servidão e abandono

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Pesquisa FAPESP - Ed. 61

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Page 1: Servidão e abandono
Page 2: Servidão e abandono
Page 3: Servidão e abandono

14 Em cerimônia no Palácio

dos Bandeirantes, a FAPESP anuncia a conclusão dos projetes Genoma Cana e

Genoma Xanthomonas citri, os resultados do Genoma

Câncer e lança o Consórcio de lnovaçãoTecnológica

EDITORIAL •••••••••••••••••••••••••• 5

MEMORIAS •••••••••••••••••••••••••• 6

OPINIÃO •••••••••••••••••••••••••••• 8

POlÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA .................... 1 O

ESTRATÉGIAS .......................... 1 O

COLHENDO RESULTADOS .............. 14

COMUNHÃO DE INTERESSES ........... 16

O BRASIL NA REDE ..................... 17

5/NBIOTA SUBSIDIARÁ POlÍTICAS PÚBLICAS .. .....•.......... 20

COMITE CIENTÍFICO APROVA O BIOTA/FAPESP ......•....... 21

CIÊNCIA ••••••••••••••••••••••••••• 24

LABORATÓRIO ........................ 24

UM MÉTODO PARA MEDIR A SOMBRA ... 26

ORESTES DECIFRA DROSÓFILA ......... 30

MISTÉRIO ENTRE OS ROEDORES ........ 32

MATEMÁTICA FAZ BEM À SAÚDE ....... 33

GENE BOVINO DÁ MEDICAMENTOS ..... 36

MICROSCÓPIO MAPEIA CANAIS EM CÉLULAS VIVAS .................... 38

NA ONDA DO GRÁVITON ............... 42

TECNOLOGIA •••••••••••••••••••••• 46

LINHA DE PRODUÇÃO ...........•..... .46

NO CAMINHO DA INOVAÇÃO ........... 48

JÁ TEMOS RADAR DE LASER ............ 53

CD-ROM APÓIA DEFICIENTE ........... 56

CARVÃO REDUZ COLESTEROL DO OVO .. 60

HUMANIDADES ••••••••••• •••••••••• 62

CASA-GRANDE & SENZALA DOS MATARAZZO NA CALIFÓRNIA PAULISTA ................. 62

PRODUÇÃO NO INTERIOR, GESTÃO NA CAPITAL ................... 72

LIVROS •••••••••••••••••••••••••••• 75

LANÇAMENTOS ••••••••••••••••••••• 77

ARTE FINAL ••••••••••••••.••..•.••• 78

Capa: Hélio de Almeida, sobre

foto de A. Brugier

62 Estudo revela o cotidiano de servidão dos cortadores de cana na Fazenda Amália, na região de Ribeirão Preto

26 Pesquisa avalia espécies usadas na arborização urbana quanto à proteção contra a radiação solar e cria metodologia

..., SÃO PAULO

~ ~

NO MILENIO DO CONHECIMENTO

48 Projetes no campo da Astronomia estão propiciando o avanço tecnológico das empresas brasileiras que fornecem equipamentos e componentes para observatórios e satélites

42 Cientistas brasileiros entram no desafio internacional para captar ondas gravitacionais no espaço

PESQUISA FAPESP • JANEIRO/FEVEREIRODE2001 • 3

Page 4: Servidão e abandono

Mundo dos pesquisadores

A propósito da notícia "Turbu­lências no mundo das partículas" (Pesquisa FAPESP No 60): o co­mentário do autor da nota, que diz "O temor é compreensível. Se a descoberta for verdadeira, a Teoria Quântica estará errada - e não há nada para se colocar no lugar", re­vela uma incompreensão funda­mental do mundo dos pesquisado­res. Nada seria mais auspicioso do que uma quebra da teoria vigente, principalmente não havendo "nada para se colocar no lugar". Tudo por fazer! Isto é o Paraíso!

HENRJQUE FLEMING

Instituto de Física/USP São Paulo, SP

Fuga de cérebros

Interessante a iniciativa da FA­PESP em reformular o sistema de pós-doe e impedir a "fuga de cére­bros': Entretanto, vamos lembrar que o pós-doe está no" limbo" entre o estudante e o pesquisador profis­sional. São pessoas com seus 30 anos que ainda não tiveram primei­ro emprego. "Fuga de cérebros"? Ora... se depois do (n+ 1 )-ésimo pós-doe não tiverem real incorpo­ração institucional, os cérebros vão fugir sim ... , do país ou da ciência. Enquanto não tivermos um modo adequado de absorver os recém­doutores e pós-does (centros emer­gentes, pesquisas industriais, uni­versidades particulares, etc.), o prolongamento do pós-doe será um paliativo ... Quando o pós-doe terá estabilidade profissional para ter, digamos, seu primeiro filho? (sem falar de casa própria, etc., etc. .. ). Aumentar o incentivo ao pós-doe não é a solução ... mas al­guém tem alguma idéia melhor?

RlCARDO VtNCIO

Instituto de Física /USP São Paulo, SP

4 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Espírito crítico

Recebi e li a edição de dezembro da revista Pesquisa FAPESP. Os arti­gos são muito interessantes, mas não pude deixar de notar, não sei se por causa do tema de capa da edi­ção- Capital de risco para a inova­ção tecnológica-, uma sensível fal­ta de espírito critico em relação a esse mesmo tema. Ou seja, não há um artigo ou nota que informe que há cientistas que não concordam com o caminho da integração (sub­missão?) com as demandas do mer­cado, que aparentemente a revista da FAPESP defende. Creio que, no mundo, há vários pesquisadores de renome, como Fritjof Capra, Je­remy Rifkin, Jack Kloppenbourg Jr, Vandana Shiva, Edgar Morin, Achim Seiler, Andrés Groz, Meyer­Abich, Pat Money, entre outros, que não aceitam com tanta tranquilida­de essa tão defendida integração da pesquisa científica e tecnológica oficial com as empresas transnacio­nais e seus interesses de mercado. E isso porque estas têm interesse ape­nas naquilo que possam patentear para ter lucro imediato ou impedir o acesso de concorrentes à inová­ção. Tudo, inclusive ou principal­mente, aquilo que estiver relaciona­do com A VIDA. São indústrias da ciência da vida. Sugiro que nos pró­ximos números, quando aborda­rem um tema, procurem ouvir tam­bém "o outro lado", ou seja, aqueles que discordam da posição oficial da publicação!

Revista

RlCHARD DULLEY

Pesquisador do Instituto de Economia Agrícola

São Paulo, SP

Gostaria muito de receber a re­vista mensal Pesquisa FAPESP, de excelente qualidade. Sou professor da Faculdade de Matemática da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

IVAN RICARDO TOSMANN

Porto Alegre, RS

A Biblioteca da Fundação Insti­tuto Tecnológico do Estado de Per­nambuco (Itep) gostaria de receber a publicação Pesquisa FAPESP, de grande importância para os pesqui­sadores desta instituição.

CIDA MORAIS

Itep Recife, PE

Leí un ejemplar de ustedes, increíble. Es una revista muy interesante, con temas variados sobre tecnologia, investigación y desarrollo agrícola, industrial y ambiental...Tuve la oportunidad de conocer a personal de la em­bajada brasilefia en Guatemala, que gentilmente me proporcioná ejemplares dei afio pasado. Me agradaria recibirla siempre.

LUIS FERNANDO ÜRELLANA

Ciudad Guatemala, Guatemala

Recebi de um amigo um exem­plar da revista Pesquisa FAPESP de maio/2000 e achei a revista espeta­cular. Quero parabenizar a equipe responsável pelo excelente trabalho e gostaria de saber a possibilidade de receber a revista.

ÂNGELA MARIA DE SOUZA

Unidade de Inovação e Acesso à Tecnologia - Sebrae/SE

Aracaju, SE

Trabalho na Fundação Arthur Bernardes, que é a fundação que ge­rencia os projetos de pesquisa da Universidade Federal de Viçosa. Como a revista Pesquisa FAPESP é uma excelente publicação no con­texto de P&D, gostaria de assiná-la para os diretores.

ESTER GOMIDE

Fundação Arthur Bernardes/UFV Viçosa, MG

Page 5: Servidão e abandono

PeÇüsa PESQUISA FAPESP

f UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA

DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE·PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO

FLAVIO FAVA DE MORAES JOSf JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VI EIRA JUNIOR

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI

VAHAN AGOPYAN

CONSELHO T~CNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE (AMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR.JOSf FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSf FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORES ADJUNTOS

MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NELDSON MARCOLIN

EDITOR DE ARTE HfLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI ICifNCIA)

CLAUDIA IZIQUE (POL TICA C&T) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)

EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO

REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETTA

ARTE JOSf ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÃO)

TÃNIA MARIA DOS SANTOS (DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA)

COLABORADORES ANA MARIA FlORI

CLAUDIO EUGfNIO LUCAS ECHIMENCO

MARIA APARECIDA MEDEIROS MAURICIO TUFFANI

RITA NARDY SHEILA GRECCO

SUZEL TUNES

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 26.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, N' 1500, CEP OS468·901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TEL. (0 - 11 ) 3838-4000 - FAX: (0 - 11 ) 383B·4117

ESTE INFORMATIVO ESTA DISPONIVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http1/www.fapesp.br e-mail: [email protected]

~PROIBIDA A REPRODUÇAO TOTAL OU PARCIAl DO MATERIAL DESTA PUBLICAÇÃO SEM PREVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CltNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONOMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITORIAL

Luz sobre a história dos vencidos

Sabe-se que a história é escrita pelos vencedores. Sabe-se tam­bém que as versões, não raro,

ganham dimensões maiores que os fatos. Apesar destes dois conhecidos clichês serem verdadeiros, há um ter­ceiro que dá algum alento aos que lutam para reestabelecer a verdade histórica: nenhuma mentira dura para sempre. A verdadeira história do império conhecido no passado recente como Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo (IRFM) ainda está para ser contada. Um fragmento nada dignificante dela começou a emergir a partir do projeto Mulheres da Cana: Memórias, coordenado pela socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva. O estudo ilumina o co­tidiano dos cortadores de cana da fa­zenda Amália, de propriedade das IRFM, durante seis décadas e mostra como foram perversas as relações trabalhistas durante a maior parte deste tempo para os trabalhadores rurais. Maria Aparecida conta um pouco da história dos vencidos.

É preciso dizer que a relação esta­balecida pelos Matarazzo com seus empregados rurais estava longe de ser exceção no Brasil. Ela era farta­mente reproduzida pelo país afora. O Estatuto do Trabalhador Rural, que iguala os direitos do homem do cam­po aos do trabalhador urbano, só surgiu em 1963. Antes, não havia leis que assegurassem férias, 13° salário, carteira assinada ou assistência mé­dica ao lavrador. Podia ser imoral, mas não era ilegal.

A vida das mulheres era ainda mais dura que a dos homens. Antes de sair para cortar cana, elas tinham de preparar o café. Quando voltavam para casa, sempre havia os filhos, o jantar e a casa para cuidar. Fora da fa­zenda, conseguir emprego sempre foi difícil. E na velhice, invariavelmente ainda têm de cuidar do marido

doente e, não raro, alcoólatra. A socióloga Maria Aparecida conheceu o universo dos trabalhadores rurais de perto. Ela passou a infância numa fazenda de sua família, em Altinópo­lis, e chegou a participar das colheitas de café. Sempre se interessou em pes­quisar as formas de exploração do trabalho agrícola. O repórter especial de Pesquisa FAPESP, Marcos Pivetta, foi destacado para escrever sobre o belo estudo da socióloga. A reporta­gem começa na página 62.

Os meses de janeiro e fevereiro parecem estar se tornando auspicio­sos para a ciência brasileira. No ano passado, no mesmo período, foi anunciada a conclusão do mapea­mento da bactéria Xylella fastidiosa. Agora, em 2001, a safra de boas notí­cias foi melhor ainda. Anunciou-se no Palácio dos Bandeirantes, em evento realizado no dia 4 de janeiro, o completo seqüenciamento da bac­téria causadora do cancro cítrico na laranja, a Xanthomonas citri, e o mapeamento de mais de 80 mil ge­nes da cana-de-açúcar. Também foi divulgado a marca de um milhão de seqüências de genes expressos em tumores, obtida pelo Projeto Geno­ma Humano do Câncer, o dobro da meta inicial. Toda a cobertura do evento começa na página 14.

Mas não foi só. Os diretores da FAPESP lançaram, no mesmo even­to, o programa Consórcios Setoriais para a Inovação Tecnológica (Con­SITec), com o objetivo de ampliar a interação entre a comunidade de pesquisa do Estado de São Paulo e o setor empresarial (página 16). E anunciaram a integração da rede ele­trônica acadêmica de alta velocidade de São Paulo, Advanced ANSP, à re­de Internet 2 mundial (página 17) . Agora, é trabalhar para que essa tradição de bons janeiros e fevereiros continue assim.

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • S

Page 6: Servidão e abandono

MEMÓRIAS ·' ' .

Os 50 anos do CNPq

Um dos principais construtores da Ciência e Tecnologia brasileira está completando 50 anos. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq) nasceu em 1951 com o nome de Conselho Nacional de Pesquisas, poucos dias antes de o presidente Eurico Gaspar Dutra transmitir o cargo a Getúlio Vargas. A instituição foi criada tendo como espelho organizações semelhantes dos Estados Unidos, da

6 • JANEIRO /FEVEREIRODE1001 • PESQUISA FAPESP

Encontro Na primeira reunião do Conselho Deliberativo, decisões sobre aparelhos para pesquisa

Fundadores Os primeiros integrantes do CNPq criaram institutos e centros

Page 7: Servidão e abandono

França e do Canadá. Na primeira reunião do Conselho Deliberativo, em 17 abril de 1951, discutiu-se a aquisição de um sincrocíclotron (tipo de acelerador de partículas pesadas) para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Nos primeiros dez anos, foram criados cinco institutos de pesquisa. Em 1974, o CNPq é transformado em fundação e a partir de 1985 passa a atuar como um grande articulador de ações de longo prazo no setor.

