Download - Revista Especial 20 anos Fisenge nº7
F E D E R A Ç Ã O I N T E R E S T A D U A L D E S I N D I C A T O S D E E N G E N H E I R O S
ano 4, n. 7, 26 de setembro de 2013
REFORMA POLÍTICA | CONTEXTO CIENTÍFICO DA ENGENHARIA | SANEAMENTO | COMUNICAÇÃO
F I L I A D A À :
UMA HISTÓRIA DE LUTAE TRANSFORMAÇÕES
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SINDICATO DOSENGENHEIROSDA BAHIATel: (71) 3335-0510Telefax: (71) [email protected] http://www.sengeba.org.br SINDICATO DOSENGENHEIROS NOESTADO DO ESPÍRITO SANTOTelefax: (27) [email protected] http:\\www.senge-es.org.br SINDICATO DEENGENHEIROSNO ESTADO DEMINAS GERAISTel: (31) 3271-7355Fax: (31) [email protected]:\\www.sengemg.com.br SINDICATO DOSENGENHEIROSNO ESTADO DO PARANÁTel: (41)[email protected]:\\www.senge-pr.org.br SINDICATO DOSENGENHEIROSNO ESTADO DA PARAÍBATelefax: (83) [email protected]://www.sengepb.com.br/
SINDICATO DOSENGENHEIROS NO ESTADODE PERNAMBUCOTelefax: (81) [email protected]://www.sengepe.org.br/ SINDICATO DOSENGENHEIROSNO ESTADO DORIO DE JANEIROTel: (21) [email protected]://www.sengerj.org.br SINDICATO DOSENGENHEIROSNO ESTADO DE RONDÔNIATelefax: (69) 3224-7407 [email protected]://www.sengero.org/ SINDICATO DOSENGENHEIROSDE SERGIPETelefax: (79) 3259-30133259-2867 / [email protected]@sengese.org.brwww.sengese.org.br SINDICATO DOSENGENHEIROS DEVOLTA REDONDA (RJ)Tel: (24) 3343-1606Telefax: (24)[email protected]://www.senge-vr.org.br/
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FisengeFederação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
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editorial
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Avanços e
O final dos anos 1980 e o início da década de 1990 marcaram um período histórico no Brasil.
De um lado, a instauração do projeto neoliberal e, por outro, a ascensão do movimento sin-
dical. A Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) surge neste contexto,
com o objetivo de construir uma estrutura sindical horizontal, de combate, de classe e de luta. Vá-
rios são os elementos que compõem esta história. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) surge
em 1983, durante o 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), no contraponto do
sindicalismo corporativo, burocrático e cartorial. Mais de cinco mil homens e mulheres, vindos de
todas as regiões do país, lotaram o galpão da extinta companhia cinematográfica Vera Cruz.
Em meados dos anos 1980, os sindicatos de engenheiros filiados à CUT se organizaram em um fó-
rum denominado EngeCUT. Este movimento ao lado de sindicatos de engenheiros independentes
segue no entendimento de superar determinadas práticas sindicais e avançar na luta dos trabalha-
dores. E é exatamente em 1991 que a ruptura se dá com a Federação Nacional dos Engenheiros
(FNE) e é iniciada a construção da Coordenação Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge),
que, em 1993, se consolida como Fisenge.
Os anos 1990 foram marcados pelo forte processo de desindustrialização, com a abertura comer-
cial e financeira promovida pelo governo Collor. E este processo foi fatal tanto para a engenharia
como para a sociedade. Demissões em massa, privatizações e desregulamentação do trabalho.
Estava posta uma nova ordem no mundo do trabalho, guiada pelo capital internacional. A luta
não era por melhores condições de trabalho e salários, mas sim pela manutenção do emprego.
Greves históricas foram realizadas como a dos petroleiros, em maio de 1995 por 32 dias; e a do
setor elétrico, em agosto de 1990 por 30 dias. Estas foram mobilizações pela defesa do patrimônio
nacional e contra a política entreguista do projeto neoliberal, que contaram com a contribuição do
movimento de engenheiros organizado na Fisenge.
A resistência ao projeto neoliberal seguiu firme na agenda política da Federação, ao lado de mo-
vimentos sociais e populares. E esta é a linha que norteia a fundação da Fisenge em sua origem:
somar as lutas da engenharia à luta dos trabalhadores. Apoiamos incondicionalmente a luta pela
reforma agrária, pela reforma urbana, pela reforma do sistema político, pela democratização dos
meios de comunicação, contra o desemprego, contra as privatizações, entre outras bandeiras.
Hoje, o país vive um importante momento de mobilização popular pela radicalização da demo-
cracia e é nosso compromisso fortalecer a participação da classe trabalhadora na organização da
sociedade brasileira. Avançamos e podemos avançar mais na construção de uma sociedade justa,
fraterna e igualitária.
Carlos R. BittencourtP R E S I D E N T E
transformações sociais
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EM MOVIMENTOé uma publicação da Fisenge - Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros.
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DIRETORIA EXECUTIVA(2011 / 2014)
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sumário
20 ANOS FISENGE: UMA HISTÓRIA DE LUTA E TRANSFORMAÇÕES
1993 > 2013: 20 anos de luta e história
Presidentes de sindicatos saúdam 20 anos da Fisenge
Fisenge e suas origens: entrevistas e relatosLuiz Carlos Soares
Carlos Roberto Aguiar
Paulo Bubach
Maria Cristina Sá
Manoel Barretto
Maria José Salles
Olímpio Santos
Carlos Roberto Bittencourt
Charges
Jornais
Congressos nacionais de sindicatos de engenheiros
Rio de Janeiro sediará 10º Congresso Nacionalde Sindicatos de Engenheiros
Sindicatos promovem estratégias para renovação sindical
Articulação internacional fortalece negociação coletiva
Mulheres são sujeitos, e não objetos da história
Histórias de Eugênia: mulher, mãe e engenheira
Assédio moral é violência
ESPECIAL REFORMA POLÍTICA
Entrevista com o deputado federal Henrique Fontana
Brasil ocupa 118º lugar no ranking de 198 países sobre a participação
política das mulheres
Reforma política: para quê?
REFORMA AGRÁRIA
Reforma agrária já!
Uma história de luta: Trabalhadora rural sem terra ameaçada no Pará
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ARTIGOS:
O contexto científico na origem
da Engenharia brasileira
Telecomunicações: balanço
crítico de 15 anos
Água é um direito do cidadão e
dever do Estado brasileiro
A Crise Internacional e a
América Latina
Democratização da
Comunicação
Água e energia com soberania,
distribuição da riqueza e
controle popular
Espionagem dos EUA na
Petrobras e no Governo
Brasileiro
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artigo
O CONTEXTO CIENTÍFICONA ORIGEM DA
ENGENHARIA BRASILEIRAAGAMENON R. E. OLIVEIRA
Engenheiro mecânico, mestre e doutor em ciências mecânicas e, atualmente, historiador da
ciência, com doutorado nesta área, trabalhando no campo do estudo da história das ciências da
engenharia ao longo do século XIX. Diretor do Senge-RJ e suplente da diretoria da Fisenge. Tem
cerca de 70 trabalhos científicos publicados no Brasil e no exterior. Em novembro de 2013, irá
publicar pela Editora Springer o livro: A History of the Work Concept: from phisics to economics,
que é uma história do conceito físico de trabalho e de sua incorporação à economia.
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Em face da história da enge-
nharia brasileira, existem duas
correntes de opinião. Uma,
que considera sua origem na Real
Academia de Artilharia, Fortificação
e Desenho, fundada no Rio de Janei-
ro, no ano de 1792. A segunda, que
situa no ano de 1810 sua origem,
quando a Academia Real Militar foi
fundada também no Rio de janeiro,
por um ato do príncipe regente, fu-
turo D. João VI, em substituição à
primeira instituição.
Naquela, além dos cursos de in-
fantaria e cavalaria, começava um
curso de engenharia com duração
de seis anos, quando no último ano
já se ensinava disciplinas tais como
materiais de construção, estradas,
pontes, canais, diques e comportas.
Como sabemos, disciplinas típicas
dos cursos de engenharia civis atu-
ais. Ambas as instituições funcio-
naram no local conhecido como
casa do trem de artilharia, onde
hoje é o Museu Histórico Nacional.
Em 1812, a Academia Real Militar
transferiu-se para o Largo de São
Francisco de Paula onde hoje é o
IFCS (Instituto de Filosofia e Ciên-
cias Sociais).
Com relação à Academia Real Mi-
litar, destinava-se ao ensino das
ciências exatas e da engenharia,
formando não somente oficiais de
engenharia e artilharia, como tam-
bém engenheiros geógrafos e to-
pógrafos. Seu curso completo era
de sete anos, para os quais havia
11 professores titulares, denomi-
nados lentes, e cinco professores
substitutos. O primeiro ano era
uma espécie de preparatório, para
suprir as deficiências do ensino se-
cundário. No 2º, 3º e 4º anos eram
ensinadas as disciplinas básicas
e, nos três últimos, as disciplinas
aplicadas militares e de engenha-
ria. Estava ainda previsto um oita-
vo ano, para o estudo da história
militar, que efetivamente nunca se
concretizou.
Neste período, ou mais precisamen-
te no final do século XVIII, uma cul-
tura científica começa a se formar
no Brasil, como uma consequência
e um reflexo de processo semelhan-
te que ocorria em Portugal. Como
marcos fundamentais, podemos
considerar as várias reformas edu-
cacionais, em especial a partir de
1772 com a reforma da Universi-
dade de Coimbra. No Brasil, neste
estágio inicial, essa cultura que aos
poucos ia se formando, caracteri-
zava-se pelo seu aspecto utilitário,
como ocorria na metrópole, na
medida em que os conhecimentos
adquiridos serviam como instru-
mentos para o desenvolvimento da
agricultura, das artes mecânicas e
do comércio.
INFLUÊNCIAS FRANCESAS
A influência científica mais direta
neste período de formação e criação
dos cursos de engenharia no Brasil
vem da Escola Politécnica de Paris,
fundada nos anos que se seguiram
à Revolução Francesa. Nesses anos
posteriores a 1789, o ambiente na
França era de confusão e desorga-
nização do quadro institucional. Al-
guns problemas careciam de uma
solução urgente. O ensino superior
francês deixou de funcionar durante
certo tempo, mas quando começou
a funcionar precisava ser profunda-
mente reformado.
A situação dos transportes era ca-
ótica. Não somente com relação às
estradas, mas as tecnologias para re-
cuperar canais, portos e transporte
marítimo estavam superadas.
Com uma proposta de um ensino
de novo tipo foi criada em Paris,
em dezembro de 1794 a Escola
Central de Trabalhos Públicos e
que no ano seguinte passaria a se
chamar Escola Politécnica inician-
do seus trabalhos com 400 alunos.
Sua fundação se devia à iniciativa
de um grupo de cientistas e enge-
nheiros sob a liderança de Gaspar
Monge (1746-1818). Desde sua
fase inicial contou com um reno-
mado quadro de professores como
Lagrange (1736-1813), seu primei-
ro professor de análise matemá-
tica, o famoso matemático Pierre
Simon de Laplace (1749-1827),
além de Bertholet (1748-1822) e o
próprio Monge, o criador da geo-
metria descritiva.
O sucesso da Escola Politécnica foi
enorme. Por ela passaram sucessivas
gerações dos mais famosos vultos
da ciência mundial além de ter sido,
durante muito tempo, um grande
centro de produção e difusão de
conhecimento. Em pouco tempo o
modelo politécnico de ensino pas-
sou a ser imitado e influenciar outras
escolas que iam sendo criadas como
foi o caso da brasileira. Na Academia
Real Militar tanto os cursos, os livros
utilizados e até alguns professores
eram franceses.
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artigo
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Em 1816, após a derrota de Napoleão,
o intercâmbio entre Brasil e França se
restabeleceu. A convite da corte por-
tuguesa, uma missão artística france-
sa veio ao Brasil, liderada por Joaquim
Lebreton (1760-1819), sendo com-
posta por um grupo de artistas plásti-
cos realizando trabalhos que até hoje
são admirados. Entre eles os pintores
Jean Baptiste Debret (1768-1848) e
Nicolas Antoine Taunay (1755-1830),
os escultores Marc (1788-1850) e
ZéphirinFerrez (1797-1851).
A CIÊNCIA DO SÉCULO XIX
A ciência saída da Revolução Cien-
tífica do século XVII, produzida por
Galileu (1564-1642), Newton (1642-
1727), Descartes (1596-1650), Lei-
bniz (1646-1716) e outros, não foi
aplicada diretamente na solução dos
problemas de engenharia. Todas elas
passaram por um longo processo de
elaboração teórico, experimental e
até empírico.
Mesmo o cálculo diferencial e inte-
gral criados de forma independente
por Newton e Leibniz precisava ad-
quirir uma forma algorítmica que fa-
cilitasse sua manipulação simbólica
e lógica além de ter que se despojar
de uma série de incongruências di-
tas metafísicas, o que somente foi
resolvido paulatinamente e direta-
mente associado a suas aplicações
aos problemas de engenharia. Tam-
bém pela Escola Politécnica de Paris
uma parte importante desta elabo-
ração foi sendo realizada.
Nas três primeiras décadas do século
XIX uma série importante de novas
disciplinas científicas da engenharia
foi sendo criada e outras desenvol-
vidas tendo como base o legado
científico dos fundadores da ciência
moderna, principalmente o cálculo
infinitesimal. Dessa forma podemos
citar o surgimento da termodinâ-
mica, obra de Sadi Carnot (1796-
1832), engenheiro politécnico, fi-
lho de Lazare Carnot (1756-1823),
matemático e politico famoso per-
tencente ao grupo que influenciou
a criação da Escola Politécnica. Seu
único livro “Reflexões sobre a potên-
cia motriz do fogo”, publicado após
1824 é a obra fundadora da termo-
dinâmica.
A ELETRODINÂMICA DE ANDRÉ
Marie Ampère (1775-1836), a
transferência de calor de Jean Bap-
tiste Fourier (1772-1837), a mecâ-
nica aplicada de Jean Victor Ponce-
let (1788-1867) e a resistência dos
materiais de Henri Navier (1785-
1836) e Barré de Saint Venant
(1797-1886). Esses últimos todos
engenheiros politécnicos ou profes-
sores dessa escola.
O PANORAMA CIENTÍFICONO BRASIL
Com a vinda da corte portuguesa
para o Brasil em 1808, foi se for-
mando uma sociedade sob um regi-
me colonial, de tipo patriarcal, base-
ado em um regime agroexportador
e escravista. As classes dominantes
eram formadas por elites senhoriais
que viviam nas províncias e pela no-
breza sustentada pela coroa e que
impunha sobre os outros grupos
sociais diversificados entre agriculto-
res, artesãos, comerciantes e outros
que viviam de pequenos ofícios, pe-
sadas obrigações tributárias.
Uns poucos intelectuais que aqui
viviam e não pertenciam à elite se-
nhorial, eram geralmente formados
pela Universidade de Coimbra ou
em outras universidades europeias.
Trabalhavam como professores nas
casas das famílias mais abastadas
oferecendo instrução.
Nas duas primeiras décadas poste-
riores a 1808, foram criadas as se-
guintes instituições: Arquivo Militar,
Casa da Moeda, Impressão Régia,
Biblioteca Real, Museu Real, Jardim
Botânico, Academia de Belas Artes,
Academia Real Militar, Academia
Real de Guardas-Marinhas, Escola
de Medicina e de Direito, além de
diversos cursos profissionalizantes.
Uma série de liberações foram fei-
tas, sendo as mais importantes a
abertura dos portos brasileiros ao
mercado internacional, tendo eles
se tornado mais importantes para
o comércio com a Inglaterra que os
portos portugueses. Foi decretada a
liberdade de instalação de fábricas e
as invenções foram incentivadas.
É importante observar que o desen-
volvimento de uma cultura científica
no Brasil dessa época ainda era pro-
fundamente dificultado pela censu-
ra que se fazia sobre a publicação
de livros. Tanto em Portugal quanto
no Brasil Colônia, os livros eram sub-
metidos a três censuras: a episco-
pal, a da Inquisição e a Régia. Até a
proclamação da independência em
1822, os livros entravam clandesti-
namente e quem os possuísse incor-
ria em crime. Este era o panorama
no qual uma cultura científica dava
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os primeiros passos, em um ambien-
te onde não havia educação para o
povo, não havia livrarias, apesar de
a primeira tipografia ter sido criada
em 1808. Datam dessa época os pri-
meiros periódicos.
CONCLUSÕES
Quando se instala no Rio de Janei-
ro o primeiro curso de engenharia,
quer consideremos sua origem 1792
ou 1810, o país iniciava uma trajetó-
ria no sentido de se constituir como
nação construindo um estado, um
território e uma cultura própria. A
vinda da família Real em 1808 foi
um marco fundamental nesta cons-
trução pelos aspectos liberalizantes
que promoveu e pelo conjunto de
instituições que aqui foram criadas.
O ensino de engenharia nesta época
se espelhava diretamente no mode-
lo politécnico criado com a Escola
Politécnica de Paris e que se inseria
em uma conjuntura completamente
diversa da brasileira.
Outras escolas de engenharia no
Brasil somente vão surgir mais para
o final do século XIX impulsionadas
por uma incipiente industrialização
que vai ganhar força a partir da dé-
cada de 30 do século seguinte. A
segunda escola de engenharia bra-
sileira é a Escola de Minas de Ouro
Preto, fundada em 12 de outubro de
1876, dirigida pelo francês Claude
Henri Gorceix, e a segunda é a Es-
cola Politécnica de S. Paulo, fundada
em 1893.
REFERÊNCIAS
GOULART, S. M., Da Cultura Cien-
tífica no Brasil (1821-1831): entre
dois ideais, A Ciência Moderna e a
Nação Brasileira. Tese de Doutorado
apresentada a UFRJ, 2013.
SCHWARTZMAN, S., Formação da
Comunidade Científica no Brasil, S.
Paulo, Editora Nacional, 1979.
OLIVEIRA, J. C., D. João VI e a Cul-
tura Científica, Rio de Janeiro, 2008.
Planta do Arsenal do Trem, do engenheiro Jacques Funck, 1770
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MÁRCIO PATUSCOEngenheiro de telecomunicações,
que trabalhou, na Nec do Brasil,
onde se aperfeiçoou em comuta-
ção na Nec Tokyo, e na Embratel
no período estatal e privado,
responsável pela introdução de
novas tecnologias. Representante
brasileiro em diversas reuniões
da UIT e autor do livro “RDSI: A
Infraestrutura para a Sociedade da
Informação”. Atualmente é Diretor
Técnico do Clube de Engenharia.
Antes da privatização ocorrida
em 1998, a prestação dos
serviços de telecomunicações
no Brasil era realizada por empre-
sas públicas estaduais e a Embratel
como integradora nacional, reuni-
das em uma holding, a Telebrás.
Muito embora o resultado econô-
mico do conjunto dessas empresas
fosse superavitário, frequentemen-
te haviam limitações de investi-
mento impostas pela área econô-
mica do governo federal, o que
dificultava um bom atendimento
das demandas existentes em nossa
sociedade.
Com a sanha privatista Reagan-
-Tatcher que se sucedeu em todo o
mundo, mediante formas diversas,
as telecomunicações foram objeto
de mudanças radicais, tanto no as-
pecto dos serviços quanto da pro-
dução. No Brasil, houve uma prepa-
ração para esta nova ordem, com
um aumento significativo de tarifas
e a elaboração da Lei Geral de Tele-
comunicações – LGT – que passaria
TELECOMUNICAÇÕES:BALANÇO CRÍTICO DE 15 ANOS
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11
a reger a nova forma de prestação
dos serviços. Foi criada a Anatel
para regular e fiscalizar a atuação
das empresas privadas e realizados
leilões vinculados a outorgas com
regras de cobertura de todo o terri-
tório nacional.
Nessa nova formulação, o serviço de
telefonia fixa – STFC – foi o único
concebido para ser prestado sob o re-
gime público, significando que have-
ria metas de universalização, controle
de tarifas e bens reversíveis ao final
do contrato de concessão. Os demais
serviços – telefonia móvel, internet,
tv por assinatura, etc. –, seriam pres-
tados sobre regime privado, dando
maior liberdade às novas operadoras
na sua maneira de colocar os recur-
sos e facilidades à disposição dos
usuários.
Contrariamente à maioria dos países
que também empreenderam privati-
zações, não houve preocupação em
manter uma empresa nacional que
pudesse cuidar de comunicações
estratégicas como segurança, da-
dos críticos do setor governamental,
comunicações das forças armadas,
manutenção e expansão da infra-
estrutura básica de comunicações
e atendimento público de forma
geral em áreas menos favorecidas
socialmente. Todas as operadoras
resultantes, depois de varias fusões
e aquisições, são multinacionais lo-
gicamente muito mais orientadas
aos seus interesses comerciais, e sem
dúvida, em remessa de lucros para
suas sedes.
Apesar do crescimento das deman-
das em todas as áreas de serviços,
as encomendas no parque fabril
nacional diminuíram, resultando no
fechamento de indústrias e na trans-
formação de centros de pesquisa e
desenvolvimento em meras consul-
torias. Nossa balança comercial de
produtos eletroeletrônicos registra
déficits anuais crescentes estando
atualmente na casa dos 30 bilhões
de dólares. Segundo números da UIT
– União Internacional de Telecomu-
nicações -, órgão das Nações Uni-
das para telecomunicações, o Brasil
ocupava em 2012 a 92ª posição em
uma cesta de tarifas de serviços, ou
seja, existem 91 países com tarifas
menores que as nossas. No mesmo
relatório estamos em 60º lugar em
implementações de recursos de TICs
(Tecnologia da Informação e Comu-
nicação), atrás de praticamente to-
dos os nossos vizinhos sul-america-
nos. No entanto, o alentador é que,
mais recentemente, nossas posições
melhoraram nesses indicadores, a
ponto da UIT destacar o Brasil como
a evolução mais promissora entre to-
dos os países, com um pujante mer-
cado de receitas pelas operadoras
de cerca de 100 bilhões de dólares
anuais, que nos coloca atrás ape-
nas de EUA, Japão e China. Além
disso, observa-se uma tendência de
queda de preços da banda larga e
também acertos nas licitações de
espectro para o serviço celular 3G
e 4G, na colocação pela Anatel de
compromissos de atendimento pelas
operadoras nas regiões com menor
atrativo comercial.
Nossa regulamentação de serviços,
por sua orientação a plataformas
tecnológicas, vem se constituindo
também em um complicador para
um cenário de transparência e com-
petição mais justa. Acrescente-se a
isso que as leis para os serviços de
radiodifusão, regulados pelo Código
Brasileiro de Telecomunicações de
1962, encontram-se bastante desa-
tualizadas. A própria UIT vem reco-
mendando aos países, e muitos já
implementaram, que em virtude da
convergência tecnológica, migrem
suas regulamentações para uma se-
paração por tipo de capacitações de
rede, sempre separando infraestru-
tura de conteúdo.
Em 2009, para se empreender a co-
leta das propostas para uma reforma
das leis no setor, o governo realizou
a I Conferênia Nacional de Comuni-
cações (I Confecom) com participa-
ção da sociedade civil, empresários
e entidades governamentais. Surgi-
ram propostas para as diversas áreas
das comunicações nacionais, que
poderiam vir a se constituir em um
Marco Regulatório das Comunica-
ções, de forma a alavancar o país
para o desenvolvimento pleno nes-
se setor. No entanto, até agora não
houve disposição política de enfren-
tar o desafio dessa reforma.
Em alguns casos, como no Plano Na-
cional de Banda Larga – PNBL – não
se tem conseguido o resultado ini-
cialmente previsto. Dos 28 milhões
de acessos a serem comercializados
até 2014, apenas cerca de 2 milhões
foram efetivados até o momento.
Apesar de desonerações fiscais, in-
centivos à produção, o plano vem
patinando sem alcançar o sucesso
que o governo esperava. A Telebrás,
recriada acertadamente como su-
porte ao desenvolvimento desse pla-
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12
artigo
Mar
cello
Cas
al J
r/A
Br
no, com a perspectiva ambiciosa de
ser uma operadora genuinamente
nacional para o nosso mercado, vem
sofrendo cortes em seus investimen-
tos, indicando que uma mudança
em sua prioridade inicial pode estar
em curso.
A atuação da Anatel vem sendo
bastante criticada pela sociedade
por não estar do lado da defesa dos
interesses dos usuários, transpa-
recendo uma cooptação por parte
dos prestadores de serviço. Juntan-
do-se a isso, os recursos do Fundo
de Fiscalização das Telecomunica-
ções – Fistel -, criado exatamen-
te para a finalidade de fazer com
que a Anatel pudesse realizar suas
tarefas, vem sendo seguidamente
contingenciado para realização de
superávits primários do governo.
O mesmo ocorre com o Fundo de
Universalização dos Serviços de Te-
lecomunicações – Fust -, que deve-
ria estar sendo empregado na uni-
versalização da telefonia fixa, e que
pelo alto custo da tarifa básica, cer-
ca de R$ 45,00, não encontra mais
aceitação pela sociedade, apesar de
sua pequena penetração, compara-
da a outros países.
Como se pode observar, os últimos
15 anos do setor de telecomunica-
ções no Brasil foram de erros e acer-
tos. O que se espera para o futuro
é uma ação coordenada do governo
no sentido da discussão de uma re-
gulamentação que possa vir a ala-
vancar o país para um caminho de
desenvolvimento sustentável com
responsabilidade social, aproveitan-
do os ensinamentos desse passado
recente.
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saneamento básico
1313
Acesso universal aos serviços de
água potável, esgotamento
sanitário e de resíduos sólidos.
Estes são alguns dos elementos que
compõem o setor de saneamento
básico. Este ano, o Brasil está pres-
tes a sancionar o Plano Nacional de
Saneamento Básico (Plansab), fruto
de anos de luta dos movimentos
sociais e organizações. Mesmo com
avanços, o setor sofre com tentati-
vas de desmonte, especificamente
com o avanço das Parcerias Públi-
co-Privadas (PPPs). Com o objetivo
de relatar um panorama do setor,
apontando desafios e gargalos, en-
trevistamos o secretário-geral da
Fisenge, Clovis Nascimento, que
já foi diretor nacional de Água e
Esgotos da Secretaria Nacional de
Saneamento Ambiental no Minis-
tério das Cidades (MinCidades) e,
atualmente, representa a federação
na Frente Nacional pelo Saneamen-
to Ambiental (FNSA) e no Conselho
das Cidades (ConCidades).
FISENGE: Nos anos 1990, o sane-amento brasileiro viveu um lon-go período de abandono e des-monte. Como você avalia o setor desde então?
