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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO BRASILEIRA
SAMARA ALMEIDA CHAVES BRAGA
A PROBLEMTICA DA ALIENAO E SEUS REBATIMENTOS NO
COMPLEXO DA EDUCAO NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL DO
CAPITAL
FORTALEZA
2015
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SAMARA ALMEIDA CHAVES BRAGA
A PROBLEMTICA DA ALIENAO E SEUS REBATIMENTOS NO
COMPLEXO DA EDUCAO NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL
DO CAPITAL
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Educao Brasileira da Faculdade de Educao da
Universidade Federal do Cear como requisito final
para a obteno do ttulo de Doutora em Educao.
Orientadora: Prof PhD. Josefa Jackline Rabelo
Coorientadora: Prof PhD. Susana Vasconcelos
Jimenez
FORTALEZA
2015
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
Universidade Federal do Cear
Biblioteca de Cincias Humanas
B795p Braga, Samara Almeida Chaves.
A problemtica da alienao e seus rebatimentos no complexo da educao no
contexto da crise estrutural do capital / Samara Almeida Chaves Braga. 2015. 204 f. , enc. ; 30 cm.
Tese (doutorado) Universidade Federal do Cear, Faculdade de Educao, Programa de PsGraduao em Educao Brasileira, Fortaleza, 2015.
rea de Concentrao: Marxismo, educao e luta de classes.
Orientao: Profa. Dra. Josefa Jackline Rabelo. Coorientao: Profa. Dra. Maria Susana Vasconcelos Jimenez.
1.Marx,Karl,1818-1883 Crtica e interpretao. 2.Lukcs,Gyrgy,1885-1971 Crtica e interpretao. 3.Mszros,Istvn,1930- Crtica e interpretao. 4.Alienao(Filosofia).
5.Capital(Economia). 6.Crise econmica. 7.Educao Filosofia. I. Ttulo.
CDD 370.1
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SAMARA ALMEIDA CHAVES BRAGA
A PROBLEMTICA DA ALIENAO E SEUS REBATIMENTOS NO
COMPLEXO DA EDUCAO NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL
DO CAPITAL
Tese apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao Brasileira da
Universidade Federal do Cear, como requisito
parcial obteno do ttulo de doutora em
Educao Brasileira. rea de concentrao:
Educao.
Aprovada em: 29/05/2015
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________________
Prof. PhD. Josefa Jackline Rabelo-Orientadora
Universidade Federal do Cear (UFC)
___________________________________________________
Prof. PhD. Susana Vasconcelos Jimenez-Coorientadora
Universidade Federal do Cear (UFC)
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Prof. Dra. Maria das Dores Mendes Segundo
Universidade Estadual do Cear (UECE)
_________________________________________________
Prof. Dra. Ruth Maria de Paula Gonalves
Universidade Estadual do Cear (UECE)
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Prof. Dra. Betnea Moreira de Moraes
Universidade Estadual do Cear (UECE)
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A Deus; ao meu fiel companheiro
Alexandre; aos meus pais Tnia e
Fernando; e aos meus irmos Emanuel e
Kennedy.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, Fernando, e minha me Tnia, pelo exemplo de pais, que se
dedicaram a vida inteira aos seus filhos, e que mesmo s custas de muitas
privaes, sempre priorizaram nossa formao.
Ao meu marido Alexandre, por estar sempre presente em todos os momentos
alegres e tristes de minha vida.
Aos meus irmos, Emanuel e Kennedy, que prematuramente me deram a
oportunidade de sentir a responsabilidade do sentimento de maternidade.
professora orientadora Jackline Rabelo, por sua amizade e por me inspirar a
ser um ser humano melhor, com seu exemplo de personalidade em busca do
no-particularismo.
professora coorientadora, companheira de luta, referncia intelectual, amiga e
segunda me, Susana Jimenez, pela generosidade, integridade, confiana,
pacincia, amizade e militncia.
professora Ruthinha, por sua participao da nossa banca examinadora e por
ser uma amiga em todos os momentos.
professora Mendes Segundo, por sua amizade, por seu companheirismo, por
sua humildade, por sua generosidade, por aceitar o convite para participao da
nossa banca examinadora, pela correo cuidadosa do texto da qualificao e
pelas importantes sugestes.
professora Betnea Moraes por ter me apresentado a Ontologia do Ser Social,
e que por este referencial, passei a compreender melhor a vida. Obrigada por
aceitar o convite para participao da nossa banca examinadora e por estimular
questes bastante instigantes acerca da problemtica da alienao.
amiga e professora Tereza Buonomo, pela amizade, por acreditar em mim e
pelo apoio em todos os momentos.
Ao Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operrio (IMO) por ser um
espao, genuinamente, em defesa da classe trabalhadora.
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Aos companheiros do IMO e da linha de pesquisas Marxismo, Educao e Luta
de Classes, pelo convvio inesquecvel, o aprendizado e afeto, principalmente,
Valdemarin, Osterne, Deribaldo, Marcos Flvio, Adele, Stephane, Antnio,
Eveline, Ngela, Isadora, Solonildo, Kildilene, Eric e Valesca.
Aos companheiros de orientao da UECE/UFC, sobretudo, Marteana, Helena
Freres, Simone, Cleide, Helena Holanda, Fabiano, Rosangela, Emanuel, Cesar,
Daniele Kelly, Gorete e Escolstica pelo apoio, carinho e conversas
extremamente agradveis e inspiradoras.
professora Maria Norma Holanda da UFAL, por sua ateno em ter nos
enviado sua valorosa tese de doutoramento.
Aos professores Airton de Farias, Benedito, Lcio Caminha, Isade Bandeira,
Socorro Lucena, Jeannete Ramos, Frederico Costa pelo apoio e respeito.
s queridas amigas Adlia, Airles e Glacia companheiras de todos os
momentos.
Aos irmos de caminhada cultivados ao longo da nossa histria Germana,
Edjalmo, Herman, Renata, Kelly, Michele, Sandrinha, Carlos Buriti, Giovanni,
Madelyne, Rochele, Beto, Cristina, Caf, Adriano, Alessandra, Jomara, George,
Patrcia, Douglas, Karla Jane, Fatinha e Edmar.
s queridas avs: av-paterna Naide e av-materna Duvirgem, pelo incentivo,
carinho e companheirismo.
s cunhadas e amigas Beninha e Valria.
psicloga Dra. Maria do Carmo, fonoaudiloga Dra. Jacele, educadora
fsica Meire e aos fisioterapeutas Dr. Adriano e Dra. Silvia.
Aos alunos, professores e funcionrios da Escola de Ensino Fundamental e
Mdio Jos Bezerra de Menezes, pelo apoio, incentivo e compreenso.
Aos trabalhadores do mundo inteiro.
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Mediao no deve ser confundida com gradualismo e reformismo, mesmo que envolva medidas que apenas possam ser
implementadas passo a passo. O que decide a
questo o modo pelo qual os passos parciais
so integrados numa estratgia coerente
global, cujo alvo no apenas a melhoria do
padro de vida dos trabalhadores (que so
estritamente conjunturais e, em todo caso,
reversveis), mas a reestruturao radical da
diviso de trabalho estabelecida (Mszros,
2009, p. 630, aspas do autor).
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Resumo
O objetivo do trabalho explorar a problemtica da alienao a partir dos
pressupostos de Marx e Lukcs, elucidando, ademais, as expresses fundamentais da
alienao no quadro da crise estrutural do capital, conforme Mszros, com destaque
para o lugar do complexo educacional no referido contexto. Tomando o marxismo
como uma ontologia, recuperamos os elementos essenciais de compreenso do
trabalho, como complexo fundante do ser social e, por esse prisma, alcanamos a
forma histrica assumida pelo trabalho na sociedade do capital, assinalando o
trabalho abstrato como base para o entendimento do trabalho alienado, fundamento
das mltiplas e complexas formas de manifestao da alienao na prxis social.
Passamos, ento, a examinar a problemtica da alienao no contexto da sobredita
crise contempornea do capital, ressaltando com Mszros, os fatores que demarcam
a agudizao da barbrie contempornea, regida pela produo do desperdcio como
modus operandi do sociometabolismo do capital. Nesse sentido, nosso estudo
pretende contribuir para a desmistificao das personificaes alienantes do
sociometabolismo do capital em crise estrutural, incluindo o tipo formao humana fragmentada, mercantilizada, esvaziada do conhecimento socialmente relevante ofertada aos trabalhadores no mundo contemporneo. Ao mesmo tempo, reafirma a
necessidade e possibilidade histrica de construo de um projeto de transio
socialista em direo emancipao humana.
Palavras-Chaves: Alienao; crise estrutural do capital; educao; formao
humana.
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Abstract
The paper aims to explore the problem of alienation, based upon the assumptions of
Marx and Lukcs, further, elucidating the fundamental expressions of alienation
within the framework of the structural crisis of capital, accordind to Mszros, with
emphasis on the place of the educational complex in that context. Taking Marxism as
an ontology, we retrieve the essential elements required to understand work as the
founding complex of social being, and, from this standpoint, we achieve the historical
form taken by work in the capital society, assuming abstract labor as the basis of
alienated work, which, in its turn, constitutes the foundation for the multiple and
complex forms of manifestation of alienation in social praxis. We go on to examine
the problem of alienation in the context of the aforesaid present crisis of capital,
pointing out with Mszros, the factors that demarcate the exacerbation of
contemporary barbarismo, led by the waste production as the modus operandi of
sociometabolism of capital in the state of structural crisis. In this sense, our study
aims to contribute to the demystification of the alienated personifications of
sociometabolism of capital in structural crisis, including the type of human formation
fragmented, coomodified, emptied of social relevance offered to the workers in the contemporary world. At the same time, it reaffirms the historical need and
possibility of constructing a project of Socialist transition towards human
emancipation.
Keywords: Alienation; structural crisis of capital; education; human formation.
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SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................ Erro! Indicador no definido.
2 O TRABALHO ALIENADO EM MARX ....................... Erro! Indicador no definido.
2.1 MANUSCRITOS DE PARIS ........................................... Erro! Indicador no definido.
2.2 O trabalho alienado no Captulo V de O Capital ............ Erro! Indicador no definido.
3 A FORMA ATUAL DA ALIENAO NA PERSPECTIVA DA ONTOLOGIA
DO SER SOCIAL DE LUKCS ................................ Erro! Indicador no definido.