Quartel general Criado em

15/1/51, o instituto ganhou um novo prédio, em 1976,

em Brasília

Fomento Além de financiar pesquisas em todas

as áreas do conhecimento e formar recursos humanos, o CNPq criou

também centros importantes, como o Instituto de Matemática Pura e

Aplicada (lmpa) e o Instituto de Pesquisas da Amazônia (lnpa)

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 7

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OPINIÃO

MÁRIO COVAS

Um bem comum a todos os homens Uma política lúcida construiu a liderança paulista na pesquisa brasileira

Se há um bem que é comum a todos os ho­mens, este bem é a ciência. Desde muito cedo procuraram os cientistas estabelecer uma co­

munidade de conhecimentos que, ultrapassando as fronteiras físicas e políticas, colocasse o saber a serviço da humanidade.

Muito antes da Internet, criou-se uma verda­deira rede internacional do saber, fundamentada na permuta contínua de experiências, no acesso a informações e a novas descobertas, em que tenham pesado interesses comerciais ou estratégicos. O sécu-

muitas lógicas. Mas que deve estar atento, sobre­tudo, à lógica da urgência imposta pela necessidade de superar as desigualdades como as existentes na nossa sociedade. Para tanto, é indispensável pre­servar a tecnologia como o elo entre a ciência e os cidadãos comuns. Os últimos cem anos intensifi­caram nosso convívio com novas tecnologias. Rá­dio e TV; automóveis e aviões, computadores e raio laser fazem parte do cotidiano e mudaram nossas

representações sobre o mundo. Agora, não existe mais o inima-

ginável: tudo é ou será possível. E lo XX presenciou um desenvolvi­mento científico e tecnológico sem precedentes.

No cenário em que se deu este avanço persistiram, entretanto, as duas leis contraditórias referidas por Louis Pasteur, quando da inau­guração do instituto que leva o seu nome: a lei que inventa sempre no­vos meios de destruição e uma lei de paz, trabalho e saúde, que busca sem­pre novos meios para livrar o ho-

"É no exercício da lei da paz, do trabalho e

ainda que isto possa não ser verda­deiro, certamente sua crença im­pulsiona o conhecimento cada vez mais para longe. Porque a ciência é assim: a exemplo de Prometeu, roubou o fogo dos deuses, para ci­vilizar os homens. E foi condenada. Não a ter o fígado interminavel­mente devorado por uma águia, mas a jamais ver saciada a sua cu­riosidade. Pois se uma nova des-

da saúde, referida por Pasteur, que São Paulo tem incentivado a pesquisa,

mem dos flagelos que o assaltam. É no exercício da lei da paz, do

trabalho e da saúde que São Paulo tem incentivado a pesquisa, desti-nando, anualmente, cerca de 12,5% da arrecada­ção do ICMS a três das melhores universidades do país, a 19 institutos de pesquisa, a 109 escolas de ensino técnico, e à FAPESP.

Esta política, que assegurou ao nosso estado inequívoca posição de liderança, é a principal res­ponsável pela classificação do Brasil em 18° lugar entre as vinte primeiras nações produtoras de ciência e tecnologia.

Uma nação só é ou será moderna se obtiver de­senvolvimento econômico e social e estes só serão alcançados com base no desenvolvimento científi­co e tecnológico, concluiu a Conferência Mundial sobre Educação da ONU, em 1998.

São Paulo sabe disto. Sabe também que, para consolidar-se, o processo de inovação deve observar

8 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

coberta pode conduzir a algumas certezas, suscita um número enor­memente maior de dúvidas.

Sabe bem disso a FAPESP, insti-tuição de incontestável prestígio no

Brasil e no exterior, comprometida com um dos projetas científicos mais importantes da atualida­de, o Programa Genoma.

Que encantamentos a ciência nos propiciará neste século em que se dilatam os limites do uni­verso e multiplicam-se as galáxias e os planetas? Que surpresas nos reservarão estes homens que, como Newton, se apoiam nos ombros de gigantes para enxergar mais longe?

Mais que aguardar estas respostas, cabe a São Paulo estimular as condições para que elas sejam encontradas, abrindo, então, novos caminhos para novas indagações.

M ARIO CovAs é governador do Estado de São Paulo

Page 9: Servidão e abandono

o www.scielo.br

As publicações científicas brasileiras estão ao alcance de suas mãos. Não importa

em que parte do mundo você esteja

SciELO- Scientific Electronic Library Online é uma biblioteca de revistas científicas disponí­

vel na Internet. Uma biblioteca virtual que reúne 53 publicações científicas brasileiras. Sua

interface permite o acesso fácil aos textos completos de artigos científicos, por meio das ta­

belas de conteúdos dos números individuais das revistas ou da recuperação de textos por

nome de autor, palavras-chaves, palavras do título ou do resumo.

A SciELO publica também relatórios atualizados do uso e do impacto da coleção e dos tí­

tulos individuais das revistas. Os artigos são enriquecidos com enlaces dinâmicos a bases de

dados bibliográficas nacionais e internacionais e à Plataforma Lattes no CNPq.

SciELO é produto do projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME!OPAS/OMS e editores

científicos brasileiros, iniciado em 1997, com o objetivo de tornar mais visível, mais aces­

sível e incentivar a consulta das mais conceituadas revistas dentíficas brasileiras. Em 1998,

a coleção SciELO Brasil passa a operar normalmente na Internet e projeta-se rapidamente

como modelo de publicação eletrônica de revistas científicas para países em desenvolvimen­

to, em particular da América Latina e Caribe. Ainda em 1998, o modelo é adotado pelo Chi­

le e em 1999 começa a operar a coleção SciELO Saúde Pública, com as melhores revistas

científicas de saúde pública ibero-americanas. Outros países estão em processo de incorpo­

rar-se à rede de coleções SciELO.

O modelo SciELO destaca e valoriza a comunicação científica brasileira. Ao mesmo tempo,

proporciona mecanismos inéditos de avaliação de uso e de impacto das nossas revistas cien­

tíficas, em consonância com os principais índices internacionais de produção científica.

Adote a SciELO como sua biblioteca científica.

~ .._, ~

GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico BIREME I OPAS I OMS www.fapesp.br

Page 10: Servidão e abandono

POlÍTICA CIENTrFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS

PersplctM de rKelta Estimativa para cada programa criado- em milhões de RS

Fundos 2001 2001-2005

Energia** 100 560 Recursos Hídricos** 25 120

UnlversldadeJEmpreu (Verde-Am....to)* 240 1.320

Mineração** 5 20

Espacial** o 80

Transportes** 10 120

Infra-Estrutura (Fundo dos Fundos) 200 1.160 Petróleo* 130 720

Informática** 50 265 Funttel (Telecomunicações)*** 255 1.440

'1'clítat i _,,. t.o15 ... · .. 5.805

*Único em operação. -Aprovado pelo Congresso e sancionado pelo

presidente da República. *** Dependendo de aprovação do Congresso.

Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia

Salvação da lavoura O setor de ciência e tecno­logia começa a ganhar mais recursos. No final do ano passado, foi aprovado pelo Congresso o Progra­ma de Estímulo à Intera­ção Universidade-Empre­sa, conhecido como Fundo Verde-Amarelo. O objetivo é ampliar a cooperação entre os centros nos quais se faz pesquisa e o setor produtivo para elevar o in­vestimento em desenvolvi­mento tecnológico no país. O fundo estipula uma contribuição de 10% de empresas sobre paga­mentos relativos a royalties por uso de tecnologia es­trangeira, assistência técni­ca e serviços. Só neste ano, como resultado da nova lei, deverão ser aplicados R$ 240 milhões no setor. A lei que instituiu o fundo

determina que Norte, Nordeste e Centro-Oeste recebam 30% dos recur­sos. O fundo é parte de uma estratégia para con­solidar áreas vitais para o país. Por isso, estão sendo criados outros oito fundos setoriais (veja quadro). A única ressalva ao Verde­Amarelo vem da indústria: os 10% são considerados mais um imposto. Insatis­feita, a Confederação Na­cional da Indústria (CNI) conseguiu um acordo com o governo de tributação progressiva. Ocorre que foi editada medida provi­sória (MP) para comple­mentar a lei sem esse item. Se a próxima MP não con­tiver o acordo, a CNI pro­mete entrar com uma Ação Direta de Inconstitu­cionalidade. •

10 • JANEIRO/ FEVEREIRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

Brasileira ganha prêmio Women in Science

Uma brasileira está entre as cinco cientistas escolhidas como ganhadoras do prêmio Women in Science, uma par­ceria entre a Organização das Nações Unidas para a Educa­ção, Ciência e Cultura (Unes­co) e a L'Oréal, fabricante francesa de cosméticos. A geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Huma­na e pesquisadora do Institu­to de Biociências da Universi­dade de São Paulo (USP), foi a ganhadora brasileira. As

Mayana Zatz: surpresa

outras quatro são Adeyinka Gladys Falusi (Nigéria), Joan A. Steitz (Estados Unidos), Anne Mclaren (Grã-Breta­nha) e Suzanne Cory (Austrá­lia). Este é o segundo ano da premiação. As candidatas são indicadas por 400 patronos escolhidos entre personalida­des eminentes da comunida­de científica internacional. Os nomes são enviados a um júri altamente qualificado - o presidente deste ano foi Christian de Duve, ganhador do Nobel de Medicina de 1974 -, que analisa os currí­culos e escolhe as cinco pre-

miadas. "Fiquei absoluta­mente surpresa", diz Mayana. "Eu não tinha nenhuma es­perança de ganhar:' Ela rece­berá o prêmio (US$ 20 mil) em Paris no dia 28 de feverei­ro com as outras cientistas. •

Preparação para o 3° Venture Forum

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) reuniu no dia 1 o de fevereiro 46 em­presários e professores para a apresentação do Projeto Ino­var e do 3° Venture Forum, que ocorrerá em São Paulo dias 18 e 19 de abril. Será uma boa oportunidade para se in­formar sobre o modelo de fi­nanciamento conhecido co­mo venture capital (capital de risco), que consiste em dirigir recursos para empresas nas­centes e com perspectivas de crescimento rápido. O fórum tem o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep ), Associação Brasileira de Capi­tal de Risco (ABCR) e FA­PESP. Já foram realizados outros fóruns no Rio de Ja­neiro e em Porto Alegre, com sucesso. A reunião preparató­ria na Unicamp foi comanda­da por Luciane Gorgulho, da Finep, e Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FA­PESP. A meta para o 3° Ven­ture Forum é atrair 80 inves­tidores. Quem perdeu o prazo para a seleção do encontro de abril deve ficar atento às próximas reuniões no site www.venturecapital.com.br. •

Bactérias da agricultura

O congresso Agricultura! Mi­crobes Genome 2, sobre ge­nomas de bactérias agrícolas,

Page 11: Servidão e abandono

realizado de 17 a 19 de janeiro, em San Diego, Estados Uni­dos, reafirmou a liderança brasileira no setor. No encon­tro do ano anterior, os brasi­leiros apresentaram o traba­lho com a bactéria Xylella fastidiosa, o primeiro seqüen­ciamento de um fitopatóge­no. "No encontro deste ano, mostramos o mapeamento da bactéria Xanthomonas citri -e também desta vez fomos o único grupo no congresso que apresentou novidades

Uma Física mais atraente nas salas de aula

Laranja com Xan thomonas

nessa linha", diz Fernando Reinach, um dos coordena­dores do Genoma Xanthomo­nas, junto com Jesus Apareci­do Ferro e Ana Cláudia Ra­sera da Silva. O congresso foi patrocinado por três agências financiadoras de pesquisa pa­ra a agricultura ligadas ao go­verno norte-americano. •

Saúde e educação lideram pesquisa

Habituado a freqüentar as úl­timas posições nas listas com indicadores mundiais de saúde

Dois lançamentos editoriais trazem ar fresco para o ensi­no de Física no Brasil. O primeiro é a criação da re­vista A Física na Escola, um suplemento da Revista Bra­sileira de Ensino de Física (RBEF). Ambas são editadas pela Sociedade Brasileira de Física. "Decidimos fazer uma outra revista voltada especialmente para quem dá aulas no ensino médio", explica o professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Nel­son Studart, criador da pu­blicação. Ele partiu da con­clusão de que é difíci l encontrar material de apoio moderno e funcional para esse nível de ensino. A revis­ta sai duas vezes por ano e a assinatura custa R$ 10,00. Outro bom lançamento é um livro que serve a todas as idades, mas deve ser utiliza­do por professores que de-

e educação, o Brasil se esforça para achar meios de melhorar seu lugar nesses rankings. O último levantamento do Con­selho Nacional de Desenvol­vimento Científico e Tecnoló­gico (CNPq), feito com 48.781 pesquisadores de 224 insti­tuições (universidades públi­cas e privadas e centros de pes-

Revista : para quem dá aulas

sejam tornar as aulas mais dinâmicas. Física Mais Que Divertida (Editora UFMG/ Comped/Inep, 116 páginas, R$ 26,00), de Eduardo de Campos Valadares, profes­sor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é o resultado de numerosas experiências bem-sucedidas feitas com alunos de gra­duação da universidade. A proposta é levar professores e alunos a entender a física a

quisa) no período de 1998 a 2000, revelou que as duas áreas nas quais•há mais gru­pos trabalhando são medici­na (737) e educação (631). O censo do CNPq também mos-

