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Ministro do Supremo Tribunal Federal desde 2002, Gilmar Mendes foi eleito para presidir o TSE em sessão administrativa da Corte, realizada no dia 7 de abril. Para vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, foi eleito o ministro Luiz Fux. O TSE é composto por, no mínimo, sete ministros titulares, sendo três oriundos do STF, dois representantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois da classe dos advogados.
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Gilmar Mendes é doutor em Direito pela Universidade de Münster, na Alemanha, e mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília (UnB). O ministro já havia presidido o TSE de 2008 a 201 O.
Na entrevista a seguir, entre várias colocações, o novo presidente da Corte eleitoral brasileira demonstra preocupação com mudanças na regra de financiamento das campanhas, "que passou- sem nenhuma fase de transição- da doação empresarial à contri-
buição privada individual". Para Mendes, isso "nos leva a ur. Jerdadeiro salto no escuro e submete a eleição a grandes riscos de fraude deploráveis".
Porém, a Justiça Eleitoral, na opinião do ministro, poderá contar com os profissionais da contabilidade "na luta pela garantia de uma prática política cada vez mais limpa e transparente".
Conheça, nesta entrevista, as metas, os desafios e o que pensa o presidente atual do TSE.
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RBC -Ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), neste dia 12 de maio, assumindo o comando da Corte pela segunda ocasião, quais são as metas e ações mais relevantes e imediatas da sua agenda de trabalho? Gil mar Mendes- No dia seguinte ao da minha posse, fizemos uma reunião com os presidentes dos Tribunais Regionais. Essa integração do TSE com os TREs será preocupação constante da minha gestão. Todos os ministros e os servidores têm plena consciência da necessidade de um trabalho cada vez mais coordenado entre as instâncias da Justiça Eleitoral, para que tenhamos, sempre, eleições justas e absolutamente delimitadas pelo ordenamento jurídico.
Essa integração vai garantir, também, mais agilidade no julgamento dos processos que chegam à Corte. Quanto mais efetiva for a atuação da Justiça Eleitoral, mais valorizada será a boa política, aquela que viabiliza a convivência social harmoniosa e pacífica e contemporiza interesses e necessidades, de modo a maximizar o bem comum. Outra prioridade é organizar bem as eleições neste difícil contexto de restrição orçamentária, de novas regras eleitorais, como a restrição ao financiamento eleitoral. Será um salto no escuro, mas cumpre ao TSE, como órgão central da Justiça Eleitoral, zelar pelo sucesso das eleições.
RBC - As eleições municipais de outubro deste ano deverão ter mais de 500 mil candidatos. Qual a sua expectativa quanto a presidir uma das maiores eleições do mundo? Qual o tamanho desse desafio para o sr. e para o TSE? Mendes- O número de candidatos pode chegar a 580 mil e o desafio é de todos os brasileiros. A Justiça Eleitoral está pronta para enfrentar e superar esse desafio e garantir plena lisura à eleição. E eu sei que poderemos contar com a participação
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de cada eleitor para que o pleito seja mais um marco nas mudanças que os brasileiros estão promovendo na relação entre candidatos e eleitores e na atuação dos eleitos. É um trabalho duro que vai exigir extremo empenho de todos, principalmente porque vamos às primeiras eleições sob essa súbita alteração de regras de financiamento e de prazos das campanhas. A integração entre TSE e os Tribunais Regionais é fator indispensável para que os eleitores manifestem livremente e com plena consciência a sua vontade diante da urna.
RBC - De acordo com a lei dos Partidos Politicos (n.o 9.096/1995), além da prestação de contas anual dos partidos políticos, as legendas também devem apresentar à Justiça Eleitoral, no ano de realização de eleições, a prestação de contas de campanha, identificando a e o destino dos recursos aplicados nas eleições. Qual a sua opinião sobre a tância da contabilidade para o controle e a transparência das informações constantes da arrecadação e da aplicação de recursos em campanhas eleitorais? Mendes -A mudança na regra de financiamento das campanhas, que passou- sem nenhuma fase de tran-
sição- da doação empresarial à contribuição privada individual, nos leva a um verdadeiro salto no escuro e submete a eleição a grandes riscos de fraude deploráveis, como o uso de caixa de dois, em que, via de regra, recursos públicos- que deveriam servir ao bem comum - são usados de forma ilegal em benefício de uns poucos inescrupulosos. Mas a Justiça Eleitoral está equipada de recursos humanos e materiais para enfrentar, coibir e derrotar qualquer tentativa de manchar a lisura da eleição. Os profissionais da contabilidade são parte fundamental na luta pela garantia de uma prática política cada vez mais limpa e transparente. A Justiça Eleitoral já desenvolve um novo sistema informatizado que permitirá controles contábeis mais apurados e cruzamento mais detalhado de informações.
