Download - Servidão e abandono
14 Em cerimônia no Palácio
dos Bandeirantes, a FAPESP anuncia a conclusão dos projetes Genoma Cana e
Genoma Xanthomonas citri, os resultados do Genoma
Câncer e lança o Consórcio de lnovaçãoTecnológica
EDITORIAL •••••••••••••••••••••••••• 5
MEMORIAS •••••••••••••••••••••••••• 6
OPINIÃO •••••••••••••••••••••••••••• 8
POlÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA .................... 1 O
ESTRATÉGIAS .......................... 1 O
COLHENDO RESULTADOS .............. 14
COMUNHÃO DE INTERESSES ........... 16
O BRASIL NA REDE ..................... 17
5/NBIOTA SUBSIDIARÁ POlÍTICAS PÚBLICAS .. .....•.......... 20
COMITE CIENTÍFICO APROVA O BIOTA/FAPESP ......•....... 21
CIÊNCIA ••••••••••••••••••••••••••• 24
LABORATÓRIO ........................ 24
UM MÉTODO PARA MEDIR A SOMBRA ... 26
ORESTES DECIFRA DROSÓFILA ......... 30
MISTÉRIO ENTRE OS ROEDORES ........ 32
MATEMÁTICA FAZ BEM À SAÚDE ....... 33
GENE BOVINO DÁ MEDICAMENTOS ..... 36
MICROSCÓPIO MAPEIA CANAIS EM CÉLULAS VIVAS .................... 38
NA ONDA DO GRÁVITON ............... 42
TECNOLOGIA •••••••••••••••••••••• 46
LINHA DE PRODUÇÃO ...........•..... .46
NO CAMINHO DA INOVAÇÃO ........... 48
JÁ TEMOS RADAR DE LASER ............ 53
CD-ROM APÓIA DEFICIENTE ........... 56
CARVÃO REDUZ COLESTEROL DO OVO .. 60
HUMANIDADES ••••••••••• •••••••••• 62
CASA-GRANDE & SENZALA DOS MATARAZZO NA CALIFÓRNIA PAULISTA ................. 62
PRODUÇÃO NO INTERIOR, GESTÃO NA CAPITAL ................... 72
LIVROS •••••••••••••••••••••••••••• 75
LANÇAMENTOS ••••••••••••••••••••• 77
ARTE FINAL ••••••••••••••.••..•.••• 78
Capa: Hélio de Almeida, sobre
foto de A. Brugier
62 Estudo revela o cotidiano de servidão dos cortadores de cana na Fazenda Amália, na região de Ribeirão Preto
26 Pesquisa avalia espécies usadas na arborização urbana quanto à proteção contra a radiação solar e cria metodologia
..., SÃO PAULO
~ ~
NO MILENIO DO CONHECIMENTO
48 Projetes no campo da Astronomia estão propiciando o avanço tecnológico das empresas brasileiras que fornecem equipamentos e componentes para observatórios e satélites
42 Cientistas brasileiros entram no desafio internacional para captar ondas gravitacionais no espaço
PESQUISA FAPESP • JANEIRO/FEVEREIRODE2001 • 3
Mundo dos pesquisadores
A propósito da notícia "Turbulências no mundo das partículas" (Pesquisa FAPESP No 60): o comentário do autor da nota, que diz "O temor é compreensível. Se a descoberta for verdadeira, a Teoria Quântica estará errada - e não há nada para se colocar no lugar", revela uma incompreensão fundamental do mundo dos pesquisadores. Nada seria mais auspicioso do que uma quebra da teoria vigente, principalmente não havendo "nada para se colocar no lugar". Tudo por fazer! Isto é o Paraíso!
HENRJQUE FLEMING
Instituto de Física/USP São Paulo, SP
Fuga de cérebros
Interessante a iniciativa da FAPESP em reformular o sistema de pós-doe e impedir a "fuga de cérebros': Entretanto, vamos lembrar que o pós-doe está no" limbo" entre o estudante e o pesquisador profissional. São pessoas com seus 30 anos que ainda não tiveram primeiro emprego. "Fuga de cérebros"? Ora... se depois do (n+ 1 )-ésimo pós-doe não tiverem real incorporação institucional, os cérebros vão fugir sim ... , do país ou da ciência. Enquanto não tivermos um modo adequado de absorver os recémdoutores e pós-does (centros emergentes, pesquisas industriais, universidades particulares, etc.), o prolongamento do pós-doe será um paliativo ... Quando o pós-doe terá estabilidade profissional para ter, digamos, seu primeiro filho? (sem falar de casa própria, etc., etc. .. ). Aumentar o incentivo ao pós-doe não é a solução ... mas alguém tem alguma idéia melhor?
RlCARDO VtNCIO
Instituto de Física /USP São Paulo, SP
4 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
CARTAS
Espírito crítico
Recebi e li a edição de dezembro da revista Pesquisa FAPESP. Os artigos são muito interessantes, mas não pude deixar de notar, não sei se por causa do tema de capa da edição- Capital de risco para a inovação tecnológica-, uma sensível falta de espírito critico em relação a esse mesmo tema. Ou seja, não há um artigo ou nota que informe que há cientistas que não concordam com o caminho da integração (submissão?) com as demandas do mercado, que aparentemente a revista da FAPESP defende. Creio que, no mundo, há vários pesquisadores de renome, como Fritjof Capra, Jeremy Rifkin, Jack Kloppenbourg Jr, Vandana Shiva, Edgar Morin, Achim Seiler, Andrés Groz, MeyerAbich, Pat Money, entre outros, que não aceitam com tanta tranquilidade essa tão defendida integração da pesquisa científica e tecnológica oficial com as empresas transnacionais e seus interesses de mercado. E isso porque estas têm interesse apenas naquilo que possam patentear para ter lucro imediato ou impedir o acesso de concorrentes à inováção. Tudo, inclusive ou principalmente, aquilo que estiver relacionado com A VIDA. São indústrias da ciência da vida. Sugiro que nos próximos números, quando abordarem um tema, procurem ouvir também "o outro lado", ou seja, aqueles que discordam da posição oficial da publicação!
Revista
RlCHARD DULLEY
Pesquisador do Instituto de Economia Agrícola
São Paulo, SP
Gostaria muito de receber a revista mensal Pesquisa FAPESP, de excelente qualidade. Sou professor da Faculdade de Matemática da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
IVAN RICARDO TOSMANN
Porto Alegre, RS
A Biblioteca da Fundação Instituto Tecnológico do Estado de Pernambuco (Itep) gostaria de receber a publicação Pesquisa FAPESP, de grande importância para os pesquisadores desta instituição.
CIDA MORAIS
Itep Recife, PE
Leí un ejemplar de ustedes, increíble. Es una revista muy interesante, con temas variados sobre tecnologia, investigación y desarrollo agrícola, industrial y ambiental...Tuve la oportunidad de conocer a personal de la embajada brasilefia en Guatemala, que gentilmente me proporcioná ejemplares dei afio pasado. Me agradaria recibirla siempre.
LUIS FERNANDO ÜRELLANA
Ciudad Guatemala, Guatemala
Recebi de um amigo um exemplar da revista Pesquisa FAPESP de maio/2000 e achei a revista espetacular. Quero parabenizar a equipe responsável pelo excelente trabalho e gostaria de saber a possibilidade de receber a revista.
ÂNGELA MARIA DE SOUZA
Unidade de Inovação e Acesso à Tecnologia - Sebrae/SE
Aracaju, SE
Trabalho na Fundação Arthur Bernardes, que é a fundação que gerencia os projetos de pesquisa da Universidade Federal de Viçosa. Como a revista Pesquisa FAPESP é uma excelente publicação no contexto de P&D, gostaria de assiná-la para os diretores.
ESTER GOMIDE
Fundação Arthur Bernardes/UFV Viçosa, MG
PeÇüsa PESQUISA FAPESP
f UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE
PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE·PRESIDENTE
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO
FLAVIO FAVA DE MORAES JOSf JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO
MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VI EIRA JUNIOR
PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI
VAHAN AGOPYAN
CONSELHO T~CNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI
DIRETOR PRESIDENTE
PROF. DR. JOAQUIM J. DE (AMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO
PROF. DR.JOSf FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO
EQUIPE RESPONSÁVEL
CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSf FERNANDO PEREZ
EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORES ADJUNTOS
MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NELDSON MARCOLIN
EDITOR DE ARTE HfLIO DE ALMEIDA
EDITORES CARLOS FIORAVANTI ICifNCIA)
CLAUDIA IZIQUE (POL TICA C&T) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)
EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO
REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETTA
ARTE JOSf ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÃO)
TÃNIA MARIA DOS SANTOS (DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA)
COLABORADORES ANA MARIA FlORI
CLAUDIO EUGfNIO LUCAS ECHIMENCO
MARIA APARECIDA MEDEIROS MAURICIO TUFFANI
RITA NARDY SHEILA GRECCO
SUZEL TUNES
FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN
TIRAGEM: 26.000 EXEMPLARES
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SECRETARIA DA CltNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO
ECONOMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EDITORIAL
Luz sobre a história dos vencidos
Sabe-se que a história é escrita pelos vencedores. Sabe-se também que as versões, não raro,
ganham dimensões maiores que os fatos. Apesar destes dois conhecidos clichês serem verdadeiros, há um terceiro que dá algum alento aos que lutam para reestabelecer a verdade histórica: nenhuma mentira dura para sempre. A verdadeira história do império conhecido no passado recente como Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo (IRFM) ainda está para ser contada. Um fragmento nada dignificante dela começou a emergir a partir do projeto Mulheres da Cana: Memórias, coordenado pela socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva. O estudo ilumina o cotidiano dos cortadores de cana da fazenda Amália, de propriedade das IRFM, durante seis décadas e mostra como foram perversas as relações trabalhistas durante a maior parte deste tempo para os trabalhadores rurais. Maria Aparecida conta um pouco da história dos vencidos.
É preciso dizer que a relação estabalecida pelos Matarazzo com seus empregados rurais estava longe de ser exceção no Brasil. Ela era fartamente reproduzida pelo país afora. O Estatuto do Trabalhador Rural, que iguala os direitos do homem do campo aos do trabalhador urbano, só surgiu em 1963. Antes, não havia leis que assegurassem férias, 13° salário, carteira assinada ou assistência médica ao lavrador. Podia ser imoral, mas não era ilegal.
A vida das mulheres era ainda mais dura que a dos homens. Antes de sair para cortar cana, elas tinham de preparar o café. Quando voltavam para casa, sempre havia os filhos, o jantar e a casa para cuidar. Fora da fazenda, conseguir emprego sempre foi difícil. E na velhice, invariavelmente ainda têm de cuidar do marido
doente e, não raro, alcoólatra. A socióloga Maria Aparecida conheceu o universo dos trabalhadores rurais de perto. Ela passou a infância numa fazenda de sua família, em Altinópolis, e chegou a participar das colheitas de café. Sempre se interessou em pesquisar as formas de exploração do trabalho agrícola. O repórter especial de Pesquisa FAPESP, Marcos Pivetta, foi destacado para escrever sobre o belo estudo da socióloga. A reportagem começa na página 62.
Os meses de janeiro e fevereiro parecem estar se tornando auspiciosos para a ciência brasileira. No ano passado, no mesmo período, foi anunciada a conclusão do mapeamento da bactéria Xylella fastidiosa. Agora, em 2001, a safra de boas notícias foi melhor ainda. Anunciou-se no Palácio dos Bandeirantes, em evento realizado no dia 4 de janeiro, o completo seqüenciamento da bactéria causadora do cancro cítrico na laranja, a Xanthomonas citri, e o mapeamento de mais de 80 mil genes da cana-de-açúcar. Também foi divulgado a marca de um milhão de seqüências de genes expressos em tumores, obtida pelo Projeto Genoma Humano do Câncer, o dobro da meta inicial. Toda a cobertura do evento começa na página 14.
Mas não foi só. Os diretores da FAPESP lançaram, no mesmo evento, o programa Consórcios Setoriais para a Inovação Tecnológica (ConSITec), com o objetivo de ampliar a interação entre a comunidade de pesquisa do Estado de São Paulo e o setor empresarial (página 16). E anunciaram a integração da rede eletrônica acadêmica de alta velocidade de São Paulo, Advanced ANSP, à rede Internet 2 mundial (página 17) . Agora, é trabalhar para que essa tradição de bons janeiros e fevereiros continue assim.
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • S
MEMÓRIAS ·' ' .
Os 50 anos do CNPq
Um dos principais construtores da Ciência e Tecnologia brasileira está completando 50 anos. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq) nasceu em 1951 com o nome de Conselho Nacional de Pesquisas, poucos dias antes de o presidente Eurico Gaspar Dutra transmitir o cargo a Getúlio Vargas. A instituição foi criada tendo como espelho organizações semelhantes dos Estados Unidos, da
6 • JANEIRO /FEVEREIRODE1001 • PESQUISA FAPESP
Encontro Na primeira reunião do Conselho Deliberativo, decisões sobre aparelhos para pesquisa
Fundadores Os primeiros integrantes do CNPq criaram institutos e centros
França e do Canadá. Na primeira reunião do Conselho Deliberativo, em 17 abril de 1951, discutiu-se a aquisição de um sincrocíclotron (tipo de acelerador de partículas pesadas) para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Nos primeiros dez anos, foram criados cinco institutos de pesquisa. Em 1974, o CNPq é transformado em fundação e a partir de 1985 passa a atuar como um grande articulador de ações de longo prazo no setor.
Quartel general Criado em
15/1/51, o instituto ganhou um novo prédio, em 1976,
em Brasília
Fomento Além de financiar pesquisas em todas
as áreas do conhecimento e formar recursos humanos, o CNPq criou
também centros importantes, como o Instituto de Matemática Pura e
Aplicada (lmpa) e o Instituto de Pesquisas da Amazônia (lnpa)
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 7
OPINIÃO
MÁRIO COVAS
Um bem comum a todos os homens Uma política lúcida construiu a liderança paulista na pesquisa brasileira
Se há um bem que é comum a todos os homens, este bem é a ciência. Desde muito cedo procuraram os cientistas estabelecer uma co
munidade de conhecimentos que, ultrapassando as fronteiras físicas e políticas, colocasse o saber a serviço da humanidade.
Muito antes da Internet, criou-se uma verdadeira rede internacional do saber, fundamentada na permuta contínua de experiências, no acesso a informações e a novas descobertas, em que tenham pesado interesses comerciais ou estratégicos. O sécu-
muitas lógicas. Mas que deve estar atento, sobretudo, à lógica da urgência imposta pela necessidade de superar as desigualdades como as existentes na nossa sociedade. Para tanto, é indispensável preservar a tecnologia como o elo entre a ciência e os cidadãos comuns. Os últimos cem anos intensificaram nosso convívio com novas tecnologias. Rádio e TV; automóveis e aviões, computadores e raio laser fazem parte do cotidiano e mudaram nossas
representações sobre o mundo. Agora, não existe mais o inima-
ginável: tudo é ou será possível. E lo XX presenciou um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes.
No cenário em que se deu este avanço persistiram, entretanto, as duas leis contraditórias referidas por Louis Pasteur, quando da inauguração do instituto que leva o seu nome: a lei que inventa sempre novos meios de destruição e uma lei de paz, trabalho e saúde, que busca sempre novos meios para livrar o ho-
"É no exercício da lei da paz, do trabalho e
ainda que isto possa não ser verdadeiro, certamente sua crença impulsiona o conhecimento cada vez mais para longe. Porque a ciência é assim: a exemplo de Prometeu, roubou o fogo dos deuses, para civilizar os homens. E foi condenada. Não a ter o fígado interminavelmente devorado por uma águia, mas a jamais ver saciada a sua curiosidade. Pois se uma nova des-
da saúde, referida por Pasteur, que São Paulo tem incentivado a pesquisa,
mem dos flagelos que o assaltam. É no exercício da lei da paz, do
trabalho e da saúde que São Paulo tem incentivado a pesquisa, desti-nando, anualmente, cerca de 12,5% da arrecadação do ICMS a três das melhores universidades do país, a 19 institutos de pesquisa, a 109 escolas de ensino técnico, e à FAPESP.
Esta política, que assegurou ao nosso estado inequívoca posição de liderança, é a principal responsável pela classificação do Brasil em 18° lugar entre as vinte primeiras nações produtoras de ciência e tecnologia.
Uma nação só é ou será moderna se obtiver desenvolvimento econômico e social e estes só serão alcançados com base no desenvolvimento científico e tecnológico, concluiu a Conferência Mundial sobre Educação da ONU, em 1998.
São Paulo sabe disto. Sabe também que, para consolidar-se, o processo de inovação deve observar
8 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
coberta pode conduzir a algumas certezas, suscita um número enormemente maior de dúvidas.
Sabe bem disso a FAPESP, insti-tuição de incontestável prestígio no
Brasil e no exterior, comprometida com um dos projetas científicos mais importantes da atualidade, o Programa Genoma.
Que encantamentos a ciência nos propiciará neste século em que se dilatam os limites do universo e multiplicam-se as galáxias e os planetas? Que surpresas nos reservarão estes homens que, como Newton, se apoiam nos ombros de gigantes para enxergar mais longe?
Mais que aguardar estas respostas, cabe a São Paulo estimular as condições para que elas sejam encontradas, abrindo, então, novos caminhos para novas indagações.
M ARIO CovAs é governador do Estado de São Paulo
o www.scielo.br
As publicações científicas brasileiras estão ao alcance de suas mãos. Não importa
em que parte do mundo você esteja
SciELO- Scientific Electronic Library Online é uma biblioteca de revistas científicas disponí
vel na Internet. Uma biblioteca virtual que reúne 53 publicações científicas brasileiras. Sua
interface permite o acesso fácil aos textos completos de artigos científicos, por meio das ta
belas de conteúdos dos números individuais das revistas ou da recuperação de textos por
nome de autor, palavras-chaves, palavras do título ou do resumo.
A SciELO publica também relatórios atualizados do uso e do impacto da coleção e dos tí
tulos individuais das revistas. Os artigos são enriquecidos com enlaces dinâmicos a bases de
dados bibliográficas nacionais e internacionais e à Plataforma Lattes no CNPq.
SciELO é produto do projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME!OPAS/OMS e editores
científicos brasileiros, iniciado em 1997, com o objetivo de tornar mais visível, mais aces
sível e incentivar a consulta das mais conceituadas revistas dentíficas brasileiras. Em 1998,
a coleção SciELO Brasil passa a operar normalmente na Internet e projeta-se rapidamente
como modelo de publicação eletrônica de revistas científicas para países em desenvolvimen
to, em particular da América Latina e Caribe. Ainda em 1998, o modelo é adotado pelo Chi
le e em 1999 começa a operar a coleção SciELO Saúde Pública, com as melhores revistas
científicas de saúde pública ibero-americanas. Outros países estão em processo de incorpo
rar-se à rede de coleções SciELO.
O modelo SciELO destaca e valoriza a comunicação científica brasileira. Ao mesmo tempo,
proporciona mecanismos inéditos de avaliação de uso e de impacto das nossas revistas cien
tíficas, em consonância com os principais índices internacionais de produção científica.
Adote a SciELO como sua biblioteca científica.
~ .._, ~
GOVERNO DO ESTADO DE
SÃO PAULO
Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico BIREME I OPAS I OMS www.fapesp.br
POlÍTICA CIENTrFICA E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS
PersplctM de rKelta Estimativa para cada programa criado- em milhões de RS
Fundos 2001 2001-2005
Energia** 100 560 Recursos Hídricos** 25 120
UnlversldadeJEmpreu (Verde-Am....to)* 240 1.320
Mineração** 5 20
Espacial** o 80
Transportes** 10 120
Infra-Estrutura (Fundo dos Fundos) 200 1.160 Petróleo* 130 720
Informática** 50 265 Funttel (Telecomunicações)*** 255 1.440
'1'clítat i _,,. t.o15 ... · .. 5.805
*Único em operação. -Aprovado pelo Congresso e sancionado pelo
presidente da República. *** Dependendo de aprovação do Congresso.
Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia
Salvação da lavoura O setor de ciência e tecnologia começa a ganhar mais recursos. No final do ano passado, foi aprovado pelo Congresso o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa, conhecido como Fundo Verde-Amarelo. O objetivo é ampliar a cooperação entre os centros nos quais se faz pesquisa e o setor produtivo para elevar o investimento em desenvolvimento tecnológico no país. O fundo estipula uma contribuição de 10% de empresas sobre pagamentos relativos a royalties por uso de tecnologia estrangeira, assistência técnica e serviços. Só neste ano, como resultado da nova lei, deverão ser aplicados R$ 240 milhões no setor. A lei que instituiu o fundo
determina que Norte, Nordeste e Centro-Oeste recebam 30% dos recursos. O fundo é parte de uma estratégia para consolidar áreas vitais para o país. Por isso, estão sendo criados outros oito fundos setoriais (veja quadro). A única ressalva ao VerdeAmarelo vem da indústria: os 10% são considerados mais um imposto. Insatisfeita, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) conseguiu um acordo com o governo de tributação progressiva. Ocorre que foi editada medida provisória (MP) para complementar a lei sem esse item. Se a próxima MP não contiver o acordo, a CNI promete entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. •
10 • JANEIRO/ FEVEREIRO DE2001 • PESQUISA FAPESP
Brasileira ganha prêmio Women in Science
Uma brasileira está entre as cinco cientistas escolhidas como ganhadoras do prêmio Women in Science, uma parceria entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a L'Oréal, fabricante francesa de cosméticos. A geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humana e pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), foi a ganhadora brasileira. As
Mayana Zatz: surpresa
outras quatro são Adeyinka Gladys Falusi (Nigéria), Joan A. Steitz (Estados Unidos), Anne Mclaren (Grã-Bretanha) e Suzanne Cory (Austrália). Este é o segundo ano da premiação. As candidatas são indicadas por 400 patronos escolhidos entre personalidades eminentes da comunidade científica internacional. Os nomes são enviados a um júri altamente qualificado - o presidente deste ano foi Christian de Duve, ganhador do Nobel de Medicina de 1974 -, que analisa os currículos e escolhe as cinco pre-
miadas. "Fiquei absolutamente surpresa", diz Mayana. "Eu não tinha nenhuma esperança de ganhar:' Ela receberá o prêmio (US$ 20 mil) em Paris no dia 28 de fevereiro com as outras cientistas. •
Preparação para o 3° Venture Forum
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) reuniu no dia 1 o de fevereiro 46 empresários e professores para a apresentação do Projeto Inovar e do 3° Venture Forum, que ocorrerá em São Paulo dias 18 e 19 de abril. Será uma boa oportunidade para se informar sobre o modelo de financiamento conhecido como venture capital (capital de risco), que consiste em dirigir recursos para empresas nascentes e com perspectivas de crescimento rápido. O fórum tem o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep ), Associação Brasileira de Capital de Risco (ABCR) e FAPESP. Já foram realizados outros fóruns no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, com sucesso. A reunião preparatória na Unicamp foi comandada por Luciane Gorgulho, da Finep, e Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP. A meta para o 3° Venture Forum é atrair 80 investidores. Quem perdeu o prazo para a seleção do encontro de abril deve ficar atento às próximas reuniões no site www.venturecapital.com.br. •
Bactérias da agricultura
O congresso Agricultura! Microbes Genome 2, sobre genomas de bactérias agrícolas,
realizado de 17 a 19 de janeiro, em San Diego, Estados Unidos, reafirmou a liderança brasileira no setor. No encontro do ano anterior, os brasileiros apresentaram o trabalho com a bactéria Xylella fastidiosa, o primeiro seqüenciamento de um fitopatógeno. "No encontro deste ano, mostramos o mapeamento da bactéria Xanthomonas citri -e também desta vez fomos o único grupo no congresso que apresentou novidades
Uma Física mais atraente nas salas de aula
Laranja com Xan thomonas
nessa linha", diz Fernando Reinach, um dos coordenadores do Genoma Xanthomonas, junto com Jesus Aparecido Ferro e Ana Cláudia Rasera da Silva. O congresso foi patrocinado por três agências financiadoras de pesquisa para a agricultura ligadas ao governo norte-americano. •
Saúde e educação lideram pesquisa
Habituado a freqüentar as últimas posições nas listas com indicadores mundiais de saúde
Dois lançamentos editoriais trazem ar fresco para o ensino de Física no Brasil. O primeiro é a criação da revista A Física na Escola, um suplemento da Revista Brasileira de Ensino de Física (RBEF). Ambas são editadas pela Sociedade Brasileira de Física. "Decidimos fazer uma outra revista voltada especialmente para quem dá aulas no ensino médio", explica o professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Nelson Studart, criador da publicação. Ele partiu da conclusão de que é difíci l encontrar material de apoio moderno e funcional para esse nível de ensino. A revista sai duas vezes por ano e a assinatura custa R$ 10,00. Outro bom lançamento é um livro que serve a todas as idades, mas deve ser utilizado por professores que de-
e educação, o Brasil se esforça para achar meios de melhorar seu lugar nesses rankings. O último levantamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), feito com 48.781 pesquisadores de 224 instituições (universidades públicas e privadas e centros de pes-
Revista : para quem dá aulas
sejam tornar as aulas mais dinâmicas. Física Mais Que Divertida (Editora UFMG/ Comped/Inep, 116 páginas, R$ 26,00), de Eduardo de Campos Valadares, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é o resultado de numerosas experiências bem-sucedidas feitas com alunos de graduação da universidade. A proposta é levar professores e alunos a entender a física a
quisa) no período de 1998 a 2000, revelou que as duas áreas nas quais•há mais grupos trabalhando são medicina (737) e educação (631). O censo do CNPq também mos-
. trou uma curiosidade. Nas faixas até 24 anos e dos 25 aos 29, as mulheres são maioria na pesquisa. À medida que a
lbope em alta... . .. e em baixa Áreas do conhecimento que mais (e menos) atraem pesquisadores brasileiros
As cinco mais Grupos de pesquisa As cinco menos Grupos de pesquisa
Medicina 737 Desenho Industrial 12
Educação 631 Eng. Naval e Oceânica 10
Química 598 Turismo 6
Agronomia 535 Economia Doméstica 5
Física 486 Museologia 1
Fonte:CNPq
Livro: experiências fáceis
partir de experimentos práticos, usando material reciclado e ferramentas de uso doméstico. "O ensino de ciência é excessivamente livresco, com a eterna fórmula leitura-exercício-prova", critica Valadares. "Fazer experiências torna a teoria mais atraente e compreensível, o que facilita o entendimento do aluno e transforma as aulas em um momento aguardado por ele." •
idade vai subindo, os homens aparecem em maior número. Ou seja, a tendência é que as mulheres se tornem maioria absoluta em alguns anos. •
Coleção ganha menção honrosa
O livro Bibliotheca Universitatis: Acervo Bibliográfico da Universidade de São Paulo Século 15 e 16, da Coleção Uspiana Brasil500 anos, feito pelos profissionais do Sistema Integrado de Bibliotecas (SIBi/USP), ganhou a Menção Honrosa do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em janeiro. Publicada pela Edusp e Imprensa Oficial, a obra é o quarto volume da coleção e reúne 224 títulos desse período do acervo das bibliotecas da USP. •
PESQUISAFAPESP • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 11
Vendem-se partes de seqüenciamento de genes Uma companhia japonesa de seqüenciamento de genes desenvolveu um modelo de negócio no qual investidores poderão comprar apenas algumas partes de um genoma já mapeado. Segundo relata a revista Nature (edição de 21/28 de dezembro de 2000), a idéia partiu de Takara Shuzo, que pretende transformar uma de suas empresas, a Dragon Genomics, na
Cobertura científica é reprovada na França
A doença da "vaca louca", o aquecimento global e os alimentos transgênicos fizeram mais uma vítima na França: os meios de comunicação. A credibilidade da imprensa, do rádio e da televisão está em baixa, e a cobertura de assuntos científicos, sobretudo de temas polêmicos como os citados, é apontada como uma das principais causas dessa situação. Encomendada pelo
maior companhia desse tipo da Ásia. Shuzo concluiu que o crescimento do número de projetos requer novos caminhos de financiamento, que não sejam os governamentais ou aqueles bancados apenas por uma companhia privada. O modelo de investimento para a Dragon foi planejado para atrair investidores que estão interesssados em projetos privados. Hoje há pia-
jornal La Croix e pela revista Télérama, uma pesquisa realizada pelo instituto de opinião Sofres mostrou que apenas 47o/o dos telespectadores, SOo/o dos leitores de jornal e 55 o/o dos ouvintes de rádio acham que as coisas se passam da forma como são publicadas ou vão ao ar. Em 1999, os índices de confiança nos relatos da TV, imprensa e rádio eram de 58o/o, 58 o/o e 63o/o. A sondagem ouviu mil franceses entre os dias 21 e 26 de dezembro de 2000. Ao lado da cobertura
12 · JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
nos para seqüenciar o genoma do chimpanzé, bicho-da-seda, atum e da baleia tanto quanto de espécies de algas e cogumelos com valor medicinal. Alguns desses projetos deverão se tornar realidade a partir deste ano e os lucros resultantes do trabalho serão repartidos entre os investidores. Outras empresas, como a de jogos de computador Konami, já usaram esse modelo de negócio baseado em financiamento de projetos individuais. Mas Takara Shuzo acredita que a Dragon será a primeira companhia a fazer isso na área de biotecnologia. Ele terá de criar uma companhia à parte para operar na distribuição de informações e dividendos para os investidores, que poderão acompanhar o seqüenciamento, as patentes e os acordos de licenciamento em um site na Internet. As operaçõe~ da Dragon começam neste pri-meiro semestre. •
política de assuntos ligados aos partidos do país e movimentos de direita, o noticiário científico foi o mais criticado pelos entrevistados. As pessoas ouvidas acham que os jornalistas, na verdade, não explicam direito as notícias vindas dos centros de pesquisa e universidades. Quando o assunto é ciência, dois de cada três jovens entre 18 e 24 anos disseram não estar satisfeitos com o que lêem, vêem e ouvem na televisão, no rádio e nos jornais franceses. •
Clonagem de embrião humano
Embrião: pesquisa co ntra doenças
A Grã-Bretanha deu um passo importante para se manter na vanguarda da indústria de biotecnologia, em janeiro. A Câmara Alta do Parlamento britânico aprovou a clonagem de embriões humanos para uso terapêutico por 212 votos a 92. Os deputados da Casa dos Comuns já haviam tomado a mesma decisão e, agora, a medida vai virar lei. Para evitar que a polêmica causada pela aprovação aumente, em maio deverá ser submetida aos parlamentares uma legislação proibindo a reprodução humana por clonagem. Os cientistas poderão trabalhar com células- mãe (ou células-tronco) de tecidos de embriões para tentar achar tratamento para várias doenças, como mal de Parkinson, Alzheimer ou lesões cerebrais, por exemplo. Antes da lei, os tecidos embrionários podiam ser usados apenas para tratar problemas como infertilidade e pesquisa. Com a aprovação, eles poderão ser implantados em órgãos. Os primeiros testes em seres humanos deverão começar a ser feitos de três a cinco anos. •
Acordos do Brasil com Chile e Argentina
A FAPESP firmou com o Conselho Nacional de Inovação em Ciência e Tecnologia (Conicyt), do Chile, em janeiro, um acordo de cooperação para desenvolvimento de projetos de pesquisa comuns. O primeiro deles já está acertado: seqüenciar o genoma da bactéria Leptospirillum ferroxidas, microrganismo importante na biomineração porque ajuda a purificar metais de modo mais limpo. "Além disso, essa bactéria vive em situações extremas de temperatura e acidez e será interessante conhecer seu genoma para tentar entender tal capacidade de adaptação", explica José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. O trabalho a ser feito permite a imediata integração de pesquisadores entre os dois países. "Decidimos dar um impulso maior nas relações com o Brasil abrindo novas linhas de cooperação, como esta, que foi assinada com a FAPESP", diz Ximena Gómez de La Torre, chefe do Departamento de Relações Internacionais do Conicyt. Também com a Ar-
ELAT
G~ de Eletricidade Atmosferica
gentina há planos de projetos conjuntos num futuro próximo. Em novembro de 2000 foi firmado um protocolo de intenções entre a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e a de Cultura e Educação da Província de Buenos Aires. Os dois acordos são importantes para o país também na área de política externa e estão sendo acompanhados pelas embaixadas brasileiras no Chile e
Fim do LEP, começo do LHC
na Argentina.
China e Rússia farão pesquisa juntas
•
LEP, laboratório do Cern: missão cumprida Os diretores das Academias de Ciência da Rússia e da China assinaram um acordo para realizar pesquisas de novos materiais. Institutos científicos especializados em nanotecnologia vão conduzir projetos conjuntamente, facilitando o intercâmbio científico e promovendo a industrialização dos resultados. Os líderes das duas academias deverão se encontrar regularmente para assegurar a implementação do acordo, segundo a revista Nature (edição de 21/28 de dezembro de 2000). •
Na última reunião de 2000 do conselho do Cern (Centro Europeu de Física de Partículas) foi definitivamente aprovada a desativação do laboratório de aceleração LEP (Large Electron-Positron, em inglês), de acordo com a revista Nature (edição de 21/28 de dezembro). Quase no fim do tempo de uso para o qual havia· sido planejado, no ano passado o laboratório cumpriu sua
Ciência na web
~ ..... ..... - Indiana University
Molecular Structure Center
missão principal, que era tentar vislumbrar um sinal da existência do bóson de Higg, uma partícula fundamental. A construção do laboratório que sucederá o LEP, o Large Hadron Collider (LHC), deve começar ainda este semestre, mas só deve ficar pronta em 2005. O presidente do Cern, Luciano Maiani, resumiu as mudanças com humor: "O rei está mor-to. Viva o rei". •
PROTEÇÃO CONTRA RELÂMPAGOS
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PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 13
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
EVENTO
~
SÃO PAULO
NO MILÊNIO 00 CONHECIMENTO
Via Internet 2, Goldenstein, da NSF, participou da cerimônia onde foram anunciados novos projetas
Colhendo resultados Anunciados marcos e novas metas da pesquisa científica
O governo do Estado de São Paulo e a FAPESP anuncia
ram, no dia 4 de janeiro, a conclusão do seqüenciamento genético da bactéria Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico, e do mapeamento dos mais de 80 mil genes da canade-açúcar. Os dois projetos - Genoma Xanthomonas e Genoma Cana -iniciam a sua segunda fase, quando serão realizadas análises funcionais dos genes, com o objetivo de encontrar tanto a cura para o cancro cítrico como soluções para melhorar a
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qualidade da cana-de-açúcar produzida no país.
