aos crimes a serem apurados contra o mesmo, a PF pleiteou e a 6ª

Vara Federal Criminal/SP deferiu o acesso aos dados telefônicos e cadastrais

de assinantes e usuários. Mais adiante, solicitou e obteve da mesma Vara

Federal a interceptação telefônica de linhas constantes no nome do indivíduo

que logrou identificar inicialmente na denúncia anônima.

Após sucessivos pedidos e as devidas concessões de prorrogações

da interceptação telefônica, ao final a Autoridade Policial pediu a prisão

preventiva de alguns dos investigados, prisão temporária de outros envolvidos

no suposto esquema criminoso desvendado pelas investigações, além de

mandados de busca e apreensão, quebra de sigilo fiscal e bancário dos

envolvidos e o bloqueio de contas relacionadas com a suposta organização

criminosa.

Os pedidos foram acolhidos em parte. O Juiz autorizou e, assim, foi

deflagrada a denominada Operação Castelo de Areia, em 25/03/2009. A

referida operação resultou nas prisões dos investigados, que inconformados,

interpuseram, através de seus defensores, quatro Habeas Corpus junto ao

Tribunal Regional Federal da 3ª Região, visando revogar os decretos de prisão,

conforme mencionado no voto da própria relatora. Disse sua Excelência:

Inicialmente, observo que foram impetradas quatro ordens de habeas corpus objetivando a desconstituição da prisão preventiva decretada em uma única decisão em relação a todos os pacientes dos HC's nºs 2009.03.00.009974-1, 2009.03.00.010007-0, 2009.03.00.010249-1, 2009.03.00.010292-2. Logo, diante da convergência das questões suscitadas, cabível a reunião dos feitos e o julgamento conjunto dos referidos habeas corpus. (HC nº 2009.03.00.009974-1, parte inicial) (http://www.trf3.jus.br, acessado em 07 de Abril 2012).

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Em 28/03/2009, conforme ficou bastante noticiado

(http://www.conjur.com.br, acessado em 07 de Abril 2012), a relatora concedeu

alvará de soltura para todos os investigados presos durante a operação,

mediante decisão monocrática, consoante as decisões prolatadas em sede dos

referidos Habeas Corpus, sendo que, no primeiro HC (2009.03.00.009974-

1/SP), a magistrada deferiu a liminar em favor do preso KURT PAUL PICKEL,

nos seguintes termos, in verbis:

Para que o paciente fosse posto em liberdade, mantidas as ordens para busca e apreensão nos estabelecimentos comerciais e nas residências apontadas, o bloqueio de contas correntes de pessoas físicas e jurídicas, o acesso a dados fiscais e financeiros dos investigados e de algumas empresas a eles relacionadas e o seqüestro de um imóvel do ora paciente. (HC 2009.03.00.009974-1/SP) (http://www.trf3.jus.br, acessado em 7 de Abril 2012).

Dando prosseguimento à Operação Castelo de Areia, com o lastro

no que se apurou das buscas e apreensões e com base nos demais dados, o

Ministério Público Federal/SP ofereceu denúncia contra todos os investigados

em 29/05/2009, que foi recebida pelo Juízo da 6ª Vara Federal Criminal em

18.06.2009. A peça ministerial foi aditada no dia seguinte pelo MPF incluindo

nela mais um acusado.

Inconformados com a decisão do recebimento da denúncia, os

acusados, outra vez, através de seus defensores impetraram no Tribunal

Regional Federal da 3ª Região dois Habeas Corpus. Em 24/04/2009, foi

interposto o HC preventivo de nº 2009.03.00.014446-1, em favor de KURT

PAUL PICKEL a título de salvo conduto para evitar a sua futura prisão.

Já em 03/08/2009, impetrou-se o HC nº 2009.03.00.027045-4, em

favor dos diretores da Camargo Correia, desta feita, alegando a ilicitude das

interceptações telefônicas com fundamento nos autos 2008.61.81.000237-1, da

6ª Vara Federal Criminal, acrescentando que as provas delas decorrentes

também seriam ilícitas. Portanto requeriam a nulidade de toda prova colhida

pelo procedimento e o seu conseqüente desentranhamento dos autos, nos

termos do artigo 157 e parágrafo 1º do CPP.

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A liminar foi denegada em ambos os casos, o que ocorreu em

15/05/2009, em relação ao HC preventivo e em 17/08/2009, no caso do HC que

requeria as nulidades do procedimento investigativo. Ocorre que, em

01/12/2009, o plenário da Egrégia 2ª Turma do TRF3 apreciou o mérito do HC

nº 2009.03.00.027045-4, referente às nulidades, concedendo em parte a

ordem, de acordo com o voto da Desembargadora relatora, tendo ela, de ofício,

concedida ordem também ao outro HC, nos mesmos termos consignados a

seguir:

Ordem parcialmente concedida, para garantir aos pacientes, por intermédio de seus advogados regularmente constituídos, o direito de acesso a todas as investigações preliminares, concomitantes, ou mesmo posteriores ao procedimento de interceptação telefônica, e que aos mesmos digam respeito, determinando a sua pronta vinda aos autos. Determinada a publicidade imediata do documento que, lacrado, se encontra juntado aos autos. Prejudicada, por ora, o exame das demais questões suscitadas na presente impetração, considerando-se que a legalidade das mesmas somente poderá ser aferida frente ao novo quadro processual que se delineará com a juntada aos autos das mencionadas investigações e amplo conhecimento dos réus/investigados e seus respectivos advogados. (HC nº 2009.03.00.027045-4)(http://www.trf3.jus.br, acessado em 07 de Abril de 2012).

Ainda irresignados quanto à decisão acima, impetraram os Habeas

Corpus de nº s 137.349/SP e 159.159/SP no Superior Tribunal de Justiça. No

primeiro caso, a favor de KURT PAUL PICKEL, alegando que apesar da

revogação da prisão, “ele continuaria a responder ação penal originada das

investigações da Polícia Federal levadas a efeito na chamada Operação

Castelo de Areia”, conforme consta do voto-vista do Ministro Og Fernandes (p.

5) (http://www.stj.jus.br, acessado em 07 de Abril de 2012).

Porém, denegada a liminar, solicitaram-se informações e o MPF

opinou pelo não conhecimento da ordem.

No caso do HC de nº 159.159 – SP, a favor dos diretores da

CAMARGO CORREIA, o Presidente do STJ, em período de recesso da Corte,

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concedeu liminar suspendendo a ação penal contra os pacientes até que fosse

apreciado o mérito do writ em definitivo pela 6ª Turma do STJ. Assim se

pronunciou a sua Excelência, o Ministro Cesar Asfor Rocha, presidente do

Egrégio STJ à época:

(...) defiro a suspensão provisória imediata do trâmite da mencionada Ação Penal e das iniciativas sancionatórias que têm por supedâneo os elementos colhidos no PCD 2008.61.81.000237-1, da 6ª Vara Federal da SJ/SP, até o julgamento de mérito deste HC pela Turma a que couber a sua distribuição... (http://www.stj.jus.br, acessado em 07 de Abril de 2012).

Mesmo com o deferimento da liminar, houve agravo regimental, não

conhecido pela 6ª Turma do STJ, acerca do qual o MPF opinou pela sua

denegação. Assim, em 14/09/2010, houve o julgamento conjunto dos HC´s

137.349/SP e 159.159/SP, pela 6ª Turma, e por maioria, concedeu-se a Ordem

em parte, conforme consta de alguns trechos do voto da eminente relatora:

Cuida-se do julgamento conjunto de dois procedimentos heróicos. O primeiro habeas corpus, com pedido liminar, é este de n.º 137.349/SP, e foi impetrado em 27/5/2009 (...), em favor de KURT PAUL PICKEL, tendo como autoridade coatora Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Relatora do HC nº 2009.03.00.014446-1 (...) nos autos do HC nº 2009.03.00009974-1, o Tribunal a quo revogou a prisão preventiva decretada em desfavor do paciente. No entanto, a investigação continua e persistem os efeitos das demais medidas decretadas (...). O Segundo habeas corpus, o HC de n.º 159.159/SP, no qual foi requerido e decretado o sigilo dos autos, também com pedido de liminar, foi ajuizado nesta Corte em benefício dos corréus P. F. G.-B., D. B. e F. D. G.(...) e apresentando semelhante discussão, no bojo do qual o eminente Ministro Cesar Asfor Rocha, na presidência, deferiu a liminar, determinando a suspensão de todos os procedimentos relativos à denominada operação “Castelo de Areia” (...).

Concluindo, voto no sentido de conceder parcialmente a ordem, em ambos os habeas corpus (HC 137.349 e HC 159.159) para anular o recebimento da denúncia nos autos da Ação Penal n.º 2009.61.81.006881-7, permitindo-se o oferecimento de outra peça sem a indicação da prova considerada nula por esta decisão, estando prejudicadas as demais alegações. Anote-se, por último, a substituição da medida liminar deferida nos autos do HC 159.159 por esta

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decisão, devendo-se devolver ao Juízo da 6ª Vara Federal de São Paulo os documentos lacrados por determinação desta Relatora. É como voto. (http://www.stj.jus.br, acessado em 07 de Abril de 2012).

Entretanto, é preciso salientar que houve um voto-vista vencido, em

sentido contrário à posição da Turma, no qual o eminente Ministro Og

Fernandes denega a ordem e recomenda que a 2ª Turma do TRF da 3ª Região

examine os demais pedidos considerados prejudicados na época, em virtude

de não terem sido juntadas aos autos as investigações preliminares. Disse sua

excelência, conforme o HC 137.349/SP:

Assim, concluo o meu voto pelo conhecimento em parte dos pedidos e, nessa extensão, denegando-os. Adiro à parte final do voto da Eminente Relatora, concedendo habeas corpus de ofício a fim de que Tribunal Regional Federal de origem aprecie o mérito das outras questões suscitadas nos writs Originários (p. 48). (http//www.stj.jus.br, acessado em 07 de Abril de 2012).

4.1.1 Os vícios e os fundamentos das nulidades do caso

“Operação Castelo de Areia”

Após uma visão geral dos fatos processuais, indaga-se: em que

consistem os vícios de nulidade pelos quais a 6ª Turma do Superior Tribunal de

Justiça anulou o recebimento da denúncia da Ação Penal nº

2009.61.81.006881-7 e quais seriam seus fundamentos jurídicos?