CLOVIS: As décadas de 1980 e 1990
foram consideradas décadas perdi-
das para o saneamento brasileiro.Até
2003, o saneamento viveu um perío-
do muito complicado, nos governos
de Fernando Henrique Cardoso, até
mesmo nos governos anteriores, de
Itamar Franco, de Collor. Uma das
lógicas daquele período era a asfixia
das empresas públicas para que elas
ficassem cada vez mais sucateadas,
como forma de viabilizar a privatiza-
ção do setor do saneamento brasi-
leiro. Uma das grandes barreiras foi,
justamente, a titularidade municipal.
As empresas estaduais, na verdade,
são concessionárias estaduais a ser-
viço dos municípios. Nem a ditadura
militar derrubou a titularidade mu-
nicipal, durante a criação do Plano
Nacional de Saneamento (Planasa).
Foram criadas as empresas estaduais
de saneamento e, naquela ocasião,
o artifício era a negação de recursos
aos municípios, que não se convenias-
sem com as empresas estaduais. Mas
eles fizeram com que os municípios se
conveniassem às empresas estaduais,
ou seja, mesmo a ditadura militar res-
peitou a titularidade municipal. Essa
titularidade municipal foi referendada
na Constituição de 1988. Pairava uma
dúvida quanto às regiões metropo-
litanas, devido à titularidade. Nesse
momento, começou uma queda de
braço que foi parar no Supremo Tri-
bunal Federal (STF). Sabiamente, o STF
definiu que a titularidade é municipal
nos locais estanques e nos municípios
das regiões metropolitanas a titulari-
dade é compartilhada entre o estado
e os municípios componentes daquela
região. Até 2003, o setor estava fada-
do a um processo de desmonte. Com
a assunção do presidente Lula, a partir
de 2003, foram contratados 3 bilhões
para o setor público de saneamento.
No ano de 2004, foram contratados 6
bilhões, o dobro. Já no ano de 2005,
mais três bilhões. O saneamento, nes-
se período, fazia parte ainda do supe-
rávit primário. Naquela ocasião, nós
empreendemos uma luta para que os
recursos do saneamento saíssem do
cálculo do superávit primário. Com
tudo isso, os recursos financiados so-
mados aos recursos do Orçamento
Geral da União (OGU) eram bastan-
te representativos, em face da asfixia
dos dez anos anteriores. A asfixia dos
dez anos anteriores fez com que as
empresas acabassem desmontando
os setores de planejamento técnico
e projetos. Quando os investimentos
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ENTREVISTA | Clovis Nascimento
Água é um direito do cidadão e dever do Estado brasileiro”
“
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14
saneamento básico
são retomados, há a contratação de
3 bilhões e 780 milhões, o que foi
realmente desembolsado foi 1 bilhão
e 260 milhões apenas. No segundo
ano, dos 6 bilhões contratados foi de-
sembolsado 1 bilhão e 600 milhões.
FISENGE: Acompanhamos obras ina -cabadas, muitas vezes, por con ta da falta de diálogo entre os go-vernos municipais e esta duais. Como esta situação vem sendo gestionada?CLOVIS: Um ponto muito importan-
te nessa história foi a alteração dos
manuais de contratação, pelo Go-
verno Federal. Isto significa que,
quando você contrata uma obra de
saneamento, é preciso definir para o
Governo Federal quem irá operar e
manter o sistema a ser implantado,
seja empresa estadual ou municipal,
ou até mesmo a empresa privada.
Esta é uma prática importante, pois,
no passado, muitos recursos foram
obtidos, a obra ficava pronta e não
tinha quem operasse. E esse vazio
se dava por conta de questões polí-
ticas, quando estado e município não
dialogavam. Desta forma, quando
o estado for o tomador do recur-
so para fazer obra no governo A, B
ou C, é preciso anuência do prefeito
para aquela obra. Esta prática só foi
adotada em 2003. A lógica anterior
levava a obra inacabada, sem funcio-
nalidade, e o prejuízo era de quem?
Do cidadão. Um grande problema
das empresas estaduais de sanea-
mento é a gestão. Lembro-me de
que tinha empresa no Nordeste que
só funcionava na parte da tarde. Ou-
tra, na mesma região, teve, em um
ano, três presidentes. Uma dessas
empresas não existe mais. Há que se
ter um choque de gestão nas empre-
sas, com compromisso político. Após
a materialização dos investimentos
em obras, cabe às empresas operar e
manter os sistemas implantados.
FISENGE: Como estão os índices de cobertura de saneamento no Brasil?CLOVIS: Hoje, o Brasil, tem indica-
dores de cobertura bem razoáveis.
O último levantamento do Sistema
Nacional de Informações sobre Sa-
neamento (SNIS) apontou que o
país, nas regiões urbanas, tem perto
de 94% de cobertura de água. Por
outro lado, se considerarmos as áre-
as urbanas, rurais e periféricas, esse
número cai. Posso dizer com convic-
ção que, hoje, no Brasil falta água
para a população mais pobre, aquela
que vive nos bolsões de pobreza, nas
áreas periféricas, nas favelas, nas zo-
nas periurbanas. De um modo geral,
esse problema de abastecimento de
água está bem equacionado. 6% de
200 milhões de habitantes sem água
potável representa um número mui-
to grande, correspondente a quatro
países do tamanho do Uruguai sem
acesso a água potável. Do ponto de
vista sanitário, é muito grave esse
dado. Defendemos que o acesso a
água tem que ser universal. Todos
os cidadãos e as cidadãs desse país
têm que ter acesso à água potável.
Ainda convivemos com um número
muito complicado na área de morta-
lidade infantil por doenças de veicu-
lação hídrica. A universalização deve
ser uma obstinização dos governos.
O quadro na área de esgotamen-
to sanitário é muito ruim. Na área
urbana, temos apenas 50% da po-
pulação atendida, ou seja, metade
da população não tem acesso aos
serviços de esgotamento sanitário.
Dos 50% que são atendidos, 30%
apenas têm esses esgotos tratados e
o destino final adequado. O quadro
na área de esgotamento sanitário
ainda é muito complicado. A área de
resíduos sólidos, especificamente de
coleta de lixo, apresenta indicadores
muito bons. Nosso problema está lo-
calizado no destino final desse lixo.
Normalmente, o lixo acaba nos lixões
onde proliferam os ratos, as baratas,
e acaba produzindo o chorume, que
polui os aquíferos subterrâneos.
FISENGE: A solução seria, então, mais aterros sanitários?CLOVIS: Na realidade, a solução é ater-
ro sanitário com vigilância e acom-
panhamento permanentes. Aterro
sanitário sem manutenção vira lixão
em pouco tempo. Outro aspecto
que vejo que é muito grave no sane-
amento é a questão do manejo das
águas pluviais. Ainda convivemos, no
Brasil, com as inundações devido às
chuvas intensas. Assistimos todos os
anos as ruas inundadas, enchentes e
acidentes trágicos, muitas vezes, por
falta de política pública. Os governos
agora têm implementado medidas
para minimizar esses aspectos como,
por exemplo, os piscinões, muito
embora ainda não saibamos concre-
tamente a eficiência desta medida.
Fundamental é o investimento em
drenagem urbana.
FISENGE: Temos assistido a uma o -fen siva das Parcerias Público-Priva-das (PPPs) no setor de saneamento. Como você avalia essa prática? CLOVIS: Somos contra as PPPs no sa-
neamento, porque são privatizações
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15
A RETOMADAS DOS INVESTIMENTOS PÚBLICOS - GOVERNO FEDERALRecursos Totais (OGU + FIN)
travestidas em parcerias. As PPPs
têm retornado à agenda com um
vigor muito grande e não podemos
permitir que o saneamento brasileiro
seja privatizado, como objeto de lu-
cro. Na verdade, o saneamento é um
monopólio natural e água é vida. A
água está diretamente ligada à vida
dos seres humanos, que necessitam,
para sua existência, da energia reti-
rada do alimento, do oxigênio que
nós respiramos e da água. Se faltar
um dos três o ser humano morre.
Então, não dá para admitir que a
água seja objeto de mercado. Água
é um direito do cidadão e dever do
Estado brasileiro.
FISENGE: O saneamento é um setor estratégico para o país?CLOVIS: Sem dúvida alguma, o sane-
amento gera recursos, ou seja, ele
é um indutor do desenvolvimento,
influencia na cadeia produtiva, no
segmento de serviços e na indústria
de materiais e tubulações, além de
contribuir para geração de empre-
go e renda. Infelizmente, as doen-
ças de veiculação hídricas ainda são
responsáveis por um número enor-
me de óbitos no Brasil, e também
acabam interferindo no dia a dia do
cidadão e até na economia do país.
O setor de saneamento é estratégi-
co, porque é um gênero de primeira
necessidade do cidadão e da cidadã.
FISENGE: Como foi o processo de cons trução do Plansab?CLOVIS: O Brasil passou muitos anos
sem ter um arcabouço legal que
pudesse dar um norte e definir as
macros diretrizes para o saneamen-
to brasileiro. A partir de 2007, com
a promulgação da Lei 11.445 que
foi resultado de uma luta intensa
do setor de saneamento, iniciou-se
um trabalho de formulação do Pla-
no Nacional de Saneamento Básico
(Plansab) que está consignado na
lei. Este dispositivo estabelece prazos
para que estados e municípios apre-
sentem o seu plano municipal e esta-
dual de saneamento. À época, foram
contratadas três universidades: UFRJ,
UFMG e UFBA para contribuírem
com o Plansab. Estas universidades
fizeram um belíssimo trabalho ava-
liando três possíveis cenários econô-
micos, e partiram para a definição da
universalização dos serviços num pra-
zo de 20 anos. Esse trabalho precisa
ser conhecido por todos, porque es-
tabelece um conjunto de regras que
contemplam a participação popular e
o controle social, fazendo com que o
cidadão e a cidadã sejam sujeitos des-
sa política, e nunca mais objeto dela.
O protagonismo da população está
consignado nas linhas do Plansab,
que foi aprovado no Comitê Técnico
de Saneamento do Conselho Nacio-
nal das Cidades, depois aprovado
pelo próprio Conselho das Cidades,
e será submetido ao Conselho Na-
cional de Meio Ambiente (Conama).
Após esta aprovação, o plano irá para
a sanção da Presidência da República.
O Plansab é uma vitória e participa-
mos ativamente de sua construção,
desde o seu início.
FISENGE: É possível universalizar esses serviços?CLOVIS: Para universalizar esses ser-
viços, é preciso haver investimentos
e o governo está empenhado em
fazê-los. Mas precisamos modernizar
e mexer com a gestão das empresas,
além de buscar compromissos políti-
cos com estados e municípios. Des-
ta forma, poderemos, no intervalo
de 20 anos, atingir a tão almejada
universalização. No Brasil, temos 27
empresas estaduais de saneamento e
cerca de 1.500 empresas municipais
públicas que prestam um serviço de
qualidade, e algumas empresas pri-
vadas. É importante enfatizar que
não podemos permitir que o setor
público de saneamento brasileiro seja
privatizado. Temos que lutar muito.
Lutar não só para impedir a privatiza-
ção do saneamento, como também
lutar para que as empresas públicas
prestem um serviço público eficiente,
eficaz e de qualidade. Para que a po-
pulação se orgulhe cada vez mais do
serviço público brasileiro.
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16
artigo
Quando a crise econômica inter-
nacional irrompeu mais forte-
mente no último trimestre de
2008, os países latino-americanos
estavam vivendo uma situação ímpar
de crescimento generalizado que não
havia sido vivenciada nas três déca-
das precedentes. Iniciado em 2004,
esse período de crescimento médio
superior a 5% ao ano (excluído da
estatística o México, que desde os
acordos do Tratado de Livre Comér-
cio da América do Norte, conhecido
pela sigla em inglês NAFTA, se vincu-
la mais diretamente à economias dos
EUA) era o primeiro desde a redemo-
cratização da região, de coexistência
entre institucionalidade democrática
e crescimento econômico.
As explicações para esse movimento
consistente têm talvez duas verten-
tes. A primeira, relacionada com a
superação de restrições estruturais
de balanço de pagamentos experi-
mentadas por quase todas as econo-
mias da região. Tendo vivido crises
financeiras desde a segunda meta-
de da década de 1990, a adminis-
tração macroeconômica dos países
da região se mantinha preocupada
com as restrições representadas pelo
encurtamento do acesso a moedas
fortes, especialmente em um ce-
nário de liberalização comercial e
financeira, e os novos governos da
região que buscavam caminhos al-
ternativos de desenvolvimento eram
particularmente sensíveis a esse pro-
A CRISE INTERNACIONALE A AMÉRICA LATINA
arti
go
ADHEMAR S. MINEIROEconomista, Técnico do Departa-
mento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
e assessor da Rede Brasileira pela
Integração dos Povos (REBRIP)
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17
blema. A superação dessa situação
parece ter sido possível pelo enorme
crescimento do preço das commodi-
ties, já que os países da região são
grandes exportadores de commodi-
ties agrícolas, minerais e energéticas,
relacionada em parte ao incremento
da demanda asiática, particularmen-
te da China, e em parte pela espe-
culação financeira com o preço de
commodities. Essa situação também
levou à acumulação de reservas que
ajudaram a manter calmos os mer-
cados financeiros da região.
A situação dos preços das commo-
dities ajudou a evitar problemas de
balanço de pagamentos, o que re-
presentava espaço para o crescimen-
to econômico, mas não era em si o
crescimento econômico. Assim, o
crescimento econômico desde 2004
na região deve ser entendido a par-
tir das políticas nacionais em vários
dos países da região, especialmente
a partir de programas de transfe-
rência de renda e políticas de cresci-
mento dos salários, em particular o
salário mínimo. O que significa que
o crescimento na região deve ser as-
sociado de perto com a expansão do
consumo nos mercados nacionais,
e um tipo de ciclo virtuoso derivado
dessa expansão, conduzindo à ex-
pansão dos investimentos privados,
mas também ao crescimento da ar-
recadação de impostos que permitia
mais espaço para o crescimento dos
gastos públicos, sejam esses gas-
tos em aumento dos programas de
transferência de renda, seja através
de incremento do investimento pú-
blico. Em alguns países, o aumento
das rendas do setor público também
era explicado pelo crescimento de
alguns bens importados importantes
do qual o Estado se apropria da ren-
da de alguma forma (cobre, no caso
do Chile, petróleo, no caso da Vene-
zuela, ou soja, no caso da Argentina,
são alguns dos exemplos). Esse tipo
de política econômica ajudou a fazer
crescer a renda dos trabalhadores, re-
duzir o desemprego e formalizar ocu-
pações na região, alterando de forma
lenta, porém progressiva, a qualidade
dos mercados de trabalho na maioria
dos países da região.
Os efeitos imediatos da crise de 2008
na região foram, de certa forma, di-
ferenciados. Eles foram mais sentidos
por países mais integrados e depen-
dentes da economia estadunidense
(o México e muitos países da América
Central, por exemplo, assim como os
diretamente dependentes dos preços
do petróleo no mercado internacio-
nal, como a Venezuela, já que esses
preços estavam entre os que mais ca-
íram), embora a queda generalizada
dos preços de commodities em ge-
ral, pelos impactos possíveis sobre o
balanço de pagamentos dos países
da região, colocavam dúvidas sobre
as possibilidades de seguir crescen-
do. Entretanto, a maior parte em es-
pecial dos países da América do Sul
resolveu confrontar a agenda em-
presarial para a crise que apareceu
no primeiro momento (composta
pelo conjunto de medidas tradicio-
nais defendidos pelo setor empresa-
rial e formuladores conservadores,
e ado tada por exemplo, na União
Europeia, onde a crise se arrasta –
ajuste fiscal e política monetária res-
tritiva, e um novo ciclo de reformas
libera lizantes, incluindo mais liberali-
zação e flexibilização do mercado de
trabalho), e optar pela continuidade
do crescimento, através de políticas
que buscavam manter a expansão
da renda e do emprego, expansão
do crédito, desonerações, apoio fi-
nanceiro ao setor privado a partir do
setor público, crescimento do gasto
e do investimento públicos e tenta-
tiva de aumentar o nível de reservas.
Essa estratégia funcionou bem para
a recuperação da crise, e os países
latino-americanos que optaram por
esse caminho tiveram rápida recupe-
ração em 2009 e 2010. Entretanto, a
manutenção da dependência desses
países em relação aos mercados fi-
nanceiros e comerciais globalizados,
e a dependência em relação à expor-
tação de commodities os têm man-
tidos prisioneiros de um mercado
global que patina com a crise, não
oferecendo dinamismo. Pior agora,
pois mesmo as economias asiáticas,
e em especial a economia chinesa,
começam a reduzir o seu ritmo de
crescimento, o que tem impactado
negativamente as economias latino
-americanas.
Assim, fica mais evidente que, para
seguir na direção do crescimento
pela qual esses países pareciam ter
apostado em resposta à crise interna-
cional, é mais do que necessário bus-
car escapar mais uma vez, como se
tentou no passado, da dependência
externa, criando caminhos próprios
de desenvolvimento e, quem sabe,
buscando apostar mais fortemente
no processo de integração da própria
região. A integração regional aparece
assim como uma alternativa possível
para uma nova estratégia alternativa
de desenvolvimento.
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18
especial 20 anos
20 ANOSFISENGEUMA HISTÓRIA DE LUTAE TRANSFORMAÇÕES
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19
1991 foi o início da
F e d e r a ç ã o
In terestadu-
al de Sindicatos de Engenheiros
(Fisenge). Neste ano, engenheiros
organizados em seus sindicatos
demonstravam insatisfação com a
política da Federação Nacional de
Engenheiros (FNE). Ele mento central
nessa ruptura foi o entendimento de
que a engenharia é parte da luta dos
trabalhadores como um todo, para
além do corporativismo.
Era o fim dos anos 1980 e o início
dos anos 1990, décadas considera-
das perdidas pela sociedade, uma
vez que a política neoliberal se
consolidava cada vez mais no país.
Privatizações e demissões em mas-
sa foram situações que tomaram
conta do cenário brasileiro à época
e o enfrentamento se tornou mais
do que necessário. Nesse momen-
to, um grupo de sindicatos filiados
à Central Única dos Trabalhadores
(CUT) se organizaram no EngeCUT
e, ao lado de sindicatos de enge-
nheiros independentes, polariza-
vam com o grupo hegemônico da
FNE,, criaram a Entidade de Enge-
nheiros da CUT (EngeCUT). O en-
genheiro e deputado federal Jorge
Bittar (PT-RJ) participou da Comis-
são Nacional Pró-CUT e foi respon-
sável pelo desenho do logotipo da
CUT. "Foi o momento da ruptura
do sindicalismo pelego com o novo
sindicalismo, com a aglutinação
das lutas por melhores salários e
condições de trabalho à luta pela
construção da democracia e justiça
social", afirmou. De acordo com o
historiador Helder Molina, a partici-
pação dos trabalhadores do serviço
público federal, lado a lado com os
bancários, metalúrgicos, professo-
res, e dezenas de outras categorias
de trabalhadores, contra o sindica-
lismo pelego e atrelado ao Estado e
aos patrões, foi decisiva para fazer
nascer a CUT. "Significou a con-
solidação de um polo combativo,
anticapitalista, e de esquerda, com
conteúdo socialista e democrático.
A Fisenge é produto de um contex-
to histórico extremamente impor-
tante para a classe trabalhadora",
explicou.
A CUT surgiu há exatos 30 anos,
em um período de democratiza-
ção do país, pós-ditadura militar,
quando surge o chamado "novo
sindicalismo", para romper com o
sindicalismo oficial corporativo e
cartorial. Alinhados a essa política e
à divergência sistemática de princí-
pio em relação à condução da FNE,
os sindicatos começaram a se orga-
nizar e no V Encontro Nacional de
Sindicatos de Engenheiros (Ense),
que precedeu a eleição da gestão
1988/1991, essa polarização ficou
ainda mais nítida.
E no VI Ense foi deflagrada a ruptura
oficial e realizado o I Congresso Na-
cional de Sindicatos de Engenheiros
(Consenge), em 1991, Belo Horizon-
te (MG). Estas foram as considera-
das décadas perdidas (1980/1990),
devido às ofensivas do projeto neo-
liberal para o desmonte do Estado,
retirada de direitos dos trabalhado-
res, demissões e privatizações. "Nes-
se con texto de resistência e enfren-
tamento às políticas neoliberais, a
Fisenge, fazendo parte do sindica-
lismo combativo, liderou passeatas,
paralisações, marchas, greves seto-
riais e greves gerais, mobilizando
os trabalhadores como protagonis-
tas e sujeitos políticos da luta pela
implementação de seus direitos",
contou Molina.
"Para os trabalhadores, trata-se antes de construir uma democracia que ultrapasse as portas das empresas, e um desenvolvimento que chegue às casas dos trabalhadores"
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20
especial 20 anos
Bittar lembrou que o fundamental
sempre foi manter a luta da enge-
nharia dentro da luta dos trabalha-
dores. "Sempre atuamos, na CUT e
no Senge-RJ, articulados com asso-
ciações de moradores, movimentos
populares e comitê nas empresas.
O trabalho de base repercutia nos-
sas ações. A Fisenge foi um marco,
porque representou justamente a
construção de um sindicalismo com-
bativo e comprometido com um
projeto de nação justo e solidário",
pontuou. Antes de se tornar Fisen-
ge, outros nomes foram aventados
como Fisen, ainda como Federação
de Sindicatos de Engenheiros. Entre
os princípios da Fisenge, estava a
democratização da estrutura sindi-
cal e a coordenação, articulação e o
apoio a todos os sindicatos filiados.
Dos anos 1990 para cá, a Fisenge
firmou resistência ao projeto neo-
liberal e lutou firmemente contra
as privatizações. Diversas foram as
mobilizações históricas desses pe-
ríodos, como a greve dos petrolei-
ros, em 1995; e a greve do setor
elétrico em 1990. Milhares de tra-
balhadores pressionaram, por meio
de greve e mobilização popular, as
empresas por melhores condições
de trabalho e por um modelo pú-
blico e estatal dos setores. "Nestes
20 anos de lutas sociais e políti-
cas da classe trabalhadora, tenho
acompanhado de perto o combate
e resistência da Fisenge, com rumo,
estrutura, raízes e história constru-
ídos na independência de classe,
com autonomia plena em relação
aos partidos políticos, patrões e Es-
tado", destacou Molina.
Com a ascensão do então presiden-
te Lula, em 2002, muitos avan ços
foram conquistados, principalmen-
te no sentido de diminuir os preju-
ízos do projeto privatista anterior.
E a primeira mulher presidenta da
república do Brasil, Dilma Rousseff,
dá continuidade a um governo com-
prometido com as causas populares.
Políticas pa ra agricultura familiar,
criação do Con selho das Cidades,
realização de Conferências Nacio-
nais, diminuição da pobreza e ins-
trumentos de distribuição de renda
foram alguns dos avanços.
É claro que a Fisenge acompa nhou
e acompanha estas transformações
sociais, pressionando pela radicaliza-
ção destas ações por uma sociedade
justa e solidária. "A participação po-
lítica consciente é fundamental para
fortalecer os laços entre os trabalha-
dores na difícil luta contra a explo-
ração econômica e social dos traba-
lhadores pelo capital, e na busca de
uma outra sociedade, sem opressão
de qualquer forma e conteúdo, e
sem dominação e exploração capi-
talista. Uma sociedade de homens
e mulheres livres e emancipados",
concluiu Molina.
Confira a seguir trechos de uma tese
apresentada no I Consenge. Intitula-
do "Ação sindical e plano de luta",
o documento é de autoria de Ronal-
do Barbosa Macedo; Paulo Roberto
de Souza Melo; Everton de Almeida
Carvalho; Luis Carlos Cardoso; Aga-
menon Oliveira e Artur Obino Neto
(tese Senge-RJ).
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21
A Nosso Desafio A superação da origem “corpora-
tiva” de nossos sindicatos tem se
revelado mais difícil que parecia
alguns anos atrás, em grande
parte pelo modo como vemos
e como somos vistos pela classe
trabalhadora. Ainda que objeti-
vamente tenhamos nos proleta-
rizado, ainda mantemos como
engenheiros um posição privile-
giada no interior das empresas.
Em grande parte por sermos
detentores de um “saber” e de
uma “posição” destacada na
organização do trabalho. Superar
essa situação é nosso desafio.
B Nossa dívidaO processo de cooptação ide-
ológica dos profissionais espe-
cializados é o primeiro grande
obstáculo que enfrentamos.
Precisamos entender (e fazer en-
tender) melhor as relações entre
a tecnologia e organização do
trabalho subjacentes à “moder-
nização pós-industrial”, para me-
lhor enfrentar a marginalização
e o empobrecimento crescente.
Assim, a “questão tecnológica”
torna-se uma questão política,
e somos, dentro do movimento
sindical, aqueles que estão mais
aparelhados para enfrentá-la.
Essa, nossa dívida para com os
trabalhadores.
C Nossa responsabilidadeAs condições de trabalho, de em-
prego e de salário têm se deterio-
rado significativamente nos últimos
anos. A defesa dos interesses
econômicos da categoria é a razão
primeira de nossas entidades e é
através dessa luta que ganhamos
representatividade. Nessa direção
já ocupamos muitos espaços mas
temos muitos outros a ocupar. A
experiência da integração do mo-
vimento sindical dos engenheiros
no movimento sindical de todos os
trabalhadores foi vitoriosa e tem
que ser incrementada. Ampliá-la é
a nossa responsabilidade para com
os engenheiros.
D Nosso compromissoMas não podemos restringir nossa
atuação às negociações coletivas.
A formulação de políticas públicas
que se contraponham às propostas
pela classe dominante bem como a
disputa pela formação da opinião
pública é também uma tarefa sin-
dical. Assim fazendo superaremos
velhas posturas “corporativistas”
e contribuiremos para o avanço da
democracia em nosso país. Para que
essa tarefa ultrapasse a necessária
(mas não suficiente) teorização de-
vemos incrementar nossos contatos
com os movimentos populares. A
experiência de apoio e participação
nas associações de moradores tem
se mostrado excelente ponto de
partida. O diálogo com estes movi-
mentos e não a mera “assistência
é imprescindível para a superação
dos vícios tecnocráticos propiciados
por nossa formação e inserção na
sociedade. É nosso compromisso
colocar nossas capacidades e
disponibilidades a serviço dessas
entidades.
E Nossa organizaçãoA operacionalização dessas pro-
postas impõe mudanças em nos-
sa organização. Torna-se urgente
a formação em nossas entidades
de uma consciência coletiva de
que é im pres cindível:
- travar o debate ideológico
- enfrentar a “questão
tecnológica”
- profissionalizar as negociações
- assessorar os movimentos
populares
F Nossa lutaFala-se em reconstrução. Para os
trabalhadores, trata-se antes de
construir uma democracia que ul-
trapasse as portas das empresas,
e um desenvolvimento que che-
gue às casas dos trabalhadores.