3.1 Um breve resgate dos fundamentos ontolgicos da alienaoErro! Indicador no definido.
3.2 Elementos para compreender a forma atual da alienaoErro! Indicador no definido.
3.2.1 Economia, violncia e alienao ....................................... Erro! Indicador no definido.
3.2.2 A ideologia da alienao burguesa ................................... Erro! Indicador no definido.
4 ALIENAO NA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL LUZ DE
MSZROS ................................................................ Erro! Indicador no definido.
4.1 Elementos de compreenso da crise estrutural do capitalErro! Indicador no definido.
5 REBATIMENTOS DA ALIENAO NO COMPLEXO DA EDUCAO NO
CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITALErro! Indicador no definido.
6 CONSIDERAES FINAIS ............................................. Erro! Indicador no definido.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................. Erro! Indicador no definido.
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1 INTRODUO
Este estudo pretende somar esforos no campo de investigao da
problemtica da alienao no mbito da crise estrutural do capital e seus rebatimentos
no complexo da educao. Temos em vista que o projeto em prol da emancipao
humana transforma-se em uma urgncia histrica, sob pena de a humanidade arruinar-
se em tempos de barbrie social, sobremaneira, no contexto de crise estrutural do
capital conforme elucida Mszros (2006b).
Nesse cenrio, o discurso dominante vem proclamando o fim da histria e
da concepo histrica do comunismo1. Entretanto, compreendemos que a perspectiva
revolucionria em prol da construo do reino da liberdade no est morta, ao
contrrio, h uma necessidade urgente do entendimento acerca da problemtica da
alienao em sua forma de explorao do homem pelo homem (LUKCS, 1981).
Sendo assim, na contramo da lgica do capital, diante dos mais diversos
referenciais tericos que, direta ou indiretamente, fazem apologia reproduo do
1 Com efeito, Mszros (2009a) explica o autntico significado de comunismo para Marx: [...] Quando o comunismo se transforma num humanismo positivo que parte de si mesmo, deixa necessariamente de ser poltica. A distino marxiana crucial est entre o comunismo como o movimento poltico o qual se encontra limitado a uma determinada fase da histria do desenvolvimento humano e o comunismo como uma prtica social abrangente. Esse segundo sentido o que Marx tem em vista,
quando escreve que este comunismo , enquanto naturalismo consumado=humanismo, e enquanto humanismo=naturalismo consumado (p. 148, grifos no original e nossos). Em outra passagem, Mszros assinala que: A grande dificuldade consiste nisso, que a transcendncia positiva da alienao deve comear com medidas polticas, porque numa sociedade alienada no existem agentes sociais que
possam efetivamente restringir, e muito menos superar, a alienao. Se, contudo, o processo comea
com um agente poltico que deve estabelecer as precondies da transcendncia, seu xito
depender da autoconscincia desse agente. Em outras palavras, se esse agente, por uma ou outra
razo, no puder reconhecer seus prprios limites e ao mesmo tempo limitar suas prprias aes a esses
limites, ento os perigos de fixar mais uma vez a sociedade frente a esse indivduo sero acentuados. Nesse sentido, a poltica deve ser concebida como uma atividade cuja finalidade sua prpria negao,
por meio do preenchimento de sua funo determinada como uma fase necessria ao complexo
processo de transcendncia positiva da alienao. assim que Marx descreve o comunismo como um
prncipio poltico. Ele ressalta sua funo como a negao da negao e, portanto, limita-o ao estgio prximo do desenvolvimento histrico, chamando-o de princpio energtico de futuro prximo. Segundo alguns intrpretes, Marx se refere, aqui, ao comunismo rude, igualitrio, como o proposto por Babeuf e seus seguidores. Mas essa interpretao no de modo algum convincente. No s porque
Marx fala com a aprovao desse comunismo rude, igualitrio, mas principalmente porque podemos encontrar vrios outros lugares nos Manuscritos de Paris em que ele, em diferentes contextos, faz a
mesma observao. Sua posio a de que o comunismo de natureza poltica ainda afetado pelo estranhamento do homem. Como a negao da propriedade privada, uma forma de mediao. (Isto ,
ele sustenta uma posio mediante a negao de seu oposto. E a negao de uma negao, porque nega a propriedade privada, que em si uma negao da essncia humana. No se trata de uma posio por si mesma, o que significa que, enquanto essa mediao perdurar, alguma forma de alienao existir com ela (p. 148, grifos no original e nossos).
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capitalismo, situamo-nos numa perspectiva de compreenso do real que explicita os
fenmenos sob investigao em conexo com o processo de reproduo social e as
mazelas sociais provenientes das relaes fundadas na explorao do homem pelo
homem.
Dessa maneira, na obra A Teoria da Alienao em Marx, Mszros (2009a)
revela que s podemos compreender plenamente a problemtica da alienao2 em Marx
mediante o entendimento de que tal questo apresenta um carter inerentemente
dinmico, como demonstram as linhas abaixo:
[...] inerentemente dinmico: um conceito que necessariamente implica
mudana. A atividade alienada no produz s a conscincia alienada, mas tambm a conscincia de ser alienado. Essa conscincia da alienao, qualquer que seja a forma alienada que possa assumir por exemplo, vendo a autoconfirmao como [estar] junto de si na no-razo enquanto no-razo no somente contradiz a ideia de uma totalidade alienada inerte, como tambm indica o aparecimento de uma necessidade de superao
da alienao (p. 166, grifos no original e nossos).
Destarte, fazemos questo de ressaltar que iremos situar o nosso estudo na
perspectiva defendida por Mszros (2009a), na qual o tratamento dado a teoria da
alienao em Marx s pode assumir um carter dinmico na perspectiva da dialtica do
pensamento marxista. Alm do mais, Mszros (2009a) advoga acerca da extrema
relevncia da problemtica da alienao para o desenvolvimento do sistema marxiano,
tal como revela as linhas abaixo:
[...] o conceito de alienao um pilar de importncia fundamental
para o sistema marxiano como um todo, e no apenas um tijolo dele.
Abandon-lo, ou traduzi-lo unilateralmente, equivaleria, portanto, a nada
menos do que a demolio total do prprio edifcio, e quem sabe a reconstruo de apenas sua chamin. No h dvida de que algumas pessoas
estiveram ou ainda esto empenhadas em tais operaes, tentando construir suas teorias cientficas com base em escombros decorados com terminologia marxista. A questo que os seus esforos no devem
ser confundidos com a prpria teoria marxista (p. 207, grifos nossos).
2Nesse sentido, vale destacar o relevante papel do processo da transcendncia positiva da alienao para
a superao da comunidade enquanto capitalista universal, conforme revela Mszros (2009a) apoiado
em Marx: [...] concluso de que a apropriao do capital pela comunidade no significa o fim da alienao. Pois mesmo se a comunidade dona do capital e o princpio da igualdade dos salrios
levado a cabo, na medida em que a comunidade de trabalho (isto , de trabalho assalariado), toda a
relao de estranhamento sobrevive em uma forma diferente. Nessa nova forma, o trabalho elevado a
uma universalidade representada, mas no conquista o nvel e a dignidade humanos, no aparece como um fim em si, porque confrontado com outra universalidade representada: a comunidade enquanto o capitalista universal. Somente se essa relao de confronto com um poder exterior a si, que significa o mesmo que ser um fim em si mesmo, for superada, poderemos falar de uma
transcendncia positiva da alienao (p. 121, grifos no original e nossos).
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Precisamente sob essa mesma argumentao, entendemos com Mszros
(2009a) que o real significado da alienao do trabalho, em Marx, s pode ser
compreendido a partir do conceito da sua transcendncia positiva3, como podemos
observar por meio da seguinte citao:
[...] Se concebemos, portanto, uma sociedade na qual a alienao foi
totalmente superada, no h lugar para Marx. Ela no teria, claro,
nenhuma conquista final seria, porm, bastante problemtico. A moldura
para a avaliao adequada desse problema do desenvolvimento humano
deve ser a concepo dialtica da relao entre a continuidade e a
descontinuidade isto , descontinuidade na continuidade e a continuidade na descontinuidade , mesmo que se coloque nfase possvel s diferenas qualitativas entre as fases comparadas (p. 167, grifos
no original e nossos).
Desse modo, referenciamo-nos, na perspectiva ontolgica do marxismo,
entendendo que este referencial dialtico permite-nos examinar, pela raiz, as
contradies do real e, ao mesmo tempo, lanar perspectivas de construo do reino da
liberdade. Em consequncia disso, compreendemos que a autntica criao de um
projeto de transio socialista s possvel mediante a possibilidade da transcendncia
positiva da alienao do trabalho.
Com efeito, Mszros (2009a) fundamentado em Marx, afirma:
A supresso da atividade alienada por intermdio da prtica humana
autoconsciente no uma relao esttica de um meio com relao a um
fim, sem nenhuma possibilidade de influncia mtua. Nem uma cadeia
causal mecanicista pressupondo partes pr-fabricadas que no poderiam ser
modificadas na relao sua posio respectiva est sujeita mudana, como a de duas bolas de bilhar depois da coliso. Do mesmo modo que a
alienao no um ato nico (seja uma queda misteriosa ou resultado mecnico), seu oposto, a superao da atividade alienada por meio da
iniciativa autoconsciente, s pode ser concebido como um processo
complexo de interao, que produz mudanas estruturais em todas as
partes da totalidade humana (p. 167, grifos no original e nossos.)
3Na tentativa de esclarecer o papel da transcendncia positiva da alienao, Mszros (2009a) explica: O procedimento de Marx , ento, o de partir de uma anlise econmica concebida como a base terica de uma ao poltica desejada. Isso no significa, porm, que ele identifique a transcendncia com essa ao poltica. Ao contrrio, ele com frequncia ressalta que a alienao da atividade produtiva s
pode ser superada definitivamente na esfera da produo. A ao poltica s pode criar as condies
gerais; as quais no so idnticas superao efetiva da alienao, mas sim um pr-requisito
necessrio a ela. O processo concreto de superao propriamente dito est no futuro, bem frente do
perodo da ao poltica que cria as condies necessrias para que se inicie o processo de
transcendncia positiva. No podemos dizer a que distncia est esse processo no futuro, porque isso
depende de muitas condies, inclusive do desenvolvimento cientfico. De qualquer modo, no pode
haver dvidas de que o velho Marx localizou esse processo de transcendncia positiva num futuro
ainda mais distante do que o jovem Marx (p. 120-1, grifos no original e nossos).