Resumidamente os defensores dos acusados alegaram os seguintes

vícios de nulidades, conforme consta do relatório da douta Ministra Maria

Thereza do STJ. Assim, relatou sua Excelência:

Enfim, este é o contexto dos fatos, sobre os quais pesam as seguintes alegações dos Impetrantes: a) Nulidade da persecução penal em face da ilicitude da prova, decorrente, na sua origem, de denúncia anônima; b) Nulidade da prova obtida por meio de interceptação telefônica autorizada sem a devida motivação, além de perdurar por mais de um ano; c) Nulidade, por derivação, das

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demais diligências realizadas a partir da origem ilícita, a exemplo, de busca e apreensão, interceptação telemática, escuta ambiental, bloqueio de contas e de bens etc. d) Direito à degravação integral dos áudios captados (p. 19 e 20) (http://www.stj.jus.br, acessado em 07 de Abril de 2012).

Em síntese, a defesa apontou duas nulidades originárias e uma

nulidade por derivação. As duas decorrem de ilicitudes constitucionais. A

primeira porque, segundo a defesa, a Polícia Federal teria embasado a sua

investigação numa denúncia apócrifa (veda-se o anonimato – art. 5º, IV, CF/88)

e a segunda por falta de fundamentação (exige-se decisões judiciais

fundamentadas – art. 93, IX, CF/88) a autorização judicial da interceptação

telefônica, bem como a ilegalidade da sua duração.

Quanto à nulidade por derivação, acaba ocorrendo como

conseqüência de provas ilícitas por derivação das ofensas às normas-garantias

processuais estabelecidas pela própria Constituição de 1988. Portanto, são

essas nulidades que serão analisadas, mostrando como foram avaliadas pelos

Magistrados das Cortes Superiores.

Neste ponto, verifica-se de antemão que, só pelo fato de não ter sido

unânime a decisão de anulação das provas e do processo pelo Superior

Tribunal de Justiça, mesmo respeitável e de cunho vinculante, isto aponta para

a possibilidade de outras posições doutrinárias defensáveis no caso, inclusive

aquelas postuladas pela Autoridade Policial do caso, o Juiz da Vara Federal

originária, defendida inicialmente também pelo MPF/SP e no Tribunal Superior

pelo Ministro Og Fernandes.

Portanto, a questão é controvertida!

Assim, passa-se a analisar as irregularidades apontadas, conforme o

que se colheu dos relatórios dos votos dos Desembargadores do Tribunal

Regional Federal da 3ª Região e dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça,

ao se reportarem às informações dos autos, bem como daquelas prestadas

pelo Juiz Federal da 6ª Vara Criminal Federal/SP e pela Autoridade Policial

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responsável pelo Inquérito dos autos, quando requisitadas pelos Tribunais

Superiores.

4.1.1.1 Nulidade da persecução penal em face da ilicitude da prova

derivada de denúncia anônima.

O questionamento aqui é: uma denúncia anônima pode servir de

fundamento para a quebra de sigilo de dados e/ou de interceptação de

comunicações telefônicas?

Apesar de controvertido o tema, é possível estabelecer algumas

premissas comuns. Em primeiro lugar, de acordo com a doutrina e a

jurisprudência pátria é possível instaurar inquérito policial com uma denúncia

anônima. Em segundo lugar, o pedido de interceptação das comunicações

telefônicas não poderá basear-se apenas numa denúncia apócrifa, ou seja,

denúncia anônima.

Por outro lado, cabe salientar que, não é pacífico o entendimento de

que a quebra do sigilo de dados telefônicos está ou não abrangida pelos

preceitos da Lei 9.296/96.

No entanto, a relatora do TRF3, ao negar a liminar pleiteada pela

defesa dos réus, consignou a possibilidade de uma investigação policial ter seu

início mediante denúncia anônima. Desta forma, ela concedeu Ordem de ofício

apenas no sentido de garantir o acesso dos acusados, através de seus

advogados, às investigações preliminares realizadas.

Assim, constou da ementa da decisão da 2ª Turma do TRF3:

I - A jurisprudência tem admitido a instauração de procedimento investigatório com base unicamente em denúncia anônima desde que encerre em seu bojo informações que se revistam de

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credibilidade e contenham informações suficientes para que a autoridade diligencie a procedência das afirmações feitas. II - Não se trata de uma faculdade. Quando a notitia criminis trouxer ao conhecimento fatos revestidos de aparente ilicitude penal, o Estado tem a obrigação de apurar a procedência das afirmações feitas por meio de investigações. III - Embora a denúncia anônima não possua, por si só, força probatória, é admitida como elemento válido a desencadear as investigações necessárias ao esclarecimento de supostos crimes. IV - Na esteira do entendimento jurisprudencial perfilhado, não há ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, devendo, contudo, proceder com cautela. V - Embora a denúncia anônima seja apta a ensejar a investigação dos fatos narrados, ela não tem o condão de, por si só, autorizar a adoção de medidas constritivas como a busca domiciliar, a interceptação telefônica e a quebra do sigilo de dados, para as quais se exige um mínimo razoável de indícios de atividade criminosa. VI - É esse o teor da Lei nº 9.296/96, que dispõe sobre as interceptações telefônicas, cujo artigo 2º expressamente veda a sua realização quando não houver indícios razoáveis de infração penal punida com reclusão e quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, vale dizer, meios que não se contraponham à inviolabilidade constitucionalmente assegurada, ou o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. (Desembargadora Federal Cecilia Mello, Relatora, Segunda Turma do TRF3. Julgamento: 01.12.2009. Publicação: 11.12.2009) (www.trf3.jus.br, acessado em 07 de Abril de 2012).

Diante disso, a Polícia Judiciária precisará quebrar o nexo de

causalidade entre a denúncia anônima e as provas obtidas posteriormente à

mesma, durante a investigação policial. Para tanto, em primeiro lugar, deve-se

averiguar a procedência ou não das informações recebidas por denúncia

anônima, oral ou escrita, de acordo o artigo 5º, § 3º, do CPP.

Desta forma, o inquérito daí instaurado terá fundamento

independente da denúncia inicial. Ou seja, a referida peça investigativa passará

a ter como base específica os levantamentos preliminares realizados

posteriormente à denúncia anônima. Neste sentido, o grau de facilidade ou

dificuldade para isso vai variar de acordo com cada caso concreto.

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No caso da Operação Castelo de Areia, a defesa desqualificou as

buscas nos bancos de dados da própria Polícia Federal como investigações

preliminares. Porém, frise-se que, a Polícia indica que foi de tais coletas que

logrou identificar o individuo denunciado.

Mas, a versão sustentada pela defesa é no sentido de que o passo

seguinte, tomado pela Polícia Federal, após o recebimento da denúncia

anônima, teria sido a solicitação da quebra de sigilo dos dados de assinantes e

usuários, o que apontam como inadmissível. A esse respeito, em síntese, a

defesa alegou o seguinte, de acordo com a relatora:

Em suma, o presente habeas corpus tem os mesmos contornos do anteriormente relatado, apontando os Impetrantes a ilegalidade da quebra do sigilo telefônico em face da existência de denúncia anônima. Afirmam não ser verdade que a investigação iniciou-se após supostas averiguações preliminares, realizadas pela polícia judiciária, porquanto em nenhum momento foram estas conhecidas ou mesmo citadas para justificar o deferimento da invasão dos dados telefônicos, somente vindo à tona depois de concretizada invasão da privacidade, assim também ocorrendo em relação à eventual delação premiada, que só foi anunciada depois de julgado o habeas corpus perante o Tribunal a quo, não constando de qualquer pedido da autoridade policial, do ministério público ou mesmo das decisões do Juízo do caso. (HC 159.159/SP - 2010/0004039-3). Relatora Ministra Maria Thereza Moura, Órgão Julgador: 6ª Turma. Documento nº 11996667, p. 11. Publicação: 30.05.2011) (http://www.stj.jus.br,acessado em 13 de Abril 2012).

Assim, cumprindo seu múnus de defender os direitos do seu cliente,

a defesa buscou desacreditar a acusação e os seus fundamentos.

Porém, é diversa, a colocação da Autoridade Policial, bem como do

Juiz Federal e dos Desembargadores do TRF3, conforme se colhe da síntese

das informações que prestaram nos autos.

Resume-se a posição deles todos nas palavras da relatora do TRF3,

que informou à relatora do STJ de que a denúncia anônima não teria sido a

única base para as interceptações telefônicas. Por isso, na época, em sede

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daquele juízo a quo as liminares foram negadas, nos HC´s impetrados pela

defesa. Assim consignou:

O pedido foi indeferido, em síntese, sob o fundamento de que se admite a denúncia anônima que encerre em seu bojo informações que se revistam de credibilidade e contenham informações suficientes a deflagração de procedimento de investigação. Ademais, no caso sub examen, além da denúncia anônima, os elementos indiciários que lastrearam o procedimento de interceptação telefônica foram obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Policia Federal e por meio do compartilhamento de informações constantes na "Operação Downtown", em trâmite perante o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo-SP. (.....) Por fim, a decisão que deferiu a quebra do sigilo telefônico é expressa no sentido de determinar que as empresas operadoras de telefonia forneçam senhas para possibilitar aos agentes federais o acesso aos seus bancos de dados e a obtenção dos dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários, não configurada hipótese de inviolabilidade das comunicações (...).(HC 159.159/SP - 2010/0004039-3). Desembargadora Cecília Mello apud Relatora Ministra Maria Thereza Moura, Órgão Julgador: 6ª Turma. Documento nº 11996667, p. 4. Publicação: em 30.05.2011) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

A única objeção da Desembargadora Cecília Mello foi o fato de não

terem sido juntadas aos autos as investigações preliminares e a delação

premiada. Isto constou expressamente de seu voto, o que a levou a conceder

Ordem de ofício para que os acusados tivessem acesso àquela documentação,

bem como fossem juntadas aos autos e assim, foi acompanhada pelos demais

componentes da 2ª Turma do TRF3.