. trou uma curiosidade. Nas faixas até 24 anos e dos 25 aos 29, as mulheres são maioria na pesquisa. À medida que a

lbope em alta... . .. e em baixa Áreas do conhecimento que mais (e menos) atraem pesquisadores brasileiros

As cinco mais Grupos de pesquisa As cinco menos Grupos de pesquisa

Medicina 737 Desenho Industrial 12

Educação 631 Eng. Naval e Oceânica 10

Química 598 Turismo 6

Agronomia 535 Economia Doméstica 5

Física 486 Museologia 1

Fonte:CNPq

Livro: experiências fáceis

partir de experimentos prá­ticos, usando material reci­clado e ferramentas de uso doméstico. "O ensino de ciência é excessivamente li­vresco, com a eterna fórmu­la leitura-exercício-prova", critica Valadares. "Fazer ex­periências torna a teoria mais atraente e compreensí­vel, o que facilita o entendi­mento do aluno e transfor­ma as aulas em um mo­mento aguardado por ele." •

idade vai subindo, os homens aparecem em maior número. Ou seja, a tendência é que as mulheres se tornem maioria absoluta em alguns anos. •

Coleção ganha menção honrosa

O livro Bibliotheca Universita­tis: Acervo Bibliográfico da Uni­versidade de São Paulo Século 15 e 16, da Coleção Uspiana Brasil500 anos, feito pelos pro­fissionais do Sistema Integrado de Bibliotecas (SIBi/USP), ga­nhou a Menção Honrosa do Instituto Histórico e Geográfi­co de São Paulo em janeiro. Publicada pela Edusp e Im­prensa Oficial, a obra é o quar­to volume da coleção e reúne 224 títulos desse período do acervo das bibliotecas da USP. •

PESQUISAFAPESP • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 11

Page 12: Servidão e abandono

Vendem-se partes de seqüenciamento de genes Uma companhia japonesa de seqüenciamento de ge­nes desenvolveu um mode­lo de negócio no qual in­vestidores poderão com­prar apenas algumas partes de um genoma já mapeado. Segundo relata a revista Nature (edição de 21/28 de dezembro de 2000), a idéia partiu de Takara Shuzo, que pretende transformar uma de suas empresas, a Dragon Genomics, na

Cobertura científica é reprovada na França

A doença da "vaca louca", o aquecimento global e os ali­mentos transgênicos fize­ram mais uma vítima na França: os meios de comu­nicação. A credibilidade da imprensa, do rádio e da tele­visão está em baixa, e a co­bertura de assuntos científi­cos, sobretudo de temas polêmicos como os citados, é apontada como uma das principais causas dessa si­tuação. Encomendada pelo

maior companhia desse tipo da Ásia. Shuzo con­cluiu que o crescimento do número de projetos requer novos caminhos de finan­ciamento, que não sejam os governamentais ou aqueles bancados apenas por uma companhia privada. O mo­delo de investimento para a Dragon foi planejado para atrair investidores que es­tão interesssados em proje­tos privados. Hoje há pia-

jornal La Croix e pela revista Télérama, uma pesquisa realizada pelo instituto de opinião Sofres mostrou que apenas 47o/o dos telespecta­dores, SOo/o dos leitores de jornal e 55 o/o dos ouvintes de rádio acham que as coisas se passam da forma como são publicadas ou vão ao ar. Em 1999, os índices de confian­ça nos relatos da TV, im­prensa e rádio eram de 58o/o, 58 o/o e 63o/o. A sondagem ou­viu mil franceses entre os dias 21 e 26 de dezembro de 2000. Ao lado da cobertura

12 · JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

nos para seqüenciar o ge­noma do chimpanzé, bi­cho-da-seda, atum e da ba­leia tanto quanto de espécies de algas e cogume­los com valor medicinal. Alguns desses projetos de­verão se tornar realidade a partir deste ano e os lucros resultantes do trabalho se­rão repartidos entre os in­vestidores. Outras empre­sas, como a de jogos de computador Konami, já usaram esse modelo de ne­gócio baseado em financia­mento de projetos indivi­duais. Mas Takara Shuzo acredita que a Dragon será a primeira companhia a fa­zer isso na área de biotec­nologia. Ele terá de criar uma companhia à parte para operar na distribuição de informações e dividen­dos para os investidores, que poderão acompanhar o seqüenciamento, as paten­tes e os acordos de licencia­mento em um site na Inter­net. As operaçõe~ da Dra­gon começam neste pri-meiro semestre. •

política de assuntos ligados aos partidos do país e movi­mentos de direita, o noticiá­rio científico foi o mais criti­cado pelos entrevistados. As pessoas ouvidas acham que os jornalistas, na verdade, não explicam direito as notí­cias vindas dos centros de pesquisa e universidades. Quando o assunto é ciência, dois de cada três jovens en­tre 18 e 24 anos disseram não estar satisfeitos com o que lêem, vêem e ouvem na televisão, no rádio e nos jor­nais franceses. •

Clonagem de embrião humano

Embrião: pesquisa co ntra doenças

A Grã-Bretanha deu um pas­so importante para se man­ter na vanguarda da indús­tria de biotecnologia, em janeiro. A Câmara Alta do Parlamento britânico apro­vou a clonagem de embriões humanos para uso terapêuti­co por 212 votos a 92. Os de­putados da Casa dos Co­muns já haviam tomado a mesma decisão e, agora, a medida vai virar lei. Para evitar que a polêmica causa­da pela aprovação aumente, em maio deverá ser submeti­da aos parlamentares uma legislação proibindo a repro­dução humana por clona­gem. Os cientistas poderão trabalhar com células- mãe (ou células-tronco) de teci­dos de embriões para tentar achar tratamento para várias doenças, como mal de Par­kinson, Alzheimer ou lesões cerebrais, por exemplo. An­tes da lei, os tecidos embrio­nários podiam ser usados apenas para tratar proble­mas como infertilidade e pesquisa. Com a aprovação, eles poderão ser implantados em órgãos. Os primeiros tes­tes em seres humanos deve­rão começar a ser feitos de três a cinco anos. •

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Acordos do Brasil com Chile e Argentina

A FAPESP firmou com o Conselho Nacional de Ino­vação em Ciência e Tecno­logia (Conicyt), do Chile, em janeiro, um acordo de cooperação para desenvol­vimento de projetos de pes­quisa comuns. O primeiro deles já está acertado: se­qüenciar o genoma da bac­téria Leptospirillum ferroxi­das, microrganismo impor­tante na biomineração por­que ajuda a purificar metais de modo mais limpo. "Além disso, essa bactéria vive em situações extremas de tem­peratura e acidez e será inte­ressante conhecer seu geno­ma para tentar entender tal capacidade de adaptação", explica José Fernando Perez, diretor científico da FA­PESP. O trabalho a ser feito permite a imediata integra­ção de pesquisadores entre os dois países. "Decidimos dar um impulso maior nas relações com o Brasil abrin­do novas linhas de coopera­ção, como esta, que foi assi­nada com a FAPESP", diz Ximena Gómez de La Torre, chefe do Departamento de Relações Internacionais do Conicyt. Também com a Ar-

ELAT

G~ de Eletricidade Atmosferica

gentina há planos de proje­tos conjuntos num futuro próximo. Em novembro de 2000 foi firmado um proto­colo de intenções entre a Se­cretaria de Ciência, Tecno­logia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e a de Cultura e Educação da Província de Buenos Aires. Os dois acor­dos são importantes para o país também na área de polí­tica externa e estão sendo acompanhados pelas embai­xadas brasileiras no Chile e

Fim do LEP, começo do LHC

na Argentina.

China e Rússia farão pesquisa juntas

LEP, laboratório do Cern: missão cumprida Os diretores das Academias de Ciência da Rússia e da China assinaram um acordo para realizar pesquisas de novos materiais. Institutos científicos especializados em nanotecnologia vão condu­zir projetos conjuntamente, facilitando o intercâmbio científico e promovendo a industrialização dos resulta­dos. Os líderes das duas aca­demias deverão se encontrar regularmente para assegurar a implementação do acordo, segundo a revista Nature (edição de 21/28 de dezem­bro de 2000). •

Na última reunião de 2000 do conselho do Cern (Centro Europeu de Física de Partículas) foi definitivamente aprovada a desativação do labora­tório de aceleração LEP (Large Electron-Positron, em inglês), de acordo com a revista Nature (edição de 21/28 de de­zembro). Quase no fim do tempo de uso para o qual havia· sido planeja­do, no ano passado o la­boratório cumpriu sua

Ciência na web

~ ..... ..... - Indiana University

Molecular Structure Center

missão principal, que era tentar vislumbrar um si­nal da existência do bó­son de Higg, uma partí­cula fundamental. A construção do laborató­rio que sucederá o LEP, o Large Hadron Collider (LHC), deve começar ain­da este semestre, mas só deve ficar pronta em 2005. O presidente do Cern, Luciano Maiani, re­sumiu as mudanças com humor: "O rei está mor-to. Viva o rei". •

PROTEÇÃO CONTRA RELÂMPAGOS

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Este site do Grupo de Eletricidade Atmosférica do lnpe tem informações completas sobre raios e tempestades.

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PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 13

Page 14: Servidão e abandono

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

EVENTO

~

SÃO PAULO

NO MILÊNIO 00 CONHECIMENTO

Via Internet 2, Goldenstein, da NSF, participou da cerimônia onde foram anunciados novos projetas

Colhendo resultados Anunciados marcos e novas metas da pesquisa científica

O governo do Estado de São Paulo e a FAPESP anuncia­

ram, no dia 4 de janeiro, a conclusão do seqüenciamento genético da bac­téria Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico, e do mapeamento dos mais de 80 mil genes da cana­de-açúcar. Os dois projetos - Geno­ma Xanthomonas e Genoma Cana -iniciam a sua segunda fase, quando serão realizadas análises funcionais dos genes, com o objetivo de encon­trar tanto a cura para o cancro cítri­co como soluções para melhorar a

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qualidade da cana-de-açúcar produ­zida no país.

Na cerimônia realizada no Palá­cio dos Bandeirantes, também seco­memorou a marca de 1 milhão de seqüências de genes expressos em tumores, obtida pelo Projeto Geno­ma Humano do Câncer, o dobro da meta inicial. Na mesma solenidade, o diretor-científico da FAPESP, José Fernando Perez, comunicou o lan­çamento do programa Consórcios Setoriais para a Inovação Tecnológica (ConSITec) e a integração da rede eletrônica acadêmica de alta velo­cidade de São Paulo,AdvancedANSP, à rede Internet 2 mundial. Essa conexão permitiu que participasse da cerimônia, de Washington e pela Internet, Steve Goldenstein, da National Science Foundation (NSF),

a principal agência de fomento à pesquisa nos Estados Unidos, respon­sável pela aprovação da interligação com a rede Internet 2. (ver reporta­gens nas páginas 16/ 17).

"A história da vida econômica bra­sileira está registrada de maneira sui generis': afirmou o governador Má­rio Covas. "Há sempre um fator pre­dominante, às vezes por um período curto: a borracha, no caso do Ama­zonas, e o café, no caso de São Paulo. Na realidade, esta visão não é verda­deira." De acordo com o governador, aqueles que associam o desenvolvi­mento de São Paulo ao café não se dão conta de que, no Estado, a ciência e a tecnologia sempre tiveram um signi­ficado especial, afirmou, mencionan­do a atuação da FAPESP como um exemplo dessa vocação paulista para

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a produção do conhecimento. Parti­ciparam da cerimônia o vice-governa­dor, Geraldo Alckmin, os secretários de Ciência, Tecnologia e do Desenvol­vimento Económico, José Aníbal, da Saúde, José da Silva Guedes, da Agri­cultura, João Carlos de Souza Mei­relles; o presidente da FAPESP Carlos Henrique de Brito Cruz, o deputado Vanderlei Macris, presidente da As­sembléia Legislativa, reitores e pes­quisadores de diversas instituições.

Genoma Xanthomonas - O mapea­mento da bactéria Xanthomonas citri consolida a liderança do Brasil na área de genética de pragas agrícolas. A bactéria, causa­dora do cancro cí­trico, ataca os po­mares, causando prejuízos anuais de R$ 11 O milhões à economia paulista. Em 1999,porexem­plo, a doença foi responsável pela re­dução de 25% no total de caixas de laranjas produzidas, comprometendo a

meses, tempo considerado recorde. Contribuiu para isso a experiência ad­quirida no seqüenciamento da Xylella fastidiosa, causadora da Clorose Varie­gada de Citros (CVC), o primeiro re­alizado pela equipe. "No caso da Xy­lella, os 14 laboratórios realizaram o seqüenciamento dos seus 2,6 milhões de nucleotídeos em 24 meses. No da Xanthomonas, gastou-se a metade do tempo para mapear um genoma que tem o dobro do da Xylella", afirmou Ana Cláudia. Em janeiro, o Projeto Xanthomonas inicia a segunda fase. "Realizaremos a análise funcional do gene para encontrar a cura para o cancro cítrico", prevê a pesquisadora.

tada comum, laboratórios de São Paulo, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Nor­te, Minas Gerais e Alagoas. "Todos os laboratórios tiveram acesso ao banco de dados e puderam estudar os genes identificados", afirmou Arruda.

A segunda fase do projeto que agora se inicia é a da aplicação dos resultados do genoma. "Daqui a um ou dois anos, talvez possamos anun­ciar a primeira planta já produzida como resultado do genoma."

