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6 Universidade Estadual de Campinas � 19 de julho a 1º de agosto de 2004

U

19ÁLVARO KASSAB

[email protected]

ma reportagem sobre o ritu-al de iniciação no candomblé,publicada em maio de 1951

pela revista francesa Paris Match, de-sencadeou uma polêmica que mobi-lizou intelectuais da altura de RogerBastide, enfureceu a comunidade a-fro-brasileira e mexeu com os briosda imprensa nacional, � leia-se revis-ta O Cruzeiro, a mais influente do paísà época. Todos os lances da contro-vérsia foram investigados num im-pressionante trabalho de reconsti-tuição histórica levado a cabo peloantropólogo, fotógrafo e professorFernando de Tacca, titular do Institu-to de Artes da Unicamp.

Contemplado com uma Bolsa Vi-tae, Tacca obteve os recursos neces-sários para empreender uma buscaacalentada havia tempos: sair à ca-ça dos protagonistas de uma histó-ria cujo início coincidiu com a esta-da no Brasil do cineasta francês Hen-ri-Georges Clouzot, autor das fotosque ilustraram a matéria da ParisMatch. O desfecho do embate pode serdemarcado com o �troco�da revista O Cruzeiro, mate-rializado com reportagemsobre o mesmo tema quatromeses depois do �furo� im-posto pelo lado francês emplena Bahia.

Tacca percorreu terrei-ros e vasculhou arquivosde jornais e de bibliotecaspara fundamentar sua pes-quisa, intitulada Entre a Paris Match eO Cruzeiro � Imagens do Sagrado, traba-lho prestes a ser transformado em li-vro.

O professor começou a se interes-sar pelo assunto em 1983, ano em queconheceu o livro �Candomblé�, deautoria do fotógrafo José Medeiros.A obra, publicada em 1957 pela edi-tora O Cruzeiro, trazia 62 fotografiasde um ritual de iniciação. Na oca-sião, o antropólogo Micênio Carlosdos Santos, um adepto dos cultosafro-brasileiros, forneceu as primei-ras pistas, adiantando a Tacca que asimagens eram recorrentes no ima-ginário do candomblé baiano. O do-cente, um estudioso da antropologiavisual, ficou impressionado com oapuro técnico das fotografias e como fato de as imagens serem ambien-tadas num cenário onde o acesso erapermitido apenas a iniciados.

Em 1988, Tacca teve a oportunida-de de entrevistar José Medeiros. Ofotógrafo revelou que parte das fo-tos reunidas no seu livro havia sidousada na reportagem �As noivasdos deuses sanguinários�, publi-cada pela O Cruzeiro em setembro de1951. Segundo Medeiros, a reporta-gem feita em Salvador em parceriacom o repórter Arlindo Silva sobreo ritual de iniciação no candomblé(epilação), teve uma repercussãomuito grande, a tal ponto que a mãe-de-santo fora assassinada e que asfilhas-de-santo acabaram não sen-do legitimadas e reconhecidas pelosadeptos da religião. Pela versão dofotógrafo, diz Tacca, a matéria foifeita para que os estrangeiros conhe-cessem o �verdadeiro candomblé�.Medeiros não fez, porém, nenhumamenção à matéria da Paris Match, pu-blicada quatro meses antes.

Tacca foi saber, em meados de 2003,da existência da reportagem publi-cada pelos franceses, quando esteveem Salvador durante 40 dias já nacondição de pesquisador bolsista. An-tes de chegar à capital baiana, porém,o professor da Unicamp havia incum-bido um assistente de pesquisar jor-nais da época. Por meio do material co-letado, o docente descobriu que a ma-téria de O Cruzeiro havia feito um ba-rulho muito maior do que imaginara.

O pesquisador constatou, por e-xemplo, que o matutino Diário de No-tícias, dos Diários Associados, incen-diou a cena religiosa local publican-do chamadas sobre a reportagem de

O Cruzeiro, nos cinco dias que antece-deram a chegada da revista a Salva-dor. O título da chamada já dizia tu-do: �O Deus tem sede de sangue�.