Porém, no Superior Tribunal de Justiça prevaleceu a corrente que

entendia que não houve quebra de nexo entre a denúncia anônima e a quebra

do sigilo de dados e as interceptações telefônicas. Em suma, a mesma

considerou que tanto o sigilo de dados como as comunicações telefônicas são

regulados pela mesma Lei 9.296/96. Assim, concluiu a relatora Maria Thereza:

Aduza-se, por outro lado, que a escolha desde logo da quebra do sigilo de dados, ao invés da interceptação telefônica, não muda o

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contexto do vício de origem, porque o meio de justificação da medida era absolutamente ilegal em virtude de não ter vindo alicerçado por parâmetros de correlação necessária. (HC 159.159/SP - 2010/0004039-3). Relatora Ministra Maria Thereza Moura, Órgão Julgador: 6ª Turma. Documento nº 11996667, p. 31 e 32. Publicação: 30.05.2011) (http://www.stj.jus.br,acessado em 13 de Abril 2012)

Portanto, a conclusão da maioria da 6ª Turma do STJ, que

acompanhou a relatora, não teria havido investigações preliminares por parte

da Polícia Federal para tentar elucidar a denúncia apócrifa recebida, nem

mesmo os levantamentos iniciais em seus bancos de dados caracterizariam

tais investigações preliminares. Portanto as provas coletadas seriam ilícitas e

inadmissíveis no processo penal. Outros detalhes deste voto serão abordados

no próximo item de nulidades.

Mas cabe consignar a posição contrária exposta pelo voto-vista do

Ministro Og Fernandes do STJ, no sentido de avalizar como investigações

preliminares os dados cadastrais obtidos das empresas telefônicas, mediante

quebra judicial autorizada. Portanto, para ele o procedimento não teria vício

algum.

Defendendo a licitude dos procedimentos policiais, sua excelência

trouxe à colação doutrina e jurisprudência exaustiva - mesmo ainda não

pacificada - que diferencia a quebra de sigilo de dados telefônicos da

interceptação de comunicações telefônicas, sendo que, na sua visão, o

primeiro caso não estaria amparado pela Lei 9.296/96, porque não se enquadra

no inciso XII, mas sim do inciso X, do art. 5º da CF/88.

Neste particular, ressalte-se que, há divergências na doutrina e na

jurisprudência quanto às matérias que se enquadram ou não nos incisos X e

XII, do artigo 5º, da CF/88. Uma boa parcela concorda com o entendimento

externado pelo Ministro Og Fernandes, enquanto outra discorda dele.

Com este posicionamento, o eminente ministro já sinalizava a

conclusão de seu voto-vencido (HC 137.349/SP. p. 26), no sentido de que o

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acesso aos dados e cadastros deferido pela 6ª Vara Federal, na origem, foi

legal. Vale transcrever a firme decisão do Ministro, in verbis:

De todo modo, qualquer que seja o princípio constitucional a ser equacionado (X ou XII ambos do art. 5º da CR), não vislumbro, na decisão judicial que originou o acesso aos dados cadastrais, a mácula apontada pelos ilustres defensores. Com efeito, não se pode negar que a quebra do sigilo de dados cadastrais/registros telefônicos como o das comunicações telefônicas constituem medidas invasivas, que devem ser levadas a efeito em situações excepcionais, somente após uma cautelosa ponderação de valores/interesses envolvidos. (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

Frise-se que, comungam da posição do Ministro Og Fernandes: os

Desembargadores do TRF3, o MPF/SP, a Autoridade Policial, o Juiz Federal da

6ª Vara Criminal Federal/SP. Segundo o referido entendimento, houve

investigações preliminares, que consistiram na identificação do indivíduo da

denúncia anônima a partir do banco de dados da Policia Federal e nos dados

complementares obtidos, da quebra do sigilo de dados telefônicos.

Ademais, o voto vencido do ilustre Ministro Fernandes reconhecia

que, além das investigações preliminares, havia também a delação premiada

proferida em outro processo, questão de meses atrás, bem como de

compartilhamento de provas, também de outro processo, todos autorizados e

trazidos à Ação Penal em curso na 6ª Vara Criminal Federal/SP.

Portanto, tudo isso, teria fundamentado o pedido da interceptação

das comunicações telefônicas, conforme já consignado pela relatora do TRF3

linhas atrás e cuja juntada foi ordenada pela desembargadora, relatora do

caso.

No seu voto, esclarece o Ministro Og Fernandes que a situação

realmente era complexa e demandava a interceptação telefônica deferida.

Dificuldades que ele afirma que foram comprovadas ao longo da investigação

como apontavam a Autoridade Policial e o MPF/SP. E de fato, os crimes

financeiros não são de fácil elucidação!

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Assim, sua Excelência enfatizou que “a descoberta desses

elementos indiciários foi viabilizada através da quebra do sigilo de dados e,

principalmente, de interceptações telefônicas. Acrescentando a propósito, que:

Cumpre salientar, ainda, que, ao contrário do alegado pelos impetrantes, a autoridade policial, em sua Representação pela Interceptação Telefônica, frisou que, através de investigações preliminares, foi obtida a informação de que Kurt Paul Pickel, trabalharia como 'doleiro' em favor da CCCC, mantendo, para tanto, intenso e diário relacionamento com os pacientes Pietro Francesco Giavina-Bianchi, Darcio Brunato e Fernando Dias Gomes (diretores estatutários da empresa e chefes da operação) e, em razão das dificuldades de se comprovar delitos desta natureza, as interceptações telefônicas eram imprescindíveis para a continuidade das investigações. Desta forma, verifica-se que o acesso aos cadastros e a realização das escutas eram medidas imprescindíveis, tendo sido realizadas por autoridade pública, sob supervisão do Juízo Federal e do Ministério Público Federal. Todos os documentos atinentes à colheita da prova indicam a cautela no seu registro e o controle sobre os atos realizados. Não houve qualquer abuso. Por outro lado, o conteúdo das conversas gravadas e registradas nos autos não pode ser objeto de análise aprofundada nos autos do HC, como propõem os impetrantes. Questões de fato controvertidas são insuscetíveis de análise em sede de habeas corpus, que não comporta no seu rito sumário dilação probatória. (Desembargadora Maria Cecília apud Ministro Og Fernandes. HC 137.349/SP, Documento nº 15524495, https://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

O magistrado do STJ ainda consignou, com o fim de demonstrar a

complexidade dos métodos criminosos adotados pelos acusados, que de fato

requeriam além da escuta telefônica, o uso de TEI – Técnicas Especiais de

Investigação - como a escuta ambiental empreendida no caso, mediante

autorização judicial. Assim, ficou evidenciado no douto voto em comento:

Trago, a título de exemplo, algumas das práticas utilizadas nesse desiderato: a) uso de criptografia, "instalada em alguns telefones utilizados, inclusive a partir da aquisição de equipamento israelense" (fls.103); b) utilização de códigos com nomes de animais (fls. 106) e de linguagem em idioma alemão (fls. 105); c) realização de transferências de altos numerários de forma fracionada, com vistas a passar incólume à fiscalização do COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras (fls. 105/106); d) comunicação através dos sistemas Voip e Skype (fls. 103),

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além de as conversas acontecerem, preferencialmente, de forma presencial (fls. 104), de modo a evitar que os diálogos fossem possivelmente interceptados; e) utilização de empresas 'fantasma' e de 'fachada' para viabilizar movimentações financeiras clandestinas (fls. 119/120); f) intenção, demonstrada por um dos acusados, de trocar o HD – hard disk – de seu computador pessoal, temeroso de que o referido aparelho fosse apreendido pela autoridade policial (fls. 107); g) preocupação na "destruição dos comprovantes das transações realizadas. (fls. 112)”. (HC 137.349/SP p. 28 e 29, voto-vista, Ministro Og Fernandes. Documento nº 15524495, https://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Diante disso, nota-se que, tudo depende da corrente doutrinária e

jurisprudencial. De sorte que, aquela defendida pelo Ministro Og Fernandes,

admite que os dados obtidos com a quebra do sigilo de dados - não sendo

disciplinada pela Lei 9.296/96 - junto com os levantamentos do banco de dados

da polícia, dariam um novo rumo e independência às investigações, daí para

frente. Tese que admite a ocorrência da exceção de fonte independente

consagrada pelo art.157 CPP, com o conseqüente aproveitamento de todas as

provas colhidas pela Polícia Federal.

Porém, para a corrente vencedora, trazida pelo voto da relatora

Maria Thereza, a ilicitude não é superada pelo fato de ter sido quebrado

primeiro o sigilo dos dados e depois a interceptação telefônica. A esse voto se

voltará no próximo item.

Por ora, vale dizer que, no caso da Operação Castelo de Areia, os

defensores partiram da “teoria dos frutos da árvore envenenada ou venenosa”,

segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos. Como se

viu, na prática, encampando a tese da ilicitude das provas originárias e por

derivação, alegaram nulidades absolutas, em face da ilicitude da instauração

de inquérito policial com base apenas em denúncia anônima, bem como devido

à falta de fundamentação válida da decisão que autorizou a interceptação das

comunicações telefônicas que se seguiram.

Em sua decisão, o STJ concluiu que não se aplica ao caso nenhuma

das exceções da doutrina e jurisprudência alemã e norte-americana, quanto à

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teoria dos frutos da árvore envenenada, que justificasse, a exemplo dos

alemães, a ponderação dos direitos fundamentais envolvidos, mediante o

princípio da proporcionalidade ou, na linha americana, a mitigação da prova

ilícita com base em fonte independente e na descoberta inevitável.

Neste contexto de mitigação da prova ilícita, no Brasil, a história

revela que os votos do Supremo Tribunal Federal “que acolheram a tese dos

frutos da árvore venenosa não enfrentaram expressamente a questão de sua

mitigação (...) o que certamente deverá ser feito, levando a uma melhor

elaboração da questão”, afirmam Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011, p.

134).

Ademais, salientaram esses autores que, desde 1983, o princípio da

proporcionalidade da jurisprudência alemã “vinha sendo adotado por parte da

doutrina brasileira e foi acolhido, em via jurisprudencial, pela 5ª Câmara do TJ

do Rio de Janeiro...” para mitigar “a interceptação clandestina das conversas

telefônicas do cônjuge suspeito de adultério pelo outro...” (p. 136). Da mesma

forma, o STJ, em 1996, teria lançado mão “do princípio da proporcionalidade e

do princípio da atualização constitucional...” (idem) para admitir interceptação

telefônica ilícita sido realizada sem amparo de lei anterior.

Em ambos os casos a questão central era o exercício do direito à

prova, mediante a interceptação telefônica, de um lado e, do outro, o direito à

intimidade (no episódio do TJRJ) e os direitos fundamentais próprios do

homem livre, inclusive por um apenado recluso (no caso do STJ).