Genoma Câncer - O Projeto Genoma Humano do Câncer conseguiu iden­tificar, em menos de um ano de pes­

exportação do suco Simpson: um milhão Arruda: tecnologia para desenvolver novas plantas

Ana Cláudia: em busca da

quisas, 1 milhão de seqüências de genes de tumores mais fre­qüentes no Brasil. Esse número cor­responde a um ter­ço das seqüências genéticas produzi­das por instituições públicas em todo o mundo e equivale ao que o projeto Genoma Câncer norte-americano, CGAP, conseguiu em três anos. Os in-de laranja e sub- de seqüências de genes cura do cancro cítrico

traindo divisas ao país. "E a queda da produção também derruba o emprego no campo e na indústria extratora de suco': completa Ana Cláudia Rasera da Silva, do Ins­tituto de Química da Universidade de São Paulo e uma das coordenadoras do projeto, junto com Jesus Ferro, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Esta­dual Paulista (Unesp), em Jabotica­bal. Até agora, a única forma de con­trole conhecida é a erradicação das plantas doentes, lembra Ferro.

Os pesquisadores da rede ONSA (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos), criada pe­la FAPESP, concluíram, com o apoio do Fundo Paulista de Defesa da Citri­cultura (Fundecitros), o seqüencia­mento genético dos 5,175 milhões de nucleotídeos da Xanthomonas em 14

Genoma Cana - Os mais de 200 pes­quisadores dos 60 laboratórios en­volvidos no Projeto Genoma Cana identificaram os 80 mil genes que compõem a cana-de-açúcar um ano antes do prazo previsto. "A cana tem oito cópias de cada cromossomo e é difícil de manipular. Identificamos 53 mil genes únicos, responsáveis pela resistência da planta a pragas e calor e sua adaptação ao solo. Esse conhecimento vai permitir a utiliza­ção de tecnologias para desenvolver variedades de plantas mais resisten­tes e mais produtivas", disse Paulo Arruda, coordenador do projeto.

O Genoma Cana, o maior proje­to de análise dos genes expressos em plantas já realizado por uma institu­ição pública em todo o mundo, reu­niu, pela primeira vez numa emprei-

vestimentos de US$ 10 milhões, inicialmente previstos para o financiamento do projeto pa­trocinado pela FAPESP e o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, já somam US$ 20 milhões.

O projeto começou em abril de 1999. "No início, passamos meses aprendendo novas tecnologias. Em 2000, o projeto decolou e chegamos a essa marca seis meses antes do prazo previsto': afirmou Andrew Simpson, coordenador do projeto. "Não é a pri­meira vez que o governador de São Paulo vibra com as nossas conquistas': disse Simpson, dirigindo-se a Covas. "O senhor fez a sua parte e nós agrade­cemos profundàinente seu esforço."

Os dados obtidos no Projeto Geno­ma Humano Câncer começam agora a ser analisados em outro projeto, o do Genoma Clínico do Câncer. •

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 15

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

Comunhão de interesses ConS/Tec reunirá pesquisadores e empresas em projetas comuns

A FAPESP lançou, no dia 4 janei­.firo, no Palácio dos Bandeiran­

tes, o programa Consórcios Setoriais para a Inovação Tecnológica ( ConSI­Tec) com o objetivo de ampliar a in­teração entre a comunidade de pes­quisa do Estado de São Paulo e o setor empresarial.

O programa vai reunir em con­sórcios, por um período mínimo de três anos, a FAPESP, pesquisadores li­gados a universidades e instituições de pesquisa e grupos de, pelo menos, três empresas, com interesses tecno­lógicos comuns. "O consórcio é uma demanda da comunidade e pretende estimular a associação de grupos de pesquisa com conglomerados de em­presas", afirmou José Fernando Perez, diretor-científico da FAPESP. A ex­pectativa é que essas associações reu­nam indústrias de um setor ou em­presas de serviços, podendo incluir agências federais. O edital prevê o

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apoio da Fundação a um único con­sórcio em cada setor tecnológico.

A FAPESP e as empresas envolvidas no projeto dividirão os gastos com a estrutura básica do consórcio, como, por exemplo, a implantação e moder­nização de laboratórios voltados para a pesquisa tecnológica. A Fundação também poderá financiar, separada­mente, projetas de pesquisa tecnológi­ca apresentados individualmente pelos membros dos grupos consorciados.

Fundo de sustentação - A participa­ção da Fundação no financiamento da infra-estrutura do consórcio não será superior a 50% dos investimentos previstos e estará limitada a um má­ximo de R$ 200 mil por ano, nos pri­meiros três anos. Esse apoio tem por objetivo complementar os recursos apartados pelas empresas e permitir que o consórcio gerencie seu progra­ma de pesquisa, em parceria com ou­tros patrocinadores. O total de recur­sos da Fundação destinado ao apoio à infra-estrutura será da ordem de R$ 3 milhões, número que poderá die­gar a R$ 1 O milhões, se somado aos recursos para o financiamento de pesquisa, na estimativa de Perez.

As empresas conglomeradas, por sua vez, deverão investir no consórcio um mínimo de R$ 50 mil por ano, na forma de taxas de associação, de ma­neira a constituir um fundo de sus­tentação dos projetas. As associações formadas por pequenas empresas po­derão ter redefinidos os valores míni­mos de contribuição. Nesse caso, ades­proporção em relação à participação da FAPESP será compensada ao longo dos três primeiros anos do contrato.

As atividades dos consórcios se­rão avaliadas pela qualidade e resul­tado das pesquisas produzidas. Cada um dos projetas apresentados indivi­dualmente será monitorado pela as­sessoria científica da FAPESP ou por outras agências de fomento que finan­ciarem projetas individuais desenvol­vidos no âmbito do consórcio. "Um dos critérios para medir o sucesso de cada consórcio será a sua capacidade de gerar pesquisa", ressalva Perez.

O financiamento inicial poderá ser estendido por período de mais três anos, mas, neste caso, a partici­pação da FAPESP no consórcio fica­rá restrita a R$ 100 mil por ano. A ex­pectativa é que, ao final do sexto ano, o consórcio se torne auto-suficiente.

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Esse prazo poderá ser ampliado em situações excepcionais.

Poderão participar do Programa ConSITec grupos de pesquisadores de uma ou mais instituição de pesquisa, dispostos a participar do custeio do consórcio, e grupos de empresas que se comprometam a contribuir com a taxa de associação estipulada no edital. As propostas encaminhadas à FAPESP deverão conter informações sobre o fo­co técnico do consórcio, justificativa de sua formação, histórico das realiza­ções da equipe, descrição das instala­ções, entre outras, além do compro­misso de retardamento de publicação até o eventual depósito de patente e a definição da política de propriedade intelectual que contemple tanto licen­ças não exclusivas e isentas de royalties como licenças exclusivas com royalties.

As propostas serão avaliadas pelos critérios usualmente utilizados pela FAPESP: relevância empresarial, defi­nição do programa de pesquisa, grau de interação entre a instituição de pes­quisa e empresa, adequação aos obje­tivos do ConSITec e grau de compro­misso das instituições de pesquisa com o consórcio. A avaliação de cada um dos projetas será anunciada seis meses após o seu recebimento. Esse modelo de parceria, que aproxima a pesquisa científica das empresas, foi elogiado em editorial da Folha de S. Paulo, no dia 8 de janeiro de 2001, sob o título "Economia Reticular".

Desenvolvimento de produtos - O ConSITec se respalda no sucesso dos programas de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) e no Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). O PIPE, lançado em 1997, fi­nancia pesquisas que tem como obje­tivo a inovação de produtos com po­tencial de retorno econômico, em pequenas empresas. Já estão em an­damento 133 projetas de pesquisas e outras 94 propostas estão sob análise.

O PITE financia a fundo perdido, desde 1995, projetas de pesquisa de­senvolvidos por encomenda de uma empresa. Já estão aprovados 50 proje­tas, nas diversas áreas. •

POlÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INTERNET 2

O Brasil na rede

Acordo com a NSF conecta pesquisadores em alta velocidade

ANational Science Foundation (NSF), a principal agência de

fomento à pesquisa nos Estados Unidos, aprovou a conexão da rede ANSP (Academic Network at São Paulo), criada pela FAPESP, à rede de alta velocidade conhecida como Internet 2. Por meio desse canal ex­clusivo, que opera a uma velocidade de 155 megabits por segundo, pes­quisadores dos cerca de 100 institu­to de pesquisas do Estado de São Paulo poderão conectar-se com pesquisadores de 180 instituições e universidades norte-americanas, para trocar informações, em tempo real, com alta resolução de texto, imagem e voz. Atualmente, as cone­xões por Internet comum se fazem a

uma velocidade de 12 megabits. O anúncio do acordo com a NSF foi feito no dia 4 de janeiro, no Palácio dos Bandeirantes.

"A Internet 2 é o Rodoanel da comunicação", comparou José Fer­nando Perez, diretor-científico da FAPESP. O passaporte de acesso à essa rede de alta velocidade mantida pela NSF foi o projeto SinBiota, um sistema de informação ambiental que integra o projeto Biota/FAPESP, de mapeamento e análise das infor­mações sobre a biodiversidade no Estado de São Paulo. Os dados do SinBiota serão disponibilizados, por meio da Internet 2, aos pesquisado­res norte-americanos que partici­pam do projeto Species Analyst, da rede de informações sobre a biodi­versidade da América do Norte, e vlCe-versa.

Mas, além do Biota, ainda há a perspectiva de integrar, também por meio dessa rede de alta veloci­dade, as pesquisas do projeto Geno-

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO OE 2001 • 17

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ma Humano do Câncer com o Na­tional Cancer Institute (NCI), para o seqüenciamento de genes huma­nos; o projeto de seqüenciamento e análise de genes de uma variante da bactéria Xylella fastidiosa que ataca as videiras da Califór­nia, desenvolvido em parce­ria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos; e as pesquisas para decodificar o DNA de duas cepas da Xylella que acome­tem a amendoeira e uma planta ornamental conhecida como oleandro, desenvolvi­das em parceria com o foint Genome Institute (JGI).

A conexão à rede Internet 2 se faz por meio de cabos de fibra óptica entre São Paulo e Chicago - único ponto em que todas as redes mundiais se encontram-, o que permi­tirá à FAPESP planejar novos acordos bilaterais para inter­ligar centros de pesquisa pau­listas também a instituições da Europa e Ásia. "Em breve, estaremos falando ao mesmo tempo com o resto do mun­do", prevê Perez.

Banda larga- A Internet comum não distingue as informações que trafe­gam pela rede: e-mails, imagens, sons e textos são transmitidos jun­tos, sem qualquer privilégio. "É como se fosse uma estrada de qua­tro pistas usadas igualmente por qualquer usuário", compara Hart­mut Glaser, diretor da rede ANSP. Já a Internet 2 oferece um serviço dife­renciado, separando em faixas, a In­ternet comum de um canal de cone­xão direto ponta a ponta para a transmissão, por exemplo, de ima­gens, sons e conferências em tempo real e com qualidade. "Se essas mes­mas informações trafegarem por um canal entupido, cheio de e-mails, a imagem será distorcida", diz Gla­ser. A banda larga é uma das condi­ções para a operação desse canal ex­clusivo. E não se trata dos serviços

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de banda larga já disponíveis no mercado brasileiro, que operam a uma velocidade de 256 kilobits. "Es­tamos falando de 155 megabits", ressalva Glaser. "Nesse caso, qual­quer aplicação passa."

Assim que forem finalizados os testes de interligação, esse canal de alta velocidade e resolução permitjrá que a coletânea de dados do SinBio­ta- imagens, texto e sons- seja aces­sada com qualidade e em tempo real por pesquisadores norte-america­nos. Permitirá, ainda, que estudiosos dos dois países interajam, também em tempo real, em horários prede­terminados.

A Internet 2 poderá ser utilizada para a telemedicina: uma cirurgia rea­lizada num hospital paulista, por exemplo, poderá ser assistida e orien­tada por uma junta médica no exte­rior. Também será uma ferramenta importante para a meteorologia, já que permitirá uma leitura mais precisa das imagens transmitidas por satélite.

A médio prazo, a Internet 2 pode­rá chegar ao público. Será possível, por exemplo, assistir a filmes por um canal na Internet, desde que existam

bandas em número suficiente para atender à demanda.

Por enquanto, a Internet 2 é uma ferramenta de trabalho da comuni­dade acadêmica. Nos Estados Unidos esse canal de alta velocidade está sen­

do implementado por um consórcio que reúne 180 uni­versidades e 45 empresas, o University Consorcio for Ad­vanced Internet Development (Ucaid), do qual agora tam­bém faz parte a FAPESP.

A FAPESP também tem planos de iniciar um projeto de pesquisa em rede de alta velocidade para o desenvolvi­mento de novos produtos, que reunisse os institutos de pesquisa e empresas. "A idéia é fazer uma espécie de genoma da Internet", adianta Perez.

A expectativa da Funda­ção, num projeto desse porte, é motivar a pesquisa e o de­senvolvimento nessa área de internet para elevar o conhe­cimento em tecnologias de rede de transmissão no Estado de São Paulo aos padrões in­ternacionais, pela capacitação

de profissionais qualificados nas áre­as de pesquisa, serviços, equipamen­tos e aplicações. "O que motiva o programa é o reconhecimento, por parte da FAPESP, da enorme impor­tância que as novas tecnologias de transmissão de informação desem­penham hoje e irão desempenhar no futuro", argumenta Perez.