Na cerimônia realizada no Palácio dos Bandeirantes, também secomemorou a marca de 1 milhão de seqüências de genes expressos em tumores, obtida pelo Projeto Genoma Humano do Câncer, o dobro da meta inicial. Na mesma solenidade, o diretor-científico da FAPESP, José Fernando Perez, comunicou o lançamento do programa Consórcios Setoriais para a Inovação Tecnológica (ConSITec) e a integração da rede eletrônica acadêmica de alta velocidade de São Paulo,AdvancedANSP, à rede Internet 2 mundial. Essa conexão permitiu que participasse da cerimônia, de Washington e pela Internet, Steve Goldenstein, da National Science Foundation (NSF),
a principal agência de fomento à pesquisa nos Estados Unidos, responsável pela aprovação da interligação com a rede Internet 2. (ver reportagens nas páginas 16/ 17).
"A história da vida econômica brasileira está registrada de maneira sui generis': afirmou o governador Mário Covas. "Há sempre um fator predominante, às vezes por um período curto: a borracha, no caso do Amazonas, e o café, no caso de São Paulo. Na realidade, esta visão não é verdadeira." De acordo com o governador, aqueles que associam o desenvolvimento de São Paulo ao café não se dão conta de que, no Estado, a ciência e a tecnologia sempre tiveram um significado especial, afirmou, mencionando a atuação da FAPESP como um exemplo dessa vocação paulista para
a produção do conhecimento. Participaram da cerimônia o vice-governador, Geraldo Alckmin, os secretários de Ciência, Tecnologia e do Desenvolvimento Económico, José Aníbal, da Saúde, José da Silva Guedes, da Agricultura, João Carlos de Souza Meirelles; o presidente da FAPESP Carlos Henrique de Brito Cruz, o deputado Vanderlei Macris, presidente da Assembléia Legislativa, reitores e pesquisadores de diversas instituições.
Genoma Xanthomonas - O mapeamento da bactéria Xanthomonas citri consolida a liderança do Brasil na área de genética de pragas agrícolas. A bactéria, causadora do cancro cítrico, ataca os pomares, causando prejuízos anuais de R$ 11 O milhões à economia paulista. Em 1999,porexemplo, a doença foi responsável pela redução de 25% no total de caixas de laranjas produzidas, comprometendo a
meses, tempo considerado recorde. Contribuiu para isso a experiência adquirida no seqüenciamento da Xylella fastidiosa, causadora da Clorose Variegada de Citros (CVC), o primeiro realizado pela equipe. "No caso da Xylella, os 14 laboratórios realizaram o seqüenciamento dos seus 2,6 milhões de nucleotídeos em 24 meses. No da Xanthomonas, gastou-se a metade do tempo para mapear um genoma que tem o dobro do da Xylella", afirmou Ana Cláudia. Em janeiro, o Projeto Xanthomonas inicia a segunda fase. "Realizaremos a análise funcional do gene para encontrar a cura para o cancro cítrico", prevê a pesquisadora.
tada comum, laboratórios de São Paulo, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Alagoas. "Todos os laboratórios tiveram acesso ao banco de dados e puderam estudar os genes identificados", afirmou Arruda.
A segunda fase do projeto que agora se inicia é a da aplicação dos resultados do genoma. "Daqui a um ou dois anos, talvez possamos anunciar a primeira planta já produzida como resultado do genoma."
Genoma Câncer - O Projeto Genoma Humano do Câncer conseguiu identificar, em menos de um ano de pes
exportação do suco Simpson: um milhão Arruda: tecnologia para desenvolver novas plantas
Ana Cláudia: em busca da
quisas, 1 milhão de seqüências de genes de tumores mais freqüentes no Brasil. Esse número corresponde a um terço das seqüências genéticas produzidas por instituições públicas em todo o mundo e equivale ao que o projeto Genoma Câncer norte-americano, CGAP, conseguiu em três anos. Os in-de laranja e sub- de seqüências de genes cura do cancro cítrico
traindo divisas ao país. "E a queda da produção também derruba o emprego no campo e na indústria extratora de suco': completa Ana Cláudia Rasera da Silva, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e uma das coordenadoras do projeto, junto com Jesus Ferro, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal. Até agora, a única forma de controle conhecida é a erradicação das plantas doentes, lembra Ferro.
Os pesquisadores da rede ONSA (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos), criada pela FAPESP, concluíram, com o apoio do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitros), o seqüenciamento genético dos 5,175 milhões de nucleotídeos da Xanthomonas em 14
Genoma Cana - Os mais de 200 pesquisadores dos 60 laboratórios envolvidos no Projeto Genoma Cana identificaram os 80 mil genes que compõem a cana-de-açúcar um ano antes do prazo previsto. "A cana tem oito cópias de cada cromossomo e é difícil de manipular. Identificamos 53 mil genes únicos, responsáveis pela resistência da planta a pragas e calor e sua adaptação ao solo. Esse conhecimento vai permitir a utilização de tecnologias para desenvolver variedades de plantas mais resistentes e mais produtivas", disse Paulo Arruda, coordenador do projeto.
O Genoma Cana, o maior projeto de análise dos genes expressos em plantas já realizado por uma instituição pública em todo o mundo, reuniu, pela primeira vez numa emprei-
vestimentos de US$ 10 milhões, inicialmente previstos para o financiamento do projeto patrocinado pela FAPESP e o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, já somam US$ 20 milhões.
O projeto começou em abril de 1999. "No início, passamos meses aprendendo novas tecnologias. Em 2000, o projeto decolou e chegamos a essa marca seis meses antes do prazo previsto': afirmou Andrew Simpson, coordenador do projeto. "Não é a primeira vez que o governador de São Paulo vibra com as nossas conquistas': disse Simpson, dirigindo-se a Covas. "O senhor fez a sua parte e nós agradecemos profundàinente seu esforço."
Os dados obtidos no Projeto Genoma Humano Câncer começam agora a ser analisados em outro projeto, o do Genoma Clínico do Câncer. •
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 15
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Comunhão de interesses ConS/Tec reunirá pesquisadores e empresas em projetas comuns
A FAPESP lançou, no dia 4 janei.firo, no Palácio dos Bandeiran
tes, o programa Consórcios Setoriais para a Inovação Tecnológica ( ConSITec) com o objetivo de ampliar a interação entre a comunidade de pesquisa do Estado de São Paulo e o setor empresarial.
O programa vai reunir em consórcios, por um período mínimo de três anos, a FAPESP, pesquisadores ligados a universidades e instituições de pesquisa e grupos de, pelo menos, três empresas, com interesses tecnológicos comuns. "O consórcio é uma demanda da comunidade e pretende estimular a associação de grupos de pesquisa com conglomerados de empresas", afirmou José Fernando Perez, diretor-científico da FAPESP. A expectativa é que essas associações reunam indústrias de um setor ou empresas de serviços, podendo incluir agências federais. O edital prevê o
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apoio da Fundação a um único consórcio em cada setor tecnológico.
A FAPESP e as empresas envolvidas no projeto dividirão os gastos com a estrutura básica do consórcio, como, por exemplo, a implantação e modernização de laboratórios voltados para a pesquisa tecnológica. A Fundação também poderá financiar, separadamente, projetas de pesquisa tecnológica apresentados individualmente pelos membros dos grupos consorciados.
Fundo de sustentação - A participação da Fundação no financiamento da infra-estrutura do consórcio não será superior a 50% dos investimentos previstos e estará limitada a um máximo de R$ 200 mil por ano, nos primeiros três anos. Esse apoio tem por objetivo complementar os recursos apartados pelas empresas e permitir que o consórcio gerencie seu programa de pesquisa, em parceria com outros patrocinadores. O total de recursos da Fundação destinado ao apoio à infra-estrutura será da ordem de R$ 3 milhões, número que poderá diegar a R$ 1 O milhões, se somado aos recursos para o financiamento de pesquisa, na estimativa de Perez.
As empresas conglomeradas, por sua vez, deverão investir no consórcio um mínimo de R$ 50 mil por ano, na forma de taxas de associação, de maneira a constituir um fundo de sustentação dos projetas. As associações formadas por pequenas empresas poderão ter redefinidos os valores mínimos de contribuição. Nesse caso, adesproporção em relação à participação da FAPESP será compensada ao longo dos três primeiros anos do contrato.
As atividades dos consórcios serão avaliadas pela qualidade e resultado das pesquisas produzidas. Cada um dos projetas apresentados individualmente será monitorado pela assessoria científica da FAPESP ou por outras agências de fomento que financiarem projetas individuais desenvolvidos no âmbito do consórcio. "Um dos critérios para medir o sucesso de cada consórcio será a sua capacidade de gerar pesquisa", ressalva Perez.
O financiamento inicial poderá ser estendido por período de mais três anos, mas, neste caso, a participação da FAPESP no consórcio ficará restrita a R$ 100 mil por ano. A expectativa é que, ao final do sexto ano, o consórcio se torne auto-suficiente.
Esse prazo poderá ser ampliado em situações excepcionais.
Poderão participar do Programa ConSITec grupos de pesquisadores de uma ou mais instituição de pesquisa, dispostos a participar do custeio do consórcio, e grupos de empresas que se comprometam a contribuir com a taxa de associação estipulada no edital. As propostas encaminhadas à FAPESP deverão conter informações sobre o foco técnico do consórcio, justificativa de sua formação, histórico das realizações da equipe, descrição das instalações, entre outras, além do compromisso de retardamento de publicação até o eventual depósito de patente e a definição da política de propriedade intelectual que contemple tanto licenças não exclusivas e isentas de royalties como licenças exclusivas com royalties.
As propostas serão avaliadas pelos critérios usualmente utilizados pela FAPESP: relevância empresarial, definição do programa de pesquisa, grau de interação entre a instituição de pesquisa e empresa, adequação aos objetivos do ConSITec e grau de compromisso das instituições de pesquisa com o consórcio. A avaliação de cada um dos projetas será anunciada seis meses após o seu recebimento. Esse modelo de parceria, que aproxima a pesquisa científica das empresas, foi elogiado em editorial da Folha de S. Paulo, no dia 8 de janeiro de 2001, sob o título "Economia Reticular".
Desenvolvimento de produtos - O ConSITec se respalda no sucesso dos programas de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) e no Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). O PIPE, lançado em 1997, financia pesquisas que tem como objetivo a inovação de produtos com potencial de retorno econômico, em pequenas empresas. Já estão em andamento 133 projetas de pesquisas e outras 94 propostas estão sob análise.
O PITE financia a fundo perdido, desde 1995, projetas de pesquisa desenvolvidos por encomenda de uma empresa. Já estão aprovados 50 projetas, nas diversas áreas. •
POlÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INTERNET 2
O Brasil na rede
Acordo com a NSF conecta pesquisadores em alta velocidade
ANational Science Foundation (NSF), a principal agência de
fomento à pesquisa nos Estados Unidos, aprovou a conexão da rede ANSP (Academic Network at São Paulo), criada pela FAPESP, à rede de alta velocidade conhecida como Internet 2. Por meio desse canal exclusivo, que opera a uma velocidade de 155 megabits por segundo, pesquisadores dos cerca de 100 instituto de pesquisas do Estado de São Paulo poderão conectar-se com pesquisadores de 180 instituições e universidades norte-americanas, para trocar informações, em tempo real, com alta resolução de texto, imagem e voz. Atualmente, as conexões por Internet comum se fazem a
uma velocidade de 12 megabits. O anúncio do acordo com a NSF foi feito no dia 4 de janeiro, no Palácio dos Bandeirantes.
"A Internet 2 é o Rodoanel da comunicação", comparou José Fernando Perez, diretor-científico da FAPESP. O passaporte de acesso à essa rede de alta velocidade mantida pela NSF foi o projeto SinBiota, um sistema de informação ambiental que integra o projeto Biota/FAPESP, de mapeamento e análise das informações sobre a biodiversidade no Estado de São Paulo. Os dados do SinBiota serão disponibilizados, por meio da Internet 2, aos pesquisadores norte-americanos que participam do projeto Species Analyst, da rede de informações sobre a biodiversidade da América do Norte, e vlCe-versa.
Mas, além do Biota, ainda há a perspectiva de integrar, também por meio dessa rede de alta velocidade, as pesquisas do projeto Geno-
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO OE 2001 • 17
ma Humano do Câncer com o National Cancer Institute (NCI), para o seqüenciamento de genes humanos; o projeto de seqüenciamento e análise de genes de uma variante da bactéria Xylella fastidiosa que ataca as videiras da Califórnia, desenvolvido em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos; e as pesquisas para decodificar o DNA de duas cepas da Xylella que acometem a amendoeira e uma planta ornamental conhecida como oleandro, desenvolvidas em parceria com o foint Genome Institute (JGI).
A conexão à rede Internet 2 se faz por meio de cabos de fibra óptica entre São Paulo e Chicago - único ponto em que todas as redes mundiais se encontram-, o que permitirá à FAPESP planejar novos acordos bilaterais para interligar centros de pesquisa paulistas também a instituições da Europa e Ásia. "Em breve, estaremos falando ao mesmo tempo com o resto do mundo", prevê Perez.
Banda larga- A Internet comum não distingue as informações que trafegam pela rede: e-mails, imagens, sons e textos são transmitidos juntos, sem qualquer privilégio. "É como se fosse uma estrada de quatro pistas usadas igualmente por qualquer usuário", compara Hartmut Glaser, diretor da rede ANSP. Já a Internet 2 oferece um serviço diferenciado, separando em faixas, a Internet comum de um canal de conexão direto ponta a ponta para a transmissão, por exemplo, de imagens, sons e conferências em tempo real e com qualidade. "Se essas mesmas informações trafegarem por um canal entupido, cheio de e-mails, a imagem será distorcida", diz Glaser. A banda larga é uma das condições para a operação desse canal exclusivo. E não se trata dos serviços
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de banda larga já disponíveis no mercado brasileiro, que operam a uma velocidade de 256 kilobits. "Estamos falando de 155 megabits", ressalva Glaser. "Nesse caso, qualquer aplicação passa."
Assim que forem finalizados os testes de interligação, esse canal de alta velocidade e resolução permitjrá que a coletânea de dados do SinBiota- imagens, texto e sons- seja acessada com qualidade e em tempo real por pesquisadores norte-americanos. Permitirá, ainda, que estudiosos dos dois países interajam, também em tempo real, em horários predeterminados.
A Internet 2 poderá ser utilizada para a telemedicina: uma cirurgia realizada num hospital paulista, por exemplo, poderá ser assistida e orientada por uma junta médica no exterior. Também será uma ferramenta importante para a meteorologia, já que permitirá uma leitura mais precisa das imagens transmitidas por satélite.
A médio prazo, a Internet 2 poderá chegar ao público. Será possível, por exemplo, assistir a filmes por um canal na Internet, desde que existam
bandas em número suficiente para atender à demanda.
Por enquanto, a Internet 2 é uma ferramenta de trabalho da comunidade acadêmica. Nos Estados Unidos esse canal de alta velocidade está sen
do implementado por um consórcio que reúne 180 universidades e 45 empresas, o University Consorcio for Advanced Internet Development (Ucaid), do qual agora também faz parte a FAPESP.
A FAPESP também tem planos de iniciar um projeto de pesquisa em rede de alta velocidade para o desenvolvimento de novos produtos, que reunisse os institutos de pesquisa e empresas. "A idéia é fazer uma espécie de genoma da Internet", adianta Perez.
A expectativa da Fundação, num projeto desse porte, é motivar a pesquisa e o desenvolvimento nessa área de internet para elevar o conhecimento em tecnologias de rede de transmissão no Estado de São Paulo aos padrões internacionais, pela capacitação
de profissionais qualificados nas áreas de pesquisa, serviços, equipamentos e aplicações. "O que motiva o programa é o reconhecimento, por parte da FAPESP, da enorme importância que as novas tecnologias de transmissão de informação desempenham hoje e irão desempenhar no futuro", argumenta Perez.
Uma das estratégias do programa será promover intercâmbio entre universidades, empresas e setores do governo, na busca de um melhor entendimento das necessidades da sociedade nesse setor, de forma a amplificar a utilização dos recursos existentes, seja por meio de fundos ou incentivos para o seu desenvolvimento. "Espera-se o desenvolvimento de novos produtos e serviços que aumentem a nossa atividade econômica e reduzam a necessidade de importação de serviços e equipamentos", afirma Perez. •
POLiTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
MEIO AMBIENTE
SinBiota subsidiará políticas públicas Sistema permitirá prever impacto de mudanças na biodiversidade
O Sistema de Informação Ambiental ( SinBiota) reúne e integra as informações produzidas pelos pes-
quisadores dos projetos vinculados ao Programa Biota-FAPESP, permitindo a distribuição das espécies catalogadas sobre uma base cartográfica digital de qualidade. Essa base cartográfica está sendo desenvolvida em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Instituto Florestal. Ali ficarão armazenados mapas do Estado de São Paulo sobre relevo, rede de drenagem, vegetação e clima em escala 1:50.000 e das Unidades de Conservação em escala 1:10.000. A interligação do Banco de Dados do Programa e a base cartográfica permitirá ao usuário visualizar a distribuição geográfica dos pontos de coleta de uma ou mais espécie. Todas essas informações estarão disponíveis para o público na Internet, a partir do mês de março, no endereço http:/ /www.biotasp.org.br/sai.
Em parceria com a Universidade do Kansas, responsável pelo projeto Species Analyst, que estuda a biodiversidade na América do Norte e Brasil, o SinBiota está desenvolvendo ferramentas que permitirão a elaboração de modelos de distribuição das espécies. O sistema usa algorítmos genéricos que analisam pontos como clima, solo, etc., de forma a construir o modelo do nicho em que se desenvolve determinada espécie. "A partir disso, o sistema procura nichos semelhantes, possibilitando
20 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
apontar as áreas onde determinados vírus, vegetais ou animais têm possibilidade de se desenvolver", diz Carlos Alfredo Joly, coordenador do Programa Biota e do SinBiota. "Com isso, poderemos antecipar, por exem-
(um bilhão de bytes) de informações. "Quando o programa integrar o Species Analyst, e reunir informações de herbários, museus, etc., o volume de informações chegará a terabytes (um trilhão de bytes)."
Sistema construirá modelo dos nichos em que se desenvolvem diferentes espécies
plo, os efeitos de uma mudança climática sobre o desenvolvimento desta espécie." O monitoramento dos 168 grupos taxonômicos existentes no Estado será uma ferramenta nmdamental para a definição de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade e definição de políticas públicas ambientais.
O sistema de informações que está sendo desenvolvido em parceria com a Universidade do Kansas é um projeto para a Internet 2. "Exige a análise on-line e consulta a acervos nos Estados Unidos': justifica Joly. O SinBiota, ele compara, representa gigabytes
Atualização de dados - O SinBiota utiliza sistema de gerenciamento de banco de dados relacionais e comerciais (SGBD Oracle), que armazena informações sobre as coletas e os metadados, por meio de linguagem Perl, · protocolo HTML, utilizando tecnologia CGI. O sistema tem capacidade para armazenar informações sobre 168 grupos diferentes, de vírus a plantas e animais superiores. Outro diferencial do projeto é que os pesquisadores podem alimentar o banco de dados com informações via Internet, o que permite maior rapidez na atualização das informações. •
BIODIVERSIDADE
Comitê Científico aprova o Biota/FAPESP
Os membros do Comitê Científico Consultivo do Projeto Biota/FAPESP reuniram-se, em dezembro do ano passado, na
Fazenda de Intervales, para a segun-da reunião de avaliação desse programa que tem como objetivo estudar e mapear a fauna e a flora do Estado de São Paulo. James Staley, do Departamento de Microbiologia da Universidade de Washington, em Seattle; Arthur Chapman, coordenador científico do Environmental Resources Information Network (Erin), do governo australiano; Frank Bisby, da Universidade de Reading, na Inglaterra e coordenador do Species 2000, e Robert Colwell, do Departamento de Biologia e Evolução da Universidade de Connecticut, que integram o Comitê, foram unânimes em considerar o Biota "empolgante" e "excitante", sobretudo pela interação, sinergia e coesão entre os 21 projetas. Reunidos na FAPESP, os quatro pesquisadores conversaram com os jornalistas Mariluce Moura e Fernando Cunha.
- Qual a avaliação que os senhores fazem das diversas fases do programa Biota/FAPESP depois do encontro em Intervales?
Staley - Estive aqui em dezembro de 1999 e muita coisa mudou desde então. Uma das constatações mais importantes é que os alunos agora estão muito ativos no programa. A pesquisa, propriamente dita, também está mais adiantada. É fantástico o que está acontecendo: excelentes pes-
quisadores realizando excelentes trabalhos sobre uma das grandes coisas do Brasil e sua fantástica biodiversidade. A FAPESP permitiu que todas essas coisas se somassem. Os pesquisadores, com apoio para realizar suas pesquisas, e a riqueza do meio ambiente colaboram para um programa imponente de biodiversidade.
Colwell - Estive na Conferência de Serra Negra, antes do lançamento do
FOTOS EDUARDO CESAR
que, quando um pesquisador relatava o que estava fazendo na sua área, alguém da platéia sugeria: "Por que não nos reunimos? Faremos isso juntos porque temos os dados sobre o que vocês estão fazendo': Essa é, provavelmente, a principal característica do Programa Biota-FAPESP: é grande o suficiente para ter muitos interlocutores e pequeno para que muitas disciplinas se unam, interagindo de maneira sinergética.
Para Colwell e Chapman, programa Biota cumpriu meta de integrar projetas
Biota!FAPESP, quando se concluiu que era importante desenvolver um programa como este. Desde aquela época, os progressos no estudo da biodiversidade impressionam-me mais do que ao Dr. Staley, que esteve aqui há cerca de um ano, quando o programa já estava em andamento. Uma das grandes esperanças que tivemos na Conferência de Serra Negra foi a de que o Programa Biota fosse mais do que uma coleção de projetas independentes. A expectativa era que a sinergia, os inter-relacionamentos, as interações e, de fato, o progresso criativo pudessem unir diferentes tipos de pesquisadores. Depois do encontro em Intervales, constatamos que tudo isso ocorreu de verdade. Talvez o mais excitante tenha sido observar
Chapman - Assim como o professor Colwell, eu também estive no encontro de Serra Negra onde surgiram muitas idéias para o Programa Biota. Os pesquisadores verificaram as deficiências na pesquisa e definiram o que deveria ser feito no que se refere à conservação da biodiversidade no Estado de São Paulo. Como o professor Staley, eu também estive aqui no ano passado. Muitos projetas estavam apenas começando. Neste ano, o programa deslanchou e já há muitos grupos e publicações no escopo da pesquisa. Os novos projetas aumentaram o fôlego do Biota, apontando novos caminhos. Alguns chegaram mesmo a verificar o nível do dióxido de carbono produzido
PESQUISA FAPESP • JANEIRO /FEVEREIRODE2001 • 21
por diversos tipos de vegetais, relacionando-o às mudanças climáticas, etc. É surpreendente ver o brilho que esse programa adquiriu em tão pouco tempo, preenchendo as lacunas que, há quatro anos, eram identificadas como um problema e que estão começando a ser preenchidas.
Bisby - Essa foi minha primeira vez no painel de avaliação do programa, mas acompanho o desenvolvimento dos projetos desde o seu começo. Também fiquei impressionado com a velocidade com que o Comitê elaborou esse grande programa e com a qualidade dos projetas, alguns, particularmente, de notável qualidade. Há uma ou duas coisas que eu gostaria de mencionar. Sou um taxonomista de plantas e parece-me que uma das características fortes do Biota é que, ao mesmo tempo em que busca desenvolver pesquisa de excelente qualidade na interação entre plantas e animais dos diferentes componentes do sistema, também fortalece a informação básica da taxonomia, isto é, o conhecimento básico de quais organismos estão presentes, quais organismos existem. Esse é seu ponto forte. A outra área que gostaria de mencionar é a coesão do programa, que unifica a informação de todos os projetos em um único sistema de informação. Essas são as duas coisas que eu acho particularmente dignas de nota no Biota e que eu muito aprecw.
- Professor Staley, o senhor notou entre os 21 projetas, algum que seja mais importante do que os outros? São todos do mesmo nível?
Staley- Notamos que São Paulo é o único estado do Brasil que tem esse programa. Talvez ele pudesse ser estendido a outros estados do país. Por essa razão, nós estamos encorajando a FAPESP a considerar como isso poderia ser acelerado. Seria absolutamente fantástico se todo
22 • JANEIRO /FEVEREIRODE 2001 • PESQUISA FAPESP
o Brasil conseguisse uma integração desse tipo.
- Quais as diretrizes para as próximas etapas do programa?
Bisby - Estruturamos o relatório com recomendações em vários itens. Primeiramente, falamos sobre competência e protocolos para anotar informação entre países. Prosseguimos apresentando algumas idéias
Bisby: pesquisas de excelente qualidade
para o futuro e também sobre o tamanho do programa. Sob o título competência e protocolos, observamos que, ao longo do ano, já houve progresso real na direção de um acordo sobre os sistemas de notação de todo o programa, especialmente nos projetos sobre peixes. Mas achamos que ainda é preciso mais. Sugerimos a realização de workshops para definir algumas técnicas de amostragem e a questão de quando a amostra é suficiente. Outro ponto é qual é a hipótese que está sendo testada.
Sugerimos também a realização de workshops para analisar os kits operacionais que estão aumentando. São instrumentos bem sofisticados para modelar e medir a bio-
diversidade e para verificar os diferentes componentes da biodiversidade. Sentimos que seria uma idéia útil reunir num workshop pessoas de diferentes projetos para definir desenvolvimentos posteriores. Percebemos que alguns projetos estão caminhando de um estágio preliminar, que inclui a coleta, para um estágio mais avançado de testar hipóteses, observando modelos, resolvendo como as coisas mudam, se outros parâmetros mudam no Estado.
Nós também fizemos duas ou três sugestões sobre a anotação de protocolos em todo o projeto, ainda que elas não sejam importantes no atual contexto, mas meros detalhes técnicos. Além disto, apesar de o projeto Biota estudar o Estado de São Paulo, sugerimos que o sistema de informação seja modificado ligeiramente para permitir a apresentação das informações tanto de fora como de dentro do Estado.
Chapman- Uma das recomendações que fizemos no ano passado foi para que alguns dos estudantespesquisadores e os pesquisadores recém-formados se envolvessem mais nos encontros de avaliação. Ficamos satisfeitos em saber que, neste encontro de Intervales, houve uma reunião dos jovens cientistas de quatro ou cinco dias. Nós nos reunimos com eles no último dia e conseguimos discutir muitos assuntos que eles levantaram. Analisamos os resultados do nosso relatório do ano passado e as coisas que estavam sendo postas em prática. Acho que um dos problemas que encontramos foi na recomendação de integração entre os projetos do ano passado. Estávamos sugerindo que as pessoas pensassem em integração de uma maneira ampla, em buscar formas de integração. Nós não estávamos querendo forçar as pessoas. Alguns projetos realmente não podiam se integrar, mas outros podiam. Estávamos pensando em coisas como técnicas, trabalho em
uma mesma área ou coleta de materiais que pudessem ter algum valor para outros grupos de outros projetos. Queríamos que eles se conscientizassem dessa troca de informação que está acontecendo de modo amplo.
- Vocês fizeram alguma sugestão em relação ao treinamento de novos pesquisadores ?
Staley- Uma das coisas que estamos sugerindo para o Programa Biota é um programa especial de treinamento para estudantes que estão trabalhando nos seus doutorados, que inclui aqueles formados em Zoologia e Botânica. Se fizerem cursos especiais em biodiversidade, além do doutorado em suas próprias áreas, poderão se tornar um tipo de especialista em terapia do meio ambiente. Eu desconheço um programa que ofereça esse tipo de qualificação a alunos. Estamos sugerindo ao Programa Biota-FAPESP considerar esse tipo de qualificação, porque os alunos iriam aderir.
-A FAPESP tem uma política para atrair jovens doutores para programas de pesquisa em São Paulo. A idéia é fixar jovens pesquisadores brasileiros em vários projetas de alto nível e também atrair pessoal de fora: Argentina, Chile, etc. O Biota teria potencial para absorver esses jovens pesquisadores e seus projetas?
Colwell- Eu acredito que o Programa Biota deva ser importante para atrair pessoas do Chile, da Argentina e até da Europa, porque a integração dos projetos e o fato de ele estar trabalhando com a Mata Atlântica em extinção, o cerrado especificamente, vai atrair pesquisadores de nível internacional. Tanto quanto eu sei, este seria o primeiro programa de pós-doutorado oferecido por um país da América para trazer pessoas importantes de fora e de dentro do país. Achamos que é a hora certa para o Biota fazer um
plano a longo prazo com o objetivo de planejar o uso do conhecimento de todos os seus projetos ou aqueles que são apropriados para este propósito e construir o que chamamos uma infra-estrutura de conhecimento para aumentar o conhecimento do público sobre o Programa Biota e a FAPESP.
Às vezes nós deixamos a educação do público para professores com materiais talvez produzidos
Staley: "um programa imponente"
por amadores ou até confeccionados no exterior. Achamos que com o profundo conhecimento que os pesquisadores têm do Programa Biota e do Estado de São Paulo poderiam formar, ou aconselhar como formar, monitores de alta qualidade, de nível internacional, para grande grupos de pessoas interessadas em pássaros, borboletas, algumas famílias comuns de besouros, peixes de água doce, mamíferos, etc. Em vez de ir para o Pantanal, os visitantes poderiam ir para Intervales com um guia preparado, com materiais adequados para estudar biodiversidade. Essa é apenas uma fantasia de como o Biota poderia unir todos, crianças e adultos no estado.
FOTOS EDUARDO CESAR
-Qual o suporte que o conhecimento gerado pelo Biota pode dar para uma política geral de conservação do meio ambiente?