Grinover e os coautores (2011) então concluem que, quanto ao STF,

esta Corte, desde 2001 já teria firmado posição quanto a não aplicabilidade do

princípio da proporcionalidade em relação às provas ilícitas, conforme fez

constar do HC 80.949 RJ, cujo relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence, nos

seguintes termos:

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Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer preço, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação (STF, 1ª Turma, HC 80.949 RJ, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 30.01.2001, RTJ 180/1.001). (GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES, 2011, p. 136 e 137).

Assim, para o Supremo Tribunal Federal, portanto, é inadmissível a

acolhida da prova ilícita, independente do tipo de crime, da sua gravidade ou

da pena aplicável. Nem mesmo a pretensa “magnitude da lesão causada” pelos

crimes financeiros como menciona o art. 30 da Lei 7.492/86.

Apesar disso, “a Constituição brasileira não afasta radicalmente

nenhuma tendência; e isto é porque, (...) os direitos e garantias fundamentais

não podem ser entendidas em sentido absoluto, em face da natural restrição

resultante do princípio de sua convivência, que exige a interpretação harmônica

e global das liberdades constitucionais”, ponderam Grinover, Gomes Filho e

Fernandes (2011, p. 137). Com isso, dão a entender que a posição da

jurisprudência da suprema corte poderá alterar no futuro.

4.1.1.2 Nulidade da prova obtida por meio de interceptação

telefônica autorizada sem a devida motivação, além de perdurar por mais de

um ano.

Este ponto questiona a legalidade da fundamentação da

interceptação telefônica e a sua duração. Há, como se pode ver, estreita

ligação entre esta nulidade e a primeira - referente à ilicitude da prova derivada

de denúncia anônima apenas.

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Na verdade, uma das provas decorrente disso seria justamente a

quebra de sigilo telefônico com a conseqüente interceptação das

comunicações mantidas entre os interlocutores investigados.

O argumento da defesa é de falta de fundamento (art. 93, IX, CF/88)

sólido que permitisse a interceptação, já que após recebeu a denúncia apócrifa,

a policia nada fez senão solicitar desde logo tal medida violadora de uma

liberdade fundamental.

Assim, tudo que foi obtido teria sido contaminado pelo vício inicial

que seria a falta de investigações preliminares que dessem justa causa às

medidas extremas como a quebra de sigilo de dados, interceptações

telemáticas e de comunicações telefônicas, escuta ambiental, etc.

Acrescido a essa falta de fundamento, alegam que os preceitos da

Lei 9.296/96 teriam sido violados. Pois, houve pedidos genéricos por parte da

Autoridade Policial, sem demonstração da real necessidade e da falta de outros

meios adequados para realizar a investigação.

Esses pedidos, inicialmente recriminados tanto pelo MPF/SP e pelo

Juiz Federal do caso, teriam sido aceitos posteriormente, sem fundamentos

convincentes. Ademais, teria havido 33 prorrogações, durante 14 meses, o que

também, para a defesa, violaria a Lei em questão, que permite autorização por

15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias e nada mais, conforme consta do voto

da relatora Ministra Maria Thereza no HC 137.349/SP do STJ. (p. 3).

(http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Acerca da falta de motivação que justificasse as medidas extremas,

discorreu alongadamente a relatora Maria Thereza da 6ª Turma do STJ,

chegando a sugerir que a Polícia Federal, de posse dos dados do investigado,

deveria ter acompanhado a movimentação do investigado, ao invés de adotar o

procedimento invasivo ilegal. Sua Excelência assentou in verbis:

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(...) A Polícia Federal tinha acesso aos dados da pessoa investigada, sabendo a sua identidade e, certamente, podia averiguar a sua movimentação diária, já que era acompanhada Pelos procedimentos da “inteligência” policial, conforme afirmado nos expedientes endereçados ao Juiz do caso. (...) e não, a partir do fundamento da denúncia anônima, desde logo invadir a intimidade de número indeterminado de pessoas, num procedimento de prospecção e de busca aleatória. (HC 159.159/SP - 2010/0004039-3, Relatora Ministra Maria Thereza Moura, Órgão Julgador: 6ª Turma. Documento nº 11996667, p. 25. Publicação: 30.05.2011) (http://www.stj.jus.br,acessado em 13 de Abril 2012).

A douta magistrada prosseguiu a dizer que, essa busca aleatória

servia, na verdade, não para investigar o denunciado, o cidadão naturalizado

KURT PAUL PICKEL, que constava da noticia criminis, mas visava ter “acesso

aos dados de usuário (sic) da telefonia, todas as pessoas que com ele tiveram

ou realizaram algum negócio ou mesmo confirmar que determinadas pessoas,

desconhecidas para os autos, de fato, mantinham relacionamento com o

referido cidadão”. (HC 159.159/SP - 2010/0004039-3, Relatora Ministra Maria

Thereza Moura, Órgão Julgador: 6ª Turma. Documento nº 11996667, p. 25.

Publicação: 30.05.2011) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Ela então arremata que:

É, no meu entender, uma busca invasiva absolutamente desproporcional, o que faz prevalecer a garantia do direito à intimidade frente ao primado da segurança pública, já que não explicitado os verdadeiros motivos da constrição (...) fato que poderia ser comprovado por verificação de outros meios que não a quebra do sigilo de dados de todos os usuários da telefonia. (HC 137.349/SP) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

A Ministra, ainda pronunciando-se sobre o aspecto genérico das

fundamentações das representações feitas pela Autoridade Policial, bem como

das decisões do Juízo da 6ª Vara Criminal Federal que concederam as

medidas invasivas absolutamente desproporcionais, disse que: “(...) neste

passo, verifique-se que o Ministério Público Federal, no primeiro momento,

compreendeu ser genérica a medida postulada; porém, não obstante inexistir

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justificativa hábil, assentiu, ao (sic) depois, ao seu deferimento” (HC

137.349/SP, p. 25) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

De maneira que para ela “... resta igualmente duvidosa a legalidade

dos fundamentos da medida excepcional deferida, tendo em vista a previsão do

art. 93, IX, da CR” (HC 137.349-SP, p. 29) (http://www.stj.jus.br, acessado em

13 de Abril 2012).

Para chegar à conclusão do seu voto vencedor, a Ministra Maria

Thereza aprofundou-se na explicação da teoria dos frutos da árvore

envenenada ou venenosa, comentou sobre a diferença da sua aplicação no

contexto norte-americano - de onde veio a teoria - e a sua aplicabilidade no

sistema brasileiro de vedação de provas ilícitas. Por fim, ela consignou que a

solução do caso é de provas ilícitas por derivação, com as seguintes palavras:

A questão como posta, portanto, encaminha a solução do caso para considerar a ilicitude tanto da quebra do sigilo de dados inicialmente deferida, quanto das demais provas diretamente dali decorrentes, uma vez violados, por qualquer prisma considerado, os postulados das garantias constitucionais do processo penal, devendo-se observar, neste passo, que a decisão abrangeu situação indevidamente genérica com poder de atingir indiscriminado número de assinantes da telefonia (HC 137.349/SP, Documento nº 11996667, p. 27) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

A relatora enfatizou, na parte conclusiva do seu voto, a nulidade da

quebra dos dados telefônicos e os demais procedimentos deles derivados

diretamente, in verbis:

(...) Por tudo o que restou delineado, não vejo outra saída que não considerar nulo o procedimento de invasão de dados telefônicos autorizado pela decisão de fls. 258/259 dos autos deste writ, devendo ser igualmente anulados os demais procedimentos dali derivados diretamente, nos termos do art. 157 e parágrafos do CPP, cabendo ao Juiz do caso a análise de tal extensão, já que nesta sede de via estreita não se afigura possível averiguá-la (...). (HC 137.349/SP, Documento nº 11996667, p. 32) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

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Quanto à problemática da suposta duração excessiva da

interceptação telefônica, assim se posicionou a relatora:

(...) os demais pontos da impetração, que fazem menção à nulidade das interceptações e demais procedimentos de prova (busca e apreensão, monitoramento de pessoas, escutas ambientais, bloqueio de contras e de bens etc), em face do tempo excessivo de monitoramento e da ausência de motivação, assim como a discussão sobre a necessidade de degravação integral de todas as conversas telefônicas colhidas com as interceptações, não foram enfrentadas pelos acórdãos do TRF da 3ª Região (...) o que impede o seu conhecimento desde logo por este Superior Tribunal, mas podem ser enfrentados no juízo de primeiro grau a partir do que é decidido nesta oportunidade. Por igual razão, fica superada a sugestão desta relatora, encampada no voto do eminente Ministro Og Fernandes, de se conceder, de ofício, ordem de habeas corpus, para o fim de determinar novo pronunciamento da Corte de origem no tocante aos temas não examinados (...). (HC 137.349/SP, Relatora Ministra Maria Thereza, 6ª Turma do STJ, Documento nº 11996667, p. 32 e 33) (http://www.stj.jus.br. acessado em 13 de Abril 2012).

De modo que, ao acolher este ponto da defesa, a 6ª Turma do

Superior Tribunal de Justiça deu por encerrada a sua jurisdição - apesar das

demais alegações que constam dos referidos Habeas Corpus 137.349 – SP e

159.159 – SP – asseverando a relatora que a turma fica impedida de apreciá-

las, uma vez que não foram enfrentadas pelo Tribunal Regional Federal da 3ª

Região.

Por fim, a 6ª Turma do STJ, por maioria anulou a Ação Penal nº

2009.61.81.006881-7, nos termos abaixo:

Concluindo, voto no sentido de conceder parcialmente a ordem, em ambos os habeas corpus (HC 137.349 e HC 159.159) para anular o recebimento da denúncia nos autos da Ação Penal n.º 2009.61.81.006881-7, permitindo-se o oferecimento de outra peça sem a indicação da prova considerada nula por esta decisão, estando prejudicadas as demais alegações. Anote-se, por último, a substituição da medida liminar deferida nos autos do HC 159.159 por esta decisão, devendo-se devolver ao Juízo da 6ª Vara Federal de São Paulo os documentos lacrados por determinação desta Relatora. É como voto. (HC 137.349/SP, Relatora Ministra Maria Thereza, 6ª Turma do STJ, Documento nº

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11996667, p. 33) (http://www.stj.jus.br. acessado em 13 de Abril 2012).

Anote-se que, mesmo dando-se por prejudicadas as demais

alegações como a escuta ambiental, o bloqueio de contas, etc., na pratica, pela

teoria dos frutos da árvore venenosa, todas as provas que derivam da prova

ilícita inicial, no caso a denúncia anônima, cujo nexo foi considerado intacto,

contaminou as demais, inclusive aquelas abrangidas pelas alegações

consideradas prejudicadas.