Além de um excerto do texto dareportagem escrita por Arlindo Sil-va, o jornal publicou uma das fotosproduzidas por Medeiros para a ma-téria. �A foto publicada mostrava osacrifício de um animal na cabeça deuma filha-de-santo (iaô). Tratava-sede uma imagem muito forte para umleigo�, pondera Tacca, lembrandoque outros dois jornais baianos, ATarde e O Estado da Bahia, adotaram omesmo procedimento, sendo queeste último reproduziu a chamadaveiculada pelo Diário de Notícias. Adireção de O Cruzeiro, prevendo o su-cesso da edição, aumentou a tiragemem 10%. A revista estourou a banca.

O elo � Um anúncio publicadopelo jornal A Tarde na edição de 22/11/1951, passados dois meses portan-to da reportagem de O Cruzeiro, en-contrado por Tacca em suas pesqui-sas na capital baiana, levou o pesqui-sador aos motivos que fizeram a pu-blicação brasileira investir no as-

sunto. O comunicado, ban-cado pela Federação Baianade Cultos Afro-Brasileiros,�convidava todos os terrei-ros, os simpatizantes do cul-to, a imprensa e o povo emgeral, para assistirem à as-sembléia geral extraordiná-ria, a fim de especialmentejulgar conveniente as publi-cações que foram feitas na re-

vista Paris Match e O Cruzeiro, a respei-to do culto africano na Bahia�.

De posse da informação, Tacca foiatrás da reportagem publicada pelaParis Match. Não precisou rodar mui-to. O pesquisador descobriu, por meiodo site da publicação, que a revista,ainda em circulação, tinha em esto-que um exemplar de 15/05/51, data emque circulou a matéria �As possuídasda Bahia�. A reportagem estava es-crita na terceira pessoa. As fotos eramde autoria de Clouzot.

A passagem do cineasta francêspelo Brasil foi objeto de um minuci-oso levantamento. Clouzot desem-barcou no país em maio de 1950. Veiocom a mulher, Vera Amado � filha doescritor Gilberto Amado �, trazen-do na bagagem 3,5 toneladas de e-quipamentos e 70 milhões de fran-cos para fazer um filme. Pretendiarodá-lo em um ano. Conhecido inter-nacionalmente, Clouzot foi recebi-do com festa pela intelectualidadenativa, que promoveu encontros emsua homenagem.

O filme, por razões que permane-cem desconhecidas, não foi realiza-do. Na verdade, especula o docenteda Unicamp, talvez nem o próprioClouzot tinha convicção do que pre-tendia produzir. Soube-se apenasque o filme se chamaria �Le Brésil�,não tinha um roteiro definido e exi-biria algo próximo de um diário deviagens. De concreto, conforme apu-rou Tacca, o cineasta flanou por al-gumas regiões do país, sem deixar deemitir opiniões � boa parte nada li-sonjeiras � sobre o que presenciara.

Por outro lado, havia sua mulher,Vera, não por acaso escalada comoprotagonista do filme.

O certo é que entrou água no pro-jeto. O equipamento e os técnicosvoltaram no mesmo navio que ha-via deixado a França rumo ao Bra-sil. Algumas vozes se levantaramem defesa do cineasta, entre as quaisa do jornalista Paulo Duarte. Em ar-tigo publicado na revista Anhembi, desua propriedade, Duarte, polemistade carteirinha, não deixou por me-nos � viu fantasmas no Catete e �emnossas incredibilíssimas câmarasfederais, estaduais e municipais�.

Para o intelectual paulistano, tu-do conspirou contra Clouzot, a come-çar da dificuldade em se obter a libe-ração alfandegária dos equipamen-tos, passando pela impossibilidadede se importar película virgem, até

chegar em �advertências veladas dacensura�.