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Dessa forma, Mszros (2009a) identifica que o sistema marxiano no
adota a problemtica da alienao como um resultado mecnico e nem to pouco como
um ato nico. Muito pelo contrrio, s podemos vislumbrar a possibilidade da
transcendncia positiva da alienao nos termos marxista caso possamos encar-la
como sendo um processo complexo de interao.
Nessa direo, Mszros (2009a) revela o que significa a concepo de
transcendncia4 positiva da alienao em Marx:
Os conceitos alienao e transcendncia esto estreitamente inter-relacionados, e assim, se algum fala de histria em termos de alienao,
no poder esquecer o problema de sua transcendncia. To logo se
compreende isso, surge uma questo vital: o que se entende por superao
ou transcendncia positiva da alienao? No existe perigo maior de mal-
entendidos e falsas interpretaes do que, precisamente, nesse contexto. Em
especial se houver e onde no h? contingncias sociais que possam tentar as pessoas a adotar uma viso deformada autocomplacente. O sonho
da idade de ouro no teve origem ontem e pouco provvel que desaparea amanh. Seria contra o esprito da concepo geral de Marx pretender resolver o problema da Aufhebung, de uma vez por todas, na
forma de uma idade de ouro utpica, tpica de contos de fada. Na viso de
Marx que no pode reconhecer nada como absolutamente final no pode haver lugar para uma idade de ouro utpica, nem ali na esquina, nem a uma distncia astronmica. Tal idade de ouro seria o fim da
histria, e com isso o fim do prprio homem (p. 221, grifos no original e
nossos).
Sob a concepo da transcendncia positiva da alienao, ressaltamos que
o seu entendimento ontolgico fundamentado, sobretudo, na perspectiva da dialtica
marxiana. Na qual presenciamos um movimento dinmico caracterizado pelo processo
existente entre a descontinuidade na continuidade e a continuidade na descontinuidade.
Isso significa que a transcendncia positiva da alienao deve ser pensada
dialeticamente, pois o existente transformado em novo por meio da descontinuidade
e, logo imediatamente, a nova criao consolidada com elementos da continuidade
4 Com isso, Mszros (2009a) argumenta: [...] Somente o indivduo humano real capaz de realizar a unidade dos opostos (vida pblica-vida privada; produo-consumo; fazer-pensar; meios-fins), sem
a qual no tem sentido falar em superao da alienao. Essa unidade significa no s que a vida
privada tem de adquirir a conscincia prtica de seu embasamento social, mas tambm que a vida
pblica tem de ser personalizada, isto , tem de tornar-se modo natural existente do indivduo real; no
somente o consumo passivo deve transformar-se em consumo criativo (produtivo, enriquecedor do
homem), mas tambm a produo deve tornar-se gozo; no s o ter abstrato sem sujeito deve adquirir um ser concreto, mas tambm o ser ou sujeito fsico no se pode transformar num ser humano sem ter, sem adquirir a capacidade no-alienada da humanidade; no s o pensar a partir da abstrao deve tornar-se pensamento prtico, relacionado diretamente com as necessidades
reais e no-alienadas ou alienadas do homem, mas tambm fazer deve perder seu carter coercitivo inconsciente e tornar-se atividade livre autoconsciente (p. 169, grifos no original e nossos).
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previamente existente. Nesse sentido, vale reiterar que o sistema marxiano s pode ser
entendido atravs de uma forma de pensar dialtica e dinmica.
Precisamente por esse posicionamento, traremos como uma das relevantes
contribuies para o desenvolvimento da nossa tese, a obra Para uma ontologia do ser
social que representa a obra de maturidade de Lukcs, na qual, o filsofo opera, por
excelncia, uma autntica recuperao do pensamento ontolgico de Marx5.
Nessa linha de raciocnio, Tertulian (2001, p. 43) reafirma a fidelidade de
Lukcs ao pensamento ontolgico marxiano na obra acima citada, advogando, desse
modo, que no referido livro, assim como durante sua longa e complexa trajetria,
Lukcs jamais abandonou o conceito de conscincia de classe, como fizeram por
exemplo Habermas e Adorno, dentre outros tericos, que buscaram por fora das
categorias marxianas fundamentais, as explicaes mais profundas para os grandes
problemas levantados no seu tempo histrico, como a falncia da prpria revoluo
socialista.
Da mesma forma, Lessa (2007) expe alguns elementos sobre a trajetria
do filsofo hngaro at a construo de sua Ontologia, posteriormente Esttica,
sendo oportuno, aqui, recuper-los:
Georg Lukcs uma personalidade singular na filosofia contempornea.
Ainda muito jovem, com o livro A alma e as formas (1910) obtm lugar de
destaque no cenrio europeu. Alguns anos aps, abandona as influncias
kantianas deste escrito e adere ao Partido Comunista Hngaro. O primeiro
momento da sua trajetria marxista resultou na sua produo de um
dos textos mais significativos e de maior influncia deste sculo, Histria
e Conscincia de Classes6 e, tomando contato com os Manunscritos de
1844 de Marx, inicia sua investigao ontolgica, na maior parte das vezes
pela mediao da esttica (p. 11, grifos no original e nossos).
Ainda, arrematando a importncia da recuperao ontolgica da obra de
Marx, operada por Lukcs, Lessa (2007) salienta:
[...] a Ontologia lukacsiana tem por objetivo demonstrar a possibilidade
ontolgica da emancipao humana, da superao da barbrie da
explorao do homem pelo homem. Independente de se concordar ou no
com o filsofo hngaro, o tema sobre o qual se debruou, e a competncia
com o que o fez, tornam sua obra um marco do pensamento
contemporneo (p. 13, grifos no original e nossos).
5 Como ser anotado adiante, somente nos anos 30 do sculo XX, o autor teve acesso aos Manuscritos
Econmico-Filosficos de 1844, dentre outras obras de Marx. 6 Devido aos limites do nosso tempo, no nos debruaremos sequer minimamente sobre sua polmica
obra Histria e Conscincia de Classe, produzida pelo autor em 1923, antecedendo, portanto, em longas
dcadas, ao desenvolvimento de sua obra Para uma ontologia do ser social, precedida pela Esttica.
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Vale ressaltar que, nesse contexto, a pretenso de Lukcs era que essa
relevante obra se traduzisse em uma grande introduo quela que o autor pretendia
dedicar-se sobre a base da Ontologia, a tica. Devido morte de Lukcs, sua tica no
pode ser desenvolvida, sequer sua Ontologia do Ser Social apresenta uma redao
final.
Dessa maneira, contextualizando em linhas gerais a importncia de Lukcs
para a recuperao da ontologia do ser social no pensamento marxiano, vale reafirmar
que este mantm-se fiel construo de uma teoria autenticamente revolucionria,
oferecendo contribuies compreenso da gnese e da processualidade onto-histrica
do ser social.
importante assinalar que, referenciando-nos em Tertulian (1996a; 1996b,
2001); Konder (2009); Lessa7 (2007); Norma Alcntara (2005); e Costa, G. (2005), no
nosso texto Entausserung e Entfremdung sero traduzidos, respectivamente, como
exteriorizao e alienao. Longe de nos debruar sobre essa polmica, gostaramos de
deixar claro que, para os propsitos da nossa exposio, entendemos alienao e
estranhamento como sinnimos.
Alm do mais, a alienao e sua transcendncia positiva deve ser
entendida em termos de uma necessidade ontolgica, tal como elucida Mszros
(2009a) nas linhas que seguem abaixo:
Como tanto a alienao quanto a Aufhebung devem ser compreendidas, segundo Marx, em termos de necessidade ontolgica, uma concepo
histrica correta depende da interpretao de tal necessidade. O
determinismo econmico como uma hiptese histrica uma contradio
em termos, porque ele implica a negao final da histria. Se a histria
significa alguma coisa, ela tem de ser aberta. Uma concepo histrica adequada deve, portanto, estar aberta ideia de uma ruptura da cadeia de
determinaes econmicas reificadas, fetichistas, cegas etc. (Com efeito, uma transcendncia da alienao inconcebvel sem o rompimento
dessa cadeia.) Obviamente, tal ideia inadmissvel do ponto de vista do
determinismo econmico que deve, portanto, negar a histria, ao tomar sua prpria posio a-histrica como absoluta, e transformando-a em uma suposta estrutura permanente (p. 110, grifos no original e nossos).
A partir dos fundamentos da ontologia, apropriarmo-nos da complexa
problemtica do trabalho alienado, levando em conta seus desdobramentos essenciais
sobre as diversas dimenses da sociabilidade regida pela luta de classes. Em outras
7 A esse respeito, Lessa (2007) esclarece: [...] estou hoje seguro de que a melhor traduo para as duas categorias marxiano-lukacsianas alienao para Entfremdung e exteriorizao para Entusserung,
como primeiro havia sugerido Leandro Konder. (p. 15, grifos no original e nossos).
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palavras, abordamos as objetivaes e exteriorizaes do trabalho alienado que se
transformam em obstculos ao pleno desenvolvimento da relao individualidade-
generidade, revelando o acirrado processo de explorao do homem pelo homem.
Tal estado de coisas muito bem representado pelas sociedades de classes
em uma de suas legitimaes mais cruis, que a propagao crescente da alienao.
Para Mszros (2009a) apoiado em Marx a questo da alienao est: [...] diretamente
relacionada questo do produto excedente e da mais-valia; e as vrias fases do
desenvolvimento da economia poltica so caracterizadas por Marx de acordo com sua
posio com respeito origem da natureza da mais-valia (p. 130, grifos nossos).