Portanto, na linha da decisão, todas as alegações foram atendidas,

devendo o MPF/SP oferecer outra denúncia contra os acusados, com base em

provas novas sem máculas.

4.2 O caso: Operação Satiagraha

Seguindo o mesmo padrão, também na exposição deste caso, far-

se-á, primeiramente, um panorama do caso e, em seguida, serão abordados

alguns tópicos atinentes ao tema das nulidades penais e provas ilícitas.

Os relatos do presente caso são fundamentados no acórdão dos

Desembargadores da 5ª Turma do TRF3, no voto do relator, Ministro Adilson

Macabu do STJ (Desembargador convocado do TJ-RJ), (prolatado no HC

149.250/SP), bem como nos votos-vencidos dos Ministros Gilson Dipp e Laurita

Vaz, da 5ª Turma do STJ.

Baseiam-se, igualmente, no conteúdo do HC preventivo nº 95.

009/SP, que foi convertido em liberatório, com a efetiva prisão de Daniel

Dantas, (cujo relator foi o Ministro Eros Grau), nos termos da liminar concedida

monocraticamente pelo Presidente do STF, à época, Ministro Gilmar Mendes,

durante as férias coletivas do Judiciário.

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Desta forma, consta que, em 06/07/2009, quase um ano após a

Operação Satiagraha - que foi deflagrada em 08 de Julho de 2008, resultando

na prisão de pelo menos 13 pessoas, além do banqueiro Daniel Valente Dantas

- todos foram denunciados pelo Ministério Publico Federal/SP sob a acusação

de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e temerária de instituição

financeira, evasão de divisas e formação de quadrilha

(http://www.prsp.mpf.gov.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Antes da Operação, Daniel Dantas e sua irmã, Verônica Dantas, já

haviam impetrado no TRF da 3ª Região o Habeas Corpus preventivo de nº

2008.03.00.002665-4 (30850 – HC-SP), com base em informações jornalísticas

de que podiam ser presos a qualquer momento por crimes contra o sistema

financeiro nacional, fruto de investigações em curso na Polícia Federal, neste

sentido, contra eles e outras pessoas.

Denegado o pedido de liminar, recorreram ao STJ, em 29/05/2008,

mediante o HC 107.514, no qual também se negou liminar e, assim, chegaram

ao STF através do HC nº 95.009/SP, impetrado em 11/06/2008, sob a relatoria

do Ministro Eros Grau, que igualmente indeferiu o pedido de liminar HC

107.514/SP. (www.trf3.jus.br; www.stj.jus.br e www.stf.jus.br, acessado em 13

de Abril 2012).

Com a efetiva prisão temporária do Daniel Dantas e outros, os seus

defensores, em 09/07/2008, então peticionaram ao relator, Ministro Eros Grau,

a conversão do HC preventivo em liberatório. Mas, devido ao recesso do

Judiciário, o Presidente do STF, à época, Ministro Gilmar Mendes, segundo o

art. 13 do Regimento Interno da Corte Suprema, concedeu o alvará de soltura a

Daniel Dantas e, em seguida, atendendo a outra petição (nº 97.672/2008)

estendeu os efeitos da liminar aos demais presos, sendo todos postos em

liberdade (HC 95.009/SP. http://www.stf.jus.br, acessado em 13 de Abril de

2012).

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Daniel Dantas foi preso novamente por ordem do mesmo Juiz

Federal Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, desta vez,

tratava-se de prisão preventiva, determinada com base nos autos nº

2008.61.81.009733-3, instaurados contra o mesmo e outros indivíduos, pelo

crime de corrupção ativa dentre outros. Com os seguintes termos o presidente

do STF, Gilmar Mendes, deferiu a segunda liminar:

a) Os mesmos fundamentos que permitiram o conhecimento do pedido de afastamento da prisão temporária nestes autos também permitem conhecer do pleito de revogação da prisão preventiva; b) a fundamentação utilizada pelo Juiz Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo, Dr. Fausto Martin de Sanctis, não é suficiente para justificar a restrição à liberdade do paciente; c) Para que o decreto de custódia cautelar seja idôneo, é necessário que o ato judicial constritivo da liberdade especifique, de modo fundamentado (CF, art. 93, IX), elementos concretos que justifiquem a medida. (....) Nesses termos, DEFIRO o pedido de medida liminar para que sejam suspensos os efeitos do decreto de prisão preventiva de DANIEL VALENTE DANTAS, expedido pelo Juízo da 6ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo nos autos do processo nº 2008.61.81.009733-3. Expeça-se alvará de soltura. (http://www.stf.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

Acrescente-se que, outro HC de nº 97.375/SP, já havia sido

impetrado, requerendo no STF a ilicitude e nulidade de diversos

procedimentos, em sede policial e judiciária, contra Daniel Dantas e outros,

devido à negativa da liminar no HC nº 124.253/SP que tramitou na 5ª Turma do

Eg. STJ acerca dos mesmos pedidos. No entanto, no STF também foi negado

liminar pelo relator Ministro Eros Grau, nos termos do item 7 de sua ementa:

(...) 7. De outro lado, a extensa petição de quase cem laudas e o volumoso processo, composto de aproximadamente duas mil laudas, revelam, por si sós, a complexidade das questões postas a exame do Superior Tribunal de Justiça. Infere-se daí que a decisão indeferitória da liminar não é teratológica nem consubstancia flagrante constrangimento ilegal a ensejar exceção à Súmula 691/STF. Nego seguimento ao writ, com fundamento na Súmula 691 deste Tribunal. (HC 97.375/SP, Relator Ministro Eros Grau) (http://www.stf.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

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Tendo já passados quase três anos, desde a realização da

Operação Satiagraha, a 5ª Turma do STJ, por maioria de três votos contra

dois, anulou todas as provas obtidas pela operação Satiagraha, desde seu

início, referentes aos crimes financeiros, dentre outros.

Inclusive, foi anulada a condenação de Daniel Dantas por 10 anos

de prisão por corrupção ativa, conforme se depreende do voto vencedor do

relator, Ministro Adilson Viera Macabu, Desembargador Convocado do TJ/RJ:

(...) Pelo exposto, concedo a ordem para anular, todas as provas produzidas, em especial a dos procedimentos nº 2007.61.81.010208-7 - (monitoramento telefônico), nº 2007.61.81.011419-3 (monitoramento telefônico), e nº 2008.61.81.008291-3 (ação controlada), e dos demais correlatos, anulando também, desde o início, a ação penal, na mesma esteira do bem elaborado parecer exarado pela douta Procuradoria da República. (HC 149.250/SP. http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

A seguir a análise dos argumentos quanto aos vícios e nulidades

apontadas neste caso.

4.2.1 Os vícios e os fundamentos das nulidades do caso:

“Operação Satiagraha”

Colhem-se do voto do relator, Ministro Adilson Macabu,

Desembargador convocado do TJRJ, as nulidades impugnadas pelos

defensores de Daniel Dantas. Basicamente, assim resumiu o eminente Ministro

relator da 5ª Turma do STJ:

Por fim, requerem "a concessão da ordem de habeas corpus, a culminar com a decretação da nulidade dos Procedimentos nº 2007.61.81.010208-7 (monitoramento telefônico), 2007.61.81.011419-3 (monitoramento telemático) e 2008.61.81.008291-3 (ação controlada), sobre os quais inequivocadamente se projetaram as comprovadas ilegalidades, a fim de que, ulteriormente, se possa avaliar a

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derivação da nulidade a investigações e/ou ações penais decorrentes de tais procedimentos” (fls. 66 - vol. 01). (HC 149.250. p. 7). (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Acrescenta o Ministro numa síntese maior que:

(...) Os impetrantes visam, basicamente, com este habeas corpus, a nulidade dos procedimentos de monitoramento telefônico, telemático e ação controlada que resultaram em ação penal instaurada contra o paciente, ao argumento que eles decorreriam de provas ilícitas (...) (HC 149.250. p. 12). (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

De acordo com o relatório de sua excelência o relator, o Ministério

Público Federal teria opinado neste caso pela concessão da Ordem. Ele assim

consignou:

No seu parecer, às fls. 2.728/2.733 - vol. 11, o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem, "ex officio, para que seja expedida ordem, com força para anular, desde o início, a ação penal declinada nesta manifestação. Se tida como incabível a concessão da ordem de habeas corpus, nos moldes propostos, espero, como agente do Ministério Público, o seu deferimento para que seja anulado o acórdão em que o Tribunal Federal (sic) Regional da Terceira Região, através de sua Quinta Turma, indeferiu a súplica originária, para que em seu lugar outro seja proferido, com análise e consideração, pelos seus integrantes, dos documentos que se recusaram a apreciar naquela oportunidade. (HC 149.250. p. 8). (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

No entanto, com a anulação, o Ministério Público Federal, impetrou

Recurso Extraordinário no HC 149.250/SP junto ao STJ a ser encaminhado ao

Supremo Tribunal Federal, no qual o vice-presidente do STJ, à época, Ministro

Felix Fischer, proferiu a sua decisão de admissibilidade, sintetizando que a

Subprocuradoria Geral da República:

Requer, ao final, a nulidade do julgamento que apreciou o habeas corpus ou, alternativamente, o provimento do presente recurso extraordinário, a fim de desconstituir o v. acórdão ora vergastado, declarando-se válidas todas as provas produzidas (fls. 3223/3224) (HC 149.250/SP p. 4) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

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Existem, portanto, pretensas nulidades alegadas por ambas as

partes neste momento. Porém, o interesse do trabalho aqui recai sobre aquelas

apontadas pela defesa contras as investigações e contra a ação penal, ora,

anulada desde início também.

4.2.1.1 Nulidade dos procedimentos de monitoramento telefônico,

telemático e da ação controlada, que resultaram em ação penal instaurada

contra o paciente, ao argumento que eles decorreriam de provas ilícitas.

Quais seriam tais provas ilícitas?

O argumento central das ilicitudes levantadas pela defesa está no

envolvimento indevido dos servidores da ABIN em todos os procedimentos da

interceptação citados acima. De fato, os demais pontos referem-se ao

detalhamento de diferentes facetas da mesma ilicitude alegada.