Nenhuma das ilações feitas porDuarte se confirmou, mas Clouzotnão se deu por vencido, revela Tacca.Malogrado seu projeto, decidiu tro-car as telas pelas rotativas da ParisMatch. Os protagonistas e a ambien-tação mencionados por Duarte, po-rém, foram mantidos. Clouzot e suamulher brasileira afinaram os ouvi-dos para os sons dos tambores queecoavam nos arrabaldes de Salvador,uma cidade que contava à época �com400 mil habitantes, 96 igrejas e 453templos fetichistas�, segundo a con-tabilidade do próprio cineasta.

Tamanha oferta de sincretismo lo-go levaria Clouzot e Vera ao intento.O cineasta chegou a contratar umadoméstica filha-de-santo que �pas-sava por longos estados de embru-tecimento�. Uma outra, que a substi-tuiu, �se exprimia por grunhidos, porgestos, por onamatopéias�. Três me-ses e milhares de francos de propinasdepois, o cineasta e sua mulher conse-guem chegar a um terreiro, levadospor um certo �sacerdote Nestor�, pai-de-santo jamais identificado.

A incursão rendeu a matéria �LesPossédées de Bahia� (As possuídasda Bahia), alardeada em seu subtí-tulo pela Paris Match como �um ex-traordinário documento etnográ-fico�. A abertura da matéria, vendi-

da como uma amostra exclusiva deum livro que Clouzot lançaria pos-teriormente sobre o tema, �Le Che-val de Dieux� [�O Cavalo dos Deu-ses�], dizia ainda que pela primeiravez um branco entrara �num san-tuário de deuses negros�.

Se Clouzot queria um trabalho�impressionista� sobre o Brasil, co-mo declarara em entrevista, conse-guiu seu objetivo com sobras. Ad-jetivado sem parcimônia, o texto trazdescrições detalhadas das �possuí-das� sendo banhadas com sangue deanimais � bode, galinhas e pombos �vertido sobre as cabeças (perfura-das) e os corpos das filhas-de-santoiniciadas no candomblé. Em matériade sensacionalismo, o capítuloimagético não ficou devendo ao es-crito. O cineasta francês, que diz tersido obrigado a sorver o sangue deum pombo recém-sacrificado, foiimpiedoso em suas consideraçõessobre o ritual. Disse tratar-se de umcaso patológico.

A reação à matéria, que ficou deinício circunscrita a determinadasrodas de intelectuais com acesso àpublicação francesa, ganhou corpodepois de sua reprodução na ínte-gra, pelo jornal baiano A Tarde, pas-sados dois meses de sua chegada àsbancas (edições de 10,11 e 12 de ju-lho de 1951). Tacca e seu assistente naBahia, Cláudio David da Cruz, não

precisaram recorrer aos arquivosjornalísticos. Deliberadamente, odocente da Unicamp dedicou em seutrabalho um capítulo [O contracam-po de Pierre Verger] sobre o fotógrafoe etnólogo francês Pierre Verger �co-mo contraponto ao trabalho sensa-cionalista realizado por Clouzot eJosé Medeiros�.

E foi justamente na Fundação queleva o nome de Verger, em Salvador,onde Tacca encontrou os documen-tos sobre a polêmica. Explica-se: ofotógrafo francês manteve-se dis-tante da refrega midiática. Distan-te, porém atento. Verger recortavae catalogava todos os lances da po-lêmica. Os guardados de Verger, pa-ra Tacca �um ícone das relações daimagem fotográfica com o mundoreligioso do candomblé e da cultu-ra afro-brasileira�, foram preciosos.

Está tudo lá. A começar da primei-ra das manifestações de protesto dosociólogo francês Roger Bastide, pro-fessor da Faculdade de Filosofia daUniversidade de São Paulo. O intelec-tual, teoria à parte, sabia onde estavapisando. Havia sido, por exemplo, oautor de matéria sobre iniciação nocandomblé, feita coincidentementeem parceria com Pierre Verger, dequem era amigo. A reportagem foi pu-blicada na revista A Cigarra em 1949.