Sendo assim, o nosso estudo no poderia deixar de afirmar, no mesmo
terreno ontolgico, a possibilidade da construo da transcendncia8 positiva da
alienao do trabalho, de acordo com a elucidao exposta por Mszros (2009a)
fundamentado em Marx, como ilumina a seguinte citao:
[...] o conceito de transcendncia positiva da auto-alienao no trabalho teve de ser colocado em segundo plano, numa poca em que o marxismo iniciava a jornada de trabalho para sua realizao prtica na forma
de movimento sociopolticos parciais (nacionais) isto , o marxismo estava
sendo transformado de uma teoria global em movimentos organizados que,
durante um longo perodo histrico por toda poca da defesa de posies duramente conquistadas , tiveram de permanecer parciais e limitados. Ao contrrio, o carter evidentemente global da crise do nosso tempo exige
remdios globais: isto , a transcendncia positiva da auto-alienao do trabalho em toda a sua multifacetada complexidade condicionante. No se sugere, evidente, que na atual situao mundial os problemas
diagnosticados inicialmente por Marx jamais pretendeu ser uma receita para solues messinicas, como veremos adiante. A questo que em nossa poca torna-se historicamente possvel e cada vez mais necessrio, tambm atacar os problemas cotidianos enfrentados pelos movimentos socialistas em todo o mundo a partir de perspectivas adequadas: como direta
ou indiretamente relacionados com a tarefa fundamental da
8 Sob esse aspecto, Mszros (2009a) ressalta que: Nada poderia estar mais longe da verdade do que afirmar no importa de que ponto de vista que a 1845 em diante Marx j no se interessa pelo homem e por sua alienao, porque sua ateno crtica desviou-se para outra direo, pela
introduo dos conceitos de classes e proletariado. Como j vimos, esses conceitos adquiriram uma importncia crucial no pensamento de Marx j em 1843. Devemos ressaltar que se por homem entendemos, como fizeram os opositores de Marx, o homem abstrato, ou o Homem em geral que abstrado de todas as determinaes sociais, ento isso est totalmente fora de questo. Ele, na verdade, nunca esteve interessado por esse Homem, nem mesmo antes de 1843, e muito menos na poca em que escreveu os Manuscritos econmico-filosficos de 1844. Por outro lado, o homem real, o ser automediador da natureza, o indivduo social, nunca desapareceu do seu horizonte. Mesmo no fim de sua vida, quando estava trabalhando no terceiro volume do capital, Marx defendia para os seres
humanos as condies mais favorveis sua natureza humana, e mais dignas dela. Assim, a sua preocupao com as classes e com o proletariado em particular continuaram para ele sempre
idnticas sua preocupao com a emancipao humana geral um programa estabelecido claramente na mesma Crtica da filosofia do direito de Hegel Introduo, obra de juventude. E esse programa, formulado nessas palavras, apenas outra expresso daquilo que ele chamou em outro
lugar de transcendncia positiva da alienao (p. 200-1, grifos no original e nossos).
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transcendncia positiva da auto-alienao do trabalho (p. 25-6, grifos no original e nossos).
Precisamente sob a mesma continuidade dos elementos expostos,
compreendemos que o sistema marxiano junto com o seu conceito de transcendncia
positiva da alienao, no pode ser tratado como uma receita ou um sistema fechado e
acabado. Ao contrrio, vivemos em tempos nos quais necessidade de pensarmos
dialeticamente o sistema sobredito uma necessidade histrica sob pena da
humanidade no se arruinar. Pois diante do carter devastador da crise estrutural do
capital, na concepo de Mszros (2009a) fundamentada em Marx, a humanidade
necessita construir um projeto de transio socialista em prol da transcendncia
positiva da alienao.
Vale destacar que conforme sustenta Mszros (2009a) em sua obra A
teoria da alienao em Marx o ncleo central da anlise de Marx, para alm da
compreenso do trabalho alienado, em suas razes na sociabilidade capitalista, repousa
na perspectiva da possibilidade da transcendncia positiva da alienao do trabalho.
Em virtude dessa possibilidade que podemos vislumbrar construo de uma forma
de sociabilidade fundada no trabalho livre e associado.
Em conformidade com os posicionamentos de Marx, Mszros (2009a)
afirma:
Para Marx, ao contrrio, a questo da transcendncia foi desde as primeiras formulaes de sua viso filosfica inseparvel do programa de alcanar a unidade da teoria e da prtica. Antes dos Manuscritos de 1844, porm, esse princpio permaneceu bastante abstrato porque Marx no
podia identificar o ponto de Arquimedes por meio do qual seria possvel traduzir o programa em realidade. A introduo do conceito de trabalho alienado no pensamento de Marx modificou fundamentalmente tudo isso. Como veremos adiante, to logo o problema da transcendncia foi
concretizado nos Manuscritos de 1844 como a negao e supresso da auto-alienao do trabalho, nasceu o sistema de Marx (p. 22-3, grifos no original e nossos).
Realizado esses destaques acerca da relevncia da teoria da alienao e sua
transcendncia positiva em Marx, elucidados por Mszros (2009a), gostaramos de
mencionar que uma outra parte to importante quanto a sobredita para o
desenvolvimento dessa tese o estudo diretamente relacionado com o ltimo
captulo, intitulado Alienao, da obra Para uma ontologia do ser social, de Lukcs. O
qual realizaremos no segundo momento dessa pesquisa.
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Dessa maneira, oportuno observar que os quatros captulos do referido
opsculo j foram alvo de investigao no seio do nosso prprio Grupo de Pesquisa
Marxismo, Educao e Luta de Classes, vinculado ao Instituto de Estudos e Pesquisas
do Movimento Operrio IMO. Nesse contexto tivemos trs dissertaes de
mestrado e duas teses de doutorado versando diretamente sobre captulos especficos
de Para uma Ontologia do Ser Social. Assim, contamos com a dissertao intitulada
O lugar do sujeito no processo de emancipao humana: um estudo exploratrio sobre
a individualidade em Marx e em Lukcs, na qual, a professora Betnia Moraes (2001)
revisita, pargrafo por pargrafo, o captulo da Reproduo. Nesse quadro, o IMO
disponibiliza tambm a tese de doutorado do professor Frederico Costa (2007)
intitulada Ideologia e educao na perspectiva da ontologia marxiana, na qual o autor
debrua-se, largamente, sobre o captulo da Ideologia.
Na continuidade dos estudos desenvolvidos no ceio do IMO, contamos
ainda com mais uma relevante dissertao de mestrado e a tese de doutorado da
professora Marteana Lima (2009; 2014), intituladas, respectivamente: 1) Trabalho,
reproduo social e educao em Lukcs e 2) A alienao em Lukcs: fundamentos
para o entendimento do complexo da educao. Alm desse conjunto de pesquisas
que discutiram captulos da referida obra de Lukcs, identificamos a dissertao da
professora Samara Braga (2011) com o seguinte ttulo: Elementos introdutrios ao
complexo da alienao na ontologia de Lukcs: um estudo fundado na possibilidade
da emancipao.
Ademais, pontuamos as pesquisas9 localizadas sobre o captulo relativo
Alienao em Lukcs, foco de nossa investigao. Em outras palavras, encontramos
trabalhos relacionados com a problemtica da alienao na obra Para ontologia do ser
social de Lukcs, produzidos pela professora Maria Norma Alcntara Brando de
Holanda11 (1998; 2005) do Grupo de Pesquisas sobre Reproduo Social, da
9 Alm das publicaes de Srgio Lessa sobre a Para uma ontologia do ser social de Lukcs, as quais contemplam a questo da alienao. Nesse sentido, importante conferir, do autor, o Captulo VI de
Para Compreender a Ontologia de Lukcs (2007). 11 importante registrar que Norma Holanda a autora da traduo (do italiano para o portugus, a qual
adotamos ao longo do desenvolvimento do nosso estudo) do captulo da Alienao da obra Para uma
Ontologia do Ser Social, de Lukcs. Nesta, a autora traduz o fenmeno do Estranhamento como sendo o
termo Alienao, o qual passa, contudo a significar no contexto de sua traduo, o mesmo que
Entfremdung, que indica um fenmeno historicamente construdo e que remete ao fenmeno da negao
da realizao da essncia humana, inerente ao processo de explorao do homem pelo homem. Tal
conceito se oporia quele representado pelo vocbulo alemo Entauserung, tambm traduzido por
alienao, no sentido positivo de, atravs do ato de trabalho, alienar-se o homem, dando de si e
realizando sua essncia no objeto que produz, configurando-se, nesse sentido, como uma condio
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Universidade Federal de Alagoas, na forma de dissertao de mestrado Norma
Holanda (1998) e tese de doutoramento Norma Holanda (2005) e/ou artigos
cientficos12. Nessa esfera, citamos outrossim a tese da professora Ftima Maria
Nobre Lopes (2006) da Universidade Federal do Cear (UFC).
Ainda em mbito nacional, localizamos com relao ao captulo referente
Ideologia no referido livro de Lukcs mais duas dissertaes de mestrado e duas teses
de doutoramento devidamente mencionadas nas nossas referncias bibliogrficas
de autoria, respectivamente, da professora Ester Vaisman (1989; 1996) e da professora
Tereza Buonomo Pinho (2003; 2013).
Vale notar, como aponta Tertulian (1996b), a segunda parte da Ontologia,
na qual est contido o captulo sobre a problemtica da alienao, este pouco
sistematizado, pois Lukcs o redigiu sob condies por demais adversas,
encontrando-se muito doente com cncer no pulmo em fase terminal.
Destarte, Tertulian (1996b) assevera que o filsofo hngaro, por muitas
vezes reincide em uma mesma ideia, o que dificultaria uma leitura mais escorreita do
texto:
Julgamos os Prolegmenos uma introduo indispensvel para compreender o pensamento ontolgico do ltimo Lukcs. Infelizmente o texto marcado,
especialmente na ltima parte, por repeties cansativas, efeitos de
redundncia, que tornam a leitura, s vezes, rida. A idade muito avanada e
talvez a doena tornavam o autor menos capaz de dominar o prprio
discurso; desse modo, h lugares onde as mesmas ideias so retomadas em
contextos que no conhecem a progresso rigorosa a que os seus escritos
nos acostumaram (p. 6, grifos nossos).