Um argumento que coroa todo o restante é a menção de que houve

“intromissão estatal abusiva e ilegal na esfera da vida privada, da

intimidade, da honra e da imagem (...) violando, assim, o Princípio da

dignidade Humana (...)”, o que configura prova ilícita, “em virtude de tal prova

ter sido obtida em contrariedade à previsão legal” (HC 149.250/SP. Documento

nº 13668594, p. 07) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Depreende-se, dos relatos dos Desembargadores e Ministros (uma

vez que não se teve contato com as petições da defesa referente aos trechos

citados nos votos e acórdãos), que as ilegalidades quanto à atuação

clandestina da ABIN viola ao mesmo tempo normas constitucionais e

processuais, contrariando o que diz o artigo 157 do CPP.

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Salientam os defensores de Dantas que, constitucionalmente, uma

investigação da Polícia Federal não poderia ser realizada por membros da

Agencia Brasileira de Inteligência, porque isso viola o artigo 144, § 1º, IV, da

Constituição Federal e o artigo 4º do Código de Processo Penal.

Quanto à ilegalidade, asseveram que está estampada no fato dos

monitoramentos telefônico e telemático do investigado ter começado em

fevereiro de 2007, antes da instauração do inquérito policial, em 25/06/2008,

pelo Departamento da Polícia Federal, o que por sua vez, fere a Lei 9.296/96.

Apesar disso, não há menção expressa a tal lei nos relatos do HC 149.250/SP.

Desta forma, segundo a defesa, a ilicitude seria a contrariedade à

própria Constituição Federal vigente, na medida em que, pessoal do quadro da

ABIN agiu em usurpação às atribuições da Polícia Federal, em claro desvio de

finalidade de sua criação, a qual seria auxiliar o Presidente da República em

assuntos de segurança nacional.

Outro apontamento da defesa a detalhar a ilicitude do envolvimento

dos servidores da ABIN é a inadmissibilidade do compartilhamento de dados

sigilosos entre a Polícia Federal e ABIN, especialmente da forma oficiosa como

teria ocorrido no caso.

Concordando com tais argumentos, o relator registrou no seu voto

que, de fato:

A Lei nº 9.883/99 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência, que integra as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do País, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional. (HC 149.250/SP, Documento nº 13668594, p. 18). (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

A conclusão do Ministro relator da 5ª Turma do STJ foi no sentido de

que: “não há se falar em compartilhamento de dados entre a ABIN e a Polícia

Federal, haja vista que a hipótese dos autos não se enquadra nas exceções

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previstas na Lei nº 9.883/99”. (HC 149.250/SP. Documento nº 13668594, p.7).

(http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

Porém, para a 5ª Turma do TRF da 3ª Região, tais alegações da

participação efetiva dos agentes da ABIN não restaram provadas, conforme o

voto condutor do relator, o Desembargador Helio Nogueira TRF3 (Juiz

convocado), que negou liminar da defesa, sob o fundamento de que:

Os impetrantes não instruíram o “writ" com elementos de prova suficientes para que esta Corte, neste passo, emita juízo de valor sobre a participação, ou não, de servidores vinculados à Agência Brasileira de Informação (ABIN) nos procedimentos investigatórios, relacionados com a denominada “Operação Satiagraha”. (voto do relator do HC 149.250/SP, Documento nº 13668594, p. 6 a 10) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

A Turma acrescentou que o prejuízo concreto não teria sido

demonstrado e que, ademais, é possível o compartilhamento de informações

entre os órgãos de persecução penal.

Ainda, de acordo com a 5ª Turma do TRF3, segundo a autoridade

impetrada:

(...) se houve participação de agentes da ABIN nos demais procedimentos investigatórios (...), esta deu-se (sic) de forma secundária, incapaz de justificar qualquer alegação de nulidade de prova, especialmente porque ausente demonstração concreta de prejuízo(...). (voto do relator do HC 149.250/SP, Documento nº 13668594, p. 11) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

Na sua conclusão a 5ª Turma do TRF3 declara que:

Eventuais nulidades da fase pré-processual não possuem o condão de contaminar a ação penal. O Código de Processo Penal consagra a dispensabilidade do Inquérito Policial (artigo 39, § 5º), o que, também, corrobora o raciocínio de que eventuais nulidades verificadas naquele âmbito não contaminam a ação penal, que lhe é posterior e ontologicamente distinta. (voto do relator do HC 149.250/SP, Documento nº 13668594, p. 2 e 3, da ementa do STJ) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

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Assim, denegaram a ordem também quanto ao mérito.

Entretanto, foi diferente a avaliação da 5ª Turma do Superior

Tribunal de Justiça, pelo menos de três dos seus cinco componentes. Na sua

ementa de sete tópicos, a Turma concedeu o HC e consignou sete

fundamentos em sentido contrário aos sete pontos levantados na ementa da 5ª

Turma do TRF3.

Por exemplo, enquanto afirma o TRF3 que: “os impetrantes não

instruíram o “writ” com elementos de prova suficientes... aliás, a impetração

não indica um único fato específico, concreto, no qual houve a participação de

agentes da ABIN”

No mesmo quesito da suficiência ou não das provas da defesa

quanto à participação dos agentes da ABIN, consignou o STJ que:

Existe uma grande quantidade de provas aptas a confirmar, cabalmente, a participação indevida, flagrantemente ilegal e abusiva, da ABIN e do investigador particular contratado pelo Delegado responsável pela chefia da Operação Satiagraha. (voto do relator do HC 149.250/SP, Documento nº 13668594, p. 7, item 01 da ementa do STJ) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Prosseguem as divergências de entendimento no caso. Por

exemplo, onde afirma o TRF3 que há possibilidade de compartilhamento de

informações entre Polícia Federal e ABIN, o STJ diz que, isto só pode

acontecer em casos excepcionais, não sendo abrangidos pelo presente caso.

O TRF3, ademais, apontou que o prejuízo da participação ínfima da

ABIN não foi demonstrado, enquanto o STJ confirma que “é inquestionável o

prejuízo acarretado pelas investigações realizadas em desconformidade com

as normas legais”. (voto do relator do HC 149.250/SP, Documento nº

13668594, p. 7, item 4 da ementa do STJ) (http://www.stj.jus.br, acessado em

13 de Abril de 2012).

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Aqui cabe um lembrete quanto à importância do critério do prejuízo

na decretação de nulidades, como explanado anteriormente. Tal princípio reza

que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para

a acusação ou para a defesa”. (art. 563 do CPP).

O tal prejuízo precisa ser demonstrado pela parte que o alega, nos

casos de nulidade relativa. Porém, como na nulidade absoluta o prejuízo é

contra o interesse público do devido processo legal, o juiz pode decretá-la de

oficio. Feito o lembrete, retorna-se a análise do caso.

No quesito das nulidades, onde afirma o TRF3, “(...) que eventuais

nulidades da fase pré-processual não possuem o condão de contaminar a ação

penal (...)”. (voto do relator do HC 149.250/SP, Documento nº 13668594, item

07 da ementa do TRF3, p. 2 e 3) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril

de 2012).

Os Ministros do STJ, por sua vez, concluem que “(...) inexistem

dúvidas de que tais provas estão irremediavelmente maculadas, devendo ser

consideradas ilícitas e inadmissíveis (...)”. (voto do relator do HC 149.250/SP,

Documento nº 13668594, item 06 da ementa do STJ, p. 7)

(http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

Por fim, o acórdão do STJ prevaleceu como substitutivo daquele

lavrado pelo TRF3.

Ocorre que, dois Ministros da 5ª Turma do Egrégio STJ entenderam

diferente de seus colegas. Os votos divergentes foram dos eminentes Ministros

Gilson Dipp e Laurita Vaz.

O primeiro alegou o trânsito em julgado do acórdão em 28/08/2009,

de modo que para ele, o presente HC seria substitutivo do RO no HC que não

foi proposto. Também apontou que, além do HC no STJ, buscando a

declaração da ilegalidade do ato do TRF3 que não anulou a sentença do Juízo

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da 6ª Vara Criminal Federal, existe também apelação contra a sentença da 6ª

Vara Federal Criminal no TRF3.

Enfim, ele reconheceu que pode está havendo supressão de

instância, invasão ou usurpação de competência e violação ao princípio da

ampla defesa e do contraditório. Sua Excelência assim se posicionou:

A sobreposição deliberada de impetração, sobre apelação, a meu ver, revela inescondível desprestígio das instâncias ordinárias e seus órgãos, a meu ver, com inevitável violação da organização jurisdicional que também tem fundamento constitucional. Em outras palavras, aqui se pede ao STJ que julgue tema sujeito à competência do TRF da 3ª Região antes da manifestação daquele colegiado regional e com risco de invasão ou usurpação da competência jurisdicional local. (HC 149.250, Documento nº 15250811, voto-vista do Ministro Gilson Dipp). (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

Acrescenta o Ministro Dipp que, o relator teria concedido jurisdição

além do pedido dos impetrantes ao anular também a sentença. Assim, foram

as suas palavras:

É que os impetrantes não pediram a nulidade da sentença (como o deferiu o voto do Ministro Relator), mas apenas o reconhecimento da nulidade dos mencionados procedimentos preparatórios para, só após, avaliar a eventual nulidade da sentença. (HC 149.250, Documento nº 15250811, voto-vista do Ministro Gilson Dipp. p. 6) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

No mesmo sentido, ao acompanhar a divergência, assentou a

Ministra Laurita Vaz. Ela disse no seu voto-vencido que, “nem mesmo os

Impetrantes vislumbraram, a princípio, a nulidade da ação penal instaurada em

desfavor do Paciente, que conta com sentença condenatória, estando

pendente de julgamento apelação defensiva”. (HC 149.250, Documento nº

15477921, p. 6) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

Portanto, concluiu a ilustre Ministra, “a relação de causa-efeito entre

as supostas provas ilícitas acima referidas e todo o acervo probatório

considerado na sentença penal condenatória não foi nem trazido a debate

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pelos combativos defensores, que sequer tentaram estabelecer tal vínculo”.

(HC 149.250, Documento nº 15477921, p. 6) (http://www.stj.jus.br, acessado

em 13 de Abril de 2012).

Com isso, a Ministra Laurita Vaz justificou que a sentença da 6ª Vara

Criminal Federal não estava posta em julgamento. Por isso, anulá-la seria ir

além do pedido formulado pelos impetrantes.