Uma das estratégias do programa será promover intercâmbio entre universidades, empresas e setores do governo, na busca de um melhor entendimento das necessidades da so­ciedade nesse setor, de forma a am­plificar a utilização dos recursos exis­tentes, seja por meio de fundos ou incentivos para o seu desenvolvi­mento. "Espera-se o desenvolvimen­to de novos produtos e serviços que aumentem a nossa atividade econô­mica e reduzam a necessidade de im­portação de serviços e equipamen­tos", afirma Perez. •

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POLiTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

MEIO AMBIENTE

SinBiota subsidiará políticas públicas Sistema permitirá prever impacto de mudanças na biodiversidade

O Sistema de Informa­ção Ambiental ( Sin­Biota) reúne e integra as informações pro­duzidas pelos pes-

quisadores dos projetos vinculados ao Programa Biota-FAPESP, permi­tindo a distribuição das espécies ca­talogadas sobre uma base cartográ­fica digital de qualidade. Essa base cartográfica está sendo desenvolvida em parceria com a Universidade Es­tadual de Campinas (Unicamp) e o Instituto Florestal. Ali ficarão arma­zenados mapas do Estado de São Paulo sobre relevo, rede de drena­gem, vegetação e clima em escala 1:50.000 e das Unidades de Con­servação em escala 1:10.000. A in­terligação do Banco de Dados do Programa e a base cartográfica per­mitirá ao usuário visualizar a dis­tribuição geográfica dos pontos de coleta de uma ou mais espécie. To­das essas informações estarão dispo­níveis para o público na Internet, a partir do mês de março, no endere­ço http:/ /www.biotasp.org.br/sai.

Em parceria com a Universidade do Kansas, responsável pelo projeto Species Analyst, que estuda a biodi­versidade na América do Norte e Brasil, o SinBiota está desenvolvendo ferramentas que permitirão a elabo­ração de modelos de distribuição das espécies. O sistema usa algorít­mos genéricos que analisam pontos como clima, solo, etc., de forma a construir o modelo do nicho em que se desenvolve determinada espécie. "A partir disso, o sistema procura ni­chos semelhantes, possibilitando

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apontar as áreas onde determinados vírus, vegetais ou animais têm possi­bilidade de se desenvolver", diz Car­los Alfredo Joly, coordenador do Programa Biota e do SinBiota. "Com isso, poderemos antecipar, por exem-

(um bilhão de bytes) de informações. "Quando o programa integrar o Spe­cies Analyst, e reunir informações de herbários, museus, etc., o volume de informações chegará a terabytes (um trilhão de bytes)."

Sistema construirá modelo dos nichos em que se desenvolvem diferentes espécies

plo, os efeitos de uma mudança cli­mática sobre o desenvolvimento des­ta espécie." O monitoramento dos 168 grupos taxonômicos existentes no Estado será uma ferramenta nm­damental para a definição de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade e definição de políti­cas públicas ambientais.

O sistema de informações que está sendo desenvolvido em parceria com a Universidade do Kansas é um pro­jeto para a Internet 2. "Exige a análise on-line e consulta a acervos nos Esta­dos Unidos': justifica Joly. O SinBio­ta, ele compara, representa gigabytes

Atualização de dados - O SinBiota utiliza sistema de gerenciamento de banco de dados relacionais e comer­ciais (SGBD Oracle), que armazena informações sobre as coletas e os me­tadados, por meio de linguagem Perl, · protocolo HTML, utilizando tecno­logia CGI. O sistema tem capacidade para armazenar informações sobre 168 grupos diferentes, de vírus a plantas e animais superiores. Outro diferencial do projeto é que os pes­quisadores podem alimentar o banco de dados com informações via Inter­net, o que permite maior rapidez na atualização das informações. •

Page 20: Servidão e abandono

BIODIVERSIDADE

Comitê Científico aprova o Biota/FAPESP

Os membros do Comitê Científico Consultivo do Projeto Biota/FAPESP reuniram-se, em dezem­bro do ano passado, na

Fazenda de Intervales, para a segun-da reunião de avaliação desse progra­ma que tem como objetivo estudar e mapear a fauna e a flora do Estado de São Paulo. James Staley, do Depar­tamento de Microbiologia da Univer­sidade de Washington, em Seattle; Arthur Chapman, coordenador cien­tífico do Environmental Resources Information Network (Erin), do go­verno australiano; Frank Bisby, da Universidade de Reading, na Ingla­terra e coordenador do Species 2000, e Robert Colwell, do Departamento de Biologia e Evolução da Universida­de de Connecticut, que integram o Comitê, foram unânimes em consi­derar o Biota "empolgante" e "excitan­te", sobretudo pela interação, sinergia e coesão entre os 21 projetas. Reuni­dos na FAPESP, os quatro pesquisa­dores conversaram com os jornalistas Mariluce Moura e Fernando Cunha.

- Qual a avaliação que os senhores fazem das diversas fases do programa Biota/FAPESP depois do encontro em Intervales?

Staley - Estive aqui em dezembro de 1999 e muita coisa mudou desde então. Uma das constatações mais importantes é que os alunos agora es­tão muito ativos no programa. A pes­quisa, propriamente dita, também está mais adiantada. É fantástico o que está acontecendo: excelentes pes-

quisadores realizando excelentes tra­balhos sobre uma das grandes coisas do Brasil e sua fantástica biodiversi­dade. A FAPESP permitiu que todas essas coisas se somassem. Os pesqui­sadores, com apoio para realizar suas pesquisas, e a riqueza do meio am­biente colaboram para um progra­ma imponente de biodiversidade.

Colwell - Estive na Conferência de Serra Negra, antes do lançamento do

FOTOS EDUARDO CESAR

que, quando um pesquisador relata­va o que estava fazendo na sua área, alguém da platéia sugeria: "Por que não nos reunimos? Faremos isso jun­tos porque temos os dados sobre o que vocês estão fazendo': Essa é, pro­vavelmente, a principal característica do Programa Biota-FAPESP: é gran­de o suficiente para ter muitos inter­locutores e pequeno para que muitas disciplinas se unam, interagindo de maneira sinergética.

Para Colwell e Chapman, programa Biota cumpriu meta de integrar projetas

Biota!FAPESP, quando se concluiu que era importante desenvolver um pro­grama como este. Desde aquela época, os progressos no estudo da biodiver­sidade impressionam-me mais do que ao Dr. Staley, que esteve aqui há cerca de um ano, quando o programa já estava em andamento. Uma das grandes esperanças que tivemos na Conferência de Serra Negra foi a de que o Programa Biota fosse mais do que uma coleção de projetas inde­pendentes. A expectativa era que a si­nergia, os inter-relacionamentos, as interações e, de fato, o progresso cria­tivo pudessem unir diferentes tipos de pesquisadores. Depois do encon­tro em Intervales, constatamos que tudo isso ocorreu de verdade. Talvez o mais excitante tenha sido observar

Chapman - Assim como o pro­fessor Colwell, eu também estive no encontro de Serra Negra onde sur­giram muitas idéias para o Progra­ma Biota. Os pesquisadores verifica­ram as deficiências na pesquisa e definiram o que deveria ser feito no que se refere à conservação da bio­diversidade no Estado de São Pau­lo. Como o professor Staley, eu também estive aqui no ano passa­do. Muitos projetas estavam ape­nas começando. Neste ano, o pro­grama deslanchou e já há muitos grupos e publicações no escopo da pesquisa. Os novos projetas au­mentaram o fôlego do Biota, apon­tando novos caminhos. Alguns che­garam mesmo a verificar o nível do dióxido de carbono produzido

PESQUISA FAPESP • JANEIRO /FEVEREIRODE2001 • 21

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por diversos tipos de vegetais, re­lacionando-o às mudanças climá­ticas, etc. É surpreendente ver o brilho que esse programa adquiriu em tão pouco tempo, preenchendo as lacunas que, há quatro anos, eram identificadas como um pro­blema e que estão começando a ser preenchidas.

Bisby - Essa foi minha primeira vez no painel de avaliação do pro­grama, mas acompanho o desenvol­vimento dos projetos desde o seu começo. Também fiquei impressio­nado com a velocidade com que o Comitê elaborou esse grande pro­grama e com a qualidade dos proje­tas, alguns, particularmente, de no­tável qualidade. Há uma ou duas coisas que eu gostaria de mencionar. Sou um taxonomista de plantas e parece-me que uma das característi­cas fortes do Biota é que, ao mesmo tempo em que busca desenvolver pesquisa de excelente qualidade na interação entre plantas e animais dos diferentes componentes do sis­tema, também fortalece a informa­ção básica da taxonomia, isto é, o conhecimento básico de quais orga­nismos estão presentes, quais orga­nismos existem. Esse é seu ponto forte. A outra área que gostaria de mencionar é a coesão do programa, que unifica a informação de todos os projetos em um único sistema de informação. Essas são as duas coisas que eu acho particularmente dignas de nota no Biota e que eu muito aprecw.

- Professor Staley, o senhor notou entre os 21 projetas, algum que seja mais importante do que os outros? São todos do mesmo nível?

Staley- Notamos que São Paulo é o único estado do Brasil que tem esse programa. Talvez ele pudesse ser estendido a outros estados do país. Por essa razão, nós estamos en­corajando a FAPESP a considerar como isso poderia ser acelerado. Se­ria absolutamente fantástico se todo

22 • JANEIRO /FEVEREIRODE 2001 • PESQUISA FAPESP

o Brasil conseguisse uma integração desse tipo.

- Quais as diretrizes para as próxi­mas etapas do programa?

Bisby - Estruturamos o relatório com recomendações em vários itens. Primeiramente, falamos sobre competência e protocolos para ano­tar informação entre países. Prosse­guimos apresentando algumas idéias

Bisby: pesquisas de excelente qualidade

para o futuro e também sobre o ta­manho do programa. Sob o título competência e protocolos, observa­mos que, ao longo do ano, já houve progresso real na direção de um acordo sobre os sistemas de notação de todo o programa, especialmente nos projetos sobre peixes. Mas achamos que ainda é preciso mais. Sugerimos a realização de workshops para definir algumas técnicas de amostragem e a questão de quando a amostra é suficiente. Outro ponto é qual é a hipótese que está sendo testada.

Sugerimos também a realização de workshops para analisar os kits operacionais que estão aumentan­do. São instrumentos bem sofisti­cados para modelar e medir a bio-

diversidade e para verificar os dife­rentes componentes da biodiversi­dade. Sentimos que seria uma idéia útil reunir num workshop pessoas de diferentes projetos para definir desenvolvimentos posteriores. Per­cebemos que alguns projetos estão caminhando de um estágio preli­minar, que inclui a coleta, para um estágio mais avançado de testar hi­póteses, observando modelos, re­solvendo como as coisas mudam, se outros parâmetros mudam no Es­tado.

Nós também fizemos duas ou três sugestões sobre a anotação de protocolos em todo o projeto, ainda que elas não sejam importantes no atual contexto, mas meros detalhes técnicos. Além disto, apesar de o projeto Biota estudar o Estado de São Paulo, sugerimos que o sistema de informação seja modificado li­geiramente para permitir a apresen­tação das informações tanto de fora como de dentro do Estado.

Chapman- Uma das recomenda­ções que fizemos no ano passado foi para que alguns dos estudantes­pesquisadores e os pesquisadores recém-formados se envolvessem mais nos encontros de avaliação. Ficamos satisfeitos em saber que, neste encontro de Intervales, houve uma reunião dos jovens cientistas de quatro ou cinco dias. Nós nos reunimos com eles no último dia e conseguimos discutir muitos as­suntos que eles levantaram. Anali­samos os resultados do nosso rela­tório do ano passado e as coisas que estavam sendo postas em prática. Acho que um dos problemas que encontramos foi na recomendação de integração entre os projetos do ano passado. Estávamos sugerindo que as pessoas pensassem em inte­gração de uma maneira ampla, em buscar formas de integração. Nós não estávamos querendo forçar as pessoas. Alguns projetos realmente não podiam se integrar, mas outros podiam. Estávamos pensando em coisas como técnicas, trabalho em

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uma mesma área ou coleta de ma­teriais que pudessem ter algum va­lor para outros grupos de outros projetos. Queríamos que eles se conscientizassem dessa troca de in­formação que está acontecendo de modo amplo.

- Vocês fizeram alguma sugestão em relação ao treinamento de novos pesquisadores ?

Staley- Uma das coisas que esta­mos sugerindo para o Programa Bio­ta é um programa especial de trei­namento para estudantes que estão trabalhando nos seus doutorados, que inclui aqueles formados em Zo­ologia e Botânica. Se fizerem cursos especiais em biodiversidade, além do doutorado em suas próprias áre­as, poderão se tornar um tipo de es­pecialista em terapia do meio ambi­ente. Eu desconheço um programa que ofereça esse tipo de qualificação a alunos. Estamos sugerindo ao Programa Biota-FAPESP considerar esse tipo de qualificação, porque os alunos iriam aderir.

-A FAPESP tem uma política para atrair jovens doutores para progra­mas de pesquisa em São Paulo. A idéia é fixar jovens pesquisadores brasileiros em vários projetas de alto nível e também atrair pessoal de fora: Argentina, Chile, etc. O Biota teria potencial para absorver esses jovens pesquisadores e seus projetas?

Colwell- Eu acredito que o Pro­grama Biota deva ser importante pa­ra atrair pessoas do Chile, da Argen­tina e até da Europa, porque a integração dos projetos e o fato de ele estar trabalhando com a Mata Atlântica em extinção, o cerrado es­pecificamente, vai atrair pesquisa­dores de nível internacional. Tanto quanto eu sei, este seria o primeiro programa de pós-doutorado ofere­cido por um país da América para trazer pessoas importantes de fora e de dentro do país. Achamos que é a hora certa para o Biota fazer um

plano a longo prazo com o objetivo de planejar o uso do conhecimento de todos os seus projetos ou aqueles que são apropriados para este pro­pósito e construir o que chamamos uma infra-estrutura de conheci­mento para aumentar o conheci­mento do público sobre o Programa Biota e a FAPESP.

