a problematica da alienacao e seus rebatimentos no complexo da educacao no contexto da crise...

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  UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDA DE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA  SAMARA ALMEIDA CHAVES BRAGA A PROBLEMÁTICA DA ALIENAÇÃO E SEUS REBATIMENT OS NO COMPLEXO DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL FORTALEZA 2015

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Partindo do onto-método marxiano lukacsiano, análisa-se a problemática da alienação em Marx

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO BRASILEIRA

    SAMARA ALMEIDA CHAVES BRAGA

    A PROBLEMTICA DA ALIENAO E SEUS REBATIMENTOS NO

    COMPLEXO DA EDUCAO NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL DO

    CAPITAL

    FORTALEZA

    2015

  • SAMARA ALMEIDA CHAVES BRAGA

    A PROBLEMTICA DA ALIENAO E SEUS REBATIMENTOS NO

    COMPLEXO DA EDUCAO NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL

    DO CAPITAL

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Educao Brasileira da Faculdade de Educao da

    Universidade Federal do Cear como requisito final

    para a obteno do ttulo de Doutora em Educao.

    Orientadora: Prof PhD. Josefa Jackline Rabelo

    Coorientadora: Prof PhD. Susana Vasconcelos

    Jimenez

    FORTALEZA

    2015

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    Universidade Federal do Cear

    Biblioteca de Cincias Humanas

    B795p Braga, Samara Almeida Chaves.

    A problemtica da alienao e seus rebatimentos no complexo da educao no

    contexto da crise estrutural do capital / Samara Almeida Chaves Braga. 2015. 204 f. , enc. ; 30 cm.

    Tese (doutorado) Universidade Federal do Cear, Faculdade de Educao, Programa de PsGraduao em Educao Brasileira, Fortaleza, 2015.

    rea de Concentrao: Marxismo, educao e luta de classes.

    Orientao: Profa. Dra. Josefa Jackline Rabelo. Coorientao: Profa. Dra. Maria Susana Vasconcelos Jimenez.

    1.Marx,Karl,1818-1883 Crtica e interpretao. 2.Lukcs,Gyrgy,1885-1971 Crtica e interpretao. 3.Mszros,Istvn,1930- Crtica e interpretao. 4.Alienao(Filosofia).

    5.Capital(Economia). 6.Crise econmica. 7.Educao Filosofia. I. Ttulo.

    CDD 370.1

    _________________________________________________________________________________

  • SAMARA ALMEIDA CHAVES BRAGA

    A PROBLEMTICA DA ALIENAO E SEUS REBATIMENTOS NO

    COMPLEXO DA EDUCAO NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL

    DO CAPITAL

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Educao Brasileira da

    Universidade Federal do Cear, como requisito

    parcial obteno do ttulo de doutora em

    Educao Brasileira. rea de concentrao:

    Educao.

    Aprovada em: 29/05/2015

    BANCA EXAMINADORA:

    ____________________________________________________

    Prof. PhD. Josefa Jackline Rabelo-Orientadora

    Universidade Federal do Cear (UFC)

    ___________________________________________________

    Prof. PhD. Susana Vasconcelos Jimenez-Coorientadora

    Universidade Federal do Cear (UFC)

    __________________________________________________

    Prof. Dra. Maria das Dores Mendes Segundo

    Universidade Estadual do Cear (UECE)

    _________________________________________________

    Prof. Dra. Ruth Maria de Paula Gonalves

    Universidade Estadual do Cear (UECE)

    ___________________________________________________

    Prof. Dra. Betnea Moreira de Moraes

    Universidade Estadual do Cear (UECE)

  • A Deus; ao meu fiel companheiro

    Alexandre; aos meus pais Tnia e

    Fernando; e aos meus irmos Emanuel e

    Kennedy.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao meu pai, Fernando, e minha me Tnia, pelo exemplo de pais, que se

    dedicaram a vida inteira aos seus filhos, e que mesmo s custas de muitas

    privaes, sempre priorizaram nossa formao.

    Ao meu marido Alexandre, por estar sempre presente em todos os momentos

    alegres e tristes de minha vida.

    Aos meus irmos, Emanuel e Kennedy, que prematuramente me deram a

    oportunidade de sentir a responsabilidade do sentimento de maternidade.

    professora orientadora Jackline Rabelo, por sua amizade e por me inspirar a

    ser um ser humano melhor, com seu exemplo de personalidade em busca do

    no-particularismo.

    professora coorientadora, companheira de luta, referncia intelectual, amiga e

    segunda me, Susana Jimenez, pela generosidade, integridade, confiana,

    pacincia, amizade e militncia.

    professora Ruthinha, por sua participao da nossa banca examinadora e por

    ser uma amiga em todos os momentos.

    professora Mendes Segundo, por sua amizade, por seu companheirismo, por

    sua humildade, por sua generosidade, por aceitar o convite para participao da

    nossa banca examinadora, pela correo cuidadosa do texto da qualificao e

    pelas importantes sugestes.

    professora Betnea Moraes por ter me apresentado a Ontologia do Ser Social,

    e que por este referencial, passei a compreender melhor a vida. Obrigada por

    aceitar o convite para participao da nossa banca examinadora e por estimular

    questes bastante instigantes acerca da problemtica da alienao.

    amiga e professora Tereza Buonomo, pela amizade, por acreditar em mim e

    pelo apoio em todos os momentos.

    Ao Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operrio (IMO) por ser um

    espao, genuinamente, em defesa da classe trabalhadora.

  • Aos companheiros do IMO e da linha de pesquisas Marxismo, Educao e Luta

    de Classes, pelo convvio inesquecvel, o aprendizado e afeto, principalmente,

    Valdemarin, Osterne, Deribaldo, Marcos Flvio, Adele, Stephane, Antnio,

    Eveline, Ngela, Isadora, Solonildo, Kildilene, Eric e Valesca.

    Aos companheiros de orientao da UECE/UFC, sobretudo, Marteana, Helena

    Freres, Simone, Cleide, Helena Holanda, Fabiano, Rosangela, Emanuel, Cesar,

    Daniele Kelly, Gorete e Escolstica pelo apoio, carinho e conversas

    extremamente agradveis e inspiradoras.

    professora Maria Norma Holanda da UFAL, por sua ateno em ter nos

    enviado sua valorosa tese de doutoramento.

    Aos professores Airton de Farias, Benedito, Lcio Caminha, Isade Bandeira,

    Socorro Lucena, Jeannete Ramos, Frederico Costa pelo apoio e respeito.

    s queridas amigas Adlia, Airles e Glacia companheiras de todos os

    momentos.

    Aos irmos de caminhada cultivados ao longo da nossa histria Germana,

    Edjalmo, Herman, Renata, Kelly, Michele, Sandrinha, Carlos Buriti, Giovanni,

    Madelyne, Rochele, Beto, Cristina, Caf, Adriano, Alessandra, Jomara, George,

    Patrcia, Douglas, Karla Jane, Fatinha e Edmar.

    s queridas avs: av-paterna Naide e av-materna Duvirgem, pelo incentivo,

    carinho e companheirismo.

    s cunhadas e amigas Beninha e Valria.

    psicloga Dra. Maria do Carmo, fonoaudiloga Dra. Jacele, educadora

    fsica Meire e aos fisioterapeutas Dr. Adriano e Dra. Silvia.

    Aos alunos, professores e funcionrios da Escola de Ensino Fundamental e

    Mdio Jos Bezerra de Menezes, pelo apoio, incentivo e compreenso.

    Aos trabalhadores do mundo inteiro.

  • Mediao no deve ser confundida com gradualismo e reformismo, mesmo que envolva medidas que apenas possam ser

    implementadas passo a passo. O que decide a

    questo o modo pelo qual os passos parciais

    so integrados numa estratgia coerente

    global, cujo alvo no apenas a melhoria do

    padro de vida dos trabalhadores (que so

    estritamente conjunturais e, em todo caso,

    reversveis), mas a reestruturao radical da

    diviso de trabalho estabelecida (Mszros,

    2009, p. 630, aspas do autor).

  • Resumo

    O objetivo do trabalho explorar a problemtica da alienao a partir dos

    pressupostos de Marx e Lukcs, elucidando, ademais, as expresses fundamentais da

    alienao no quadro da crise estrutural do capital, conforme Mszros, com destaque

    para o lugar do complexo educacional no referido contexto. Tomando o marxismo

    como uma ontologia, recuperamos os elementos essenciais de compreenso do

    trabalho, como complexo fundante do ser social e, por esse prisma, alcanamos a

    forma histrica assumida pelo trabalho na sociedade do capital, assinalando o

    trabalho abstrato como base para o entendimento do trabalho alienado, fundamento

    das mltiplas e complexas formas de manifestao da alienao na prxis social.

    Passamos, ento, a examinar a problemtica da alienao no contexto da sobredita

    crise contempornea do capital, ressaltando com Mszros, os fatores que demarcam

    a agudizao da barbrie contempornea, regida pela produo do desperdcio como

    modus operandi do sociometabolismo do capital. Nesse sentido, nosso estudo

    pretende contribuir para a desmistificao das personificaes alienantes do

    sociometabolismo do capital em crise estrutural, incluindo o tipo formao humana fragmentada, mercantilizada, esvaziada do conhecimento socialmente relevante ofertada aos trabalhadores no mundo contemporneo. Ao mesmo tempo, reafirma a

    necessidade e possibilidade histrica de construo de um projeto de transio

    socialista em direo emancipao humana.

    Palavras-Chaves: Alienao; crise estrutural do capital; educao; formao

    humana.

  • Abstract

    The paper aims to explore the problem of alienation, based upon the assumptions of

    Marx and Lukcs, further, elucidating the fundamental expressions of alienation

    within the framework of the structural crisis of capital, accordind to Mszros, with

    emphasis on the place of the educational complex in that context. Taking Marxism as

    an ontology, we retrieve the essential elements required to understand work as the

    founding complex of social being, and, from this standpoint, we achieve the historical

    form taken by work in the capital society, assuming abstract labor as the basis of

    alienated work, which, in its turn, constitutes the foundation for the multiple and

    complex forms of manifestation of alienation in social praxis. We go on to examine

    the problem of alienation in the context of the aforesaid present crisis of capital,

    pointing out with Mszros, the factors that demarcate the exacerbation of

    contemporary barbarismo, led by the waste production as the modus operandi of

    sociometabolism of capital in the state of structural crisis. In this sense, our study

    aims to contribute to the demystification of the alienated personifications of

    sociometabolism of capital in structural crisis, including the type of human formation

    fragmented, coomodified, emptied of social relevance offered to the workers in the contemporary world. At the same time, it reaffirms the historical need and

    possibility of constructing a project of Socialist transition towards human

    emancipation.