Ademais, em relação às provas novas consideradas pelo relator

como a prova emprestada do processo penal perante a 7ª Vara Criminal

Federal, trazida pela defesa, em que o Ministério Público Federal na verdade

denunciou o Delegado Federal somente por violação de sigilo profissional e

fraude processual, tendo sido efetivamente condenado apenas por esses

crimes, com tal prova, para o Ministro Dipp:

O MPF afirmou naquela investigação policial, contra o Delegado Protógenes, que a atuação conjunta da Polícia Federal com a ABIN, no caso, ora em apreciação, nos termos apreciados, não caracterizava violação da lei penal. (HC 149.250, voto-vista, Documento nº 15250811, p. 9) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

De modo que, prosseguindo quanto à dúvida que tem em relação à

certeza das ilegalidades apontadas pela defesa, Dipp ressaltou que, “em

princípio, as provas ali contidas não são necessariamente ilícitas nem se

poderia dizer em que porção ou importância produziriam a nulidade que se

quer afirmar”. (HC 149.250, voto-vista, Documento nº 15250811, p. 9)

(http://www.stj.jus.br. Acessado em 13 de Abril 2012). Até porque, na sua

concepção essas provas não seriam irrefutáveis.

Arremata sua Excelência Gilson Dipp, que pelo contrario, em regra,

“como prova produzida em outra instrução penal, o suposto prevalecimento

dessa prova emprestada (como o admitiu o voto do Ministro Relator sem

reservas) pressupõe a discussão por ambas as partes do seu teor e

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credibilidade, o que não ocorreu”. (HC 149.250, voto-vista, Documento nº

15250811, p. 8) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Por fim, o Ministro Dipp aponta a possibilidade de preclusão das

nulidades e ilicitudes ocorridas na fase pré-processual, de acordo com os

artigos 564, III, 566, 571, II e 573, todos do CPP, não sendo, portanto, o

momento, nem o HC a via apropriada para argüi-las.

Porquanto, prossegue sua Excelência:

Tendo havido denúncia e instrução penal resultante em condenação do ora paciente, as possíveis nulidades, mesmo as mais graves, resolvem-se no julgamento da apelação como preliminar e, sabem os impetrantes, toda a trama revelada pelas interceptações foi judicialmente confirmada por depoimentos de testemunhas colhidos em contraditório e respeitada à ampla defesa. (HC 149.250, voto-vista, Documento nº 15250811, p. 10) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril de 2012).

Aqui, o Ministro invocou o princípio da preclusão processual, que é a

perda da faculdade de argüir nulidade que não fora alegada no momento

processual devido (art. 572 c/c art. 571 do CPP).

No entanto, é preciso lembrar que o princípio da preclusão não se

aplica a nulidades tidas como absolutas, que podem ser argüidas a qualquer

tempo, como visto nas explicações do capítulo anterior.

Mas, a questão é saber em que categoria de nulidades os Ministros

enquadrariam tais fatos?

Essa resposta torna-se evidente com a prevalência do voto do

relator ao concluir que:

Por estas razões, tenho que todas as provas colhidas por agentes da ABIN e pelo investigador particular contratado indevidamente, no curso da operação, são ilícitas.

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Podemos definir prova ilícita como sendo aquela obtida com violação de regra ou princípio constitucional. Em relação às provas ilícitas, nosso ordenamento jurídico adotou o sistema da inadmissibilidade das obtidas por meios ilícitos, ou seja, toda e qualquer prova nessa situação não poderia, em tese, sequer, ingressar nos autos, conforme o disposto nos arts. 5º, LVI, da Constituição Federal e 157, do Código de Processo Penal. E, na hipótese de vir acontecer, ela deve ser excluída (exclusionary rules). (voto do relator do HC 149.250/SP, Documento nº 13668594, p. 24 e 25) (http://www.stj.jus.br, acessado em 13 de Abril 2012).

Portanto, a 5ª Turma do STJ reconheceu ex-oficio, por maioria, a

ilicitude das provas originais e, por conseguinte, as provas secundárias, delas

derivadas, inadmitindo-as por nulidade absoluta e aplicabilidade da teoria dos

frutos da árvore envenenada, nos termos do § 1º, art.157 do CPP.

A referida decisão, de ofício, coaduna com a doutrina de Grinover,

Gomes Filho e Fernandes (2011), segunda a qual:

(...) aferida pelo Tribunal, no julgamento de recurso, a existência de vício processual capaz de levar ao reconhecimento de nulidade absoluta, caberá então distinguir: se a invalidação favorecer o réu (...) mesmo que a defesa não tenha argüido a nulidade, caberá ao órgão julgador proclamar a nulidade e ordenar a renovação do feito (...). (p. 36).

Por fim, reafirme-se que, com essa solução, o acórdão do STJ veio a

substituir aquele lavrado pelo TRF3 referente às questões jurídicas debatidas,

cabendo apenas recurso extraordinário ao STF.

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CONCLUSÃO

Tendo como objetivo principal compreender os fundamentos

doutrinários e jurisprudenciais das nulidades de provas decretadas, em dois

casos envolvendo crimes financeiros, pelos Tribunais Superiores, o trabalho

abordou três aspectos ligados ao tema principal, quais sejam: a definição dos

crimes financeiros, bem como sua amplitude e contexto; esclarecimentos sobre

provas no processo penal; e noções acerca do sistema das nulidades no

processo penal.

No primeiro aspecto, esclareceu-se que os crimes financeiros são

condutas criminosas - relacionadas com recursos financeiros e econômicos da

coletividade - praticadas: 1) sem violência física, 2) por pessoas de respeitável

e elevado status social e econômico, 3) que violam ou expõe a perigo bens,

valores e interesses de alta relevância como a livre iniciativa, a valorização do

trabalho humano, dentre outros ditames da justiça social.

Daí, concluiu-se que a natureza desses crimes é de espécie de

delitos econômicos. Portanto, são condutas nocivas do âmbito das atividades

econômico-financeiras, porque ameaçam a organização, regularidade,

segurança e confiança do sistema financeiro nacional, bem como valores e

interesses da ordem econômica e financeira.

Neste contexto, os referidos tipos penais especiais que tutelam as

atividades deste âmbito, coexistem de forma subsidiária com as demais

normas de organização, regulação e disciplina do setor econômico-financeiro;

conforme a escolha prévia do legislador, com escopo de garantir a

concretização das finalidades do Sistema Financeiro Nacional, quais sejam: o

desenvolvimento nacional equilibrado e o atendimento aos interesses da

coletividade.

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Afirmou-se, ainda, que apesar de inexistir no ordenamento jurídico

pátrio a expressão “crimes financeiros” ou de “colarinho branco”, a mesma é de

uso cotidiano pela doutrina e jurisprudência, tanto nacional como estrangeira,

mesmo sem coincidência de seu conceito e amplitude, em alguns casos,

mundo afora. Nesse diapasão, a jurisprudência e a doutrina nacionais

consideram como crimes financeiros, aqueles tipificados na Lei 7.492/86,

dentre outras correlatas.

Ressaltou-se que, embora de extrema importância, a normatização

do Sistema Financeiro Nacional, dentre outras funções a cargo do Estado, no

inicio, a sua disciplina foi relegada às normas infraconstitucionais, a começar

por aquela que criou a Caixa Econômica em 1861; seguida pelas normas da

Reforma Bancária e do Mercado dos Capitais na década de 1960, bem como a

do Mercado de Valores em 1976. E, aí, quando não se podia mais suportar as

conseqüências dos males de ordem econômico-financeiros, por derradeiro,

editou-se, às pressas, a Lei 7.492/86 dos crimes financeiros.

Porém, constitucionalmente, essa tutela ocorreu somente em 1988,

um século e meio após a independência do Brasil em 1822. Na sua inovação,

quanto ao sistema financeiro, a Carta de 1988 consagrou a interdependência

inegável entre a ordem econômica e a financeira. A partir daí, numa atividade

diretiva, a Constituição passou a acompanhar mais de perto as duas ordens,

propondo ações positivas, não apenas corrigindo problemas de ordem

econômico-financeiros.

Por outro lado, viu-se que, mesmo elaborado sob a égide da

Constituição de 1967, a Lei dos crimes financeiros, hoje, está recepcionada

pela Carta vigente. Entretanto, a mesma vem enfrentando diversas críticas

desde o seu nascedouro, tendo sido tachada de “a pior lei do País” por alguns

juristas renomados. Por conta disso, atualmente, existem diversas propostas

de modificações dessas normas em conjunto com as reformas do Código Penal

em tramitação no Congresso Nacional.

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Neste ponto, cabe salientar que, as recorrentes demandas pela

reformulação e atualização dos tipos penais - como o da gestão fraudulenta e

temerária, evasão de divisas, dentre outros - confirmam uma das hipóteses

levantadas neste trabalho, no sentido de que a reformulação e

contextualização dos tipos penais da Lei dos crimes financeiros, facilitariam os

acertos na apuração correta desses crimes pelos órgãos de persecução penal.

E, de fato, por tudo isso, a lei em questão merece reformulações,

mesmo que pontuais, uma vez que as impropriedades e inconsistências nela

apontadas têm comprometido o trabalho da persecução penal, bem como o da

defesa.

Ainda quanto à tutela normativa do Sistema Financeiro Nacional, sua

importância foi asseverada por Paulo Krugman, ganhador de Prêmio Nobel em

economia. De acordo com ele, o conjunto da desregulamentação e

desatualização normativa foi o fator decisivo da crise financeira de 2008, que

teve início nos EUA. E arrematou que, só não teria ocorrido o pior por lá,

devido às normas remanescentes da década de 1930 de cunho econômico-

financeiras.

O segundo aspecto do trabalho foi tratar da provas no processo

penal, conceituando-as, demonstrando sua relevância processual, seu objeto e

o sistema de sua apreciação e valoração adotado pelo ordenamento jurídico

brasileiro.

Neste quesito, o estudo abrangeu as provas ilícitas, consideradas

como aquelas obtidas com violação a normas constitucionais e legais,

distinguindo as provas ilícitas originárias das ilícitas por derivação, sendo estas,

licitamente obtidas, porém, contaminadas pela ilicitude daquelas que lhes

deram origem.

No domínio das provas ilícitas por derivação, constatou-se que a

teoria dos frutos da árvore venenosa, que consiste na contaminação de provas

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lícitas oriundas de ilícitas, teria sido cunhada pelo judiciário dos EUA, em 1920,

para desencorajar a prática policial de busca e apreensões abusivas, bem

como de interceptações telefônicas ilegais, atrás de provas a qualquer custo.