Às vezes nós deixamos a educa­ção do público para professores com materiais talvez produzidos

Staley: "um programa imponente"

por amadores ou até confecciona­dos no exterior. Achamos que com o profundo conhecimento que os pesquisadores têm do Programa Biota e do Estado de São Paulo poderiam formar, ou aconselhar como formar, monitores de alta qualidade, de nível internacional, para grande grupos de pessoas in­teressadas em pássaros, borbole­tas, algumas famílias comuns de besouros, peixes de água doce, ma­míferos, etc. Em vez de ir para o Pantanal, os visitantes poderiam ir para Intervales com um guia preparado, com materiais adequa­dos para estudar biodiversidade. Essa é apenas uma fantasia de como o Biota poderia unir todos, crian­ças e adultos no estado.

FOTOS EDUARDO CESAR

-Qual o suporte que o conhecimen­to gerado pelo Biota pode dar para uma política geral de conservação do meio ambiente?

Chapman- Este assunto tem vá­rios aspectos. Na maioria dos paí­ses, as políticas de meio ambiente congregaram áreas em um vácuo de informação. Quanto mais in­formação obtivermos, mais deci­sões pertinentes poderemos tomar quanto aos assuntos de conserva­ção. No inventário das espécies não sabemos quais delas estão ameaçadas e quais são comuns. Não conhecemos os hábitats real­mente críticos para as espécies. À medida que essas informações tor­nam-se disponíveis, um dos mate­riais para uma política ambiental é a proteção das espécies ameaça­das e dos hábitats ameaçados ou em estado crítico. Seria posssível decidir, por exemplo, que certas áreas se tornarão importantes, o que nas atuais circunstâncias não pode ser feito pela ausência de leis. Poderia ocorrer mesmo que o go­verno investisse na compra dessas terras ou, ao contrário, se achasse que elas poderiam se tornar valio­sas por seus produtos, que de­cidisse sobre seu uso amplo, seja na área florestal, drogas medici­nais ou nos vários tipos de turis­mo. Na área onde moro, na Aus­trália, é assim que esses assuntos · são considerados importantes pelo governo. As pessoas não estavam preocupadas com o meio ambien­te. Elas tinham preocupações, mas não eram canalizadas para a arena política. Agora, temos pessoas pre­paradas para reciclar o lixo em la­tas separadas. Elas se preocupam com as áreas de vegetação. Isso acontece em todo o mundo. À me­dida que as pessoas se preocupam, os governos tornam-se mais preo­cupados porque eles contam com os votos dessas pessoas. O meio ambiente torna-se um grande tema nas mudanças globais do meio ambiente. •

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 23

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Sabia-se que a diversidade genética entre as seringuei­ras nativas da Amazônia era pequena. Mas agora, um es­tudo feito pelo Cirad, o orga­nismo francês de pesquisas sobre agricultura tropical, demonstrou que essa diver­sidade é bem maior do que se pensava. Foram exami­nados, com diversos tipos de marcadores moleculares, cerca de 800 clones de exem­plares nativos da Hevea bra­siliensis, a árvore da borra­cha, colhidos no Acre, em Rondônia, Mato Grosso, na Colômbia e no Peru. Os pes­quisadores também anali­saram diversos clones de exemplares cultivados. A conclusão do trabalho é que as seringueiras podem ser divididas em seis grupos ge­néticos, todos bem caracte­rizados geograficamente (ver

Século 21 será mais quente

O último relatório do Pai­nel Intergovernamental so­bre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em ja­neiro pelo Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma), em Xangai, China, indica que o aquecimento global será maior do que o previsto ini­cialmente pelos especialis­tas. "Entre 1990 e 2100, a temperatura da Terra vai aumentar entre 1,4 e 5,8 graus centígrados", diz R.J. Watson, presidente do or­ganismo. Além disso, o ní­vel do mar subirá entre 9

CIÊNCIA

LABORATÓRIO

Diversidade das seringueiras

Variação genética Grupos de seringueiros estão bem divididos

- Região do gênero Hevea

GOlAS

\ I

r BRAslUA

D

Grupos genéticos .::::::::::1 Distribuição natural da Hevea brasiliensis

Fonte: Cirad 10 20 3• 4• sO 6•

mapa). Os locais de origem são muito próximos e o flu­xo e o relacionamento gené­tico entre as populações pa­recem seguir os cursos dos principais rios. A pesquisa

e 88 centímetros nesse período, de acordo com o es­tudo feito por mais de 150 pesquisa­dores de cem paí­ses por três anos. Trabalho anterior indicava um au­mento entre 1 e 3,5 graus centígrados. A temperatura sobe em razão, principal­mente, da emissão de gases oriundos de combustíveis fósseis

confirmou a notável unifor­midade dos exemplares cul­tivados. O motivo é simples - todas as seringueiras plantadas hoje no mundo descendem de sementes co-

~ lhidas pelo inglês Henry ~ Wickham perto de Santa-..

rém, no Pará, em 1876. Contrabandeadas para a In­glaterra, elas deram origem às grandes plantações do Su­deste Asiático. É essa origem restrita que faz com que a diversidade genética entre os exemplares cultivados de seringueira seja mínima, es­pecialmente no nível cro­mossômico. O aumento da produtividade dos serin-gais, por meio da introdu­ção dos genes de árvores nativas, parece ser essencial para manter a competitivi­dade da borracha natural. Três caminhos são seguidos com esse objetivo: a clona­gem por embriogênese so­mática, a criação de genóti­pos nas raízes das árvores e a criação de genótipos gene­ticamente transformados. •

e da queima de flo- Geleiras do Ártico: aumento da temperatura diminui a espessura do gelo restas. A camada de gelo começou a diminuir nos Pólos Norte e Sul. No Ártico, o gelo que se acumu-

la sobre o mar no inverno perdeu 40o/o de sua espessu­ra. As áreas de maior risco

são as terras costeiras baixas e montanhas onde há gelo e neve eterna. •

24 · JANEIRO /FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

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Colesteroll Aspirina O

A aspirina (acido acetilsali­cílico) pode reduzir o risco de enfarte em mais de 30%, mas isso só vale para 75% da população. Estudo do Cen­

tro Médico da Universidade de Maryland,

Estados

nos outros 25% está ligada, pro-

vavelmente, ao colesterol al­to, segundo a revista Scien­

tific American (edição de ja­

neiro de 2001). Doses diárias de

325 miligramas do ácido acetilsalicílico

não têm efeito significa­tivo em 60% dos que têm taxa de 220 miligramas de coleste­rol por decilitro de sangue ou mais. A droga funciona em 80% das pessoas com nível de 180 miligramas ou menos. •

Concluído mapa de proteínas

A pesquisa francesa na área de genômica deu um peque­no drible em seus colegas norte-americanos e marcou um ponto importante janeiro. Num tra­balho que ganhou as páginas da re­vista Nature (edi­ção de 11 de janei­ro), pesquisadores do Instituto Pas­teur e da empresa de biotecnologia Hybrigenics, sedia­

em

O primeiro primata transgênico

Conseguir produzir ani­mais transgênicos - aque­les que contêm um gene de outro ser vivo introdu­zido no próprio genoma­parecia uma daquelas no­tícias que não atraíam mais ninguém. Até que, em janeiro, o Centro Re­gional de Pesquisa sobre Primatas do Oregon, nos Estados Unidos, apresen­tou ANDi (de "DNA inse­rido", em inglês, ao con­trário), o primeiro prima­ta geneticamente modifi­cado. Ele recebeu um gene de água-viva e é o resulta­do da busca dos cientistas por uma cobaia ideal para pesquisas sobre Aids, cân­cer, Alzheimer, Parkinson e diabete, entre outras do­enças, por ser muito pró­ximo do homem - seu ge­noma é 98% igual ao do

a interatividade do conjun­to de proteínas codificadas pelo genoma (o chamado proteoma) de uma bactéria que infecta o homem, a Helicobacter pylori. Foram identicadas 1.280 interações entre as proteínas do pató­geno, presente no estômago de metade da humanidade e agente acelerador de úlce­ras e cânceres. Os franceses

ser humano. ANDi é um macaco rhesus, nascido em 2 de outubro de 2000, saudável e brincalhão. Para chegar até ele, foi inserido o gene GFP (pro­teína verde fluorescente) em 224 óvulos, mas só 40 embriões foram obtidos e cinco gestações ocorre­ram. De todas as tentati­vas, apenas ANDi nas­ceu com o DNA alterado. "Macacos transgênicos vão acabar com o abismo que existe entre ho­mens e camundon­gos", explica Ge-ral Schatten, que liderou a

ANDi: saudável e bri ncalhão

mostraram também que 47% do proteoma apresen­ta alguma interatividade. O estudo do pro.teoma é fun­damental para a montagem de estratégias de combate às doenças e na criação de drogas mais eficazes. Os bons resultados da parceira com a Hybrigenics, empre­sa criada em 1997, parecem ter animado o Pasteur a in­

vestir mais em no­vas companhias de biotecnologia. Com esse objetivo, o instituto inaugu­rou recentemente em seu campus pa­risiense a Pasteur BioTop, incubado­ra com US$ 40 mi­lhões em caixa para fomentar novas em-

equipe de pesquisa. O problema é que o custo de produção é alto, em rela­ção às cobaias tradicio­nais. "Para muitas doen­ças, o camundongo ainda será a melhor opção", avi­sa Anthony Chan, um dos autores do trabalho. •

Moluscos no Pantanal

da em Paris, publi­caram o primeiro mapa que revela H.pylori: primeiro mapeamento de um proteoma presas no setor. •

Um molusco originário da Ásia chegou ao Pantanal e tornou-se uma séria ameaça à rica biodiversidade da re­gião. Na Argentina, onde é observado desde 1991, o Limnoperna fortunei causa problemas nos locais em que há captação de água porque entope canos. Não há con­trole para esse tipo de mo­lusco. "O único jeito é fazer a limpeza da tubulação e dos barcos porque o controle químico poluiria a água", diz a bióloga Márcia Divina de Oliveira, da Embrapa Panta­nal. No Brasil, há registras do Limnoperna no reservatório de Itaipu, na calha do Rio Pa­raguai e nas lagoas ligadas aos rios dessa região. •

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 25

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capacidade de várias espécies na ate­nuação da radiação solar, com vistas a projetos de arborização. "Mas o objetivo principal", salienta Lucila, "foi a construção de uma metodolo­gia com a qual, a qualquer momen­to e em qualquer clima, estudos se­melhantes poderão ser realizados."

Em resumo, a metodologia consis­te em colocar equipamentos de medi­da sob a copa de cada árvore estudada

nativas: a campeã sibipiruna (acima)

e o ipê-roxo

- que deve estar plantada em local iso­lado, sem edificações ou vegetação de grande porte ao lado. Equipamentos similares são colocados perto, sob o sol. Depois, os dados são comparados

- - -- - - - - - - -- --- - -

As ferramentas de trabalho li I• Num dos suportes do equipa- mei, encarregada das medições,

I ! mento usado na pesquisa das ár- anotava as medidas obtidas pelos vores controladoras da radiação equipamentos e media a veloci-solar ficavam dois termômetros, dade do ar com um anemômetro

I • um de bulbo seco e outro de bul- portátil. Tendo os valores de tem-I! li bo úmido - conjunto chamado peratura de globo, velocidade do

de psicrômetro a ventilação na- ar e temperatura ambiente, cal-tural -, que permitem calcular a culava a temperatura radiante

I• umidade relativa do ar. O mes- por meio de uma fórmula. mo suporte tinha um termôme- Noutro suporte, para medir a

ll tro de globo, que consiste numa intensidade da radiação solar, li esfera oca, pintada de preto fos- Carolina instalava o solarímetro I• co, aproximando-se do corpo linear, equipamento que agrôno-

I• negro ideal- que absorve a radi- mos e botânicos usam desde a

li ação emitida pelo ambiente ao década de 70 para acompanhar o

I• redor e fornece a chamada tem- crescimento de plantas. O solarí-

1: peratura de globo. metro ficava acoplado a um re-

li Geralmente de hora em hora, gistrador automático de dados, o a engenheira Carolina Bartholo- logger, programado para captar

28 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

e a atenuação da radiação solar é obti­da em porcentagem.

"Um detalhe importante da pes­quisa é que os instrumentos foram colocados a 1,30 metro do solo, o

os dados a cada 10 minutos e descarregá-los diretamente no computador.

Houve adaptações práticas, impostas pelos caprichos da na-tureza e pelas condições urbanas. O vento, por exemplo, insistia em derrubar ou deslocar de posição os suportes dos equipamentos. Então, o técnico do laboratório de conforto ambiental Obadias Pereira da Silva Júnior, também ;

engajado no projeto, construiu tripés mais resistentes e contri-buiu com sugestões que garanti-rama captação de dados confiá-veis. Outro problema, o perigo de furto, impediu que os solaríme-tros com loggers ficassem instala-dos permanentemente: os supor-tes eram montados de manhã e recolhidos ao fim da tarde.

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que corresponde à altura média do peito de uma pessoa", salienta Luci­la. Isso porque de nada adiantaria medir a atenuação da radiação no nível do chão ou muito mais alto que a estatura média das pessoas.

Esses procedimen­tos foram seguidos pela engenheira civil Carolina Lotufo Bue­no Bartholomei- que, em meados de 1998, terminou o mestrado na área do projeto, na Faculdade de Enge­nharia Civil da Uni­camp. Para cada es­pécie estudada ela recolhia os dados dos equipamentos regis­trados durante cinco dias, das 7 às 17 horas.