    Keywords: Alienation; structural crisis of capital; education; human formation.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................ Erro! Indicador no definido.

    2 O TRABALHO ALIENADO EM MARX ....................... Erro! Indicador no definido.

    2.1 MANUSCRITOS DE PARIS ........................................... Erro! Indicador no definido.

    2.2 O trabalho alienado no Captulo V de O Capital ............ Erro! Indicador no definido.

    3 A FORMA ATUAL DA ALIENAO NA PERSPECTIVA DA ONTOLOGIA

    DO SER SOCIAL DE LUKCS ................................ Erro! Indicador no definido.

    3.1 Um breve resgate dos fundamentos ontolgicos da alienaoErro! Indicador no definido.

    3.2 Elementos para compreender a forma atual da alienaoErro! Indicador no definido.

    3.2.1 Economia, violncia e alienao ....................................... Erro! Indicador no definido.

    3.2.2 A ideologia da alienao burguesa ................................... Erro! Indicador no definido.

    4 ALIENAO NA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL LUZ DE

    MSZROS ................................................................ Erro! Indicador no definido.

    4.1 Elementos de compreenso da crise estrutural do capitalErro! Indicador no definido.

    5 REBATIMENTOS DA ALIENAO NO COMPLEXO DA EDUCAO NO

    CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITALErro! Indicador no definido.

    6 CONSIDERAES FINAIS ............................................. Erro! Indicador no definido.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................. Erro! Indicador no definido.

  • 12

    1 INTRODUO

    Este estudo pretende somar esforos no campo de investigao da

    problemtica da alienao no mbito da crise estrutural do capital e seus rebatimentos

    no complexo da educao. Temos em vista que o projeto em prol da emancipao

    humana transforma-se em uma urgncia histrica, sob pena de a humanidade arruinar-

    se em tempos de barbrie social, sobremaneira, no contexto de crise estrutural do

    capital conforme elucida Mszros (2006b).

    Nesse cenrio, o discurso dominante vem proclamando o fim da histria e

    da concepo histrica do comunismo1. Entretanto, compreendemos que a perspectiva

    revolucionria em prol da construo do reino da liberdade no est morta, ao

    contrrio, h uma necessidade urgente do entendimento acerca da problemtica da

    alienao em sua forma de explorao do homem pelo homem (LUKCS, 1981).

    Sendo assim, na contramo da lgica do capital, diante dos mais diversos

    referenciais tericos que, direta ou indiretamente, fazem apologia reproduo do

    1 Com efeito, Mszros (2009a) explica o autntico significado de comunismo para Marx: [...] Quando o comunismo se transforma num humanismo positivo que parte de si mesmo, deixa necessariamente de ser poltica. A distino marxiana crucial est entre o comunismo como o movimento poltico o qual se encontra limitado a uma determinada fase da histria do desenvolvimento humano e o comunismo como uma prtica social abrangente. Esse segundo sentido o que Marx tem em vista,

    quando escreve que este comunismo , enquanto naturalismo consumado=humanismo, e enquanto humanismo=naturalismo consumado (p. 148, grifos no original e nossos). Em outra passagem, Mszros assinala que: A grande dificuldade consiste nisso, que a transcendncia positiva da alienao deve comear com medidas polticas, porque numa sociedade alienada no existem agentes sociais que

    possam efetivamente restringir, e muito menos superar, a alienao. Se, contudo, o processo comea

    com um agente poltico que deve estabelecer as precondies da transcendncia, seu xito

    depender da autoconscincia desse agente. Em outras palavras, se esse agente, por uma ou outra

    razo, no puder reconhecer seus prprios limites e ao mesmo tempo limitar suas prprias aes a esses

    limites, ento os perigos de fixar mais uma vez a sociedade frente a esse indivduo sero acentuados. Nesse sentido, a poltica deve ser concebida como uma atividade cuja finalidade sua prpria negao,

    por meio do preenchimento de sua funo determinada como uma fase necessria ao complexo

    processo de transcendncia positiva da alienao. assim que Marx descreve o comunismo como um

    prncipio poltico. Ele ressalta sua funo como a negao da negao e, portanto, limita-o ao estgio prximo do desenvolvimento histrico, chamando-o de princpio energtico de futuro prximo. Segundo alguns intrpretes, Marx se refere, aqui, ao comunismo rude, igualitrio, como o proposto por Babeuf e seus seguidores. Mas essa interpretao no de modo algum convincente. No s porque

    Marx fala com a aprovao desse comunismo rude, igualitrio, mas principalmente porque podemos encontrar vrios outros lugares nos Manuscritos de Paris em que ele, em diferentes contextos, faz a

    mesma observao. Sua posio a de que o comunismo de natureza poltica ainda afetado pelo estranhamento do homem. Como a negao da propriedade privada, uma forma de mediao. (Isto ,

    ele sustenta uma posio mediante a negao de seu oposto. E a negao de uma negao, porque nega a propriedade privada, que em si uma negao da essncia humana. No se trata de uma posio por si mesma, o que significa que, enquanto essa mediao perdurar, alguma forma de alienao existir com ela (p. 148, grifos no original e nossos).

  • 13

    capitalismo, situamo-nos numa perspectiva de compreenso do real que explicita os

    fenmenos sob investigao em conexo com o processo de reproduo social e as

    mazelas sociais provenientes das relaes fundadas na explorao do homem pelo

    homem.

    Dessa maneira, na obra A Teoria da Alienao em Marx, Mszros (2009a)

    revela que s podemos compreender plenamente a problemtica da alienao2 em Marx

    mediante o entendimento de que tal questo apresenta um carter inerentemente

    dinmico, como demonstram as linhas abaixo:

    [...] inerentemente dinmico: um conceito que necessariamente implica

    mudana. A atividade alienada no produz s a conscincia alienada, mas tambm a conscincia de ser alienado. Essa conscincia da alienao, qualquer que seja a forma alienada que possa assumir por exemplo, vendo a autoconfirmao como [estar] junto de si na no-razo enquanto no-razo no somente contradiz a ideia de uma totalidade alienada inerte, como tambm indica o aparecimento de uma necessidade de superao

    da alienao (p. 166, grifos no original e nossos).

    Destarte, fazemos questo de ressaltar que iremos situar o nosso estudo na

    perspectiva defendida por Mszros (2009a), na qual o tratamento dado a teoria da

    alienao em Marx s pode assumir um carter dinmico na perspectiva da dialtica do

    pensamento marxista. Alm do mais, Mszros (2009a) advoga acerca da extrema

    relevncia da problemtica da alienao para o desenvolvimento do sistema marxiano,

    tal como revela as linhas abaixo:

    [...] o conceito de alienao um pilar de importncia fundamental

    para o sistema marxiano como um todo, e no apenas um tijolo dele.

    Abandon-lo, ou traduzi-lo unilateralmente, equivaleria, portanto, a nada

    menos do que a demolio total do prprio edifcio, e quem sabe a reconstruo de apenas sua chamin. No h dvida de que algumas pessoas

    estiveram ou ainda esto empenhadas em tais operaes, tentando construir suas teorias cientficas com base em escombros decorados com terminologia marxista. A questo que os seus esforos no devem

    ser confundidos com a prpria teoria marxista (p. 207, grifos nossos).

    2Nesse sentido, vale destacar o relevante papel do processo da transcendncia positiva da alienao para

    a superao da comunidade enquanto capitalista universal, conforme revela Mszros (2009a) apoiado

    em Marx: [...] concluso de que a apropriao do capital pela comunidade no significa o fim da alienao. Pois mesmo se a comunidade dona do capital e o princpio da igualdade dos salrios

    levado a cabo, na medida em que a comunidade de trabalho (isto , de trabalho assalariado), toda a

    relao de estranhamento sobrevive em uma forma diferente. Nessa nova forma, o trabalho elevado a

    uma universalidade representada, mas no conquista o nvel e a dignidade humanos, no aparece como um fim em si, porque confrontado com outra universalidade representada: a comunidade enquanto o capitalista universal. Somente se essa relao de confronto com um poder exterior a si, que significa o mesmo que ser um fim em si mesmo, for superada, poderemos falar de uma

    transcendncia positiva da alienao (p. 121, grifos no original e nossos).

  • 14

    Precisamente sob essa mesma argumentao, entendemos com Mszros

    (2009a) que o real significado da alienao do trabalho, em Marx, s pode ser

    compreendido a partir do conceito da sua transcendncia positiva3, como podemos

    observar por meio da seguinte citao:

    [...] Se concebemos, portanto, uma sociedade na qual a alienao foi

    totalmente superada, no h lugar para Marx. Ela no teria, claro,

    nenhuma conquista final seria, porm, bastante problemtico. A moldura

    para a avaliao adequada desse problema do desenvolvimento humano

    deve ser a concepo dialtica da relao entre a continuidade e a

    descontinuidade isto , descontinuidade na continuidade e a continuidade na descontinuidade , mesmo que se coloque nfase possvel s diferenas qualitativas entre as fases comparadas (p. 167, grifos

    no original e nossos).

    Desse modo, referenciamo-nos, na perspectiva ontolgica do marxismo,

    entendendo que este referencial dialtico permite-nos examinar, pela raiz, as

    contradies do real e, ao mesmo tempo, lanar perspectivas de construo do reino da

    liberdade. Em consequncia disso, compreendemos que a autntica criao de um

    projeto de transio socialista s possvel mediante a possibilidade da transcendncia

    positiva da alienao do trabalho.

    Com efeito, Mszros (2009a) fundamentado em Marx, afirma:

    A supresso da atividade alienada por intermdio da prtica humana

    autoconsciente no uma relao esttica de um meio com relao a um

    fim, sem nenhuma possibilidade de influncia mtua. Nem uma cadeia

    causal mecanicista pressupondo partes pr-fabricadas que no poderiam ser

    modificadas na relao sua posio respectiva est sujeita mudana, como a de duas bolas de bilhar depois da coliso. Do mesmo modo que a

    alienao no um ato nico (seja uma queda misteriosa ou resultado mecnico), seu oposto, a superao da atividade alienada por meio da

    iniciativa autoconsciente, s pode ser concebido como um processo

    complexo de interao, que produz mudanas estruturais em todas as

    partes da totalidade humana (p. 167, grifos no original e nossos.)