Chapman- Este assunto tem vários aspectos. Na maioria dos países, as políticas de meio ambiente congregaram áreas em um vácuo de informação. Quanto mais informação obtivermos, mais decisões pertinentes poderemos tomar quanto aos assuntos de conservação. No inventário das espécies não sabemos quais delas estão ameaçadas e quais são comuns. Não conhecemos os hábitats realmente críticos para as espécies. À medida que essas informações tornam-se disponíveis, um dos materiais para uma política ambiental é a proteção das espécies ameaçadas e dos hábitats ameaçados ou em estado crítico. Seria posssível decidir, por exemplo, que certas áreas se tornarão importantes, o que nas atuais circunstâncias não pode ser feito pela ausência de leis. Poderia ocorrer mesmo que o governo investisse na compra dessas terras ou, ao contrário, se achasse que elas poderiam se tornar valiosas por seus produtos, que decidisse sobre seu uso amplo, seja na área florestal, drogas medicinais ou nos vários tipos de turismo. Na área onde moro, na Austrália, é assim que esses assuntos · são considerados importantes pelo governo. As pessoas não estavam preocupadas com o meio ambiente. Elas tinham preocupações, mas não eram canalizadas para a arena política. Agora, temos pessoas preparadas para reciclar o lixo em latas separadas. Elas se preocupam com as áreas de vegetação. Isso acontece em todo o mundo. À medida que as pessoas se preocupam, os governos tornam-se mais preocupados porque eles contam com os votos dessas pessoas. O meio ambiente torna-se um grande tema nas mudanças globais do meio ambiente. •
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 23
Sabia-se que a diversidade genética entre as seringueiras nativas da Amazônia era pequena. Mas agora, um estudo feito pelo Cirad, o organismo francês de pesquisas sobre agricultura tropical, demonstrou que essa diversidade é bem maior do que se pensava. Foram examinados, com diversos tipos de marcadores moleculares, cerca de 800 clones de exemplares nativos da Hevea brasiliensis, a árvore da borracha, colhidos no Acre, em Rondônia, Mato Grosso, na Colômbia e no Peru. Os pesquisadores também analisaram diversos clones de exemplares cultivados. A conclusão do trabalho é que as seringueiras podem ser divididas em seis grupos genéticos, todos bem caracterizados geograficamente (ver
Século 21 será mais quente
O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em janeiro pelo Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma), em Xangai, China, indica que o aquecimento global será maior do que o previsto inicialmente pelos especialistas. "Entre 1990 e 2100, a temperatura da Terra vai aumentar entre 1,4 e 5,8 graus centígrados", diz R.J. Watson, presidente do organismo. Além disso, o nível do mar subirá entre 9
CIÊNCIA
LABORATÓRIO
Diversidade das seringueiras
Variação genética Grupos de seringueiros estão bem divididos
- Região do gênero Hevea
GOlAS
\ I
r BRAslUA
D
Grupos genéticos .::::::::::1 Distribuição natural da Hevea brasiliensis
Fonte: Cirad 10 20 3• 4• sO 6•
mapa). Os locais de origem são muito próximos e o fluxo e o relacionamento genético entre as populações parecem seguir os cursos dos principais rios. A pesquisa
e 88 centímetros nesse período, de acordo com o estudo feito por mais de 150 pesquisadores de cem países por três anos. Trabalho anterior indicava um aumento entre 1 e 3,5 graus centígrados. A temperatura sobe em razão, principalmente, da emissão de gases oriundos de combustíveis fósseis
confirmou a notável uniformidade dos exemplares cultivados. O motivo é simples - todas as seringueiras plantadas hoje no mundo descendem de sementes co-
~ lhidas pelo inglês Henry ~ Wickham perto de Santa-..
rém, no Pará, em 1876. Contrabandeadas para a Inglaterra, elas deram origem às grandes plantações do Sudeste Asiático. É essa origem restrita que faz com que a diversidade genética entre os exemplares cultivados de seringueira seja mínima, especialmente no nível cromossômico. O aumento da produtividade dos serin-gais, por meio da introdução dos genes de árvores nativas, parece ser essencial para manter a competitividade da borracha natural. Três caminhos são seguidos com esse objetivo: a clonagem por embriogênese somática, a criação de genótipos nas raízes das árvores e a criação de genótipos geneticamente transformados. •
e da queima de flo- Geleiras do Ártico: aumento da temperatura diminui a espessura do gelo restas. A camada de gelo começou a diminuir nos Pólos Norte e Sul. No Ártico, o gelo que se acumu-
la sobre o mar no inverno perdeu 40o/o de sua espessura. As áreas de maior risco
são as terras costeiras baixas e montanhas onde há gelo e neve eterna. •
24 · JANEIRO /FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
Colesteroll Aspirina O
A aspirina (acido acetilsalicílico) pode reduzir o risco de enfarte em mais de 30%, mas isso só vale para 75% da população. Estudo do Cen
tro Médico da Universidade de Maryland,
Estados
nos outros 25% está ligada, pro-
vavelmente, ao colesterol alto, segundo a revista Scien
tific American (edição de ja
neiro de 2001). Doses diárias de
325 miligramas do ácido acetilsalicílico
não têm efeito significativo em 60% dos que têm taxa de 220 miligramas de colesterol por decilitro de sangue ou mais. A droga funciona em 80% das pessoas com nível de 180 miligramas ou menos. •
Concluído mapa de proteínas
A pesquisa francesa na área de genômica deu um pequeno drible em seus colegas norte-americanos e marcou um ponto importante janeiro. Num trabalho que ganhou as páginas da revista Nature (edição de 11 de janeiro), pesquisadores do Instituto Pasteur e da empresa de biotecnologia Hybrigenics, sedia
em
O primeiro primata transgênico
Conseguir produzir animais transgênicos - aqueles que contêm um gene de outro ser vivo introduzido no próprio genomaparecia uma daquelas notícias que não atraíam mais ninguém. Até que, em janeiro, o Centro Regional de Pesquisa sobre Primatas do Oregon, nos Estados Unidos, apresentou ANDi (de "DNA inserido", em inglês, ao contrário), o primeiro primata geneticamente modificado. Ele recebeu um gene de água-viva e é o resultado da busca dos cientistas por uma cobaia ideal para pesquisas sobre Aids, câncer, Alzheimer, Parkinson e diabete, entre outras doenças, por ser muito próximo do homem - seu genoma é 98% igual ao do
a interatividade do conjunto de proteínas codificadas pelo genoma (o chamado proteoma) de uma bactéria que infecta o homem, a Helicobacter pylori. Foram identicadas 1.280 interações entre as proteínas do patógeno, presente no estômago de metade da humanidade e agente acelerador de úlceras e cânceres. Os franceses
ser humano. ANDi é um macaco rhesus, nascido em 2 de outubro de 2000, saudável e brincalhão. Para chegar até ele, foi inserido o gene GFP (proteína verde fluorescente) em 224 óvulos, mas só 40 embriões foram obtidos e cinco gestações ocorreram. De todas as tentativas, apenas ANDi nasceu com o DNA alterado. "Macacos transgênicos vão acabar com o abismo que existe entre homens e camundongos", explica Ge-ral Schatten, que liderou a
ANDi: saudável e bri ncalhão
mostraram também que 47% do proteoma apresenta alguma interatividade. O estudo do pro.teoma é fundamental para a montagem de estratégias de combate às doenças e na criação de drogas mais eficazes. Os bons resultados da parceira com a Hybrigenics, empresa criada em 1997, parecem ter animado o Pasteur a in
vestir mais em novas companhias de biotecnologia. Com esse objetivo, o instituto inaugurou recentemente em seu campus parisiense a Pasteur BioTop, incubadora com US$ 40 milhões em caixa para fomentar novas em-
equipe de pesquisa. O problema é que o custo de produção é alto, em relação às cobaias tradicionais. "Para muitas doenças, o camundongo ainda será a melhor opção", avisa Anthony Chan, um dos autores do trabalho. •
Moluscos no Pantanal
da em Paris, publicaram o primeiro mapa que revela H.pylori: primeiro mapeamento de um proteoma presas no setor. •
Um molusco originário da Ásia chegou ao Pantanal e tornou-se uma séria ameaça à rica biodiversidade da região. Na Argentina, onde é observado desde 1991, o Limnoperna fortunei causa problemas nos locais em que há captação de água porque entope canos. Não há controle para esse tipo de molusco. "O único jeito é fazer a limpeza da tubulação e dos barcos porque o controle químico poluiria a água", diz a bióloga Márcia Divina de Oliveira, da Embrapa Pantanal. No Brasil, há registras do Limnoperna no reservatório de Itaipu, na calha do Rio Paraguai e nas lagoas ligadas aos rios dessa região. •
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 25
capacidade de várias espécies na atenuação da radiação solar, com vistas a projetos de arborização. "Mas o objetivo principal", salienta Lucila, "foi a construção de uma metodologia com a qual, a qualquer momento e em qualquer clima, estudos semelhantes poderão ser realizados."
Em resumo, a metodologia consiste em colocar equipamentos de medida sob a copa de cada árvore estudada
nativas: a campeã sibipiruna (acima)
e o ipê-roxo
- que deve estar plantada em local isolado, sem edificações ou vegetação de grande porte ao lado. Equipamentos similares são colocados perto, sob o sol. Depois, os dados são comparados
- - -- - - - - - - -- --- - -
As ferramentas de trabalho li I• Num dos suportes do equipa- mei, encarregada das medições,
I ! mento usado na pesquisa das ár- anotava as medidas obtidas pelos vores controladoras da radiação equipamentos e media a veloci-solar ficavam dois termômetros, dade do ar com um anemômetro
I • um de bulbo seco e outro de bul- portátil. Tendo os valores de tem-I! li bo úmido - conjunto chamado peratura de globo, velocidade do
de psicrômetro a ventilação na- ar e temperatura ambiente, cal-tural -, que permitem calcular a culava a temperatura radiante
I• umidade relativa do ar. O mes- por meio de uma fórmula. mo suporte tinha um termôme- Noutro suporte, para medir a
ll tro de globo, que consiste numa intensidade da radiação solar, li esfera oca, pintada de preto fos- Carolina instalava o solarímetro I• co, aproximando-se do corpo linear, equipamento que agrôno-
I• negro ideal- que absorve a radi- mos e botânicos usam desde a
li ação emitida pelo ambiente ao década de 70 para acompanhar o
I• redor e fornece a chamada tem- crescimento de plantas. O solarí-
1: peratura de globo. metro ficava acoplado a um re-
li Geralmente de hora em hora, gistrador automático de dados, o a engenheira Carolina Bartholo- logger, programado para captar
28 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
e a atenuação da radiação solar é obtida em porcentagem.
"Um detalhe importante da pesquisa é que os instrumentos foram colocados a 1,30 metro do solo, o
os dados a cada 10 minutos e descarregá-los diretamente no computador.
Houve adaptações práticas, impostas pelos caprichos da na-tureza e pelas condições urbanas. O vento, por exemplo, insistia em derrubar ou deslocar de posição os suportes dos equipamentos. Então, o técnico do laboratório de conforto ambiental Obadias Pereira da Silva Júnior, também ;
engajado no projeto, construiu tripés mais resistentes e contri-buiu com sugestões que garanti-rama captação de dados confiá-veis. Outro problema, o perigo de furto, impediu que os solaríme-tros com loggers ficassem instala-dos permanentemente: os supor-tes eram montados de manhã e recolhidos ao fim da tarde.
que corresponde à altura média do peito de uma pessoa", salienta Lucila. Isso porque de nada adiantaria medir a atenuação da radiação no nível do chão ou muito mais alto que a estatura média das pessoas.
Esses procedimentos foram seguidos pela engenheira civil Carolina Lotufo Bueno Bartholomei- que, em meados de 1998, terminou o mestrado na área do projeto, na Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp. Para cada espécie estudada ela recolhia os dados dos equipamentos registrados durante cinco dias, das 7 às 17 horas.
A sibipiruna ( Caesalpinia peltophoroides), árvore nativa da Mata Atlântica e do mesmo gênero do pau-brasil, destacou-se na pesquisa: com belas flores amarelas, cerca de 6 metros de diâmetro de copa e densidade média, foi campeã como reguladora da radiação solar, ao registrar 88,5% de atenuação. Houve uma surpresa inicial com o resultado, já que as folhas da sibipiruna são miúdas como as da avenca, com cerca de 0,9 centímetro de comprimento por 0,5 centímetro de largura. Admitiu-se então que, num mesmo espaço, várias folhas pequenas como as dessa espécie acabem oferecendo uma área maior de exposição
O PROJETO
Conforto Térmico em Cidades: Efeito da Arborização no Controle da Radiação Solar
MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADORA LUC!LA CHEBEL LABAKI- Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp
INVESTIMENTO US$ 11.145,80
ao sol - e, conseqüentemente, de absorção da radiação - do que uma só folha grande.
Em segundo lugar, quase empatados e bem perto da sibipiruna, ficaram a chuva-de-ouro, com 87,3%
o técnico Obadias:
medições contínuas
de atenuação da radiação solar, e o jatobá, com 87,2%. De origem asiática, a chuva-de-ouro ou acácia dourada ( Cassia fistula) tem cerca de 7 metros de diâmetro de copa, densidade mé-
dia, vistosas flores amarelas perfumadas e folhas de mais ou menos 11,5 centímetros de comprimento por 4,5 de largura.
A majestosa copa do jatobá (Hymenaea courbaril), nativo do Brasil, também tem densidade média, mas atinge 23 metros de diâmetro. As flores são brancas e as folhas têm 5 centímetros de comprimento por 2 de largura.
Em terceiro ficou a magnólia (Michelia champaca), com 82,4% de atenuação da radiação solar: também de origem asiática, tem copa densa com 8 metros de diâmetro e folhas de 23 centímetros de comprimento por 7 de largura.
Por fim, com 75,6%, ficou o brasileiríssimo ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa), de copa rala com cerca de 10
metros de diâmetro, belas flores lilases e folhas com 17 centímetros de comprimento por 9 de largura.
Outros resultados referem-se ao conforto ambiental das áreas de lazer. Nas três áreas verdes estudadas no centro de Campinas, também foram feitas medições sob a copa de árvores agrupadas e sob o sol direto.
No centro de Campinas - Como se esperava, o destaque foi o tradicional Bosque dos Jequitibás, mais denso e antigo, com 99,06% de atenuação da radiação solar. Em segundo lugar, o Parque dos Guarantãs, com vegetação média, nem muito densa nem muito rala, que
atenuou 88,91% da radiação. Por fim, uma surpresa: o Bosque dos Artistas, praça nova e ainda pouco densa, atingiu a marca de 88,24% de atenuação.
O trabalho com praças e bosques resultou em tese de mestrado da arquiteta Larissa Fonseca de Castro, também da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp. Terminado o projeto, ela e Carolina deram seqüência aos estudos e desenvolvem teses de doutorado com o mesmo tema. Agora, soma-se ao grupo a arquiteta Érika Lois, aluna de mestrado em Engenharia Civil da Unicamp, que usa os equipamentos já adquiridos para pesquisar o conforto térmico relacionado à arborização ao longo de cursos de água. •
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 29
CIÊNCIA
GENÔMICA
Orestes decifra drosófila Grupo de Ribeirão Preto descobre 91 genes do inseto-modelo graças à técnica brasileira
I nseto mais comum nos laboratórios do mundo, a drosófila ou
mosca-das-frutas- Drosophila melanogaster, observada comumente em
volta de bananas maduras- acaba de passar por uma releitura. Em outubro do ano passado, uma equipe da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto, concluiu uma pesquisa que descobriu 91 genes novos do inseto e gerou seqüências que contribuem para a definição do transcriptoma -conjunto de todos os ácidos ribonucléicos (RNAs) de um organismo, que formam seu código genético. Com isso, abriu caminho para análises mais precisas de como os genes agem e se relacionam na drosófila.
Estudado há cerca de 90 anos, o inseto de no máximo meio centímetro de comprimento tem sido usado na busca do entendimento das doenças e disfunções humanas e está na base da evolução da genética: foi adotado como modelo em laboratório por ter
30 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
cromossomas grandes, facilmente visíveis ao microscópio, e reproduzir-se com relativa rapidez- de dez a 12 dias.
Pesquisa global- A pesquisa da equipe da USP foi motivada pela publicação da primeira versão da seqüência do genoma - o conjunto dos genes -da drosófila, com resultados da leitura de cerca de 120 milhões de pares de base da molécula de ácido desoxirribonucléico - o DNA, portador
Imagens de drosófila: modelo
genético há um século
do código genético em cada célula. Anunciado em março de 2000, o seqüenciamento do genoma de drosófila resultou de uma megaoperação, envolvendo o grupo do Projeto Genoma de Drosophila de Berkeley (BDGP), da Universidade da Califórnia, e a empresa americana Celera Genomics. Espera-se que a seqüência finalizada dos genes, com 180 milhões de bases, seja liberada neste ano.
No entanto, em organismos complexos, a leitura da seqüência genômica por si só não permite a identificação correta de todos os genes. Nesses organismos, partes do
DNA que constitui o gene são retiradas durante a formação do RNA mensageiro - a molécula que carrega a informação para ser traduzida em formação de proteína. Daí a necessidade de obter as seqüências presentes nos RNAs. Para isso, o grupo californiano BDGP usa a técnica de ESTs (Expressed Sequence Tags ou etiquetas de seqüências expressas), que resulta em leituras das pontas dos RNAs, mensageiros.
A equipe brasileira de 15 pesquisadores, contudo - por sugestão da diretoria científica da FAPESP, que financiou a pesquisa-, empregou uma técnica nova em estudos dessa natureza: a Open Reading Expressed Sequence Tags (etiquetas da fase aberta de leitura de seqüências expressas), conhecida pela sigla Orestes. Criada no Brasil e utilizada na pesquisa do Genoma Humano do Câncer, também financiada pela FAPESP em parceria com o Instituto Ludwig de São Paulo, essa técnica foi desenvolvida por pesquisadores desse instituto, que a repassaram à USP de Ribeirão.
A técnica Orestes difere da metodologia clássica no estudo da drosófila porque não prioriza a leitura das extremidades, mas das partes centrais das seqüências dos RNA mensageiros -onde tendem a concentrar-se as informações do código genético que são traduzidas em proteínas.
Caminho valioso - Maria Luísa Paçó-Larson, coordenadora do estudo da USP, aponta outra diferença: o método brasileiro é um valioso caminho para a detecção das moléculas de RNAs mensageiros pouco abundantes e por isso difíceis de clonar por técnicas usuais. Assim, a pesquisa comprovou a validade da técnica: "Constatamos que o método Orestes pode gerar informações novas sobre seqüências expressas e
cia expressa da drosófila", revela Maria Luísa. Ou seja: abriu-se o caminho para a formulação de análises mais precisas quanto ao papel desses novos genes no organismo.
Estudo acelerado - Existem cerca de 90 mil ESTs de Drosophila, segundo os relatórios do BDGP. "Esses ESTs
mentar os dados gerados pelos outros projetas", afirma. Baseada na experiência adquirida no Genoma Humano do Câncer, ela calcula que se podem fazer cerca de 10 mil Orestes por mês com um seqüenciador capilar - uma espécie de carro de luxo último tipo dos equipamentos de laboratório.
que complementam as ob- Maria Luísa: analogias com genoma humano viabilizadas tidas com os métodos con-
Sem levar em conta a abordagem, é clara a importância do seqüenciamento do genoma da drosófila: por analogia, pretende-se conhecer melhor o genoma humano. Dos 280 genes humanos associados a doenças ou malformações, 177 já foram encontrados nos cromossomas do inseto. São os chamados genes ortólogos - com semelhanças que podem ser funcionais e, por isso, permitir uma abordagem mais precisa de fenômenos genéticos.
vencionais", diz Maria Luísa. Em tempo recorde, de abril a se
tembro, a equipe obteve e analisou 10.092 leituras de seqüências Orestes de drosófila. "Contando com a colaboração dos pesquisadores do Instituto Ludwig e do Hemocentro de Ribeirão Preto, nossa equipe foi responsável pela execução de todo o processo: extrair RNAs, gerar perfis, clonar, produzir e analisar as seqüências", diz a pesquisadora.
As análises da equipe validaram 91 genes novos. Com base na similaridade com proteínas de outros organismos, metade desses genes foi anotada como codificadores de proteínas de diversas funções- regulatória, enzimática e estrutural, por exemplo. Também foram identificadas outras 113 seqüências, derivadas de regiões não classificadas como genes com base na análise da seqüência genômica.
"Detectamos fragmentos de genes não caracterizados e também seqüências para as quais não existia nenhuma EST, um material absolutamente novo em termos de seqüên-
contribuíram para identificar cerca de 40% dos genes previstos pela análise da seqüência genômica liberada no relatório de março de 2000 do BDGP': diz ela. Para identificar os outros 60% de genes, o BDGP iniciou um novo projeto para gerar 200 mil ESTs, a um ritmo de 4 mil por mês:
Para Maria Luísa, é possível acelerar essa marcha sem perder qualidade. "Com base nos dados obtidos nesse experimento piloto, achamos que o método Orestes pode comple-
O PROJETO
Projeto Piloto do Método Orestes (Open Reading Frame Expressed Sequence Tags) em Drosophila melanogaster
MODALIDADE
Subprojeto do Projeto Genoma Humano do Câncer
COORDENADORA
MARIA LUISA PAÇó-LARSON -
USP de Ribeirâo Preto
INVESTIMENTO
US$ 37.500,00
Muitas mutações - Há outras questões abertas. Há um século os estudiosos da mosca-das-frutas procuram entender como um organismo com genoma relativamente limitado - só quatro pares de cromossomas -pode acionar mecanismos sutis e variados de resposta ao ambiente.
Nos anos 50, o geneticista Crodowaldo Pavan descobriu variações locais e sazonais de insetos em 35localidades de 17 regiões brasileiras -havia uma acentuada variação na concentração de indivíduos, mesmo em lugares próximos. Como regra geral, o ambiente pode variar pouco, mas as drosófilas variam muito- uma das razões pelas quais se tornaram modelo em estudos de biologia evolutiva. A leitura do genoma traz ferramentas valiosas para esses estudos.
Em outubro, o BDGP liberou a segunda versão da seqüência genômica, com seqüências novas e a correção de 330 dos gaps ou lacunas deixados. E, segundo o relatório mais recente do grupo de Berkeley, provavelmente
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 31
em meados do ano estará disponível a versão final da seqüência do genoma. Maria Luísa acredita que, com esse material, se poderá fazer a listagem mais correta dos genes previstos.
Fecham-se assim as lentes sobre o material genético da mosca-das-frutas e crescem as expectativas. "No momento em que tivermos todos os RNAs, poderemos gerar filtros com todas as seqüências e analisá-las em uma drosófila com malformação para tentar entender o processo que a tornou defeituosa", exemplifica Ricardo Gelerman Pinheiro Ramos, um dos biólogos do projeto desenvolvido em Ribeirão Preto.
De tirar o fôlego - A importância da conclusão do seqüenciamento vai bem além da genética. O pesquisador inglês Jonathan Hodgkin assinalou recentemente na revista Nature que hoje o mundo tem um consistente banco de dados genômicos, "algo de tirar o fôlego", com dados suficientes para ocupar os biólogos pelas próximas décadas: "Nada parecido aconteceu antes na história da ciência, nem deve acontecer outra vez':
No início de novembro, quando a equipe de Ribeirão Preto finalizava o artigo com os resultados do seu estudo, pesquisadores da Universidade Yale avaliavam a possibilidade de o texto ser publicado num periódico científico internacional. Maria Luísa afirma que as seqüências brasileiras serão depositadas no maior banco de dados aberto ao público, mantido pelo Instituto Nacional do Câncer (NCBI) dos Estados Unidos.
Enquanto aguarda as respostas, Maria Luísa esboça outro projeto com o objetivo de gerar e analisar cerca de 200 mil seqüências expressas do genoma da drosófila, o equivalente a 20 vezes o volume de material explorado até agora. "Não sabemos se um dia vai estar inteiramente compreendido o genoma de um organismo complexo como a Drosophila. Mas, dada a sua importância como modelo experimental, todo avanço nesse sentido é relevante." •
32 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
CIÊNCIA
GENÉT I CA
Mistério entre os roedores Espécies idênticas na aparência diferem no total de cromossomas
Como é que animais fisicamente iguais podem ter números
diferentes de cromossomas? Para entender essa peculiaridade da fauna
brasileira, Maria José de Jesus Silva, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), desembarcou em outubro na Universidade da Califórnia em Berkeley, n9s Estados Unidos, onde completará o pós-doutorado. Sua pesquisa inclui uma nova espécie de roedor que ela própria descobriu numa expedição a Mato Grosso, em 1997- o Akodon sp.n. Tem 10 a 12 centímetros de comprimento e é, como ela concluiu, o roedor silvestre com o menor nú-
O PROJETO
Estudos Citogenéticos e Moleculares em Roedores Orizominos (Sigmodontinae, Rodentia) das Florestas Atlântica e Amazônica
MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADORA MARIA Jos~ DE JEsus SiLVA - IB-USP
INVESTIMENTO R$ 29.760,00
mero de cromossomas já descrito: apenas 10. Seu achado merece atenção porque não há diferenças morfológicas com o Akodon cursor, até então o ratinho com o menor número de cromossomas (de 14 a 16). São as chamadas espécies crípticas, só diferenciadas por meio do cariótipo, o conjunto de cromossomas.
Em Berkeley, para entender a evolução cromossômica desses animais, ela vai trabalhar com uma abordagem complementar, a análise de DNA mitocondrial, encontrado nas
O Akodon sp.n: o roedor si lvestre com o menor número de cromossomas (acima)
mitocôndrias, um dos compartimentos das células. "Dados cariotípicos, moleculares e de biogeografia são fundamentais para se estabelecerem as hipóteses evolutivas", diz.
Em outros grupos de animais também há fenômenos semelhantes. Entre os mamíferos, a espécie com o menor número de cromossomas é o cervídeo muntjac indiano (Muntiacus muntjak vaginalis) : as fêmeas têm seis cromomossos, e os machos, sete. Comparações com a espécie mais próxima, o muntjac chinês (Muntiacus reevesi), de 46 cromossomas, sugerem que podem ter ocorrido rearranjos e fusões ao longo da evolução · cromossômica. Entre as formigas, o total de cromossomas varia de 2 a 94. Enquanto se buscam hipóteses para explicar tamanha variação, as descobertas se sucedem. Há pouco tempo, encontrou-se na Serra de Baturité, no Ceará, outra espécie nova de roedor, do gênero Oryzomys. Tem 76 cromossomas. •
CIÊNCIA
EPIDEMIOLOGIA
Matemática faz bem à saúde Simples ferramentas matemáticas e estatísticas ajudam a prevenir e controlar epidemias
"Meu trabalho é traduzir os conceitos epidemiológicos
para a linguagem matemática, aplicá-los na elaboração de cenários das doenças infecciosas e fornecer informações que ajudem as estratégias para o controle ou a erradicação de doenças infecciosas." Assim o
pesquisador HyUn Mo Yang sintetiza sua dedicação à epidemiologia matemática, uma área de pesquisa aplicada que tem mostrado resultados altamente positivos em curto prazo (ver quadro). Ligado ao Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), Yang tem dois projetas na área, ambos com financiamento da FAPESP.
Nascido em 1959 em Teajon, Coréia do Sul, e radicado desde 1968 em São Paulo, Yang especializou-se no instrumental matemático e estatístico aplicado à Física Nuclear.
Formou-se em 1983 pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), onde concluiu o mestrado em 1985 e o doutorado em 1990, ambos em Física Nuclear. Ao mergulhar numa disciplina tão especializada, foi aos poucos sentindo necessidade de se dedicar também a uma área de alcance social e encaminhou-se para a epidemiologia.
Pestes e dengue- Entre 1998 e 2000, Yang conduziu o Estudo da Transmissão de Epidemias e Pestes Causadas por Micro e Macroparasitas e Possíveis Mecanismos de Controle. Ainda antes de concluí-lo, passou a desenvolver outro projeto em novembro de 1999: Estudo dos Fatores Biológicos, Sociais e Ambientais para a Transmissão da Dengue para Delinear Mecanismos de Controle e Prevenção - Epidemiologia Quantitativa. Desenvolvido em parceria com a Superintendência do Controle de
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 33
Endemias (Sucen), da ~ Secretaria da Saúde ;5
O vai-e-vem das infecções "' do Estado, o novo j
projeto abrange o estudo de modelos matemáticos para os fatores envolvidos na transmissão da doença pelo mosquito Aedes aegypti.
O risco de contágio cresce na infância, diminui na adolescência e volta a subir após os 20 anos
0,20 v;-g 0,16 ~
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Objetivos e modelosNa luta contra as doenças infecciosas, busca-se otimizar esforços para seu con-
0,00 +-----j----+----1---------, o
trole e combate, com a possibilidade de resultados em curto prazo. Para isso, elas são consideradas em dois grupos: as de transmissão indireta (que dependem de insetos ou outros vetores, como a dengue, a malária e o mal de Chagas) e as de transmissão direta (que não dependem de intermediários para a transmissão, como o sarampo, a caxumba e a rubéola). Há algumas indagações cruciais. Por exemplo: como delimitar as áreas prioritárias para campanhas de combate a insetos transmissores? Como definir faixas etárias prioritárias para uma campanha de vacinação? Ou qual a época mais adequada para a campanha?
10 20 30 40 Idade (anos)
Fonte: Hyun Mo Yang/Unicamp
Os objetivos principais podem ser resumidos em dois: descrição matemática da disseminação e análise dos mecanismos de controle ou de erradicação das doenças. Para isso, não são suficientes os modelos estatísticos aplicáveis às doenças não-infecciosas. É preciso desenvolver modelos matemáticos dinâmicos que considerem fatores como temperatura, condições socioeconômicas, características da propagação de microrganismos e diversos outros fatores, inclusive a interação entre três grupos distintos de indivíduos: infectados, recuperados e suscetíveis. "Fazer modelagem s~mente pela modelagem pode ser
Controle sobre a rubéola A primeira experiência signifi
cativa da aplicação de modelos de epidemiologia matemática a uma estratégia de controle de doença infecciosa de transmissão direta no Brasil ocorreu em 1992 no Estado de São Paulo. Na época, a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) havia recomendado vacinar todas as crianças e jovens de 9 meses a 15 anos de idade com a vacina tríplice - destinada a prevenir rubéola, sarampo e cachumba. O cus-
34 · JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
to previsto para a campanha, que deveria atingir 12 milhões de doses, era de US$ 35 milhões.
Entretanto, um estudo então em andamento patrocinado pela FAPESP - Métodos de Avaliação do Impacto de Estratégias de Imunização contra Doenças de Transmissão Direta- deu às autoridades a certeza de poder contar com esse mesmo potencial de imunização com menos trabalho e com uma redução significativa dos custos previstos.
muito bonito, mas é preciso fazer com que ela leve a um resultado", afirma Yang.
A epidemiologia matemática pode ajudar também no equacionamento de diversos fatores ambientais e socioeconômicos relacionados
OS PROJETOS
Estudo da Transmissão de Epidemias e Pestes Causadas por Micro e Macroparasitas e Possíveis Mecanismos de Controle
MODALIDADE
Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADOR
HYUN Mo YANG- Unicamp
INVESTIMENTO
R$ 1 0.000,00 e US$ 22.189,73
Estudo dos Fatores Biológicos, Sociais e Ambientais para a Transmissão da Dengue para Delinear Mecanismos de Controle e PrevençãoEpidemiologia Quantitativa
MODALIDADE
Programa de Pesquisas em Políticas Públicas
COORDENADOR
HYUN Mo YANG- Unicamp
INVESTIMENTO
RS 1 1.820,00 (I Fase) e R$ 137.000,00 (li Fase- projeto em análise)
"Nosso trabalho mostrou que bastaria vacinar a população de 1 a 10 anos de idade, o que exigiria apenas 7 milhões de vacinas", afirma o epidemiologista Eduardo Massad, coordenador desse estudo e responsável pelo Laboratório de Informática Médica da Faculdade de Medicina da USP. A adoção dessa estratégia permitiu reduzir em US$ 15 milhões os custos de vacinação, com uma economia de aproximadamente 43%. Feito entre 1992 e 1995, o estudo teve um financiamento de R$ 143 mil.
à saúde pública. Um exemplo é outro estudo desenvolvido recentemente por Yang, em parceria com Marcelo Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, destinado à compreensão matemática dos efeitos do aquecimento global e das condições socioeconômicas na transmissão da malária. O trabalho foi publicado na edição de maio de 2000 da Revista de Saúde Pública (Assessing the Effects of Global Warming and Local Social and Economic Conditions on the Malaria Transmission ou Quantificando os Efeitos do Aquecimento Global e das Condições Socioeconômicas Locais na Transmissão da Malária).
Em outros trabalhos, ele já havia lidado também com modelos matemáticos aplicados a doenças infecciosas em geral, inclusive à transmissão do vírus HIV.
Seus estudos o têm convencido da necessidade de ampliar a base de profissionais em epidemiologia matemática. ''Além de desenvolver a pesquisa propriamente dita, gostaria de despertar o interesse de estudiosos das ciências exatas para o imenso campo de aplicação da matemática às ciências médicas e biológicas."
A campanha deu à FAPESP a oportunidade de divulgação de resultados de alta significação: obtevese um controle efetivo da síndrome da rubéola congênita, causa de elevados índices de surdez, cegueira e retardo mental em crianças de todo o país. Além disso, estudos soro lógicos feitos de 1992 a 1995 com amostras de sangue de 3 mil crianças de escolas e creches da rede pública paulista mostraram fortes indicações de que o vírus da rubéola não mais circulava no Estado entre as crianças de até 10 anos, conforme relatado por Notícias FAPESP em abril de 1996.
A epidemiologia matemática tem origem antiga. Os passos iniciais já haviam sido dados em 1760 com um trabalho do suíço Daniel Bernoulli (1700-1782), Essai d'une Nouvelle Analyse de La Mortalité Causée par la Petite Vérole et des Advantages de l'inoculation pour la Prévenir (Ensaio sobre uma Nova Análise da Mortalidade Causada por Varíola e as Vantagens da Vacinação para Preveni-la).
Campo aberto - Contudo, esse esforço pioneiro só seria retomado nos primeiros anos do século 20 por matemáticos britânicos, em trabalhos referentes a diversas doenÇas epidêmicas.
Já no que se refere ao sarampo, os resultados colhidos com a campanha de 1992 teriam permitido imunizar a população durante no mínimo sete anos, pois a vacinação de rotina, aplicada às crianças de 9 meses e de 15 meses de idade, teria a incumbência de evitar surtos epidêmicos, segundo Yang.
Essa vacinação de rotina, porém, não foi eficaz, de acordo com Yang, pois ocorreram falhas na própria vacina e o desabastecimento dos postos de saúde. "Como resultado, o que se observou foi uma epidemia severa de
Yang e Bernoulli, o precursor: reforço às políticas de saúde pública
~ A área ainda é ~ pouco explorada. Se-~ gundo o epidemiolo-
gista Eduardo Massad, vice-diretor da Faculdade de Medicina da USP, mesmo nos países mais desenvolvidos os programas de saúde pública têm pouco contato com a pesquisa dos modelos dinâmicos de epidemiologia matemática. Até mesmo os Estados Unidos, que contam com a poderosa estrutura dos Centros de Controle de Doenças (CDCs) sediados em Atlanta, na Geórgia, acordaram há pouco para a importância da área, onde em geral predominam as aplicações de probabilidade estatística. Segundo Massad, a tradição no uso de modelos matemáticos dinâmicos, que permitem a elaboração prévia de cenários epidemiológicos, só existe efetivamente na Grã-Bretanha.
No Brasil, país ainda com sérios problemas epidêmicos, ligados sobretudo às chamadas doenças tropicais, Yang tem portanto um amplo campo de ação. •
sarampo em 1997", afirma o pesquisador. Ele aponta também um fator contra o qual as campanhas de vacinação tem pouco poder de eficácia preventiva: a campanha e a vacinação de rotina não foram capazes de opor-se às correntes migratórias e às variações de fatores não biológicos. Assim, o ingresso de indivíduos suscetíveis e infectados altera o cenário de uma comunidade que de outro modo teria um número bem mais elevado de indivíduos imunes após uma campanha de vacinação em massa.
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 35
CIÊNCIA
FÁRMACOS
Gene bovino dá medicamentos Estudos com fato r de crescimento de fibroblasto (FGF) indicam ações terapêuticas potenciais
Uma pesquisa do Instituto Butantan aponta possibilidades
terapêuticas para o composto FGF (fibroblast growth factor ou fator de crescimento de fibroblastos), produzido a partir de um gene bovino. As funções terapêuticas abrangem desde o tratamento de queimaduras de segundo grau até a recuperação de lesões da medula espinhal. O composto tem sido usado também em meio de cultura de células-tronco para a produção de tipos celulares com uso clínico potencial.