A sibipiruna ( Cae­salpinia peltophoroi­des), árvore nativa da Mata Atlân­tica e do mesmo gênero do pau-brasil, destacou-se na pesquisa: com belas flores amarelas, cerca de 6 metros de diâmetro de copa e densidade média, foi campeã como regulado­ra da radiação solar, ao registrar 88,5% de atenuação. Houve uma surpresa inicial com o resultado, já que as folhas da sibipiruna são miú­das como as da avenca, com cerca de 0,9 centímetro de comprimento por 0,5 centímetro de largura. Ad­mitiu-se então que, num mesmo espaço, várias folhas pequenas co­mo as dessa espécie acabem ofere­cendo uma área maior de exposição

O PROJETO

Conforto Térmico em Cidades: Efeito da Arborização no Controle da Radiação Solar

MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADORA LUC!LA CHEBEL LABAKI- Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp

INVESTIMENTO US$ 11.145,80

ao sol - e, conseqüentemente, de absorção da radiação - do que uma só folha grande.

Em segundo lugar, quase empa­tados e bem perto da sibipiruna, fi­caram a chuva-de-ouro, com 87,3%

o técnico Obadias:

medições contínuas

de atenuação da radiação solar, e o jatobá, com 87,2%. De ori­gem asiática, a chuva-de-ouro ou acácia dou­rada ( Cassia fis­tula) tem cerca de 7 metros de diâmetro de co­pa, densidade mé-

dia, vistosas flores amarelas perfu­madas e folhas de mais ou menos 11,5 centímetros de comprimento por 4,5 de largura.

A majestosa copa do jatobá (Hymenaea courbaril), nativo do Brasil, também tem densidade mé­dia, mas atinge 23 metros de diâme­tro. As flores são brancas e as folhas têm 5 centímetros de comprimento por 2 de largura.

Em terceiro ficou a magnólia (Michelia champaca), com 82,4% de atenuação da radiação solar: tam­bém de origem asiática, tem copa densa com 8 metros de diâmetro e folhas de 23 centímetros de compri­mento por 7 de largura.

Por fim, com 75,6%, ficou o brasi­leiríssimo ipê-roxo (Tabebuia impeti­ginosa), de copa rala com cerca de 10

metros de diâmetro, belas flores lila­ses e folhas com 17 centímetros de comprimento por 9 de largura.

Outros resultados referem-se ao conforto ambiental das áreas de la­zer. Nas três áreas verdes estudadas no centro de Campinas, também fo­ram feitas medições sob a copa de árvores agrupadas e sob o sol direto.

No centro de Campinas - Como se esperava, o destaque foi o tradicio­nal Bosque dos Jequitibás, mais denso e antigo, com 99,06% de ate­nuação da radiação solar. Em se­gundo lugar, o Parque dos Guaran­tãs, com vegetação média, nem muito densa nem muito rala, que

atenuou 88,91% da radiação. Por fim, uma surpresa: o Bosque dos Artistas, praça nova e ainda pouco densa, atingiu a marca de 88,24% de atenuação.

O trabalho com praças e bos­ques resultou em tese de mestrado da arquiteta Larissa Fonseca de Castro, também da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp. Ter­minado o projeto, ela e Carolina deram seqüência aos estudos e de­senvolvem teses de doutorado com o mesmo tema. Agora, soma-se ao grupo a arquiteta Érika Lois, aluna de mestrado em Engenharia Civil da Unicamp, que usa os equipa­mentos já adquiridos para pesqui­sar o conforto térmico relacionado à arborização ao longo de cursos de água. •

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 29

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CIÊNCIA

GENÔMICA

Orestes decifra drosófila Grupo de Ribeirão Preto descobre 91 genes do inseto-modelo graças à técnica brasileira

I nseto mais comum nos labora­tórios do mundo, a drosófila ou

mosca-das-frutas- Drosophila mela­nogaster, observada comumente em

volta de bananas maduras- acaba de passar por uma releitura. Em outu­bro do ano passado, uma equipe da Faculdade de Medicina da Universi­dade de São Paulo (USP), de Ribei­rão Preto, concluiu uma pesquisa que descobriu 91 genes novos do inseto e gerou seqüências que contribuem para a definição do transcriptoma -conjunto de todos os ácidos ribo­nucléicos (RNAs) de um organismo, que formam seu código genético. Com isso, abriu caminho para análi­ses mais precisas de como os genes agem e se relacionam na drosófila.

Estudado há cerca de 90 anos, o in­seto de no máximo meio centímetro de comprimento tem sido usado na busca do entendimento das doenças e disfunções humanas e está na base da evolução da genética: foi adotado como modelo em laboratório por ter

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cromossomas grandes, facilmente vi­síveis ao microscópio, e reproduzir-se com relativa rapidez- de dez a 12 dias.

Pesquisa global- A pesquisa da equi­pe da USP foi motivada pela publica­ção da primeira versão da seqüência do genoma - o conjunto dos genes -da drosófila, com resultados da leitu­ra de cerca de 120 milhões de pares de base da molécula de ácido deso­xirribonucléico - o DNA, portador

Imagens de drosófila: modelo

genético há um século

do código genético em cada célula. Anunciado em março de 2000, o se­qüenciamento do genoma de dro­sófila resultou de uma megaopera­ção, envolvendo o grupo do Projeto Genoma de Drosophila de Berkeley (BDGP), da Universidade da Califór­nia, e a empresa americana Celera Genomics. Espera-se que a seqüên­cia finalizada dos genes, com 180 mi­lhões de bases, seja liberada neste ano.

No entanto, em organismos complexos, a leitura da seqüência genômica por si só não permite a identificação correta de todos os ge­nes. Nesses organismos, partes do

DNA que constitui o gene são reti­radas durante a formação do RNA mensageiro - a molécula que carre­ga a informação para ser traduzida em formação de proteína. Daí a ne­cessidade de obter as seqüências presentes nos RNAs. Para isso, o grupo californiano BDGP usa a téc­nica de ESTs (Expressed Sequence Tags ou etiquetas de seqüências ex­pressas), que resulta em leituras das pontas dos RNAs, mensageiros.

A equipe brasileira de 15 pesqui­sadores, contudo - por sugestão da diretoria científica da FAPESP, que fi­nanciou a pesquisa-, empregou uma técnica nova em estudos dessa natu­reza: a Open Reading Expressed Se­quence Tags (etiquetas da fase aberta de leitura de seqüências expressas), conhecida pela sigla Orestes. Criada no Brasil e utilizada na pesquisa do Genoma Humano do Câncer, tam­bém financiada pela FAPESP em par­ceria com o Instituto Ludwig de São Paulo, essa técnica foi desenvolvida por pesquisadores desse instituto, que a repassaram à USP de Ribeirão.

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A técnica Orestes difere da meto­dologia clássica no estudo da drosófi­la porque não prioriza a leitura das extremidades, mas das partes centrais das seqüências dos RNA mensageiros -onde tendem a concentrar-se as in­formações do código genético que são traduzidas em proteínas.

Caminho valioso - Maria Luísa Paçó-Larson, coor­denadora do estudo da USP, aponta outra diferen­ça: o método brasileiro é um valioso caminho para a detecção das moléculas de RNAs mensageiros pouco abundantes e por isso difí­ceis de clonar por técnicas usuais. Assim, a pesquisa comprovou a validade da técnica: "Constatamos que o método Orestes pode ge­rar informações novas so­bre seqüências expressas e

cia expressa da drosófila", revela Ma­ria Luísa. Ou seja: abriu-se o cami­nho para a formulação de análises mais precisas quanto ao papel desses novos genes no organismo.

Estudo acelerado - Existem cerca de 90 mil ESTs de Drosophila, segundo os relatórios do BDGP. "Esses ESTs

mentar os dados gerados pelos ou­tros projetas", afirma. Baseada na experiência adquirida no Genoma Humano do Câncer, ela calcula que se podem fazer cerca de 10 mil Ores­tes por mês com um seqüenciador capilar - uma espécie de carro de luxo último tipo dos equipamentos de laboratório.

que complementam as ob- Maria Luísa: analogias com genoma humano viabilizadas tidas com os métodos con-

Sem levar em conta a abordagem, é clara a im­portância do seqüencia­mento do genoma da dro­sófila: por analogia, pretende-se conhecer me­lhor o genoma humano. Dos 280 genes humanos associados a doenças ou malformações, 177 já fo­ram encontrados nos cro­mossomas do inseto. São os chamados genes ortólo­gos - com semelhanças que podem ser funcionais e, por isso, permitir uma abordagem mais precisa de fenômenos genéticos.

vencionais", diz Maria Luísa. Em tempo recorde, de abril a se­

tembro, a equipe obteve e analisou 10.092 leituras de seqüências Orestes de drosófila. "Contando com a cola­boração dos pesquisadores do Insti­tuto Ludwig e do Hemocentro de Ri­beirão Preto, nossa equipe foi responsável pela execução de todo o processo: extrair RNAs, gerar perfis, clonar, produzir e analisar as seqüên­cias", diz a pesquisadora.

As análises da equipe validaram 91 genes novos. Com base na simila­ridade com proteínas de outros orga­nismos, metade desses genes foi ano­tada como codificadores de proteínas de diversas funções- regulatória, en­zimática e estrutural, por exemplo. Também foram identificadas outras 113 seqüências, derivadas de regiões não classificadas como genes com ba­se na análise da seqüência genômica.

"Detectamos fragmentos de ge­nes não caracterizados e também se­qüências para as quais não existia nenhuma EST, um material absolu­tamente novo em termos de seqüên-

contribuíram para identificar cerca de 40% dos genes previstos pela aná­lise da seqüência genômica liberada no relatório de março de 2000 do BDGP': diz ela. Para identificar os ou­tros 60% de genes, o BDGP iniciou um novo projeto para gerar 200 mil ESTs, a um ritmo de 4 mil por mês:

Para Maria Luísa, é possível ace­lerar essa marcha sem perder quali­dade. "Com base nos dados obtidos nesse experimento piloto, achamos que o método Orestes pode comple-

O PROJETO

Projeto Piloto do Método Orestes (Open Reading Frame Expressed Sequence Tags) em Drosophila melanogaster

MODALIDADE

Subprojeto do Projeto Genoma Humano do Câncer

COORDENADORA

MARIA LUISA PAÇó-LARSON -

USP de Ribeirâo Preto

INVESTIMENTO

US$ 37.500,00

Muitas mutações - Há outras ques­tões abertas. Há um século os estu­diosos da mosca-das-frutas procu­ram entender como um organismo com genoma relativamente limitado - só quatro pares de cromossomas -pode acionar mecanismos sutis e va­riados de resposta ao ambiente.

Nos anos 50, o geneticista Crodo­waldo Pavan descobriu variações lo­cais e sazonais de insetos em 35loca­lidades de 17 regiões brasileiras -havia uma acentuada variação na concentração de indivíduos, mesmo em lugares próximos. Como regra ge­ral, o ambiente pode variar pouco, mas as drosófilas variam muito- uma das razões pelas quais se tornaram modelo em estudos de biologia evo­lutiva. A leitura do genoma traz fer­ramentas valiosas para esses estudos.

Em outubro, o BDGP liberou a se­gunda versão da seqüência genômica, com seqüências novas e a correção de 330 dos gaps ou lacunas deixados. E, segundo o relatório mais recente do grupo de Berkeley, provavelmente

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 31

Page 31: Servidão e abandono

em meados do ano estará disponível a versão final da seqüência do geno­ma. Maria Luísa acredita que, com esse material, se poderá fazer a lista­gem mais correta dos genes previstos.

Fecham-se assim as lentes sobre o material genético da mosca-das-fru­tas e crescem as expectativas. "No momento em que tivermos todos os RNAs, poderemos gerar filtros com todas as seqüências e analisá-las em uma drosófila com malformação para tentar entender o processo que a tornou defeituosa", exemplifica Ri­cardo Gelerman Pinheiro Ramos, um dos biólogos do projeto desen­volvido em Ribeirão Preto.

De tirar o fôlego - A importância da conclusão do seqüenciamento vai bem além da genética. O pesquisador inglês Jonathan Hodgkin assinalou recentemente na revista Nature que hoje o mundo tem um consistente banco de dados genômicos, "algo de tirar o fôlego", com dados suficientes para ocupar os biólogos pelas próxi­mas décadas: "Nada parecido aconte­ceu antes na história da ciência, nem deve acontecer outra vez':

No início de novembro, quando a equipe de Ribeirão Preto finalizava o artigo com os resultados do seu es­tudo, pesquisadores da Universidade Yale avaliavam a possibilidade de o texto ser publicado num periódico científico internacional. Maria Luísa afirma que as seqüências brasileiras serão depositadas no maior banco de dados aberto ao público, mantido pelo Instituto Nacional do Câncer (NCBI) dos Estados Unidos.

Enquanto aguarda as respostas, Maria Luísa esboça outro projeto com o objetivo de gerar e analisar cerca de 200 mil seqüências expressas do genoma da drosófila, o equivalen­te a 20 vezes o volume de material ex­plorado até agora. "Não sabemos se um dia vai estar inteiramente com­preendido o genoma de um organis­mo complexo como a Drosophila. Mas, dada a sua importância como modelo experimental, todo avanço nesse sentido é relevante." •

32 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

CIÊNCIA

GENÉT I CA

Mistério entre os roedores Espécies idênticas na aparência diferem no total de cromossomas

Como é que animais fisicamen­te iguais podem ter números

diferentes de cromossomas? Para entender essa peculiaridade da fauna

brasileira, Maria José de Jesus Silva, do Instituto de Biociências da Uni­versidade de São Paulo (USP), de­sembarcou em outubro na Universi­dade da Califórnia em Berkeley, n9s Estados Unidos, onde completará o pós-doutorado. Sua pesquisa inclui uma nova espécie de roedor que ela própria descobriu numa expedição a Mato Grosso, em 1997- o Akodon sp.n. Tem 10 a 12 centímetros de comprimento e é, como ela concluiu, o roedor silvestre com o menor nú-

O PROJETO

Estudos Citogenéticos e Moleculares em Roedores Orizominos (Sigmodontinae, Rodentia) das Florestas Atlântica e Amazônica

MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADORA MARIA Jos~ DE JEsus SiLVA - IB-USP

INVESTIMENTO R$ 29.760,00

mero de cromossomas já descrito: apenas 10. Seu achado merece aten­ção porque não há diferenças morfo­lógicas com o Akodon cursor, até en­tão o ratinho com o menor número de cromossomas (de 14 a 16). São as chamadas espécies crípticas, só dife­renciadas por meio do cariótipo, o conjunto de cromossomas.