    3Na tentativa de esclarecer o papel da transcendncia positiva da alienao, Mszros (2009a) explica: O procedimento de Marx , ento, o de partir de uma anlise econmica concebida como a base terica de uma ao poltica desejada. Isso no significa, porm, que ele identifique a transcendncia com essa ao poltica. Ao contrrio, ele com frequncia ressalta que a alienao da atividade produtiva s

    pode ser superada definitivamente na esfera da produo. A ao poltica s pode criar as condies

    gerais; as quais no so idnticas superao efetiva da alienao, mas sim um pr-requisito

    necessrio a ela. O processo concreto de superao propriamente dito est no futuro, bem frente do

    perodo da ao poltica que cria as condies necessrias para que se inicie o processo de

    transcendncia positiva. No podemos dizer a que distncia est esse processo no futuro, porque isso

    depende de muitas condies, inclusive do desenvolvimento cientfico. De qualquer modo, no pode

    haver dvidas de que o velho Marx localizou esse processo de transcendncia positiva num futuro

    ainda mais distante do que o jovem Marx (p. 120-1, grifos no original e nossos).

  • 15

    Dessa forma, Mszros (2009a) identifica que o sistema marxiano no

    adota a problemtica da alienao como um resultado mecnico e nem to pouco como

    um ato nico. Muito pelo contrrio, s podemos vislumbrar a possibilidade da

    transcendncia positiva da alienao nos termos marxista caso possamos encar-la

    como sendo um processo complexo de interao.

    Nessa direo, Mszros (2009a) revela o que significa a concepo de

    transcendncia4 positiva da alienao em Marx:

    Os conceitos alienao e transcendncia esto estreitamente inter-relacionados, e assim, se algum fala de histria em termos de alienao,

    no poder esquecer o problema de sua transcendncia. To logo se

    compreende isso, surge uma questo vital: o que se entende por superao

    ou transcendncia positiva da alienao? No existe perigo maior de mal-

    entendidos e falsas interpretaes do que, precisamente, nesse contexto. Em

    especial se houver e onde no h? contingncias sociais que possam tentar as pessoas a adotar uma viso deformada autocomplacente. O sonho

    da idade de ouro no teve origem ontem e pouco provvel que desaparea amanh. Seria contra o esprito da concepo geral de Marx pretender resolver o problema da Aufhebung, de uma vez por todas, na

    forma de uma idade de ouro utpica, tpica de contos de fada. Na viso de

    Marx que no pode reconhecer nada como absolutamente final no pode haver lugar para uma idade de ouro utpica, nem ali na esquina, nem a uma distncia astronmica. Tal idade de ouro seria o fim da

    histria, e com isso o fim do prprio homem (p. 221, grifos no original e

    nossos).

    Sob a concepo da transcendncia positiva da alienao, ressaltamos que

    o seu entendimento ontolgico fundamentado, sobretudo, na perspectiva da dialtica

    marxiana. Na qual presenciamos um movimento dinmico caracterizado pelo processo

    existente entre a descontinuidade na continuidade e a continuidade na descontinuidade.

    Isso significa que a transcendncia positiva da alienao deve ser pensada

    dialeticamente, pois o existente transformado em novo por meio da descontinuidade

    e, logo imediatamente, a nova criao consolidada com elementos da continuidade

    4 Com isso, Mszros (2009a) argumenta: [...] Somente o indivduo humano real capaz de realizar a unidade dos opostos (vida pblica-vida privada; produo-consumo; fazer-pensar; meios-fins), sem

    a qual no tem sentido falar em superao da alienao. Essa unidade significa no s que a vida

    privada tem de adquirir a conscincia prtica de seu embasamento social, mas tambm que a vida

    pblica tem de ser personalizada, isto , tem de tornar-se modo natural existente do indivduo real; no

    somente o consumo passivo deve transformar-se em consumo criativo (produtivo, enriquecedor do

    homem), mas tambm a produo deve tornar-se gozo; no s o ter abstrato sem sujeito deve adquirir um ser concreto, mas tambm o ser ou sujeito fsico no se pode transformar num ser humano sem ter, sem adquirir a capacidade no-alienada da humanidade; no s o pensar a partir da abstrao deve tornar-se pensamento prtico, relacionado diretamente com as necessidades

    reais e no-alienadas ou alienadas do homem, mas tambm fazer deve perder seu carter coercitivo inconsciente e tornar-se atividade livre autoconsciente (p. 169, grifos no original e nossos).

  • 16

    previamente existente. Nesse sentido, vale reiterar que o sistema marxiano s pode ser

    entendido atravs de uma forma de pensar dialtica e dinmica.

    Precisamente por esse posicionamento, traremos como uma das relevantes

    contribuies para o desenvolvimento da nossa tese, a obra Para uma ontologia do ser

    social que representa a obra de maturidade de Lukcs, na qual, o filsofo opera, por

    excelncia, uma autntica recuperao do pensamento ontolgico de Marx5.

    Nessa linha de raciocnio, Tertulian (2001, p. 43) reafirma a fidelidade de

    Lukcs ao pensamento ontolgico marxiano na obra acima citada, advogando, desse

    modo, que no referido livro, assim como durante sua longa e complexa trajetria,

    Lukcs jamais abandonou o conceito de conscincia de classe, como fizeram por

    exemplo Habermas e Adorno, dentre outros tericos, que buscaram por fora das

    categorias marxianas fundamentais, as explicaes mais profundas para os grandes

    problemas levantados no seu tempo histrico, como a falncia da prpria revoluo

    socialista.

    Da mesma forma, Lessa (2007) expe alguns elementos sobre a trajetria

    do filsofo hngaro at a construo de sua Ontologia, posteriormente Esttica,

    sendo oportuno, aqui, recuper-los:

    Georg Lukcs uma personalidade singular na filosofia contempornea.

    Ainda muito jovem, com o livro A alma e as formas (1910) obtm lugar de

    destaque no cenrio europeu. Alguns anos aps, abandona as influncias

    kantianas deste escrito e adere ao Partido Comunista Hngaro. O primeiro

    momento da sua trajetria marxista resultou na sua produo de um

    dos textos mais significativos e de maior influncia deste sculo, Histria

    e Conscincia de Classes6 e, tomando contato com os Manunscritos de

    1844 de Marx, inicia sua investigao ontolgica, na maior parte das vezes

    pela mediao da esttica (p. 11, grifos no original e nossos).

    Ainda, arrematando a importncia da recuperao ontolgica da obra de

    Marx, operada por Lukcs, Lessa (2007) salienta:

    [...] a Ontologia lukacsiana tem por objetivo demonstrar a possibilidade

    ontolgica da emancipao humana, da superao da barbrie da

    explorao do homem pelo homem. Independente de se concordar ou no

    com o filsofo hngaro, o tema sobre o qual se debruou, e a competncia

    com o que o fez, tornam sua obra um marco do pensamento

    contemporneo (p. 13, grifos no original e nossos).

    5 Como ser anotado adiante, somente nos anos 30 do sculo XX, o autor teve acesso aos Manuscritos

    Econmico-Filosficos de 1844, dentre outras obras de Marx. 6 Devido aos limites do nosso tempo, no nos debruaremos sequer minimamente sobre sua polmica

    obra Histria e Conscincia de Classe, produzida pelo autor em 1923, antecedendo, portanto, em longas

    dcadas, ao desenvolvimento de sua obra Para uma ontologia do ser social, precedida pela Esttica.

  • 17

    Vale ressaltar que, nesse contexto, a pretenso de Lukcs era que essa

    relevante obra se traduzisse em uma grande introduo quela que o autor pretendia

    dedicar-se sobre a base da Ontologia, a tica. Devido morte de Lukcs, sua tica no

    pode ser desenvolvida, sequer sua Ontologia do Ser Social apresenta uma redao

    final.

    Dessa maneira, contextualizando em linhas gerais a importncia de Lukcs

    para a recuperao da ontologia do ser social no pensamento marxiano, vale reafirmar

    que este mantm-se fiel construo de uma teoria autenticamente revolucionria,

    oferecendo contribuies compreenso da gnese e da processualidade onto-histrica

    do ser social.

    importante assinalar que, referenciando-nos em Tertulian (1996a; 1996b,

    2001); Konder (2009); Lessa7 (2007); Norma Alcntara (2005); e Costa, G. (2005), no

    nosso texto Entausserung e Entfremdung sero traduzidos, respectivamente, como

    exteriorizao e alienao. Longe de nos debruar sobre essa polmica, gostaramos de

    deixar claro que, para os propsitos da nossa exposio, entendemos alienao e

    estranhamento como sinnimos.

    Alm do mais, a alienao e sua transcendncia positiva deve ser

    entendida em termos de uma necessidade ontolgica, tal como elucida Mszros

    (2009a) nas linhas que seguem abaixo:

    Como tanto a alienao quanto a Aufhebung devem ser compreendidas, segundo Marx, em termos de necessidade ontolgica, uma concepo

    histrica correta depende da interpretao de tal necessidade. O

    determinismo econmico como uma hiptese histrica uma contradio

    em termos, porque ele implica a negao final da histria. Se a histria

    significa alguma coisa, ela tem de ser aberta. Uma concepo histrica adequada deve, portanto, estar aberta ideia de uma ruptura da cadeia de

    determinaes econmicas reificadas, fetichistas, cegas etc. (Com efeito, uma transcendncia da alienao inconcebvel sem o rompimento

    dessa cadeia.) Obviamente, tal ideia inadmissvel do ponto de vista do

    determinismo econmico que deve, portanto, negar a histria, ao tomar sua prpria posio a-histrica como absoluta, e transformando-a em uma suposta estrutura permanente (p. 110, grifos no original e nossos).

    A partir dos fundamentos da ontologia, apropriarmo-nos da complexa

    problemtica do trabalho alienado, levando em conta seus desdobramentos essenciais

    sobre as diversas dimenses da sociabilidade regida pela luta de classes. Em outras

    7 A esse respeito, Lessa (2007) esclarece: [...] estou hoje seguro de que a melhor traduo para as duas categorias marxiano-lukacsianas alienao para Entfremdung e exteriorizao para Entusserung,

    como primeiro havia sugerido Leandro Konder. (p. 15, grifos no original e nossos).

  • 18

    palavras, abordamos as objetivaes e exteriorizaes do trabalho alienado que se

    transformam em obstculos ao pleno desenvolvimento da relao individualidade-

    generidade, revelando o acirrado processo de explorao do homem pelo homem.

    Tal estado de coisas muito bem representado pelas sociedades de classes

    em uma de suas legitimaes mais cruis, que a propagao crescente da alienao.

    Para Mszros (2009a) apoiado em Marx a questo da alienao est: [...] diretamente

    relacionada questo do produto excedente e da mais-valia; e as vrias fases do

    desenvolvimento da economia poltica so caracterizadas por Marx de acordo com sua

    posio com respeito origem da natureza da mais-valia (p. 130, grifos nossos).