O biólogo Paulo Lee Ho, coordenador da pesquisa, estuda as aplicações do FGF desde 1989. O projeto Fator de Crescimento de Fibroblasto-2 (FGF-2): Humanização, Expressão e Possível Aplicação Clínica, financiado pela FAPESP, resulta de uma consulta feita a ele pelo Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo (USP).
Ho conta que o FGF "foi descoberto na década de 1970 por um brasileiro': o professor do Instituto de Química da USP Hugo Aguirre Armelin, e que o gene bovino correspondente já havia sido expresso numa bactéria - Escherichia coli -por outro professor desse instituto, Ângelo Geraldo Gambarini.
Parte de uma família de fatores de crescimento estruturalmente parecidos, o FGF é multifuncional - pode provocar respostas diferentes, conforme o tipo de célula com que tem contato. Nos laboratórios do Butantan se
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testaram efeitos de um dos membros dessa família, o FGF-2. "Testamos algumas ações importantes, justamente para explorar os casos clínicos: cicatrização de tecidos, queimaduras de segundo grau, reconstituição de vasos sanguíneos do miocárdio e recuperação funcional do sistema nervoso", diz Ho.
No caso da cicatrização, avaliouse a capacidade do FGF-2 de induzir a proliferação de células - ação mitogênica -, uma resposta celular
que participa da ação cicatrizanté. Outro ensaio avaliou a capacidade de induzir a formação de vasos sanguíneos - ação angiogênica, exatamente a que despertou o interesse do Incor pela pesquisa. O terceiro ensaio buscou descobrir se o FGF-2 pode induzir a diferenciação de certas células em neurônios, ou manter a viabilidade de neurônios já diferenciados - ação neurotrófica.
Método inédito - A possibilidade de uso clínico do FGF-2 já era conhecida. Mas a sua obtenção a partir do gene bovino "humanizado" é a inovação do projeto, que contou com o trabalho da pós-doutoranda Maria Leonor Sarno de Oliveira.
A equipe observou que a diferença entre o FGF humano e o bovino era
de só dois aminoácidos, que ficam bem perto um do outro na cadeia molecular. Para chegar ao FGF humanizado, partiram do cDNA bovino. DNA é o ácido desoxirribonucléico, que contém o código genético e está em todas as células, enquanto cDNA é o DNA complementar, obtido a partir do RNA mensageiro- ácido ribonucléico mensageiro, que transmite dados do código genético- do FGF-2 bovino. Para isso, fizeram duas mutações
de uma vez, "humanizando" o FGF bovino: o processo consistiu em modificar o cDNA bovino para que fosse capaz de produzir um FGF igual ao humano, trocando os dois aminoácidos diferentes. Com o cDNA bovino humanizado, puderam expressá-lo numa bactéria, a Escherichia coli.
Estrutura do FGF-2: produção inédita no Butantan a partir de gene bovino "humanizado"
Os testes para avaliar a ação mitogênica do FGF-2 foram feitos em cultura de fibroblastos - células características do tecido conjuntivo -mantida com soro fetal, cuja função é induzir o crescimento das células. No teste, os pesquisadores retiraram o soro da cultura, para que as células parassem de crescer, e então adicionaram o FGF purificado. O resultado foi a indução da mitose- processo de crescimento por divisão celular -, com uma resposta que varia conforme a dose administrada.
Para testar a ação neurotrófica, usaram células com capacidade de diferenciação neuronal e as puseram em contato com o FGF-2. Então, elas se diferenciaram em neurônios - células que formam o sistema nervoso.
No terceiro e no quarto teste, feitos em conjunto com Joaquim Coutinho Netto, da USP de Ribeirão Preto, foi mostrada a capacidade de cicatrização e revascularização. Os pesquisadores usaram amostras retiradas da orelha de coelhos para testar as ações cicatrizante e angiogênica do FGF-2. Foi feita uma punção na orelha do coelho até atingir a cartilagem e posto no local um tampão com FGF-2. A presença do composto induziu a reposição do tecido retirado e a formação de novos vasos. Notou-se, contudo, que o uso exclusivo do FGF-2 não basta para completar o processo de cicatrização. A ferida provocada pela punção continuou, mes-mo depois da reconstituição dos tecidos: o FGF-2 sozinho não foi capaz de promover eficientemente o crescimento das células epiteliais que compõem a pele. Para resolver o problema, a equipe tenta associar a ação do FGF-2 à de ou-
Paulo Lee Ho e Maria Leonor: patente e
planta piloto a caminho
OS PROJETOS
Fator de Crescimento de Fibroblasto-2 (FGF-2): Humanização, Expressão e Possível Aplicação Clínica Desenvolvimento de uma Vacina Anti-helmíntica: Melhoramento da Vacina e o Desafio de seu Scale-up em Condições GMP para Testes Clínicos de Fase II II em Humanos
MODALIDADE Auxflio a projeto de pesquisa
COORDENADOR PAULO LEE Ho- Instituto Butantan da Secretaria da Saúde do Estado
INVESTIMENTOS RS 5.000,00 e USS 6.000,00 para o projeto do FGF-2 RS 83.600 e USS 95.785,86 para o projeto da vacina anti-helmíntica
tro composto, o fator de crescimento de queratinócitos.
Noutro ensaio, o FGF-2 foi posto na córnea de coelhos, um tecido naturalmente sem vascularização, mas sua presença induziu a formação de vasos também ali.
Os testes de laboratório terminaram. A próxima fase do projeto depende da construção de uma planta piloto que permita produzir FGF
em escala maior, cerca de 80 litros, em condições GMP -adequadas para uso
em humanos, segundo a legislação. Essas condições têm, primeiro, o objetivo de garantir a qualidade. Além disso, como usa bactérias recombinantes - geneticamente modificadas -, o processo produtivo é conduzido de modo que essas bactérias não se espalhem, mesmo no caso da E. coZi, que não é estranha ao homem.
A equipe pretende patentear o FGF-2 humanizado a partir de gene bovino. O mesmo FGF produzido similarmente por tecnologia de DNA recombinante tem preço médio de US$ 100 por 1 O microgramas. Espera-se que a produção possa começar em meados do ano.
Esquistossomose - Da planta piloto depende a conclusão de outro projeto, desenvolvido em parceria com a
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro: nele, o grupo trabalha para desenvolver uma vacina anti-helmíntica- contra a esquistossomose ou barriga d'água, doença endêmica no Brasil. Causada pelo verme Schistossoma mansoni, é contraída pela penetração da larva na pele quando a pessoa entra em contato com água contaminada. O projeto também está em fase avançada.
A vacina será produzida com base numa proteína que está presente também na superfície do verme, a Sm-14. A equipe de Paulo Lee Ho e de Ana Lúcia T. Oller do Nascimento, do Laboratório de Biotecnologia Molecular do Butantan, concentrou-se na melhoria das técnicas de obtenção da Sm-14 por engenharia genética.
Até o momento, a vacina foi testada pela Fiocruz em camundongos e coelhos com resultados considerados excelentes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), só antígenos com índices de proteção acima de 40% em testes com animais devem ser ensaiados em humanos. Nos camundongos inoculados com a forma ativa da doença, obteve-se um índice de proteção em torno de 50% e, nos coelhos, 100%. Esses animais, porém, não são os melhores modelos para o teste de proteção: não são os alvos naturais, pois não têm o hábito de entrar na água.
"Sempre se usa um modelo animal para testar uma vacina de uso humano, mas nem sempre esse modelo tem paralelo com a resposta que ocorre no homem: temos de realizar os testes em humanos para saber se funciona ou não': avisa Ho.
Os testes iniciais visam a descobrir se o antígeno é inócuo ao homem. Para fazê-los, o grupo precisa produzir a vacina em condições adequadas, o que requer a planta piloto em funcionamento. Ho acredita que, uma vez iniciados, os testes com humanos sejam concluídos em cinco a dez anos. A importância da vacina, para ele, está na possibilidade de usála tanto no tratamento como na prevenção da doença. •
PESQUISA FAPESP · JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 37
CIÊNCIA
BIOQUÍMICA
Microscópio • • mape1a cana1s
em células vivas Aparelho mostra a entrada e saída de substâncias em organismos e abre caminho para medicamentos mais eficazes
Numa salinha de laboratório do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP),
onde cabem poucos aparelhos e um microcomputador, maneja-se um instrumento de alto poder de resolução que é único no Brasil: o microscópio de força atômica aplica-
do à área biológica modelo Bioprobe. Uma técnica criada pelo pesquisador Ricardo de Sousa Pereira permite que o aparelho, instalado no laboratório do Departamento de Parasitologia, mapeie a superfície de células vivas e identifique com precisão os pontos nos quais ocorrem, por exemplo, fenômenos como a entrada e a saída de
íons de cálcio. No caso, diz Pereira, "tal técnica baseia-se na imobilização de medicamentos bloqueadores de cálcio na ponta da sonda do aparelho", o que deverá possibilitar o desenvolvimento de bloqueadores de cálcio mais eficientes para baixar a pressão arterial.
O projeto Utilização de Biossensores, Feitos com a Sonda do Microscópio de Força Atômica Aplicado à Área Biológica, para Mapear Canais de Íons na Superfície de Células, conduzido por Pereira e financiado pela FAPESP, começou em dezembro de 1998 e deve terminar em dezembro de 2001.
O pesquisador salienta que a grande vantagem do aparelho é a possibilidade de visualizar material vivo: "Um microscópio eletrônico de varredura tem poder de visualização comparável ao de força atômica, mas o fixador usado na preparação da amostra mata as células".
Segundo Pereira, as informações obtidas pelo Bioprobe permitirão desenvolver medicamentos mais eficazes, pois terão atuação bem localizada: os bloqueadores de cálcio só deverão agir nos canais de cálcio das células, por meio dos quais o mineral
O relevo do fermento Imagens de uma varredura da superfície de células de S. cerevisiae
Aqui, a presença de altas concentrações de moléculas de glicose induz um grande número de deflexões no cantílever, o que impede a visualização das células de S. cerevisiae
38 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Três horas depois, as células absorveram parte da glicose e, como há menos deflexões, a imagem é parcial. A seta 1 indica deflexões por causa da glicose e a seta 2 aponta uma célula
atravessa a membrana celular- o que implica alto grau de eficiência no bloqueio à entrada excessiva do mineral nas células. Outra vantagem é a quase ausência de efeitos colaterais, já que os medicamentos não deverão interferir em nenhum outro processo químico do organismo, nem mesmo nas reações ocorridas em outros pontos da célula.
Descoberta casual - O pesquisador conta que ele e seu colaborador Nivaldo Antônio Parizzotto, da Universidade Federal de São Carlos, descobriram casualmente a capacidade que o equipamento tem de visualizar material biológico vivo - células, tecidos, organelas etc.
"Em 1991, eu estava trabalhando no microscópio de força atômica do Laboratório de Fotônica da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), chefiado pelo professor Vítor Baranauskas. Esse foi o primeiro equipamento do gênero na América Latina. Um dia, esquecemos nele uma amostra de fermento biológico de padaria, preparada numa lâmina com meio de cultura. No dia seguinte, ao ten-
tarmos retirar a lâmina, notamos que a sonda do microscópio- chamada de cantilever- estava aderida na amostra, porque esta havia crescido em área e altura, durante a noite. Nesse ponto, desconfiamos que as células deveriam estar vivas. Elas se multiplicaram e o crescimento em altura envolveu a sonda do equipamento."
As possibilidades da descoberta são amplas. Em julho último, por exemplo, o pesquisador publicou um artigo na revista Febs Letters, da Federação das Sociedades Bioquímicas Européias, em que demonstra como um biossensor feito com a sonda do microscópio pode detectar a absorção de moléculas de glicose por células vivas de Saccharomyces cerevisae - a levedura conhecida como fermento biológico de padaria. Segundo Pereira, "essa metodologia será interessante para os cientistas que estudam diabetes".
Pereira revela que a publicação do artigo fez com que o diretor da Escola de Medicina da Universidade Yale, nos Estados Unidos, o convidasse a escrever uma revisão, a ser publicada na revista Biochemical Pharmacology: "Nela, foram incor-
porados outros interessantes resultados com biossensores, valendo a pena destacar a detecção de álcool etílico com um cantílever coberto com a enzima álcool desidrogenase tipo II- que transforma álcool etílico em glutaraldeído - e a detecção de espécies reativas de oxigênio usando-se as enzimas superóxido dismutase, que detecta íons superóxidos, e catalase, que detecta peróxido de hidrogênio, ou seja, água oxigenada".
O pesquisador diz ainda que cientistas da IBM fizeram da sonda do aparelho uma espécie de chip de DNA (ácido desoxirribonucléico ), para identificar mutações em genesas chamadas SNPs (polimorfismos simples de nucleotídeo).
Contra vírus- Outra aplicação possível comentada na revisão de Pereira é a imobilização de uma partícula de vírus na ponta da sonda do equipamento - o cantílever - para medir a força de adesão necessária para que o vírus infecte a célula: de posse desse dado, os cientistas poderão pensar em medicamentos que enfraqueçam essa força de adesão e evitem a infecção viral.
por um cantílever do microscópio de força atômica que tem a enzima glicose oxidase nele imobilizada
Quatro horas depois da primeira varredura, as células de S. cerevisiae absorveram mais moléculas de glicose: a imagem das células fica mais visível na área varrida
Cinco horas depois da primeira varredura, vêem-se quase todas as célu las presentes na superfície varrida, indicando que elas absorveram praticamente todas as moléculas de glicose
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE2001 • 39
Variedades de S. cerevisiae: da esquerda, Fermipan (Holanda), ltaiquara (Brasil), Sishin Seifun (Japão) e Fleischmann (Brasil)
O pesquisador chama a atenção para o fato de que os microscópios de força atômica convencionais, dos quais se valeu em 1991, começaram a ser comercializados em 1989. Usados sobretudo por físicos e químicos, servem, por exemplo, para comparar as imagens de diamantes sintéticos, empregados em brocas industriais, com as de diamantes naturais.
Pioneirismo- Foi só em 1995, conta Pereira, que surgiu o primeiro modelo aplicado à área biológica- o Bioscope, fabricado pela Digital Instruments, da Califórnia, trazendo acoplado um microscópio óptico invertido e mostrando sua grande vantagem: enquanto nos microscópios eletrônicos o fixador usado na preparação da amostra mata as células, o de força atômica pode analisar material vivo sem uso do fixador -tetróxido de ósmio ou glutaraldeído ou ouro evaporado. Essa vantagem se revela tanto em relação ao microscópio eletrônico de transmissão, que investiga o interior da célula, quanto ao de varredura, que faz a topografia do material.
Pereira avalia o equipamento que usa como o mais moderno do gênero. Lançado no final de 1998 pela empresa americana Thermomicroscopes, da Califórnia, o Bioprobe foi comprado em abril de 2000 depois de nove meses de negociação: seu preço inicial de US$ 135 mil baixado para US$ 100 mil, pois - como Pereira argumentou -, além de ser o
40 · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
primeiro e único vendido ao Brasil, o fabricante obteria propaganda indireta a cada vez que o pesquisador fizesse uma palestra ou tivesse seu trabalho em destaque.
Pelos muitos recursos do equipamento, Pereira o considera mais apropriado para a análise tridimensional de proteínas do que o microscópio de força atômica convencional usado pelo Laboratório de Luz Síncroton do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Campinas: "O microscópio instalado no Síncroton é apropriado para a área de física e química, mas não permite a localização precisa do cristal de proteína, porque a busca é feita com a movimentação da sonda às cegas. O microscópio que uso é o melhor que existe para qualquér análise na área biológica - o que não quer dizer, de modo algum, que meu laboratório seja melhor que o Síncroton, uma referência em pesquisa".
O PROJETO
Utilização de Biossensores, Feitos com a Sonda do Microscópio de Força Atômica Aplicado à Área Biológica, para Mapear Canais de fons na Superfície de Células
MODALIDADE
Programa Jovens Pesquisadores
COORDENADOR
RICARDO DE SOUZA PEREIRA- Instituto de Ciências Biomédicas da USP
INVESTIMENTO
RS 78.240.42 e US$ 11 0.449,00
A operação do microscop10 requer uma estação de trabalho ligada a um computador e composta pelo microscópio, um televisor e um monitor de vídeo de alta definição.
Funcionamento - O aparelho usa apenas um feixe de radiação laser de baixa potência, que mantém a amostra viva. Esse feixe incide sobre a microestrutura chamada cantüever. Semelhante a um esquadro de desenho, o cantüever tem um lado que mede cerca de 100 micrômetros. Como cada micrômetro equivale a um milésimo de milímetro, esse lado tem a espessura média de um fio de cabelo.
O cantílever é feito de duas lâminas - uma de sílicio embaixo, outra de ouro espelhado em cima. O laser incide na parte espelhada e é captado por uma fotocélula ou fotodiodo, componente eletrônico que transforma energia luminosa em elétrica. Os impulsos elétricos são levados ao computador, que os transforma em imagens digitalizadas.
Na parte de baixo do cantüever há uma ponta ou sonda, que varre a superfície e, à medida que percorre sua topografia, altera a direção do feixe de laser para atingir áreas diferentes da fotocélula. Esse deslocamento do feixe produz mais ou menos impulsos elétricos. A quantidade de impulsos enviados ao computador define áreas mais claras ou escuras, conforme a programação do software: no caso, convencionou-se que, quanto mais alta fosse a topografia, mais clara seria a imagem. O que se observa,
numa tela de computador de alta definição, são imagens tridimensionais semelhantes a montanhas, num relevo mais ou menos acidentado, segundo as variações suaves ou abruptas na topografia da amostra.
Acima do local reservado à amostra em análise, há no Bioprobe uma caixa plástica azul - o coração do aparelho - na qual está inserida uma pequena peça que contém o cantílever. Abaixo da amostra, em posição invertida, há um microscópio óptico: ele fica sob a amostra para captar tanto a imagem do material analisado quanto da posição do cantílever. Ao lado da amostra, uma câmera transmite ao aparelho de TV as imagens microscópicas do cantílever em movimento.
tram em contato. Por exemplo, quando caminhamos, surgem forças de Van der Waals entre nossos sapatos e o chão. É claro que são fraquíssimas, do contrário não sairíamos do lugar. O mesmo ocorre quando encostamos a mão numa mesa ou outro material.
Então, quando o bloqueador de íons cálcio acoplado à ponta do cantílever encontra um canal de cálcio, a afinidade entre os dois aumenta um pouquinho a intensida-
onde também doutorou-se em Química Orgânica na área de síntese de medicamentos. Fez pós-doutorado em microscopia de força atômica na Escola de Medicina da Universidade Yale (Estados Unidos).
O pesquisador situa os estudos que desenvolve bem próximos dos de Hermann E. Gaub, do Departamento de Física da Universidade Técnica de Munique, Alemanha, e de Julio Fernandez, da Clínica Mayo, em Rachester, Estados Unidos. Ambos fazem
medidas de força de interação entre moléculas biológicas.
Busca do cálcio - Resta saber como Pereira constrói os biossensores com a sonda do microscópio, para mapear canais de íons na superfície das células. Tome-se como exem
Pereira e o microscópio de força atômica: intervenção nas células
Por sua metodologia de pesquisa em células vivas, Pereira foi palestrante convidado no IV Pharmatech (Congresso da Sociedade Brasileira de Tecnologia Farmacêutica - SBTF), em 1999, e teve um de seus resultados com modelagem molecular publicado na capa do livro de resumos do congresso. Já os resultados obtidos com o microscópio de força atômica
plo a procura de canais de íons cálcio, importante para o desenvolvimento de medicamentos para cardíacos. Ele põe na ponta do cantílever um bloqueador de íons cálcio: é um medicamento para o coração, que pode ser nifedipina ou um de seus derivados- nitrendipina, nicardipina ou amilodipina. Depois, passa o cantílever sobre células de Saccharomyces cerevisae- o fermento de padaria -, que servem de modelo experimental porque têm canais de cálcio similares aos das células humanas.
Para explicar o que acontece a seguir, Pereira lembra a existência das chamadas forças de Van der Waals: são forças muito fracas, que correspondem às ligações temporárias que se estabelecem sempre que dois materiais, vivos ou inertes, en-
de da força de Van der Waals no local, puxando o cantílever para b·aixo e alterando a direção do feixe de laser que vai atingir a fotocélula. Alteração tão pequena não impede o cantílever de se desprender e continuar sua exploração da amostra. Quando ele sai do canal de cálcio, a força de Van der Waals diminui novamente e altera, em conseqüência, a direção do feixe de laser. Resultado: o microscópio produz um gráfico da variação dessas forças de interação entre o medicamento e os receptores na célula - os canais de cálcio procurados.
Fabuloso - Formado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop ), Pereira fez mestrado em Bioquímica na área de metabolismo de drogas na Unicamp,
mereceram citação no livro-texto Yeast Physiology and Biotechnology, de Graeme Walker, publicado na Inglaterra, e foram capa da revista norte-americana Applied Biochemistry and Biotechnology, informa Pereira.
Em outubro do ano passado, ele esteve nos Estados Unidos para aprender mais sobre as potencialidades do aparelho. Em abril, irá a Toronto, no Canadá, para conhecer um novo tipo de microscópio, o Somatoscope: "Esse fabuloso equipamento consegue visualizar o interior de células vivas com a resolução de até 150 angstrons" (1 angstrom = w-s cm - é a unidade de comprimento da onda de luz). Ou seja, "na mesma linha do Bioprobe, de visualizar material biológico sem uso de fixador ou corante". •
PESQUISA FAPESP • JANEIRO/ FEVEREIRODE2001 • 41
CIÊNCIA
FÍSICA
Na onda do Gráviton Brasil entra na corrida para captar ondas gravitacionais do Cosmos
Com o projeto Gráviton, coordenado por Odylio Aguiar, do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um grupo de pesquisadores pretende, pela primeira vez na história, detectar ondas gravitacionais no espaço. Iniciado em maio do ano passado com financiamento de cerca de US$ 1 milhão
Escudos
Nitrogêni líquido
pagam com a velocidade da luz. Sugeridas, entre o final do século 19 e início do 20 por cientistas como Heaviside, Lorentz e Poincaré, elas foram previstas em 1916 pelas equações daRelatividade Geral de Albert Einstein.
Desde a década de 1960, quando os avanços tecnológicos permitiram que se pensasse em detectar essas ondas, os físicos imaginam dispositivos para isso e já há vários detectores envolvidos na tentativa. A proposta
O detector Schenberg
As ondas gravitacionais podem atravessar qualquer objeto praticamente sem perder energia
da FAPESP, o projeto reúne um conjunto de instituições e começa com a construção de um poderoso detector de ondas com antena esferoidal que leva o nome do físico brasileiro Mario Schenberg (1914-1990). Além dos resultados a que chegar, é um projeto importante por desenvolver, no país, uma instrumentação que
Câmaras _ _ _ criogênicas
poderá ser útil tam-bém em outras áreas.
Ondas gravitacio-
E
brasileira é a de pesadas antenas esferoidais de cobre-alumínio que operem a temperaturas entre 15 e 20 mK (milikelvins) - poucos centésimos de grau acima do zero absoluto ( -273,16.C), situação em que cessa toda a agitação atômica e, portanto, há uma ausência total de calor.
O projeto Gráviton abrange vários equipamentos do gênero. O primeiro é o detector Schenberg, que operará entre 3 e 3,4 kHz (quilohertz). Nessa
E o "1.
faixa de freqüências, "terá a sensibilidade dos grandes interferômetros de laser': revela Aguiar, "com a vantagem de ser mais barato': Os interfe-rômetros de laser são detectores que custam em torno de US$ 100 milhões, enquanto o Schenberg, do tipo ressonante, deve custar US$ 1 milhão.
nais são deformações na estrutura do espaço-tempo produzidas por massas aceleradas -por exemplo, nas explosões de estrelas supernovas ou na órbita de um sistema binário formado por duas estrelas de nêutrons - e que, segundo a Teoria da Relatividade, se pro-
Fonte: Projeto Gráviton
Revolução - Quem detectar as ondas gravitadanais deflagrará uma revolução de consequencias imprevisíveis na Física, prevêem Aguiar, do Inpe, e seus coordenadores adjuntos Nei Oliveira Jr., do Laboratório de Estado Sólido e Baixas Temperaturas (LESBT) do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), e Giorgio Frossati, da Universidade de Leiden (Holanda). Participam também pesquisadores da Universidade Bandeirantes, do Centro Federal de Ensino Tecno-
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lógico de São Paulo e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Colaboram ainda seis outras instituições do exterior e outras tantas do Brasil.
"Não é uma tarefa fácil", admite Aguiar. Fugidias como as ondas ele-
"são a força forte, responsável pela coesão das partículas nucleares e dos núcleos atómicos; a força fraca, que rege a transmutação entre partículas; a força eletromagnética, que possibilita a existência dos átomos
Aguiar e a peça da antena: abrindo uma nova janela para a observação do Universo
tromagnéticas, que viajam a 300 mil km/segundo, as gravitacionais são muito mais fracas: em torno de 36 ordens de magnitude a menos que a radiação eletromagnética. Frossati, físico italiano formado no Brasil e especialista em criogenia, faz uma analogia entre a radiação eletromagnética, decifrada entre os séculos 19 e 20, e a gravitacional: "As ondas eletromagnéticas podem ser vistas como bolas de bilhar que se deslocam na superfície plana da mesa, representando as dimensões que conhecemos, enquanto as ondas gravitacionais teriam a liberdade de perfurar o plano da mesa, para cima e para baixo". Nesse padrão, elas fugiriam para outras dimensões, o que está de acordo com a teoria das supercordas, que defende a existência de múltiplas dimensões nos primeiros estágios do Universo, quando as quatro forças básicas da natureza teriam sido uma só. Tais forças, lembra Aguiar,
e das estruturas moleculares e cristalinas; e, finalmente, a força gravitacional, responsável pela formação das galáxias, estrelas, planetas e demais corpos no Universo".
Bruxaria- O conhecimento da natureza das ondas gravitacionais seria a resposta que Isaac Newton não pôde dar, no século 17, aos críticos cartesianos que o acusaram de "bruxaria" quando anunciou sua Teoria da Gravitação Universal.
A distorção da estrutura espaçotempo pela presença de um corpo de grande massa, prevista na Teoria da Relatividade Geral, foi confirmada em 29 de maio de 1919 no eclipse total do Sol observado por uma equipe internacional em Sobral, no Ceará.
Até agora, as evidências de ondas gravitacionais são indiretas. Na década de 70, cientistas americanos observaram, com o radiotelescópio de 305 metros de Arecibo, em Porto Rico, um decréscimo de 76 micras-
segundos ao ano na órbita do sistema binário PSR1913+ 16, formado por um pulsar e uma estrela de nêutrons, ambas estrelas colapsadas. A variação de rotação do sistema foi explicada pela emissão de ondas gravitacionais.
Segundo Frossati, a eventual detecção da ondulação do espaço-tempo "trará profundas reformulações do micro ao macrocosmo e na área da física de partículas, consolidando desde abordagens como a teoria das supercordas até um novo mapeamento e conhecimento do Universo'~ A teoria das supercordas sustenta que os constituintes básicos da matéria, os quarks, nascem da vibração de cordas infinitamente pequenas - os tijolos básicos do mundo, gerados como as notas produzidas pela vibração das cordas de um piano. Da combinação de vários tipos de quarks são constituídos os prótons e nêutrons, partículas que formam o núcleo atómico e, envoltas por camadas de elétrons, compõem o mundo conhecido.
Frossati viveu no Brasil dos 8 aos 30 anos e estudou no Instituto de Física da USP. Hoje, enquanto observa a paisagem arborizada pelas janelas de vidro do edifício Mario Schenberg, na Cidade Universitária, ele adverte que o projeto "pode parecer pura ficção científica" e discorre sobre os desdobramentos possíveis da detecção de ondas gravitacionais, como a possibilidade de essas ondas "fugirem para outras dimensões"
Liga de sino - "Não só as primeiras detecções serão importantes': afirma Aguiar. ''A observação regular dessas ondas vai ser tão ou mais importante, pois elas carregam informação do Cosmos que não pode ser obtida através da detecção das ondas eletromagnéticas (microondas, infravermelho, luz, raios gama, etc). Portanto, a detecção dessas ondas gravitacionais vai abrir uma nova 'janela' para a observação do Universo."
O desenvolvimento dessa nova geração de detectores de ondas gravitacionais baseia-se em antenas resso-
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nantes esferoidais construídas com uma liga de cobre (94%) e alumínio ( 6%). "Em trabalho recente, o grupo da Holanda demonstrou que essa liga combina uma alta capacidade ressonante (como a liga de um sino) com uma alta condutivida-de térmica. Esta últi-ma propriedade permitirá que a antena seja resfriada até temperaturas tão baixas. Resfriar a antena é importantíssimo para minimizar o ruído térmico. Um dos grandes trunfos dessa nova geração de antenas é o de que serão resfriadas a temperaturas quase uma ordem de grandeza abaixo das antenas existentes- a mais fria delas, a Náutilus no Instituto Nacional de Física Nuclear (INFN), em Frascati, Itália, funciona a cerca de 100 mK", salienta Oliveira.
Projeto ômega- O plano mais ambicioso da equipe de Aguiar é produzir três detectores esferoidais no Brasil, de tamanhos diferentes e, conseqüentemente, faixas de fre-
CUFFORO M. WILUPHYSICS TODAY, OUTUBRO 1999
Esquema das ondas gravitacionais: resultado de eventos como uma explosão de supernova
quência diferentes. O Schenberg é o primeiro; depois, virão o Newton e o Einstein, e o conjunto formará o Observatório Brasileiro de Ondas Gravitacionais.
Haverá três unidades do porte do detector Schenberg, com 65 centímetros de diâmetro e 1.150 quilogramas. A primeira já toma forma na fundição Italbronze, de Arujá. O Newton terá o dobro do diâmetro do Schenberg e o Einstein será ainda
Os detectores em ação Há dois tipos principais de
detectores de ondas gravitacionais em operação: os de ressonância de barra e os de laser. Atualmente, entre os mais sensíveis em operação há cinco de ressonância de barra e um de laser. Estão em fase final, para início de operação, quatro a laser (interferômetros) e em construção três esferoidais, entre eles o brasileiro Schenberg.
Em janeiro de 1960, o físico norte-americano Joseph Weber propôs os instrumentos de ressonância de barra e o primeiro entrou em operação cinco anos depois. Um detector de barra é deformado por uma onda gravitacional: transdutores, ou acele-
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rômetros, acoplados à sua super- · fície, transformam essa deformação num sinal elétrico que pode ser interpretado.
Uma analogia para um detector de ressonância são as bolas infláveis de aniversário. Uma pessoa que ponha as mãos sobre sua superfície pode sentir as vibrações sonoras - que são deformações no ar- produzidas por uma fonte como música em alto volume. No caso, os transdutores seriam as mãos, que transportam um sinal mecânico para o cérebro.
Detectores esferoidais atuam baseados no mesmo princípio dos de barra, com a diferença de, em princípio, poderem registrar ondas originárias de qualquer di-
maior: 3 metros de diâmetro e 100 toneladas. Cada versão significa um
desafio, tanto de construção como de resfriamento.
As três unidades do primeiro tamanho
de detector, todas produzidas na Italbronze,
integrarão o projeto Ômega, uma rede internacional de de
tectores esferoidais. O Schenberg ficará no LESBT do Instituto
de Física da USP, no edifício que leva o nome do físico brasileiro. Os outros, Mini-Grail eSfera, serão instalados, respectivamente, na Universidade de Leiden, Holanda, e no Instituto Nacional de Física Nuclear em Frascati, Itália. O trabalho com três instrumentos similares, na mesma faixa de freqüência, é necessário para assegurar a confiabilidade das medidas, justificam Frossati e Aguiar.
Garrafa térmica - Os desafios de construção e resfriamento começam com a fundição da liga cobre-alumínio, cuja composição Frossati define como a que oferece a melhor resso-
reção, enquanto os de barra estão restritos a observações em direções próximas dos planos perpendiculares à barra. Os de laser podem registrar diretamente as deformações do espaço-tempo, mas têm custos proibitivas para a realidade brasileira. Aguiar acrescenta: "Além disso, os detectores esferoidais são capazes de determinar, cada um deles sozinho, a direção de onde vem a onda e a sua polarização (sua forma de deformar o espaço). Os detectores laser, por exemplo, precisam estar trabalhando em conjunto (pelo menos quatro deles), para obter a direção e a polarização da onda. A grande vantagem dos interferômetros laser, que justifica o grande custo deles, é a observação simultânea de uma grande faixa de freqüências num único detector':
e seu custo deve subir para US$ 7 milhões.
nância para as ondas gravitacionais. Mas fundir um corpo como esse, reconhece, "envolve dificuldades como o aparecimento de defeitos capazes de alterar os padrões mecânicos desejados". A solução encontrada pela Italbronze foi fundir blocos em forma de cilindro, em que eventuais falhas estruturais tendem a se deslocar para as partes superiores da peça, que "estão sendo cortadas como Frossati e Oliveira: em busca da "foto instantânea" do Big Bang
Começar com detectores menores e mais baratos, com a intenção de chegar aos grandes, mais sofisticados e eficientes, é o rumo do projeto Gráviton. Mesmo o Schenberg deve passar por duas fases: a Granted, formada pelas iniciais, em inglês, de "demonstração tecnológica de antena para radiação gravitacional"; e a Detector, quando o instrumenrecurso para eliminar
as falhas e assegurar o desempenho desejado", informa Aguiar.