Em reportagem veiculada no dia7 de julho de 1951 pelo jornal A Tar-

A mãe-de-santo Risolina Eleonita da Silva, a Mãe Riso da Plataforma: pesquisador resgata trajetória de protagonistas de reportagem

O ano em que Clouzot, �O CruzeirFoto: Reprodução

Pesquisadorvasculhouarquivos epercorreuterreiros

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Rio, 2 de agosto de 1951

Caro Medeiros

Acabo de receber a reportagem das baleias� mandei fazer logo as provas pequenas epelo que pude olhar no laboratório está boa.Poderia estar magnífica se houvesse por aíuma teleobjetiva para focar cenas longín-quas como as do harpoamento. Estou pro-videnciando para que em breves dias �OCruzeiro� possua equipamentos especiaisde fotografia para todas as emergências.

Soube que você andou meio mal dospulmões com qualquer cousa parecida compneumonia (ou moléstia do sono? ), masacredito que já esteja bom. O motivo destacarta, como se pode prever, não é de sauda-des de tão insignificantes criaturas que vocês

A missão secreta: �O �furo� é de doer, caramba!�

Reproduções das matérias da “ParisMatch” e “O Cruzeiro”

O professor Fernando de Tacca: imagens foram ressignificadas por adeptas do candomblé

O professor Fernando de Taccaencontrou a carta publicada abaixo naCasa de Cultura de Teresina, cidadenatal do fotógrafo José Medeiros. Maisque um documento histórico, acorrespondência revela a temperaturade “O Cruzeiro” depois da reportagemde Clouzot, e dimensiona a missãosecreta imposta a Medeiros pelo entãodiretor de redação da revista, AcciolyNeto. “Ao colocar o jornalista de textoem segundo plano, valorizou-se afotografia como principal elemento decomunicação pretendida”, avaliaTacca. Detalhe: Arlindo Silva, o autorda reportagem, leu a carta pela primeiravez em 2002, 51 anos depois de escrita,ao ser entrevistado por Tacca.Segundo depoimento de Silva, JoséMedeiros deve ter recebido a pautaquando ambos estavam em Cabedelo,na Paraíba, preparando umareportagem sobre a pesca da baleia.Ainda de acordo com o repórter, ochefe mencionado por Accioly eraLeão Gudim, diretor responsável de “OCruzeiro” e primo de AssisChateaubriand, dono dos DiáriosAssociados. Odorico Tavares, outronome citado, ocupava a chefia dasucursal de Salvador.

de, Bastide, �em viagem pela Bahiamais de passeio do que de estudos�,acusa Clouzot de sensacionalismo,de ignorar fundamentos científicoselementares, questiona a veracida-de das imagens e vê na postura do ci-neasta traços de uma visão colonia-lista. A mesma matéria foi repro-duzida no jornal O Globo, em 18 dejulho de 1951, com os seguintes títu-lo e subtítulo: �Caluniada em Parisa cidade de Salvador � A Reporta-gem de Clouzot agita a sociedadebaiana � O sociólogo Roger Bastidecontradiz seu patrício�.

Além de Bastide, quatrosoteropolitanos expressaram, nosdiários locais, sua indignação coma matéria de Clouzot � o médico Es-tácio de Lima, o historiadorGustavo Barroso e os professoresJosé Valladares e Edison Carneiro.Este último, um especialista em cul-tos afro-brasileiros, chegou a reco-mendar Clouzot a amigos e a repre-sentantes de terreiros famosos daBahia. Mais: em seu livro �Le Chevalde Dieux�, Clouzot admite que nãosabia da existência do candombléaté conhecer Carneiro. O estudiosonão deixou por menos. Acusou ofrancês de reproduzir, sem citar afonte, trechos inteiros de seu livroCandomblés na Bahia. Não foi menosimpiedoso acerca da reportagemgestada pelo cineasta: �Sensaciona-

lismo, nada mais. Clouzot fez cine-ma com as letras�.

Tacca localizaria, na Unicamp, ou-tros três artigos emblemáticos so-bre a polêmica. Por indicação de Flá-via Carneiro Leão, coordenadora doCentro de Documentação Alexan-dre Eulálio (Cedae), do Instituto deEstudos da Linguagem (IEL), encon-trou na mesma Anhembi em que PauloDuarte sai em defesa de Clouzot, doisartigos de Bastide e um outro deAlberto Cavalcanti, cineas-ta que assumira o posto deprodutor geral da Compa-nhia Vera Cruz depois detransitar pela vanguardaeuropéia.