    Sendo assim, o nosso estudo no poderia deixar de afirmar, no mesmo

    terreno ontolgico, a possibilidade da construo da transcendncia8 positiva da

    alienao do trabalho, de acordo com a elucidao exposta por Mszros (2009a)

    fundamentado em Marx, como ilumina a seguinte citao:

    [...] o conceito de transcendncia positiva da auto-alienao no trabalho teve de ser colocado em segundo plano, numa poca em que o marxismo iniciava a jornada de trabalho para sua realizao prtica na forma

    de movimento sociopolticos parciais (nacionais) isto , o marxismo estava

    sendo transformado de uma teoria global em movimentos organizados que,

    durante um longo perodo histrico por toda poca da defesa de posies duramente conquistadas , tiveram de permanecer parciais e limitados. Ao contrrio, o carter evidentemente global da crise do nosso tempo exige

    remdios globais: isto , a transcendncia positiva da auto-alienao do trabalho em toda a sua multifacetada complexidade condicionante. No se sugere, evidente, que na atual situao mundial os problemas

    diagnosticados inicialmente por Marx jamais pretendeu ser uma receita para solues messinicas, como veremos adiante. A questo que em nossa poca torna-se historicamente possvel e cada vez mais necessrio, tambm atacar os problemas cotidianos enfrentados pelos movimentos socialistas em todo o mundo a partir de perspectivas adequadas: como direta

    ou indiretamente relacionados com a tarefa fundamental da

    8 Sob esse aspecto, Mszros (2009a) ressalta que: Nada poderia estar mais longe da verdade do que afirmar no importa de que ponto de vista que a 1845 em diante Marx j no se interessa pelo homem e por sua alienao, porque sua ateno crtica desviou-se para outra direo, pela

    introduo dos conceitos de classes e proletariado. Como j vimos, esses conceitos adquiriram uma importncia crucial no pensamento de Marx j em 1843. Devemos ressaltar que se por homem entendemos, como fizeram os opositores de Marx, o homem abstrato, ou o Homem em geral que abstrado de todas as determinaes sociais, ento isso est totalmente fora de questo. Ele, na verdade, nunca esteve interessado por esse Homem, nem mesmo antes de 1843, e muito menos na poca em que escreveu os Manuscritos econmico-filosficos de 1844. Por outro lado, o homem real, o ser automediador da natureza, o indivduo social, nunca desapareceu do seu horizonte. Mesmo no fim de sua vida, quando estava trabalhando no terceiro volume do capital, Marx defendia para os seres

    humanos as condies mais favorveis sua natureza humana, e mais dignas dela. Assim, a sua preocupao com as classes e com o proletariado em particular continuaram para ele sempre

    idnticas sua preocupao com a emancipao humana geral um programa estabelecido claramente na mesma Crtica da filosofia do direito de Hegel Introduo, obra de juventude. E esse programa, formulado nessas palavras, apenas outra expresso daquilo que ele chamou em outro

    lugar de transcendncia positiva da alienao (p. 200-1, grifos no original e nossos).

  • 19

    transcendncia positiva da auto-alienao do trabalho (p. 25-6, grifos no original e nossos).

    Precisamente sob a mesma continuidade dos elementos expostos,

    compreendemos que o sistema marxiano junto com o seu conceito de transcendncia

    positiva da alienao, no pode ser tratado como uma receita ou um sistema fechado e

    acabado. Ao contrrio, vivemos em tempos nos quais necessidade de pensarmos

    dialeticamente o sistema sobredito uma necessidade histrica sob pena da

    humanidade no se arruinar. Pois diante do carter devastador da crise estrutural do

    capital, na concepo de Mszros (2009a) fundamentada em Marx, a humanidade

    necessita construir um projeto de transio socialista em prol da transcendncia

    positiva da alienao.

    Vale destacar que conforme sustenta Mszros (2009a) em sua obra A

    teoria da alienao em Marx o ncleo central da anlise de Marx, para alm da

    compreenso do trabalho alienado, em suas razes na sociabilidade capitalista, repousa

    na perspectiva da possibilidade da transcendncia positiva da alienao do trabalho.

    Em virtude dessa possibilidade que podemos vislumbrar construo de uma forma

    de sociabilidade fundada no trabalho livre e associado.

    Em conformidade com os posicionamentos de Marx, Mszros (2009a)

    afirma:

    Para Marx, ao contrrio, a questo da transcendncia foi desde as primeiras formulaes de sua viso filosfica inseparvel do programa de alcanar a unidade da teoria e da prtica. Antes dos Manuscritos de 1844, porm, esse princpio permaneceu bastante abstrato porque Marx no

    podia identificar o ponto de Arquimedes por meio do qual seria possvel traduzir o programa em realidade. A introduo do conceito de trabalho alienado no pensamento de Marx modificou fundamentalmente tudo isso. Como veremos adiante, to logo o problema da transcendncia foi

    concretizado nos Manuscritos de 1844 como a negao e supresso da auto-alienao do trabalho, nasceu o sistema de Marx (p. 22-3, grifos no original e nossos).

    Realizado esses destaques acerca da relevncia da teoria da alienao e sua

    transcendncia positiva em Marx, elucidados por Mszros (2009a), gostaramos de

    mencionar que uma outra parte to importante quanto a sobredita para o

    desenvolvimento dessa tese o estudo diretamente relacionado com o ltimo

    captulo, intitulado Alienao, da obra Para uma ontologia do ser social, de Lukcs. O

    qual realizaremos no segundo momento dessa pesquisa.

  • 20

    Dessa maneira, oportuno observar que os quatros captulos do referido

    opsculo j foram alvo de investigao no seio do nosso prprio Grupo de Pesquisa

    Marxismo, Educao e Luta de Classes, vinculado ao Instituto de Estudos e Pesquisas

    do Movimento Operrio IMO. Nesse contexto tivemos trs dissertaes de

    mestrado e duas teses de doutorado versando diretamente sobre captulos especficos

    de Para uma Ontologia do Ser Social. Assim, contamos com a dissertao intitulada

    O lugar do sujeito no processo de emancipao humana: um estudo exploratrio sobre

    a individualidade em Marx e em Lukcs, na qual, a professora Betnia Moraes (2001)

    revisita, pargrafo por pargrafo, o captulo da Reproduo. Nesse quadro, o IMO

    disponibiliza tambm a tese de doutorado do professor Frederico Costa (2007)

    intitulada Ideologia e educao na perspectiva da ontologia marxiana, na qual o autor

    debrua-se, largamente, sobre o captulo da Ideologia.

    Na continuidade dos estudos desenvolvidos no ceio do IMO, contamos

    ainda com mais uma relevante dissertao de mestrado e a tese de doutorado da

    professora Marteana Lima (2009; 2014), intituladas, respectivamente: 1) Trabalho,

    reproduo social e educao em Lukcs e 2) A alienao em Lukcs: fundamentos

    para o entendimento do complexo da educao. Alm desse conjunto de pesquisas

    que discutiram captulos da referida obra de Lukcs, identificamos a dissertao da

    professora Samara Braga (2011) com o seguinte ttulo: Elementos introdutrios ao

    complexo da alienao na ontologia de Lukcs: um estudo fundado na possibilidade

    da emancipao.

    Ademais, pontuamos as pesquisas9 localizadas sobre o captulo relativo

    Alienao em Lukcs, foco de nossa investigao. Em outras palavras, encontramos

    trabalhos relacionados com a problemtica da alienao na obra Para ontologia do ser

    social de Lukcs, produzidos pela professora Maria Norma Alcntara Brando de

    Holanda11 (1998; 2005) do Grupo de Pesquisas sobre Reproduo Social, da

    9 Alm das publicaes de Srgio Lessa sobre a Para uma ontologia do ser social de Lukcs, as quais contemplam a questo da alienao. Nesse sentido, importante conferir, do autor, o Captulo VI de

    Para Compreender a Ontologia de Lukcs (2007). 11 importante registrar que Norma Holanda a autora da traduo (do italiano para o portugus, a qual

    adotamos ao longo do desenvolvimento do nosso estudo) do captulo da Alienao da obra Para uma

    Ontologia do Ser Social, de Lukcs. Nesta, a autora traduz o fenmeno do Estranhamento como sendo o

    termo Alienao, o qual passa, contudo a significar no contexto de sua traduo, o mesmo que

    Entfremdung, que indica um fenmeno historicamente construdo e que remete ao fenmeno da negao

    da realizao da essncia humana, inerente ao processo de explorao do homem pelo homem. Tal

    conceito se oporia quele representado pelo vocbulo alemo Entauserung, tambm traduzido por

    alienao, no sentido positivo de, atravs do ato de trabalho, alienar-se o homem, dando de si e

    realizando sua essncia no objeto que produz, configurando-se, nesse sentido, como uma condio

  • 21

    Universidade Federal de Alagoas, na forma de dissertao de mestrado Norma

    Holanda (1998) e tese de doutoramento Norma Holanda (2005) e/ou artigos

    cientficos12. Nessa esfera, citamos outrossim a tese da professora Ftima Maria

    Nobre Lopes (2006) da Universidade Federal do Cear (UFC).

    Ainda em mbito nacional, localizamos com relao ao captulo referente

    Ideologia no referido livro de Lukcs mais duas dissertaes de mestrado e duas teses

    de doutoramento devidamente mencionadas nas nossas referncias bibliogrficas

    de autoria, respectivamente, da professora Ester Vaisman (1989; 1996) e da professora

    Tereza Buonomo Pinho (2003; 2013).

    Vale notar, como aponta Tertulian (1996b), a segunda parte da Ontologia,

    na qual est contido o captulo sobre a problemtica da alienao, este pouco

    sistematizado, pois Lukcs o redigiu sob condies por demais adversas,

    encontrando-se muito doente com cncer no pulmo em fase terminal.

    Destarte, Tertulian (1996b) assevera que o filsofo hngaro, por muitas

    vezes reincide em uma mesma ideia, o que dificultaria uma leitura mais escorreita do

    texto:

    Julgamos os Prolegmenos uma introduo indispensvel para compreender o pensamento ontolgico do ltimo Lukcs. Infelizmente o texto marcado,

    especialmente na ltima parte, por repeties cansativas, efeitos de

    redundncia, que tornam a leitura, s vezes, rida. A idade muito avanada e

    talvez a doena tornavam o autor menos capaz de dominar o prprio

    discurso; desse modo, h lugares onde as mesmas ideias so retomadas em

    contextos que no conhecem a progresso rigorosa a que os seus escritos

    nos acostumaram (p. 6, grifos nossos).