RBC - A prestação de contas foi instituída, pela Justiça Eleitoral, em 2002. De modo geral, como o sr. avalia a evolução do método de prestações de contas dos partidos e das campanhas eleitorais que vêm sendo enviadas ao TSE nos últimos pleitos? Os demonstrativos estão atendendo devidamente aos propósitos da Corte? Precisam melhorar?
Mendes- A Justiça Eleitoral dispõe de um sistema de elaboração, análise e divulgação das finanças de campanha, que a cada eleição é aprimorado por exigência de alterações legislativas e boas práticas de fiscalização obtidas no exame das contas de campanha.
Os demonstrativos gerados a partir desses sistemas são importantes para a ampla divulgação do financiamento eleitoral e partidário, porém, o mais importante são os dados tabulados e em meio eletrônico que permitam o compartilhamento com outros órgãos de fiscalização do Estado.
RBC - A contabilidade eleitoral é baseada na contabilidade geral e nas normas do TSE. Com o objetivo de melhor preparar os profissionais responsáveis pelas demonstrações contábeis das campanhas, o CFC e o TSE estão estudando a possibilidade de renovar um Termo de Cooperação Institucional, que prevê a edição de cartilha de orientação, além da capacitação de cerca de 30 mil profissionais da contabilidade. Qual a importância dessa parceria para o processo eleitoral deste ano e dos próximos? Mendes -A parceria do TSE com o CFC é de fundamental importância para orientação e capacitação dos profissionais que atuam na elaboração das contas anuais dos partidos políticos e nas contas eleitorais de partidos e de candidatos. É uma parceria em que todos ganham: os partidos e os candidatos, por contarem com profissional capacitado; o CFC, por ser um órgão central de orientação aos seus profissionais; e a Justiça Eleitoral, por receber a prestação de contas elaborada em respeito às instruções editadas pela Corte.
RBC - A legislação eleitoral brasileira é muito complexa? Quais são os principais atos normativos que os profissionais da contabilidade devem conhecer para con-
tribuir devidamente com a Justiça Eleitoral nas prestações de contas das campanhas? Mendes - Em especial, os profissionais da contabilidade devem ter conhecimento da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei n. 0
9.096/1995) e da Lei das Eleições (Lei n. 0 9.504/1997), regulamentadas, respectivamente, pelas Resoluções TSE n.os 23.464 e 23.463.
RBC - Muitas das crises politicas observadas nos últimos anos têm
no financiamento de campanhas políticas. A Justiça Eleitoral tem adotado medidas que buscam dar transparência e efetivo controle social aos processos. Como a contabilidade pode contribuir para com esse amadurecimento? Mendes- A Justiça Eleitoral tem convênios de intercâmbio de dados com outros órgãos de fiscalização. No ano passado, a Justiça Eleitoral firmou acordo com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para compartilhamento com esta Justiça especializada quanto aos Relatórios de Inteligência Financeira vinculados aos candidatos e partidos políticos. No que se refere à transparência do processo, é importante destacar que, a partir das eleições deste ano, a Justiça Eleitoral divulgará as receitas e as despesas de candidatos e partidos
políticos durante o curso da campanha e, ainda, os extratos eletrônicos das contas bancárias eleitorais com o detalhamento da origem e a aplicação dos recursos em campanha, permitindo, assim, verificar se a declaração do partido ou candidato reflete a campanha efetiva nas ruas. É bom lembrar que a Corte tem sido rigorosa no combate ao caixa 2 e à utilização da Justiça Eleitoral para lavagem de dinheiro sujo transformado em doação de campanha.
RBC - A legislação eleitoral brasileira está em consonância com as melhores práticas observadas em outras partes do mundo? O que ainda pode ser melhorado? Mendes - Evidencia-se que o atual modelo político eleitoral brasileiro está ultrapassado. Precisamos, com urgência, promover uma reforma política na qual as grandes questões nacionais se sobreponham a quaisquer objetivos menores e imediatistas. O Brasil precisa institucionalizar os partidos políticos para que eles sirvam, realmente, como instrumentos de promoção do bem comum e do desenvolvimento da Nação. É preciso um esforço- especialmente dos poderes Judiciário e Legislativo -para promover uma reforma política profunda, que garanta legitimidade ao sistema.
Foto: Nelson Jr. I Ascom TSE
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