Anhembi reproduz umacarta distribuída por Caval-canti nas redações. O docu-mento teria sido, segundo Tacca, aprimeira manifestação pública con-trária à reportagem da Paris Match. Odocumento havia sido publicadopela Folha da Noite (SP) e pelo Diário deNotícias (BA), entre outros jornais, emjulho de 51. Em setembro, Anhembi a re-produziu. �Foi uma espécie de reden-ção, já que a revista havia exaltado apresença de Clouzot no Brasil�,relembra o docente da Unicamp.

Intitulado �Procuremos esquecero senhor Clouzot�, o artigo de Ca-valcanti contextualiza o conjunto

da obra do francês para depois ata-car sua reportagem. �Mostrar osnossos negros domésticos lambuza-dos de sangue...como a única coisavista por ele no Brasil digna de sermostrada é uma atitude um tantoesquisita. Por isso venho à presençada �Match� para botar os pingos nosii�, escreve o cineasta brasileiro. Namesma revista, na edição de agosto,Roger Bastide desbanca o conter-râneo sem meias-palavras no artigo

intitulado �A etnologia e osensacionalismo ignoran-te�. Enumera uma série deerros cometidos pelo cine-asta, apontando �um dese-jo sensacionalista dupla-mente injurioso para osmeus amigos de cor e para osmeus amigos brancos da

Bahia, em detrimento da verdade. Eo que não se pode tolerar�.

Tacca avalia a postura de Bastide.�Do alto de sua legitimidade acadê-mica, o sociólogo francês disseca areportagem da Paris Match como ne-nhum outro intelectual havia feito,colocando Clouzot no plano de suatotal ignorância e arrogância coloni-zadora�. Na edição seguinte de A-nhembi, Bastide atenuaria o tom desuas críticas para elogiar o livro deClouzot, �Le cheval de dieux�, segun-do as palavras do sociólogo francês

�infinitamente superior à reporta-gem sensacionalista que dele tirarampara fazer para fazer publicidade�.

Bastide, de resto, foi a única voz ase levantar contra a reportagem fei-ta pela O Cruzeiro. Suas críticas foramdisparadas no artigo �Uma Repor-tagem Infeliz�, publicada na ediçãode novembro de Anhembi. No texto, ointelectual francês menciona o silên-cio sepulcral que se seguiu à matériados brasileiros. �Fiquei à espera doprotesto dos que se haviam voltadocontra Clouzot, a saber os Cavalcanti,os Edison Carneiro e outros. Porém,passam-se os dias e este prolongadosilêncio me assusta�. Desconfia-se,avalia Tacca, que a sombra de AssisChateuabriand, o todo-poderoso do-no dos Diários Associados, grupopublicador de O Cruzeiro, tenha pai-rado acima do bem e do mal.

O texto da revista O Cruzeiro nãoressoou entre a intelectualidade,mas caiu como uma bomba nos mei-os religiosos baianos, cujos repre-sentantes abominaram a idéia de ossegredos do candomblé serem reve-lados. A corda arrebentou no ladomais fraco. No caso, sobrou para acidadã Risolina Eleonita da Silva,mãe-de-santo mais conhecida comoMãe Riso da Plataforma, protago-nista da reportagem. O regaste desua história e das três filhas-de-san-

to reportadas na matéria consumiuboa parte da pesquisa de Tacca, quecomeçou seu levantamento no bair-ro da Plataforma, em Salvador.

Embora hostilizada por seus pa-res, Risolina não foi assassinada etampouco teve de sair corrida deSalvador, como rezava a lenda. Es-tabeleceu-se na cidade fluminensede Nilópolis, no final da década de1950, onde exerceu intensamentesuas atividades de mãe-de-santoaté morrer, em 1995. �Descobri queseu terreiro em Salvador foi demo-lido para a construção de uma ave-nida. Ela foi inclusive indenizada.Mesmo saindo de Salvador, consta-tei que Mãe Riso manteve um inter-câmbio intenso com o candomblébaiano�, revela Tacca.