    No obstante tais dificuldades, o intrprete lukacsiano (1996b) admite com

    indiscutvel firmeza:

    [...] Lukcs pde mostrar como complexo e trabalhoso o caminho que

    leva superao autntica do estranhamento. A seu ver, enquanto as

    intrnseca ao ser social e ao processo de objetivao e exteriorizao dos indivduos. Mesmo considerando tal distino, seguiremos aqui a tendncia mais generalizada de utilizao do termo

    alienao em sentido negativo, como sinnimo de estranhamento, consoante traduo elaborada por

    Norma Holanda. Vale observar, nesse mesmo terreno terminolgico, Mszros (2009a) apresenta os

    termos alienao e estranhamento do trabalho como equivalentes, argumentando que [...] a alienao humana foi realizada pela transformao de tudo em objetos alienveis, vendveis, em

    escravos da necessidade e traficantes egostas (MSZROS, 2009a, p. 36). Ademais, Tertulian (1996a), por sua vez, admite que a traduo para o portugus, dos termos Entauserung e Entfremdung

    no encontrou, ainda, uma soluo unanimemente aceita (TERTULIAN, 1996a, p. 97). Assim, em seu texto Conceito de alienao em Heidegger e Lukcs, (1996a), decide seguir a tradio francesa,

    representando o primeiro por exteriorizao e o segundo por alienao. 12 As obras dos citados autores encontram-se devidamente referenciadas na bibliografia dessa tese.

  • 22

    objetivaes da espcie humana, em sua maior parte (as instituies

    polticas, jurdicas, religiosas, etc.), nasceram para assegurar o

    funcionamento do gnero humano em-si, pelo contrrio, as grandes aes

    morais, a grande arte e a verdadeira filosofia encarnam, na histria, as

    aspiraes do gnero humano para-si. As melhores pginas da Ontologia

    do ser social so provavelmente aquelas nas quais Lukcs analisa a tenso

    entre essas aspiraes irreprimveis a uma humanitas autntica do homo

    humanus e o poderoso acmulo de mecanismos econmicos, de instituies

    e de normas que asseguram a reproduo do status quo social (p. 13,

    grifos no original e nossos).

    Com relao complexa problemtica da alienao, temos, por fim, o

    registro de Lessa (2007) salientando que: Resta aos lukacsianos [...], entre as

    inmeras outras tarefas que a histria prope avanar a partir dos indcios deixados

    pelo pensador hngaro (p. 136, grifos nossos). Para tanto, um primeiro passo

    imprescindvel nessa direo, a compreenso do pensamento lukacsiano, tendo em

    vista que o nosso trabalho pretende situar-se no escopo desse referencial terico.

    Nesse contexto, nossa pesquisa no poderia, com efeito, ultrapassar os

    contornos de um ensaio de compreenso acerca do complexo captulo da Alienao, na

    obra Para uma ontologia do ser social. Dessa maneira, a estruturao criada e

    delimitada por Lukcs (1981), no captulo Lestraniazione (A Alienao, conforme a

    traduo mencionada anteriormente na nota de rodap de nmero sete), inserido nas

    pginas de nmero 559 a 808, de sua Ontologia DellEssere Sociale obedece ao

    seguinte desenvolvimento: 1. I tratti ontologici generali dellestraniazione (p. 559-

    616) Os traos ontolgicos gerais da alienao; 2. Gli aspetti ideologici

    dellestraniazione. La religione come estraniazione (p. 617-725) Os aspectos

    ideolgicos da alienao. A religio como alienao; e por ltimo; 3. La base oggetiva

    dellestraniazione e del suo superamento. La forma attuale dellestraniazione (p. 727-

    808) A base objetiva da alienao e de sua superao. A forma atual da alienao.

    Alm de todos esses elementos apresentados, reiteramos que para o

    desenvolvimento do nosso estudo, adotamos a traduo realizada pela professora

    Maria Norma Alcntara Brando de Holanda da Universidade Federal de Alagoas.

    Antes de chegarmos ao entendimento da problemtica da alienao em Para

    uma ontologia do ser social, de Lukcs e, por conseguinte, em Para alm do capital, de

    Mszros, revisitamos, no primeiro captulo dessa pesquisa, o trabalho alienado nos

    Manuscritos econmico-filosficos de 1844 conhecido como Manuscritos de Paris

    alm do captulo V de O Capital, de Karl Marx, pois os fundamentos contidos nestas

    obras serviram de lupa para o estudo dos captulos sequentes dessa tese.

  • 23

    No segundo captulo, realizamos um breve resgate dos fundamentos

    ontolgicos da problemtica da alienao explicitada por Lukcs, para em seguida,

    determo-nos com maior particularidade no ltimo subcaptulo da Para ontologia do ser

    social intitulado: A base objetiva da alienao e de sua superao. A forma atual da

    alienao.

    Feito isso, explicitamos a concepo onto-histrica sobre a problemtica da

    alienao na obra acima citada, de Lukcs. Cabe um destaque, Lukcs morreu em 1971,

    no tendo tempo histrico para vivenciar as manifestaes da alienao no contexto da

    crise estrutural do capital que se apresenta de forma mais veemente a partir de 1970. Em

    virtude disso, sentimos a necessidade de recorrermos ao filsofo marxista

    contemporneo Istvn Mszros, o qual foi orientando de Lukcs.

    Justamente por isso, asseveramos que o terceiro captulo dessa tese de

    doutoramento revela alguns elementos da alienao no contexto da crise estrutural do

    capital na obra Para Alm do Capital, de Istvn Mszros (2009b), tomando como foco

    da nossa investigao os elementos que revelam o entendimento acerca da produo da

    riqueza e a riqueza da produo; a taxa do valor utilidade decrescente adotada ao

    extremo diante da crise contempornea do capital; a disjuno existente entre a

    necessidade e a produo da riqueza relacionada com o valor de uso e o valor de troca;

    o triunfo da produo generalizada do desperdcio e a homogeneizao de todas as

    relaes produtivas e distributivas do capital em crise.

    Portanto, julgamos reveladora a seguinte citao acerca da alienao no

    cenrio da crise estrutural do capital na obra A teoria da alienao em Marx, de

    Mszros (2009a):

    [...] a crtica da alienao parece ter adquirido uma nova urgncia histrica. Acontecimentos recentes, desde o colapso da poltica longamente cultivada de bloqueio China at a crise do dlar, e desde o

    aparecimento de importantes contradies de interesses entre os principais

    pases capitalistas at a reveladora necessidade de ordens judiciais e outras

    medidas especiais contra grevistas desafiadores com frequncia cada vez

    maior, mesmo nos Estados Unidos (precisamente a terra da classe operria

    supostamente integrada) tudo isso ressaltou de modo dramtico a intensificao da crise estrutural do capital. precisamente em relao a essa crise que a crtica marxiana da alienao mantm, hoje mais do

    nunca, a sua vital relevncia scio-histrica (p. 15, grifos nossos).

    Em conformidade com esses posicionamentos, vale reiterar, da dcada de

    setenta at os nossos dias, podemos contar com as colaboraes do importante

    marxista Istvn Mszros. Este filsofo elucida que, para chegarmos ao entendimento

  • 24

    da problemtica da alienao na contemporaneidade, necessrio examinarmos a crise

    estrutural do capital com toda a degenerescncia humana advogada pela produo da

    riqueza material alienante que permite uma total fragilizao e inverso de tudo aquilo

    que seria o significado genuno da riqueza da produo.

    J o quarto e ltimo captulo anuncia algumas ilustraes dos rebatimentos

    da alienao no contexto da crise estrutural do capital no campo da formao humana

    incluindo, primordialmente, o complexo da educao por meio do processo

    degenerado das mistificaes alienantes. As quais so completamente responsveis

    por um tipo de formao rasteira, fragmentada e deformada. E desse modo, negando

    aos indivduos o acesso ao patrimnio historicamente construdo pela humanidade.

    Refletir sobre toda essa argumentao exposta, significa indicar os limites e as

    possibilidades da formao humana principalmente por meio do complexo da

    educao contribuir numa perspectiva de andar na contraposio da ordem vigente.

    Na continuidade dessa mesma direo, compreendemos que a dependncia

    ontolgica, autonomia relativa e determinao recproca do complexo da educao

    em relao ao trabalho, naturalmente na sociabilidade regida pelo capital, sobretudo o

    complexo da educao estar a servio da estrutura do capital em crise. Ou seja, o

    processo de formao humana estar muito limitado s mistificaes alienantes. Dito

    de outro modo, o tipo de formao dos indivduos estar a servio de contribuir com a

    reproduo do fetichismo das mercadorias e reificaes das relaes sociais.

    Diante desse cenrio brbaro, somos impulsionados a pontuar bem mais os

    limites da formao humana inclusive relacionados ao complexo da educao do

    que apontarmos as possibilidades da transformao social radical efetiva no cenrio

    do capital em crise. Todavia, no podemos negar a construo de possibilidades

    restritas, mesmo diante de um quadro brbaro das relaes humanas para realizarmos

    atividades emancipatrias.

    Nesse contexto, compreendemos que o peso objetivo da totalidade se

    revela de modo cruel, chegando ao extremo degenerado da formao humana

    contribuir para ser um apoio da reproduo do sociometabolismo do capital em crise.

    Alm de presenciamos uma completa inverso do papel genuno da cincia, ou seja, a

    produo cientifica realiza um culto a imbecilidade dos fenmenos meramente

    descritivos, os quais ilustram to somente a superficialidade da aparncia

    transformando os indivduos em seres bestiais, como diz Marx (2008) nos

    Manuscritos de Paris.

  • 25

    Portanto, a nossa tese, trata-se de uma pesquisa de carter terico-

    bibliogrfico, fundada no marxismo onto-histrico radicalmente revolucionrio. Este,

    por sua vez, desenvolve-se penetrando na realidade fenomnica em direo ao

    entendimento rigoroso da essncia das relaes sociais, ou seja, a ontologia do ser

    social analisa os fenmenos sociais em suas mltiplas determinaes a partir da

    centralidade do trabalho, proporcionando o exame das razes da intrnseca relao

    entre a centralidade do trabalho e a formao do ser social.

    Nessa esteira, perscrutamos que no pensamento do autntico marxismo

    prioridade ontolgica dada ao movimento dos objetos dentro da realidade onto-

    histrica, como explica Chasin (1995),

    [...] no pensamento marxiano o tratamento ontolgico dos objetos, sujeito

    incluso, no s imediato e independente, como autoriza e fundamenta o

    exame da problemtica do conhecimento. O exame desta que depende de critrio ontolgico, e s por meio deste que pode ser concebida em seu

    lugar prprio e na malha das relaes devidas que propiciam sua adequada

    investigao. (p. 400, grifos nossos).