Precisamos alcançar, e rápido,
relações capital-trabalho civiliza-
das. Sem a intromissão do Estado
(Ministério do Trabalho/Justiça do
Trabalho). Com o fortalecimento
de nossas entidades. Devemos
intervir criativamente no deba-
te que se trava no Congresso,
atualmente. O atendimento das
reivindicações históricas dos
trabalhadores só se dará pelo
fortalecimento do movimento
sindical. Essa é nossa luta.
AÇÃO SINDICAL E PLANO DE LUTAS
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22
1993 > 2013
2009Democratizar
a comunicação
para democratizar
a sociedade. É
realizada a 1ª
Conferência Nacional
de Comunicação
(Confecom).
2006Em fevereiro, cerca de 2 mil
mulheres da Via Campesina
ocuparam o horto florestal da
Aracruz Celulose, em Barra
do Ribeiro, Rio Grande do Sul,
com o objetivo de denunciar
as consequências sociais e am-
bientais dos desertos verdes.
2011Em janeiro de 2011, com
as chuvas de verão, cidades
brasileiras ficaram destruídas,
milhares de pessoas
desabrigadas, centenas de
feridos e mortos. As tragédias
revelaram a histórica falta de
planejamento das cidades.
2010O Brasil é condenado pela Corte Intera-
mericana de Direitos Humanos pelos
crimes cometidos durante a Guerrilha do
Araguaia, onde dezenas de militantes
políticos desapareceram e sem que sequer
fossem publicadas informações a respeito.
No mesmo ano é eleita a primeira mulher
presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.
1999Em 1999, foi criado o
Comitê Coordenador
do Planejamento da
Expansão do Sistema
Elétrico (CCPE). Boa
parte das empresas do
setor elétrico nacional é
privatizada.
2000Em 2000, acontece, em Brasília, a 1ª Marcha
das Margaridas. Mais de 20 mil trabalhadoras
rurais de todo o país marcharam contra a
fome, a pobreza e a violência contra a mulher.
No mesmo ano, acontece o Plebiscito
Nacional da Dívida Externa. Mais de seis
milhões de pessoas participaram do plebiscito.
1993
Em 21 de abril
de 1993, é rea-
lizado, no Brasil,
o plebiscito
sobre sistema de
governo. Ganhou
a República
Presidencialista.
1998Em julho, acontece uma das
maiores privatizações do país.
Por meio de leilão, a Telebrás
é entre gue ao capital privado.
Na Venezuela, Hugo Chávez
é eleito presidente, rompendo
com os 40 anos de vigência do
Pacto de Punto Fijo.
2004No mês de abril, o Movimento dos
Sem Terra (MST) dá início a uma onda
de ocupações em todo o país, que fica
conhecida como “abril vermelho”. É criada
a Aliança Bolivariana para os Povos da
Nossa América (ALBA) com o objetivo de
integração social, política e econômica entre
os países da América Latina e do Caribe.
2005Na noite de 30 de março, 30
pessoas foram assassinadas a tiros
em 11 locais das cidades de Nova
Iguaçu e Queimados, municípios
da Baixada Fluminense, no Rio
de Janeiro. O episódio ficou
conhecido como a Chacina da
Baixada Fluminense.
1994Em junho, tem início o Plano Real,
criado para diminuir e controlar a
inflação no Brasil.
Acontece o 2º processo eleitoral ab-
erto e com votação direta, depois do
fim da ditadura civil-militar no Brasil.
Fernando Henrique Cardoso é eleito
presidente do Brasil.
1995
Em 1995, começa a greve nacional dos
petroleiros, coordenada pela Central Única
dos Trabalhadores (CUT). O governo FHC faz
uma represália aos trabalhadores. O Exér-
cito ocupa quatro refinarias da Petrobrás. No
mesmo ano, é criado o Conselho Nacional
de Desestatização, pela Lei nº 9.491, e
sancionada a Lei da Concessões.
20 ANOS DE LUTA E HISTÓRIA
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23
especial 20 anos
2008O Brasil descobre uma nova reserva de petróleo:
o pré-sal. Com a perspectiva de 90 bilhões de barris,
movimentos populares lutam contra a privatização
do petróleo e do gás. O movimento, que teve início
na década de 1940, durante o governo de Getúlio
Vargas, ressurge com força total com a campanha
“O Petróleo Tem que Ser Nosso”. No mesmo ano é
provada a Lei Ficha Limpa.
2007Mais de 3,5 milhões de pessoas dizem não
ao Plebiscito Popular da Vale. Consulta ouviu
3.729.538 pessoas em 3.157 cidades brasileiras.
94,5% disseram “Não” ao leilão que privatizou
a Vale do Rio Doce. No mesmo ano, o então
presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
sanciona a Lei 11.445, mais conhecida como a Lei
do Saneamento Básico.
2003O Senado aprova em 1º turno a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) da Reforma da
Previdência. O então presidente dos Estados
Unidos, George W.Bush, inicia a guerra no
Iraque.
Também acontece a 1ª Conferência Nacional das
Cidades, que estabeleceu parâmetros para uma
Política de Desenvolvimento Urbano.
1996No município de Eldorado dos Carajás,
no sul do Pará, 19 trabalhadores
sem-terra são assassinados pela
polícia militar. No mesmo ano, a
Light, principal empresa de geração e
distribuição de energia elétrica no Rio
de Janeiro, é privatizada, por meio do
programa fe deral de desestatização.
2002Em 2002, mais de 10
milhões de pessoas
disseram não à Área
de Livre Comércio
das Américas (Alca).
Também é eleito
presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
2013Milhares de pessoas foram às ruas
durante todo o mês de junho.
Inicialmente, saíram para contestar os
aumentos nas tarifas de transporte
público, apontando para mudanças
estruturais na sociedade, como a
reforma política e a democratização
dos meios de comunicação.
2012Entidades e
organizações
reforçam campanha
por renovação das
concessões do setor
elétrico nacional.
2001Em 2001, é realizado o
primeiro Fórum Social
Mundial na cidade de
Porto Alegre, Rio Grande
do Sul, Brasil. No mesmo
ano, acontece a crise do
apagão energético.
1997Em 6 de maio de 1997 é leiloada, a preço irrisório, a maior empresa
de minério do Brasil, a Vale do Rio Doce. No mesmo ano, acontece
a Marcha dos 100 mil do Movimento dos Sem Terra (MST).
também em 1997, FHC promulga a lei 9.478, também conhecida
como Lei do Petróleo, um marco da quebra do monopólio estatal
na exploração de petróleo. Além disso, é criada a Agência Nacional
do Petróleo (ANP), órgão regulador do setor privado na pesquisa,
exploração, refino, exportação e importação de petróleo.
20 ANOS DE LUTA E HISTÓRIA
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24
Saudamos a Fisenge pelos 20
anos, sobretudo como expressão
de seu reconhecimento e importân-
cia na conexão do sindicato com
questões nacionais, além de ser uma
representação nas demandas do
capital e trabalho, que envolvem as
negociações nacionais. Destacamos
também a atuação persistente no
arranjo social de nosso país naquilo
que depende do olhar e do conheci-
mento qualificado da engenharia.
JOSÉ EZEQUIEL RAMOS, presidente do Sindicato dos Engenheiros do Estado de Rondônia (Senge-RO)
“
”
“Com a atuação da Fisenge, os
engenheiros puderam exercer
melhor a engenharia. Sua criação
foi fundamental para a unificação
de ações que beneficiaram não só
a categoria, como também toda
sociedade. Pela contribuição do
trabalho que foi realizado, parece
que foram mais de 20 anos.
ORLANDO ZARDO, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Espírito Santo (Senge-ES)
”
“A Fisenge foi fundamental na
construção do Conselho
das Cidades e na organização e
articulação política da I Conferência
Nacional das Cidades. Na época, fiz
a proposta de criação do Plenário
e das Câmaras Técnicas, hoje
adotadas nos âmbitos federal,
estadual e municipal, baseado no
funcionamento do plenário dos
Creas. Nossa participação, por meio
da Fisenge, foi essencial para a
elaboração das Políticas Nacionais
de Saneamento, Habitação e
Mobilidade Urbana.
UBIRATAN FÉLIX, presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA)
”
“AFisenge, nos últimos 20 anos, tem cumprido o papel fundamental de
aglutinar as reivindicações, as deman-das e as necessidades apresentadas pelos sindicatos de engenheiros filiados. Acredito que a Federação, no período de sua existência, tem conseguido cumprir o papel de agregar e transformar em universal aquilo que é demanda de suas bases. A Fisenge tem uma importância significativa no cenário da Engenharia nacional.
RAUL OTÁVIO DA SILVA PEREIRA, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Minas Gerais (Senge-MG)
”
PRESIDENTESDE SINDICATOS saúdam20 anos da Fisenge
Tivemos a coragem de romper com a estrutura sindical brasileira,
protagonizada pela FNE naquele momento, em plena ofensiva neoliberal
do governo Collor apoiada pela mídia comercial. Nesse contexto e com
nossas convicções de mudança e combatividade, fundamos a Federação
Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). Nesse caminhar,
encontramos eixos que definiram e definem a nossa agenda - a construção
de um outro projeto de nação: justa, solidária e igualitária.
OLÍMPIO SANTOS, presidente do Sindicato
dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ)
“
”
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25
especial 20 anos
AFisenge cumpre o importante
papel de ampliar o debate
sobre lutas estaduais dos sindicatos
da categoria, levando os pleitos
regionais à vitrine nacional. Nesses
20 anos de história, a atuação
da Fisenge vai para além das
questões corporativas, no trabalho
de articulação e na promoção da
discussão com outras entidades de
classe de temas relevantes para a
sociedade brasileira.
ULISSES KANIAK, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR)
“
”
O papel político-sindical que
a Fisenge representa para
os sindicatos de engenheiros
em todo o Brasil é de extrema
importância. A Federação traz
mais peso e credibilidade às
nossas ações e projetos e nos
orienta de diversas formas,
além de ser uma entidade com
reconhecimento mundial. Eu, e
toda a diretoria do Senge-VR,
parabenizamos a Fisenge pelos
seus 20 anos de trabalho sério
e respeito ao profissional de
engenharia.
JOÃO THOMAZ, presidente do Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda
“
”
Ahistória de 20 anos da Fisenge
orgulha o movimento sindical e
a engenharia nacional. Poucas fe-
derações no Brasil têm uma história
tão rica, que antecede até mesmo
a sua fundação. Além das questões
mais específicas dos profissionais
da engenharia, a luta permanente
na defesa da sociedade em grandes
temas nacionais tem sido uma das
marcas da Fisenge e, por isso, para
nós engenheiros agrônomos do Sea-
gro-SC é motivo de orgulho sermos
um dos seus sindicatos filiados.
VLADEMIR GAZONI, presidente do Sindicato dos Engenheiros Agrônomos de Santa Catarina
“
”
Com 20 Anos de História, a
Fisenge garantiu importantes
conquistas e avanços para os
engenheiros participando e
zelando pelos nossos direitos,
pela democracia e pela liberdade.
Parabéns à Fisenge pelos 20 anos
de luta.
ARMANDO DUARTE MARINHO, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado da Paraíba (Senge-PB)
“
”
Nestes anos de participação, posso
afirmar que, os diretores e con-
selheiros fiscais e deliberativos têm
cuidado com muito zelo da imagem
da Federação e têm contribuído para
o desenvolvimento da engenharia,
principalmente nas políticas públicas
para a habitação, transporte, sanea-
mento, agricultura e energia, bem
como na valorização profissional.
ROSIVALDO RIBEIRO, presidente do Sindicato dos Engenheiros de Sergipe (Senge-SE)
“
”
“A Fisenge foi a melhor
novidade que aconteceu
no movimento das entidades
de engenharia do Brasil,
nos últimos 20 anos. Foi a
entidade que ocupou o espaço
político progressista e que
propiciou os avanços ao lado
dos movimentos sociais que
transformaram o Brasil.
FERNANDO FREITAS, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Pernambuco (Senge-PE)
”
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26
Entendo que é pertinente fa zer
uma breve resenha histórica a
respeito das origens da Fisen-
ge, porque, atualmente, não devem
exis tir muitos participantes ainda
remanescentes da época da criação
da entidade e conhecedores da sua
bela história.
A partir dos avanços ocorridos na
ação e organização sindical da dé-
cada de 1970, os trabalhadores
brasileiros foram incentivados a se
organizarem de modo mais forte e
consistente na busca por melhores
salários, oportunidades e condições
de trabalho.
Assim, o movimento sindical dos
engenheiros também foi influencia-
do, até porque passou a ocorrer um
significativo crescimento no número
de engenheiros que passaram à ca-
tegoria de assalariados.
A Federação Nacional de Engenhei-
ros (FNE) congregava os sindicatos de
engenheiros e realizava o Encontro
Nacional de Sindicatos de Engenhei-
ros (ENSE) a cada dois anos. Era uma
entidade, na qual predominava o Sin-
dicato dos Engenheiros no Estado de
São Paulo (SEESP), sigla vigorante até
Div
ulga
ção/
Cre
a/PR
FISENGEE SUAS ORIGENS ENGENHEIRO LUIZ CARLOS SOARES, que foi coordenador da Coordenação Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge)
hoje, de modo diferenciado dos de-
mais, os Senges.
Nos anos 1980, muitas direções sin-
dicais de engenheiros - até então
mais voltadas para questões empre-
sariais e para profissionais autôno-
mos - passaram a ser substituídas por
direções mais voltadas para a defesa
dos seus representados, no que se re-
fere às relações de trabalho.
Suas estratégias mais fortes passaram
a ser desenvolvidas nas negociações
de salários e de condições de traba-
lho, diretamente com as direções das
empresas e/ou dos sindicatos patro-
nais. Ou seja, investiu-se na busca de
Acordos e Convenções Coletivas de
Trabalho (ACTs e CCTs), em vez de
burocráticos processos de Dissídios
Coletivos, nas instâncias dos Tribu-
nais Regionais e Superior do Traba-
lho. Isso constituiu um grande divisor
de águas na ação sindical entre gru-
pos distintos de sindicatos de enge-
nheiros, então filiados à FNE. Alguns
sindicatos organizaram uma articula-
ção informal, o Engecut, e se filiaram
à CUT, que foi criada em 1983.
No ENSE de 1988, em Belém-PA, as
divergências quanto às perspectivas
de destino se cristalizaram e condu-
ziram a uma disputa pela presidên-
cia da FNE.
No ENSE de 1990, em Brasília,
após muitos e acalorados deba-
tes, um grupo de Senges decidiu
pela desfiliação à FNE e formação
de uma nova entidade. De início,
pensou-se em uma entidade de
coordenação do grupo, com fun-
ções federativas, porém sem se
chamar federação. Essa entidade
foi formalizada em abril de 1991,
em Belo Horizonte, no 1º Congres-
so Nacional de Sindicatos de Enge-
nheiros (Consenge), sigla que per-
manece até hoje. A entidade foi
denominada Coordenação Nacio-
nal de Sindicatos de Engenheiros
(Consenge), da qual eu me tornei
o Coordenador Geral, com prerro-
gativas de presidente.
No 2º Consenge, em 1993, no Rio
de Janeiro, a entidade passou, en-
tão, a se denominar Federação Inte-
restadual de Sindicatos de Engenhei-
ros (Fisenge), tal como é conhecida
e reconhecida até hoje, tanto nacio-
nal como até internacionalmente.
A partir daí, sua história fala por si
mesma!
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27
especial 20 anos
De Coordenação à Federação
Interestadual de Sindicatos de
Engenheiros (Fisenge). Quem
conta esta história é o primeiro pre-
sidente da federação, Carlos Roberto
Aguiar (Carlão), eleito em 1993, no II
Congresso Nacional de Sindicatos de
Engenheiros (Consenge), no Rio de
Janeiro. Durante o congresso, Carlão
apresentou uma tese apontando a
continuidade do Consenge e a mu-
dança de coordenação para federa-
ção. Após ampla discussão, a tese
foi aceita. Nasce, assim, a Federação
Interestadual de Sindicatos de Enge-
nheiros (Fisenge), constituída pelos
Senges identificados com a renova-
ção sindical no Brasil. Inicialmente, a
primeira diretoria da Fisenge teve um
mandato de apenas dois anos. Nesta
primeira composição (1993/1995),
Carlão foi eleito presidente e nos
dois congressos seguintes reeleito
por mais dois mandatos (1995/1997
e 1997/1999). Foi diretor de rela-
ções sindicais no mandato de 1999
a 2002 e foi diretor suplente na atual
diretoria (2005/2008).
Você assumiu a primeira presi-dência da Fisenge. Como foi o momento de transição de coorde-nação para federação? Essa decisão de transformar a Con-
Arq
uivo
/Fis
enge
“O movimento de engenheiros sempre
esteve presente na luta pela construção de uma
sociedade fraterna e igualitária”,
CARLOS ROBERTO AGUIAR
senge em Fisenge aconteceu no Con-
gresso realizado no Rio de Janeiro,
onde eu também fui eleito o primeiro
presidente. No início, foram muitas as
dificuldades tanto no campo político
como no financeiro. A FNE dificultava
ao máximo a nossa legalização junto
ao Ministério do Trabalho e, sem a
legalização, não poderíamos receber
o imposto sindical. Com muita luta e
apoio de companheiros e sindicatos,
reunimos os sindicatos do mesmo
campo político e conseguimos en-
trar no Confea para conquistarmos
assento no Colégio de Entidades Na-
cionais (Cden).
A década de 1990 foi um período marcado pelo avanço do Estado mínimo e do neoliberalismo. Po-deria contar um pouco sobre esse momento histórico e a interven-ção do movimento de engenhei-ros? A década de 1990 foi marcada pela
greve nacional dos trabalhadores do
setor elétrico, da qual eu participei.
Como presidente do Senge-PE, fui
demitido da Chesf. O governo de
Fernando Collor foi um momento
de privatizações não somente do
setor elétrico, como também de te-
lecomunicações; tivemos um grande
número de demissões e a extinção
do planejamento a longo prazo das
empresas. Nessa época, sobrava vaga
nos cursos de engenharia, até porque
não havia vaga no mercado de tra-
balho. Lutamos bravamente contra
a privatização do setor elétrico; das
telecomunicações, da CSN; da Vale.
Considero que 1990 foi uma década
perdida para o país.
20 anos depois, o que mudou e o que precisa avançar? Hoje, avançamos muito, mas ain-
da enfrentamos as consequências
nefastas da década de 1990, como
a alienação de grande parte da ju-
ventude; e ainda enfrentamos uma
inversão de valores muito cruel. Ao
invés de solidariedade, vemos o in-
dividualismo predominando nas
relações. Precisamos romper com
esta mentalidade mercantil e o mo-
vimento de engenheiros sempre
esteve e está presente na luta pela
construção de uma sociedade frater-
na e igualitária.
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28
Div
ulga
ção/
Seng
e-ES Foi no final da década de
1990, exatamente em 1999,
que o engenheiro civil Paulo
Bubach assumiu a presidência da
Federação Interestadual de Sindi-
catos de Engenheiros (Fisenge).
A eleição aconteceu durante o 5º
Congresso Nacional de Sindica-
tos de Engenheiros (Consenge),
em Recife. Bubach foi reeleito no
6º Consenge, em Aracaju, e exer-
ceu o mandato até abril de 2004,
quando assumiu a chefia de gabi-
nete no Conselho Federal de Enge-
nharia e Agronomia (Confea).
Qual era a conjuntura brasileira
quando assumiu a presidência da
Fisenge?
O final da década de 1990 foi um
período terrível para os brasileiros
e para a engenharia. Isso porque
predominava com muita força a
concepção neoliberal de governo.
Dentro dessa avaliação, havia o en-
tendimento de que o remédio para
combater crises externas era a reces-
são. Quando o país não cresce, a pri-
meira categoria a sentir os impactos
é a engenharia, que trabalha direta-
mente no setor produtivo. Seguindo
uma política de Estado mínimo, ou
seja, um estado praticamente sem
intervenção, as empresas estatais
foram depreciadas e muitas privati-
zadas. E não havia investimento em
infraestrutura. Nessa época, as lutas
maiores eram contra o arrocho sala-
rial e contra as privatizações.
Quais foram as principais lutas
das quais a Fisenge participou
nessa época?
Conseguimos barrar algumas priva-
tizações e, numa luta política mais
ampla, lutamos firmemente contra
a Área de Livre Comércio das Amé-
ricas (Alca), que queria transformar
o Brasil em mercado dos EUA. Tam-
bém estivemos presentes nas lutas
contra a intervenção do Fundo Mo-
netário Internacional (FMI) no país.
20 anos depois, o que mudou?
Hoje, vivemos uma conjuntura radi-
calmente diferente da década de
1990. O país começou a valorizar o
mercado interno, investir em infra-
estrutura (saneamento, habitação,
transportes) e há uma demanda
maior por engenheiros. O Brasil ain-
da carece de ações mais ousadas nas
políticas públicas, pois muito ainda
tem que ser feito. Tenho acompa-
nhado a luta da Fisenge pela refor-
ma política e a considero central e
estratégica para o avanço do país.
Existem setores que não querem a
reforma do sistema político, que es-
tão vinculados a interesses de mer-
cado. Precisamos lutar para que o
Brasil não retroceda.
“A reforma políticaé central na lutados trabalhadores”,
PAULO BUBACH
“O PAÍS COMEÇOU A VALORIZAR O MERCADO INTERNO,
INVESTIR EM INFRAESTRUTURA (SANEAMENTO, HABITAÇÃO,
TRANSPORTES) E HÁ UMA DEMANDA MAIOR POR
ENGENHEIROS.”
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29
especial 20 anos
A engenheira contribuiu imen-
sa mente para a construção
da Federação Interestadual de
Sindicatos de Engenheiros (Fisenge).
“Os engenheiros não podem estar
ausentes das grandes questões na-
cionais. As elites brasileiras têm se
servido com voracidade do poder,
utilizando-o para seus interesses.
Transvestem-se das mais variadas
formas. A última foi a capa da mo-
dernidade e a promessa de levar o
país ao Primeiro Mundo. Sabemos
aonde esse ‘pesadelo neoliberal’ nos
tem levado”. Trecho do discurso de
Maria Cristina Sá, primeira mulher a
assumir a presidência do Sindicato
de Engenheiros no Estado de Minas
Gerais (Senge-MG), entre os anos
de 1990 a 1995, por dois mandatos,
período que contribuiu fortemente
para a construção da Federação In-
terestadual de Sindicatos de Enge-
nheiros.
Você assumiu a presidência do Senge-MG num momento pós redemocratização do Brasil. Que fatos políticos marcaram este pe-ríodo?Participamos da Constituinte de
1988, acompanhamos o fim do go-
verno Sarney, o início do governo
Collor e seu impeachment. Era uma
época de efervescência política. No
entanto, havia uma forte tentativa
de implantação de um novo mode-
lo no país, com a abertura total e
a destruição do patrimônio público
com o sucateamento e as privatiza-
ções. A recessão atingiu duramen-
te os engenheiros e cerca de 30%
dos profissionais estavam desem-
pregados ou fora do exercício pro-
fissional, além do desrespeito aos
salários e o desmantelamento de
equipes técnicas.
Como se deu a construção da Fi sen ge?Havia uma disputa interna muito grande sobre a filiação à Central Úni-ca dos Trabalhadores (CUT), quan-do ainda estávamos na Federação Nacional dos Engenheiros (FNE). O Senge-MG tinha acabado de se fi-liar à CUT e nos colocamos ao lado do grupo que fundou a Fisenge. Em abril de 1991, aconteceu o I Congres-so Nacional de Sindicatos de Enge-nheiros, que culminou na criação da Coordenação Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge), que, em 1993, consolidou a Federação Inte-restadual de Sindicatos de Engenhei-ros (Fisenge). Desde então, dirigimos, pela Fisenge, campanhas salariais
importantes em todo o Brasil, além
de lutarmos contra as privatizações
das principais estatais. Um caso foi a
entrega da Vale do Rio Doce. Os anos
1990 foram trágicos e a maior parte
do patrimônio público foi dizimado.
Hoje, há um enorme processo de despolitização na socieda-de. De que forma o movimento sindical pode contribuir para a reversão deste quadro?Estamos passando por um momen-
to muito difícil, porque setores mais
à esquerda estão muito perdidos.
Houve avanço com o governo Lula,
mas há uma certa acomodação. Não
temos mais a política que tanto mo-
bilizou na Constituinte de 1988, até
porque, hoje, a sociedade está mui-
to centrada numa perspectiva indi-
vidualista. Precisamos seguir na luta
pela construção de uma sociedade
mais justa e fraterna.
MARIA CRISTINA SÁ foi uma das primeiras mulheres a participar da direção da Fisenge
Arq
uivo
Sen
ge-M
G
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30
Valeu a pena". Assim define o
ex-diretor da Federação In-
te restadual de Sindicatos de
En genheiros (Fisenge), Manoel Bar-
retto, sobre a criação da federação.
Barretto foi vice-presidente de 1993
a 1995, diretor executivo nas ges-
tões de 1995 a 1997 e de 1997 a
1999. Hoje, Manoel Barretto é presi-
dente da Companhia de Pesquisa de
Recursos Minerais (CPRM) e destaca
a articulação dos sindicatos cutistas
na Engecut (Entidade de Engenhei-
ros da CUT), que atuava de forma
organizada dentro da Federação Na-
cional dos Engenheiros (FNE), antes
da ruptura para a construção da Fi-
senge.
Como foi o momento político de construção da Fisenge?Naquele momento, ainda lutávamos
para assegurar as liberdades demo-
cráticas, haja vista o recente pro-
cesso de redemocratização do país,
e sempre empenhados na construção
de um projeto de nação solidário e
justo. Estava na nossa agenda po-
lítica o fortalecimento da Central
Única dos Trabalhadores (CUT) e do
movimento sindical como um todo.
Esta, inclusive, foi uma das causas
de ruptura com a FNE. Sempre de-
fendemos a autonomia, a indepen-
dência e a va lorização de entidades
sindicais voltadas aos interesses dos
trabalhadores. A consolidação da
Fi senge, durante o Congresso Na-
cional em Belo Horizonte, foi um
fato histórico no movimento sindi-
cal e uma vitória muito grande.
Foi exatamente nos anos 1990 que aconteceu a implantação e o fortalecimento do projeto ne-oliberal. Como foi a atuação do movimento?Nessa época, nos anos 1990, foi
dado início ao processo de priva-
tização do serviço público, especial-
mente o setor elétrico. A Fisenge,
por meio de seus sindicatos filiados,
esteve à frente desta luta contra a
privatização do setor elétrico com
manifestações e denúncias. Até ho-
je, a sociedade ainda sofre com as
consequências das privatizações.