O resfriamento de uma peça de mais de uma tonelada a poucos centésimos de grau acima do zero absoluto requer uma infra-estrutura de criogenia considerável. Por isso a antena será montada no LESBT da USP, liderado por Nei Oliveira. "Será a maior massa já resfriada a essa temperatura em todo o mundo" diz. E acrescenta que com projetos desse tipo "o Brasil participa do circuito internacional de alta tecnologia científica".
Após o Schenberg, as dificuldades com as antenas maiores devem aumentar, tanto nos processos de fundição como nos de resfriamento. Aguiar se refere ao trabalho de resfriar não uma, mas 100 toneladas, num curto período de tempo. Para isso, o Schenberg estará confinado numa espécie de garrafa térmica gigante, no laboratório de criogenia. Banhado por gás hélio, numa técnica conhecida como convecção forçada, em três dias e meio terá atingido a temperatura de operação. Esse curto tempo de resfriamento é uma das principais vantagens desse detector, argumenta Oliveira. Em caso de mudança de configuração, acrescenta, "não será necessário esperar os meses que seriam exigidos para os detectores maiores".
No Guinness- No resfriamento entram as habilidades de Frossati, que nos anos 80 bateu o recorde na obtenção de baixas temperaturas contínuas, conseguindo menos de dois milikelvin acima do zero absoluto, e assim entrou para o Guinness Book, o livro dos recordes.
Para desenvolver o Einstein, no entanto, o tempo de resfriamento deverá aumentar para um mês e a "garrafa térmica" onde ele deve ser acondicionado crescer para um volume significativo. Isso, segundo Aguiar, "exigirá um edifício muito maior que o do laboratório da u·sp, equipado com guindastes especiais para fazer seu deslocamento". O Einstein, diz, deverá aumentar a sensibilidade em energia de detecção do Schenberg por um fator 100
O PROJETO
O Detector Mário Schenberg: Proposta para o Projeto, Construção e Operação de um Detector de Ondas Esferoidal de 0,6 Metro de Diâmetro
MODALIDADE
Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADOR
0DYLIO DENYS DE AGUIAR - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
INVESTIMENTO
R$ 820.551,75 e US$ 563.000,00
to entrar em operação, o que deve ocorrer antes de maio de 2004.
"Na faixa de 3.0 a 3.4 kHz, obrasileiro Schenberg, o holandês MiniGrail e o italiano Sfera têm tudo para virem a ser os mais sensíveis do mundo, pois todos os interferômetros laser de longo caminho óptico que estão entrando em operação vão ter muito ruído nessa faixa", afirma Aguiar. "Além disso, vamos aprender como fazer detectores ainda mais sensíveis em outras faixas de freqüências", completa Aguiar.
Os pesquisadores comparam a detecção de ondas gravitacionais ao surgimento da radioastronomia. "Se observar o Universo em comprimentos de ondas rádio desenhou um novo mapa do Cosmos, a observação de ondas gravitacionais deverá ampliar esses horizontes", afirma Frossati. Ele acha que, como a radioastronomia fez utilizando as microondas, também será possível registrar ondas gravitacionais do Big Bang, a explosão inicial da criação do Universo.
''A diferença': diz Oliveira, "é que, enquanto as ondas eletromagnéticas fornecem uma 'foto' de quando o Universo tinha 300 mil aninhos de idade, as ondas gravitacionais em microondas vão fornecer a 'foto' do Universo no momento exato do seu nascimento. Algo que não poderá deixar de ir para o álbum da ciência': •
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TECNOLOGIA
Software ajuda prefeitos a avaliar custo do lixo
Os valores que as cidades paulistas pagam atualmente às empresas coletoras de lixo têm uma variação enorme -de R$ 13 a R$ 120 por tonelada, com média de R$ 37. Agora, foi criado um instrumento para tentar solucionar a questão: um software que dá às prefeituras o controle dos parâmetros, especialmente custos, do serviço de coleta de lixo. Uma equipe da Divisão de Tecnologia de Transportes do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) desenvolveu o software PlanLix a partir do projeto Determinação de Metodologias de Índices de Custos
Lixo sendo recolhido: São Paulo terá projeto mais detalhado
Anestésico eficiente com menor risco
Um anestésico local mais eficiente no combate à dor, com resultado mais rápido e prolongado, além de efeitos cola-
para Coleta e Transporte de Lixo Domiciliar Urbano. Segundo o coordenador do trabalho, Sérgio Inácio Fer-
Universidade de São Paulo (USP). Em testes feitos com ratos, a simocaína mostrou ser de 30% a 40% menos cardiotóxica- ou seja, diminui o risco de parada cardíaca induzida por anestesia. Como
Maria Simonetti: pedido de patente
alguns outros anestésicos, a simocaína baseia-se no uso de isômeros, moléculas que se organizam aos pares de forma invertida. Tanto os isômeros chamados "bons" como os "ruins" -estes, os responsáveis pelos efeitos colaterais nocivos -
terais mais leves: é a simocaína, o primeiro anestésico brasileiro, desenvolvido em pesquisa coordenada por Maria Simonetti, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da
são necessários para a eficácia do anestésico. O segredo da simocaína vem de uma recombinação de 75% de isômeros bons com apenas 25% de ruins. Resta estudar os efeitos do novo anestésico so-
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reira, o software foi desenvolvido por amostragem a partir de "radiografias" exatas de algumas cidades e dos da-
bre o ser humano. A USP já deu entrada em pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), para que se possa passar à produção ém parceria com alguma empresa. •
Teste masculino de infertilidade
Em cerca de um terço dos casos de infertilidade, o problema é masculino. Um novo exame de esperma verifica a presença da proteína ubiquitina, que indica espermatozóides com problemas. Altos níveis de ubiquitina significam um problema de infertilidade do homem. Anunciado no fim de janeiro por cientistas americanos e japoneses, o novo teste pouparia as mulheres de exames repetidos e tratamentos desnecessários, em casos de casais in-
dos principais de outras. O PlanLix baseia-se em três parâmetros: dados da cidade (como população, relevo e escolaridade), custos (como manutenção da frota e administração) e índices medidos em campo (como consumo por quilômetro, extensão de roteiros, preços de combustível e vida útil). O software cruza esses dados e prevê a planilha de custos mais adequada a cada situação. São Paulo, segundo Ferreira, é um caso à parte. "A capital paulista ficou para um projeto mais detalhado, que poderá ser discutido com a prefeitura", diz. •
férteis. Os estudos iniciais, publicados no jornal Human Reproduction, envolvem os pesquisadores Peter Sutovsky, da Universidade de Ciências da Saúde de Oregon, e Yukihiro Terada, da Universidade Tohoku, que estão ampliando a abrangência dos testes do novo exame para confirmar os resultados. •
Lula em lata, uma técnica nacional
Uma tecnologia de custo baixo para a conservação de frutos do mar é o objetivo de um projeto em desenvolvimento na Embrapa Agroindústria de Alimentos, ligada ao Ministério da Agricultura. No caso da lula, a tecnologia está quase pronta - estudos preliminares constataram uma economia de 45% em relação ao produto importado exis-
tente no mercado. "A lula é conservada apenas em água e sal'', diz a pesquisadora Angela Furtado, responsável pelo projeto, e acrescenta que já há indústrias brasileiras interessadas. A pesquisa da lula enlatada terminará em um ano, depois da fase de testes sensoriais: o prazo é necessário para verificar se o produto mantém as características de gosto, cor e cheiro ao fim desse período. •
Satélites como usinas geradoras
Num satélite geoestacionário, a 36 mil quilómetros da superfície, dois gigantescos painéis solares, com área de 3 quilómetros por 1 quilómetro cada um, captam energia solar e a enviam à Terra. Essa energia - 1 milhão de quilowatts por segundo, o equivalente à produção de uma usina nuclear - vem em forma de microondas emitidas por uma antena de cerca de 1 quilómetro e captadas por receptores enormes instalados no mar ou num deserto. Esse é o projeto que o governo japonês começará a estudar em abril, para tornar-se operacional em 2040. Cada satélite pesaria 20 mil toneladas e custaria US$ 17 bilhões. Um dos objetivos é evitar o aquecimento global produzido pelas usinas termelétricas. Espera-se ainda reduzir o custo da geração que, pelos cálculos
de hoje, seria duas vezes maior que o da energia nuclear ou térmica. A Nasa, agência espacial americana, já estudara essa possibilidade nos anos 70, mas não chegou a lançar um projeto. •
UFRJ produzirá osso e cartilagem
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - que, ao completar 80 anos em janeiro, recuperou o nome de Universidade do Brasil - está instalando um centro de engenharia de tecidos inédito na América Latina. Criado como desdobramento do Banco de Células, que há seis anos produz pele humana, insulina e hormónio do crescimento, o novo centro produzirá partes de ossos e cartilagens a partir de pequenas amostras de tecido do próprio paciente. A técnica da equipe do biólogo Radovan Borojevic, iniciador do Banco de Células, permite reconstituir a região bucomaxilar, muito atingida em acidentes de motocicleta. O próximo projeto da equipe da Universidade do Brasil/UFRJ é pes-
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quisar uma tecnologia para desenvolver tecidos celulares do coração, para reverter as cicatrizes arteriais causadas por infartos. •
Fogão solar diminui consumo de lenha
Uma solução engenhosa e barata para cozinhar alimentos utilizando apenas energia solar foi apresentada ao Ministério do Meio Ambiente no começo de janeiro pelo engenheiro civil e professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba(UFPB), Arnaldo Moura Bezerra. O fogão solar é um aparelho feito de folhas de alu
nha 250 gramas de arroz em 38 minutos e SOO gramas de feijão em 1 hora e 40 minutos. "O aparelho é próprio para regiões áridas, onde há muito sol e pouca lenha", diz Bezerra, que gastou R$ 150 para fazer o protótipo. Industrializado, ele acha que será possível vender a R$ 60 a unidade. Bezerra diz que há um empresário interessa-
mínio fixadas so- Fogão solar: uma panela de cada vez bre uma superfí-cie de fibra de vidro em forma de parabólica. Com o sol a pino, a energia solar é captada pelo aparelho e dirigida para o ponto onde a panela é colocada. O fogão ferve água em 15lninutos, cozi-
do em fabricar o aparelho. Invenção antiga, o fogão solar não foi criado por Bezerra. Em 1973, um protótipo havia sido construído no Laboratório de Energia Solar da UFPB. •
Empresa registra 2.886 patentes A IBM registrou o número recorde de 2.886 patentes em 2000, nos Estados Unidos. Maior do mundo em tecnologia de informação, a empresa lidera o ranking de patentes pelo oitavo ano consecutivo, com sistemas de computação e de redes, grandes servidores, semicondutores, microprocessadores, chips de memória e aplicações de software e armazenamento. Entre as patentes do ano passado destacam-se:
• Método de armazenamento holográfico que melhora o contraste entre os pixels brilhantes e os escuros e elimina o desagradável sinal eletrónico dos escuros;
• Sistema de reconhecimento de voz para execução de uma série de comandos específicos independentemente do texto expresso;
• Sistema de distribuição de tarefas para que computadores conectados pela Inter-
net executem funções em tempos de inatividade;
• Percepção de aromas associados a sinais de vídeo recebidos pela Internet e ativados por meio de uma paleta de essências acoplada ao computador;
• Indutor espiral de circuito integrado com revestimento ferromagnético para ser integrado a chip de silício, ocupando uma área menor que a usual. •
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TECNOLOGIA
Anel de 20 metros de diâmetro que servirá de base para a cúpula do Soar recebe acabamento na indústria Atlas em São Paulo
No caminho da inovação Indústria nacional desenvolve novos produtos para projetas de pesquisa
S UZEL T UNES
Em março, cinco caminhões vão partir de São Paulo com desti
no ao Chile, numa viagem pelas estradas perigosas da Cordilheira dos Andes transportando a cúpula superior do Southern Observatory for Astrophysical Research (Soar) ou Observatório para Pesquisa Astrofísica do Sul. Resultado de um acordo entre Brasil e Estados Unidos, o Soar está em construção na região de Cerro Pachón, uma grande área quase desértica que tem céu limpo, sem nu-
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vens, em praticamente todas as noi: tes do ano, facilitando assim a pesquisa astronômica. A importância da cúpula, além de proteger o telescópio de 4,2 metros de diâmetro, um dos maiores do mundo, foi proporcionar o desenvolvimento tecnológico de quatro empresas brasileiras que estiveram envolvidas na elaboração, fabricação e testes desse equipamento. O projeto é um bom exemplo da participação do Estado na compra de equipamentos de precisão e de tecnologia de ponta necessários à pesquisa científica, favorecendo o desenvolvimento de empresas brasileiras, principalmente as de pequeno porte.
A cúpula, também chamada de domo, possui 20 metros de diâmetro e 14 metros de altura e será transportada para o Chile em forma de kits. Ela te-
ve um orçamento de R$ 3,5 milhões, valor administrado pela Equatorial Sistemas, a prime contractor (empresa que gerencia todo o projeto) da parte brasileira do Soar. A escolha da empresa foi do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que representa o Brasil no acordo com os Estados Unidos.
O Brasil participa desse projeto com um investimento total da ordem de US$ 14 milhões. Desse total, US$ 4 milhões são de financiamento da FAPESP. O restante foi levantado pelo LNA com as agências financiadoras congêneres à fundação, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, além das federais Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e CNPq.
Para o engenheiro César Celeste Ghizoni, diretor da Equatorial, a participação da empresa no Programa Sistema de Observação da Terra (EOS) , da Nasa, a agência espacial americana, foi decisiva para que fosse escolhida como a prime contractor do projeto Soar. A Equatorial desenvolveu para a empresa inglesa Matra Marconi Space o HSB - Humidity Sounder for Brazil -, um sensor de umidade, contendo informações específicas sobre o clima do país, que voará a bordo do satélite Acqua, atualmente em fase de integração e testes nos Estados Unidos. A Equatorial também está presente no projeto
Ghizoni: óptica e eletrônica
China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS), ou satélite sino-brasileiro de recursos terrestres, resultante de um acordo assinado em julho de 1988, entre Brasil e China, para o desenvolvimento de um sistema de sensoriamento remoto que cubra as vastas extensões territoriais dos dois países. O CBERS-1 foi lançado em 1999 e o 2 deve ir ao espaço em outubro deste ano.
Campo de visão - Para os dois satélites, Ghizoni, que havia trabalhado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) até 1991, especializandose nas áreas de eletrônica e óptica an-
tes de seguir carreira empresarial, desenvolveu um instrumento, o WFI -Wide Field Imager, ou imageador de largo campo de visão. É uma câmera que cobre uma faixa de 890 km de largura, fornecendo imagens com resolução de 260 metros, permitindo que, em cinco dias, seja possível obter uma cobertura completa do globo terrestre.
No projeto Soar, a Equatorial desenvolveu os controles eletrônicos dos mecanismos de abertura do domo e subcontrata empresas para as outras áreas. De seus 30 funcionários- entre eles dois doutores, quatro mestres e dez engenheiros-, sete tra-
Gonçalves: antecipar produtos
balham no projeto em período integral. Para o projeto mecânico e desenhos de fabricação do domo, Ghizoni convidou a empresa Fibraforte, também de São José dos Campos. "A cúpula esférica dispensa estrutura, que seria mais trabalhoso para fabricar. Ela é feita de painéis que se encaixam uns aos outros e garantem perfeito isolamento térmico", explica Jadir Gonçalves, presidente da Fibraforte, que fundou a empresa em 1994, após sair do Inpe, onde iniciou carreira no setor espacial em 1986.
Para a fabricação do anel de aço de 50 toneladas que serve de base para a cúpula, a Equatorial contra-
tou a Santin, indústria metalúrgica de Piracicaba especializada em equipamentos de grande porte para o setor sucroalcooleiro e petrolífero. A Santin, por sua vez, conta com a Metalúrgica Atlas, de São Paulo, para a usinagem (correção de imperfeições) de um anel de 20 metros de diâmetro que servirá de base para o domo. "Esse tipo de serviço foi um dos maiores, senão o maior na área de usinagem realizado no Brasil", afirma o engenheiro Francisco Moraes, gerente do projeto Soar na Equatorial. A Atlas teve que reconfigurar um gigantesco torno vertical para adaptálo à capacidade máxima.
Teste final - O domo foi montado e testado na Santin, que adaptou suas instalações, distribuídas em uma área de 1 O 1 mil metros quadrados, para a construção de bases de apoio para a montagem. Para Moraes, a Equatorial e a Fibraforte, tradicionalmente envolvidas com as delicadas estruturas de um satélite, tiveram a oportunidade de desenvolver um projeto de 50 toneladas. Já empresas metalúrgicas, como a Santin e a Atlas, aprenderam a ter, com essa estrutura gigantesca, mas sofisticadíssima, os mesmos minuciosos critérios de qualidade que se aplicam às pequenas estruturas da indústria espacial e de astronomia. As empresas também não se mostraram entusiasmadas pelo lucro imediato, mas pelo desafio tecnológico e o retorno em termos de imagem institucional. A Equatorial, por exemplo, trabalha com uma margem de lucro que considera baixa, em torno de 15%.
Na área de astronomia, além do Soar, outro projeto importante é o Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos (veja Pesquisa FAPESP 56), instalado na província de Mendonza, na Argentina, e mantido por 20 países, inclusive o Brasil, que contribui com a fabricação de tanques de resina especial que detectam raios cósmicos. O fabricante desses detectores, que somam 20 unidades, é a empresa paulistana Alpina Equipamentos Indus-
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triais. Nesse caso, a FAPESP já financiou US$ 1,6 milhão, num período de três anos, sendo que US$ 1 milhão são para a compra de equipamentos, e o restante para bolsas de doutoramento e pós-doutoramento.
Investimento no futuro - Para atingir a excelência na produção de equipamentos para a área científica, as empresas diversifteam suas atividades. Elas buscam capacitação técnica e financiamento. Esse foi um dos motivos que levaram a FAPESP, em 1997, a criar o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). "É importante fomentar o desenvolvimento de empresas voltadas para a instrumentação de precisão. A competência nessa área é um subproduto importante de projetos científicos como o Soar", afirma o professor José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP.
"O financiamento permite que a pequena empresa dê um passo adiante. Podemos estar antecipando algum produto que será fundamental
Refrigerador baixa temperatura no interior do satélite
D esenvolver um sistema de refrigeração de satélites baseado no
fenômeno termoacústico. Esse foi o desafio da Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, ao dar entrada, na FAPESP, em 1997, de um pedido de financiamento dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Hoje, o equipamento já tem vários protótipos. O engenheiro Humberto Pontes Cardoso, coordenador do projeto dentro da empresa, explica que o equipamento servirá para manter os detectores de câmeras infravermelhas (que mapeiam o solo de um corpo celeste) trabalhando na temperatura ideal para esse tipo de equipamento,
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na hora de conquistar o próximo contrato tanto na área científica como fora dela. Essa foi uma das motivações que nos levaram a buscar apoio das agências financiadoras", afirma Gonçalves, da Fibraforte. A empresa possui um projeto no PIPE, como a Equatorial (veja quadro), para desenvolver um software para a análise e otimização de estruturas. "Otirnizar estrutura é, basicamente, conseguir o máximo de desempenho com o mínimo de peso, uma aplicação de interesse óbvio para a área aeronáutica': explica Gonçalves. O trabalho, que utiliza conceitos de inteligência artificial, visa a desenvolver ferramentas que automatizem o processo. "A expectativa de mercado para a ferramenta e metodologias a serem desenvolvidas é de mais de US$ 1 milhão somente no mercado nacional:' Gonçalves lembra que a idéia do projeto nasceu a partir de um trabalho semelhante realizado para a Embraer. A Fibraforte tem para esse projeto
em 190 graus celsius negativos. Assim, quando o satélite estiver sob ação dos raios solares, o refrigerador terá que diminuir a temperatura de cerca de 15 graus positivos - média de temperatura da parte interna do satélite - para -190° C.
- Desenvolvimento de Ferramenta para a Otimização de Estruturas- um financiamento aprovado da FAPESP de R$ 139,6 mil e US$ 71 mil.
Laboratório no espaço - A capacitação de empresas tecnológicas facilita a execução de projetos de grande amplitude, principalmente no setor aeroespacial. ''A empresa privada tem mais agilidade do que o órgão público para a contratação de empresas e outros procedimentos burocráticos", afirma Petrônio Noronha de Souza, coordenador, no Inpe, do programa brasileiro para a Estação Espacial, um imenso laboratório orbital que está em
Cardoso, engenheiro mecâ- Cardoso: soluções para troca de calor no vácuo
nico com doutorado em ciên-cias térmicas, explica que, na terra, as transferências de calor são, comumente, realizadas com o ar. No vácuo, é necessário encontrar um outro meio de troca calórica. Aproveita-se, então, a energia mais abundante de um satélite, a elétrica. Ela se transforma em energia acústica, que é responsável pelo resfriamento. "Num refrigerador doméstico, o gás é comprimido até virar líquido, para trocar calor com o ar atmosférico. No refrigerador de satélite, a onda sonora produzida pela vibração é que vai gerar resfriamento", explica Cardoso.
O primeiro protótipo fabricado pelo pesquisador compõe-se, basicamente, de três componentes: um ressoador, que é um tubo cheio de gás hélio e xenônio, um acionador ou driver, que é um pequeno alto-falante, e um defasador termoacústico, o DTA, dispositivo responsável por transformar energia acústica em térmica. Quando se aciona o alto-falante com a freqüência adequada (utilizando a energia elétrica do satélite), ele vibra, produzindo ondas sonoras sobre o gás, que troca energia térmica com o DTA, sofrendo resfriamento. ''A retirada lí-
construção, bancado por 16 países. O Inpe tem a função de gerenciar
e supervisionar o trabalho, sob delegação da Agência Espacial Brasileira (AEB). O Brasil vai fabricar seis equipamentos, dos quais o mais importante é o Express Pallet, ou Palete Expresso, uma espécie de bancada para experimentos. É uma estrutura de 1 tonelada que será fixada numa treliça externa da Estação Espacial, deixando experimentos sujeitos a condições de microgravidade, favorecendo o estudo das estruturas moleculares de vários grupos de substâncias.
''A estratégia para este projeto foi procurar uma grande empresa que pudesse se responsabilizar por todos os detalhes de execução da obra': explica Noronha. A empresa brasileira que foi escolhida para gerenciar todo o trabalho (a prime contractor) foi a Embraer, depois de um processo de pré-qualificação executado pelo Inpe. A empresa já contatou 15 empresas para estudos preliminares. A cada uma delas pediu que elaborasse planos hipotéticos nos quais pudes-
sem ser avaliados reqmsttos como qualidade e segurança. A tarefa foi completada em agosto. As previsões mais otimistas são de que, ainda no primeiro semestre deste ano, a Embraer faça propostas concretas às empresas. Contudo, como todo vôo inicial, a experiência solo da prime brasileira deverá começar de forma tímida e cuidadosa. Ronaldo Bolonha, o responsável pelo projeto da Estação Espacial na Embraer, não arrisca datas e faz questão de frisar que o negócio principal da empresa é a construção de aeronaves. ''A nossa participação na Estação Espacial parte da premissa de que ela não interfira negativamente nas operações atuais", declara.
Análise setorial - Agências espaetats como a Nasa, dos Estados Unidos, ou o Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES), da França, planejam as atividades do programa, mas é a indústria que fica a cargo do desenvolvimento. "No caso brasileiro, a situação é diferente. Ainda são con-
~
é cada mesma forma que o al~ to-falante. O novo protóti-8 po, segundo o pesquisador,
tem a vantagem de ser m,ais leve que o primeiro, mas ele ainda está estudando qual modelo terá maior eficiência.
Dois protótipos foram montados por Cardoso com diferentes tipos de tecnologia e peças nacionais
Até o momento não há no mercado nenhum desses dispositivos qualificados
para vôo. "Os países mais desenvolvidos já dominam um sistema de refrigeração de alto custo adequado para refrigeração de sensores de mísseis que tem vida útil reduzida para um ou dois dias. Mas para o uso em satélites, que ficam em órbita por até dez anos no espaço, são soluções caríssimas. Há uma grande corrida por esse tipo de equipamento com menor custo e processos de fabricação mais simples': afirma o pesquisador.
quida é proporcional ao trabalho realizado pelo som ao se deslocar pelo gás': explica Cardoso. Num segundo protótipo, o pesquisador trocou o alto-falante por outro tipo de acionador, um cristal piezelétrico, material que tem a característica de crescer, quando recebe voltagem positiva, e encolher, ao receber voltagem negativa. Isso acontece porque esse cristal tem a propriedade de alterar suas dimensões quando submetido a diferenças de voltagem. Esse movimento provoca vibrações sucessivas, transformando energia elétrica em acústi-
O projeto tem um orçamento de R$ 260 mil. Os testes no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
tratadas empresas de consultaria fora do país e os satélites são construídos pelo Inpe", afirma o economista André Tosi Furtado, professor do Departamento de Políticas Científicas e Tecnológicas da Unicamp. Ele pesquisa o projeto CBERS e constatou que o papel de desenvolvimento do projeto conceituai, elaboração da metodologia, testes e integração ficou quase todo a cargo do Inpe. Ele é o autor do projeto de pesquisa Avaliação dos Impactos Econômicos do Programa CBERS: um Estudo dos fornecedores do Inpe financiado pela FAPESP. "O instituto sempre quis . . . que as empresas nacwnms assumts-sem todo o sistema, mas sem grande sucesso até agora."
Segundo Tosi, embora limitado, o projeto provocou um salto de qualidade nas empresas nacionais participantes do CBERS. ''Até agora, o projeto custou US$ 300 milhões, sendo um terço, quase US$ 100 milhões, financiado pelo Brasil. Dessa parte, 85% dos custos ficaram no próprio país, pagos a empresas brasileiras': lembra.
O PROJETO
Desenvolvimento de Refrigeradores Baseados no Fenômeno Termoacústico
MODALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)
COORDENADOR
HUMBERTO PONTES (ARDOSO -
Equatorial Sistemas
INVESTIMENTO
R$ 260.135,00
devem ser feitos em agosto ou setembro deste ano. Depois, a meta é conseguir uma vaga em experimento do Inpe e mandar um protótipo ao espaço. "Esta tecnologia, além de ser muito promissora para a aplicação espacial, pode ser uma boa alternativa para os refrigeradores domésticos, pois substitui o CFC pelo gás hélio, que é inerte e não agride a camada de ozônio", afirma Cardoso.
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 51
Tos i: fabricação de satélites como o CBERS (acima) exige das indústrias uma
forçosa aprendizagem organizacional
Não por acaso, o investimento dos recursos brasileiros destinados à compra de produtos e serviços do próprio país foi uma das cláusulas estabelecidas no contrato com os chineses.
Embora sua pesquisa ainda esteja em andamento, Tosi já é capaz de destacar ganhos importantes em aprendizagem e desenvolvimento de tecnologia. "Os elevados requisitos de documentação exigidos pelo Inpe na fabricação de equipamentos para os satélites levaram as empresas a uma forçosa aprendizagem organizacional. Essas metodologias foram incorporadas pelas empresas nas atividades de concepção, desenho e na fabricação, garantindo melhora dos padrões de qualidade dos produtos e processos, trazendo maior segurança na hora do desenvolvimento de novos projetos."
"O Inpe não tem interesse em fabricar satélites. A tendência natural do instituto não é virar uma fábrica, mas um vetor para dinamizar a área industrial do Brasil. Somos a cabeça do sistema", afirma José Raimundo Braga Coelho, gerente de programa do CBERS. Ele lembra que, há cerca de 15 anos, o Inpe iniciou um programa de qualificação com o objetivo de transferir tecnologia para as empresas. "Havia inicialmente uma licitação para as empresas que quisessem ser qualificadas. Quando
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surgiam os contratos, ter passado pelo programa creditava pontos na licitação pública", conta ele.
Uma das primeiras empresas qualificadas nessa fase foi a Digicon, de Gravataí, Rio Grande do Sul, especializada em automação indus·trial. Hoje, ela tem em seu currículo a construção dos painéis solares do SCD-2 (lançado em 1999), dos Satélites de Aplicações Científicas (Saci) 1 e 2 (o 1 ficou perdido em órbita e o 2 explodiu junto com o foguete que o lançava ao espaço) e dos dois satélites CBERS. No segundo satélite sino-brasileiro, que está em montagem no LIT, fez também a estrutura externa e a caixa de fibra de carbono e alumínio que guarda os equipamentos do satélite.
Quebra-cabeça - Mas, em 1989, a proposta de construção dos painéis solares do SCD-2 pareceu um desafio quase inatingível. "Havíamos contratado uma empresa alemã para a fabricação dos painéis solares do SCD-
1 (o primeiro satélite brasileiro lançado em 1993). Mas fizemos questão de que vários especialistas brasileiros acompanhassem a fabricação. O pessoal aprendeu os passos principais e depois teve que quebrar a cabeça para reproduzi-los aqui': lembra Jânio Kono. O diretor da empresa, Corrado Lachini, ainda se diverte com as lembranças desse tempo pioneiro. "Fomos à Alemanha e a empresa abriu completamente as portas, pois achavam que não iríamos conseguir ", conta ele.
Constituídos por milhares de plaquinhas de silício vindas da China, os três painéis do CBERS-2 serão capazes de gerar 1100 w de energia elétrica para o funcionamento dos equipamentos de bordo. É energia suficiente para ligar cerca de dez televisores ao mesmo tempo. Para tocar as atividades do ramo espacial, a Digicon tem um departamento específico, o Setor de Tecnologias Avançadas, que já contou com 13 pessoas. Hoje são sete profissionais, entre engenheiros e técnicos, que, no momento, estão espalhados por outros setores da empresa, enquanto não surgem novos contratos. O que garante a sobrevivência do grupo Digicon é a fabricação de sistemas de controle de tráfego veicular, catracas inteligentes, automação bancária e processadores de cheque, entre outros produtos. A empresa é também uma das participantes do programa de pré-qualificação para a Estação Espacial.
Fica no país -Ter o espaço como campo de trabalho é um objetivo que muitas empresas brasileiras estão tomando como meta. Desenvolvendo tecnologia, aprimorando o quadro de profissionais e cumprindo a função de fornecedoras para os grandes projetos das áreas astronômica e espacial. Assim, evita-se que o investimento necessário saia do Brasil na compra de equipamentos importados e, melhor, cria-se tecnologia local. Na conta final, todos ganham: o investimento e seus lucros, diretos e indiretos, ficam no próprio país. •
TECNOLOGIA
CONTROLE DE POLUENTES
Já temos radar de laser Projeto do Programa Jovens Pesquisadores apresenta o primeiro equipamento feito por brasileiros para medir partículas em suspensão na atmosfera
U m facho de luz que varre os céus pode revolucionar os mé
todos usados nos processos de medição de poluição no Brasil. Observadores atentos puderam vê-lo em meados de outubro perto do campus da Universidade de São Paulo (USP) da capital, durante os testes de um grupo do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) da Co-
missão Nacional de Energia Nuclear. Trata-se de um radar de feixe de laser desenvolvido pioneiramente no Brasil desde 1995 pelo projeto Programa de Desenvolvimento de um Sistema de Sensoriamento Remoto para Monitoração de Poluentes na Atmosfera de São Paulo, financiado pela FAPESP no programa Jovens Pesquisadores e coordenado pelo físico nuclear
Eduardo Landulfo, do Ipen, e que deverá estar concluído em julho.
O objetivo do radar de laser ou Lidar ( light detection and ranging ou detecção de luz e medida de distância) é medir os poluentes particulados na atmosfera (como poeira, fumaça e fuligem), com o uso do feixe de luz laser pelo método chamado retroespalhamento. Essa técnica permite que o sinal de laser retorne ao ponto emissor depois de encontrar uma partícula ou um alvo qualquer. O equipamento proposto por Landulfo foi apresentado em julho do ano passado na 20ª Conferência Internacional de Radar de Laser.
Medidor poderoso- O Lidar do Ipen tem várias funções, já determinadas em sua montagem. Ele fornece dados sobre partículas em suspensão e alerta para a adoção de ações emergenciais em períodos de estagnação atmosférica, quando os níveis de poluentes apresentam riscos à saúde
PESQUISA FAPESP • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 53
pública - o que pode torná-lo decisivo para a solução mais eficiente das questões ambientais em grandes centros urbanos.
enquanto, o laser é emprestado do grupo de Espectroscopia do Centro de Laser e Aplicações do Ipen. O grupo brasileiro aguarda a compra de um novo equipamento para concluir a montagem do sistema, que ficará instalado nas dependências do Ipen. O laboratório a ele destinado parece uma sala comum, exceto por uma abertura no teto, para o qual será apontado
As empresas que monitoram a poluição funcionam hoje com estações de qualidade do ar, equipadas basicamente com filtros que coletam dados para análise várias vezes ao dia e fornecem dados para a preparação de boletins sobre qualidade do ar, como se faz na
Telescópio emite o feixe de luz que passa antes por vários filtros o telescópio de emissão/recepção do laser.
Grande São Paulo, por exemplo. Esse trabalho ganhará dinamis
mo com o radar de laser, pois ele confere instantaneamente os poluentes em suspensão. Além disso, permite o acompanhamento freqüente das áreas mais poluídas: a partir da emissão do laser, pode-se estabelecer a composição das partículas e dos gases suspensos.