    Justamente por isso, podemos apenas indicar os primeiros passos na

    investigao do nosso objeto, visto que impossvel descrever a metodologia na

    perspectiva ontolgica antes de desenvolver o estudo de um dado objeto inserido na

    realidade onto-histrica, consoante analisa Chasin (1995).

    Dito isso, iremos sinalizar algumas indicaes bibliogrficas consultadas

    ao longo do desenvolvimento dessa pesquisa, como o exame da obra de Mszros

    (2006a, 2006b, 2009a, 2009b) dentre outras iluminadas pelo pensamento de Marx

    (2003, 2008a, 2008b) e Lukcs (1981). Contamos logo, imediatamente, com alguns

    intrpretes marxiano-lukacsianos, tais como Tertulian (1996a, 1996b, 2001), Konder

    (2009), Norma Holanda (2005), Costa, G. (2007), Tonet (2005), Lessa (2007, 2008),

    Jimenez (2007) e Mendes Segundo (2005), entre outros autores que sero consultados

    de acordo com a necessidade investigativa do objeto estudado.

  • 26

    2 O TRABALHO ALIENADO EM MARX

    Para chegarmos ao entendimento da problemtica da alienao na obra Para

    uma ontologia do ser social, de Lukcs, e, por conseguinte, em Para alm do capital, de

    Mszros, revisitaremos o trabalho alienado nos Manuscritos econmico-filosficos de

    1844 conhecido como Manuscritos de Paris alm do captulo V de O Capital, de

    Karl Marx.

    Por essa linha de raciocnio, entendemos que teremos um suporte terico

    ainda maior para chegarmos compreenso da problemtica da alienao no contexto

    contemporneo de crise estrutural do capital, pois compreendemos que os fundamentos

    contidos nestas obras serviram de lupa para o estudo dos captulos sequentes dessa tese.

    Tambm iremos consultar, de forma breve, a concepo de dois autores

    marxistas que revelam a importncia da categoria alienao nos Manuscritos de Paris

    para lutarmos contra o capital e em prol da emancipao humana; sendo esses autores

    Mszros, em A teoria da alienao14 em Marx, e Konder, em Introduo ao Marxismo.

    Desse modo, iniciamos o nosso debate asseverando que o trabalho, nas

    sociedades de classes, apresenta formas de objetivaes e exteriorizaes que

    contribuem muito mais com a reproduo da alienao dos indivduos em contraponto

    com o desenvolvimento de suas individualidades. Por isso, ressaltamos que Marx se

    debrua sobre a problemtica da alienao e sua transcendncia positiva durante o

    desenvolvimento da totalidade de sua teoria, ou seja, no possvel compreender a

    dialtica do sistema marxiano sem desvelarmos as questes fundamentais em torno da

    auto-alienao do trabalho.

    Nesse sentido, podemos afirmar que Marx adota essa complexa categoria

    como o ponto de Arquimedes da sua significativa sntese acerca das relevantes

    14Diante do contexto sobre a questo da alienao no capitalismo, Mszros (2009a) apoiado em Marx

    revela que: A atividade uma atividade alienada quando assume a forma de uma separao ou oposio entre os meios e vida privada, entre ser e ter, e entre fazer e pensar. Nessa oposio alienada, vida pblica, ser e fazer se tornam subordinados como simples meios para o fim alienado da vida privada (gozo privado), do ter, e do pensar. A autoconscincia humana, em lugar de atingir o nvel de verdadeira conscincia genrica, nessa relao em que a vida pblica (a atividade vital do homem como ser genrico) subordinada, como um meio para um fim, mera

    existncia privada torna-se uma conscincia atomstica, a conscincia alienada-abstrata do simples ter, identificando com o gozo privado. E desta maneira, j que a marca da atividade livre que distingue o homem do mundo animal a conscincia prtica (no-abstrata) do homem como um ser humano

    automediador (isto , criativo, no apenas gozando passivamente), a realizao da liberdade humana como finalidade do homem torna-se impossvel, porque seu fundamento a atividade vital do homem se tornou um simples meio para um fim abstrato (p. 167-8, grifos no original e nossos).

  • 27

    manifestaes da reproduo da sociabilidade do capital. Precisamente por isso, com

    efeito, Mszros (2009a) revela:

    Na realizao concreta da potencialidade do gnio de Marx sua apreenso

    do conceito de auto-alienao do trabalho representou o elemento crucial: o ponto de Arquimedes de sua grande sntese. O desenvolvimento desse conceito at sua amplitude complexa, marxiana como o ponto filosfico sintetizador do dinamismo do desenvolvimento

    humano era simplesmente inconcebvel antes de uma certa poca, isto , antes do amadurecimento relativo das contradies sociais nele refletidas.

    Sua concepo tambm exigia o aperfeioamento dos instrumentos e

    ferramentas intelectuais principalmente pela elaborao das categorias dialticas necessrios a uma compreenso filosfica adequada dos fenmenos mistificadores da alienao, bem como, claro, o poder

    intelectual de um indivduo que pudesse fazer uso adequado desses

    instrumentos. E finalmente, mas nem por isso menos importante, o

    aparecimento desse ponto de Arquimedes conceitual tambm

    pressuponha a intensa paixo moral e o carter inabalvel de algum

    preparado para declarar guerra por todos os meios s condies nas quais o homem um ser aviltado, escravizado, abandonado,

    desprezvel; algum que pudesse ver a sua realizao pessoal, a realizao de seus objetivos intelectuais, na realizao por meio da abolio da filosofia, no curso de uma autntica guerra. O preenchimento simultneo de

    todos esses requisitos era, na verdade, imprescdivel elaborao

    marxiana do conceito de auto-alienao do trabalho, numa poca em que as condies estavam maduras para tanto (p. 76, grifos no original e nossos).

    Dessa maneira, fazemos questo reiterar que o trabalho alienado est

    presente tanto em seus escritos de juventude quanto em seus escritos de maturidade.

    Com isso, debruar-nos-emos, fundamentalmente, sobre as elaboraes de Marx acerca

    do trabalho alienado, presentes nos Manuscritos econmico-filosficos de 1844 ou

    Manuscritos de Paris15.

    Sob essa perspectiva, compreendemos com as prprias palavras de Mszros

    (2009a):

    15Conforme os pressupostos elucidados por Mszros (2009a) a partir dos fundamentos de Marx,

    entendemos que: [...] podemos chamar os Manuscritos de Paris de um sistema in statu nascendi, pois neles que Marx explora sistematicamente, pela primeira vez, as implicaes de longo alcance de sua

    ideia sintetizadora a alienao do trabalho em todas as esferas da atividade humana. A descoberta do elo que faltava em suas reflexes anteriores lana uma nova luz sobre todas as suas ideias e pontos particulares de crtica alguns deles formulados anos antes de 1844 e que agora naturalmente se ajustam numa concepo geral. medida que Marx avana com a sua indagao crtica

    nos Manuscritos de Paris a profundidade de sua viso e a coerncia sem paralelo de suas ideias tornam-

    se cada vez mais evidentes. H um ar de excitao sobre todo o empreendimento manifesto tambm no estilo enormemente elevado, muitas vezes solene, de exposio conforme Marx recorrentemente descreve a sua grande descoberta histrica, ou seja, que as mais variadas formas de alienao que ele

    examina podem ser reunidas sob um denominador comum, no campo da prtica social, por intermdio

    do conceito tangivelmente concreto e estratgico crucial de trabalho alienado: o foco comum de ambas as sries de questes, isto , porqu (diagnstico) e o como (transcendncia) (p. 23, grifos no original e nossos).

  • 28

    [...] o ncleo dos Manuscritos de Paris, que d estrutura totalidade do

    trabalho, o conceito da transcendncia (ou superao) da auto-alienao do trabalho. O sistema maxista simultaneamente um tipo de balano, e tambm a formulao de um programa monumental para investigaes futuras (p. 24, grifos no original e nossos).

    Ademais, compreendemos que durante o desenvolvimento do sistema

    marxiano, a problemtica da alienao na sociabilidade burguesa e as indicaes da

    construo de possibilidades para sua transcendncia positiva esto presentes como

    objetos primordiais das anlises de Marx. Sob essa explicao, desejamos aqui salientar

    a relevncia dos Manuscritos econmico-filosficos de 1844, pois entendemos que o

    exame radical da teoria marxiana da alienao deve ser iniciado, sobretudo, a partir

    desta obra.

    Vale ressaltar que Mszros (2009a) destaca a importncia da elucidao da

    teoria da alienao nos Manuscritos de Paris para o entendimento da totalidade da obra

    de Marx, afirmando que esta obra no deve ser confundida com uma anlise prematura,

    pois [...] os Manuscritos de 1844 anteciparam adequadamente o Marx posterior,

    apresentando numa unidade sinttica a problemtica de uma reavaliao ampla,

    centrada na prxis e radical de todas as facetas da experincia humana (p. 24,

    grifos no original e nossos).

    Na continuidade dessa argumentao sobre a importncia da transcendncia

    positiva da alienao para compreenso do sistema marxiano, Mszros (2009a)

    esclarece:

    Em conformidade com as caractersticas centrais da obra de Marx, o

    princpio ordenador do presente estudo deve ser o exame dos vrios aspectos

    e implicaes do conceito que tem em Marx de Aufhebung, e no o inverso.

    (Essa inverso da relao estrutural dos conceitos no exame do sistema

    de Marx desorientou todos os comentrios que procuram elucidar a

    viso marxista do mundo a partir do conceito de alienao do jovem Marx, como seu ponto definitivo referncia: no melhor dos casos, eles

    acabaram com algum tipo de tautologia moralizante pois, evidentemente, nenhum conceito pode ser elucidado por si mesmo e em muitos casos com graves deformaes do sistema de Marx como um todo.) (p. 25, grifos no

    original e nossos).

    Sob essa mesma argumentao, de acordo com os posicionamentos de

    Mszros (2009a), o conceito de Aufhebung transcendncia positiva da alienao

    relevante para a compreenso da teoria da alienao por trs motivos. Primeiro pelo

    entendimento dos Manuscritos econmico-filosficos de 1844; segundo, porque o [...]

    conceito de transcendncia (Aufhebung) da auto-alienao do trabalho fornece ligao

  • 29

    essencial com a totalidade da obra de Marx, inclusive com as ltimas palavras do

    velho Marx (p. 25, grifos nossos).