Outra das descobertas foi o desti-no dado às imagens pelas adeptas docandomblé. Janíldece Barroso da Sil-va, a Jane, filha de Waldemira Olivei-ra Barroso, a Perrucha, uma das iaôsretratadas na matéria, mostrou aodocente um álbum confeccionadopela mãe com as fotos da epilaçãopublicadas na revista. �O mais incrí-vel é que essas imagens foramressignificadas no âmbito domésti-co�, constata o pesquisador. Mãe Riso,por sua vez, guardava consigo umexemplar do livro �Candomblé�, deJosé Medeiros. A mãe-de-santo sem-pre teve alvará. E memória.

o� e intelectuais rodaram a baiana

Bastide foi oúnico a criticarreportagem de

brasileiros

Foto: Antoninho Perri

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

dizer que �em hipótese nenhuma publica-rá agora�. Ora, meu caro Medeiros, se umfrancês chamado Verger conseguiu foto-grafar os ritos secretos da macumba, e quan-do outro francês chamado Clouzot conse-guiu também o mesmo, porque raios que ospartam... um fotógrafo brasileiro não pode-rá fazer o mesmo? Estaremos tão avaca-lhados assim? Somos tão cretinos assim quenos deixemos vencer em nossa própria ter-ra por dois gringos?

O que há é o seguinte : nosso chefe acre-dita QUE JOSÉ MEDEIROS SERÁ OÚNICO FOTÓGRAFO BRASILEIROCAPAZ DE REALIZAR UMA FAÇA-NHA SEMELHANTE � eu quase que par-ticipo da mesma opinião, muito embora os ra-pazes cá de casa digam que TAMBEMELES PODERIAM FAZER OMESMO...Muito bem, você será capaz denos trazer uma reportagem ao menos seme-lhante ao de Clouzot ? Bem sei que agora acoisa está mais difícil depois do escândalo daParis-Match. Mas nada existe de impossí-vel quando há dinheiro para gastar, e vocêsestão autorizados a gastar o que for neces-sário para conseguir o que queremos. PARALAVAR NOSSA CARA TÃO DURA-MENTE ATINGIDA PELA REPORTA-GEM DE CLOUZOT. ( �nossa cara� querdizer, nossa honra de revista que realiza asmelhores reportagens do Brasil ). Você é ca-paz negróide amigo ? Pois então mãos à obrapara construir o maior cartaz da reportagembrasileira. Veja se Arlindo o auxilia, se essepaulista peçonhento e prosa p�ra chuchu sabefazer alguma cousa a não ser descobrir tra-mas comunistas inexistentes...

IMPORTANTÍSSIMO � Desse planoninguém deve saber, principalmente Ver-ger e inclusive nosso amigo querido O-dorico Tavares, que está com escrúpulos deabordar o assunto, de acordo com razões quepossua e que respeitamos. Trabalhe na moi-ta, dizendo que quer fazer cousas diversas,documentação pessoal sobre qualquer as-sunto, MAS NUNCA QUE ESTÁ PRO-CURANDO MATERIAL PARA BA-TER CLOUZOT. Combinado?

são, mas outro. UM MOTIVO QUE DE-VE FICAR ABSOLUTAMENTE SE-CRETO.

Como você sabe, aquela reportagem deParis-Match sobre os �Pocessos da Bahia�deixou nosso caro chefe com absoluta egravíssima dor de corno � principalmenteporque se sabe e viu que Verger possui fo-tografias tão sensacionais ou mais sensa-cionais do que as do cineasta francês. Vergeresteve aqui no Rio e foi convenientemen-te cantado para ver se nos cedia tal materi-al � fez promessas vagas e agora manda

Anexo reportagem de Clouzot, se é quevocê não a conhece, para inspiração. O �fu-ro� é de doer, caramba!


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