Testes e ajustes- O equipamento que consta do projeto desenvolvido no Ipen funciona com um tipo de laser chamado Nd:YAG, composto pelo elemento químico neodímio (Nd) e um cristal sintético de nome YAG constituído por óxido de ítrio e óxido de alumínio. Esse conjunto emite luz laser ao ser acionado por um tipo de lâmpada específica. Por
A distância entre a Terra e a Lua A descoberta do laser (light
amplification by stimulated emission of radiation ou luz amplificada por emissão estimulada deradiação, em inglês) ocorreu nos anos 60 e o uso mais célebre de um aparelho de Lidar aconteceu em 1969, quando a equipe da missão Apollo 11, a primeira a pousar na Lua, instalou um refletor no satélite. Com a emissão de um feixe de laser a partir da Terra, foi possível medir com precisão a distância entre os dois corpos.
Atualmente, o radar de laser é empregado, entre outros fins, para a detecção de lençóis petrolíferos, vazamentos de petróleo e cardumes de peixes. Também para calcular o tamanho do buraco na ca-
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mada de ozônio, os cientistas· usam um aparelho de Lidar. Protótipos de um medidor de poluição via laser surgiram na Alemanha e na França na década de 70. Medições de poluição ambiental foram realizadas nos Estados Unidos e Japão. Contudo, foi o desenvolvimento de um emissor de laser em estado sólido, mais compacto, que permitiu construir equipamentos menores e facilitou o deslocamento desses aparelhos para fora dos laboratórios.
Na Europa, na Ásia e na América do Norte há cerca de cem equipamentos similares ao que o Ipen desenvolve, enquanto na América Latina só há um dessa categoria (até a altitude de 10
O deslocamento do equipamento para fora do laboratório não está descartado, mas depende da aquisição de um veículo utilitário adaptado para o transporte, que não consta do projeto.
"Os resultados que conquistamos até agora mostram que estamos no caminho certo", afirma Landulfo. Ele diz que, com a conclusão
quilômetros) em funcionamento, em Buenos Aires. Algumas empresas brasileiras chegaram a importar equipamentos acabados para o trabalho de medição de poluentes, mas a iniciativa terminou abandonada. A razão foram as dificuldades de adaptação dos equipamentos às condições climáticas e atmosféricas no Brasil. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) usa um Lidar para medição da concentração de íon de sódio, mas que ultrapassa os 80 quilômetros de altitude.
Em 2003, a Nasa, a agência espacial americana, deverá fazer uma varredura de toda a atmosfera terrestre com um Lidar, para observar o clima, as nuvens e os aerossóis em suspensão. Os países que já usam o Lidar podem ser convidados a participar.
do trabalho, se poderão ser feitas medições em períodos maiores e com mais freqüência. "A idéia é fazer testes que durem cerca de oito horas, para obtermos avaliações mais amplas sobre o comportamento dos poluentes na região", explica. Ele revela que o tempo restante para a conclusão do projeto, prevista para julho, é usado em ajustes e simulações.
US$ 65 mil, usados na compra de equipamentos como o telescópio importado da França, um osciloscópio digital, detectores e material óptico. Para a conclusão do equipamento só falta a fonte de laser, comprada por US$ 23 mil. "Estamos aguardando a chegada do laser para concluirmos nosso laboratório", diz o pesquisador.
Os testes foram feitos em outubro durante Landulfo: vamos patentear e repassar a tecnologia para órgãos públicos
Interesse geral - Ele já perdeu a conta de quantas horas passou uma semana, com sete
horas de medição, e tiveram a participação de uma pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os resultados permitiram comparações com os dados obtidos pela Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Básico ( Cetesb) e pelo Grupo de Estudos de Poluição do Ar (Gepa) da USP. "Os testes foram muito importantes, porque possibilitaram avaliar toda a perfomance do sistema", diz Landulfo. O próximo passo será obter a validação dos dados por uma entidade internacional para depois publicá-los.
A pesquisa é acompanhada por Alexandros Papayannis, chefe de pesquisa em Lidar na Universidade Técnica de Atenas, na Grécia. Ele é o responsável pela supervisão dos dados do experimento brasileiro. O projeto Lidar foi aprovado em 1998 e é desenvolvido por um grupo multidisciplinar de dez pessoas. "A maior dificuldade encontrada pela nossa equipe até agora foi calibrar o equipamento para operar conforme as particularidades da nossa atmosfera", afirma Landulfo. Ele conta que boa parte da poluição de São Paulo é formada por material particulado e inalável.
"Além de medir a poluição com maior agilidade, o equipamento pretenderá também ter condições de prever com antecedência as inversões
térmicas que ocorrem durante o inverno." A inversão térmica ocorre quando uma camada de ar quente impede a dispersão de poluentes.
O Lidar desenvolvido no Ipen tem capacidade de medir a distribuição do material particulado no perfil vertical em um raio de 5 a 6 quilômetros. "Com essa capacidade, temos condições de ultrapassar a camada-limite, situada entre 200 metros e 2 mil metros da superfície, que é a parte da atmosfera onde existe a maior interação com o homem e a concentração de poluentes particulados", conta Landulfo. Além dessa característica, o novo Lidar tem condições de cobrir a área de quatro estações medidoras convencwna1s.
Para a construção do Lidar foram necessários investimentos de cerca de
O PROJETO
Programa de Desenvolvimento de um Sistema de Sensoriamento Remoto para Monitoração de Poluentes na Atmosfera de São Paulo
MODALIDADE
Programa Jovens Pesquisadores
COORDENADOR
EDUARDO LANDULFO- lpen
INVESTIMENTO
R$ 31.790,25 e US$ 68.650,70
nos laboratórios do Ipen fazendo simulações, a fim de ajustar o equipamento às condições ambientais de São Paulo. Os testes até agora usaram o aparelho de laser do Ipen (menos a fonte francesa), por isso são necessárias quase duas horas de intervalo para que o equipamento não seja danificado e o emprego de um técnico para manusear o aparelho.
Os usuários potenciais do Lidar são as agências ambientais, como a Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) do município de São Paulo, por exemplo. "Antes mesmo da conclusão, o resultado do nosso trabalho está criando grande expectativa na comunidade científica nacional e internacional", revela. O projeto do Lidar brasileiro também despertou a atenção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq), que concedeu uma bolsa de produtividade a Landulfo.
O projeto, que deve resultar em uma patente, vem despertando o interesse de empresas da área de instrumentação ambiental. O primeiro Lidar brasileiro deverá mesmo ser entregue a um órgão controlador da poluição do ar da cidade de São Paulo. Ele vai continuar a riscar o céu da capital paulista com seus fachos de luz. •
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO OE 2001 55
TECNOLOGIA
EDUCAÇÃO
Enquanto se distraem com jogos educativos, jovens são submetidos a eletroencefalograma para medir a atividade neurológica
CD-ROM apóia deficiente Empresa participante do PIPE desenvolve software que avalia e ensina
O médico Armando Freitas da Rocha, professor de neurofi
siologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), resolveu colocar em prática seu lado empresário às vésperas da aposentadoria acadêmica, em 1997. Apresentou, então, à FAPESP um projeto para desenvolvimento de um software com jogos educativos destinados a estimular e avaliar o desempenho escolar e a atividade neurológica de crianças portadoras de deficiência mental. Ele foi um dos pioneiros
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do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) ao se inscrever no primeiro edital, em julho daquele ano. Agora, passados pouco mais de três anos, o projeto chega ao final com o software lançado comercialmente no final deste mês em forma de CD-ROM.
O software revelou-se melhor do que o esperado. Ele é uma ferramenta útil para acelerar o processo de aprendizagem não só de crianças com problemas neurológicos, mas também de qualquer aluno entre a pré-escola e a quarta série. "Isso ficou claro para nós no meio do projeto, quando vimos que o programa também pode ajudar no ensino dos estudantes em geral': afirma Rocha, que, depois de se aposentar da Unicamp em 1998, passou a trabalh'ar
como professor visitante do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) .
Continua o trabalho - Para operacionalizar o projeto, Rocha criou a empresa Eina-Estudos em Inteligência Natural e Artificial, teve sua proposta aprovada no PIPE e iniciou o trabalho em janeiro de 1998. Depois de 27 anos dedicados à pesquisa básica, ele encontrou um novo caminho para continuar seu trabalho. "Parecia que o programa (PIPE) tinha sido feito exatamente para mim", relembra o neurofisiologista. Ele deu o mesmo nome do projeto ao produto que está indo para o mercado: ENSCER - Sistema Informatizado e Integrado para
Ensino e Avaliação do Progresso Pedagógico e Neural de Crianças Portadoras de Deficiência Mental.
O software dá noções de Português, Matemática, História, Geografia, Estudos Sociais, Educação Artística e Ciências. Faz isso lançando mão de jogos educacionais que costumam prender a atenção das crianças com uma série de recursos audiovisuais, como charadas, quebra-cabeças e histórias em
a imagens: um dos recursos lúdicos do CD-ROM
quadrinhos com personagens infantis. Além dos módulos dessas disciplinas, o programa também tem uma seção específica dedicada ao desenvolvimento sensório-motor e fornece uma avaliação impressa do desempenho das crianças nos exercícios.
Testes na Apae - Nos últimos três anos, o ENSCER foi testado e desenvolvido com um grupo de quase 200 alunos especiais da escola da Associação de Pais e Amigos do Excepcional (Apae) de J undiaí, município do interior paulista onde fica a sede da Eina. Os professores da entidade foram treinados pa ra usar o software e a escola foi informatizada para que seus estudantes pudessem utilizar, de forma rotineira, o ENSCER. Na maioria dos casos, a introdução do software nas aulas da Apae acelerou a alfabetização das crianças, cuja idade variava de 6 a 18 anos. "Com o software, percebemos que certos alu-
nos começavam a ler e escrever algumas palavras já no nível 3. No passado, eles só atingiam esse estágio no curso que chamamos de alfabetização 1 (dois estágios adiante)", afirma Patrícia Bellode Ramazzini, diretora escolar da Apae. "No início, alguns professores resistiram ao uso do computador como ferramenta pedagógica. Mas, como os bons resultados saltavam aos olhos, as resistências foram fi
cando para trás." Por lidar com alu
nos especiais, a estrutura curricular dos cursos da Apae difere da adotada pelas escolas
para não-deficientes. O aprendizado é concebido para dar uma velocidade mais lenta do que nas aulas para crianças sem restrições. Durante sua vida escolar na Apae de Jundiaí, os alunos devem percorrer oito séries. Cada uma delas tem duração de um ano, seguindo uma nomenclatura totalmente diversa da vigente nos estabelecimentos convencionais. As quatro primeiras séries (níveis 1, 2, 3 e 4) correspondem mais ou menos ao maternal e pré-escola. As quatro últimas (alfabetização 1, 2, 3 e 4) equivalem à primeira e segunda séries do ensino fundamental.
Os resultados do ENSCER na Apae foram considerados muito positivos por Rocha, ainda mais
quando se determinou o perfil neurológico das crianças. Depois de submetê-las a exames de ressonância magnética na Faculdade de Medicina da USP, Rocha constatou que metade delas apresentava lesões estruturais em diferentes áreas do cérebro. Ou seja, tinham áreas cerebrais com neurônios mortos e sem atividade elétrica. A existência de lesão constituía um desafio ainda maior para o desenvolvimento escolar dos alunos, pois comprometia o desempenho das funções (motoras ou cognitivas) normalmente coordenadas pelas regiões cerebrais lesadas. A segunda metade de alunos exibia outro tipo de limitação: não tinha lesões, mas seu cérebro se debatia com problemas funcionais, que afetavam a troca de sinais elétricos entre as várias regiões nervosas. Esse tipo de
problema ficou demonstrado na realização de eletroen
cefalogramas nas crianças durante a utilização do software.
É justamente na forma de fazer esse exa
me que vem à tona uma interessante faceta
do ENSCER: o sistema permite um diagnóstico re-
finado da atividade neuronal no exato momento em que as crianças executam uma determinada tarefa na tela do computador, enquanto aprendem e se divertem. Na eletroencefalografia tradicional, o registro é feito com a criança em repouso, quando seu cérebro não tem de realizar nenhuma tarefa definida, e dentro de um hospital, num ambiente estranho (às vezes, hostil) ao aluno portador de problemas neurológicos. O ENSCER contorna essas duas desvantagens. "As crianças mal percebem que estão sendo submetidas a um exame", diz Rocha. A Eina dispõe de uma unidade móvel de eletroencefalografia para ser utilizada nas escolas e entidades que vierem a comprar o software.
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 57
rifica o que há de errado no cérebro do deficiente.
A unidade móvel é instalada ao lado do aluno que está sentado diante do computador. Enquanto ele tenta desempenhar as atividades propostas pelo software educacional, eletrodos presos em sua cabeça e ligados a outro computador transmitem os impulsos nervosos necessários para a geração de um M CC, sigla para Mapeamento Cognitivo Cerebral. O MCC nada mais é do
Sistema em ação: testado com 200 alunos da Apae de Jundiaí
Ambiente familiar -Com 22 funcionários, entre contratados e bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que também patrocina o desenvolvimento de uma página educacional na Internet destinada aos usuários do ENSCER, a sede da Eina fica num lugar
que uma série de eletroencefalogramas, que radiografam o funcionamento do cérebro nas várias etapas de execução de uma ou mais tarefas. Em média, são necessários 40 minutos para a produção de um MCC. De acordo com a idade, desenvolvimento social e cultural do aluno, Rocha tem, antes mesmo de
aplicar o exame, uma noção bastante precisa de quais regiões do cérebro devem ser requisitadas em cada momento da tentativa de execução de uma tarefa. De posse dos resultados de cada aluno, o médico compara com o desempenho de grupos de crianças sem disfunções neurológicas. Dessa forma, ele ve-
Novos caminhos do cérebro Os eletroencefalogramas em
tempo real realizados com os alunos da Apae de Jundiaí produziram alguns resultados surpreendentes. Eles mostraram que certas crianças com lesões estruturais tinham conseguido realocar as funções originalmente controladas pelas áreas nervosas danificadas para regiões sadias do cérebro. Essa versatilidade do sistema elétrico cerebral gerou casos de grande interesse para os pesquisadores de neurofisiologia. Os exames revelaram, por exemplo, que o cérebro de uma criança havia transferido o controle da produção e compreensão da linguagem de zonas do hemisfério esquerdo (que estavam mortas) para áreas normais do hemisfé-
58 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
rio direito. Ou seja, de forma espontânea e ainda pouco conhecida pela ciência, esse cérebro· redistribuiu suas funções entre as áreas ativas de seu sistema. O resultado prático desse rearranjo foi permitir, por exemplo, que um aluno, a despeito da lesão, conseguisse aprender a falar (ainda que tardiamente, aos 5 anos), ler e escrever.
Em outras situações, o diagnóstico fornecido pelo eletroencefalograma serviu de base para alterar totalmente o método pedagógico que estava sendo empregado com uma criança da Apae. O médico Armando Freitas da Rocha lembra da história de um menino que tinha uma lesão na área do cérebro responsável por sua coordenação mo-
bucólico. As dependências da empresa ocupam duas pequenas construções vizinhas à casa de Rocha, dentro do sítio onde mora o professor, a sete quilômetros do centro de Jundiaí. O ambiente na Eina é familiar e simples. Enquanto os funcionários trabalham, vacas e bois pastam num canto da proprie-
tora. As professoras pensavam que ele nunca conseguiria aprender a ler e escrever por causa dessa restrição neuronal. Mas, depois que o menino brincou e fez os testes do ENSCER, o neurofisiologista percebeu que ele dominava o raciocínio necessário para ser alfabetizado e fazer frases. Seu problema era estritamente de coordenação motora: ele não tinha habilidade suficiente para segurar um lápis ou caneta e desenhar letras. Como essa limitação foi contornada? "Passamos a alfabetizar o aluno num computador. Afinal, ele não sabia desenhar as letras, mas tinha desenvoltura para usar as teclas do micro", conta Rocha. "O deficiente tem a capacidade de aprender. Ocorre que ele precisa de mais atenção, tempo e recursos do que uma criança sem problemas."
dade, os cachorros da família de Rocha dormem ou brincam no quintal e, sorrateiramente, um esquilo ou outro animal qualquer sobe e se aninha numa árvore. Na hora do almoço, todo mundo senta numa mesa comunitária e consome refeições preparadas por um restaurante da região, quase sempre reforçadas com itens produzidos no próprio sítio, como um pêssego ou um mamão.
No quadro de pessoal da empresa, existem desenhistas, programadores de computador, técnicos para escolha e gravação de som, psicóloga e professores. A família Rocha também está presente em peso na Eina: sua mulher Marly Theoto Rocha, professora aposentada de enfermagem da USP, empresta a voz nas mensagens sonoras presentes no software ENSCER, e seus dois filhos, o veterinário André Theoto Rocha e o engenheiro agrônomo Marcelo Theoto Rocha, fazem pesquisas em suas respectivas áreas de atuação utilizando conceitos de inteligência natural e artificial.
Mercado amplo- A Eina tem planos ambiciosos para seu software educacional. A empresa espera vender mensalmente entre 50 e 100 unidades do CD-ROM. Rocha acredita que o produto possa interessar a três faixas de público: escolas em geral (para alunos sem problemas neurológicos ou voltadas para crianças com variados graus de deficiência); profissionais das áreas de ensino ou de fonoaudiologia; pais de alunos (que também se utilizariam da página na Internet do ENSCER para orientá-los no uso do CD). O preço do programa varia de R$ 140 a R$ 700, de acordo com o perfil do comprador (pessoa física ou jurídica) e o número de cópias ou licenças de uso do software adquiridas. Além do programa para computador, a empresa também vende dois livros que foram especialmente es-
Rocha: bons resultados e planos ambiciosos
critos pelo médico no âmbito do projeto ENSCER, O Cérebro - Um Breve Relato de sua Função e O Cérebro na Escola.
O neurofisiologista aposta que o CD-ROM e os livros farão sucesso, mas não descuida das demais áreas de atuação da Eina. A venda de serviços de assessoria a instituições de perfis variados é uma das prioridades da empresa. Em sua lista de clientes, há uma companhia estatal - a Petrobras, para a qual a Eina desenvolve softwares e aplicativos que se utilizam do conceito de Inteligência Artificial - e alguns estabelecimentos de ensino, entre os quais a Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Nessa universidade privada, Ro-
O PROJETO
ENSCER- Sistema Informatizado e Integrado para Ensino e Avaliação do Progresso Pedagógico e Neural de Crianças Portadoras de Deficiência Mental
MODALIDADE Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)
COORDENADOR ARMANDO FREITAS DA ROCHA - ENSCER
INVESTIMENTO RS 176.992,00
cha coordena o Núcleo de Estudos da Aprendizagem e Cognição, no qual os jogos educacionais do sistema ENSCER são utilizados para estimular o aprendizado de crianças portadoras de deficiência visual, auditiva e mental e também em pesquisas acadêmicas. Os alunos de Pedagogia e Fisioterapia da Unicid também usam o software como ferramenta de apoio nas atividades que desenvolvem com deficientes.
Mundo da competição - No âmbito comercial, o ambiente que Rocha irá se deparar é um tan
to competitivo. Os produtos da pequena Eina, por exemplo, terão de disputar clientes com softwares comercializados pela divisão de informática do Grupo Positivo, de Curitiba, um gigante da área educacional que possui convênios com mais de 1.800 escolas no país. Rocha, no entanto, não sente saudades da época em que era apenas professor e pesquisador. "Montei uma estrutura comercial que, além de prestar serviços e desenvolver produtos, faz pesquisa. O que fiz em três anos (na Eina) não realizei em 2 7 de universidade", avalia o neurofisiologista. No ano passado, o faturamento de sua empresa ficou na casa dos R$ 170 mil, provenientes sobretudo da venda de serviços para terceiros, visto que o software educacional ainda não tinha sido lançado. "Por ora, a Eina está empatando. Não dá lucro nem prejuízo. Esperamos faturar entre R$ 250 mil e R$ 300 mil em 2001."
Embora tenha a possibilidade de curtir uma aposentadoria tranqüila em seu sítio, Rocha vive um momento de agitação, descobrindo os prazeres e as agruras do mundo empresarial. Mas, com isso, ele não deixa de colaborar com a ciência e proporcionar uma vida melhor para deficientes mentais e cnanças em idade escolar. •
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 59
TECNOLOGIA
Galinhas poedeiras criadas na Universidade Estadual Paulista
(Unesp) de Jaboticabal estão produzindo ovos mais saudáveis para consumo humano, com 22% menos colesterol. A tecnologia, desenvolvida pelo professor Pedro Alves de Souza, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), consiste em acrescentar à ração uma pequena quantidade de resíduos de carvão vegetal, o mesmo usado em churrasqueiras. Ele atingiu o melhor índice já alcançado em pesquisas de redução de colesterol com base na dieta das aves. Uma solução simples, barata e natural que também reduziu o colesterol da carne das aves em 34%, aumentou a postura em 2,55% e reduziu em 27% o número de ovos trincados.
Rico em colesterol, ao contrário da carne de frango, o ovo foi por muito tempo considerado um aliado da hipercolesterolemia- níveis elevados de colesterol no sangue -, fator de risco para o surgimento de doenças cardiovasculares. Um único ovo, mais exatamente a gema, contém em média 200 mg de colesterol. O controle da ingestão diária dessa substância é fundamental para quem
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está acima dos limites aceitáveis -200 mg de colesterol por decilitro (um décimo de litro) de sangue - e também para portadores de diabetes.
Nesses casos, para evitar que o problema se agrave, cardiologistas recomendam uma dieta restritiva, com no máximo 200 mg de colesterol por dia. Isso significa que, ao consumir apenas um ovo, a pessoa terá consumido sua cota diária e não pode;á comer nenhum outro alimento de origem animal durante todo o dia. Para a cardiologista Jaqueline Scholz Issa, do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o ovo com 22% menos colesterol, ou seja, com cerca de 156 mg, é mais saudável e daria às pessoas uma margem para consumir ainda 44 mg de colesterol, o que corresponde a, por exemplo, cerca de 100 g de peixes como o salmão, o atum ou o bacalhau. "Isso pode parecer pouco, mas, na prática, para quem é obrigado a seguir uma dieta rígida, faz muita diferença': afirma.
Além de reduzir o colesterol no ovo, o pesquisador demonstrou que a técnica é ainda mais eficiente em
relação à carne das aves: o colesterol foi reduzido em até 34%. Embora a carne branca seja uma das menos problemáticas em relação ao colesterol- 100 g de peito de frango têm 75 mg de colesterol, enquanto a mesma quantidade de carne vermelha magra tem 90 mg -, essa redução também pode aliviar o peso das restrições impostas no tratamento.
Mais fertilidade - Mas os resultados da pesquisa não favorecem apenas o consumidor. A adição de resíduos de carvão vegetal na alimentação das galinhas também contribui para uma avicultura mais eficiente, melhorando a produtividade das aves e a resistência das cascas dos ovos. Segundo Souza, isso se deve a dois fatores. "Em primeiro lugar, sabe-se que a fertilidade é afetada por altos níveis de gordura. Portanto, é natural esperar que aves mais magras coloquem mais ovos. Em segundo lugar, o carvão vegetal é muito rico em cálcio, o que contribui para tornar a casca mais resistente': explica.
Para obter esses resultados, Souza submeteu as aves a uma dieta composta de milho, farelo de soja, soja integral,
farinha de carne, calcário, pedrisco, fosfato bicálcico, mistura vitamínica mineral, aminoácidos e medicamento promotor de crescimento. A essa mistura, acrescentou proporções de 1 o/o a 3% de cinzas vegetais (resíduos de carvão de eucalipto moído). A dieta com 1 o/o de carvão reduziu apenas 17% do colesterol no ovo e 26% na carne. Já com 2% de carvão, a redução foi de 21 o/o no ovo e 29% na carne.
E o carvão, ressalta o pesquisador, "é um aditivo natural, rico em cálcio, fósforo e potássio:'
O único efeito verificado foi uma mudança na consistência das fezes das aves, que se tornaram mais secas devido à ação adstringente do carvão. Isso é uma vantagem para o pro-
Souza: saúde e avicultura saem
favorecidas, praticamente sem aumento
de custos
dutor, porque facilita a remoção dos detritos na granja e diminui a incidência de moscas. Para Souza, o método é comercialmente viável: pode haver um aumento de no máximo 2% no custo total da ração.
Ovos de ouro- Os ovos originados da pesquisa de Souza são bem diferentes de alguns tipos comercializados sob o rótulo de light. Esses são vendidos pelo dobro do preço dos ovos comuns e, na opinião do pesquisador, trata-se de uma mera jogada de marketing. Ele chegou a essa conclusão após analisar, no ano passado, três amostras de cada um dos vários tipos
encontrados no comércio: o caipira, o comum, o pufa e o light.
No Laboratório de Tecnologia dos Produtos de Origem Animal da FCAV foram medidos e comparados os níveis de colesterol e lipídios totais de todas as amostras. Os resultados mostraram variações insignificantes. Para lipídios totais, as concentrações variaram de 27,96 gramas por 100 gramas de gema no ovo caipira para 26,65 g/100 g no ovo light. Em relação ao colesterol, os resultados não foram inenos desanimadores: 11,97 mg e 11,15 mg. A .redução na quantida de de colesterol do ovo light foi de apenas 6%, e não de 20% como anunciava a embalagem do produto.
Os ovos tipo pufa apresentaram variações semelhantes: 26,62 g/100 g de gema na quantidade de lipídios totais e 11,45 mg/100 g de gema no
O PROJETO
cosahexaenóico-DHA, encontrados nos óleos de peixes marinhos. O mecanismo de ação desses ácidos graxos (além dos poliinsaturados, existem os saturados e os insaturados) ainda não é totalmente conhecido, mas sabe-se que eles podem reduzir a formação de coágulos, baixar os níveis de triglicérides no sangue e a pressão sanguínea, o que é benéfico ao sistema circulatório. Por esse motivo, algumas indústrias alimentícias passaram a adicionar ômega 3 a produtos como ovos, leite, pães, etc.
Na opinião do médico Raul Cavalcante Maranhão, diretor do Laboratório de Lipídios do Incor, o benefício desses alimentos enriquecidos com ômega 3 é questionável, porque a dieta habitual do brasileiro com o consumo constante de óleo vegetal já contém as quantidades necessárias desses
ácidos graxos. O Instituto Brasileiro
Redução dos Níveis de Colesterol no Ovo e na Carne de Aves
de Defesa do Consumidor (Idec), ao conhecer a pesquisa realizada na
MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa
Unesp sobre os ovos light, publicou as informações do trabalho na revista mensal mantida pela instituição, Consumidor SI A, orientando
COORDENADOR PEDRO ALVES DE SOUZA- Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp-Jaboticabal
INVESTIMENTO R$ 13.120,80
conteúdo de colesterol. "A diferença de colesterol entre esses ovos e os comuns também é insignificante. O fato de serem enriquecidos com ácidos graxos (formadores das gorduras) poliinsaturados ômega 3 não significa que eles tenham menos colesterol, mas que contêm uma substância que, em tese, seria capaz de ajudar o organismo a eliminar colesterol. Ainda assim, seria necessário avaliar se eles têm mesmo ômega 3 e em que quantidades': afirma.
A família ômega 3 contém três ácidos graxos: o linolênico, cujas principais fontes são os óleos de soja e de cano la, o eicosapentanóico-EPA e o de-
os consumidores para a propaganda enganosa referente a esses ovos. Mas, apesar da polêmica gerada com a divulga-
ção dos resultados, eles continuam nas prateleiras dos supermercados, alguns prometendo até 40% menos colesterol, com preços de ovos de ouro.
Afinal, o importante para o controle do colesterol é evitar o excesso de peso e diminuir a quantidade de gordura na alimentação, principalmente as saturadas, como as de origem animal. Apesar de ser rico em colesterol, a vantagem do ovo em relação a uma churrascada de fim de semana é a pouca quantidade de gordura que possui. Melhor ainda agora que se abre a possibilidade aos criadores de galinhas de produzir ovos com menos colesterol. •
PESQUISA FAPESP • JANEIRO/ FEVEREIRODE2001 • 61
CAPA
SOCIOLOGIA
Casa-Grande &
dos Matarazzo na Califórnia R ulista Estudo da Unesp resgata o cotidiano de sem i-servidão dos cortadores de cana da Amália, fazenda na região de Ribeirão Preto que foi do antigo império agroindustrial
MARCOS PIVETTA
Uma página quase quecida da história Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo, antigo império agroin
dustrial que na década de 30 chegou a ser o maior conglomerado empresarial da América do Sul, foi resgatada com a conclusão de um trabalho sobre a vida dos trabalhadores rurais de uma das propriedades favoritas da famiglia: a fazenda Amália, em Santa Rosa de Viterbo, na região de Ribeirão Pre Q,
nordeste paulista. No projeto Mulheres.. da Cana: Memórias, que foi financiado pela FAPESP, a socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), acabou fazendo mais do que inicialmente havia se proposto. Reconstituiu em detalhes o dia-a-dia de semi-servidão, trabalho quase ininterrupto e isolamento não só das cortadoras de cana, seu objeto de estudo por excelência, mas de fa-
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A.BRUGIER
mílias inteiras (homens e crianças aí incluídos) que deram seu suor para estender a grandeza da Amália por seus 11 mil alqueires.
O estudo enfoca um período de mais de 60 anos da história da fazenda, ainda hoje, após ter sido desmembrada e arrendada, em parte "Controlada pelos Matarazzo. Come
na década de 30, época em que a cana toma definitivamente o lugar do café na Amália e os trabalhadores vivem como colonos em casas dentro dos domínios da propriedade. Passa pela segunda metade dos anos 60, quando esses colonos perdem o emprego fixo e a moradia na fazenda (em muitos casos sem receber a devida indenização), viram bóias-frias e têm de procurar casa para morar fora da propriedade dos Matarazzo. E termina nos dias de hoje, marcados pela crescente mecanização da lavoura e falta de emprego crônico para os trabalhadores ou seus descendentes nos canaviais, seja na Amália ou em outras fazendas da região.
Em cada uma dessas fases, o relacionamento dos cortadores de cana, a maioria analfabeta ou com conhecimentos rudimentares da língua escrita, com os senhores da Amália se dá em bases diferentes. A cada mudança, a situação do trabalhador rural vai se tornando mais precária, a despeito de alguns ganhos localizados, como a disseminação de botas e roupas mais adequadas para o corte da cana. No período coberto pelo estudo, a categoria dos cortadores de cana- a mais numerosa (talvez chegasse a 5 mil pessoas) e com menor status dentro da hierarquia dos empregados/habitantes da Amália -experimentou um progressivo descenso social. "É uma história de vencidos", sentencia Maria Aparecida.
O dia-a-dia de colono - Até fins da década de 60, quando os cortadores de cana da Amália exibiam a condição de colonos e moravam em casas construídas por seus patrões e espalhadas pelas terras da propriedade, um dia de trabalho na fazenda era, literalmen-
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CAPA
te, um dia dedicado religiosamente ao trabalho. E não mais do que isso. Às 5 horas da manhã, com o primeiro badalar do sino, os colonos acordavam. Tomavam o café e pegavam no batente até as 9 horas da noite, quando o sino voltava a tocar. Com rápidas pausas para almoço e merenda.
Na época da colheita, domingos e feriados também eram dias de passar o facão pelo canavial, estendendo-se o serviço, às vezes, até a noite, conforme alguns relatos colhidos por Maria Aparecida. Férias? Nem pensar. Esses trabalhadores ainda não tinham esse direito. Para as mulheres, a jornada em geral era mais longa e dupla. Elas acordavam mais cedo do que os maridos para preparar o café e, após as horas de trabalho no canavial, ainda tinham de cuidar das crianças, preparar o jantar e arrumar a cozinha antes de dormir.
Formalmente, o chefe da casa, em geral o homem, era o único trabalhador amparado por um vínculo empregatício com a Amália. Ele tinha o chamado título, era o funcionário com registro junto aos patrões. Mas, na prática, todos os dependentes que integravam seu clã- mulher e filhos, sobretudo após os 5 anos de idade - iam para o canavial. Às mãos pequeninas das crianças era reservada a tarefa de enfeixar a cana cortada pelo adultos.
Na hora de receber o pagamento, a quantidade de cana cortada por toda a família era pesada e contabilizada. O valor devido- um número mágico cuja lógica que lhe dera origem escapava aos cortadores de cana - era repassado a apenas um dos empregados, o titular. Para todos os efeitos (sobretudo os legais), toda aquela cana cortada tinha sido produto do labor de um só empregado. Como não tinham qualquer amparo legal, os dependentes do titular, embora fossem tratados no hospital da fazenda quando se machucavam, não recebiam nenhum tipo de indenização se viessem a sofrer algum acidente de trabalho. O estudo levantou processos contra a Amália movidos por trabalhadores
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Greve de bóias-frias cortadores de cana da Amália nos anos 80
acidentados, não-titulares, que não foram indenizados pela empresa.
A estratégia de exploração não parava por aí. Os cortadores de cana recebiam uma remuneração, mas, no dia do pagamento, dinheiro algum lhes tocava a mão. As toneladas de cana decepadas no mês garantiam às famílias de trabalhadores um vale (ou ordem), que, obviamente, tinha de ser trocado por comida e remédios nos armazéns e farmácias existentes na propriedade. Ou seja, o pouco que era ganho era gasto ali mesmo, dentro da própria Amália. Quase sempre consumindo produtos com a marca Matarazzo, vindo das mais de 350 fábricas que o grupo chegou a ter, algumas delas funcionando na propriedade de Santa Rosa de Viterbo, em outras áreas da fazenda.