    Por fim, o terceiro motivo justifica-se pela extrema atualidade do tema:

    Na atual fase de desenvolvimento scio-histrico, porm, quando pela

    primeira vez na histria do capitalismo est sendo abalado at os seus

    fundamentos como sistema mundial (ao passo que todas as crises anteriores

    do capitalismo, por mais espetaculares que tenham sido, foram parciais e

    localizveis), a transcendncia da auto-alienao do trabalho est na ordem do dia (p. 25, grifos no original e nossos).

    Em conformidade com essa perspectiva, Mszros (2009a) assevera que no

    estudo da [...] a teoria da alienao de Marx, o centro deve ser, desnecessrio dizer,

    os Manuscritos econmico-filosficos (p. 26, grifos no original e nossos).

    Posto isso a nossa insistncia em reafirmar que a problemtica da alienao e sua

    transcendncia positiva est presente no somente nos Manuscritos de Paris, mas sim

    na totalidade da obra marxiana, como analisa Mszros (2009a):

    [...] as observaes enigmticas e sugestes aforsticas dos Manuscritos de Paris no podem ser decifradas sem referncia s suas obras posteriores, mas

    principalmente porque atribuir o conceito de alienao exclusivamente ao

    perodo de juventude falsificar grosseiramente o Marx maduro como veremos adiante , solapando a unidade e coerncia interna de seu pensamento (p. 26, grifos no original e nossos).

    Fazemos questo de ressaltar que o nosso estudo est situado no campo do

    autntico marxismo ontolgico, no qual o sistema marxiano tratado de maneira

    dialtica e dinmica, em contraponto a qualquer forma mecanicista, messinica ou

    receituria de compreender a problema da alienao e sua transcendncia positiva.

    Em conformidade com os posicionamentos de Mszros (2009a),

    sublinhamos que nos Manuscritos de 1844 podemos evidenciar:

    [...] o ponto de convergncia dos aspectos heterogneos da alienao a

    noo do trabalho (Arbeit). Nos Manuscritos de 1844, o trabalho considerado tanto em sua acepo geral como atividade produtiva: a determinao ontolgica fundamental da humanidade (menschliches Dasein, isto , o modo realmente humano de existncia) como em sua acepo particular, na forma da diviso social do trabalho capitalista. nesta ltima forma a atividade estruturada em moldes capitalistas que o trabalho a base de toda a alienao (p. 78, grifos no original e nossos).

    Na continuidade dos aspectos expostos, entendemos a partir de Mszros

    (2009a) que temos quatro categorias relevantes para o entendimento radical acerca da

    problemtica da alienao. Esses elementos so: Atividade (Tatigkeit), diviso do

  • 30

    trabalho (Teilung der Arbeit), intercmbio (Austausch) e propriedade privada

    (Privateigentum) so conceitos essenciais dessa abordagem da problemtica da

    alienao (p. 78, grifos no original e nossos).

    Sendo assim, a superao scio-histrica dessas mediaes as quais

    estruturam e legitimam o complexo tambm scio-histrico da alienao uma

    necessidade relevante para atingirmos a transcendncia positiva da alienao. Haja vista

    que os quatros elementos supracitados devem ser compreendidos como fundamentos

    inerentes ao funcionamento do capitalismo. Por consequncia disso, somos

    impulsionados na esteira de Mszros (2009a) a compreender que a crtica realizada

    por Marx com relao s categorias, citadas acima, tem como objetivo entender

    radicalmente a problemtica da alienao na sociabilidade de classes.

    Nesse processo, identificamos, com base em Mszros (2009a) baseado em

    Marx, que o desenvolvimento das foras produtivas no se converte necessariamente em

    desenvolvimento das personalidades dos indivduos. Ademais, a deformao humana

    contribui com a lgica da reproduo social vigente, a qual intensifica o processo de

    subsuno do trabalho ao capital.

    Sob esse prisma, Mszros (2009a) explica o papel da transcendncia

    positiva da alienao:

    [...] O ideal de uma transcendncia positiva da alienao formulado como uma superao scio-histrica necessria das mediaes: propriedade privada intercmbio diviso do trabalho se interpem entre o homem e sua atividade o impedem de se realizar em seu trabalho, nos exerccios de

    suas capacidades produtivas (criativas), e na apropriao humana dos

    produtos de sua atividade (p. 78, grifos no original e nossos).

    Dessa forma, elucidamos com Mszros (2009a) que, nesse conjunto, o

    trabalho (atividade produtiva) o nico complexo, o qual no pode ser superado, pois

    [...] o nico fator absoluto em todo o complexo: trabalho diviso do trabalho

    intercmbio (p. 78, grifos nossos). Por isso, na continuidade dessa reflexo, o autor

    destaca: [...] qualquer tentativa de superar a alienao deve definir-se em relao a

    esse absoluto, como oposta sua manifestao numa forma alienada (p. 78, grifos

    nossos).

    Com efeito, Mszros (2009a) continua asseverando acerca da necessidade

    de entendermos radicalmente a questo da transcendncia positiva da alienao como

  • 31

    fruto de um contexto dinmico e dialtico prprio da compreenso ofertada pelo sistema

    marxiano, tal como revelam as linhas abaixo:

    [...] para formular a questo da de uma transcendncia positiva da alienao

    no mundo real, devemos compreender, a partir do ponto de vista

    anteriormente mencionado do marginal, que a forma dada do trabalho (trabalho assalariado) est relacionado com a atividade humana em geral como o particular est para o universal. Se isso no levado em conta, se a

    atividade produtiva no diferenciada em seus aspectos radicalmente diferentes, se o fator ontologicamente absoluto no distinguido de sua

    forma historicamente especfica, isto , se a atividade concebida devido absolutizao de uma forma de atividade particular como uma entidade homognea, ento a questo de uma transcendncia real (prtica) da

    alienao impossvel de ser colocada (p.78, grifos no original e nossos).

    Nessa mesma direo, partindo de uma anlise onto-histrica fundada do

    sistema marxiano, compreendemos claramente que as mediaes de segunda ordem no

    podem ser absolutizadas como complexos fundantes do ser social, pois o fundamento do

    ser social o complexo do trabalho, conforme expressa Mszros (2009a):

    Se a propriedade privada e o intercmbio forem considerados absolutos de alguma forma inerentes natureza humana , ento a diviso do trabalho, a forma capitalista da atividade produtiva como trabalho assalariado [grifo

    do autor] tambm surgir como absoluta, pois elas se implicam

    reciprocamente. Assim, a mediao de segunda ordem aparece como uma

    mediao de primeira ordem, isto , como um fator ontolgico absoluto (p. 79, grifos nossos).

    Precisamente por esse raciocnio, podemos explicar o significado da

    mediao de segunda ordem de acordo com as prprias palavras de Mszros (2009a):

    [...] por serem as mediaes capitalistas de segunda ordem o carter fetichista da mercadoria, troca e dinheiro; trabalho assalariado;

    competio antagnica; contradies internas mediadas pelo Estado

    burgus; o mercado; a reificao da cultura etc. um inerente sua essncia enquanto mecanismo de controle que eles devam escapar ao controle humano. por isso que tm de ser superado radicalmente: os expropriadores devem ser expropriados; o Estado burgus deve ser derrubado; a competio antagnica, a produo de mercadorias, o trabalho assalariado, o mercado, o fetichismo do dinheiro devem ser eliminados; a

    hegemonia burguesa sobre a cultura deve ser quebrada etc.

    Consequentemente, o programa de superao da alienao capitalista

    pode ser concretizado como a substituio dos instrumentos

    incontrolveis, reificados, do capitalismo, por instrumentos controlveis

    do intercmbio humano. Pois o momento mesmo em que o homem

    consegue, conscientemente, subordinar seus instrumentos realizao de

    seus prprios fins, sua altrit insurmontable superada. (p. 227-8, grifos

    no original e nossos).

  • 32

    Reiteramos, assim, com Mszros (2009a), aps Marx e Lukcs, que nossa

    anlise de fundamento ontolgico parte da categoria trabalho como a nica mediao

    absoluta do ser social, pois as mediaes de segunda ordem provenientes das

    necessidades humanas revelam uma forma de sociabilidade, as quais reproduzem

    maneira intensificada a reproduo do trabalho explorado subsumido ao capital.

    Com efeito, Mszros (2009a) retrata que o desenvolvimento da segunda

    ordem de mediaes na sociedade capitalista inversamente proporcional, ou seja,

    incompatvel com os desenvolvimentos das diversas potencialidades dos indivduos de

    poderem controlar os meios de produo.

    Ento, Mszros (2009a) sintetiza:

    A substituio das mediaes de segunda ordem capitalistas, alienadas e reificadas, por instrumentos e meios de intercmbio humano

    conscientemente controlados o programa scio-historicamente concreto

    desta transcendncia. Quanto aos aspectos atemporais dos perigos inerentes aos prprios instrumentos, j vimos que eles no so absolutamente

    atemporais, porque simples potencialidades no se podem tornar realidade

    sem a interveno prtica dos agentes humanos capazes de efetiv-las, em condies scio-histricas sempre especficas. Se esse potencial permanece

    ou no simples potencial, ou se transforma em realidade desumanizadora,

    coisa que depende inteiramente da natureza especifica do agente humano que

    intervm. Se, portanto, as mediaes de segunda ordem alienadas pelo

    capitalismo que so, a priori, por sua essncia, incompatveis com o controle humano so abolidas e substitudas por instrumentos destinados realizao de objetivos humanos conscientemente adotados, ento, quaisquer

    que sejam os perigos e potenciais de alienao que se possam apresentar em

    qualquer fase da histria, eles devem, em princpio, ser capazes de serem

    dominados e controlados humanamente (p. 229; grifos no original e

    nossos).

    Alm disso, as mediaes de segunda ordem representam o fundamento do

    processo autoritrio de diviso social do trabalho. Por isso, entendemos que essas

    mediaes de segunda ordem so complexos histricos socialmente construdos a partir

    da especificidade de cada modo de produo classista peculiar ao seu momento

    histrico especfico.

    A fim de produzir resultados concretos, anunciaremos a concepo de Karl

    Marx sobre o trabalho alienado na sociabilidade burguesa. Para tanto, nos reportando

    anlise empreendida por Mszros (2009a), a qual compreende que o sistema da teoria

    da alienao de fundamental relevncia para o esclarecimento de toda dialtica

    presente no sistema marxiano. Dessa forma, ressaltamos que a partir do entendimento

    dessa problemtica, poderemos apontar perspectivas que possam vir a contribuir para a

    transcendncia positiva da alienao.