Qual a diferença entre os movi-mentos sindicais à época?Viemos com uma outra prática: a de
um trabalho junto aos sindicatos de
base e aos movimentos populares,
em parceria com os sindicatos majo-
ritários, construindo e fortalecendo
um outro movimento sindical. Foi
um avanço nas lutas sindicais. Vários
sindicatos de base surgiram a partir
disso, contrapondo a visão cartorial
de muitas entidades à época.
MANOEL BARRETTOfala sobre aprática domovimento sindical
"
“SEMPRE DEFENDEMOS A AUTONOMIA, A INDEPENDÊNCIA
E A VA LORIZAÇÃO DE ENTIDADES SINDICAIS
VOLTADAS AOS INTERESSES DOS TRABALHADORES. A
CONSOLIDAÇÃO DA FI SENGE, DURANTE O CONGRESSO
NACIONAL EM BELO HORIZONTE, FOI UM FATO HISTÓRICO NO
MOVIMENTO SINDICAL E UMA VITÓRIA MUITO GRANDE.”
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31
especial 20 anos
Desde a primeira mesa e a pri-
meira cadeira da federação,
Maria José Salles, a Zezé, parti-
cipou não apenas da organização da
estrutura da Fisenge, como também
e, principalmente, do fortalecimen-
to do movimento de engenheiros
na luta por mais direitos e por outra
sociedade, justa e igualitária. Zezé
foi diretora financeira da Fisenge de
1993 até 2002.
Como foi a construção da Fi senge?Rompemos com a FNE, porque nos
aproximávamos mais da CUT do
que de outra central. E rompemos
no trabalho, porque tínhamos uma
visão diferente de como levar a luta
dos engenheiros, que devia ser den-
tro da luta dos trabalhadores, não
apenas a luta corporativa.
A gente entrava em choque em
todas as arenas. Aí, chegou o mo-
mento que não deu mais e a gente
rompeu. Decidimos que a sede ia ser
no Rio de Janeiro. Na época, a gen-
te não tinha dinheiro, foi uma briga
com a FNE.
A fundação se deu justamente durante a década perdida. Como foi vivenciar esse momento?Os sindicatos de engenheiros tive-
ram uma atuação muito grande na
luta contra a privatização.
E a Fisenge nasceu com essa essên-
cia: somando e chamando pela luta
dos trabalhadores. A luta contra a
privatização promoveu uma série
de debates importantes. Deu uma
densidade à discussão dos traba-
lhadores, de um modo geral. Não
é ser contra apenas por ser contra,
significava um projeto claro de dis-
puta da sociedade. Desta forma,
politizamos o debate apontando os
prejuízos da entrega do patrimônio.
Fugimos daquela luta puramente e
exclusivamente reivindicatória e cor-
porativa. O meu setor, por exemplo,
o saneamento, foi muito discutido
e, obviamente, não foi só a luta dos
trabalhadores que levou à não priva-
tização do setor naquele momento.
Foi a luta dos trabalhadores dentro
do setor do saneamento que pôs
obstáculo à privatização da área.
Que momento você destacaria nessa trajetória?O “Fora Collor” veio trazer uma in-
jeção de ânimo, porque, de repente,
apareceram os caras pintadas. Um
dia, eu fui para as ruas, como de
costume, e comecei a gargalhar no
meio das pessoas. Não eram mais os
mesmos rostos conhecidos, era gen-
te jovem reunida. O “Fora Collor”
foi um momento incrível.
Você acha que agora a gente con-segue avançar mais nas transfor-mações sociais do país?Eu acho que consegue sim. As re-
centes mobilizações populares me-
xeram com todo o Brasil.
Eu não sei dizer para onde vai, mas
mexeu com alguma coisa que não
volta mais para o mesmo lugar.
Adr
iana
Med
eiro
s
“A Fisenge nasceu com essa essência: dentro da luta dos trabalhadores”, ZEZÉ SALLES
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32
O presidente do Sindicato dos
Engenheiros no Estado do Rio
de Janeiro (Senge-RJ), Olím-
pio Alves, relembra o momento de
fundação da Central Única dos Tra-
balhadores (CUT) e seus reflexos no
movimento dos engenheiros dos
anos 1980 e 1990, período da insta-
lação do projeto neoliberal do país.
Olímpio assumiu a presidência da Fi-
senge em 2004, após o licenciamen-
to de Paulo Bubach, e permaneceu
até 2008. Hoje, Olímpio também
está à frente da construção da Con-
federação dos Técnicos e Trabalha-
dores Universitários (Confetu), que
tem o objetivo de avançar nas lutas
nacionais e apoiar os sindicatos das
federações, fortalecer a CUT e am-
pliar a atuação nos espaços de ne-
gociação coletiva. A Confetu agrega
a Federação Interestadual de Sindi-
catos de Engenheiros (Fisenge) e a
Federação Nacional dos Arquitetos e
Urbanistas (FNA).
O movimento de engenheiros teve participação essencial na fundação da CUT. Como se deu esse processo?O Senge-RJ participou da funda-
ção da CUT, ainda no encontro da
1º Conferência Nacional da Classe
Trabalhadora (Conclat). Vários com-
panheiros do sindicato estiveram
presentes, como o ex-presidente do
Senge-RJ e atual deputado federal,
Jorge Bittar (PT-RJ). Na Conclat, já
surgiam diferenças entre as correntes
sindicais, principalmente com o sur-
gimento do chamado “novo sindica-
lismo”, com a perspectiva da criação
de uma Central Única dos Trabalha-
dores, hoje CUT. Nesse momento foi
criado o movimento pró-CUT. Inclusi-
ve, quem dirigiu a última assembleia
foi o Bittar. Veio à tona a divisão do
movimento sindical: o novo sindica-
lismo x o sindicalismo pelego buro-
crata. A disputa ficou latente e na
Conclat foi deliberado que faríamos
congresso para fundação da CUT.
Que reflexos essa divergência de concepção do sindicalismo trou-xe para a organização dos enge-nheiros?Antes do congresso de fundação
da CUT, a divisão no sindicalismo já
trazia reflexos para o Encontro Na-
cional de Sindicatos de Engenheiros
(Ense). Formávamos um grupo mais
aguerrido e combativo. Éramos um
grupo de sindicalistas alinhados
ao combate à ditadura militar, que
impunha limites ao sindicalismo.
Também combatíamos eleições no
colégio eleitoral, o arrocho salarial
e, principalmente, o modelo de
sindicalismo brasileiro (unicidade,
imposto sindical e a mediação da
Justiça do Trabalho). Todos esses
questionamentos foram deixados
pelo governo de Getúlio Vargas. A
legalização das centrais sindicais,
por exemplo, só se deu durante o
governo Lula. A CUT, que completa
30 anos este ano, só foi legalizada
há poucos anos. E o novo sindica-
lismo surge nesse contexto: o de
promover a ruptura dos limites im-
postos. Quando criamos a CUT, a
capacidade de ampliação se refletiu
nos sindicatos de engenheiros e foi
criado o movimento de engenhei-
ros organizado no EngeCUT com os
sindicatos filiados à CUT, entre eles
o do Rio de Janeiro. A cada Ense, a
divergência do modelo de sindicalis-
mo praticada se acentuava. No en-
contro, em Brasília, nos retiramos e
tivemos a coragem de romper com a
estrutura sindical brasileira em ple-
na ofensiva neoliberal do governo
Collor apoiada pela mídia comercial.
Vimos a fragilidade da Coordenação
Nacional de Sindicatos de Engenhei-
ros (Consenge) e fundamos a Fede-
ração Interestadual de Sindicatos de
Engenheiros (Fisenge). Tivemos um
grande salto político no 3º Consen-
ge, em 1995, com a tese de Cesar
Benjamim e Tânia Bacelar de Araú-
jo “Brasil: reinventar o futuro”, que
apontava a necessidade do Brasil se
voltar para o mercado interno. Fize-
mos ali um contraponto ao projeto
neoliberal que se instalava no país.
Avançamos nos debates nacionais,
mas descuidamos da reforma do sin-
dicalismo brasileiro. Nesse caminhar,
encontramos eixos que definiram e
definem a construção de um outro
projeto de nação: justa, solidária e
igualitária. Enquanto avançávamos
no debate político com a ofensiva
“O novo sindicalismo surge nesse contexto: o de promover a ruptura
dos limites impostos”,OLÍMPIO SANTOS
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33
especial 20 anos
neoliberal, a Federação Nacional de
Engenheiros (FNE) sumiu no cenário
político, pelas incertezas. Amplia-
mos nossa participação e ocupamos
espaços importantes no Sistema
Confea-Creas e na sociedade.
E o sindicalismo hoje? Que desa-fios enfrenta?Nosso sindicalismo não pode conti-
nuar dessa maneira, porque hoje, da
forma como está, é um impeditivo
para o avanço da democracia. Preci-
samos de um movimento social com
capacidade de se autofinanciar, com
liberdade e autonomia dos trabalha-
dores. É preciso reformar o nosso
sindicalismo.
E a Confetu? Como surgiu?A Confetu surge num momento de
concertação entre os sindicatos de
categorias com formação técnica
na base cutista e fazer contraposi-
ção à Confederação Nacional dos
Profissionais Liberais (CNPL), uma
confederação sem atuação política
e sindical. Não queremos repetir as
confederações oficias desse país e
muito menos ser um aparelho sindi-
cal, e sim para influir politicamente
nas negociações coletivas e debates
nacionais. Precisamos abrir espaço
nesse país, democratizar os meios de
comunicação e ultrapassar a demo-
cracia parlamentar para a efetivação
da democracia direta e participativa,
de acordo com os interesses dos tra-
balhadores.
"Soberania popular é essencial para definiçãodo Estado que queremos",
CARLOS ROBERTO BITTENCOURT
Engenharia e Desenvolvimento
com Inclusão Social" foi o tema
do 8º Congresso Nacional de
Sindicatos de Engenheiros (Consen-
ge), realizado em Florianópolis (SC),
em 2008. Foi nesse ano que o en-
genheiro agrônomo Carlos Roberto
Bitten court foi eleito o atual presi-
dente da Federação Interestadual de
Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) .
Ele já foi presidente do Sindicato dos
Engenheiros no Estado do Paraná
(Senge-PR) por dois mandatos. Nes-
ta entrevista, Bittencourt destaca os
principais elementos da conjuntura
nacional, da engenharia e da Fisen-
ge nesse período.
"
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34
11.888, que assegura às famílias
de baixa renda assistência técnica
pública e gratuita para o projeto
e a construção de habitação de
interesse social. Em 2010, outro
avanço importante para o protago-
nismo social da engenharia foi a lei
12.188, que institui a Política Na-
cional de Assistência Técnica e Ex-
tensão Rural para a Agricultura Fa-
miliar e Reforma Agrária (PNATER) e
o Programa Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural na Agricul-
tura Familiar e na Reforma Agrária
(Pronater).
A ação da Fisenge é norteada pela
forte intervenção nas discussões
nacionais para formulação e im-
plementação de políticas públicas,
como a participação no Conselho
das Cidades, no Fórum Nacional
de Reforma Urbana, no Movimen-
to de Combate à Corrupção Elei-
toral (MCCE), Fórum Nacional de
Reforma Agrária, Plataforma Ope-
rária e Camponesa pela Energia.
Além, é claro, da participação nas
negociações coletivas nacionais,
como a Eletrobras e a Companhia
de Pesquisa de Recursos Minerais
(CPRM).
Na luta contra a entrega do patri-
mônio público, destaco também
a defesa das estatais e de setores
estratégicos para o país, como o
energético e o de saneamento,
que vêm sofrendo ataques incisi-
vos do projeto privatista. No setor
energético temos atuado com for-
ça para o fim dos leilões das usi-
nas elétricas e de petróleo e pela
renovação das concessões do setor
elétrico. Tivemos uma grande vi-
tória nessa luta com a renovação
da maioria das concessões, com
exceção dos estados do Paraná, de
São Paulo, Minas Gerais e Santa
Catarina. Continuamos na mobi-
lização para o controle estatal e
público do setor energético como
um todo (energia elétrica, petróleo
e gás). Outra denúncia que faze-
mos é sobre a terceirização e seus
prejuízos para os trabalhadores e
para a prestação de serviços para
a sociedade.
FISENGE: E a atuação da Fisenge na defesa do Salário Mínimo Pro-fissional?BITTENCOURT: A Fisenge foi uma das
primeiras entidades, em nível na-
cional, a entrar com um processo
de Amicus Curiae, ou seja, Amigos
da Corte, apresentando uma outra
visão para os ministros do Superior
Tribunal Federal (STF) em defesa do
SMP. Em maio, a ministra Rosa We-
ber reconheceu a nossa legitimidade
em participar do processo, qualifi-
cando a entidade perante o Supre-
mo, para contribuir com sugestões
em relação à ação impetrada pelo
Governo do Maranhão, que alega a
inconstitucionalidade do Salário Mí-
nimo Profissional. Esta notícia mos-
tra a vitória do processo e a atuação
da Fisenge na garantia do salário mí-
nimo a todos engenheiros.
Também estamos mobilizados pe-
la aprovação do projeto de lei
nº13/2013, que inclui as atividades
de engenheiros, arquitetos e enge-
nheiros agrônomos , quando realiza-
das por servidores públicos efetivos
FISENGE: De 2008 até hoje acom-panhamos mudanças impor-tantes no país. Qual o papel da engenharia na formulação e con-solidação de políticas públicas?BITTENCOURT: A história da Fisenge
é permeada pela luta constante e
permanente contra o projeto neo-
liberal no país. A Fisenge como en-
tidade classista combativa traçou
uma trajetória de luta muito boni-
ta. A Federação, que comemora 20
anos este ano, tem 11 sindicatos
filiados em dez Estados do Brasil.
Da mesma forma, tem um papel
bastante significativo no debate de
assuntos relacionados à engenha-
ria e sua vertente junto às políti-
cas públicas, em setores como de
energia, saneamento, geociências
e agronomia. Neste último, com
foco bem direcionado à questão
da agricultura familiar. Historica-
mente, a Fisenge sempre esteve
à frente das principais lutas deste
país. Assumi a presidência da Fe-
deração, em 2008, durante o 8º
Consenge. Neste fórum, reafirma-
mos nossas diretrizes políticas e
apontamos caminhos para desen-
volvimento com inclusão social.
Lutamos pelo fim do fator previ-
denciário, pela redução da jornada
de trabalho, pelo monopólio esta-
tal do petróleo e a defesa da Pe-
trobras e o papel da engenharia na
construção de um país justo, soli-
dário e fraterno pela consolidação
de políticas públicas pela universa-
lização dos direitos sociais.
FISENGE: Que pontos destacaria?BITTENCOURT: Foi justamente em
2008 que foi sancionada a lei
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35
especial 20 anos
federais, estaduais e municipais, nas
carreiras consideradas essenciais e
exclusivas de Estado.
FISENGE: Foi divulgado o cresci-mento de 1,5% do Produto Inter-no Bruto (PIB) no Brasil, superan-do as expectativas. Dentro desse quadro econômico, falar sobre escassez de engenheiros é alar-mismo ou realidade?BITTENCOURT: É preciso uma recons-
trução histórica nesse ponto. O Bra-
sil, nos anos 1990, viveu um forte
período de desindustrialização, ar-
ticulado com a implementação do
projeto neoliberal. Foram inúmeras
as demissões e as privatizações.
Muitos engenheiros desistiram da
profissão para atuarem em outras
áreas. A partir de 2003, o cená-
rio muda com o fortalecimento
do mercado interno e o aumento
de investimentos. Cito alguns pro-
gramas importantes: Minha Casa,
Minha Vida, Luz para Todos, o Pro-
grama Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar (Pronaf) e
as obras promovidas pelo Progra-
ma de Aceleração do Crescimento
(PAC), mesmo com alguns gargalos.
Outros fatos que merecem desta-
que são: a descoberta do pré-sal e
a realização de megaeventos como
a Copa e os Jogos Olímpicos.
Com esta conjuntura, muitas opor-
tunidades foram abertas e o tema
"possível escassez de engenheiros"
tem pautado a sociedade. Impor-
tante destacar que os 19,6 mil con-
cluintes em 2002 transformaram-se
em 42 mil em 2011, de acordo com
os últimos dados do Ministério da
Educação (MEC). Reconhecemos
que pode haver falta de engenhei-
ros em determinadas áreas como
petróleo e gás, engenharia naval,
por exemplo. Trata-se de uma ques-
tão pontual.
FISENGE: Recentemente, a presi-denta Dilma Rousseff anunciou a possibilidade de um programa "Mais Engenheiros", nos moldes do "Mais Médicos". Qual a sua avaliação?BITTENCOURT: Nesta questão, é
fundamental pontuar que os mu-
nicípios do interior do Brasil têm
oferecido salários irrisórios aos
profissionais da engenharia. Algu-
mas prefeituras anunciam editais
com salários de R$1.500, descum-
prindo a lei que estabelece o Sa-
lário Mínimo Profissional (SMP) da
categoria. Com esta remuneração
abaixo da legislação, muitos pro-
fissionais buscam outras alternati-
vas de trabalho, dentro ou fora da
engenharia. Se a remuneração for
conforme o programa "Mais Médi-
cos", tranquilamente não faltarão
engenheiros. Muitos destes profis-
sionais poderão retornar à profis-
são. Se há remuneração digna, não
faltam profissionais.
FISENGE: Esse possível déficit de engenheiros também pode de-correr de um problema de fundo que se inicia na formação?BITTENCOURT: Certamente. Há uma
alta evasão nos cursos de engenha-
ria, que ocorre, na maioria dos ca-
sos, no primeiro ano da universida-
de. Isso porque muitos alunos não
possuem boa base para física, quí-
mica e matemática, por exemplo. A
questão é estrutural e perpassa pelo
investimento em educação de base.
FISENGE: Hoje, o país vive um mo-mento de intensa mobilização e discussão sobre a reforma polí-tica. Quais elementos são cen-trais?BITTENCOURT: A reforma política
não pode ser apenas no campo
eleitoral. É preciso uma reforma
do sistema político, ou seja, o for-
talecimento de instrumentos de
democracia direta e participativa;
a democratização dos meios de
comunicação e do Judiciário. No
Brasil, esta luta é antiga e histórica
dos movimentos sociais e organi-
zações. Com as mobilizações po-
pulares em junho, a reforma políti-
ca ganhou visibilidade e a pressão
popular tem pautado o tema fre-
quentemente na sociedade.
Infelizmente, hoje, vivemos no país
um quadro de mercantilização da
política. Muito pelo financiamento
privado de campanha, no qual as
empresas doam altas quantias às
campanhas de determinados par-
lamentares e, em troca, recebem
favorecimentos políticos. Defen-
demos o financiamento público
de campanha para dar fim a esse
balcão de negócios que muitos
mandatos representam. Urge o
aprofundamento dos alicerces da
democracia brasileira com exercí-
cio pleno da cidadania pela trans-
formação da sociedade. Soberania
popular é essencial para a defini-
ção do Estado que queremos: pú-
blico e democratizado.
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especial 20 anos | Charges
CONFIRA AS CHARGES QUE FORAM CAPA DOS JORNAIS DA FISENGE
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especial 20 anos | Manchetes
JORNAIS 1993 - 2013
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40
especial 20 anos | consenges
CONGRESSOSNACIONAIS
"É importante aferir os interesses
da sociedade e nós, engenheiros,
através de uma estrutura menos
corporativista, decodificá-los,
discuti-los e viabilizá-los em
consonância com
estruturas formais ou não"
"Trata-se antes de construir
uma democracia que ultrapasse
as portas das empresas, e um
desenvolvimento que chegue às
casas dos trabalhadores"
“Considerar de fundamental
importância a viabilização das
reformas agrária e urbana e
apoiar os movimentos que lutam
por elas. Solidarizar-se com as
lutas dos trabalhadores sem terra,
em especial com as famílias e
companheiros, que têm sido
vítimas das chacinas”
de sindicatos de engenheiros
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41
"A construção de um país solidário,
pois, é uma responsabilidade que,
em grande parte, está depositada
nos ombros dos engenheiros
brasileiros. Seja através da
formulação e implantação de
políticas que organizem os grandes
núcleos urbanos formados nas
últimas 5 décadas, seja através
da colaboração para a efetiva
realização da reforma agrária."
“Em nosso país pretendemos atuar
na construção e formulação de
uma proposta de desenvolvimento
democrática e generosa, que
contemple o atendimento às
necessidades básicas da população,
que busque a inclusão e
não a exclusão dos setores
marginalizados da população”
“Com a convicção de que a
implantação de uma sociedade
justa e solidária é viável,
manifestamos a disposição de
participar desta caminhada, à luz
de valores humanitários,
para com o povo brasileiro”
“Lutar pela universalização
da prestação dos serviços de
saneamento a cada cidadão.
Qualquer tentativa de privatização
desse setor poderá ampliar o difícil
quadro sanitário do país, pois a
iniciativa privada busca o lucro
como seu principal objetivo e a
população de baixa renda jamais
poderá arcar com uma tarifa
majorada em função do lucro”.
“Em defesa do povo brasileiro
é necessária a mudança
urgente no marco regulatório,
com o fim em definitivo das
concessões, e com a adoção
do modelo de partilha ou
serviços, com a propriedade
e o controle total das nossas
reservas de petróleo
e gás pela União”
“Assumimos o compromisso
de combater as privatizações
do setor elétrico que nos obrigam
a pagar uma das mais caras tarifas
de energia elétrica do mundo ou
qualquer outro processo
de privatização que venha a
ameaçar a soberania nacional”
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42
especial 20 anos | consenges
O Rio de Janeiro será sede do 10º
Congresso Nacional de Sindica-
tos de Engenheiros (Consenge),
entre os dias 27 e 30 de agosto de
2014. O Congresso, organizado pela
Federação Interestadual de Sindicato
de Engenheiros (Fisenge), em parceria
com o Sindicato dos Engenheiros no
Estado do Rio de Janeiro (Senge/RJ),
é o mais importante fórum de deba-
te da categoria, com repercussão em
todos os estados. Com o tema "Um
projeto de nação para o Brasil", o 10º
Consenge debaterá dois temas cen-
trais: "O papel do Estado brasileiro
no desenvolvimento nacional" e "O
papel do movimento sindical frente às
modificações do mundo do trabalho.”
Esta é a segunda edição realizada no
Rio de Janeiro. A primeira aconteceu
Rio de Janeiro sediará10º Congresso Nacionalde Sindicatos de Engenheiros
na consolidação da Fisenge durante o
2º Consenge, em 1993.
O presidente do Senge-RJ, Olímpio
Alves, destacou que o Congresso
promove a discussão entre os en-
genheiros com o objetivo de definir,
para o próximo triênio, as ações da
Fisenge e dos Senges filiados não
apenas no campo sindical das pro-
fissões, como também no campo
nacional. "Precisamos dar um salto
político e estamos fazendo um es-
forço para que as deliberações do
Consenge se desdobrem no plane-
jamento dos sindicatos e da Fisenge
e, por isso, convidamos o Departa-
mento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Precisamos abrir espaço nesse país,
democratizar os meios de comuni-
cação e ultrapassar a democracia
parlamentar para a efetivação da
democracia direta e participativa, de
acordo com os interesses dos traba-
lhadores", afirmou. A expectativa é
de que cerca de 300 engenheiros
participem como delegados, repre-
sentando mais de 30 mil profissio-
nais de sindicatos de todo o país.
"Iremos debater o papel do Estado
Brasileiro no desenvolvimento na-
cional e entendemos o Estado como
elemento estruturante e indutor de
desenvolvimento. Também é preciso
atentar para os setores agrícola e
agrário, considerando a enorme de-
sigualdade e concentração fundiária
no Brasil", afirmou o presidente da
Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt.
SOBRE O CONSENGE
OCongresso debate e traça metas de atuação em defesa
da engenharia nacional e de uma nova matriz de
desenvolvimento econômico para o Brasil, pautada pela
distribuição de renda e justiça social. Realizado de três
em três anos, o Consenge é o mais importante fórum de
debate da categoria, com repercussão em todos os esta-
dos e, também, nos fóruns regionais e internacionais dos
quais a Fisenge participa, orientando o papel da federação
nos temas sociais de interesse nacional.
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43
especial 20 anos | renovação sindical
Sindicatos promovemestratégias para
RENOVAÇÃO SINDICALIniciativa promovida pelos Sindicatos dos
Engenheiros de Minas Gerais, do Paranáe da Bahia visa integrar o estudantede engenharia à entidade de classe
Div
ulga
ção/
Sen
ge-M
G
Minas Gerais foi o primeiro estado a implantar o Senge Jovem e já apresenta resultados na eleição da nova diretoria
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44
especial 20 anos | renovação sindical
Como gerar debates e ações pela
valorização profissional e parti-
cipação sindical na construção
de uma sociedade mais justa junto
com os jovens estudantes e futuros
profissionais? A renovação de qua-
dros tem sido o principal desafio en-
frentado pelas entidades de classe,
de um modo geral no Brasil. Sob esta
perspectiva, os sindicatos dos enge-
nheiros de Minas Gerais, do Paraná
e da Bahia lançaram iniciativas para
aproximar os jovens de suas entida-
des de classe. Formada por estudan-
tes de engenharia, a ação se propõe
a ser um espaço de debate sobre
questões relacionadas à profissão, à
função social do engenheiro e de di-
vulgação dos direitos e dos deveres
dos futuros profissionais.
Dessa forma, o Senge Estudante
ou Senge Jovem incentiva a partici-
pação dos estudantes como sócios
aspirantes do sindicato. A propos-
ta é oferecer acesso às atividades e
ações sobre as novas tendências do
mercado de trabalho, as políticas
públicas que demandam da enge-
nharia, sustentabilidade e inovação
tecnológica, ética profissional, os
direitos e garantias da categoria e
a função social da engenharia. O
sócio-aspirante não paga anuidade
e para se inscrever basta procurar
o Senge.
E a tarefa de agregar os estudan-
tes não tem sido fácil. As manifes-
tações populares do mês de junho
que tomaram o país mostraram
que o jovem continua empenhado
na busca de uma transformação na
sociedade. Por outro lado, pode-se
perceber a indignação da juventu-
de, como de boa parte da popula-
ção, em relação ao sistema político
brasileiro.
Para o coordenador do Senge Jo-
vem Paraná e engenheiro civil, Cíce-
ro Mar tins Júnior, as manifestações
aler taram as próprias entidades sin-
dicais de que é preciso rever essa in-
satisfação que existe na sociedade.
“As bandeiras das manifestações
são muito plurais, vão de A a Z. O
sentimento é que precisamos avan-
çar. A população tem uma dificul-
dade de enxergar que o sindicato
vai lhe dar voz. É lógico que a mí-
dia contribui para isso, mas a gen-
te tem também a acomodação das
entidades diante desse processo
que vivemos de um governo mais
democrático e mais progressista.
O sindicato precisa se abrir a essa
expectativa do jovem, olhando-o
como protagonista, e não apenas
como objeto”, pontuou.