E m muitos casos, o titular não conseguia cobrir todas as suas despesas com os vales que recebia do patrão. Os débitos no armazém ou
boticário (leia-se, com os Matarazzo) aumentavam a cada mês e acabavam gerando a chamada servidão por dívida. "Era pedir a Deus para não ficar doente. Se tinha de comprar um vidro de remédio, a gente não via pagamento", relembra o ex -cortador de cana João Flausino, 72 anos. Incapazes de saldar a conta negativa, alguns
trabalhadores tomavam uma decisão radical: abandonavam sua casa e fugiam da fazenda. De tão freqüentes, as escapadas geraram uma expressão entre os cortadores de cana da Amália para designar os que deixavam a propriedade em meio à escuridão protetora da madrugada: "Fulano de tal anoiteceu e não amanheceu".
Cientes de que a vida dura dos cortadores de cana na Amália poderia se tornar ótimo combustível para inflamar e unir os trabalhadores, os Matarazzo trataram de dispersar os colonos por sua imensa propriedade. A estratégia tinha o objetivo claro de dificultar o contato entre os empregados, minando assim a organização de grandes movimentos contestatários. Segundo o levantamento de Maria Aparecida, os colonos da Amália foram instalados em moradias erigidas em 21 seções rurais, pequenas vilas que se situavam em diferentes partes da propriedade, no meio dos canaviais.
Quando não estavam no corte da cana, os trabalhadores ficavam confinados em suas seções, sem ter muito contato com seus pares de outras seções. O isolamento só era quebrado nos fins de semana em que havia festas nas seções ou jogos de futebol no campo da fazenda. "Havia na Amália uma espécie de relação feudal. Ostrabalhadores praticamente não saíam de suas seções", diz a professora aposen-
Ruínas das casas de colonos da Amália que foram demolidas após a greve de 1966
tada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Unesp em Araraquara.
Além de farmácia e armazém, cada seção abrigava um grupo de cerca de cem titulares. Reunia, portanto, mais ou menos esse número de casas destinadas às famílias de trabalhadores. Banheiros e tanques comunitários eram instalados para servir grupos de quatro ou cinco casas. "Cada mulher tinha um dia para lavar roupa': recorda Maria de Lurdes da Silva, 57 anos, ex-moradora da Amália. Ao redor de cada casa, era permitido manter algum tipo de horta ou pequenas criações de animais.
Água e luz- Pelos depoimentos e evidências colhidos no estudo, nem todas as seções contavam com água encanada e luz elétrica. Além das moradias dos cortadores de cana, feitas de alvenaria ou madeira, havia a casa do administrador da seção, a do feitor e a do fiscal. Algumas seções tinham escola. As melhores casas eram ocupadas pelos funcionários de confiança dos Matarazzo. Refinando o sistema de segregação, os senhores da Amália evitavam juntar num lugar trabalhadores italianos (essa minoria tinha uma seção exclusiva, com casas de melhor nível) e o grosso dos colonos, brasileiros.
A família Matarazzo tinha pouco cantata direto com seus empregados, sobretudo os mais humildes.
Segundo o relato de muitos ex-funcionários, era comum os cortadores de cana se esconderem no meio dos canaviais, a pedido de seus chefes e feitores, a fim de "limpar" o caminho na estrada para a passagem de algum membro da família. Os Matarazzo eram temidos e, não raro, reverenciados pelos trabalhadores.
Para compor o painel das relações trabalhistas na fazenda Amália, situada numa das regiões rurais mais ricas do Estado de São Paulo (para não dizer do país), Maria Aparecida consumiu quatro anos de pesquisa e rt;correu a vários tipos de fonte de informação. Com a ajuda de três alunos, bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), analisou a trajetória de vida de 70 homens e mulheres que passaram pelos canaviais da propriedade. Essas pessoas e seus familiares (esposos, filhos ou até pais) responderam a questionários com dados biográficos e contaram sua história em entrevistas, que redundaram em mais de 140 horas de depoimentos gravados. Foram ainda encontrados e analisados 208 processos trabalhistas contra a Usina Amália movidos por ex-funcionários (122 no fórum de Santa Rosa e 86 em São Simão) e ouvidos dois juízes que julgaram essas ações. A pesquisadora não conseguiu acesso a descendentes
da família Matarazzo, cujos depoimentos certamente serviriam de contraponto aos dados levantados na pesquisa. A revista Pesquisa FAPESP tentou entrevistar alguém da família, mas também não obteve sucesso.
Um minucioso levantamento iconográfico das vidas dos cortadores de cana conseguiu reunir 300 fotos. Muitas dessas imagens foram cedidas pelos entrevistados, algumas resgatadas na Fundação Cultural Santa Rosa de Viterbo, outras (as mais recentes) foram feitas pela própria pesquisadora ou colaboradores. Praticamente, não há fotos de trabalhadores cortando cana, sobretudo das décadas mais distantes. Esse fato é interpretado como um indício de que os próprios trabalhadores desvalorizavam a sua condição social. Quando tinham condição de gastar dinheiro com fotos, os cortadores preferiam fazer retratos de momentos de lazer, em festas ou eventos.
As origens da Amália - Provavelmente nunca existiu uma fazenda como a Amália no Estado de São Paulo. Pelo menos não com os mesmos ingredientes e requintes que fizeram dessa propriedade uma das preferidas dos Matarazzo. Originalmente uma fazenda de café, a Amália, antes de parar nas mãos do então maior grupo industrial brasileiro, pertencia a Henrique dos Santos Dumont, irmão do pai da aviação. Embora sediado em Santa Rosa de Viterbo, o imóvel rural fazia seus 11 mil alqueires avançarem ainda pelo território dos municípios de São Simão, Serra Azul, Cajuru e Tambaú. Na década de 20, Henrique decidiu se desfazer dessa enorme área, equivalente a 40% da área da cidade de Ribeirão Preto.
Nessa época, após ter deixado para trás a cafeicultura e se lançado no plantio de cana-de-açúcar, gesto que seria imitado décadas mais tarde por outras fazendas da região de Ribeirão Preto, a propriedade já tinha usina de açúcar, destilaria de álcool e uma pequena ferrovia. Dando seus primeiros passos no mundo da agroindústria, a
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 65
CAPA
palacete que nenhuma outra fazenda tinha - e quase ninguém via. Era uma cidade dentro da cidade.
Amália despertou o interesse de três empresários de São Paulo, que a compraram em parceria. Francisco Schmidt,Alexandre Siciliano e o conde Francesco Matarazzo foram sócios na fazenda até 1931.
Nesse ano, após inúmeras desavenças com os colegas no negócio, o fundador das IRFM passou seu quinhão no imóvel rural para o ftlho e futuro sucessor, Francisco Matarazzo Jr. Amante das plantas e dos bichos, o jovem se interessou pela Amália. Tratou logo de arrebatar a parte dos outros sócios e se tornou o único dono do empreendimento. Era o início de uma pequena revolução, que acentuaria a já presente vocação agroindustrial da fazenda.
ma. Assim, aliada à usina e à destilaria, o conde Jr. instalou uma fábrica de papelão, para utilizar o bagaço da cana; uma fábrica de ácido cítrico, processado por fermentação alimentada pelo melaço da cana; uma fábrica de éter sulfúrico, aproveitando o excedente de álcool': Além de implementar essas novas unidades industriais e erigir um imponente palacete residencial em sua propriedade (veja box), Francisco Matarazzo Jr. criou, em 1937, uma fábrica de doces e conservas. A Produtos Amália usava como ingredientes os frutos das novas culturas introduzidas na fazenda, marmelo, goiaba e abacaxi.
Pode-se reprovar moralmente o sistema de titularidade, que permitia pagar apenas ao chefe da casa e usar a mão-de-obra de toda
a família, mas não condená-lo do
O livro comemorativo Matarazzo 100 Anos, editado em 1982 pela própria família, resume muito bem as transformações operadas pela nova visão à frente da fazenda: "A organização industrial da Amália seguiu o modelo tradicional da família: máximo aproveitamento da matéria-pri-
Um palacete italiano entre
• • os canav1a1s Não muito distante do suor dos
canaviais e das engrenagens do setor agroindustrial da Amália, uma imponente construção encarnava (e ainda encarna) a pompa e o poder associados durante décadas do século passado à aristocrática família de Castellabate que veio fazer a América no Brasil: o palacete, com suas alamedas ajardinadas, que servia de residência dos Matarazzo em suas visitas a Santa Rosa de Viterbo. Não se deve confundir esse edifício, algo único na história rural paulista, com a tradicional casa-grande que funcionou como sede das antigas fazendas de café do Estado.
Projetado por arquitetos italianos, o palacete era decorado com
66 · JANEIRO /FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
Com o tempo, a Amália se tornou o centro nervoso da vida em Santa Rosa. Até do ponto de vista da vida social. Afinal, além de ser uma potência agroindustrial, a fazenda tinha cinema, campo de futebol, igreja, escola, hospital. Organizava as melhores festas, casamentos e bailes de carnaval. E abrigava um
ponto de vista legal- pelo menos não até 1963. Apenas nesse ano entra em vigor o Estatuto do Trabalhador Rural, que iguala os direitos do homem do campo aos do trabalhador urbano e torna ilegal o sistema de titularidade. A partir dessa data, o cortador de cana começa a ter direito a férias, décimo terceiro salário, carteira assinada (para cada trabalhador e não para apenas o titular), atendimento médi-
afrescos florentinos, estátuas em estilo renascentista e gravuras do artista plástico francês Jean-Baptiste Debret, que viveu no Brasil no início do século 19. Seus jardins foram criados na década de 30 pelo conde Francisco Jr., ftlho e sucessor do fundador do grupo, que nutria especial devoção pela propriedade. No livro Matarazzo 100 Anos, obra editada pela família em 1982, o apreço do empresário
Escadaria que conduz aos jardins e entrada da casa
pelo lugar é descrito assim: "Queria criar uma ilha de sonho onde pensava repousar e até morar, recebendo os filhos em harmonia. Amália era a 'sua' casa. Aí ele gostava de receber os amigos e personalidades:'
Para os trabalhadores rurais da
Amália, o palacete era mais do que um sonho. Era um mistério completo. Sua entrada no distinto local era proibida e, segundo os relatos colhidos pela socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, pouquíssimos cortadores de cana chegaram mesmo a
co pelo INSS e aposentadoria. Segundo Maria Aparecida, como a legislação anterior à criação do estatuto era omissa em relação aos direitos dos trabalhadores rurais, predominavam os contratos particulares entre patrões e empregados, como os de titularidade.
Em 1964, no entanto, com a instalação da ditadura militar no Brasil, co
A autora do estudo: socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva
os colonos que participaram do movimento. "Pouca gente que fez greve voltou ao trabalho", relembra o aposentado Alcides Brandão, 77 anos, que viveu de 1950 a 1972 na Amália. Para a socióloga, as razões que motivaram o ato de protesto dos trabalhadores são hoje bastante cristalinas. "A greve foi arquitetada pela
meça a ser criado um arcabouço jurídico-legal - leis de Segurança Nacional e de Greve- que seria usado por alguns patrões do campo para se livrar dos colonos sem ter de pagar os novos direitos que o estatuto previa. E, no seu lugar, recrutar os mesmos trabalhadores na condição de temporários, de bóias-frias, que não contavam com quase nenhuma proteção trabalhista e para os quais não era mais preciso dar moradia.
A socióloga Maria Aparecida aponta a eclosão de um evento em
1966, fruto desse novo contexto, que se transformaria num marco divisor da trajetória dos trabalhadores da Amália. Houve uma greve de seis dias, por melhores salários e condições de trabalho. Segundo evidências e depoimentos de ex-funcionários colhidos pela pesquisadora, esse movimento foi, secretamente, insuflado pela direção da Amália, que controlava o recém-criado sindicato dos trabalhadores rurais.
Terminada a greve, a direção da Amália começou a mandar embora
empresa (os donos da Amália) com o aval da ditadura militar, criando um pretexto para se desvencilhar dos colonos sem ter de pagar os direitos e indenizações devidos, sobretudo as aposentadorias dos funcionários mais antigos. Foi uma armadilha", diz a professora.
Assim que um cortador era despedido e convencido a deixar a fazenda, sua antiga casa era posta abaixo pelos patrões. Dessa forma, ficava inviabilizada a sua volta à propriedade na condição de colono e começava a
Os jardins da Amália foram criados pelo conde Francisco Matarazzo Jr. Interior do palacete: tapetes e gravuras de Debret
avistá-lo alguma vez. "Como um castelo da Idade Média, o palacete, na cabeça desses trabalhadores, evocava o mundo dos contos de fada': afirma.
A fim de facilitar o acesso de seus membros e ilustres convidados - o presidente Juscelino Kubitschek e o
político e empresário norte-americano Nelson Rockefeller assinaram o livro de visitas da Amália - a esse ambiente de luxo e prazer, os Matarazzo até fizeram uma estrada particular, ligando o centro de Santa Rosa ao palacete. Hoje, quem passa pela
praça Mariah Pia, no coração da cidade, ainda vê o portão, trancado a cadeado e escoltado por dois leões de metal, que delimita o início da estrada da fazenda. Em tempo: o palacete é uma das poucas partes da Amália que ainda pertencem aos Matarazzo.
PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 67
CAPA
ruir o sistema de titularidade, baseado na concessão de casa e trabalho aos cortadores de cana. Como quase ninguém se mostrava satisfeito com o acerto de contas proposto pelo patrão, houve uma avalanche de ações judiciais contra a Amália, contestando os valores das indenizações.
~ de 100 alqueires. "Cheguei a 8 trabalhar no plantio e colhei-~ e ta de café. Mas meu pai sem-
pre quis que os filhos estudassem", recorda. Foi o que ela fez. Formou-se em Ciências Sociais e fez mestrado e doutorado na França, sempre estudando as formas de exploração do trabalho agrícola. Entre suas recordações antigas, destaca-se a imagem de trabalhadores rurais migrantes, vindos de outros Estados à região de Ribeirão Preto, em busca de trabalho nos canaviais.
Como se sabe, essa cultura agrícola cabou tomando o lugar dos cafezais, que ha-
Enquanto a disputa judicial se arrastava pelos corredores dos tribunais, os cortadores de cana em litígio conseguiram respaldo legal para continuar residindo em suas casas. Eles podiam continuar morando ali até a sentença final dos juízes, mas os Matarazzo não lhes deram mais serviço- pelo menos não oficialmente. E ainda lhes
Construção que funcionou como estação da antiga ferrovia viam dado fama e fortuna à elite local. Em meados da dé-
impuseram represálias. "Depois da ação contra a usina, eles (os patrões) cortaram os animais e a horta", conta Helena Teodoro, 82 anos, que morou por quase três décadas na Amália.
Em alguns casos, o impasse judicial durou até cinco anos. Para sobreviver, esses colonos demitidos, mas na prática ainda vivendo na
fazenda, tiveram de ganhar o seu sustento às escondidas de seus expatrões. Eles passaram a ser contratados como trabalhadores temporários por empreiteuas que começaram a fornecer bóias-frias para os canaviais da Amália. Maria Aparecida suspeita que algumas dessas empreiteiras eram empresas criadas pelos próprios donos da fazenda.
Nos mais de 200 processos trabalhistas levantados pelo estudo, os dois juízes paulistas que analisaram boa parte dos casos costumavam dar razão aos empregados. Mas a Justiça era morosa e permitia uma série de recursos e artimanhas jurídicas. Antes de ser alvo do veredicto final, uma ação, por exemplo, poderia passar - passear, talvez fosse o termo mais adequado - por uma série de instâncias, como os fóruns de Santa
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Rosa, Ribeirão Preto, São Paulo, Rio de Janeiro e, finalmente, Brasília.
Anos de indefinição fizeram muita gente desistir de exigir seus direitos na Justiça ou optar por um acordo pouco vantajoso. "Os que ganharam ações conseguiram dinheiro suficiente para comprar uma casinha", diz a socióloga. Resultado: nos primeiros anos da década de 70 o processo de expulsão dos colonos praticamente havia se encerrado e o sistema de recrutamento de bói~sfrias para o canavial já era uma realidade sem volta. Poucos dos excolonos demitidos ficaram em Santa Rosa de Viterbo. A maioria se viu obrigada a ir para outras cidades, distante da influência dos Matarazzo. Maria Aparecida localizou grupos de ex-moradores da Amália em Leme e Barrinha.
Resgate da história do campo - O interesse em resgatar histórias do campo, como a dos cortadores de cana da Amália, tem a ver com as origens rurais de Maria Aparecida. Nascida em Altinópolis, município próximo a Ribeirão Preto, onde a terra roxa fez florescer pés de cafés, a pesquisadora se lembra da infância na fazenda da família, uma propriedade
cada de 80, Maria Aparecida começou a trabalhar com a questão das mulheres e dos migrantes no meio rural paulista. Em 1988, para se embeber do modo de vida do migrante, chegou a ficar 40 dias no Vale do Jequitinhonha, região do norte de Minas que se estende até a divisa com a Bahia. O Jequitinhonha é conhecido por ser uma das áreas mais pobres do país, uma espécie da ante-sala das misérias e mazelas que assolam o vizinho Nordeste. Com anos de estrada e trabalho sobre a condição da mulher do campo, a pesquisadora escreveu o livro Errantes do Fim do Século, financiado pela FAPESP, CNPq e Fundunesp, obra que, em 1999, obteve menção honrosa no prêmio Casa Grande & Senzala, da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife.
O PROJETO
Mulheres da Cana: Memórias
MODALIDADE
Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADORA
M ARIA A PARECIDA DE M ORAES SILVA
INVESTIMENTO
R$ 15.367,00
Situação atual- Não é raro hoje se encontrar famílias de ex-trabalhadores da Amália sendo comandadas por mulheres. Isso se deve basicamente a dois motivos: ou o antigo chefe da casa morreu, às vezes em razão de alguma enfermidade decorrente dos anos de trabalho nos canaviais, ou ainda está vivo, mas se tornou mais um fardo do que um pilar em seu clã. Por causa da dificuldade de encontrar emprego na cidade e inadaptação ao novo tipo de existência sem o bastão protetor-opressor dos antigos donos da Amália, muitos ex-colonos se tornaram alcoólatras.
Para desempenhar esse novo papel de esteio emocional e financeiro do lar, essas mulheres têm de vencer desafios ainda maiores do que em seu passado de colona. Concorrendo agora com homens mais novos e máquinas que vão tomando conta do corte da cana, as mulheres bóiasfrias enfrentam enormes dificuldades em encontrar emprego no meio rural. Restam a elas poucas alternativas de serviços, em geral os piores serviços, aqueles que nem homens ou máquinas conseguem ou gostam de fazer. Trabalhos como catar, agachadas, bitucas no canavial (os tocos de cana que as máquinas deixam depois de executar o corte) ou mexer com agrotóxicos em viveiros.
O quadro levantado pelo estudo tampouco aponta alguma perspectiva de melhoria familiar em razão da ascensão social das novas gerações que compõem essas famílias. Apesar de terem maior grau de escolaridade do que seus pais, os filhos e netos dos ex-trabalhadores rurais da Amália continuam ocupando os estratos inferiores das sociedade. Quando arrumam serviço, são empregadas domésticas, pedreiros ou se esfolam em canaviais ou na colheita de outras culturas no interior paulista. "Como seus pais, eles perpetuam o que se chama de destino de classe. Nascem, crescem e se relacionam com pessoas de seu mesmo estrato social", afirma a socióloga Maria Aparecida. •
da Amália ornar conhecimento da da de privações e trabaho semi-escravo que levavam os cortadores de cana da Amália, a pri
meira reação de muitas pessoas é concluir que ninguém deve sentir saudade de ter passado pela fazenda. Essa impressão, no entanto, é falsa. Embora alguns, geralmente os mais novos, não economizem nas críticas a seus ex-patrões, muitos dos ex-colonos - hoje soltos no mundo, fora do universo rural fechado e controlado a ferro e fogo pelos Matarazzo - ainda guardam boas recordações daquela época difícil.
Evocam o companheirismo que reinava entre os moradores da fazenda. Fazem referência ao grande movimento de gente na Amália nos domingos e dias de festa, quando a propriedade se tornava o centro do lazer em Santa Rosa de Viterbo: As mulheres de idade mais avançada se lembram que, ao nascer, seus filhos eram presenteados com pequenos mimos que teriam sido feitos pela própria condessa Mariangela Matarazzo, esposa do conde Francisco Matarazzo ]r. Mas um gesto de seus antigos patrões a maioria desses ex-colonos não entendeu - e perdoou - até hoje: por que, afinal, eles perderam suas casas na Amália e foram postos cerca afora da propriedade, em muitos casos sem receber as devidas indenizações?
Com a palavra Maria Aparecida Brandão Flausina, 50 anos, que, ao lado dos pais e oito irmãos, morou e trabalhou dos 7 aos 19 anos nos canaviais da Amália. "Fiquei chateada por terem
nos tirado de lá", diz essa mineira, baixinha e forte, ainda hoje exercendo o ofício de cortadora de cana ou trabalhando na colheita de outras culturas - quando consegue algum serviço - nos arredores de Leme, onde reside atualmente. "A vida na fazenda era dura, trabalhava-se muito, mas era boa. Podíamos plantar arroz, feijão, milho. Era mais fácil do que na cidade. Aqui tem de comprar tudo no mercado, tem de ter crédito:'
Em sua modestíssima casa, quase sem acabamento algum e composta de dois minúsculos quartos, uma sala/cozinha, um corredor com um tanque e um quintal ao fundo, moram seis pessoas: ela, o marido, José Aparecido (50 anos), três filhos e um neto. Como os filhos estão sem emprego fixo e o marido não dispensa a companhia de um bom copo, Maria Aparecida é o esteio da casa. Por sorte, ela ainda exibe uma boa saúde e disposição para trabalhar. Os anos cortando cana curvada ainda não afetaram as suas costas, como acontece com muitos trabalhadores. Seu pouco mais de um metro e meio parece
Fátima Pereira: dores nas costas e varizes
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 69
CAPA
tê-la livrado, por ora, das dores na coluna. Quem é menor tem de se curvar menos para podar a cana.
Nascida num sítio entre Santa Rosa e São Simão, Fátima Aparecida Silva Pereira, 42 anos, cortou cana na Amália durante oito anos, de 1970 a 1978. Ela não pegou a época dos colonos e nunca pôde morar na fazenda, a melhor fase na visão da maioria dos exmoradores da propriedade. Residia em Santa Rosa e prestava o serviço na condição de bóia-fria para empreiteirasque sublocavam mão-de-obra pa-
ria Brígida, com quase 5 anos), teve de abandonar definitivamente o antigo ofício. "Mulher com varizes e filho hoje não consegue emprego (de bóia-fria junto às empreiteiras)", diz, resignada. A saída foi fazer e vender camisetas, caixas e chinelos para reforçar o orçamento doméstico. Seu marido, Adilson Pereira, ganha pouco mais de R$ 7 por dia colocando veneno para matar formiga num antigo canavial da Amália, hoje sob controle de uma firma que arrenda a terra dos Matarazzo. Seu sonho é mudar de ci-
dez entrevistados eram analfabetos ou tinham o primário incompleto. Metade dos indivíduos que deram depoimentos estava aposentada, 12% se rotularam de desempregados, 10% eram donas de casa, 10% trabalhavam na lavoura e 7% se encontravam afastados do trabalho (provalmente sem ter conseguido se aposentar). O restante tinha outros tipos de ocupação.
Alguns ex-colonos da Amália apresentam sentimentos contraditórios em relação ao período vivido na fazenda, um misto de amor e ódio
Joaquim dos Anjos: sentimentos contraditórios Maria Flausina: vida na fazenda era mais fácil
aos métodos implantados pelos ex-patrões. É o caso do aposentado Joaquim Lourenço dos Anjos, 77 anos, colono da Amália entre 1944 e 1977 e atualmente dono de uma casa em Leme. Durante sua estada no complexo agroindustrial de Santa Rosa, ele foi cortador de cana e também exerceu as funções de feitor e guarda-noturno. Até hoje fala com orgulho de ter ganho o
ra os canaviais. Sempre ativa nas greves e movimentos contestatários que começaram a pipocar na região a partir da segunda metade da década de 60, Fátima gostava do clima amigável entre seus parceiros de lida, mas tem uma visão mais ácida sobre sua passagem na Amália. "Todo mundo saiu de lá com problemas (de saúde). Eu tinha dores nas costas e as veias das pernas, às vezes, estouravam durante o corte. A gente também mexia com veneno (fertilizantes, agrotóxicos) e não tinha máscara nem nada", conta Fátima, que tem grossas varizes nas pernas.
Após a experiência na Amália, ela passou por outros canaviais e até tentou a ocupação de empregada doméstica em Ribeirão Preto e São Paulo. Não se adaptou à vida entre quatro paredes. "Não gostava de ficar presa dentro de uma casa. Cortar cana é mais divertido", compara. Fátima então voltou para Santa Rosa, mas, depois que casou e teve uma filha (Ma-
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dade e tentar a sorte em outro lugar. ''A Amália acabou. Para nós e para os Matarazzo. Aqui não tem emprego, não tem gente interessada em artesanato. Tenho de pensar nos filhos. Nâo dá para viver com R$ 200 por mês:'
1, quem s~o hoje os órfãos Amália? E quase impossíel saber quantos dos cortadores de cana que passaram pela fazenda ainda
estão vivos. Mas as 70 pessoas cuja história de vida foi resgatada no trabalho da socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, da Unesp, apresentavam o seguinte perfil. Mais da metade era paulista de nascimento, 30% eram mineiros. Dois terços dos ouvidos eram brancos e um terço era negro ou pardo. Cinqüenta e cinco por cento eram do sexo masculino e 45% do feminino. Quase 85% tinham mais de 50 anos (os mais velhos passavam dos 90 anos). Nove de cada
prêmio de terceiro melhor cortador de cana na fazenda em 1955. Na linha operário-padrão, ele seguia os conselhos de seu pai, também morador da Amália, e era contra as greves. ''Achava que isso era perda de tempo. Os Matarazzo tinham muito dinheiro e compravam tudo e todos': diz.
Embora diga que a vida na seção São Lourenço, onde ficava sua casa de colono, era "boa demais': faz uma série de ressalvas ao sistema vigente na fazenda. "Para dizer a verdade, a gente trabalhava de graça, era muito explorado. Se tivesse vindo para cá antes, teria sido melhor': acredita. Esse tipo de opinião, rara entre os órfãos da Amália, talvez se explique pelo fato de Joaquim ter conseguido um emprego razoável em sua migração para o meio urbano - foi durante dez anos guarda numa firma de Leme. Esse posto lhe permitiu se aposentar e tocar a vida com um mínimo de decência. A maioria de seus ex-colegas não teve essa chance .•
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SÃO PAULO
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HUMANIDADES
GEOGRAFIA
Produção no interior, gestão na capital Estudo indica que a interiorização da indústria provocou uma "desconcentração" de empresas no Estado, mas o poder decisório ficou em São Paulo
São Paulo é o centro da gestão do capital enquanto o interior
paulista se apresenta, cada vez mais, como o centro da produção industrial. É o que observa a geógrafa Sandra Lencioni em Emprego e Exclusão Social na Reestruturação Urbano-Industrial do Estado de São Paulo, projeto financiado pela FAPESP.
"Não se pode negar a centralidade da cidade de São Paulo. A unidade fabril mudou de endereço, mas o centro gestor não migrou para o interior", explica a pesquisadora, para quem a tão aclamada interiorização da indústria e o esgarçamento do tecido metropolitano, iniciados no final da década de 70, precisam ser analisados como uma dinâmica de "desconcentração" e jamais "descentralização industrial". "Há uma aparente descentralização industrial, mas um exame mais acurado demonstra que a estratégia de cisão territorial das empresas ao manter o gerenciamento
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empresarial no centro metropolitano intensifica, ainda mais, a função de direção do capital que a metrópole de São Paulo desempenha."
Sandra localizou, nos 645 municípios paulistas, cerca de 900 ind~strias que apresentavam cisão territorial entre a gestão principal da empresa e a parte fabril do empreendimento. Ou seja, indústrias nas quais o centro gestor principal se localiza em uma cidade (na grande maioria, em São Paulo), enquanto a fábrica se localiza em outra. "Parece um número pequeno, mas é preciso considerar que se trata, em geral, de empresas de grande porte, com o peso de, por exemplo, uma General Motors", afirma a pesquisadora. Assim, se captou a teia de relações entre os lugares, do ponto de vista do processo de reestruturação industrial.
A geógrafa resolveu desmistificar a recente interiorização da indústria paulista, que sempre esteve presente no interior. No final da dé-
cada de 20, cerca de 30% da produção industrial paulista era proveniente do interior, sobretudo das regiões de Sorocaba e de Campinas, que concentravam 21,2% dos operários do Estado de São Paulo. "O novo não reside no fato de a indústria se fazer presente no interior, mas na importância industrial que o interior assume nos anos 80, que o coloca como o segundo espaço industrial do país, só sendo superado pela região metropolitana de · São Paulo", explica a professora.
"Novos pobres"- A pesquisa, além de romper o mito da descentralização industrial, ajudou a identificar a precarização do trabalho tanto na capital quanto no interior e a formação dos "novos pobres" advindos desse processo de reestruturação urbana e industrial do Estado.
Como revela a pesquisa, se nove em cada dez empresários que desejam expandir negócios preferirem o interior, é preciso ressaltar que tal
opção se vincularia mais a uma dinâmica de novas unidades industriais no interior independentes do processo de migração de empresas da capital. Os motivos para a atração dos empresários por outras cidades fora da região metropolitana são muitos. Dos políticos (estratégias de descongestionamento da região metropolitana) aos econômicos (incentivos fiscais, isenção do terreno, mão-de-obra, em parte qualificada e mais barata). "Na capital, há políticas restritivas, como as ambientais, mais severas que no interior. Um outro aspecto questionável, mas relativo, é a organização política dos trabalhadores, mais forte na região metropolitana."
A marcha do café para o oeste do Estado se repete na recente interiorização da indústria e na transformação das cidades. Pequenos municípios, mais precisamente, os médios, ganharam opções de consumo, lazer e vida noturna semelhantes às da metrópole. "Há uma
homogeneidade no território e a antiga distinção entre capital e interior deixou de existir", revela Sandra. Atualmente, 95% da população do Estado de São Paulo é urbana. Face a essa nova lógica terr·itorial, era preciso uma sustentação teórica que desse conta da problemática das transformações re- centes. Sandra percebeu que as clássicas teorias da localização industrial e dinâmica territorial precisavam ser revistas.
Califórnia Paulista - Pierre Veltz foi uma de suas bases teóricas: para esse geógrafo, é preciso pensar em termos de território-rede, isto é, aquele constituído por atividades desconcentradas e ligadas por meio de redes empresariais, uma concepção que se ajustava com perfeição ao caso paulista. "A indústria em São Paulo tem uma mobilidade espacial significativa e apresenta importantes casos de indústria com cisão territorial", diz Sandra. "O en-
Fila de desempregados: o pior problema do país é a deterioração intensa das condições de trabalho
dereço do topo do gerenciamento é a Avenida Paulista ou a Avenida Luiz Carlos Berrini. Esses escritórios estão vinculados a Paris, Londres, Nova York, etc. Precisa-se de um centro financeiro e de serviços de alto nível e isso não se encontra em cidades do interior, onde são feitos os produtos e as mercadorias", explica a pesquisadora.
A capital se constituiria numa "bacia do trabalho imaterial", onde se produzem idéias, interpretações, pareceres, intenso uso do conhecimento em atividades com finalidades práticas, as atividades do setor terciário. "É o trabalho imaterial que determina a interface entre produção e consumo. É em São Paulo, na capital, que essa interface se realiza", diz. "Fazendo uma analogia com o que ocorre com a indústria da construção civil: o canteiro de obras está no interior, mas o arquiteto continua aqui."
Para entender a nova diversidade do território paulista, a pesquisadora dividiu-o em cinco regiões: 1) metropolitana (a capital, definida em termos administrativos e econômicos); 2) expansão metropolitana (compreendendo o entorno metropolitano, onde se verificam os maiores índices de crescimento industrial e onde se adensam os eixos rodoviários, com destaque para Campinas, São José dos Campos e Sorocaba); 3) metropolizadas (áreas de industrialização crescente, mas distantes da metrópole); 4) não-metropolizadas (áreas fragmentadas no que toca ao processo de industrialização e com menos investimentos de capital); e 5) litoral (maior concentração de serviços ligados ao turismo).
A região metropolizada, também denominada Califórnia Paulista, possui intenso investimento industrial e infra-estrutura próxima à da metrópole. Ribeirão Preto
PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 73
é um exemplo. "Trata-se de um espaço metropolizado, muito embora fique distante da metrópole e não esteja conurbado à região metropolitana", explica Sandra Lencioni. Já Santos, na regionalização que foi elaborada, aparece como pertencente à região de expansão metropolitana. "Não é porque há serra, um obstáculo natural, que vai significar separação em relação à ci
Sandra: economia brasileira copia demais o modelo americano
dade de São Paulo. Santos possui uma história diversa do litoral norte e sul, que sempre esteve indissociável de São Paulo, compondo uma unidade. É o porto que a capital não tem, diferente das outras capitais, como Rio de Janeiro."
Nos anos 90, o que mais cresceu no Brasil foi o desemprego e as ocupações sem garantia dos direitos trabalhistas. A adoção do programa neoliberal coincidiu com a brusca queda do emprego industrial, com a destruição de mais de 2 milhões de empregos assalariados com carteira assinada. Tudo isso leva ao que o economista Paul Singer define como "precarização do trabalho", que Sandra Lencioni reitera. "O problema da deterioração das condições de trabalho é gritante. Mesmo no interior do Estado, há condições perversas quanto ao direito trabalhista", afirma. "Rigorosamente não se trata de exclusão, mas uma inclusão às avessas, que produz um novo tipo de pobreza e de carências sociais".