  • 33

    Na continuidade desse raciocnio, Mszros (2009a) explica:

    [...] Admitindo ser inconcebvel superar a alienao numa forma que possa ser considerada como absoluta e definitiva, capaz de erradicar todos os

    possveis perigos e potenciais de reificao, a concepo de Marx

    perfeitamente compatvel com o Aufhebung entendida como uma sucesso

    de conquistas sociais, das quais a seguinte menos (na verdade,

    qualitativamente menos) impregnada de alienao do que a precedente. O

    que importa no apenas o volume e as propores daquilo que combatemos

    como os criminologistas sabem muito bem mas a tendncia geral de desenvolvimento do fenmeno em questo. O capitalismo no se caracteriza

    simplesmente pela alienao e reificao, mas tambm pela maximizao

    da tendncia alienao, a tal ponto que a existncia mesma da

    humanidade que est em jogo (p. 228, grifos no original e nossos).

    Em outras palavras, o Aufhebung deve ser compreendido a partir da luta em

    prol da tendncia decrescente de alienao em contraponto tendncia crescente da

    lgica apregoada pelo capital. Isso significa que a luta contra alienao implica na

    denncia da reproduo das relaes capitalistas de intensificao da explorao do

    homem pelo homem. Com isso, identificamos que o capitalismo se caracteriza pela

    maximizao da tendncia crescente alienao. No entanto, caso essa situao no se

    modifique a existncia da prpria humanidade, a qual pode ser arruinada. Desse modo,

    no podemos esquecer que a elucidao de Mszros (2009a) baseada em Marx, acerca

    da transcendncia16 positiva da alienao, s possvel ser compreendida de maneira

    radical, a partir da totalidade da obra de Marx.

    Nesse cenrio do Aufhebung e, ao mesmo tempo, da tendncia decrescente de

    alienao em contraponto lgica apregoada pelo capital, podemos compreender

    16 Mszros (2009a) advoga: Na concepo marxiana contra a qual todas essas mistificaes esto voltadas tanto da alienao como a sua transcendncia devem ser definidas em termos das necessidades objetivas que caracterizam a ontologia social objetiva do ser automediador da natureza. A necessidade da alienao definida como uma necessidade inerente teleologia objetiva do autodesenvolvimento e automediao do homem, numa certa fase de desenvolvimento da atividade produtiva humana, que exige essa alienao para auto-realizao do potencial humano, mesmo

    submetendo-se reificao. Como essa necessidade de alienao uma necessidade histrica, est

    destinada a ser superada (aufgehonben) por intermdio do desenvolvimento histrico concreto da mesma atividade produtiva, desde que: 1) O desenvolvimento das foras produtivas permita a

    negao radical da alienao capitalista; 2) O amadurecimento das contradies sociais do capitalismo

    (no mais ntimo intercmbio com o desenvolvimento das foras produtivas) empurre o homem a mover-

    se na direo de Aufhebung; 3) Os conhecimentos dos seres humanos sobre as caractersticas objetivas

    de seus instrumentos lhes capacitem a elaborar as formas de controle e intercmbio que impeam a

    reproduo das velhas contradies em nova forma; 4) A transformao radical da educao, de mero

    instrumento da hegemonia burguesa num rgo de autodesenvolvimento e automediao consciente,

    inspire os indivduos a produzirem segundo as suas verdadeiras capacidades humanas, unificando conhecimento e ideias, projeto e execuo, teoria e prtica, bem como integrando as aspiraes

    particulares dos indivduos sociais aos objetivos, conscientemente adotados, da sociedade como um

    todo (p. 230, grifos no original e nossos).

  • 34

    melhor a possibilidade da transformao da tendncia crescente da alienao numa

    tendncia decrescente.

    Sob esse aspecto, Mszros (2009a) explica:

    O que d sentido opo humana pelo socialismo no a promessa

    enganadora de um absoluto fictcio (um mundo do qual todas as possveis

    contradies estejam eliminadas para sempre), mas a possibilidade real de

    transformar uma tendncia ameaadoramente crescente de alienao

    numa tranquilizadora tendncia decrescente. Isso, em si, j seria uma

    conquista qualitativa no sentido de uma superao efetiva, prtica, da

    alienao e reificao. Mas outras conquistas importantes so possveis, no s no plano da inverso da tendncia geral, mas tambm em relao ao

    carter substancialmente diferente auto-regulador das formas especificas da atividade humana, livres da sujeio a meios alienados a servio das

    relaes sociais de produo reificadas (p. 228, grifos no original e nossos).

    Com isso, destacamos que o capital reproduz a tendncia crescente da

    multiplicao da alienao. Conquanto, a possibilidade radical de transformao dessa

    tendncia crescente de alienao em decrescente s pode ser construda mediante

    conquista da superao efetiva da alienao inerente ao capital, por meio da sua

    transcendncia positiva da alienao.

    Nesse quadro, ainda segundo Mszros (2009a), lutar em prol da

    transcendncia positiva da problemtica da alienao a mesma luta contra a alienao

    do trabalho peculiar s sociedades classistas, haja vista que a construo de um projeto

    de transio socialista s pode ser realizada de maneira autntica mediante superao

    radical da prpria lgica estrutural das relaes reificadas e permeadas pelo fetichismo

    da mercadoria.

    Por isso, cabe reiterarmos que devemos pensar questo da alienao do

    trabalho e sua transcendncia positiva a partir da ontologia dialtica desenvolvida

    pelo sistema marxiano, como podemos observar atravs das seguintes linhas

    explicitadas por Mszros (2009a). O mesmo, por sua vez, est sempre fundamentado

    em Marx:

    Para encontrar uma soluo, no preciso recorrer esfera da abstrao,

    porque ela dada como uma realidade potencial uma potencialidade efetiva na unidade potencial dos membros dessa oposio ou contradio prtica. Assim, a negao da alienao no uma negatividade

    absoluta (vazia), mas, pelo contrrio, a afirmao positiva de uma relao de unidade, cujos membros existem realmente em oposio

    efetiva um ao outro (p. 168, grifos no original e nossos).

    Por consequncia disso, compreendemos que negar a alienao

    compreender sua afirmao positiva de uma relao de unidade, pois numa perspectiva

  • 35

    dialtica do sistema marxiano a negao no uma negao absoluta e mecnica. Ao

    contrrio, a realidade potencial se revela por meio da unidade entre os membros da

    oposio ou contradio prtica. Ou melhor explicando, a sobredita unidade realizada

    atravs dos membros, os quais existem em oposio efetiva um em relao ao outro.

    Em virtude disso, a teoria marxiana atribui um relevante destaque ao

    conceito de Aufhebung, ou seja, da transcendncia positiva da alienao, como podemos

    observar a partir da seguinte elucidao desenvolvida por Mszros (2009a) apoiado em

    Marx:

    A transcendncia da alienao no pode, dessa forma, ser medida apenas

    em termos de produo per capita, ou algo semelhante. Como a totalidade do

    processo envolve diretamente o indivduo, a medida do sucesso dificilmente poder ser outra que no o prprio indivduo humano-social. Em

    funo de tal medida, a transcendncia da alienao sua influncia decrescente sobre os homens est na proporo inversa da auto-realizao cada vez mais pela do indivduo social. Como, porm, a auto-realizao do

    indivduo no pode ser abstrada da sociedade na qual ele vive, essa questo

    inseparvel da questo das relaes concretas entre o indivduo e a sociedade, ou dos tipos e formas de instituies sociais nas quais o indivduo pode ser

    capaz de integrar-se (p. 231, grifos no original e nossos).

    Dessa maneira, entendemos que a transcendncia positiva da alienao no

    deve ser tratada como um nvel ou um indicador que ajuda a saber o grau de

    desenvolvimento econmico de um pas ou regio. Ademais, Mszros (2009a)

    fundamenta a extrema importncia e necessidade de estarmos debatendo acerca da

    questo sobredita, a qual vem se manifestando gravemente como o processo de

    reproduo da degenerescncia humana. Esta, por sua vez, revela-se por meio da

    intensificao da lgica estrutural da subsuno do trabalho explorado ao capital.

    Precisamente por isso, Mszros (2009a) afirma que se desejamos apontar perspectivas

    para a superao dos fundamentos classistas necessrio recorrermos s razes dessa

    temtica plenamente atual, a qual objetivada violentamente na sociabilidade burguesa.

    Assim, a necessidade de recorrermos aos fundamentos ontolgicos do

    mundo dos homens primordial, pois estamos optando por uma anlise radical com o

    objetivo de tentarmos compreender de forma autntica o fundamento ontolgico do ser

    social. Com isso, colocamo-nos o desafio de construir um ensaio de compreenso acerca

    da alienao como um complexo que no inerente ao mundo dos homens e, ao mesmo

    tempo, que pode ser transcendido. nesse contexto que situaremos os fundamentos da

    problemtica da alienao.

  • 36

    Por isso, partimos especialmente dos Manuscritos de 1844 de Marx, para

    chegarmos compreenso dos fundamentos ontolgicos do trabalho alienado como um

    complexo histrico e possvel de ser transcendido com a superao da sociabilidade de

    classes. Portanto, destacamos que o filsofo explicita trs crticas importantes, presentes

    no s em seus Manuscritos de 1844, mas na totalidade de sua obra: 1) economia

    poltica, 2) concepo hegeliana de alienao e 3) concepo da poltica.

    Com relao a essa terceira crtica acima mencionada, podemos adotar

    algumas passagens de diferentes obras de Marx que clarificam o carter da poltica

    como um obstculo ao processo de emancipao dos indivduos.

    Precisamente por isso, traremos algumas citaes que revelam o carter onto-negativo

    da poltica. Para tanto, destacamos a obra A Misria da Filosofia, na qual Marx (2004)

    explica a necessidade de superarmos a poltica, tendo em vista que a existncia desta

    assume a funo primordial de reproduo da sociabilidade de classes, ou seja, [...] Isto

    quer dizer que depois da queda da antiga sociedade haver uma nova dominao de

    classe, ou resumindo, um novo poder poltico? No (p. 215, grifos nossos).

    Nesse cenrio, ainda de acordo com Marx (2004), entendemos que: [...] A

    condio de libertao da classe laboriosa a abolio de todas as classes, da mesma

    maneira como a condio de libertao do terceiro estado, da ordem burguesa, foi a

    abolio de todas as ordens (p. 215, grifos nossos).

    Nessa direo, entendemos que no estgio avanado de desenvolvimento

    humano efetivo, com a existncia de igualdade de oportunidades para todos os

    indivduos, teremos a extino de todas as prxis sociais que assumem a funo de

    reproduzir a sociabilidade de classes, a exemplo d