A estudante de engenharia civil, Tai-
ná Andreoli Bittencourt, que, recen-
temente, representou a Federação
Interestadual de Sindicatos de En-
genheiros (Fisenge) na Conferência
Mundial de Engenheiros, em Oslo,
destacou, durante a palestra, a orga-
nização dos estudantes de engenha-
ria e a importância de trazê-los para
a luta coletiva. “Os jovens possuem
pautas próprias e estão dispostos
a lutar por elas. É fundamental ga-
rantir que eles tenham espaço nos
processos decisórios como um todo,
e que não ocupem apenas os seus
próprios coletivos e grupos de repre-
sentação. É preciso que eles sejam
parte efetiva dos sindicatos, mem-
bros legítimos da direção e que suas
pautas sejam também as da organi-
zação. De que adianta inseri-los nos
espaços de luta se não são ouvidos
ou a discussão fica fechada nesse
grupo auto-organizado?”, destacou
Tainá.
Além da resistência de enxergar a
sindicalização como uma forma de
representação, outro entrave é a
visão dos jovens profissionais que
acaba ficando bastante restrita aos
assuntos próprios da engenharia.
“A formação é muito voltada para
o seu próprio umbigo, de como
vai se desenvolver a sua carreira, é
pouco voltada à idéia de que você
está dentro do mercado de trabalho
e deve ter um compromisso ético.
Div
ulga
ção/
Sen
ge-P
R
“O sindicato precisa se abrir a essa expectativa do jovem, olhando-o como protagonista, e não apenas como objeto”, pontuou Cícero, do Senge-PR.
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45
Isso é muito pouco discutido na
universidade. Muita gente que eu
converso quando visito essas ins-
tituições nem sabe que existem os
Senges”, apontou Cícero.
As atividades estão focadas em for-
mação, por meio da realização de
palestras, seminários e colóquios
nas universidades. Para o coorde-
nador do Senge Jovem na Bahia e
estudante de engenharia civil, Mar-
cos Botelho, a proposta está conse-
guindo aproximar os jovens para o
debate. “Temos desenvolvido diver-
sas ações com o objetivo de qua-
lificar profissionalmente os futuros
engenheiros e engenheiras, dar ci-
ência dos direitos e das garantias
trabalhistas aos estudantes, bem
como a importância da ação sindi-
cal e incentivar a formação crítica e
inovadora”, explicou.
Além disso, outro objetivo do Sen-
ge Jovem é a renovação sindical.
No Senge-MG, a participação dos
jovens é garantida por, pelo menos,
10% na nova diretoria. A coordena-
dora Karla Gonçalves disse que foi
difícil chamar a atenção dos jovens
para participar do processo eleitoral
do sindicato. “A intenção é que eles
sejam multiplicadores e que deem
continuidade ao projeto. Aqueles
que estão há mais tempo na direto-
ria podem repassar as experiências
para os jovens juntando o útil ao
agradável. Confesso que foi muito
difícil trazer esses jovens, mas, feliz-
mente, conseguimos alcançar nossa
meta”, comentou.
E os resultados já começaram a a pa-
recer. A iniciativa, que surgiu no Sen-
ge Minas Gerais em 2011, apesar de
ser recente, já reúne mais de quatro
mil sócios aspirantes nas bases onde
estão instalados. “Para aproximar os
jovens do sindicato, basta conscien-
tizá-los da importância dessas ações
para a construção de uma vida mais
digna, mostrar interesse e respeito
por suas ideias. Sendo assim, acho
que a forma mais eficiente de apro-
ximação é participação dos sindica-
tos de forma ativa na vida acadêmi-
ca, fazendo parte da ementa e por
meio de eventos na universidade”,
afirmou Malaine Magalhães, estu-
dante de engenharia de alimentos e
sócia aspirante do Senge Jovem BA.
A troca de experiências entre as
gerações diferentes só tem a acres-
centar aos sindicatos e somar forças
na luta profissional e na constru-
ção de uma sociedade mais justa e
igualitária. “Nós, jovens, seremos os
profissionais do futuro. Se não nos
inserirmos nos sindicatos ainda na
faculdade e desenvolvermos noções
mais humanas e éticas de igualdade
e respeito, daqui a poucos anos, não
haverá mais base para as organiza-
ções sindicais e estas continuarão a
ter aquela estrutura arcaica e enges-
sada como muitas têm hoje”, aler-
tou Tainá Bittencourt. A engenharia
do futuro se constrói com as ações
do presente.
Div
ulga
ção/
Sen
ge-B
A
“Para aproximar os jovens do sindicato, basta conscientizá-los da importância dessas ações para a construção de uma vida mais digna”, afirmou Malaine Magalhães, do Senge Jovem BA.
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especial 20 anos | relações internacionais
ARTICULAÇÃOINTERNACIONAL fortalecenegociação coletiva
Com
unic
ação
Fis
enge
Seminário Internacional sobre os Desafios do
Movimento Sindical no Século XXI, realizado
em Belo Horizonte, Minas Gerais
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47
Como agem ou pretendem agir
as empresas transnacionais,
que mercados serão destruí-
dos, quais os planos do FMI em re-
lação a uma área do terceiro mun-
do, obriga-nos a enfrentar de forma
única e internacional aqueles desa-
fios. (...) A primeira consequência
desta filiação será o fortalecimento
de nossa federação, enquanto per-
tinente a uma entidade maior de
caráter internacional como a Fiet. A
segunda é a correta inserção den-
tro de nossa Central (CUT), onde
ocupamos o ramo 14 (técnicos,
profissionais liberais, trabalhadores
em administração e tecnologia), im-
plementando as diretrizes vindas da
Secretaria de Relações Internacio-
nais”. Trecho de tese apresentada
durante o II Congresso Nacional de
Sindicatos de Engenheiros (Consen-
ge), em 1993, no Rio de Janeiro. De
autoria do engenheiro Haroldo Pe-
reira (Senge-RJ), a tese apresentou
pontos de defesa pela filiação da
Fisenge à Federação Internacional
de Empregados, Técnicos e Profis-
sionais (Fiet).
Partindo da compreensão da orga-
nização internacional para fortalecer
a luta dos trabalhadores, a Fisenge
filiou-se à Fiet em 1995. A partir
desse período, a Fisenge intensificou
seus contatos, principalmente com
o movimento sindical francês, tanto
a Confederação Geral dos Trabalha-
dores (CGT), quanto a Confe deração
Francesa Democrática do Trabalho
(CFDT), as duas centrais mais im-
portantes do sindicalis mo francês.
“Comparecemos a Congres sos des-
sas entidades e também vie ram ao
Brasil em várias oportunidades para
os congressos da Fisenge”, contou
o diretor da Fisenge, Agamenon Oli-
veira, que já foi diretor de relações
internacionais da federação.
A Fiet foi uma federação europeia,
cuja fusão com outras federações e
confederações do movimento sin-
dical internacional, em 1999, na
Austrália, deu origem a UNI, orga-
nização à qual a Fisenge é filiada
até hoje. "Por conta do intercâmbio
com a UNI, a Fisenge, na presidên-
cia de Carlão, promoveu na Escola
da CUT, em Florianópolis, um se-
minário com as entidades sindicais
dos países do Mercosul. Além dis-
so, a Fisenge passou a comparecer,
anualmente, em Genebra, em um
fórum de profissionais e quadros
promovido pela UNI", destacou
Agamenon.
Atualmente, a Fisenge - represen-
tada pelo seu vice-presidente, Raul
Otávio - participa de congressos e
seminários internacionais que acon-
tecem uma vez por ano, além das
reuniões em sindicatos latino-ameri-
canos. "Essas reuniões representam
um momento de troca de experiên-
cias e de definição de estratégias
em nível macro para o avanço do
movimento sindical nos países e
na denúncia de práticas antissindi-
cais. Em outros países, por exem-
plo, acontecem ameaças de morte
para os dirigentes sindicais. Aqui já
aconteceu no passado, mas, hoje
em dia, acontece muito pouco ou
não acontece. Em países como Peru
e Colômbia, ser sindicalista ou não
é a diferença entre a vida e a mor-
te", declarou Raul. De acordo com
Aga menon, estes encontros tam-
bém proporcionam uma importante
o por tunidade para as entidades de
classes compararem condições de
trabalho entre as empresas. “Além
da troca de experiências, este tam-
bém é um espaço de denúncia, com
respaldo internacional. Geralmente,
isto acontece em casos de priva-
tização com demissões em massa”,
esclareceu.
ACORDOS GLOBAIS
Um dos elementos importantes
desta articulação internacional é a
negociação global, pois pode pro-
mover avanços internacionais no
cumprimento e na extensão dos di-
reitos dos trabalhadores, inclusive,
pelo respeito às determinações da
Organização Internacional do Tra-
balho (OIT) . Isso porque os Acordos
Marcos Globais têm como objetivo,
em um primeiro momento, disci-
plinar minimamente as relações de
trabalho, fazendo com que as sub-
sidiárias dispensem, no mínimo, o
mesmo tratamento a seus funcio-
nários, de acordo com as prá ticas
da matriz que, normalmente, apre-
sentam condições e benefícios mais
ampliados. A globalização, neste
caso, facilita a negociação, já que se
trata da divulgação de situações ina-
dequadas de trabalho. “A visão do
mundo do trabalho não pode estar
incorporada apenas nas relações co-
merciais entre países ou interesses
de cada região. É necessário levar
em conta, na política econômica,
a gera ção de melhores empregos
com maior proteção social, mais
direitos para nós, trabalhadores, e
também um desenvolvimento sus-
tentável com justiça social para o
país”, afirmou Raul.
"
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48
Anos 1970. Ditadura militar no
Brasil e o movimento feminista
se destacando internacional-
mente, em um período pós-pílula
anticoncepcional. E foi nesse período
que Alméria Carniato ingressou na
Escola de Agronomia do Nordeste,
na cidade de Areia, Paraíba. “Eu era a
única mulher da turma e os professo-
res me mandavam para o laboratório
de plantas, enquanto eu queria ver
os bois. Durante o curso, sofri discri-
minação e assédio”, contou Alméria,
que foi a primeira presidenta mulher
do Senge-PB. Hoje, a cidade de Areia
tem pouco mais de 26 mil habitan-
SÃO SUJEITOS,
Div
ulga
ção/
Seng
e-PB
Alméria Carniato àfrente da manifestação
"Fora FHC", naParaíba, em 1999
tes. “Sempre fui vista como uma mu-
lher aberta, praticava esportes, toca-
va violão e fui mulher divorciada. A
cidade de Areia não era diferente em
relação ao preconceito. Infelizmente,
este é o preço que temos que pagar
para construir a nossa cidadania de
igual para igual”, destacou.
Alméria foi uma das mulheres que
lutou intensamente no movimento
de engenheiros pela transversalidade
de gênero nas instâncias e políticas.
“Começamos a pautar a mulher nos
sindicatos e na federação, por meio
de inclusão de cláusulas específicas
nos acordos coletivos de trabalho,
debates e seminários”, lembrou. Foi
em 2005, no 7º Congresso Nacional
de Sindicatos de Engenheiros (Con-
senge), realizado em Salvador, Bahia,
que as engenheiras, organizadas em
seus sindicatos, deram um impor-
tante passo com o indicativo para a
criação da Diretoria da Mulher. Em
2008, durante o 8º Consenge, em
Florianópolis, Santa Catarina, ainda
sem a criação da Diretoria da Mulher,
as mulheres profissionais organiza-
das avançaram em suas reivindica-
ções com a criação, por deliberação
de assembleia geral, do Coletivo de
e não objetos da história
MULHERES
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mulheres | especial 20 anos
Mulheres, coordenado pela enge-
nheira Márcia Nori, do Senge-BA. Já
em 2011, no 9º Consenge, em Porto
Velho, Rondônia, a Diretoria da Mu-
lher foi formalizada e efetivada no es-
tatuto da Fisenge. Foram eleitas três
mulheres na composição da diretoria
executiva 2011/2014.
Composto por engenheiras, organi-
zadas em seus sindicatos, o Coletivo
tem como objetivo definir políticas
para as questões de gênero na Fi-
senge/Senges. “Mulheres e homoa-
fetivos têm importante contribuição
para os sindicatos, por trazerem a
diversidade de reivindicações, a ex-
pressão das discriminações que so-
frem e a atuação concreta para su-
perá-las, seja defendendo políticas
públicas, seja ajuizando ações judi-
ciais, seja negociando normas cole-
tivas”, apontou a assessora jurídica
da Fisenge, Daniele Gabrich.
“Nós, mulheres, construímos história
dia a dia e desconstruímos, muitas
vezes solitariamente, a cultura ma-
chista, tanto no campo afetivo, como
no profissional, para a construção de
uma sociedade justa e igualitária, li-
vre de machismo, racismo e homofo-
bia”, destacou Alméria.
O COLETIVO DE MULHERES
Após a consolidação formal do Co-
letivo de Mulheres, sob a coordena-
ção de Márcia Nori, do Senge-BA, as
principais ações foram: o seminário
“Mulher, Mercado de Trabalho e
Participação Sindical” e o lançamen-
to da cartilha “Principais Direitos
das Mulheres Trabalhadoras”, que
hoje está em sua edição ampliada.
“Conseguimos sensibilizar sobre a
importância de ações voltadas para
a inclusão da mulher nas bases do
movimento sindical em seus estados
e, principalmente, em suas direto-
ria”, comentou Márcia. A cartilha,
que está disponível para download
gratuito no site da federação, resga-
ta e aborda de maneira didática os
principais direitos das mulheres tra-
balhadoras e reivindicações de acor-
dos coletivos com recorte de gênero;
além de alertar sobre as principais
práticas de discriminações sofridas
no mercado de trabalho. “Muitas
vezes, as mulheres trabalhadoras
não têm acesso a seus acordos co-
letivos ou, simplesmente, desconhe-
cem seus direitos. E esta é a finalida-
de da cartilha: informar, de maneira
didática, os direitos específicos de
gênero”, apontou a diretora da mu-
lher da Federação Interestadual de
Sindicatos de Engenheiros (Fisenge),
Simone Baía, uma das autoras ao
lado de Márcia Nori.
O Coletivo de Mulheres tem amplia-
do a participação das mulheres nas
instâncias de decisão, como tam-
bém contribuído e participado das
lutas das questões de gênero. Atual-
mente, o Coletivo conta com a parti-
cipação de 13 mulheres em diversos
estados e envia mensalmente um
boletim eletrônico com as principais
notícias.. “Nossas ações têm dialo-
gado não apenas com a engenharia,
como também com amplos setores
da sociedade. E este é o nosso ob-
jetivo: fortalecer a luta de todas as
mulheres trabalhadoras por direitos
iguais”, explicou Simone.
A diretora da mulher no Senge-SE e
engenheira agrônoma, Marina Be-
zerra, de 24 anos, é a mais jovem
das integrantes. Ela acredita que o
movimento sindical vive, hoje, um
momento de reavaliação de pos-
turas. “Os sindicatos se encontram
arrebatados na crise de representa-
tividade, que perpassa os brasileiros.
A renovação se impõe não só como
uma importância cíclica, como tam-
bém uma necessidade vital”, con-
tou Marina, que já foi secretária de
Meio-Ambiente, Agricultura, Abas-
tecimento e Pesca do município de
Barra dos Coqueiros, em Sergipe.
ASSÉDIO MORAL
Para o ano de 2013, o Coletivo de
Mulheres tem pautado ações sobre o
assédio moral e é cada vez maior a
participação da mulher nas instâncias
sindicais. Em fevereiro deste ano, o
Coletivo realizou, em Salvador (BA),
o seminário “A mulher e o mercado
de trabalho”, com a participação da
coordenadora de planejamento e
gestão da Secretaria de Políticas para
Mulheres do governo da Bahia, Po-
liana Rodrigues; e da supervisora téc-
nica do Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconô-
micos da Bahia (Dieese-BA), Ana Ge-
orgina. Outro seminário realizado em
setembro, no Rio de Janeiro, tratou
do tema “Assédio moral: vida, sobre-
vida e diversidade”. Foram aborda-
das questões jurídicas; a relação com
o Legislativo e outras esferas; além de
conceitos, aspectos e consequências.
Foram palestrantes: o deputado fe-
deral Jean Wyllys (PSOL); a advogada
e assessora jurídica da Fisenge, Da-
niele Gabrich; e a coordenadora ge-
ral do Sindicato dos Profissionais de
Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ),
Gesa Corrêa.
SÃO SUJEITOS,
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50
artigo
Isso é que dá contratar mulher!
Se deixasse de se preocupar com
filhos, manicure e cabeleireiro o
projeto já tava pronto”. “Xiii, tinha
que ser mulher pra fazer drama”. As
frases foram retiradas de uma das
histórias em quadrinhos da Enge-
nheira Eugênia, lançadas neste ano
pelo Coletivo de Mulheres da Fede-
HISTÓRIAS DE EUGÊNIA:mulher, mãe e engenheiraDe forma didática e bem-humorada, a históriaem quadrinhos conscientiza mulheresa lutarem pelos seus direitos
ração Interestadual de Sindicatos de
Engenheiros (Fisenge). Esta e outras
situações semelhantes, infelizmente,
acontecem nos locais de trabalho.
Na maioria das vezes, essa prática
acontece por meio de comentários
depreciativos relacionados à con-
dição de gênero e com forte teor
machista. Classificado como assédio
moral, esse tipo de violência é, geral-
mente, naturalizado culturalmente.
Atento a esta prática, o Coletivo
de Mulheres da Fisenge, durante
reunião de planejamento, definiu
o assédio moral como agenda po-
lítica de 2013. “Temos percebido
inúmeros relatos de trabalhadores
e trabalhadoras, que vêm sofren-
do assédio moral. Nosso objetivo
é denunciar esta prática como for-
ma de violência e alertar para os
direitos, criando uma consciência,
de forma pedagógica”, afirmou a
diretora da mulher da Fisenge, Si-
mone Baía.
A partir disso, foram pensadas
ações e estratégias para conscien-
tizar as mulheres sobre essa práti-
ca e fortalecer a discussão sobre a
garantia de direitos às mulheres.
Com uma abordagem didática,
leve e simples, surgiu a série tiri-
nha “Histórias de Eugênia: mulher,
mãe e engenheira”, com ilustração
de Pater. O nome da personagem
não foi uma escolha ao acaso, e
sim um resgate às origens da pa-
“
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51
artigo
lavra “engenharia”. A palavra en-
genharia se referia a alguém que
operava um engenho. Por sua vez,
a palavra engenho vem do latim
“ingenium”, que significa gênio,
é o que conta a diretora do Sen-
ge-RJ, Virgínia Brandão. “Na hora,
me veio o nome: Eu+gênia, porque
somos engenheiras. Gênia advém
de engenharia. Um super trocadi-
lho”, contou. A publicação, que já
está na sua sexta edição, foi lança-
da no 8 de março, Dia Internacio-
nal da Mulher, em Sergipe.
Os assuntos vivenciados pela Eugê-
nia são diversos, desde o cotidiano
de uma engenheira até as dificul-
dades de conciliar os múltiplos pa-
péis de mãe, mulher e trabalhadora.
“Abordamos situações do cotidiano
de milhares de mulheres trabalhado-
ras, como a dupla e tripla jornadas
de trabalho, a divisão das tarefas
domésticas e responsabilidades fa-
miliares, o preconceito racial, a dife-
rença salarial entre homens e mulhe-
res exercendo as mesmas funções e
direitos trabalhistas fundamentais",
explicou Simone. Eugênia é uma
engenheira de 40 anos com 15 de
trabalho, é recém-divorciada e tem
dois filhos: uma pré-adolescente e
um menino de 9 anos.
Na primeira tirinha, Eugênia sofre
discriminação do patrão por dizer
que vai à reunião de pais no colé-
gio de seus filhos, o que é garantido
pela cláusula das responsabilidades
familiares de determinados acordos
coletivos de diversas categorias. Um
assunto, por muitas vezes, desco-
nhecido pelas mulheres trabalhado-
ras. Mas, além disso, Eugênia tam-
bém está engajada nas lutas e nos
movimentos populares por uma so-
ciedade mais justa e igualitária.
Os quadrinhos têm periodicidade
mensal, lançados todo dia 15 no
boletim do Coletivo de Mulheres da
Fisenge. Contribua você também e
FIQUE POR DENTRO DAS CLÁUSULAS DE GÊNERO
Para avançar na ampliação de direitos e benefícios para as mulheres
trabalhadoras, a negociação coletiva é um importante instrumento
de luta. A partir de acordos de trabalho, é possível conquistar e garan-
tir a isonomia salarial, garantir a estabilidade e ampliação do período
de licenças maternidade e paternidade, entre outras ações.
Segundo o estudo “Negociação Coletiva de Trabalho e Equidade de
Gênero e Raça no Brasil”, elaborado pelo Departamento Intersindi-
cal de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), entre 2001
e 2006, no qual foram analisadas 220 unidades de negociação em
18 estados brasileiros, para cada contrato coletivo de trabalho há seis
cláusulas referentes ao trabalho da mulher. Em estudo realizado em
1993 e 1995, a média era de quatro cláusulas, o que mostra um avan-
ço nas questões de gênero.
Entre as garantias asseguradas, cerca da metade está relacionada à
maternidade e paternidade. A principal proteção (78%) é a garantia
ao emprego durante o período de gestação e pós-parto, o que é ratifi-
cado por lei, de acordo com as Disposições Transitórias da Constituição
Federal, art.10, que estabelece a permanência da trabalhadora desde
a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Também se
verificou, em alguns acordos de trabalho, a garantia ao pai em relação
ao salário e ao emprego pelo prazo de 10 meses contados a partir da
data de nascimento do filho, o que não é regulamentado pela legis-
lação. As demais garantias abordam as responsabilidades familiares
(15%), as condições de trabalho (9%), a saúde da mulher (5%) e o
exercício do trabalho (1%). Já em relação às clausulas que abordam a
equidade racial, apenas 10% das 220 unidades de negociação apre-
sentaram questões relativas ao tema.
ajude a divulgar! As contribuições
poderão ser enviadas diretamente
para o e-mail da engenheira Eugê-
nia: [email protected]
ou para [email protected].
br. Será mantido total sigilo de fonte
de todos os depoimentos e de todas
as histórias enviadas.
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a indenização. “Eu só consegui levar
adiante por estar em situação priv-
ilegiada: ser branca e ter apoio da
família”, destacou a vítima. Depois
disso, o chefe passou a não contra-
tar mais mulheres. A situação pela
qual V. passou é violência. É assédio
moral.
A história de V. é uma das milhares
de histórias sobre assédio moral,
muitas vezes silenciadas. “Lugar de
mulher é na cozinha, em casa, cui-
dando do marido, não trabalhando
aqui”, ou "Burra. Incompetente. Ti-
nha que ser mulher", são algumas
das expressões ainda comuns no
mercado de trabalho, que configu-
ram claro assédio moral. No en-
tanto, todos podem ser vítimas de
violência moral no ambiente de
trabalho. Segundo a professora ad-
junta de Psicologia do Trabalho na
Universidade Federal Fluminense
(UFF), Terezinha Martins, o assédio
moral no trabalho se caracteriza por
ser um conjunto de condutas prati-
cadas por um chefe hierárquico ou
pessoa detentora de poder. “Tais
pessoas praticam deliberadamente
a humilhação contra o trabalhador
ou grupo de trabalhadores, com
medidas que o isola de seus pares,
fragiliza-o emocionalmente, atacan-
do-o na sua integridade psíquica e
minando as bases da sua competên-
cia”, contou Terezinha, que também
é uma das fundadoras do site www.
assediomoral.org.br
"O assédio moral pode começar si-
lencioso com pequenas atitudes até
ofensas mais graves e, muitas vezes,
tem cunho machista", afirmou a di-
retora da mulher da Fisenge, Simone
Baía. Como consequência de uma
ASSÉDIO MORAL É VIOLÊNCIAA prática - que tende a ridicularizar e humilhar a vítima - é, por muitas vezes, encarada de forma naturalizada no mercado de trabalho
No início de 1998, ocupava um
cargo de confiança numa em-
presa, trabalhava como gerente
de criação. Na época, já tinha um filho
de 17 anos e acabei ficando grávida
do meu segundo filho. Contei para o
meu chefe que, na hora, me deixou
falando sozinha. No dia seguinte, sua
esposa me procurou e me ofereceu di-
nheiro para abortar. Neguei e fui para
casa. No mesmo dia fiquei sabendo
que ia ser demitida”. O relato é de V.,
que sofreu assédio moral no ambiente
de trabalho e prefere não se identifi-
car. V. começou a ter contrações, mes-
mo no início da gravidez, por conta de
estresse e tensão emocional. Por con-
ta disso, conseguiu uma licença-mé-
dica. No entanto, foi demitida e logo
entrou na Justiça. A espera foi longa
para o caso ter uma solução. Somente
nove anos depois, V. ganhou em to-
das as instâncias e conseguiu receber
“
52
especial 20 anos | mulheres
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53
mulheres | especial 20 anos
sociedade patriarcal, as mulheres
também são as que mais sofrem com
o assédio moral. “A maioria das viti-
mas são mulheres, segundo estudos
do Ministério do Trabalho e Empre-
go (MTE). São as maiores vítimas de
discriminação, sobretudo se forem
negras, de assédio moral e também
sexual”, avaliou a advogada e asses-
sora jurídica da Federação Interesta-
dual de Sindicatos de Engenheiros
(Fisenge), Daniele Gabrich.
Essa prática expõe o trabalhador a
situações constrangedoras de forma
repetitiva e prolongada. “O assédio
moral no ambiente de trabalho ocor-
re de diferentes maneiras: implicân-
cias constantes, apelidos pejorativos,
brincadeiras ofensivas, observações
constrangedoras, discriminação por
diversos motivos relacionados à cor,
religião, orientação sexual, opções
políticas, gravidez, doenças, entre
outros”, explicou a advogada.
Longe de ser encarado como uma
forma de discriminação, o assédio
moral tende a ser naturalizado e, por
isso, pode passar despercebido nos
locais de trabalho. Graças a inúme-
ros estudos, pesquisas e denúncias,
o tema tem ganhado visibilidade. No
entanto, o assédio moral, geralmen-
te, por ser praticado no ambiente de
trabalho e por uma figura de poder
acaba sendo percebido, em alguns
casos, com uma forma de cumprir
metas com eficiência. E, afinal de
contas, quem nunca teve um chefe
com “temperamento difícil”?