No obstante tais dificuldades, o intrprete lukacsiano (1996b) admite com
indiscutvel firmeza:
[...] Lukcs pde mostrar como complexo e trabalhoso o caminho que
leva superao autntica do estranhamento. A seu ver, enquanto as
intrnseca ao ser social e ao processo de objetivao e exteriorizao dos indivduos. Mesmo considerando tal distino, seguiremos aqui a tendncia mais generalizada de utilizao do termo
alienao em sentido negativo, como sinnimo de estranhamento, consoante traduo elaborada por
Norma Holanda. Vale observar, nesse mesmo terreno terminolgico, Mszros (2009a) apresenta os
termos alienao e estranhamento do trabalho como equivalentes, argumentando que [...] a alienao humana foi realizada pela transformao de tudo em objetos alienveis, vendveis, em
escravos da necessidade e traficantes egostas (MSZROS, 2009a, p. 36). Ademais, Tertulian (1996a), por sua vez, admite que a traduo para o portugus, dos termos Entauserung e Entfremdung
no encontrou, ainda, uma soluo unanimemente aceita (TERTULIAN, 1996a, p. 97). Assim, em seu texto Conceito de alienao em Heidegger e Lukcs, (1996a), decide seguir a tradio francesa,
representando o primeiro por exteriorizao e o segundo por alienao. 12 As obras dos citados autores encontram-se devidamente referenciadas na bibliografia dessa tese.
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objetivaes da espcie humana, em sua maior parte (as instituies
polticas, jurdicas, religiosas, etc.), nasceram para assegurar o
funcionamento do gnero humano em-si, pelo contrrio, as grandes aes
morais, a grande arte e a verdadeira filosofia encarnam, na histria, as
aspiraes do gnero humano para-si. As melhores pginas da Ontologia
do ser social so provavelmente aquelas nas quais Lukcs analisa a tenso
entre essas aspiraes irreprimveis a uma humanitas autntica do homo
humanus e o poderoso acmulo de mecanismos econmicos, de instituies
e de normas que asseguram a reproduo do status quo social (p. 13,
grifos no original e nossos).
Com relao complexa problemtica da alienao, temos, por fim, o
registro de Lessa (2007) salientando que: Resta aos lukacsianos [...], entre as
inmeras outras tarefas que a histria prope avanar a partir dos indcios deixados
pelo pensador hngaro (p. 136, grifos nossos). Para tanto, um primeiro passo
imprescindvel nessa direo, a compreenso do pensamento lukacsiano, tendo em
vista que o nosso trabalho pretende situar-se no escopo desse referencial terico.
Nesse contexto, nossa pesquisa no poderia, com efeito, ultrapassar os
contornos de um ensaio de compreenso acerca do complexo captulo da Alienao, na
obra Para uma ontologia do ser social. Dessa maneira, a estruturao criada e
delimitada por Lukcs (1981), no captulo Lestraniazione (A Alienao, conforme a
traduo mencionada anteriormente na nota de rodap de nmero sete), inserido nas
pginas de nmero 559 a 808, de sua Ontologia DellEssere Sociale obedece ao
seguinte desenvolvimento: 1. I tratti ontologici generali dellestraniazione (p. 559-
616) Os traos ontolgicos gerais da alienao; 2. Gli aspetti ideologici
dellestraniazione. La religione come estraniazione (p. 617-725) Os aspectos
ideolgicos da alienao. A religio como alienao; e por ltimo; 3. La base oggetiva
dellestraniazione e del suo superamento. La forma attuale dellestraniazione (p. 727-
808) A base objetiva da alienao e de sua superao. A forma atual da alienao.
Alm de todos esses elementos apresentados, reiteramos que para o
desenvolvimento do nosso estudo, adotamos a traduo realizada pela professora
Maria Norma Alcntara Brando de Holanda da Universidade Federal de Alagoas.
Antes de chegarmos ao entendimento da problemtica da alienao em Para
uma ontologia do ser social, de Lukcs e, por conseguinte, em Para alm do capital, de
Mszros, revisitamos, no primeiro captulo dessa pesquisa, o trabalho alienado nos
Manuscritos econmico-filosficos de 1844 conhecido como Manuscritos de Paris
alm do captulo V de O Capital, de Karl Marx, pois os fundamentos contidos nestas
obras serviram de lupa para o estudo dos captulos sequentes dessa tese.
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No segundo captulo, realizamos um breve resgate dos fundamentos
ontolgicos da problemtica da alienao explicitada por Lukcs, para em seguida,
determo-nos com maior particularidade no ltimo subcaptulo da Para ontologia do ser
social intitulado: A base objetiva da alienao e de sua superao. A forma atual da
alienao.
Feito isso, explicitamos a concepo onto-histrica sobre a problemtica da
alienao na obra acima citada, de Lukcs. Cabe um destaque, Lukcs morreu em 1971,
no tendo tempo histrico para vivenciar as manifestaes da alienao no contexto da
crise estrutural do capital que se apresenta de forma mais veemente a partir de 1970. Em
virtude disso, sentimos a necessidade de recorrermos ao filsofo marxista
contemporneo Istvn Mszros, o qual foi orientando de Lukcs.
Justamente por isso, asseveramos que o terceiro captulo dessa tese de
doutoramento revela alguns elementos da alienao no contexto da crise estrutural do
capital na obra Para Alm do Capital, de Istvn Mszros (2009b), tomando como foco
da nossa investigao os elementos que revelam o entendimento acerca da produo da
riqueza e a riqueza da produo; a taxa do valor utilidade decrescente adotada ao
extremo diante da crise contempornea do capital; a disjuno existente entre a
necessidade e a produo da riqueza relacionada com o valor de uso e o valor de troca;
o triunfo da produo generalizada do desperdcio e a homogeneizao de todas as
relaes produtivas e distributivas do capital em crise.
Portanto, julgamos reveladora a seguinte citao acerca da alienao no
cenrio da crise estrutural do capital na obra A teoria da alienao em Marx, de
Mszros (2009a):
[...] a crtica da alienao parece ter adquirido uma nova urgncia histrica. Acontecimentos recentes, desde o colapso da poltica longamente cultivada de bloqueio China at a crise do dlar, e desde o
aparecimento de importantes contradies de interesses entre os principais
pases capitalistas at a reveladora necessidade de ordens judiciais e outras
medidas especiais contra grevistas desafiadores com frequncia cada vez
maior, mesmo nos Estados Unidos (precisamente a terra da classe operria
supostamente integrada) tudo isso ressaltou de modo dramtico a intensificao da crise estrutural do capital. precisamente em relao a essa crise que a crtica marxiana da alienao mantm, hoje mais do
nunca, a sua vital relevncia scio-histrica (p. 15, grifos nossos).
Em conformidade com esses posicionamentos, vale reiterar, da dcada de
setenta at os nossos dias, podemos contar com as colaboraes do importante
marxista Istvn Mszros. Este filsofo elucida que, para chegarmos ao entendimento
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da problemtica da alienao na contemporaneidade, necessrio examinarmos a crise
estrutural do capital com toda a degenerescncia humana advogada pela produo da
riqueza material alienante que permite uma total fragilizao e inverso de tudo aquilo
que seria o significado genuno da riqueza da produo.
J o quarto e ltimo captulo anuncia algumas ilustraes dos rebatimentos
da alienao no contexto da crise estrutural do capital no campo da formao humana
incluindo, primordialmente, o complexo da educao por meio do processo
degenerado das mistificaes alienantes. As quais so completamente responsveis
por um tipo de formao rasteira, fragmentada e deformada. E desse modo, negando
aos indivduos o acesso ao patrimnio historicamente construdo pela humanidade.
Refletir sobre toda essa argumentao exposta, significa indicar os limites e as
possibilidades da formao humana principalmente por meio do complexo da
educao contribuir numa perspectiva de andar na contraposio da ordem vigente.
Na continuidade dessa mesma direo, compreendemos que a dependncia
ontolgica, autonomia relativa e determinao recproca do complexo da educao
em relao ao trabalho, naturalmente na sociabilidade regida pelo capital, sobretudo o
complexo da educao estar a servio da estrutura do capital em crise. Ou seja, o
processo de formao humana estar muito limitado s mistificaes alienantes. Dito
de outro modo, o tipo de formao dos indivduos estar a servio de contribuir com a
reproduo do fetichismo das mercadorias e reificaes das relaes sociais.
Diante desse cenrio brbaro, somos impulsionados a pontuar bem mais os
limites da formao humana inclusive relacionados ao complexo da educao do
que apontarmos as possibilidades da transformao social radical efetiva no cenrio
do capital em crise. Todavia, no podemos negar a construo de possibilidades
restritas, mesmo diante de um quadro brbaro das relaes humanas para realizarmos
atividades emancipatrias.
Nesse contexto, compreendemos que o peso objetivo da totalidade se
revela de modo cruel, chegando ao extremo degenerado da formao humana
contribuir para ser um apoio da reproduo do sociometabolismo do capital em crise.
Alm de presenciamos uma completa inverso do papel genuno da cincia, ou seja, a
produo cientifica realiza um culto a imbecilidade dos fenmenos meramente
descritivos, os quais ilustram to somente a superficialidade da aparncia
transformando os indivduos em seres bestiais, como diz Marx (2008) nos
Manuscritos de Paris.
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Portanto, a nossa tese, trata-se de uma pesquisa de carter terico-
bibliogrfico, fundada no marxismo onto-histrico radicalmente revolucionrio. Este,
por sua vez, desenvolve-se penetrando na realidade fenomnica em direo ao
entendimento rigoroso da essncia das relaes sociais, ou seja, a ontologia do ser
social analisa os fenmenos sociais em suas mltiplas determinaes a partir da
centralidade do trabalho, proporcionando o exame das razes da intrnseca relao
entre a centralidade do trabalho e a formao do ser social.
Nessa esteira, perscrutamos que no pensamento do autntico marxismo
prioridade ontolgica dada ao movimento dos objetos dentro da realidade onto-
histrica, como explica Chasin (1995),
[...] no pensamento marxiano o tratamento ontolgico dos objetos, sujeito
incluso, no s imediato e independente, como autoriza e fundamenta o
exame da problemtica do conhecimento. O exame desta que depende de critrio ontolgico, e s por meio deste que pode ser concebida em seu
lugar prprio e na malha das relaes devidas que propiciam sua adequada
investigao. (p. 400, grifos nossos).