Pobreza e ascensão social - A desestruturação do mercado de trabalho, com altas taxas de desemprego aberto (queda na relação entre assalariados e total de ocupados) e geração de postos de trabalho precários, mudou a concepção de pobreza e ascensão social. "A trajetó-
74 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
ria de ascensão das famílias de classe média, sobretudo daquelas oriundas de imigrantes, era dada pelo trabalho duro e poupança. A isso se aliava a busca pela garantia de escolaridade dos filhos. Hoje, os projetas são muito mais de curtíssimo prazo."
Vive-se no interior também a síndrome da subcontratação ou terceirização. A indústria subcontrata uma outra para dividir responsabilidades ou repassá-las em grande parte. De uma situação de grande fazenda geradora e exportadora de produtos primários até .os anos 30, o Brasil assumiu a posição de oitavo produtor industrial mundial, no final da década de 1970. E São Paulo é a capital brasileira que sofre os maiores impactos dessa mudança.
O PROJETO
Emprego e Exclusão Social na Reestruturação Urbano-Industrial do Estado de São Paulo
MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADORA SANDRA LENCIONI -
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
INVESTIMENTO R$ 15.000,00
Países que mais avançam nas novas tecnologias não são os mesmos que reduzem o emprego industrial. Não foi o que ocorreu no Brasil. Em 1999, somente 11,5% do total dos trabalhadores pertencem à manufatura, equivalendo à situação verificada antes do Plano de Metas do ex-presidente Juscelino Kubitschek, quando nosso patamar de industrialização era bem menor. Também em
1999, o Brasil regrediu para uma representação de 3% do total do emprego industrial mundial, sendo 29% abaixo do que era há duas décadas.
Dependência - "Copiamos tantos modelos norte-americanos, mas nos esquecemos desses dados. Parece que a política brasileira está se esvaindo nas possibilidades de encontrar uma solução autônoma, temos uma dependência enorme de financiamento externo. Espero que não cheguemos nunca ao estágio em que chegou a Argentina", ressalta a pesquisadora.
"A questão que se coloca hoje é como imprimir aos espaços urbanos características da metrópole, porque muitas atividades exclusivas da metrópole necessitam serreproduzidas fora dela para que a reprodução do capital em geral continue sua expansão." Estamos diante de uma nova realidade: a questão não é mais urbanizar os espaços, mas metropolizá-los. O ponto é como atuar nesse processo de metropolização dos espaços e como adquirir soberania nos projetas de desenvolvimento. "Estamos perdendo, cada vez mais, a autonomia do nosso destino. Será que estamos esvaziando nossas possibilidades? Como no interior paulista hoje, a praça está vazia", lamenta. •
LIVROS ..
SHOZO MOTOYAMA
Os naturalistas nos tempos dei rey Livro reavalia nível da investigação científica na era colonial
' As vezes, o lugar-co-mum nem sempre é comum. Essa é a
reflexão que nasce ao se terminar a leitura do livro de Maria Elice Brzezinski Prestes, Investigação da Natureza no Brasil Colônia. Tornou-se lugar-comum falar da necessidade de reavaliar idéias e estudos correntes sobre a história da ciência no Brasil, sobre-tudo, dos períodos colonial e monárquico. O ponto de vista anterior era que não teria existido qualquer atividade científica nesses períodos. Seria isso verdade? A questão só pode ser esclarecida realizando investigações de cunho histórico. Contudo, não se pode dizer que os resultados alcançados até agora sejam, em geral, de bom nível. Com honrosas exceções, a maioria desses trabalhos, malgrado a boa vontade dos seus autores, peca pela leitura ligeira e equivocada de obras dos seus antecessores, além de uma compreensão superficial do que é a ciência.
Não é o caso de Maria Elice. O seu tema é a investigação da natureza no Brasil Colônia - portanto, enquadra-se no lugar-comum. Mas, os seus resultados, não. Mostrando uma intimidade maior com o objeto da sua pesquisa- a ciência biológica -, intimidade que não se nota na maioria de seus colegas, ela exercita com maestria o método histórico, situando-o no cenário do seu tempo. Dessa forma, ela inicia o seu trabalho no século 16, fazendo uma revisão dos escritos sobre viajantes e cronistas, na sua maioria estrangeiros, que falaram e descreveram a fauna e a flora brasileira daquele tempo. Trata-se de relatos de missionários e estudiosos como Anchieta, Pêro Gandavo, Ambrósio Brandão, Ivo d'Evreux, Jean de Lery, Hans Staden, André Thevet, Georg Marcgrave e Willem Piso, entre outros. Argumenta persuasivamente que essas obras, mesmo quando falam do fantástico e do mágico, estão dentro dos cânones
Investigação da Natureza no Brasil Colônia
Maria Elice Brzezinski Prestes
Annablume/FAPESP 154 páginas R$ 17,00
do saber biológico vigente no Renascimento, que não teria ultrapassado ainda as características escolásticas e medievais.
O panorama transforma-se nos séculos 17 e 18, quando emergiu uma nova História Natural na Europa, centrada principalmente nas idéias de Lineu que se impuseram após acirradas polêmicas com as de seus
oponentes como Buffon, só para citar um dos mais célebres. É importante salientar que, sem esse entendimento da existência dessa mudança nos paradigmas biológicos do continente europeu, seria impossível compreender o significado das investigações sobre a natureza efetuadas no período no Brasil. Mas, essa compreensão é ainda falha, se não levar em conta a intermediação da metrópole lusitana nesse processo.
É por isso que Maria Elice dedica todo um capítulo a esse ássunto, aclarando o papel da Reforma Pombalina e do naturalista italiano Domingos Vandelli na difusão da nova visão da natureza suscitada pelo paradigma lineano. Só então, ela entra na análise dos trabalhos de naturalistas brasileiros como Alexandre Rodrigues Ferreira e Manuel Arruda da Câmara, detendo-se especialmente na apreciação deste último. Aí aparece, com meridiana clareza, a figura de Arruda da Câmara como pesquisador do seu tempo, preocupado com os temas da moda da época, como a difusão dos jardins botânicos, a investigação da história geográfica das plantas e preocupado com a conservação ambiental. Porém, todo esse esforço resulta praticamente em quase nada na terra do Brasil, com a sua triste sina de ser uma colônia atada aos desígnios despóticos da metrópole.
SHOZO MOTOYAMA é historiador, professor de História da Ciência da USP.
PESQUISA FAPESP • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 75
LIVROS
SHEILA GRECCO
Um caso ítalo-brasileiro para Sherlock Meneghetti, o "bom ladrão; na São Paulo dos anos 20
Gino Amleto Meneghetti (1878-1976) especializou
se numa profissão liberal de alto risco e não regulamentada: o roubo. Diz-se que ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. "Jamais roubei dos operários", argumentava. As fugas espetaculares e seu estilo Robin Hood urbano tornaram-no herói da memória coletiva.
C~lia de Bernardi
O LENDÁRIO MENEGHETTI
Célia de Bernardi em O Lendário Meneghetti. Imprensa, Memória e Poder investiga essa figura marginal e sedutora, assunto de noticiário durante quase um século, virou tema de documentário e biografias, mas só agora é objeto da historiografia. Ao desprezar a crônica positivista dos grandes feitos, a autora se aproxima de Michel Certeau e das "zonas silenciosas" da história e os criminosos obscuros, vagabundos, a prática carcerária, o arbítrio, os mecanismos jurídicos de punição.
A historiadora compõe vários meneghettis. Teria sido ele um criminoso incorrigível ou um libertário? Na memória popular, ele permaneceu como o gato dos telhados, o homem-borracha, que colocava toda a polícia em seu encalço. Para os vizinhos do cortiço no Bexiga, uma figura tranqüila, que lutava pela sobrevivência dos dois filhos de nomes revolucionários, Spartáco e Lenine. Para os delegados, um assassino e um louco, que deveria ser exterminado. Para os jornais, um motivo para reforçar o autoritarismo do Estado.
Meneghetti nasceu numa aldeia de pescadores nos arredores de Pisa, por volta de 1878. Furtava frutas dos pomares, galinhas e pequenos objetos. "Essa fase inicial de sua vida marca um momento importante: a revolta contra a pobreza, o espírito aventureiro, o desejo de sair da mediocridade, a sagacidade, agilidade, coragem, elegância, atributos que Meneghetti utilizou para promover-se': alerta a historiadora.
76 • JANEIRO /FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP
O Lendário Meneghetti. Imprensa, Memória e Poder
Célia de Bernardi
Annablume/FAPESP 272 páginas R$ 24,00
Sendo preso esporadicamente, Meneghetti era tão conhecido em Pisa quanto a torre inclinada. Em 1913, decide emigrar para o Brasil com destino a São Paulo, onde tinha parentes. Tenta exercer inicialmente a ativi-dade de servente de pedreiro. Nesse período em que a população "cresceu e embranqueceu", a cidade da "belle époque" não absorve
o contigente de desempregados e a integração dos imigrantes é menos pacífica do que se imagina. Tanto a população indigente como a classe trabalhadora passam fome e torna-se difícil distinguir os trabalhadores fixos dos errantes.
Meneghetti tinha consciência do cosmopolitismo paulistano de fachada, teorizando: "Oroubo é um processo de vida tão justo como qualquer outro. Já trabalhei honestamente. Que ganhava eu? Uma miséria. Só me interessa tirar dos ricos, e tirar jóias, que são bens supérfluos" (pág. 140-141). Meneghetti se notabilizou ainda por fugir pelos telhados, escapar nu da solitária e usar disfarces (bigode, passa-se por louco, etc.). A geografia da cidade favoreceu seus malabarismos. Em 5 de junho de 1926, foi cercado por 200 homens e preso definitivamente.
Nenhuma teoria científica provou que Meneghetti era louco. Ao contrário de João Acácio, o Bandido da Luz Vermelha, conhecido pelo uso da violência nos assaltos na década de 60, ou do juiz Nicolau, Meneghetti entra para a história como o bandido romântico dos anos 20. Durante 18 anos, ficou incomunicável numa cela no Carandiru. Tratado como fera, bradava : "lo sono un uomo". Célia de Bernardi não escapa do risco de se apaixonar pelo personagem, e o leitor tampouco.
SHEILA GRECCO é jornalista, historiadora, doutoranda
em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP.
LANÇAMENTOS
A Mente Seletiva Campus Geoffrey F. Miller 544 páginas I R$ 59,00
Por vezes, é o poeta que ensina o biólogo. Vinicius de Moraes dizia que a beleza era mesmo fundamental e agora os cientistas são obrigados a concordar com ele. Ao menos este estudo de Geoffrey Miller, que analisa a decoberta de Darwin sobre
a reprodução no reino animal. Segundo o professor, tão importante quanto as idéias do inglês sobre a seleção natural seriam suas observações sobre como a aparência é fundamental para a reprodução e a preservação das espécies, a chamada teoria da seleção sexual. Miller postula como a beleza é mesmo fundamental.
Democracia, Violência e Injustiça Paz e Terra Paulo Sérgio Pinheiro (org.) 389 páginas I R$ 37,00
Uma discussão sobre o "não-Estado de Direito na América Latina" desenvolvida por um grupo de professores interessados em dissecar a cidadania nas democracias dos países do Terceiro Mundo bem
como o funcionamento precário do sistema judiciário nesses lugares. Dos povos indígenas aos problemas dos presídios, o estudo traça um painel assustador do ser cidadão na América Latina e de como o Estado de Direito, difícil de ser alcançado, é uma necessidade.
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Conversas com Filósofos Brasileiros ,)l ..... ltralr .,.._ ,.,..,..Jr. »r.rioJ..,* I.O.. \ n C.W.A• •&ooloo oA. ,\ '-W. ~lk.nolo.lao R ... Eu..Jõ.til._ Bmni;...Jii..... Tmiool!i • • 1 .. ;..r.,.,a Jr. J,_,Atth• r(:lo.,,.,u; M•rih•C:"-i O...U. I'""""' l'•wi.A,..1,.. • .,. •. _ C.rt..oi\""-C.... ....... .......... "-~..r Rooll ..... s.n.- .-.n..
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Conversas com Filósofos Brasileiros Editora 34 Marcos Nobre e José Mareio Rego 431 páginas I R$ 34,00
Este livro reúne a nata dos pensadores do Brasil, que contam a história da filosofia no país e dão suas opiniões sobre política, arte, religião e sobre os rumos possíveis que a nação pode tomar
no futuro. Entre o corpo notável de entrevistados, os nomes de Miguel Reale, Gerd Bornheim, Benedito Nunes, José Arthur Gianotti, Ruy Fausto, Bento Prado Jr., Raul Landim Filho, Marilena Chaui, Paulo Arantes, Carlos Nelson Coutinho, Balthazar Barbosa Filho, Leandro Konder e Oswaldo Porchat. O volume é um painel de como se fez e se faz a filosofia nacional.
REVISTAS
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Revista Brasileira de Ciências Sociais 2000- número44
Em seu último número, a publicação quadrimestral da ANPOCS toca em vários temas da atualidade brasileira e também analisa assuntos modernos internacionais. Entre os vários artigos presentes nesta edição:
''A Gênese da Favela Carioca", de Licia Valladares; "Xamanismo e o Contato Étnico na Amazônia", de Aparecida Vilaça; "A Guerra do Kosovo e a Desintegração da Iugoslávia", de João Pontes Nogueira; "Teoria Política Feminista e Liberalismo", de Luis Miguel.
Revista Brasileira de História Volume 20- número 39
A revista, que sempre traz excelentes artigos de ciências humanas, em seu último volume está dedicada ao tema batizado de "Brasil, Brasis". O dossiê reúne um número de artigos destinado a entender etapas importantes da
formação nacional em seus períodos mais significativos. Entre os muitos estudos: "Retrato de uma Ausência: a Mídia nos Relatos da História Política do Brasil"; "Portugal no.Brasil: a Escrita dos Irmãos Desavindos"; "Os Índios e o Estado Novo na era Vargas"; "Idéias Escravagistas da Ilustração na Sociedade Escravista Brasileira"; "O Descobrimento do Brasil"; entre outros.
Revista USP Número 47
Assim como a revista citada acima, o volume mais recente da Revista USP traz o dossiê de capa "Projeto Brasil 500: Alternativas para o Século XXI", uma boa forma de discutir os 500 anos do país sem recorrer, mais uma vez, ao passado, optando, em vez
disso, pela discussão do seu futuro. Entre os vários artigos presentes nesta edição, estão os estudos de Fernando de Castro Reinach, Marcello Rollemberg, Oliveiras S. Ferreira, Ana Mae Barbosa e Francisco de Oliveira. Ainda no tomo: "Modernidade, Valor e Arte", de Moacir dos Anjos, e artigo sobre Bach, de Toledo Piza.
PESQUISA FAPESP • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 77
VTLLA
78 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
Perfil dos • • 1 nvest1 mentos
da FAPESP
Separata da Revista Pesquisa FAPESP no 65 de junho de 2001
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Dados sobre investimento da FAPESP revelam articulação entre geração do conhecimento e sua aplicação
ÃESP investiu, no ano 2000, R$ 550,7 milhões
o fomento à atividade científica e tecnológica no Estado de São Paulo, por meio de bolsas, auxílios e programas especiais. Às bolsas e aos
auxílios, que compõem a linha regular de fomento à pesquisa- aquela que atende à demanda espontânea do pesquisador -, foram destinados R$ 363,5 milhões, ou 66% dos recursos. Aos programas especiais - que recebem projetas com características especiais e requerem um
tratamento específico - foram destinados R$ 187,2 milhões, ou 34%. Isoladamente, bolsas e auxílios receberam, respectivamente, R$ 178,5 milhões e R$ 185,1 milhões ou 32,4% e 33,6% do total investido (ver Quadro resumido da evolução dos investimentos da FAPESP) .
Por trás dos números há constatações obrigatórias e algumas revelações. A primeira constatação é que os projetas de livre demanda continuam a receber o maior volume de investimentos da FAPESP. E a revelação mais importante é que investir em pesquisa de qualidade, qualquer que seja sua classificação- básica, inclusive, ou em áreas fundamentais do conhecimento-, resulta sempre em alto grau de aplicação de seus resultados, mais cedo ou mais tarde, como aliás a Fundação antevia. Se poderia repetir com Louis Pasteur: "não há ciência aplicada; há somente aplicações da ciência': Assim é que, dos investimentos feitos
pela FAPESP ao longo do ano 2000 e até abril de 2001, nada menos que 72,9% dos recursos destinaram-se a projetas cujos resultados têm imediata ou potencial relevância tecnológica ou imediata/potencial relevância para a implementação de políticas públicas. À pesquisa básica com objetivo fundamental de avanço do conhecimento, sem aplicação predeterminada de resultados, coube 27,1% dos recursos. Isso tornou-se visível a partir da nova metodologia de classificação dos projetas de pesquisa aprovados, que examina o perfil dos investimentos nos auxílios à pesquisa regulares, projetas temáticos e auxílios à pesquisa ligados aos programas Apoio a Jovens Pesquisadores e Biota-FAPESP.
Os percentuais relativos aos valores investidos têm correspondência, como seria de esperar, com os percentuais de número de projetas aprovados. Assim, projetas básicos centrados principalmente no avanço do conhecimento representaram 22,7% do número total aprova-do no ano 2000 e até abril de 200 l. Os projetas com aplicabilidade - tecnológica ou de políticas públicas -, muitos dos quais são simultaneamente básicos, representaram 77,3%. É interessante observar que esse perfil de inves-
timento já se registra há algum tempo, conforme o levantamento feito pela Fundação. Em 1999, 74,5% dos proje-tas concedidos nas modalidades consideradas tinham componente de imediata ou potencial aplicação tecnoló- ~"
~ X
gica ou de políticas públicas e para eles foram destinados ~ ~ 75% dos recursos. No ano anterior, os percentuais foram, ~ ~ respectivamente, de 79,2% e de 75,7%. H
Há mais uma revelação significativa dos números que ~ ~ demonstra como a FAPESP vem se mantendo num cami- 9 ~ nho certo. Seguindo a proposta introduzida por Donald ~w~"i~Stokes no seu livro Pasteur's Quadrant, Basic Science and .. ::
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Technological Innovation, que cria três categorias para g ~ ~~ classificação de uma pesquisa- o Quadrante de Bohr, o ~~
Quadrante de Edison e o Quadrante de Pasteur-, meta- ~ ~ ~e; de dos investimentos destinados pela Fundação no ano ..: s ,~
2000 e até abril de 2001 para as linhas de fomento auxí- ~ ~ li o à pesquisa regular, projeto temático e auxílio § ~
à pesquisa no âmbito dos programas ~ ~ ~=:
Apoio a Jovens Pesquisadores e Biota ~> ~ <'i o
classifica-se na última categoria. Isto ~ ~ <~
é, aquela na qual os resultados da ~ ~
pesquisa contribuem para o avan- H ço do conhecimento, e, simul- ~ 5
~~ ~c( o::! ~z
Perfil do investimento da FAPESP Classificação dos Processos Concedidos- Números absolutos
Pesquisa Básica
Ano B/ AC (BÁSICNAVANÇO DO CONHECIMENTO) BfT (BÁSICNAPLICAÇÃO TECNOLÓGICA) B/PP (BÁSICNPOLITICAS PÚBLICAS) BfT /PP (BÁSICNAP. TECJPOL. PÚB)
Número lnvestimento-R$(1) Número lnvestimento-R$(1) Número lnvestimento-R$(1) Número lnvestimento-R$(1)
2000 335 49.302.525,01 449 70.626.223,08 144 15.782.437,39 15 4.566.227,20
1999 365 51.021.463,61 374 80.749.599,98 118 14.065.125,74 9 4.122.422,14
1998 231 26.636.579,60 182 20.275.526,01 153 17.885.338,70 15 3.466.337,61
Classificação dos Processos Concedidos- Porcentagem Pesquisa Básica
Ano B/ AC (BÁSICNAVANÇO DO CONHECIMENTO) BfT (BÁSICNAPLICAÇÃO TECNOLÓGICA) B/PP (BÁSICNPOLITICAS PÚBLICAS) BfT /PP (BÁSICNAP. TECJPOL. PÚB)
% lnvestimento-R$(1) % lnvestimento-R$(1) % Investi mento-R$ ( 1) % lnvestimento-R$(1)
2000 22,71 24,11 30,44 38,83 9,76 8,68 1,02 2,51
1999 25,47 24,96 26,10 39,50 8,23 6,88 0,63 2,02
1998 20,81 24,25 16,40 18,46 13,78 16,28 1,35 3.16
Obs: Os dados referem-se a auxílios a pesquisa regulares, projetos temáticos, auxílios associados aos programas Apoio a Jovens Pesquisadores e Biota-FAPESP
taneamente, têm grandes perspectivas de aplicação prática (ver quadro Os Quadrantes da FAPESP).
Nova classificação - Todos esses são dados importantes que, entretanto, ficavam escondidos pela maneira como tradicionalmente a FAPESP classificava os projetos que lhe são submetidos, isto é, apenas por área de conhecimento. Esse modo de classificação não fornece as informações necessárias para uma medida mais precisa do grau em que a agência vem cumprindo sua missão de fo-
Os quadrantes da FAPESP Em 1997, logo após a morte de seu autor, Donald Stokes, foi publi
cado o livro Pasteur's Quadrant, Basic Science and Technological lnnovation. Nesse livro, o autor propõe uma nova taxonomia das ativi
dades de pesquisa e de desenvolvimento, cujo mérito principal é o de superar a falsa dicotomia entre pesquisa básica e pesquisa aplicada. Essa
dicotomia havia sido introduzida na literatura pelo famoso documento
Science, The Endless Frontier, preparado por Van nevar Bush, em 1945, no qual o próprio termo pesquisa básica foi objeto de definição: pesquisa
cuja característica é a de contribuir para "o conhecimento e compreen
são da natureza e suas leis': Tanto a definição como a decorrente dicoto
mia conhecimento x aplicação se constituíram, durante décadas, com diversas variantes, em referencial para a teoria geral da taxonomia da
pesquisa e desenvolvimento. A proposta de Stokes é simples. Trata-se de atribuir às pesquisas duas
coordenadas. Uma dimensiona o avanço do conhecimento que a
pesquisa propicia. A segunda dimensiona a aplicação que dela decorre. Vê-se, assim, que uma pesquisa pode, ao mesmo tempo, contribuir signi
ficativamente para o avanço do conhecimento e ter grandes perspectivas de aplicações práticas. O exemplo mais notório desse tipo de pesquisa é
a desenvolvida por Pasteur, que gerou muitos avanços na microbiologia com importantes aplicações práticas. Esse exemplo é o que justifica o
título do livro.
16 · JUNHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
mentar o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado, nem permite visualizar a contribuição ao desenvolvimento de projetos de pesquisa relevantes para a implementação de políticas públicas.
Para identificar esse perfil de investimento, os projetos aprovados de 1996 a abril de 2001, naquelas modalidades consideradas de fomento, foram classificados pelas coordenações de áreas da diretoria científica da Fundação em quatro categorias (a primeira, com quatro subcategorias), conforme a tabela Perfil dos Investimentos:
A atribuição dessas duas coordenadas permite agrupar a pesquisa
em três categorias razoavelmente bem definidas, conforme mostra o
primeiro gráfico: Quadrante de Bohr: pesquisa básica sem nenhuma iden
tificação de aplicação imediata; Quadrante de Edison: pesquisa aplicada visando ao desenvolvimento tecnológico; ou Quadrante de Pasteur:
pesquisa básica com perspectivas definidas de aplicação.
A taxonomia proposta por Stokes pode ser aplicada à interpretação
da nova classificação dos investimentos da FAPESP.A categoria B pode ser associada ao quadrante da pesquisa básica. As categorias T, PP e T /PP, ao
quadrante de Edison. E as categorias B!T, B/PP, BfT/PP, ao quadrante de
Pasteur. Com essa associação, obtemos os quadrantes que representam o
perfil de investimento da FAPESP no ano 2000.
c Pesquisa c
o o N
Pesquisa Básica ligada N $27,11% $ SO,Q2%
H Básica a Aplicação H
#41,22% # 41,22%
E (Bohr) (Pasteur) E
(Bohr) (Pasteur)
c c I I
M Pesquisa M $22,87 % E Aplicada E # 36,07 % N (Edison) N (Edison) T T o o
A p L I c A ç Ã o A p L I c A ç Ã o S = investimentos lt = nUmero de projetos
T (TECNOLÓGICA) PP (POLITICAS PÚBLICAS) T /PP (TECNOLÓGICA/POLITICAS PÚBLICAS) TOTAL
Número lnvestimento-R$(1 l Número lnvestimento-R$(1 l Número lnvestimento-R$(1 l Número Investimento-R$ ( 1 l
345 30.195.525,12 163 9.946.045,51 24 1.458.333,49 1475 181 .877.316,80
361 37.605.172,52 188 15.801.879,05 18 1.040.105,08 1433 204.405.768,12
357 29.096.593,18 159 10.719.818,38 13 1.757.493,83 1110 109.837.687,31
T (TECNOLÓGICA) PP (POLITICAS PÚBLICAS) T /PP (TECNOLÓGICA/POLITICAS PÚBLICAS) TOTAL
% Investimento-R$( 1) % lnvestimento-R$(1 l % lnvestimento-R$(1) % Investimento-R$ ( 1)
23,39 16,60 11,05 5,47 1,63 0,80 100,00 100,00
25,19 18,40 13,12 7,73 1,26 0,51 100,00 100,00
32,16 26,49 14,32 9,76 1,17 1,60 100,00 100,00
(ll Inclui concessões iniciais, suplementações, suplementações por reajuste, anulações e transferências desde a data de concessão até 30/04/2001
• pesquisa básica (B) - pesquisa básica cujo objetivo principal é fazer avançar o conhecimento fundamental (B/ AC) sobre o tema em estudo; - pesquisa básica/tecnológica (B/T), cujo objetivo principal é fazer avançar o conhecimento fundamental e cujos resultados têm potencial definido de aplicação tecnológica; -pesquisa básica/políticas públicas (B/PP), cujo objetivo principal é fazer avançar o conhecimento funda-
A diversidade visível Uma olhada ainda que rápida pelos exemplos numerosos de proje
tos de pesquisa básica financiados pela FAPESP mostra facilmente de que se está falando quando se chega a uma classificação mais refinada para eles, capaz de revelar se seu potencial de aplicacão está próximo ou longínquo- sim, na verdade é isso, porque mais cedo ou mais tarde toda pesquisa de qualidade terá alguma aplicação relevante. Assim, um típico exemplo de pesquisa básica comprometido com o avanço do conhecimento {B/AC) e cujo potencial de aplicação parece muito distante é o projeto temático Física Nuclear Teórica (ver Pesquisa FAPESP 64), desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo em colaboração com especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e que estuda os movimentos das partículas do núcleo do átomo, chegando a formular uma teoria para explicar a dinâmica desses fenômenos.
Já o desenvolvimento de uma vacina gênica contra tuberculose (Notícias FAPESP 43), por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, é um bom exemplo de pesquisa básica cujos resultados têm alto potencial de aplicação tecnológica (BIT). Mais adiante se poderá concluir sobre sua aplicacão também em saúde pública, portanto, em políticas públicas, o que mudaria sua classificação para BIT/PP. Para chegar à vacina, c,s pesquisadores tiveram que encontrar uma maneira de estimular os linfócitos T CD8, capazes de destruir as células
mental e com potencial definido de contribuição para a formulação de políticas públicas; - básica/tecnológica/políticas públicas (B/T/PP), cujo objetivo principal é fazer avançar o conhecimento fundamental e com potencial definido de aplicação tanto no setor público quanto no setor privado.
• pesquisa tecnológica (T), a pesquisa aplicada que tem como principal objetivo a obtenção de resultados de natureza tecnológica;
• pesquisa em políticas públicas (PP), pesquisa aplicada
infectadas pelo bacilo Mycobacterium tuberculosis, sabendo que esses linfócitos são estimulados somente quando os antígenos são produzidos dentro de células, como acontece nas infecções virais. Para chegar a isso, um trecho do DNA do agente causador da doença foi inserido em um retrovírus fabricado em laboratório pelas técnicas de engenharia genética. As células infectadas com o retrovírus recombinante sintetizaram os antígenos, estimularam os linfócitos e induziram proteção contra a infecção por M. tuberculosis. Nos experimentos em animais, a vacina, além de prevenir a infecção, demonstrou ter atividade terapêutica em indivíduos infectados, atuando di reta mente contra a infecção.
Já um projeto temático sobre métodos de avaliação do impacto de estratégias de imunização contra doenças de transmissão direta (Notícias FAPESP 8) é um bom exemplo de pesquisa básica com aplicação
em políticas públicas. A pesquisa desenvolveu equações e um modelo matemático dinâmico aplicado à epidemiologia e concluiu que, no caso específico de São Paulo, seria possível obter uma imunidade ótima contra sarampo, cachumba e rubéola, na época, vacinando a população na faixa etária entre um e 1 O anos, e não a população até 15 anos. Isso foi feito e a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo conseguiu, a par dos bons resultados imunológicos, economizar cerca deUS$ 15 milhões na campanha de vacinação contra essas viroses, em 1992.
Projetos tecnológicos e de Políticas Públicas dispensam explicações mais detalhadas. Todos os enquadrados nos programas de Inovação Tecnológica da FAPESP (PIPE e PITE) encaixam-se nos primeiros, e aq ueles do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, entre os segundos.
PESQUISA FAPESP · JUNHODE2001 • 17
A demanda por bolsas na FAPESP e o número de concessões vêm crescendo há alguns anos a taxas elevadas. Em 1996, a FAPESP concedeu 47,9% de bolsas a mais em relação ao ano anterior; em 1997, o crescimento nas concessões foi de 21,7%; em 1998, de 20,7%, e, em 1999, de 6%, conforme dados publicados nos relatórios de atividades da FAPESP dos anos de 1999 e de 2dOO.
Um destaque nas concessões de bolsas em 2000 foi a participação da área de Engenharia (ver gráfico Investimentos em bolsas no país e no exterior). Pela primeira vez, ela recebeu o maior volume de recursos destinados a bolsas: R$ 31,8 milhões ou 17,8% do total investido nessa linha regular de fomento. O aumento nas concessões de bolsas dessa área evidencia um crescente interesse na qualificação profissional e na pesquisa tecnológica, provavelmente motivado pela maior compreensão da importância da inovação como base do desenvolvimento econômico e industrial. Em relação ao ano anterior, a expansão nos investimentos destinados a bolsas na área de Engenharia foi de 7,8%.
rogramas especiais, a FAPESP destinou, no o 2000, R$ 187,2 milhões (ver Quadro de rogramas especiais). A visibilidade do assunto genoma na mídia pode levar a crer que a
maior parte dos investimentos da FAPESP vai para o Programa Genoma. O quadro mostra que isso não é verdade. Esse programa recebeu, no ano 2000, R$ 36,2 milhões, quantia significativa, é verdade, porque não é possível instituir uma nova competência sem investimentos expressivos. De qualquer sorte, esse valor corresponde a 6,5% do total investido pela FAPESP em todas as suas linhas de fomento, isto é, R$ 550,7 milhões.
No ano passado, a FAPESP deu início ao programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), que deve ter grande impacto sobre as dimensões, a dinâmica e a organização da pesquisa científica e tecnológica paulista. Foram aprovados 10 projetas de centros, nas mais diversas áreas do conhecimento: de materiais cerâmicos à utilização farmacêutica de toxinas animais, de óptica e fotônica aos estudos metropolitanos, da terapia celular ao estudo da violência.
Cada um dos dez centros deverá desenvolver um programa multidisciplinar de pesquisa básica ou aplicada na fronteira do conhecimento. Além disso, suas pesquisas devem fazer inovação associada à transferência de conhecimentos, para os diversos níveis de governo, subsidiando o desenho e a implementação de políticas públicas, ou para a iniciativa privada, com o desenvolvimento de novas tecnologias de valor comercial e criação de empresas. Os centros terão, ainda, a responsabilidade de interagir com o sistema educacional, por meio de atividades envolvendo estudantes do ensino médio ao pós-doutoramento e de educação continuada de professores.
Por fim, merece registro uma outra importante iniciativa da Fundação no ano 2000, que foi a implantação do Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi/Nuplitec), com a missão de assessorar os pesquisadores paulistas no processo de registro e licenciamento de patentes resultantes de pesquisas apoiadas pela FAPESP. Com essa iniciativa, ela demonstrou sua preocupação e determinação de atuar numa área vital para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional e para o aproveitamento econômico do investimento do país em pesquisa. Os resultados já alcançados (ver reportagem à página 20) mostram que a FAPESP está na rota certa. •
Quadro de programas especiais Investimentos em bolsas e auxílios- 2000- R$
Programas
A!Joio a Jovens Pes~uisadores
Apoio à Propriedade Intelectual (Papi/Nuplitec)
Biota-FAPESP
Capacitação de Recursos Humanos de Apoio à Pesquisa
Centros de Pesquisa, Inova ão e Difusão
Ensino Público
E ui!Jamentos Multi usuários
Genoma-FAPESP
Infra-estrutura
Jornalismo Científico
Políticas Públicas
Pró-Ciências
Pro rama lm!Jortação
Rede ANSP
TOTAL
resas
Auxílios Bolsas no país
14.039.515 4.392.021
87.126 o 5.377.986 o
o 3.010.375
40.164.853 o 1.264.099 o
19.706.321
o o
17.199.841 o 179.068.765 8.116.161
Bolsas no TOTAL exterior
o 18.431.536
o 87.126
o 5.377.986
3.025.039
40.164.853
o 1.264.099
19.706.321
36.164.067
27.540.164
2.503.233
4.952.918
47.460
3.716.975
1.480.653
5.537.321
17.199.841
187.199.590
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