Segundo a sindicalista da Confede-
ração Nacional dos Trabalhadores
do Ramo Financeiro (Contraf/CUT)
e mestre em Políticas Trabalhistas
e Globalização pela Global Labour
University (GLU), Jô Portilho, o assé-
dio moral é o resultado das recentes
formas de gestão do capital na bus-
ca do lucro. “Com a imposição de
metas cada vez menos realizáveis, a
empresa pressiona verticalmente seu
corpo funcional que reage transfe-
rindo para seus colegas a carga de
pressão psicológica (e até física) que
recebem. É, portanto, um assédio
institucional, embora as empresas
neguem que orientam seus líde-
res neste sentido. Mais lamentável
ainda é que a cultura institucional
termina fazendo com que o traba-
lhador acredite que ser assediado é
normal e que ele merece sofrer tudo
aquilo por não ter cumprido metas,
por exemplo”, destacou.
E o fenômeno não é algo exclusivo do
nosso país. No entanto, para Jô, há al-
guns fatores que favorecem a prática
do assédio moral no Brasil. “As seque-
las culturais de nosso passado escra-
vocrata, nossa economia dependente
e a falta de regulamentação e fisca-
lização laboral, assim também como
a não ratificação de importantes con-
venções da Organização Internacional
do Trabalho (OIT); um exemplo clás-
sico é a de número 158 que coíbe a
demissão imotivada em instituições
lucrativas”, apontou.
O trabalhador vítima pode contar
com o respaldo da Constituição Fe-
deral, que nos artigos 1º, 3º, 5º, 7º
e 170º dispõem sobre discriminação
e igualdade social; a Convenção 111
da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) trata sobre a discrimi-
nação no emprego e profissão; além
do artigo 483 da CLT que garante
indenização ao trabalhador vítima
de violência moral. No entanto, atu-
almente, no âmbito federal não há
uma lei que institucionalize e tipifi-
que a prática como crime. Apenas
em instâncias municipais e estadu-
ais, e somente em alguns estados,
é possível encontrar leis específicas
que abordem o assédio moral.
EFEITOS PARA A SAÚDEDO TRABALHADOR
E essa prática para a saúde do tra-
balhador pode ter consequências
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mulheres | especial 20 anos
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devastadoras. “Os reflexos sobre a
saúde de quem sofre assédio mo-
ral são extremamente significativos,
abrangem a totalidade da pessoa,
o físico e o psíquico. Surgem ou
se agravam problemas de saúde já
existentes”, comentou a professora
Terezinha. Apesar do assunto ainda
carecer de pesquisas e estatísticas
que permitem mapear a dimen-
são do problema na sociedade, as
queixas daqueles que sofrem com
esse tipo de violência giram em tor-
no palpitações, distúrbios do sono,
hipertensão, dores generalizadas,
pensamentos negativos, que po-
dem levar à depressão ou a quadros
de estresse laboral, entre outras
mazelas.
MULHERES, NEGR@S, HOMOSSEXUAIS:AS PRINCIPAIS VÍTIMAS
Segundo Terezinha, quem sofre mais
com o assédio moral são também os
grupos que possuem histórico de
discriminação na nossa sociedade.
“Como uma das táticas do assédio
moral, na sociedade capitalista, é a
humilhação do trabalhador, todos
aqueles que estão em situações so-
cialmente consideradas menos valo-
rizadas sofrem mais intensamente o
assédio moral (mulheres mais que
homens, negros mais que brancos,
homossexuais mais que heterosse-
xuais etc). Isso porque é mais fácil
‘naturalizar’ a ofensa dirigida contra
aquele que o meio considera ‘menos
valorizado’”, explicou.
No caso específico da mulher, as
agressões morais, geralmente, estão
relacionadas à gravidez ou à mater-
nidade. Em muitos casos, as práticas
se configuram no controle do tempo
usado no banheiro, a culpabilização
por ser mãe e, portanto, ter de dedi-
car muito tempo ao filho, impedi-la
de acompanhar a criança a consul-
tas médicas, etc. Neste caso, há dis-
positivos legais, como determinadas
cláusulas de acordos coletivos ou
acordos de trabalho coletivo, que
contemplam tais questões. Como
também a Lei 9.029/95, que proíbe
“qualquer prática discriminatória
e limitativa para efeito de acesso a
relação de emprego, ou sua manu-
tenção, por motivo de sexo, origem,
raça, cor, estado civil, situação fami-
liar ou idade”. A lei também institui
como crime a exigência de atestados
de gravidez e esterilização para ad-
missão de funcionário.
Em relação ao assédio moral com
recorte racial, a psicóloga da UFRJ
e pesquisadora sobre a questão do
trabalho e mulheres negras, Luciene
Lacerda, explicou que as mulheres,
principalmente as negras, são trata-
das, em muitas vezes, como se não
devessem estar trabalhando em tal
cargo. “De um modo geral, a popu-
lação negra já é vista com olhar infe-
rior. E as mulheres negras são vistas
como se estivessem prestando um
favor. Se a gente olhar no mercado
de trabalho são as que ganham os
salários mais baixos”, concluiu.
Os homossexuais também sofrem
com a discriminação no ambiente de
trabalho, o que pode atrapalhar até
a ascensão profissional do indivíduo.
Para o deputado federal Jean Wyllys,
o assédio moral com cunho homo-
fóbico atinge, principalmente, os
ambientes corporativos. “Nas mul-
tinacionais e nas grandes empresas,
os gays têm dificuldade de ocupar
determinados cargos. Quase sempre
a mobilidade deles nessa hierarquia
tem um limite. Quer dizer, se ele não
for assumido, ele tem mais chance.
Agora, à medida que ele se assume
e fala abertamente da homossexu-
alidade dele, as dificuldades apa-
recem como, por exemplo, no mo-
mento da promoção de um colega
heterossexual, mesmo que o gay
seja mais competente”, alertou.
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especial reforma política
Uma pesquisa Ibope, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), revela que 85% dos entrevistados são favoráveis à reforma política, e que 92% dos entrevis-tados são a favor de projeto de lei por iniciativa popular. Está em debate o projeto de
iniciativa popular por Eleições Limpas. O relator de projeto anterior na Câmara, o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), explica a importância da aprovação deste projeto ainda este ano e destaca o fortalecimento de instrumentos de democracia direta na sociedade. Henrique Fontana é vice-líder do Governo Dilma na Câmara Federal e relator da Comissão Especial da Reforma Política.
"A reforma política é central",afirmou o deputado federal Henrique Fontana
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um grupo privilegiado, que tem,
além do seu voto, milhões de reais
para decidir o processo eleitoral.
Não é difícil perceber que, no essen-
cial, este dinheiro entra para dentro
do processo eleitoral, com o objeti-
vo de realizar negócios futuros com
mais facilidade, de ter um grau de
influência maior sobre os governos e
os parlamentos.
Aqui vale uma observação: 90%
das eleições no Brasil são financia-
das por empresas e só uma pessoa
muito ingênua pode acreditar que
esse volume enorme de dinheiro
viria para a campanha eleitoral por
um amor à democracia. Pelo con-
trário, vem atrás de um conjunto
de relações privilegiadas. Não quer
dizer que todo privilégio seja ilegal.
Esse privilégio pode começar de um
privilégio de relação, de poder fa-
lar com mais frequência, com mais
facilidade com os governantes até
o extremo máximo do privilégio.
Aquele que devemos criticar com
mais força: o ato de corrupção ex-
plícita, ou seja, contratos superfatu-
rados, licitações dirigidas. Mesmo
o que está dentro da legalidade, do
ponto de vista de fortalecimento da
democracia, deve ser questionado
e combatido. Quanto mais inde-
pendentes forem os representantes
que nós elegemos, melhor para a
sociedade. Tem uma frase que eu
ouvi de uma pessoa outro dia que
eu achei muito interessante: “A de-
mocracia brasileira está se voltando
para eleger cada vez mais as pes-
soas de bens, aquelas que possuem
muitos bens, e cada vez menos as
pessoas de bem”. Uma outra ma-
neira de dizer essa frase mais explí-
cita é: se torna cada vez mais difícil
uma pessoa pobre ou um represen-
tante de setores populares, que tem
dificuldade de acesso aos grandes
financiadores, conquistar sucesso
eleitoral. Este até pode concorrer,
mas a chance de sucesso é muito
baixa e tem números que compro-
vam isto de uma maneira muito
contundente. Um estudo que eu
pedi durante esses dois anos e meio
que fui relator da reforma política
para a consultoria da Câmara mos-
tra que, das 513 campanhas de de-
putado federal mais caras do Brasil,
380 delas tiveram sucesso. Isto é
uma demonstração evidente de que
a relação entre arrecadar e sucesso
eleitoral é cada vez mais direta.
FISENGE: Existem duas defesas de financiamento alternativo ao mo-de lo atual, que é o financiamento de mocrático e o exclusivamente pú blico. Qual desses seria o ideal?FONTANA: Os dois são muito bons. Eu
sou um defensor do financiamento
público exclusivo. Aliás, hoje, o elei-
tor já paga pelas eleições. Isso porque
quando o banco X coloca 100 mi-
lhões de reais para financiar campa-
nhas eleitorais, não é o diretor-presi-
dente daquele banco que vende seu
patrimônio pessoal, vende, por exem-
plo, três fazendas, 10 apartamen-
tos e amealha 100 milhões de reais
para colocar na campanha política.
Não, ele retira do caixa da empresa
e, portanto, quem está pagando essa
campanha eleitoral é o cidadão, que
consome o serviço daquele banco.
Então, o cliente daquele banco, sem
saber, está pagando, embutido nas
taxas bancárias que paga como con-
sumidor, a campanha. . Eu uso uma
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FISENGE: Deputado, o sistema elei-toral brasileiro apresenta mui-tas distorções. Podemos afirmar que o financiamento privado é a maior delas? Quais os prejuízos políticos deste financiamento?
DEPUTADO HENRIQUE FONTANA: Eu
não tenho nenhuma dúvida de que
o abuso do poder econômico, que
vem do financiamento privado, é
sim o maior problema da democra-
cia brasileira hoje. Nós temos uma
democracia, que é cada vez mais a
democracia do dinheiro e cada vez
menos a democracia das ideias, dos
projetos, das histórias de vida dos
candidatos, que é o que deveria
orientar 100% dos votos do eleitor
brasileiro. Este poder econômico
não só compra votos diretamente,
como também decide eleições por
meio de aparelhos ultrassofistica-
dos, uma vez que transformaram
as eleições no nosso país. Então, as
técnicas de marketing são extrema-
mente elaboradas e geram um fator
competitivo, no qual os candidatos
que têm baixa arrecadação não têm
nenhuma condição de acompanhar
o processo de disputa eleitoral. E
uma democracia pautada pela força
do dinheiro é uma democracia que
dá muito poder aos financiadores.
Então, hoje, nós temos uma quebra
de uma regra fundamental de qual-
quer sistema democrático, que é a
ideia de que um cidadão deve valer
um voto.
Atualmente, nós temos a maioria da
população que, de fato, tem o seu
voto para decidir o futuro presiden-
te da república, governador, prefeito
ou mesmo seu deputado, e existe
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especial reforma política
frase sintética: campanha política é
parecida com imposto - quem paga
sempre é o cidadão, não é o empre-
sário. Quando um industrial paga um
imposto sobre um produto consumi-
do pela gente, nós é que acabamos
pagando. E com a campanha ocorre
a mesma coisa, só que ocorre de uma
forma muito mais grave, porque nós
estamos decidindo o futuro demo-
crático do país. E com o seu dinheiro,
leitor, esses grandes conglomerados
decidem quais os candidatos que eles
querem apoiar e, muitas vezes, são
candidatos que têm ideias totalmen-
te diferentes das suas ideias. Então,
você acaba pagando a campanha de
quem não quer eleger. E para com-
pletar o quadro negativo do finan-
ciamento privado, o dinheiro que
pagamos por meio do financiamento
privado está incentivando uma políti-
ca que tem o espaço cada vez maior
para corrupção.
Todos os estudiosos dessa matéria
dizem que a variável mais importan-
te para ser alterada na estrutura de-
mocrática de um país para combater
a corrupção é a adoção do finan-
ciamento público de campanha ou
a retirada do poder econômico, do
direito que tem o poder econômico
de decidir processos eleitorais. O fi-
nanciamento democrático que está
sendo proposto pelo Movimento de
Combate à Corrupção Eleitoral é um
projeto de iniciativa popular pelo
qual eu tenho uma enorme simpatia.
É apoiado pela OAB, pela CNBB, por
diversos movimentos sociais, e pro-
põe duas coisas: primeiro ele proíbe
o financiamento de empresas, e isto
é excelente, importantíssimo. Esta é
a mudança fundamental. O projeto
admite uma contribuição de pessoas
físicas e aí coloca um limite de R$
700,00 para cada pessoa. E o mais
importante que me faz apoiar com
muita convicção o financiamento
democrático também proposto por
esse projeto de iniciativa popular é
o teto de gastos. Esta é outra gran-
de distorção da democracia brasi-
leira: três candidatos concorrem a
prefeito na mesma cidade e, hoje,
o nosso sistema político aceita que
um candidato possa gastar 20 vezes
mais dinheiro do que o outro. Isso
desemparelha a eleição e decide o
resultado.
Este projeto Eleições Limpas pro-
põe um teto de gastos, que aliás é
a mesma coisa que estava proposto
no projeto. O relatório que eu apre-
sentei, a Câmara Federal preferiu
manter na gaveta pela maioria dos
líderes e não votou. Por isso, hoje eu
aposto muito na pressão da socie-
dade sobre o parlamento e acredito
que a reforma política precisa ocor-
rer já para o ano de 2014. Nós não
podemos esperar até 2016 e, para
isto, deve haver uma pressão muito
grande da sociedade para que no
mês de setembro o congresso se de-
bruce sobre a reforma política.
FISENGE: Qual a importância da reali zação de um plebiscito? Es-sa medida pode impulsionar o fortaleci mento da democracia direta?FONTANA: O Brasil tem um déficit mui-
to grande em termos de democracia
direta. Em outros países do mundo,
Uruguai, EUA, Venezuela e muitos
outros países europeus, o plebiscito
é algo corriqueiro. Temas que geram
muita polêmica, sobre os quais o
congresso não se sente confortável,
não consegue criar um ambiente de
votação, são levados à consulta po-
pular. E nada melhor do que ouvir
o cidadão de onde emana o poder.
Isso é um fundamento da democra-
cia, ouvir o cidadão precedido de
uma campanha esclarecedora sobre
os diferentes temas para tirar diretri-
zes que depois o congresso tem que
transformar em lei. Quando a presi-
denta Dilma propõe o plebiscito, que
eu apoio de forma integral, ela pro-
põe de forma muito adequada, por-
que nós todos acompanhamos que o
congresso está há 15 anos debaten-
do a reforma política e não a coloca
em votação. Pelo menos não coloca
em votação temas fundamentais que
possam mudar a política brasileira es-
truturalmente.
Eu não estou falando de reformas
cosméticas, como essa que recen-
temente foi pautada na Câmara,
uma minirreforma cujo relator é o
deputado Cândido Vacareza que é,
na verdade, mais uma antirreforma
do que uma minirreforma, porque
ela ou mantém as coisas como es-
tão mudando questões cosméticas,
ou em algumas, piora. O correto se-
ria realizar um plebiscito. Tanto que
eu hoje, como deputado federal,
trabalho em duas frentes: primeiro
para ampliar a pressão da sociedade
apoiando este projeto de iniciativa
popular para que ele seja votado
em setembro deste ano. E, ao mes-
mo tempo trabalho para coletar as
assinaturas dentro da Câmara Fe-
deral para que haja um plebiscito
junto com as próximas eleições, ou
mesmo em outro período. Eu vou
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me posicionar contra a contribui-
ção de empresas para as eleições,
mas haverá deputados e outros lí-
deres que vão defender. Aliás, sem-
pre estranho esse silêncio do meio
empresarial sobre este assunto. O
próprio meio empresarial deveria
abrir o debate sobre o significado do
financiamento vindo de empresas
para as eleições. Os sindicatos têm
que debater isso, a sociedade tem
que fazer esse debate. O plebiscito
é fundamental porque consulta a
população e define diretrizes que,
obrigatoriamente, o congresso vai
ter que votar. E talvez seja a única
maneira ou uma das maneiras mais
eficazes de sair de um impasse em
que nós nos encontramos. Eu, par-
ticularmente, estou apostando em
duas formas, o plebiscito e o projeto
de iniciativa popular.
Eu acredito pouco no trabalho deste
grupo de trabalho que foi montado
muito mais para retardar a reforma
política, porque se o presidente da
Câmara, Henrique Alves, quisesse
de fato votar a reforma política, ele
poderia pegar o meu relatório ou
outros relatórios prontos e pautar
no plenário da Câmara. Aqueles que
são favoráveis votam a favor, quem
é contra vota contra, aquele que
quer corrigir alguma coisa faz uma
emenda. Eles só precisam votar, por-
que todos sabem exatamente o que
significa cada tipo de voto. O projeto
de lei que está protocolado permite
que a sociedade possa, por meio da
internet, participar com assinatura
digital apoiando a tramitação de
projetos de leis, de emendas cons-
titucionais, projetos de leis inclusive
de leis ordinárias e leis complemen-
tares. Isso é uma necessidade do
Brasil e de qualquer país do mundo,
porque nós não podemos continuar
com uma visão de democracia re-
presentativa totalmente analógica.
Enquanto a sociedade está cada vez
mais usando as redes sociais, usan-
do a internet, e, portanto, quer par-
ticipar da política através desse canal
também. E as próprias mobilizações
que ocorreram durante o mês de ju-
nho são uma prova disso.
FISENGE: E para além da reforma das regras eleitorais, deputado, que reformas estruturais funda-mentais precisam ser feitas no Brasil?FONTANA: O Brasil precisa, por exem-
plo, de uma reforma importante
na sua estrutura tributária, que é
conservadora. Eu prefiro fazer um
debate sobre a distribuição da car-
ga tributária, porque os tributos
existem exatamente para transferir
renda dentro de um sistema demo-
crático. E no Brasil de hoje, propor-
cionalmente ao salário e à renda de
cada um, os mais pobres pagam
mais impostos do que os mais ricos.
Eu digo isso proporcionalmente, e
não em valor absoluto. E essa cur-
va tem que ser corrigida. Uma das
maneiras para corrigir essa curva?
Adotar o imposto sobre grandes for-
tunas, que é um projeto de lei que
foi, inclusive à época, protocolado
pelo então senador Fernando Hen-
rique Cardoso. E vejam a força do
conservadorismo tributário no país
das elites que conseguem preservar
a sua renda.
FISENGE: Qual é a importância do fortaleci mento dos partidos polí-
ticos ainda mais diante dessa con-juntura de negação dos partidos pelas manifestações?FONTANA: Não há nenhuma experiên-
cia na história da humanidade em
processos e regimes democráticos
em que tenha se avançado em mu-
danças e qualificação das relações
sociais sem partidos políticos para
organizar a luta, a disputa política
e a democracia. Alguns têm uma
visão, me perdoem usar a palavra,
mas é uma palavra que define, não
é um adjetivo pejorativo, mas alguns
têm uma visão ingênua de que se
nós lançássemos milhares de candi-
daturas avulsas pelo Brasil concor-
rendo a deputado federal poderia
ser melhor para resolver nosso desa-
fio democrático.
Eu posso assegurar para essas pes-
soas que pensam assim que isto não
resolveria em nada a democracia,
pois dentro de um parlamento não
dá para se trabalhar sozinho. Todos
os debates são feitos levando em
conta a organização das bancadas,
as bancadas de frentes parlamen-
tares. Então o partido político é um
espaço onde, inclusive, se preparam
os programas, os projetos. Eviden-
temente o que a democracia moder-
na exige é que em todos os espaços
se possa fazer política, que a inter-
locução entre partidos, governos e
parlamento seja cada vez maior com
a sociedade, com as suas diferentes
representações. Agora, combater
partidos políticos, negar partidos
políticos, é abrir a porta para um
regime totalitário. Não há nenhum
exemplo na história da humanidade,
como eu disse, em que isso tenha
dado em boa coisa.
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60
especial reforma política
Apesar de ser garantida pela
Constituição de 1988, a par-
ticipação social e política, ain-
da, não atende a todos, ou melhor,
a todas. As mulheres na política
no Brasil representam um número
muito pequeno diante da imensa
maioria formada por homens. Se-
gundo o Relatório Global Data Base
of Quotas for Women, o país ocupa
a 118ª posição no ranking de 198
países sobre participação política
das mulheres.
Para a ministra Eleonora Menicuc-
ci, da Secretaria de Políticas para as
Mulheres da Presidência da Repúbli-
ca (SPM-PR), a desvantagem que as
mulheres enfrentam para participar
do sistema político é influenciada
por regras patriarcais. “A dinâmica
social favorece a dedicação dos ho-
mens aos cargos de poder e decisão,
pois deles não é exigida a concen-
tração excessiva de tempo à vida.
Enquanto eles têm tempo para mais
essa atividade da vida pública, as
mulheres cumprem a carga de res-
ponsabilidades dos homens”, disse
a ministra.
Ainda que tenhamos como chefe do
executivo uma mulher, a presiden-
ta Dilma Rousseff, a quantidade de
mulheres na política está longe de
alcançar uma igualdade de gênero.
Atualmente, apenas 44 mulheres
ocupam espaços na Câmara Fede-
ral, num total de 513 parlamentares.
Nos ministérios, dos 37 existentes,
somente 10 mulheres estão à fren-
te. No Senado Federal, a situação
de desvantagem também se repete.
Entre as 81 vagas, apenas 13 são
ocupadas por mulheres.
No entanto, para aquelas que conse-
guiram se eleger, uma grande vitória,
ao chegarem ao parlamento enfren-
tam novas dificuldades: ser mulher
e estar em um ambiente majorita-
riamente masculino. Para a deputa-
da federal Jô Moraes (PCdoB/MG),
coordenadora da Bancada Feminina
da Câmara dos Deputados, a desi-
gualdade de gênero na política ainda
se faz presente na rotina das parla-
Brasil ocupa 118º lugarno ranking de198 países sobre aPARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERESProposta de Reforma Política pretende criaralternância de sexo nas listas partidárias
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61
mentares. “Não só ouvi quanto ouço
quase que diariamente comentários
machistas, como todas as mulheres.
Mas, além do que ouvimos todos os
dias, tem os gestos, os olhares, o não
ouvir que é também muito agressivo
e nos machuca, porque discrimina
pela simples questão de sermos mu-
lheres”, conta Jô.
LEI DE COTAS
Para garantir a maior inserção das
mulheres na esfera política, diver-
sas articulações vêm sendo feitas
por movimentos sociais e entida-
des do poder público. Um dos pri-
meiros avanços na ampliação da
participação feminina nos partidos
foi em 1997, com a aprovação da
Lei nº 9504, Lei de Cotas Eleitorais,
que estabelecia aos partidos e co-
ligações a reserva de no mínimo
de 30% e no máximo 70% do nú-
mero de vagas para cada sexo. No
entanto, a medida não necessaria-
mente propunha o preenchimento
dessas vagas.
Em 2011, o TSE instituiu a Resolução
23.373, dispondo sobre a escolha e
o registro de candidatos nas eleições
de 2012, trazendo a obrigatorieda-
de do preenchimento das vagas, de
acordo com reforma eleitoral propos-
ta pela Lei 12.034/09. E os resultados
já se fizeram sentir nas eleições do
ano passado. Pela primeira vez os
partidos políticos e coligações atingi-
ram o percentual de 30% na candi-
datura para vereadores, com 31,8%
de candidatas. No entanto, somente
13,32% foram eleitas. Já para as pre-
feituras, apenas 13,3% concorreram
e 11,84% foram eleitas.
REFORMA POLÍTICA
Segundo a pesquisa “Mais Mulheres
na Política", realizada pelo IBGE e
pelo Instituto Patrícia Galvão, a opi-
nião pública é favorável à igualdade
de gênero na política. Mais de 70%
dos entrevistados consideram que só
há democracia de fato com a pre-
sença de mais mulheres nos espaços
de poder e de tomada de decisão. E
80% dos brasileiros consideram que
deveria ser obrigatória a composição
dos legislativos municipais, estaduais
e nacionais por metade de mulheres.
Para a coordenadora nacional da
Articulação de Mulheres Brasileiras
(AMB), Rogéria Peixinho, para que
isso aconteça de forma satisfatória,
faltam políticas que deem condições
para que as mulheres participem e
sejam eleitas. “Há vários empecilhos
como falta de creche e outras con-
dições que permitam que a mulher
possa trabalhar e atuar, no sindicato,
na associação e etc. Para mudar esse
quadro de desigualdade de gênero,
é importantíssimo que aconteça
uma reforma política que garanta a
alternância de sexo, financiamento
público de campanha, entre outras
garantias. Só assim vamos conseguir
uma justiça social”, disse.
Organizações e movimentos já discu-
tem e propõem eixos para a reforma
do sistema político há anos. Dessa
articulação, surgiu a Plataforma dos
Movimentos Sociais pela reforma do
Sistema Político e também o Movi-
mento de Combate à Corrupção
Eleitoral (MCCE), do qual a Fisenge
faz parte. Entre as propostas, tam-
bém está a representação de grupos
historicamente excluídos dos espa-
ços de poder, como mulheres, popu-
lação negra, indígena, homoafetiva,
e outros, para que possam disputar
em igualdade com os demais. Den-
tro disso, estabelecem a alternância
de sexo nas listas partidárias.
EXEMPLO: CUBA
De acordo com a pesquisa “Mulheres
na Política: 2012”, da ONU Mulhe-
res, entre os países com maior per-
centual de mulheres no parlamento
está Cuba, ocupando o terceiro lu-
gar, com 45.2%, o que representa
265 mulheres num universo de 586
vagas. Além das mulheres ocuparem
bastantes espaços na política, 40%
dos parlamentares são negros ou
pardos. Diferentemente do Brasil, em
Cuba não há lei de cotas eleitorais.
Segundo a presidente da Associa-
ção Cultural José Martí de Solida-
riedade a Cuba, Zuleide Faria de
Melo, a equiparidade alcançada en-
tre os sexos no parlamento do país
é fruto de uma política movida pela
construção de um país melhor. “Em
Cuba, em todas as instâncias par-
lamentares o deputado não recebe
um centavo pelo exercício. É um
trabalho voluntário, considerado de
serviço comunitário”, disse Zuleide.
Além disso, a presidente destaca
que há políticas que incentivam a
participação de mulheres na esfera
política. “Lá, as mulheres têm opor-
tunidades para que se dediquem
mais à política, como, por exemplo,
creches nos locais de trabalho e um
sistema de educação em regime
integral para as crianças”, comple-
menta Zuleide.
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62
especial reforma política
A reforma política está presente
na agenda nacional há vários
anos. No “mundo político”,
sempre lembrada em momentos
de crise ou início de mandato. Para
a plataforma dos movimentos so-
ciais, a reforma do sistema político é
questão central, desde sua origem
em 2004. Após as manifestações de
junho, que colocaram em cheque
todo o nosso sistema de representa-
ção o tema tomou “musculatura” e
um novo ingrediente, que diz res-
peito ao “processo”, foi acrescenta-
do. Isto é, qual o caminho para se
fazer a reforma política. Assembleia
Nacional Constituinte? Plebiscito?