Justamente por isso, podemos apenas indicar os primeiros passos na
investigao do nosso objeto, visto que impossvel descrever a metodologia na
perspectiva ontolgica antes de desenvolver o estudo de um dado objeto inserido na
realidade onto-histrica, consoante analisa Chasin (1995).
Dito isso, iremos sinalizar algumas indicaes bibliogrficas consultadas
ao longo do desenvolvimento dessa pesquisa, como o exame da obra de Mszros
(2006a, 2006b, 2009a, 2009b) dentre outras iluminadas pelo pensamento de Marx
(2003, 2008a, 2008b) e Lukcs (1981). Contamos logo, imediatamente, com alguns
intrpretes marxiano-lukacsianos, tais como Tertulian (1996a, 1996b, 2001), Konder
(2009), Norma Holanda (2005), Costa, G. (2007), Tonet (2005), Lessa (2007, 2008),
Jimenez (2007) e Mendes Segundo (2005), entre outros autores que sero consultados
de acordo com a necessidade investigativa do objeto estudado.
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2 O TRABALHO ALIENADO EM MARX
Para chegarmos ao entendimento da problemtica da alienao na obra Para
uma ontologia do ser social, de Lukcs, e, por conseguinte, em Para alm do capital, de
Mszros, revisitaremos o trabalho alienado nos Manuscritos econmico-filosficos de
1844 conhecido como Manuscritos de Paris alm do captulo V de O Capital, de
Karl Marx.
Por essa linha de raciocnio, entendemos que teremos um suporte terico
ainda maior para chegarmos compreenso da problemtica da alienao no contexto
contemporneo de crise estrutural do capital, pois compreendemos que os fundamentos
contidos nestas obras serviram de lupa para o estudo dos captulos sequentes dessa tese.
Tambm iremos consultar, de forma breve, a concepo de dois autores
marxistas que revelam a importncia da categoria alienao nos Manuscritos de Paris
para lutarmos contra o capital e em prol da emancipao humana; sendo esses autores
Mszros, em A teoria da alienao14 em Marx, e Konder, em Introduo ao Marxismo.
Desse modo, iniciamos o nosso debate asseverando que o trabalho, nas
sociedades de classes, apresenta formas de objetivaes e exteriorizaes que
contribuem muito mais com a reproduo da alienao dos indivduos em contraponto
com o desenvolvimento de suas individualidades. Por isso, ressaltamos que Marx se
debrua sobre a problemtica da alienao e sua transcendncia positiva durante o
desenvolvimento da totalidade de sua teoria, ou seja, no possvel compreender a
dialtica do sistema marxiano sem desvelarmos as questes fundamentais em torno da
auto-alienao do trabalho.
Nesse sentido, podemos afirmar que Marx adota essa complexa categoria
como o ponto de Arquimedes da sua significativa sntese acerca das relevantes
14Diante do contexto sobre a questo da alienao no capitalismo, Mszros (2009a) apoiado em Marx
revela que: A atividade uma atividade alienada quando assume a forma de uma separao ou oposio entre os meios e vida privada, entre ser e ter, e entre fazer e pensar. Nessa oposio alienada, vida pblica, ser e fazer se tornam subordinados como simples meios para o fim alienado da vida privada (gozo privado), do ter, e do pensar. A autoconscincia humana, em lugar de atingir o nvel de verdadeira conscincia genrica, nessa relao em que a vida pblica (a atividade vital do homem como ser genrico) subordinada, como um meio para um fim, mera
existncia privada torna-se uma conscincia atomstica, a conscincia alienada-abstrata do simples ter, identificando com o gozo privado. E desta maneira, j que a marca da atividade livre que distingue o homem do mundo animal a conscincia prtica (no-abstrata) do homem como um ser humano
automediador (isto , criativo, no apenas gozando passivamente), a realizao da liberdade humana como finalidade do homem torna-se impossvel, porque seu fundamento a atividade vital do homem se tornou um simples meio para um fim abstrato (p. 167-8, grifos no original e nossos).
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manifestaes da reproduo da sociabilidade do capital. Precisamente por isso, com
efeito, Mszros (2009a) revela:
Na realizao concreta da potencialidade do gnio de Marx sua apreenso
do conceito de auto-alienao do trabalho representou o elemento crucial: o ponto de Arquimedes de sua grande sntese. O desenvolvimento desse conceito at sua amplitude complexa, marxiana como o ponto filosfico sintetizador do dinamismo do desenvolvimento
humano era simplesmente inconcebvel antes de uma certa poca, isto , antes do amadurecimento relativo das contradies sociais nele refletidas.
Sua concepo tambm exigia o aperfeioamento dos instrumentos e
ferramentas intelectuais principalmente pela elaborao das categorias dialticas necessrios a uma compreenso filosfica adequada dos fenmenos mistificadores da alienao, bem como, claro, o poder
intelectual de um indivduo que pudesse fazer uso adequado desses
instrumentos. E finalmente, mas nem por isso menos importante, o
aparecimento desse ponto de Arquimedes conceitual tambm
pressuponha a intensa paixo moral e o carter inabalvel de algum
preparado para declarar guerra por todos os meios s condies nas quais o homem um ser aviltado, escravizado, abandonado,
desprezvel; algum que pudesse ver a sua realizao pessoal, a realizao de seus objetivos intelectuais, na realizao por meio da abolio da filosofia, no curso de uma autntica guerra. O preenchimento simultneo de
todos esses requisitos era, na verdade, imprescdivel elaborao
marxiana do conceito de auto-alienao do trabalho, numa poca em que as condies estavam maduras para tanto (p. 76, grifos no original e nossos).
Dessa maneira, fazemos questo reiterar que o trabalho alienado est
presente tanto em seus escritos de juventude quanto em seus escritos de maturidade.
Com isso, debruar-nos-emos, fundamentalmente, sobre as elaboraes de Marx acerca
do trabalho alienado, presentes nos Manuscritos econmico-filosficos de 1844 ou
Manuscritos de Paris15.
Sob essa perspectiva, compreendemos com as prprias palavras de Mszros
(2009a):
15Conforme os pressupostos elucidados por Mszros (2009a) a partir dos fundamentos de Marx,
entendemos que: [...] podemos chamar os Manuscritos de Paris de um sistema in statu nascendi, pois neles que Marx explora sistematicamente, pela primeira vez, as implicaes de longo alcance de sua
ideia sintetizadora a alienao do trabalho em todas as esferas da atividade humana. A descoberta do elo que faltava em suas reflexes anteriores lana uma nova luz sobre todas as suas ideias e pontos particulares de crtica alguns deles formulados anos antes de 1844 e que agora naturalmente se ajustam numa concepo geral. medida que Marx avana com a sua indagao crtica
nos Manuscritos de Paris a profundidade de sua viso e a coerncia sem paralelo de suas ideias tornam-
se cada vez mais evidentes. H um ar de excitao sobre todo o empreendimento manifesto tambm no estilo enormemente elevado, muitas vezes solene, de exposio conforme Marx recorrentemente descreve a sua grande descoberta histrica, ou seja, que as mais variadas formas de alienao que ele
examina podem ser reunidas sob um denominador comum, no campo da prtica social, por intermdio
do conceito tangivelmente concreto e estratgico crucial de trabalho alienado: o foco comum de ambas as sries de questes, isto , porqu (diagnstico) e o como (transcendncia) (p. 23, grifos no original e nossos).
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[...] o ncleo dos Manuscritos de Paris, que d estrutura totalidade do
trabalho, o conceito da transcendncia (ou superao) da auto-alienao do trabalho. O sistema maxista simultaneamente um tipo de balano, e tambm a formulao de um programa monumental para investigaes futuras (p. 24, grifos no original e nossos).
Ademais, compreendemos que durante o desenvolvimento do sistema
marxiano, a problemtica da alienao na sociabilidade burguesa e as indicaes da
construo de possibilidades para sua transcendncia positiva esto presentes como
objetos primordiais das anlises de Marx. Sob essa explicao, desejamos aqui salientar
a relevncia dos Manuscritos econmico-filosficos de 1844, pois entendemos que o
exame radical da teoria marxiana da alienao deve ser iniciado, sobretudo, a partir
desta obra.
Vale ressaltar que Mszros (2009a) destaca a importncia da elucidao da
teoria da alienao nos Manuscritos de Paris para o entendimento da totalidade da obra
de Marx, afirmando que esta obra no deve ser confundida com uma anlise prematura,
pois [...] os Manuscritos de 1844 anteciparam adequadamente o Marx posterior,
apresentando numa unidade sinttica a problemtica de uma reavaliao ampla,
centrada na prxis e radical de todas as facetas da experincia humana (p. 24,
grifos no original e nossos).
Na continuidade dessa argumentao sobre a importncia da transcendncia
positiva da alienao para compreenso do sistema marxiano, Mszros (2009a)
esclarece:
Em conformidade com as caractersticas centrais da obra de Marx, o
princpio ordenador do presente estudo deve ser o exame dos vrios aspectos
e implicaes do conceito que tem em Marx de Aufhebung, e no o inverso.
(Essa inverso da relao estrutural dos conceitos no exame do sistema
de Marx desorientou todos os comentrios que procuram elucidar a
viso marxista do mundo a partir do conceito de alienao do jovem Marx, como seu ponto definitivo referncia: no melhor dos casos, eles
acabaram com algum tipo de tautologia moralizante pois, evidentemente, nenhum conceito pode ser elucidado por si mesmo e em muitos casos com graves deformaes do sistema de Marx como um todo.) (p. 25, grifos no
original e nossos).
Sob essa mesma argumentao, de acordo com os posicionamentos de
Mszros (2009a), o conceito de Aufhebung transcendncia positiva da alienao
relevante para a compreenso da teoria da alienao por trs motivos. Primeiro pelo
entendimento dos Manuscritos econmico-filosficos de 1844; segundo, porque o [...]
conceito de transcendncia (Aufhebung) da auto-alienao do trabalho fornece ligao
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essencial com a totalidade da obra de Marx, inclusive com as ltimas palavras do
velho Marx (p. 25, grifos nossos).