Neste particular, os dois casos concretos que constam do capítulo

quatro desta obra parecem uma repetição da história americana aqui no Brasil;

considerando que o STJ, com base na mesma teoria - recém introduzida no

ordenamento jurídico pátrio, na época dos referidos processos, através da Lei

11.690/2008 - anulou provas ilícitas colhidas pela Polícia Federal, mediante

interceptações e outras medidas probatórias tidas como abusivas, como a

participação ilegal de agentes da ABIN nos referidos procedimentos.

Assim, confirmam-se, em parte, as hipóteses levantadas no sentido

de que, investigações criminais conduzidas com respeito às garantias e direitos

fundamentais e processuais dos investigados, bem como o uso de métodos e

técnicas investigatórios condizentes com o Estado Democrático, produziriam

provas sólidas, cujos processos resistiriam a quaisquer alegações de nulidades

e ilicitudes.

É preciso salientar que tal confirmação seria em parte, porque as

situações são pontuais e relativas. Pontuais, porque não são práticas

generalizadas, tanto é que a Polícia Federal possui diversos outros casos, de

grande repercussão, a salvo de nulidades. Relativos por causa dos resultados

apertados a favor dos acusados, por exemplo, 03 (três) votos a favor e 02

(dois) votos contra.

A relatividade dessa confirmação se depreende também do fato de

ser perceptível que os votos divergentes, de igual modo, possuem conteúdo

jurídico substancioso, pelo qual as provas analisadas poderiam não ter sido

anuladas, ainda mais em sede de HC, cujo rito não permite adentrar a questão

probatória. Alem do mais, dois casos configuram um universo ínfimo para se

tirar conclusões contundentes. Porém, representam exemplos de erros a serem

evitados em futuras investigações.

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Ademais, consignou-se a mitigação da teoria dos frutos da árvore

venenosa mediante institutos como a fonte independente, as provas de nexo

aparentes (no Brasil) e a descoberta inevitável. Institutos que o legislador

brasileiro parece ter confundido um com o outro, conforme alerta a doutrina

nacional.

Após consolidar o conhecimento fundamental quanto às provas

lícitas e ilícitas, bem como da inadmissibilidade destas últimas em qualquer

processo, em especial o penal, considerando que este pode resultar no

cerceamento da liberdade do indivíduo, passou-se ao terceiro aspecto do

trabalho, qual seja, tratar da questão das nulidades dos atos processuais.

Sem dúvida, a questão das nulidades atinge a atividade probatória, o

que engloba, desde o inquérito policial até a fase judicial da persecução penal,

visando salvaguardar este instrumento do devido processo legal, cuja

incumbência é verificar a culpabilidade ou não do infrator para fins de

fundamentar a peça acusatória e posterior aplicação da pena ou não.

Este aspecto ligado ao cerne do tema sob análise, abordado no

capítulo três, confirmou que durante a atividade processual podem ocorrer

nulidades processuais e ilicitudes. Estas por conta de provas coletadas através

de meios ilícitos e aquelas por causa de imperfeições dos atos processuais

praticados.

Constatou-se que, o traço marcante da nulidade dos atos

processuais, na óptica da teoria geral dos atos jurídicos, é sua atipicidade, ou

seja, sua desconformidade com a lei penal. Neste particular, os vícios mais

graves que atingem o interesse público dos atos, ensejam nulidades absolutas

e, por serem insanáveis, são reconhecíveis e anuláveis a qualquer tempo, na

linha do artigo 573 do CPP. Por seu turno, aquelas que afetam diretamente o

interesse das partes são tidas como relativas e devem ser argüidas nos prazos

definidos no artigo 571 do CPP, sob pena de convalidação por preclusão,

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dentre outras formas de saneamento processual, preconizados no artigo 572

do CPP.

Além da convalidação, o sistema das nulidades conta com outros

princípios como o do prejuízo, do interesse e o da causalidade. O carro-chefe

deles é o princípio do prejuízo. Em face deste, não se anula qualquer ato se da

sua nulidade não resultar prejuízo para qualquer das partes, devendo ser

evidente ou demonstrado no processo pela parte prejudicada, no caso das

relativas, mas presumido nas absolutas.

Junto com a demonstração do prejuízo, a parte que alegar a

nulidade deve mostrar o seu interesse jurídico na declaração da mesma. Os

princípios de prejuízo, interesse e da convalidação dos atos irregulares, por sua

vez, decorrem de outros corolários maiores como: a instrumentalidade das

formas, a flexibilização da técnica processual e a efetividade do processo.

Assim, ficou evidente que o papel desempenhado por esses critérios

e princípios é a busca pela efetividade do processo, que não é um fim em si

mesmo. Por conta disso, atribui-se maior valor à finalidade alcançado pelos

atos, mesmo quando atípicos, desde que não haja prejuízo para as partes,

relevando os formalismos excessivos.

Por fim, o presente estudo das nulidades envolvendo crimes

financeiros evidencia três pontos de vista. O primeiro leva em consideração os

sujeitos que cometem este tipo de crime e os agentes encarregados de

investigá-los.

Nota-se que, quem comete os crimes financeiros, se utiliza do poder

econômico e dos recursos tecnológicos bastante complexos que tal poder lhe

permite, dando aos crimes uma aparência de legalidade e legitimidade no

contexto econômico-financeiro.

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Os investigadores, por seu turno, sofrem com as limitações

orçamentárias, escassez de equipamentos e, às vezes, carecem de

especialização no assunto, o que se vem tentando suprir com a Estratégia

Nacional de Combate ao Crime de Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), desde

2003, tendo nela incluído os crimes financeiros.

O outro ponto de vista diz respeito aos reflexos sociais desses

crimes. Em primeiro lugar, sua prática representa o abandono da função social

da propriedade empresária, cujas conseqüências são: 1) a diminuição dos

investimentos na economia, por falta de confiança dos investidores nacionais e

estrangeiros na estrutura do Sistema Financeiro Nacional; 2) o retrocesso ou

redução do desenvolvimento nacional; 3) a redução da qualidade de vida, por

falta de recursos para a saúde, educação, etc. dentre outros reflexos sociais.

O pior é que, tais crimes podem até levar à falência das próprias

instituições financeiras e desemprego de seus funcionários, etc.

Outro ângulo a observar, ao estudar a questão das nulidades de

provas, é o da atuação do Judiciário como regulador das condutas, tanto de

quem pratica os referidos crimes, quanto dos órgãos responsáveis por sua

repressão. Neste sentido, os termos das sentenças e acórdãos sinalizam a

ambas as partes o ideal a seguir. As referidas decisões, igualmente, indicam ao

legislador os aperfeiçoamentos necessários na legislação vigente.

De modo que o Judiciário condena quando tem que fazê-lo e

absolve quando há ilicitudes e nulidades plausíveis. Nessa imparcialidade do

devido processo legal, as atividades estatais de persecução penal que

desrespeitem os direitos dos investigados, coletando provas por meios ilícitos,

serão condenadas ao mesmo tempo em que são repudiadas as condutas

criminosas em questão sob julgamento.

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nº 30, Out. 2012, pp. 36 - 29. Disponível em:<<http://www.apcf.org.br>>. Acessado em 17 Fev. 2013. http://www.trf3.jus.br, acessado em 07.04.2012. http://www.stj.jus.br, acessado em 13.04.2012 e 16.02.2013. http://www.stf.jus.br, acessado em 07.04.2012; 3.04.2012 e 16.02.2013 http://www.bcb.gov.br, acessado em 06.02. 2013. http://jus.com.br, acessado em 16.02.2013. http://portal.mj.gov.br, acessado em 16.02.2013. https://www.coaf.fazenda.gov.br, acessado em 16.02.2013.

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ÍNDICE FOLHA DE ROSTO.............................................................................................2 AGRADECIMENTO.............................................................................................3 DEDICATÓRIA....................................................................................................4 RESUMO.............................................................................................................5 METODOLOGIA..................................................................................................6 SUMÁRIO............................................................................................................7 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8 CAPÍTULO I ..................................................................................................... 10 CRIMES FINANCEIROS: contexto, conceito e amplitude ............................... 10 1.1 O conceito e amplitude dos crimes financeiros .......................................... 14 1.2 Conceito e estrutura do sistema financeiro nacional.................................26 1.3 O funcionamento do sistema financeiro nacional ....................................... 31 CAPÍTULO II ................................................................................................... 35 AS PROVAS NO PROCESSO PENAL ............................................................ 35 2.1 O conceito de processo penal .................................................................... 36 2.2 Provas no processo penal .......................................................................... 38

2.2.1 O cocnceito, objeto e sistema de apreciação e valoração das provas.............................................................................................................40 2.2.2 As provas ilícitas....................................................................................43 2.2.3 Provas ilícitas por derivação ............................................................... 47

CAPÍTULO III ................................................................................................... 51 NULIDADES NO PROCESSO PENAL ............................................................ 51 3.1 Invalidade e ineficácia dos atos processuais ............................................. 53

3.1.1 Atos processuais: inexistentes, irregulares e nulos ............................. 55

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3.1.2 Princípios e critérios gerais para a decretação de nulidade................. 58

3.1.2.1 Princípio do prejuízo ...................................................................... 60 3.1.2.2 Princípio do interesse .................................................................... 61 3.1.2.3 Princípio de causalidade ................................................................ 62

3.1.2.4 Princípio da convalidação .............................................................. 63 CAPÍTULO IV.................................................................................................... 66 CRIMES FINANCEIROS: casos concretos de nulidades nos Tribunais .......... 66 4.1 O caso: “Operação Castelo de Areia” ........................................................ 67 4.1.1 Os vícios e os fundamentos das nulidades do caso “Operação Castelo de Areia..............................................................................................................72 4.1.1.1 Nulidade da persecução penal em face da ilicitude da prova derivada de denúncia anônima...................................................................74 4.1.1.2 Nulidade da prova obtida por meio de interceptação telefônica autorizada sem a devida motivação, além de perdurar por mais de um ano....83 4.2 O caso: Operação Satiagraha .................................................................... 88

4.2.1 Os vícios e os fundamentos das nulidades do caso "Operação

Satiagraha" ................................................................................................... 91

4.2.1.1 Nulidade dos procedimentos de monitoramento telefônico, telemático e da ação controlada, que resultaram em ação penal instaurada contra o paciente, ao argumento que eles decorreriam de provas ilícitas ... 93

CONCLUSÃO ................................................................................................ 102 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 109 WEBGRAFIA...................................................................................................111 ÍNDICE ........................................................................................................... 113