Referendo? Iniciativa Popular? Con-
gresso faz sozinho e do jeito dele?
Além do processo precisamos dis-
cutir sobre o conteúdo da reforma
política: para que queremos a refor-
ma política, o que queremos enfren-
tar, que sistema político queremos
construir? Que sujeitos políticos
queremos reforçar? Os dois debates
- processo e conteúdo - são fun-
damentais para a construção de um
novo modelo democrático no país e
devem andar de forma conjunta.
Na reforma política não podemos
separar o conteúdo da forma, pois
um determina o outro.
O Congresso Nacional, há 18 anos,
“tenta” votar a reforma política.
Todas as tentativas na direção de
uma reforma eleitoral, e não polí-
tica. A resposta do Congresso foi
“queremos manter o sistema como
está”. O que se fez foram pequenos
ajustes no processo eleitoral, com
exceção do Ficha Limpa, nem sem-
pre na direção da democratização
do poder, e sim para atender aos
interesses de quem está no poder
ou está próximo dele. O que faria o
Congresso mudar de postura? Ma-
nifestações de rua? Descrédito da
instituição parlamento?
Só se rompe este “imobilismo” do
Congresso com um movimento que
articule forças políticas de fora com
quem está “dentro” e quer mudan-
ças. Sem este movimento, o Con-
gresso continuará neste descom-
passo total com a sociedade.
Diante deste quadro político, várias
organizações e movimentos da so-
ciedade civil coletam, desde final de
2011, assinaturas para a Iniciativa
Popular da Reforma do Sistema Po-
lítico. Esta iniciativa não fica restrita
à reforma do sistema eleitoral. Vai
na direção do fortalecimento da so-
berania popular, por meio de várias
propostas, entre elas que determina-
dos temas só possam ser definidos
por plebiscitos e referendos, dando
poder ao povo de convocação des-
tes instrumentos da democracia di-
reta, e não somente ao Congresso
como é hoje.
Com as manifestações de rua, onde
ficou evidente o total esgotamento
do nosso atual modelo democráti-
co, todo ele centrado no poder da
representação e na força do capital
privado financiando este poder, ga-
nha força na sociedade a busca de
outras estratégias políticas para a re-
alização da reforma política. É neste
contexto que surgem as propostas
de convocação de uma assembleia
constituinte exclusiva, soberana e
específica para o tema e da reali-
zação de plebiscito e/ou referendo.
Sobre a assembleia constituinte:
pre cisa ser exclusiva, soberana e
espe cífica para a reforma política.
Exclusiva quer dizer eleita especifi-
REFORMA POLÍTICA:para quê?JOSE ANTONIO MORONI
Colegiado de Gestão do INESC
Plataforma dos Movimentos Sociais
pela Reforma do Sistema Político
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63
camente para fazer a reforma, não
delegando ao Congresso esta tarefa.
Soberana: sem influência do poder
econômico, tanto no processo de
escolha dos/as constituintes como
nas definições, com possibilidades
de candidaturas avulsas, não neces-
sariamente via partidos, e que seja
representativa de todos os segmen-
tos da população. Uma assembleia
constituinte não pode ser o espelho
da representação que temos hoje no
parlamento, que é uma representa-
ção branca, masculina e proprietá-
ria. Tem que ser uma constituinte
que tenha a representação, em pé
de igualdade, de todos os grupos
subrepresentados na nossa socie-
dade, mulheres, população negra
e indígena, jovens, homoafetiva,
do campo e das periferias, pessoas
com deficiência. Específica: tem
que ficar restrita ao tema da reforma
política (não apenas eleitoral) não
podendo decidir sobre outras ques-
tões que não sejam relacionadas a
isso. Não podemos correr o risco de
perder conquistas, que tivemos com
a Constituinte de 1988, principal-
mente, as relacionadas aos direitos
sociais, individuais e coletivos.
Se o caminho for o plebiscito, o que
devemos garantir: a definição das
perguntas por mecanismos de con-
sulta popular, e não apenas pelo
Congresso Nacional. Que a campa-
nha gratuita, nos moldes das cam-
panhas eleitorais, tenha a participa-
ção das organizações da sociedade,
e não apenas das frentes parlamen-
tares como define a lei hoje. E, por
último, mas não menos importante,
que o plebiscito tenha caráter vin-
culante, isto é, o Congresso não
pode decidir o contrário. O ide-
al seria fechar este processo com
o referendo, o povo dizendo se o
Congresso interpretou bem ou não
a vontade popular. Aqui vale uma
ressalva. Sobre o plebiscito, juristas
de plantão, aqueles que a grande
mídia escuta, vieram com a pérola
de que o plebiscito era apenas uma
consulta e o Congresso podia aca-
tar ou não. Sugiro para estes juristas
de plantão algumas aulas extras de
soberania popular. Eles perderam ou
dormiram nestas aulas.
Esta discussão “da forma” é funda-
mental, pois define a concepção que
temos de reforma política e também
os sujeitos políticos desta reforma.
No formato o “congresso faz”, es-
tamos delegando a representação e
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especial reforma política
64
como a representação só consegue
pensar em processo eleitoral a refor-
ma política será igual à reforma elei-
toral. Que é importante, necessária,
mas não suficiente.
O alicerce da reforma política é a
soberania popular. Portanto, os su-
jeitos políticos desta reforma são o
próprio povo e o conteúdo diz res-
peito ao exercício desta soberania,
portanto, a todas as formas de po-
der, e não apenas à representação.
Neste caso, reforma política é a re-
forma do próprio processo de deci-
são: a reforma do poder e da forma
de exercê-lo. Quem exerce o poder,
em nome de quem se exerce o po-
der e quais os mecanismos de con-
trole do poder. Enfim, quem tem o
poder de exercê-lo numa sociedade
tão desigual como a nossa. Por isso,
deve estar alicerçada nos princípios
da igualdade, da diversidade, da
justiça, da liberdade, da participa-
ção, da transparência e do controle
social, e não pode ser apenas refor-
ma eleitoral. Estamos falando da
reforma do sistema político.
Se todo poder emana do povo, pen-
sar a reforma do sistema político
é pensar como este poder deve ser
devolvido ao povo que tem o direito
de exercê-lo de forma direta, e não
apenas por delegação (delegar para
quem elegemos). Democracia é mui-
to mais que “eleições limpas”.
Não tem como pensar numa refor-
ma do sistema político sem enfren-
tar as desigualdades de sexo, de
raça, étnica e de renda nas formas
de exercer o poder. Falar em reforma
do sistema político é falar de racis-
mo, de machismo, de homofobia,
de desigualdade econômica e de
preconceitos presentes em nossa
sociedade e nas estruturas de poder.
A Reforma precisa radicalizar a de-
mocracia, enfrentando todas as for-
mas de desigualdades e de precon-
ceitos, promovendo a igualdade, a
diversidade e a participação política.
Isto significa uma reforma que am-
plie as possibilidades e oportunida-
des de participação, capaz de incluir
e processar os projetos de transfor-
mação que sujeitos políticos histori-
camente excluídos dos espaços de
poder, como as mulheres, afrodes-
cendentes, homossexuais, indíge-
nas, jovens, pessoas com deficiência,
idosos e todos os despossuídos de
direitos trazem para o cenário polí-
tico. Foi esta a principal lição que as
manifestações de junho nos coloca-
ram. Precisamos construir um ou tro
desenho democrático, isso é, um mo-
saico democrático onde todos/as se
sintam não apenas representados,
como também participantes e com
mecanismos de exercício do poder
de forma direta.
Precisa também repensar a atual
arquitetura da participação (demo-
cracia participativa). A multiplicação
de espaços participativos (conselhos
e conferências) não significa auto-
maticamente a partilha de poder.
Precisamos caminhar na direção da
construção de um sistema integrado
de participação, que inclua a política
econômica e de desenvolvimento, e
não apenas as políticas sociais. Aqui
vale uma pergunta: por que as de-
mandas das manifestações de junho
por serviços públicos de qualidade
não desembocaram neste sistema
de participação institucionalizada?
Se desembocaram por que não fo-
ram respondidas?
Precisamos aperfeiçoar a democra-
cia representativa. Para isso são
necessários partidos políticos demo-
crá ticos, fortes, programáticos, com
densidade na sociedade, com vida o
ano todo e não apenas em momen-
tos eleitorais. Precisamos realmente
ter partidos políticos, como instru-
mentos de representação política
de parte da sociedade e não de in-
teresses pessoais ou de grupos. A
fidelidade partidária, o financiamen-
to público exclusivo de campanha,
votação em listas escolhidas de for-
ma democrática, com alternância de
sexo e respeito a critérios raciais, ge-
racionais e homoafetivos e a possi-
bilidade de revogação de mandatos
pela população devem ser priorida-
des. É necessário pensar uma outra
forma de escolha da repre sentação
indígena e quilombola. Antes de
tudo, é necessário criar a equidade
nas disputas políticas que se fazem
via mecanismos da democracia re-
presentativa.
Não existe reforma do sistema políti-
co sem enfrentar o poder dos meios
de comunicação privados, assim
como o isolamento do poder judici-
ário em relação às demandas popu-
lares e a sua elitização.
Em resumo, pensar Reforma do sis-
tema político é pensar como de-
mocratizar as relações de poder em
todas as esferas e em todos os espa-
ços, e isso só a soberania popular é
capaz de fazer.
Din
o Sa
ntos
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65
artigoDin
o Sa
ntos
DEMOCRATIZAÇÃO DACOMUNICAÇÃO
Sem marco público, mídia privada no controle
ROSANE BERTOTTICoordenadora Geral do Fórum
Nacional pela Democratização da
Comunicação (FNDC) e
secretária de comunicação
da CUT nacional.
Não é de hoje que os grandes
conglomerados de comuni-
cação exercem um poder
des proporcional e completamente
anti-democrático sobre a socieda-
de. “Influência” que se dá a partir
de instrumentos com os quais in-
terpretam a realidade para repas-
sar – ou não - como “notícia” ao
grande público.
Desta forma a população é “pauta-
da” por concepções políticas e ideo-
lógicas que atendem unicamente aos
interesses mercadológicos do “negó-
cio”, com a palavra reduzida à mer-
cadoria, para o uso e abuso dos que
pagam pela sua circulação.
A esta “interpretação” nada ob-
jetiva nem plural se dá o nome de
arti
go
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66
artigo
“linha editorial”, forma com a qual
a velha mídia mascara o vento que
a move acima de qualquer compro-
misso com a verdade dos fatos.
Tudo estava muito bem obrigado
durante a longa treva neoliberal,
em que os interesses das transna-
cionais, do sistema financeiro e de
grandes empresas nacionais - mus-
culosos anunciantes das redes de
rádio e televisão, jornalões, revis-
tas e portais de internet – eram
sintonizados, contemplados e
xerocopiados pelos governos de
plantão. Quando presidentes de-
mocráticos e populares como Lula,
Chávez, Evo Morales, Rafael Cor-
rea e Kirchner colocaram em xe-
que a continuidade da política de
favorecimento aos patrocinadores
da mídia, o caldo começou a en-
tornar.
Frente ao desgaste dos partidos ne-
oliberais e privatistas, surge então
revigorado o poder midiático como
a principal alternativa de oposição
às políticas inclusivas, desenvolvi-
mentistas, soberanas e favoráveis
à integração latino-americana. Daí
o tom monocórdico adotado pelos
grandes proprietários, reunidos na
SIP (Sociedade Interamericana de
Imprensa) – no Brasil representados
pelo Instituto Millenium –, contra o
estabelecimento de novos marcos
regulatórios que efetivamente ga-
rantam às nossas sociedades condi-
ções de acesso plural a “concessões
públicas”, que ao fim e ao cabo lhe
pertencem. Ou de iniciativas que
desconcentrem e invistam na plura-
lidade, como a distribuição de anún-
cios publicitários.
A necessidade do regramento é
cada vez mais uma percepção, que
passa a ser uma reivindicação que
extrapola os setores tradicionalmen-
te organizados na luta pela demo-
cratização da palavra, como bem
aponta recente pesquisa da Funda-
ção Perseu Abramo. Realizada entre
20 de abril e 6 de maio, a pesquisa
ouviu 2.400 pessoas acima dos 16
anos, de áreas urbanas e rurais de
120 municípios das cinco regiões
do país. Destas, 82% assistem dia-
riamente a TV aberta, mas quase
a metade, 43%, afirma não se re-
conhecer na programação e 25%
se veem retratados negativamente,
contra 32% positivamente. Embora
haja um desconhecimento de que
essas emissoras são concessões pú-
blicas, com 60% dos entrevistados
respondendo que “são empresas de
propriedade privada, como qualquer
outro negócio”, ainda assim, 71%
são favoráveis a que haja mais re-
gras para definir a programação.
Sobre o regramento na TV, 46% de-
clarou que prefere o controle social
de um “órgão ou conselho que re-
presente a sociedade” contra 31%
favoráveis à autorregulamentação,
como a atual, e 19% declararam ser
favoráveis a controle governamen-
tal. A respeito do caráter de classe
dessa mídia, 61% dos entrevistados
avalia que a TV costuma dar mais
espaço para os empresários do que
para os trabalhadores. A inexistência
da diversidade regional também é
uma constatação: 44% consideram
que o noticiário veiculado é quase
só de São Paulo e Rio de Janeiro. Da
mesma forma, a pesquisa captou
uma percepção de afronta aos in-
teresses de crianças e adolescentes:
39% acreditam que a TV oferece
uma programação negativa para
sua formação, contra 27% que a
consideram positiva. Nada menos
do que 65% relativizaram a con-
fiança na “parcialidade e neutrali-
dade” das informações divulgadas
e somente 21,9% acreditam que a
mídia exponha os fatos sem privile-
giar um lado.
Conforme a pesquisa, a maioria dos
entrevistados avalia que a TV retrata
as mulheres às vezes, 47%, ou qua-
se sempre, 17%, com desrespeito,
da mesma forma como desrespeita
os nordestinos às vezes, 44%, ou
quase sempre, 19%, e ainda a po-
pulação negra, 49% e 17%, res-
pectivamente, sendo que para 52%
esta população é menos retratada
do que deveria.
Embora os números estejam aí, os
que buscam democratizar a palavra
são identificados pela mídia como
agressores, adeptos da “censura” e
de outras barbaridades, projetando
sobre os movimentos pela demo-
cratização da comunicação as suas
próprias práticas coercitivas.
Diante de opções tão antagônicas,
qual deve ser o papel de um gover-
no comprometido com a construção
de uma nova sociedade, mais plural
e democrática? Ceder espaço aos
abusos praticados ou regulamentar
regras que os inibam? Perpetuar o
balcão de negócios, mascarado por
uma suposta “objetividade”, ou in-
cidir, enquanto poder público, para
o surgimento de novos atores, que
atuem de forma complementar e
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67
Repr
oduç
ão
paritária, fomentando o público, o
comunitário e o privado?
Para as dezenas de entidades e mo-
vimentos sociais que se somaram à
mobilização do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação
(FNDC) por um novo marco regula-
tório não há dúvida de que é preci-
so romper com a via de mão única
imposta pela meia dúzia de famílias
que comandam a mídia em nosso
país. E garantir que floresçam as rá-
dios e televisões públicas e comuni-
tárias com recursos do Orçamento,
com a democratização das verbas
publicitárias, a fim de que possam
mostrar as pautas das grandes maio-
rias invisibilizadas pelos que se cre-
em donos da verdade.
Há uma compreensão comum de
que é inconcebível para o presente e
o para o futuro dos nossos sistemas
democráticos a manutenção do ana-
crônico sistema – inconstitucional - de
oligopólios e monopólios privados.
Justificativas como a do Ministério
das Comunicações de que não ha-
veria tempo suficiente para amadu-
recer o debate sobre o tema em ano
pré-eleitoral, mais do que descabi-
da, é uma afronta às deliberações
democraticamente aprovadas pela
Conferência Nacional de Comuni-
cação (Confecom), organizada pelo
próprio governo federal e realizada
em Brasília em 2009.
Para lembrar aos que tentam obscu-
recer a relevância da Confecom, vale
lembrar algumas das suas decisões
como a reforma do marco regulató-
rio das comunicações, mudanças no
regime de concessões de rádio e TV,
adequação da produção e difusão
de conteúdos às normas da Consti-
tuição, bem como o fim da crimina-
lização às rádios comunitárias.
Da mesma forma, com a adoção de
uma política de isenções bilionárias
às empresas de telecomunicações, o
Ministério dá um tiro no coração da
Telebrás ao inviabilizar o Plano Na-
cional de Banda Larga (PNBL) como
foi concebido pelo governo do pre-
sidente Lula.
Temos a convicção de que o país não
será mudado cedendo à chantagem
e às pressões da velha mídia, nave-
gando nas ondas do conservadoris-
mo com a manutenção de uma prá-
tica comunicativa nada plural, nada
diversa e nada democrática.
Infelizmente, o problema não está
na pilha do controle remoto, mas
da falta de opções e na mesmice
alienante. Sem o estabelecimen-
to de um novo marco regulatório,
capaz de romper com o cerco dos
grandes monopólios privados de
comunicação, sem diversidade, sem
repartição de frequências, sem in-
vestimento público na Telebrás,
sem diálogo com a sociedade, o
governo continuará refém da sua
insegurança.
De nossa parte, seguiremos lutan-
do. A sociedade brasileira reforça
sua mobilização e sua unidade para
construir um Projeto de Lei de Ini-
ciativa Popular para um novo marco
regulatório das comunicações. Sem
marco público, a mídia privada con-
tinuará no controle.
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68
reforma agrária
Ainda que o assunto esteja
mais presente do que nunca
nos noticiários e na pauta de
mobilizações nas ruas, a luta pela
reforma agrária é histórica e com
profundas raízes no período colo-
nial brasileiro, que trouxe aos dias
de hoje o modelo de latifúndio e
suas implicações na questão fundi-
ária do nosso país. O modelo do la-
tifúndio já se estabelecia correlacio-
nado ao aparecimento dos atuais
problemas enfrentados no campo:
baixo nível de exploração do uso
da terra e mão de obra empregada
em condições precárias. Apesar da
promulgação do Estatuto da Terra,
em 1964, e da Constituição Fede-
ral garantir a função social da ter-
ra, ainda avançamos – muito pou-
co - para garantir o acesso à terra
a todos. Estas questões refletem
na conjuntura atual com o avanço
do agronegócio, do monocultivo e
do latifúndio. O problema históri-
co do campo exige uma mudança
estrutural na sociedade: a reforma
agrária.
Segundo dados do Instituto Nacio-
nal de Colonização e Reforma Agrá-
ria (Incra), desde a implantação de
políticas públicas voltadas para a
reforma agrária, 1.258.205 famílias
já foram assentadas. No entanto,
milhares de camponeses ainda lu-
tam e esperam por um pedaço de
terra, é o que contou o integrante
da coordenação nacional do Movi-
mento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST), João Pedro Stédile. “Temos
atualmente mais de 100 mil famílias
acampadas, em condições precarís-
simas, na beira das estradas ou em
áreas ocupadas. E temos mais 4 mi-
lhões de famílias de camponeses po-
bres, sem terra, que seriam o público
potencial de um amplo programa de
reforma agrária no país”, apontou.
A assessoria de imprensa do Incra
informou que o Instituto vem se
REFORMAAGRÁRIA
Número de assentamentos diminui nos últimos anos e famílias sofrem com a falta de assistência técnica
JÁ!
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69
dedicando a dialogar com o Poder
Judiciário para retomar julgamen-
tos de processos que tinham algum
impedimento judicial. Em um ano,
121 processos foram retomados e
50 novas áreas liberadas para assen-
tamento da reforma agrária. Con-
tudo, apesar da existência de orga-
nismos e entidades, além de forte
pressão por políticas públicas, o nú-
mero de assentamentos vem dimi-
nuindo nos últimos anos. Em 2012,
apenas 23.075 famílias foram as-
sentadas. Já em 2006, esse número
chegava a 136.358 famílias. O líder
do MST destacou que essa letargia
é fruto das relações políticas. “O
problema é político, de correlação
de forças e, com isso, a reforma
agrária e as desapropriações estão
paralisadas. O governo Dilma vai
perder em resultados estatísticos,
não do FHC, vai perder do governo
Figueiredo, já no final da ditadura,
que estávamos conquistando mais
áreas. Mas a turma de burocratas
que estão incrustados no governo
impede uma visão mais social e re-
alista das necessidades dos pobres
do campo”, contou Stédile.
Para aqueles que conseguiram ser
incluídos nas políticas de assenta-
mento para fins de reforma agrá-
ria, a luta não acabou. No assenta-
mento Roseli Nunes, no município
Mirassol D’Oeste, no Mato Grosso,
há 12 anos, 331 famílias conquis-
taram o direito à terra. A luta pela
fazenda, que antes tinha apenas um
dono, não foi fácil e envolveu mais
de seis anos de pressão do MST. O
assentamento é referência no esta-
do em produção orgânica e fornece,
por meio do Programa de Aquisição
de Alimentos (PAA), alimentos para
mais de 750 famílias cadastradas no
Bolsa Família do município, além de
atender sete escolas municipais e
nove escolas estaduais que, juntas,
somam cerca de sete mil alunos.
Apesar de ser referência no estado
em produção orgânica de hortaliças,
frutas e legumes, o assentamento
ainda necessita de um amplo espec-
tro de políticas públicas. A engenhei-
Crianças comem biscoitos de pequi, alimento tradicional e nutritivo. O alimento é vendido para a escola via Programa de Aquisição de Alimentos e produzido pelo assentamento Roseli Nunes.
Lívi
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ase
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70
ra agrônoma e técnica da Federação
de Órgãos para Assistência Social
e Educacional (Fase), Fran Paula de
Castro, que há cinco anos trabalha
no assentamento, diz que a princi-
pal dificuldade é o acesso a políticas
de assistência técnica agroecológica
e a regularização da posse. “O as-
sentamento ainda não possui título
da terra, o que dificulta ter acesso a
coisas simples, como um crédito no
banco, por exemplo. Cerca de 80%
dos assentamentos no Mato Grosso
estão pendentes de regularização.
Além disso, a problemática é o aces-
so a políticas de assistência técnica
que, aqui no estado, é muito defi-
ciente”, destacou.
A agricultura familiar é a maior
responsável pelo fornecimento de
alimentos, produzindo 70% dos
alimentos consumidos no país, se-
gundo dados do Ministério do De-
senvolvimento Agrário (MDA). No
entanto, assentamentos como o
Roseli Nunes sofrem com a falta de
incentivos à produção e à comer-
cialização dos produtos. De acordo
com o Secretário da Agricultura
Familiar do MDA, Valter Bianchini,
a presidente Dilma deve lançar um
Plano Nacional de Apoio à Agroe-
cologia e à Agricultura Orgânica.
“O Plano terá uma série de instru-
mentos, como crédito, incentivo à
pesquisa, garantia de preços, entre
outros, para apoiar essa modalida-
de de agricultura. O objetivo é que
estimule a preservação do meio am-
biente, bem como a qualidade de
vida dos produtores e consumido-
res. Vamos ter um apoio muito for-
te para a agroecologia e agricultura
orgânica”, destacou.
Para Stélide, somente com a refor-
ma agrária, seria possível dar um
salto na produção de alimentos para
todo o país e na renda das famílias,
para que saiam definitivamente da
pobreza. “No futuro, como alter-
nativa ao agronegócio, que apenas
produz, commodities e lucro, com
muito veneno, temos o potencial de
cinco milhões de camponeses, que
são os únicos, que empregam 85%
de toda mão de obra no meio rural,
e podem produzir alimentos sem ve-
nenos, sem agredir o meio ambien-
te”, finalizou Stédile.
VIOLÊNCIA NO CAMPO
Nos últimos dez anos, o número de
conflitos no campo aumentou no
país. Segundo dados da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), em 2012, a
região da Amazônia Legal, mais a
parte do Maranhão e Mato Grosso
concentraram 58,3% dos assassi-
O BRASIL É CAMPEÃO MUNDIALNO USO DE AGROTÓXICOS
Por ano, são consumidos cerca de um bilhão de litros, o que repre-
senta 5,2 litros de agrotóxicos por brasileiro. O país já é campeão
mundial no uso abusivo do veneno no cultivo de alimentos. De
olho nisso, foi lançada em 2011 a Campanha Permanente contra os
Agrotóxicos, que tem como objetivo denunciar o uso abusivo desses
produtos químicos. Segundo o dossiê “Um alerta sobre os impactos
dos agrotóxicos na saúde”, realizado pela Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (Abrasco), o uso de agrotóxico, além de prejudicar
o meio ambiente, traz sérios danos à saúde. O estudo aponta que
mesmo que alguns ingredientes sejam classificados como pouco tóxi-
cos, não se pode perder de vista os efeitos crônicas que podem surgir
meses, anos ou até décadas depois da exposição ocasionando desde o
aparecimento de cânceres, malformação entre outros distúrbios endó-
crinos, neurológicos e mentais.
natos, 84,4% das tentativas de as-
sassinato e 77,4% dos ameaçados
de morte. A coordenadora nacio-
nal da CPT, Isolete Wichinieski, des-
tacou que os conflitos também es-
tão mudando de perfil. “Enquanto
nos anos 1980 e 1990, os principais
atores desses conflitos eram sem-
terra, posseiros e pequenos agricul-
tores, nos últimos anos esse cenário
mudou. O capital avança, agora,
sobre as terras de povos e comu-
nidades tradicionais, com destaque
para as indígenas e as quilombo-
las”, apontou. As mulheres tam-
bém têm sido vítimas da violência.
Isolete disse que a questão cultural
do machismo ainda é muito forte
no campo. “As mulheres por terem
culturalmente uma imagem de mais
frágeis, acabam sendo mais pres-
sionadas que os homens, sofrendo
muito mais com a pressão psicoló-
gica”, destacou.
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71
reforma agrária
UMA HISTÓRIA DE LUTA:Trabalhadora rural sem terra ameaçada no Pará
“Lutar é a única saída dos trabalhadores”, Maria Raimunda de Souza
Edin
aldo
Sou
za
Dados da Comissão Pastoral
da Terra (CPT) revelam que
no ano de 2012, por região
geoeconômica, na Amazônia Legal,
formada pelos estados da região
Norte, mais parte do Maranhão
e Mato Grosso, se concentram
58,3% dos assassinatos (21 de 36);
84,4% das tentativas de assassina-
to (65 de 77); 77,4% dos ameaça-
dos de morte (229 de 296); 62,6%
dos presos (62 de 99) e 63,6% dos
agredidos (56 de 88). O número de
conflitos no campo tem aumentado
nos últimos dez anos e se deve ao
processo histórico de concentração
fundiária no Brasil. Os movimentos
sociais travam há anos a luta por
um modelo de desenvolvimento de
distribuição de renda e terra. Mas
no meio do caminho: violência,
capital, agronegócio e latifúndio.