Por fim, o terceiro motivo justifica-se pela extrema atualidade do tema:
Na atual fase de desenvolvimento scio-histrico, porm, quando pela
primeira vez na histria do capitalismo est sendo abalado at os seus
fundamentos como sistema mundial (ao passo que todas as crises anteriores
do capitalismo, por mais espetaculares que tenham sido, foram parciais e
localizveis), a transcendncia da auto-alienao do trabalho est na ordem do dia (p. 25, grifos no original e nossos).
Em conformidade com essa perspectiva, Mszros (2009a) assevera que no
estudo da [...] a teoria da alienao de Marx, o centro deve ser, desnecessrio dizer,
os Manuscritos econmico-filosficos (p. 26, grifos no original e nossos).
Posto isso a nossa insistncia em reafirmar que a problemtica da alienao e sua
transcendncia positiva est presente no somente nos Manuscritos de Paris, mas sim
na totalidade da obra marxiana, como analisa Mszros (2009a):
[...] as observaes enigmticas e sugestes aforsticas dos Manuscritos de Paris no podem ser decifradas sem referncia s suas obras posteriores, mas
principalmente porque atribuir o conceito de alienao exclusivamente ao
perodo de juventude falsificar grosseiramente o Marx maduro como veremos adiante , solapando a unidade e coerncia interna de seu pensamento (p. 26, grifos no original e nossos).
Fazemos questo de ressaltar que o nosso estudo est situado no campo do
autntico marxismo ontolgico, no qual o sistema marxiano tratado de maneira
dialtica e dinmica, em contraponto a qualquer forma mecanicista, messinica ou
receituria de compreender a problema da alienao e sua transcendncia positiva.
Em conformidade com os posicionamentos de Mszros (2009a),
sublinhamos que nos Manuscritos de 1844 podemos evidenciar:
[...] o ponto de convergncia dos aspectos heterogneos da alienao a
noo do trabalho (Arbeit). Nos Manuscritos de 1844, o trabalho considerado tanto em sua acepo geral como atividade produtiva: a determinao ontolgica fundamental da humanidade (menschliches Dasein, isto , o modo realmente humano de existncia) como em sua acepo particular, na forma da diviso social do trabalho capitalista. nesta ltima forma a atividade estruturada em moldes capitalistas que o trabalho a base de toda a alienao (p. 78, grifos no original e nossos).
Na continuidade dos aspectos expostos, entendemos a partir de Mszros
(2009a) que temos quatro categorias relevantes para o entendimento radical acerca da
problemtica da alienao. Esses elementos so: Atividade (Tatigkeit), diviso do
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trabalho (Teilung der Arbeit), intercmbio (Austausch) e propriedade privada
(Privateigentum) so conceitos essenciais dessa abordagem da problemtica da
alienao (p. 78, grifos no original e nossos).
Sendo assim, a superao scio-histrica dessas mediaes as quais
estruturam e legitimam o complexo tambm scio-histrico da alienao uma
necessidade relevante para atingirmos a transcendncia positiva da alienao. Haja vista
que os quatros elementos supracitados devem ser compreendidos como fundamentos
inerentes ao funcionamento do capitalismo. Por consequncia disso, somos
impulsionados na esteira de Mszros (2009a) a compreender que a crtica realizada
por Marx com relao s categorias, citadas acima, tem como objetivo entender
radicalmente a problemtica da alienao na sociabilidade de classes.
Nesse processo, identificamos, com base em Mszros (2009a) baseado em
Marx, que o desenvolvimento das foras produtivas no se converte necessariamente em
desenvolvimento das personalidades dos indivduos. Ademais, a deformao humana
contribui com a lgica da reproduo social vigente, a qual intensifica o processo de
subsuno do trabalho ao capital.
Sob esse prisma, Mszros (2009a) explica o papel da transcendncia
positiva da alienao:
[...] O ideal de uma transcendncia positiva da alienao formulado como uma superao scio-histrica necessria das mediaes: propriedade privada intercmbio diviso do trabalho se interpem entre o homem e sua atividade o impedem de se realizar em seu trabalho, nos exerccios de
suas capacidades produtivas (criativas), e na apropriao humana dos
produtos de sua atividade (p. 78, grifos no original e nossos).
Dessa forma, elucidamos com Mszros (2009a) que, nesse conjunto, o
trabalho (atividade produtiva) o nico complexo, o qual no pode ser superado, pois
[...] o nico fator absoluto em todo o complexo: trabalho diviso do trabalho
intercmbio (p. 78, grifos nossos). Por isso, na continuidade dessa reflexo, o autor
destaca: [...] qualquer tentativa de superar a alienao deve definir-se em relao a
esse absoluto, como oposta sua manifestao numa forma alienada (p. 78, grifos
nossos).
Com efeito, Mszros (2009a) continua asseverando acerca da necessidade
de entendermos radicalmente a questo da transcendncia positiva da alienao como
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fruto de um contexto dinmico e dialtico prprio da compreenso ofertada pelo sistema
marxiano, tal como revelam as linhas abaixo:
[...] para formular a questo da de uma transcendncia positiva da alienao
no mundo real, devemos compreender, a partir do ponto de vista
anteriormente mencionado do marginal, que a forma dada do trabalho (trabalho assalariado) est relacionado com a atividade humana em geral como o particular est para o universal. Se isso no levado em conta, se a
atividade produtiva no diferenciada em seus aspectos radicalmente diferentes, se o fator ontologicamente absoluto no distinguido de sua
forma historicamente especfica, isto , se a atividade concebida devido absolutizao de uma forma de atividade particular como uma entidade homognea, ento a questo de uma transcendncia real (prtica) da
alienao impossvel de ser colocada (p.78, grifos no original e nossos).
Nessa mesma direo, partindo de uma anlise onto-histrica fundada do
sistema marxiano, compreendemos claramente que as mediaes de segunda ordem no
podem ser absolutizadas como complexos fundantes do ser social, pois o fundamento do
ser social o complexo do trabalho, conforme expressa Mszros (2009a):
Se a propriedade privada e o intercmbio forem considerados absolutos de alguma forma inerentes natureza humana , ento a diviso do trabalho, a forma capitalista da atividade produtiva como trabalho assalariado [grifo
do autor] tambm surgir como absoluta, pois elas se implicam
reciprocamente. Assim, a mediao de segunda ordem aparece como uma
mediao de primeira ordem, isto , como um fator ontolgico absoluto (p. 79, grifos nossos).
Precisamente por esse raciocnio, podemos explicar o significado da
mediao de segunda ordem de acordo com as prprias palavras de Mszros (2009a):
[...] por serem as mediaes capitalistas de segunda ordem o carter fetichista da mercadoria, troca e dinheiro; trabalho assalariado;
competio antagnica; contradies internas mediadas pelo Estado
burgus; o mercado; a reificao da cultura etc. um inerente sua essncia enquanto mecanismo de controle que eles devam escapar ao controle humano. por isso que tm de ser superado radicalmente: os expropriadores devem ser expropriados; o Estado burgus deve ser derrubado; a competio antagnica, a produo de mercadorias, o trabalho assalariado, o mercado, o fetichismo do dinheiro devem ser eliminados; a
hegemonia burguesa sobre a cultura deve ser quebrada etc.
Consequentemente, o programa de superao da alienao capitalista
pode ser concretizado como a substituio dos instrumentos
incontrolveis, reificados, do capitalismo, por instrumentos controlveis
do intercmbio humano. Pois o momento mesmo em que o homem
consegue, conscientemente, subordinar seus instrumentos realizao de
seus prprios fins, sua altrit insurmontable superada. (p. 227-8, grifos
no original e nossos).
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Reiteramos, assim, com Mszros (2009a), aps Marx e Lukcs, que nossa
anlise de fundamento ontolgico parte da categoria trabalho como a nica mediao
absoluta do ser social, pois as mediaes de segunda ordem provenientes das
necessidades humanas revelam uma forma de sociabilidade, as quais reproduzem
maneira intensificada a reproduo do trabalho explorado subsumido ao capital.
Com efeito, Mszros (2009a) retrata que o desenvolvimento da segunda
ordem de mediaes na sociedade capitalista inversamente proporcional, ou seja,
incompatvel com os desenvolvimentos das diversas potencialidades dos indivduos de
poderem controlar os meios de produo.
Ento, Mszros (2009a) sintetiza:
A substituio das mediaes de segunda ordem capitalistas, alienadas e reificadas, por instrumentos e meios de intercmbio humano
conscientemente controlados o programa scio-historicamente concreto
desta transcendncia. Quanto aos aspectos atemporais dos perigos inerentes aos prprios instrumentos, j vimos que eles no so absolutamente
atemporais, porque simples potencialidades no se podem tornar realidade
sem a interveno prtica dos agentes humanos capazes de efetiv-las, em condies scio-histricas sempre especficas. Se esse potencial permanece
ou no simples potencial, ou se transforma em realidade desumanizadora,
coisa que depende inteiramente da natureza especifica do agente humano que
intervm. Se, portanto, as mediaes de segunda ordem alienadas pelo
capitalismo que so, a priori, por sua essncia, incompatveis com o controle humano so abolidas e substitudas por instrumentos destinados realizao de objetivos humanos conscientemente adotados, ento, quaisquer
que sejam os perigos e potenciais de alienao que se possam apresentar em
qualquer fase da histria, eles devem, em princpio, ser capazes de serem
dominados e controlados humanamente (p. 229; grifos no original e
nossos).
Alm disso, as mediaes de segunda ordem representam o fundamento do
processo autoritrio de diviso social do trabalho. Por isso, entendemos que essas
mediaes de segunda ordem so complexos histricos socialmente construdos a partir
da especificidade de cada modo de produo classista peculiar ao seu momento
histrico especfico.
A fim de produzir resultados concretos, anunciaremos a concepo de Karl
Marx sobre o trabalho alienado na sociabilidade burguesa. Para tanto, nos reportando
anlise empreendida por Mszros (2009a), a qual compreende que o sistema da teoria
da alienao de fundamental relevncia para o esclarecimento de toda dialtica
presente no sistema marxiano. Dessa forma, ressaltamos que a partir do entendimento
dessa problemtica, poderemos apontar perspectivas que possam vir a contribuir para a
transcendncia positiva da alienao.