Estes elementos acirram a dispu-
ta pela terra. A reforma agrária é
central na solução desta questão
estrutural. No Pará, o número de
lideranças ameaçadas é alto. Uma
delas é a integrante do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
do Pará (MST-PA), Maria Raimun-
da de Souza. Mesmo vivendo sob
constante ameaça, ela se mantém
firme na luta.
Como começou sua militância e seu contato com o MST?Comecei no movimento de igreja e
grupo de jovens, no Pará. No MST,
tive meu primeiro contato em 1994,
quando estava na universidade de
letras e integrava o Diretório Cen-
tral do Estudantes. Nós, estudantes,
participávamos das mobilizações e
reuniões e apoiávamos as ações do
movimento.
Você cresceu e vive na região do Araguaia, local onde tivemos um dos maiores massacres da história brasileira. Quais as lembranças dessa época?Minha família é do interior da re-
gião do Araguaia e vive no Pará
desde 1958. Nasci em Marabá, mas
vivi em Brejo Grande do Araguaia.
Vivenciamos o período da Guerri-
lha. Foi um período muito difícil.
Muitos camponeses não sabiam o
que estava acontecendo e era uma
pressão cotidiana do Exército Bra-
sileiro. Eu nasci em 1974, no final
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72
reforma agrária
da Guerrilha e, mesmo assim, lem-
bro de ter ido, ainda criança, às ca-
ravanas do Major Curió. Passamos
a viver sob ameaça permanente do
Exército nos postos de saúde, nas
escolas e casas. Quem mandava
era o Exército. Toda a cidade era
vigiada. Eu fui crescendo nesse
ambiente. O major Curió passou
a ser figura de controle da região.
Lembro que ele era tido como se
fosse o presidente da república,
um herói do povo. O povo o carre-
gava no colo e ocorriam caravanas
imensas para recepcioná-lo. Me
lembro de ter ido a uma dessas ca-
ravanas ainda muito pequena com
minha família. Quem não fosse já
era enquadrado como subversivo
e era perseguido. Naquela época
construíram no imaginário popu-
lar a figura de que guerrilheiro era
terrorista, quando, na verdade, os
guerrilheiros mantinham uma rela-
ção de solidariedade com os cam-
poneses, principalmente com mo-
mentos de intercâmbio em práticas
de educação e saúde.
Como é militar na região Norte, uma das mais conflituosas na dis-puta pela terra?A região Norte é um território de
disputa permanente, seja pela ter-
ra, biodiversidade ou recursos mi-
nerais. Aqui, ou se luta ou se luta.
Lutar é a única saída dos trabalha-
dores. Muitos dizem que morrem
se lutam. Mas a exploração do tra-
balho antecipa a morte e vai ma-
tando aos poucos pela exploração.
Esta é uma estratégia do capital e,
por isso, lutar é uma condição de
vida. A disputa pela riqueza é diá-
ria por aqui.
Já recebeu muitas ameaças de morte?Eu e outros dirigentes de movimen-
tos sociais recebemos ameaças das
mais diversas formas, desde a ten-
tativa de cooptação até a ameaça
concreta de morte. Aqui nós temos
ocupações de mais de dez anos e
quando intensificamos o processo
de resistência as ameaças aumen-
tam. Em alguns casos, promovem
a execução imediata e em outros a
violência ocorre pela pressão psico-
lógica, a mais comum no Pará, como
perseguição de carros, telefonemas.
Dar visibilidade a esta violência é
fundamental. Quando entramos
no confronto direto, os pedidos de
prisão são intensificados para as li-
deranças do movimento. A Confe-
deração da Agricultura e Pecuária
do Brasil (CNA) alega que o governo
federal não está executando as limi-
nares de despejo das ocupações e
que os fazendeiros têm que resolver
por eles mesmos. Fica claro que são
ações arquitetadas para reforçar a
violência. E sabemos o tamanho da
impunidade da violência no campo.
Basta lembrar do massacre de Eldo-
rado dos Carajás ou o assassinato de
irmã Dorothy.
Para além da violência física, que outras violências são praticadas?A violência se instaura em outros
campos, inclusive nas ações institu-
cionais, isto é, a pessoa ameaçada
fica refém da própria vida. Muitas li-
deranças, hoje, andam com dois se-
guranças, que são policiais, ou pre-
cisam sair da região. Se o ameaçado
ou a ameaçada forem assentados e
tiverem que sair do estado, correm o
risco de perderem o lote. O proces-
so de reforma agrária no Pará está
parado. Temos áreas ocupadas de
oito a dez anos e sem solução. Essa
morosidade amplia as formas de vio-
lência, uma vez que configura uma
estratégia de "matar" pelo cansaço.
Concomitante a esta morosidade,
fazendeiros e agentes do Estado
ainda arquitetam o processo de cri-
minalização dos movimentos sociais.
Costumamos chamar essa violência
de "sangria", pois vai sangrando e
matando aos poucos. Aqui no Pará,
temos dois grupos (o Santa Bárbara
e o grupo Opportunity) que além de
violentar com milícia armada, nego-
ciam diretamente com o gabinete
da presidência.
As políticas públicas chegam aos assentamentos?As políticas específicas da refor-
ma agrária não chegam aos nos-
sos assentamentos. Mesmo com a
presidenta Dilma dizendo que iria
priorizar melhores condições dos as-
sentados, as políticas não chegaram.
Não temos estradas, escolas e nem
postos de saúde no campo. Na rea-
lidade, nem na cidade. As crianças,
por exemplo, estudam numa tape-
ra (espécie de barraca). Esses dias,
fizemos dois dias de mobilização
ocupando a prefeitura em Eldorado,
para pressionar pela construção de
um poço na escola.
De onde vem a sua força para lu-tar?A força vem da própria luta, da von-
tade de mulheres, homens, crianças
e jovens de mudar essa sociedade.
Esse envolvimento com o povo pela
construção de uma outra sociedade
é o que me anima.
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73
ÁGUA E ENERGIAcom soberania, distribuição
da riqueza e controle popularGILBERTO CERVINSKI
Coordenação nacional do MAB
arti
go
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74
artigo
OMovimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) realizou seu
Encontro Nacional em São
Paulo, de 2 a 5 de setembro, com
a presença de 2.500 pessoas, repre-
sentando atingidos por barragens
de 17 estados, 60 organizações bra-
sileiras e delegações de 20 países. O
encontro foi um processo de conso-
lidação de um grande esforço e uma
longa caminhada que o MAB tem
procurado desenvolver nestes últi-
mos anos, a partir de um plano que
busca atingir seus objetivos. Esco-
lhemos o lema “Água e energia com
soberania, distribuição da riqueza e
controle popular” para representar
o que o Movimento pensa e defen-
de quando o tema é energia.
Mesmo que as populações atingidas
tenham sido vítimas de constantes
violações, como o próprio Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Hu-
mana comprovou em 2010, toma-
mos a decisão de pautar prioritaria-
mente a política energética nacional.
Nossa decisão não desconsidera que
a situação dos atingidos é gravíssima,
ao contrário, estamos muito atentos
e preocupados com o cenário futuro,
cuja perspectiva é de maior agrava-
mento dessa condição. Isto porque
o atual modelo possui uma vasta
regulamentação sobre a política
energética que garante o “equilíbrio
econômico financeiro” das empresas
que controlam o setor elétrico nacio-
nal. No entanto, não existe nenhuma
regulamentação que dê garantia de
direitos aos atingidos. A única lei que
trata das indenizações é de 1941.
O Estado e o governo se ausentam
totalmente e as estatais do setor
elétrico se subordinam aos mandos
das transnacionais que controlam as
“Sociedades de Propósitos Específi-
cos”, nas chamadas “Parcerias Pú-
blico-Privadas”. No plano decenal,
cuja prioridade é a construção das
hidrelétricas, até 2021 está prevista
a construção de cerca de 35 usinas
e o Ministério de Minas e Energia
(MME) alega que apenas 62 mil pes-
soas serão atingidas, porém, pelos
levantamentos feitos, esse número
pode chegar a 250 mil pessoas.
Essa desconsideração do número
real dos atingidos, em grande me-
dida, ocorre porque quem define
quem são os atingidos e quais são
seus direitos são as próprias empre-
sas construtoras de usinas hidrelé-
tricas. E como o controle e a lógica
têm sido privados, os direitos são
ignorados para reduzir custos nas
obras. Basta ver o caso de Belo Mon-
te, cujo orçamento inicial era de R$
19 bilhões e já ultrapassou R$ 28,9
bilhões. Mesmo com o aumento de
quase 50% no custo da usina, a pro-
posta para as sete mil famílias desa-
lojadas é a construção de casas de
placa, da má qualidade e tamanho
insuficiente. Vale lembrar que do to-
tal do custo da obra, R$ 22,5 bilhões
provêm do BNDES.
O governo nos disse que nas usi-
nas do rio Madeira, em Rondônia,
o tratamento às famílias atingidas
seria diferente, e não foi. Depois
nos prometeram que em Belo Mon-
te seria um marco, não está sen-
do. Agora já falam então que nas
usinas do Tapajós será diferente.
Certamente também não o será! E
assim o rastro de violações dos di-
reitos humanos segue, de obra em
obra, Brasil afora.
NOSSA CRÍTICA AO MODELO ENERGÉTICO BRASILEIRO
Por tudo que temos estudado e
debatido sobre política energética,
estamos convencidos de que o pro-
blema central na energia elétrica é
o modelo, ou seja, a atual forma de
organização da produção e distri-
buição da energia e das riquezas ali
geradas, que não atendem aos in-
teresses do povo brasileiro. O atual
modelo energético está organizado
para priorizar e atender a uma es-
tratégia de desenvolvimento do ca-
pital internacional especulativo e de
cadeias industriais eletrointensivas
exportadoras de matéria prima.
Atualmente quem controla a energia
são transnacionais que controlam o
setor elétrico nacional e se apropriam
dos resultados. Corporações mun-
diais como a Suez Tractebel, AES,
Odebrecht, Queiroz Galvão, Iber-
drola, Vale, Alcoa, Billiton, Alstom,
Siemens, etc. Este controle veio a
partir das privatizações dos anos 90
e segue nos dias atuais. As estatais
também estão privatizadas, 60% das
ações da Eletrobrás; 80% da Cemig;
65% da Cesp, por exemplo, já estão
nas mãos da iniciativa privada.
Por isso, defendemos a soberania
energética. Para ter soberania, é ne-
cessário enfrentar inimigos de caráter
internacional. E lutar por ela requer
que retomemos o controle estatal
público sobre a energia, com contro-
le popular. No entanto, o capital vai
querer o controle total da cadeia e da
indústria de eletricidade e, para isso,
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75
vai aumentar a pressão para que os
governos privatizem e entreguem o
resto das estatais e as melhores reser-
vas estratégicas de energia.
Os rios são o território mais deseja-
do e disputado pelas transnacionais
que controlam a indústria de eletri-
cidade. Como a energia hídrica é a
tecnologia mais produtiva compara-
da com as demais fontes, certamen-
te vai aumentar a disputa mundial
para controlar os melhores locais e
extrair os excedentes. E o Brasil está
no centro, pois possui as maiores
e melhores reservas de rios e água
para geração de eletricidade: dos
260 mil MW de potência, só 30%
foram utilizados até agora.
Na outra ponta da mesma cadeia
de exploração, a principal susten-
tação do atual modelo energético
se dá através do sistema tarifário.
As tarifas de energia viraram mer-
cadoria e foram transformadas no
principal instrumento para garantir
os extraordinários lucros dos empre-
sários que dominam o setor elétrico
nacional. Neste segmento, foi im-
plementado um sistema de tarifas
que simula uma falsa concorrência.
Elas foram internacionalizadas e os
preços da eletricidade brasileira pas-
saram a ser vinculados ao custo da
energia térmica. Atualmente, paga-
mos 25% mais cara que na França,
onde 76% é nuclear.
A venda da energia elétrica, por-
tanto, se transformou no principal
negócio deste setor, porque agora
o lucro dos empresários que contro-
lam a energia não vem só da explo-
ração dos eletricitários, mas de 60
milhões de residenciais, que pagam
a conta. Se não bastasse, o cenário
nos aponta que teremos que pagar
ainda mais e haverá mais exploração
dos trabalhadores do setor.
Isso porque foi aprovada a “nova
estrutura tarifária”, com cobranças
diferenciadas por cores e horários
de consumo controlados através de
medidores eletrônicos. Quanto aos
trabalhadores do setor, as empresas
privadas e estatais estão buscando
rebaixar seus ganhos e está ocorren-
do um intenso processo de reestru-
turação do trabalho para aumentar
a produtividade, por meio de demis-
sões, terceirizações, precarizações e
aumento de jornada.
Por outro lado, os grandes consumi-
dores (livres) recebem energia barata
para produzir eletrointensivos e ex-
portar, sem pagar imposto nenhum
porque são isentos pela lei Kandir.
Os grandes consumidores de alta
tensão, chamados A1, por exem-
plo, pagam R$ 110,00 pelo MWh,
enquanto que, em Minas Gerais, os
consumidores residenciais pagam R$
350,00 pela mesma quantidade de
energia consumida, ou seja, o traba-
lhador paga 200% mais caro que o
grande industrial.
Portanto, os lucros são extraordiná-
rios e quase tudo é enviado aos do-
nos das empresas pelas remessas de
dividendos. Para termos uma ideia,
nos últimos sete anos apenas cinco
empresas do setor (AES Eletropaulo,
AES Tietê, Suez Tractebel, Cemig e
CPFL) tiveram lucro total de R$ 45,7
bilhões e remeteram R$ 40,7 bilhões
aos acionistas, 90% do lucro.
Além disso, as estruturas de Esta-
do estão capturadas pelas empre-
sas privadas. A Aneel, ONS, CCEE,
MME e a EPE, entre outras, estão a
serviço dos empresários. A Aneel,
por exemplo, cumpre papel central
para legalizar e regular o atual mo-
delo. E o BNDES é o principal finan-
ciador das usinas, usando o dinheiro
público e repassando para as trans-
nacionais, enquanto que as estatais
são proibidas de terem a maioria das
ações nas usinas.
Entendemos que o problema cen-
tral na energia é a política energé-
tica, ou seja, o modelo energético.
Não queremos discutir somente a
matriz. A classe trabalhadora preci-
sa discutir e decidir sobre a política
energética, sobre como está orga-
nizado o planejamento, a produção
e a distribuição da energia e da ri-
queza ali gerada.
Assim como está, não serve à clas-
se trabalhadora. Nesse sentido, o
lema do Encontro Nacional do MAB,
“Água e energia com soberania,
distribuição da riqueza e controle
popular”, representa a síntese do
nosso projeto e o que defendemos
na energia e para o conjunto dos
trabalhadores em nosso país.
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76
ESPIONAGEM DOS EUANA PETROBRAS E
NO GOVERNO BRASILEIROSíndrome de Estocolmo Landmark
FERNANDO SIQUEIRAVice-presidente da Associação de
Engenheiros da Petrobrás (Aepet)
arti
go
Não chegou a constituir sur-
presa, mas aumentou muito
a nossa indignação a notícia
da violação da intimidade do nosso
Governo e particularmente da Petro-
brás. Achamos que o embaixador da
Rússia enquadrou bem o problema:
“estas ações se comparam a um ato
de terrorismo internacional”, disse
ele. E estava certo. Pois esse “ra-
ckerismo”oficial feito pela Agência
Nacional de Segurança do Governo
americano, sob justificativa falaciosa
de que está vigiando possíveis atos
terroristas não tem qualquer fun-
damento. A Petrobrás, nos seus 60
anos de existência, jamais cogitou
fazer qualquer ato deste tipo.
Portanto, fica muito claro que essa
espionagem visa colher dados estra-
tégicos de poços e campos do pré-
sal. Por exemplo, o acesso compro-
vado aos computadores da Petrobrás
dá ao Governo americano, e, portan-
to, às suas principais empresas petro-
líferas, o acesso em tempo real das
análises geológicas por poço perfura-
do: características físicas, químicas e
de comercialidade dos reservatórios;
a análise dos geólogos da Petrobrás
sobre as áreas mais promissoras da
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77
província do pré-sal ou da margem
equatorial. Ou seja, informações de
alto nível estratégico são obtidas em
tempo real através de meios total-
mente ilegais.
Tudo isto coloca o nosso País numa
situação de colônia de segunda clas-
se vigiada pelo colonizador, que des-
respeita totalmente a nossa sobera-
nia. São fatos que merecem uma
reação à altura do Governo brasilei-
ro. Iniciando pelo cancelamento dos
leilões, começando pelo do campo
de Libra, que está em andamento.
Aliás, a pressão americana sobre
nosso Governo levou à reabertura
dos leilões numa capitulação lamen-
tável dos nossos dirigentes. Tivemos
o Congresso Mundial de Petróleo no
Riocentro, em fevereiro deste ano, o
qual terminou com a ida do ministro
Lobão a declarar reabertos os leilões
no ato de encerramento, no qual
declarou a efetivação do 11º leilão,
já concluído. E também a vinda do
vice americano Joe Biden para falar
diretamente com as presidentes Dil-
ma e Graça Foster da Petrobras.
Em seguida, se deflagrou o leilão
do campo de Libra, o maior campo
do mundo atual, já descoberto, tes-
tado e comprovado, portanto, com
risco zero. Mas o mais grave ainda
está para ser esclarecido: o campo
de Libra foi adquirido pela Petro-
brás para aumentar o seu capital
por participação da União através
da cessão onerosa de sete blocos
para ela por conta da Lei 12.276/10.
Nestes blocos deveriam existir cin-
co bilhões de barris. A Petrobrás
pagou à União por estes blocos.
Quando perfurou o primeiro campo
- o de Franco - encontrou reserva
de nove bilhões de barris; quando
perfurou o segundo, Libra, achou
reserva da ordem de 15 bilhões de
barris, o que ultrapassou os cinco
bilhões de barris contratados. Junto
com o campo de Franco, que lhe é
interligado, revelaram reservas de
cerca de 24 bilhões de barris.
Esta, sem dúvida, é uma área de
energia do mais alto interesse es-
tratégico para o País, e pela Lei
12.351/10, em seu artigo 12º, a
ANP deveria negociar um contrato
de partilha com a Petrobrás dos 19
bilhões excedentes aos cinco bilhões
cedidos, mantendo essa riqueza no
País para o bem do povo brasileiro.
Ao invés disto, a Agencia Nacional
do Petróleo, gás e biocombustiveis,
tomou o campo da Petrobrás e o
está leiloando. É algo inédito no
mundo. Nem país militarmente ocu-
pado leiloa petróleo já descoberto.
A Petrobrás não foi ressarcida das
perfurações de Libra e Franco e nem
é isso o que se busca, mas tal fato
corrobora a afirmativa de vários di-
retores de que Libra fez parte da ces-
são onerosa. Assim, a Petrobrás terá
que desembolsar de imediato R$
4,5 bilhões para ficar com 30% do
campo, ou R$15 bilhões para ficar
com 100% de um campo que já lhe
pertencia. Para se ter uma ideia, R$
15 bilhões é o valor de três sistemas
de produção FPSO com capacidade
para 200 mil barris por dia e que a
empresa poderia estar comprando
para produzir Libra, que era seu.
Ou seja, o Governo brasileiro está
acometido da “síndrome de Estocol-
mo” – que é a atitude semelhante
à de uma mulher sueca que foi se-
questrada e se apaixonou pelo seu
sequestrador. A posição do nosso
Governo, após toda essa agressão
do Governo americano - que se-
questra informações estratégicas da
presidenta e da Petrobrás - de man-
ter o leilão do campo de Libra, que
irá beneficiar as empresas e o Gover-
no americano caracteriza a síndro-
me de Estocolmo do nosso Governo.
No começo deste artigo eu disse
que não chegou a causar surpresa
o detalhamento pela grande mídia
das ações do Governo americano e
do cartel de petróleo espionar a Pe-
trobrás. É que isto já vinha aconte-
cendo há muito tempo e se intensi-
ficou após a descoberta do pré-sal.
Nos anos de 2007, 2008 e 2009,
tivemos notícias de uma série de
roubos de computadores portáteis
da Petrobrás e/ou dos seus técnicos
envolvidos com o pré-sal. Vejamos
alguns deles:
A grande mídia denunciou o sumi-
ço de dois laptops no container da
Halliburton. Esta empresa - uma das
maiores do ramo do petróleo per-
tencente ao ex-vice-presidente ame-
ricano Dick Cheney - foi a mentora
da guerra do Iraque, onde realizou
serviços de recuperação orçados
em US$ 300 bilhões, após o fim da
guerra, e sem concorrência. Pois
bem, por volta de 2009, os geólogos
da Petrobrás aproveitaram o navio
que levava os containers dessa em-
presa, para o Rio e guardaram dois
laptops no seu interior, ficando uma
chave do cadeado da porta com o
geólogo da Petrobrás e outra com o
responsável da Halliburton. Durante
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78
o trajeto, o geólogo precisou aces-
sar algumas informações e foi pegar
o laptop no container e teve dupla
surpresa: o cadeado havia sido tro-
cado e quando arrombaram o novo
cadeado os laptops haviam sumido.
A versão mais provável do caso é que
o encarregado da Halliburton pegou
os laptops para copiar e trocou o ca-
deado. Só que não teve tempo de
copiar e devolver, já que o técnico
da Petrobrás precisou ver um dado
e chegou antes. Após muito tempo
e constrangimento conseguiram um
bode expiatório: o faxineiro.
Num seminário ocorrido no Ho-
tel Glória, em que o assunto era o
pré-sal, o pessoal da Petrobrás saiu
para o almoço e fechou o auditório
deixando os laptops, que continham
arquivos do pré-sal, dentro da sala.
Quando voltaram do almoço cons-
taram que os computadores haviam
sido roubados. Na região de produ-
ção de Campos, cuja sede é a cida-
de de Macaé, também houve vários
assaltos a carros e casas de geólo-
gos ou engenheiros de reservatório
da Petrobrás que trabalhavam no
pré-sal. Esses roubos eram sempre
laptops com informações sobre a
pré-sal.
Outro caso lamentável: há três
anos recebemos denúncias de al-
guns funcionários da ANP de que
a Landmark, subsidiária da Halli-
burton, era a responsável, há mais
de 10 anos, pelo BDP – Banco de
Dados de Produção da ANP, onde
as informações de todos os campos
das petroleiras eram armazenadas.
Essas informações são as mais es-
tratégicas e eram guardadas pela
Halliburton. Fomos ainda informa-
dos de que o Tribunal de Contas
da União (TCU) havia exigido, três
anos antes, concorrência para essa
gerência dos dados, mas a ANP não
cumpria essa exigência.
Portanto, essa espionagem já vem
ocorrendo há muito tempo e foi
evoluindo tecnologicamente. Hoje,
se dispõe de acesso a qualquer tipo
de comunicação, inclusive de tele-
fones com recursos de criptografia.
É possível decifrar e acessar infor-
mações de e-mails, telefones, tudo
por meio de Google, Twitter, Face-
bbook, que além de nos espionar,
levam todo o lucro de acessos para
o exterior. Esta é uma das facetas
negativas oriundas da privatização
das telecomunicações.
Em artigo recente afirmamos: “Os
jornais estamparam nas suas primei-
ras páginas as informações, dadas
pelo ex-agente da CIA, de que a
Agência Nacional de Segurança dos
EUA vem espionando o Brasil. Foi
a comprovação das nossas sus-
peitas. Cerca de dois bilhões de
telefonemas e mensagens de bra-
sileiros foram violados. Um crime
grave de violação das liberdades
individuais e de soberania com ob-
jetivos claros, mas inconfessáveis,
de obter informações estratégicas
para tirar vantagens sobre o nosso
País. Uma delas é a missão do De-
partamento de Defesa americano de
manter o Brasil, o maior celeiro de
matéria-prima para os EUA, na con-
dição de colônia e subdesenvolvido.
Dizem os jornais: “Companhias de
telecomunicações no Brasil têm essa
parceria que dá acesso à empresa
americana”. O que não ficou claro é
qual a empresa americana que tem
sido usada pela NSA como “ponte”.
Há alguns anos, o Projeto Sivam, de
informações sobre a Amazônia, foi
entregue sob pressão a empresas
americanas.
O Brasil começou a perder o con-
trole das informações para o nosso
dominador. Que se consumou na
privataria das teles. Um dos usos
da espionagem foi para o preparo
da pressão sobre o Governo bra-
sileiro para a entrega do pré-sal.
Sabendo das informações estraté-
gicas obtidas de mensagens, e te-
lefonemas interceptados, armaram
todo um esquema de pressões e
constrangimento sobre nosso Go-
verno – Executivo, Legislativo e
Judiciário. Passando pelo congres-
so no Riocentro, onde a tônica foi
reabertura dos leilões e culminan-
do com a vinda do vice-presidente
Joe Biden, a fim de pressionar a
presidente Dilma para começar en-
tregando Libra e abrindo as portas
para levar todo o pré-sal. Houve
ainda a conversa com a Graça Fos-
ter, talvez para amarelar no leilão
de Libra como fez no 11º com par-
ticipação pífia. O povo brasileiro,
dono da riqueza, que se dane.
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79
artigo
Mas por que o Governo está capi-
tulando tanto às pressões externas
para obter as nossas riquezas mais
estratégicas? Alem destas temos ou-
tras internas:
1) O Governo precisa de R$ 15 bi l-
hões para fechar o superávit pri-
mário e garantir o pagamento dos
juros extorsivos aos bancos. Gas-
ta-se 48% do orçamento anual
para pagar esses juros, em detri-
mento da saúde, da educação,
da mobilidade urbana e da se-
gurança do povo brasileiro. Tudo
isto devido ao modelo econômico
suicida que vem sendo adotado.
Se o Governo não cumprir a meta
do superávit primário se desmo-
raliza e perde a reeleição. Logo, é
um motivo eleitoreiro.
2) A desnacionalização de empre-
sas brasileiras, estatais e privadas
- 3.700 no governo e 1.700 nos
governos petistas, causam um
déficit brutal nas transações cor-
rentes internacionais devido às
remessas de lucros, hoje em US$
50 bilhões e projetado em US$
80 no fim do ano. Assim o go-
verno incentiva a vinda de dóla-
res para compensar o déficit. Só
que esses dólares retornam com
lucro, levando nosso patrimônio
para fora do País. Criou-se um
círculo vicioso perverso. Inter-
romper esse sangramento exige
uma política industrial que via-
bilize o retorno de empresas ge-
nuinamente nacionais e se volte
a produzir pela Petrobrás, que
mantém o lucro no país, desen-
volve tecnologia e gera emprego
de alto nível aos brasileiros.
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