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Na continuidade desse raciocnio, Mszros (2009a) explica:
[...] Admitindo ser inconcebvel superar a alienao numa forma que possa ser considerada como absoluta e definitiva, capaz de erradicar todos os
possveis perigos e potenciais de reificao, a concepo de Marx
perfeitamente compatvel com o Aufhebung entendida como uma sucesso
de conquistas sociais, das quais a seguinte menos (na verdade,
qualitativamente menos) impregnada de alienao do que a precedente. O
que importa no apenas o volume e as propores daquilo que combatemos
como os criminologistas sabem muito bem mas a tendncia geral de desenvolvimento do fenmeno em questo. O capitalismo no se caracteriza
simplesmente pela alienao e reificao, mas tambm pela maximizao
da tendncia alienao, a tal ponto que a existncia mesma da
humanidade que est em jogo (p. 228, grifos no original e nossos).
Em outras palavras, o Aufhebung deve ser compreendido a partir da luta em
prol da tendncia decrescente de alienao em contraponto tendncia crescente da
lgica apregoada pelo capital. Isso significa que a luta contra alienao implica na
denncia da reproduo das relaes capitalistas de intensificao da explorao do
homem pelo homem. Com isso, identificamos que o capitalismo se caracteriza pela
maximizao da tendncia crescente alienao. No entanto, caso essa situao no se
modifique a existncia da prpria humanidade, a qual pode ser arruinada. Desse modo,
no podemos esquecer que a elucidao de Mszros (2009a) baseada em Marx, acerca
da transcendncia16 positiva da alienao, s possvel ser compreendida de maneira
radical, a partir da totalidade da obra de Marx.
Nesse cenrio do Aufhebung e, ao mesmo tempo, da tendncia decrescente de
alienao em contraponto lgica apregoada pelo capital, podemos compreender
16 Mszros (2009a) advoga: Na concepo marxiana contra a qual todas essas mistificaes esto voltadas tanto da alienao como a sua transcendncia devem ser definidas em termos das necessidades objetivas que caracterizam a ontologia social objetiva do ser automediador da natureza. A necessidade da alienao definida como uma necessidade inerente teleologia objetiva do autodesenvolvimento e automediao do homem, numa certa fase de desenvolvimento da atividade produtiva humana, que exige essa alienao para auto-realizao do potencial humano, mesmo
submetendo-se reificao. Como essa necessidade de alienao uma necessidade histrica, est
destinada a ser superada (aufgehonben) por intermdio do desenvolvimento histrico concreto da mesma atividade produtiva, desde que: 1) O desenvolvimento das foras produtivas permita a
negao radical da alienao capitalista; 2) O amadurecimento das contradies sociais do capitalismo
(no mais ntimo intercmbio com o desenvolvimento das foras produtivas) empurre o homem a mover-
se na direo de Aufhebung; 3) Os conhecimentos dos seres humanos sobre as caractersticas objetivas
de seus instrumentos lhes capacitem a elaborar as formas de controle e intercmbio que impeam a
reproduo das velhas contradies em nova forma; 4) A transformao radical da educao, de mero
instrumento da hegemonia burguesa num rgo de autodesenvolvimento e automediao consciente,
inspire os indivduos a produzirem segundo as suas verdadeiras capacidades humanas, unificando conhecimento e ideias, projeto e execuo, teoria e prtica, bem como integrando as aspiraes
particulares dos indivduos sociais aos objetivos, conscientemente adotados, da sociedade como um
todo (p. 230, grifos no original e nossos).
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melhor a possibilidade da transformao da tendncia crescente da alienao numa
tendncia decrescente.
Sob esse aspecto, Mszros (2009a) explica:
O que d sentido opo humana pelo socialismo no a promessa
enganadora de um absoluto fictcio (um mundo do qual todas as possveis
contradies estejam eliminadas para sempre), mas a possibilidade real de
transformar uma tendncia ameaadoramente crescente de alienao
numa tranquilizadora tendncia decrescente. Isso, em si, j seria uma
conquista qualitativa no sentido de uma superao efetiva, prtica, da
alienao e reificao. Mas outras conquistas importantes so possveis, no s no plano da inverso da tendncia geral, mas tambm em relao ao
carter substancialmente diferente auto-regulador das formas especificas da atividade humana, livres da sujeio a meios alienados a servio das
relaes sociais de produo reificadas (p. 228, grifos no original e nossos).
Com isso, destacamos que o capital reproduz a tendncia crescente da
multiplicao da alienao. Conquanto, a possibilidade radical de transformao dessa
tendncia crescente de alienao em decrescente s pode ser construda mediante
conquista da superao efetiva da alienao inerente ao capital, por meio da sua
transcendncia positiva da alienao.
Nesse quadro, ainda segundo Mszros (2009a), lutar em prol da
transcendncia positiva da problemtica da alienao a mesma luta contra a alienao
do trabalho peculiar s sociedades classistas, haja vista que a construo de um projeto
de transio socialista s pode ser realizada de maneira autntica mediante superao
radical da prpria lgica estrutural das relaes reificadas e permeadas pelo fetichismo
da mercadoria.
Por isso, cabe reiterarmos que devemos pensar questo da alienao do
trabalho e sua transcendncia positiva a partir da ontologia dialtica desenvolvida
pelo sistema marxiano, como podemos observar atravs das seguintes linhas
explicitadas por Mszros (2009a). O mesmo, por sua vez, est sempre fundamentado
em Marx:
Para encontrar uma soluo, no preciso recorrer esfera da abstrao,
porque ela dada como uma realidade potencial uma potencialidade efetiva na unidade potencial dos membros dessa oposio ou contradio prtica. Assim, a negao da alienao no uma negatividade
absoluta (vazia), mas, pelo contrrio, a afirmao positiva de uma relao de unidade, cujos membros existem realmente em oposio
efetiva um ao outro (p. 168, grifos no original e nossos).
Por consequncia disso, compreendemos que negar a alienao
compreender sua afirmao positiva de uma relao de unidade, pois numa perspectiva
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dialtica do sistema marxiano a negao no uma negao absoluta e mecnica. Ao
contrrio, a realidade potencial se revela por meio da unidade entre os membros da
oposio ou contradio prtica. Ou melhor explicando, a sobredita unidade realizada
atravs dos membros, os quais existem em oposio efetiva um em relao ao outro.
Em virtude disso, a teoria marxiana atribui um relevante destaque ao
conceito de Aufhebung, ou seja, da transcendncia positiva da alienao, como podemos
observar a partir da seguinte elucidao desenvolvida por Mszros (2009a) apoiado em
Marx:
A transcendncia da alienao no pode, dessa forma, ser medida apenas
em termos de produo per capita, ou algo semelhante. Como a totalidade do
processo envolve diretamente o indivduo, a medida do sucesso dificilmente poder ser outra que no o prprio indivduo humano-social. Em
funo de tal medida, a transcendncia da alienao sua influncia decrescente sobre os homens est na proporo inversa da auto-realizao cada vez mais pela do indivduo social. Como, porm, a auto-realizao do
indivduo no pode ser abstrada da sociedade na qual ele vive, essa questo
inseparvel da questo das relaes concretas entre o indivduo e a sociedade, ou dos tipos e formas de instituies sociais nas quais o indivduo pode ser
capaz de integrar-se (p. 231, grifos no original e nossos).
Dessa maneira, entendemos que a transcendncia positiva da alienao no
deve ser tratada como um nvel ou um indicador que ajuda a saber o grau de
desenvolvimento econmico de um pas ou regio. Ademais, Mszros (2009a)
fundamenta a extrema importncia e necessidade de estarmos debatendo acerca da
questo sobredita, a qual vem se manifestando gravemente como o processo de
reproduo da degenerescncia humana. Esta, por sua vez, revela-se por meio da
intensificao da lgica estrutural da subsuno do trabalho explorado ao capital.
Precisamente por isso, Mszros (2009a) afirma que se desejamos apontar perspectivas
para a superao dos fundamentos classistas necessrio recorrermos s razes dessa
temtica plenamente atual, a qual objetivada violentamente na sociabilidade burguesa.
Assim, a necessidade de recorrermos aos fundamentos ontolgicos do
mundo dos homens primordial, pois estamos optando por uma anlise radical com o
objetivo de tentarmos compreender de forma autntica o fundamento ontolgico do ser
social. Com isso, colocamo-nos o desafio de construir um ensaio de compreenso acerca
da alienao como um complexo que no inerente ao mundo dos homens e, ao mesmo
tempo, que pode ser transcendido. nesse contexto que situaremos os fundamentos da
problemtica da alienao.
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Por isso, partimos especialmente dos Manuscritos de 1844 de Marx, para
chegarmos compreenso dos fundamentos ontolgicos do trabalho alienado como um
complexo histrico e possvel de ser transcendido com a superao da sociabilidade de
classes. Portanto, destacamos que o filsofo explicita trs crticas importantes, presentes
no s em seus Manuscritos de 1844, mas na totalidade de sua obra: 1) economia
poltica, 2) concepo hegeliana de alienao e 3) concepo da poltica.
Com relao a essa terceira crtica acima mencionada, podemos adotar
algumas passagens de diferentes obras de Marx que clarificam o carter da poltica
como um obstculo ao processo de emancipao dos indivduos.
Precisamente por isso, traremos algumas citaes que revelam o carter onto-negativo
da poltica. Para tanto, destacamos a obra A Misria da Filosofia, na qual Marx (2004)
explica a necessidade de superarmos a poltica, tendo em vista que a existncia desta
assume a funo primordial de reproduo da sociabilidade de classes, ou seja, [...] Isto
quer dizer que depois da queda da antiga sociedade haver uma nova dominao de
classe, ou resumindo, um novo poder poltico? No (p. 215, grifos nossos).
Nesse cenrio, ainda de acordo com Marx (2004), entendemos que: [...] A
condio de libertao da classe laboriosa a abolio de todas as classes, da mesma
maneira como a condio de libertao do terceiro estado, da ordem burguesa, foi a
abolio de todas as ordens (p. 215, grifos nossos).
Nessa direo, entendemos que no estgio avanado de desenvolvimento
humano efetivo, com a existncia de igualdade de oportunidades para todos os
indivduos, teremos a extino de todas as prxis sociais que assumem a funo de
reproduzir a sociabilidade de classes, a exemplo d