Em Berkeley, para entender a evo­lução cromossômica desses animais, ela vai trabalhar com uma aborda­gem complementar, a análise de DNA mitocondrial, encontrado nas

O Akodon sp.n: o roedor si lvestre com o menor número de cromossomas (acima)

mitocôndrias, um dos compartimen­tos das células. "Dados cariotípicos, moleculares e de biogeografia são fundamentais para se estabelecerem as hipóteses evolutivas", diz.

Em outros grupos de animais também há fenômenos semelhantes. Entre os mamíferos, a espécie com o menor número de cromossomas é o cervídeo muntjac indiano (Muntia­cus muntjak vaginalis) : as fêmeas têm seis cromomossos, e os machos, sete. Comparações com a espécie mais próxima, o muntjac chinês (Muntia­cus reevesi), de 46 cromossomas, su­gerem que podem ter ocorrido rear­ranjos e fusões ao longo da evolução · cromossômica. Entre as formigas, o total de cromossomas varia de 2 a 94. Enquanto se buscam hipóteses para explicar tamanha variação, as desco­bertas se sucedem. Há pouco tempo, encontrou-se na Serra de Baturité, no Ceará, outra espécie nova de roe­dor, do gênero Oryzomys. Tem 76 cromossomas. •

Page 32: Servidão e abandono

CIÊNCIA

EPIDEMIOLOGIA

Matemática faz bem à saúde Simples ferramentas matemáticas e estatísticas ajudam a prevenir e controlar epidemias

"Meu trabalho é traduzir os conceitos epidemiológicos

para a linguagem matemática, apli­cá-los na elaboração de cenários das doenças infecciosas e fornecer in­formações que ajudem as estraté­gias para o controle ou a erradica­ção de doenças infecciosas." Assim o

pesquisador HyUn Mo Yang sinteti­za sua dedicação à epidemiologia matemática, uma área de pesquisa aplicada que tem mostrado resulta­dos altamente positivos em curto prazo (ver quadro). Ligado ao Insti­tuto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), Yang tem dois projetas na área, ambos com financiamento da FAPESP.

Nascido em 1959 em Teajon, Co­réia do Sul, e radicado desde 1968 em São Paulo, Yang especializou-se no instrumental matemático e esta­tístico aplicado à Física Nuclear.

Formou-se em 1983 pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), onde concluiu o mes­trado em 1985 e o doutorado em 1990, ambos em Física Nuclear. Ao mergulhar numa disciplina tão es­pecializada, foi aos poucos sentindo necessidade de se dedicar também a uma área de alcance social e encami­nhou-se para a epidemiologia.

Pestes e dengue- Entre 1998 e 2000, Yang conduziu o Estudo da Trans­missão de Epidemias e Pestes Causa­das por Micro e Macroparasitas e Possíveis Mecanismos de Controle. Ainda antes de concluí-lo, passou a desenvolver outro projeto em no­vembro de 1999: Estudo dos Fatores Biológicos, Sociais e Ambientais para a Transmissão da Dengue para Deli­near Mecanismos de Controle e Pre­venção - Epidemiologia Quantitati­va. Desenvolvido em parceria com a Superintendência do Controle de

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 33

Page 33: Servidão e abandono

Endemias (Sucen), da ~ Secretaria da Saúde ;5

O vai-e-vem das infecções "' do Estado, o novo j

projeto abrange o es­tudo de modelos ma­temáticos para os fa­tores envolvidos na transmissão da doen­ça pelo mosquito Ae­des aegypti.

O risco de contágio cresce na infância, diminui na adolescência e volta a subir após os 20 anos

0,20 v;-g 0,16 ~

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Objetivos e modelos­Na luta contra as do­enças infecciosas, busca-se otimizar es­forços para seu con-

0,00 +-----j----+----1---------, o

trole e combate, com a possibilidade de resultados em curto prazo. Para isso, elas são consideradas em dois grupos: as de transmissão indireta (que de­pendem de insetos ou outros veto­res, como a dengue, a malária e o mal de Chagas) e as de transmis­são direta (que não dependem de intermediários para a transmis­são, como o sarampo, a caxumba e a rubéola). Há algumas indaga­ções cruciais. Por exemplo: como delimitar as áreas prioritárias para campanhas de combate a insetos transmissores? Como definir fai­xas etárias prioritárias para uma campanha de vacinação? Ou qual a época mais adequada para a campanha?

10 20 30 40 Idade (anos)

Fonte: Hyun Mo Yang/Unicamp

Os objetivos principais podem ser resumidos em dois: descrição matemática da disseminação e análise dos mecanismos de con­trole ou de erradicação das doen­ças. Para isso, não são suficientes os modelos estatísticos aplicáveis às doenças não-infecciosas. É pre­ciso desenvolver modelos mate­máticos dinâmicos que conside­rem fatores como temperatura, condições socioeconômicas, ca­racterísticas da propagação de microrganismos e diversos outros fatores, inclusive a interação entre três grupos distintos de indivídu­os: infectados, recuperados e sus­cetíveis. "Fazer modelagem s~­mente pela modelagem pode ser

Controle sobre a rubéola A primeira experiência signifi­

cativa da aplicação de modelos de epidemiologia matemática a uma estratégia de controle de doença in­fecciosa de transmissão direta no Brasil ocorreu em 1992 no Estado de São Paulo. Na época, a Organi­zação Pan-americana de Saúde (Opas) havia recomendado vacinar todas as crianças e jovens de 9 me­ses a 15 anos de idade com a vacina tríplice - destinada a prevenir ru­béola, sarampo e cachumba. O cus-

34 · JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

to previsto para a campanha, que deveria atingir 12 milhões de doses, era de US$ 35 milhões.

Entretanto, um estudo então em andamento patrocinado pela FA­PESP - Métodos de Avaliação do Impacto de Estratégias de Imuniza­ção contra Doenças de Transmissão Direta- deu às autoridades a certe­za de poder contar com esse mesmo potencial de imunização com me­nos trabalho e com uma redução significativa dos custos previstos.

muito bonito, mas é preciso fazer com que ela leve a um resultado", afirma Yang.

A epidemiologia matemática pode ajudar também no equaciona­mento de diversos fatores ambien­tais e socioeconômicos relacionados

OS PROJETOS

Estudo da Transmissão de Epidemias e Pestes Causadas por Micro e Macroparasitas e Possíveis Mecanismos de Controle

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

HYUN Mo YANG- Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 1 0.000,00 e US$ 22.189,73

Estudo dos Fatores Biológicos, Sociais e Ambientais para a Transmissão da Dengue para Delinear Mecanismos de Controle e Prevenção­Epidemiologia Quantitativa

MODALIDADE

Programa de Pesquisas em Políticas Públicas

COORDENADOR

HYUN Mo YANG- Unicamp

INVESTIMENTO

RS 1 1.820,00 (I Fase) e R$ 137.000,00 (li Fase- projeto em análise)

"Nosso trabalho mostrou que bastaria vacinar a população de 1 a 10 anos de idade, o que exigiria apenas 7 milhões de vacinas", afirma o epidemiologista Eduar­do Massad, coordenador desse estudo e responsável pelo Labo­ratório de Informática Médica da Faculdade de Medicina da USP. A adoção dessa estratégia permitiu reduzir em US$ 15 milhões os custos de vacinação, com uma economia de aproximadamente 43%. Feito entre 1992 e 1995, o estudo teve um financiamento de R$ 143 mil.

Page 34: Servidão e abandono

à saúde pública. Um exemplo é outro estudo desenvolvido recentemente por Yang, em parceria com Marcelo Ferrei­ra, do Instituto de Ciências Bi­omédicas da USP, destinado à compreensão matemática dos efeitos do aquecimento global e das condições socioeconô­micas na transmissão da ma­lária. O trabalho foi publica­do na edição de maio de 2000 da Revista de Saúde Pública (Assessing the Effects of Glo­bal Warming and Local Social and Economic Conditions on the Malaria Transmission ou Quantificando os Efeitos do Aquecimento Global e das Condições Socioeconômicas Locais na Transmis­são da Malária).

Em outros trabalhos, ele já havia lidado também com modelos mate­máticos aplicados a doenças infecci­osas em geral, inclusive à transmis­são do vírus HIV.

Seus estudos o têm convencido da necessidade de ampliar a base de profissionais em epidemiologia ma­temática. ''Além de desenvolver a pesquisa propriamente dita, gosta­ria de despertar o interesse de estu­diosos das ciências exatas para o imenso campo de aplicação da ma­temática às ciências médicas e bio­lógicas."

A campanha deu à FAPESP a oportunidade de divulgação de re­sultados de alta significação: obteve­se um controle efetivo da síndrome da rubéola congênita, causa de eleva­dos índices de surdez, cegueira e re­tardo mental em crianças de todo o país. Além disso, estudos soro lógicos feitos de 1992 a 1995 com amostras de sangue de 3 mil crianças de esco­las e creches da rede pública paulista mostraram fortes indicações de que o vírus da rubéola não mais circula­va no Estado entre as crianças de até 10 anos, conforme relatado por No­tícias FAPESP em abril de 1996.

A epidemiologia matemática tem origem antiga. Os passos iniciais já haviam sido dados em 1760 com um trabalho do suíço Daniel Bernoulli (1700-1782), Essai d'une Nouvelle Analyse de La Mortalité Causée par la Petite Vérole et des Advantages de l'inoculation pour la Prévenir (Ensaio sobre uma Nova Análise da Mortali­dade Causada por Varíola e as Vanta­gens da Vacinação para Preveni-la).

Campo aberto - Contudo, esse esfor­ço pioneiro só seria retomado nos primeiros anos do século 20 por matemáticos britânicos, em traba­lhos referentes a diversas doenÇas epidêmicas.

Já no que se refere ao sarampo, os resultados colhidos com a cam­panha de 1992 teriam permitido imunizar a população durante no mínimo sete anos, pois a vacinação de rotina, aplicada às crianças de 9 meses e de 15 meses de idade, teria a incumbência de evitar surtos epi­dêmicos, segundo Yang.

Essa vacinação de rotina, po­rém, não foi eficaz, de acordo com Yang, pois ocorreram falhas na própria vacina e o desabasteci­mento dos postos de saúde. "Como resultado, o que se obser­vou foi uma epidemia severa de

Yang e Bernoulli, o precursor: reforço às políticas de saúde pública

~ A área ainda é ~ pouco explorada. Se-~ gundo o epidemiolo-

gista Eduardo Mas­sad, vice-diretor da Faculdade de Medicina da USP, mesmo nos paí­ses mais desenvolvidos os progra­mas de saúde pública têm pouco contato com a pesquisa dos mode­los dinâmicos de epidemiologia matemática. Até mesmo os Estados Unidos, que contam com a pode­rosa estrutura dos Centros de Con­trole de Doenças (CDCs) sediados em Atlanta, na Geórgia, acordaram há pouco para a importância da área, onde em geral predominam as aplicações de probabilidade es­tatística. Segundo Massad, a tradi­ção no uso de modelos matemáti­cos dinâmicos, que permitem a elaboração prévia de cenários epi­demiológicos, só existe efetiva­mente na Grã-Bretanha.

No Brasil, país ainda com sérios problemas epidêmicos, ligados so­bretudo às chamadas doenças tropi­cais, Yang tem portanto um amplo campo de ação. •

sarampo em 1997", afirma o pes­quisador. Ele aponta também um fator contra o qual as campanhas de vacinação tem pouco poder de eficácia preventiva: a campanha e a vacinação de rotina não foram capazes de opor-se às correntes migratórias e às variações de fato­res não biológicos. Assim, o in­gresso de indivíduos suscetíveis e infectados altera o cenário de uma comunidade que de outro modo teria um número bem mais elevado de indivíduos imunes após uma campanha de vacinação em massa.

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 35

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CIÊNCIA

FÁRMACOS

Gene bovino dá medicamentos Estudos com fato r de crescimento de fibroblasto (FGF) indicam ações terapêuticas potenciais

Uma pesquisa do Instituto Bu­tantan aponta possibilidades

terapêuticas para o composto FGF (fibroblast growth factor ou fator de crescimento de fibroblastos), produzido a partir de um gene bovino. As funções terapêuti­cas abrangem desde o trata­mento de queimaduras de se­gundo grau até a recuperação de lesões da medula espinhal. O composto tem sido usado também em meio de cultura de células-tronco para a pro­dução de tipos celulares com uso clínico potencial.

O biólogo Paulo Lee Ho, coordenador da pesquisa, es­tuda as aplicações do FGF des­de 1989. O projeto Fator de Crescimento de Fibroblasto-2 (FGF-2): Humanização, Expressão e Possível Aplicação Clínica, financiado pela FA­PESP, resulta de uma consulta feita a ele pelo Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo (USP).

Ho conta que o FGF "foi desco­berto na década de 1970 por um bra­sileiro': o professor do Instituto de Química da USP Hugo Aguirre Ar­melin, e que o gene bovino corres­pondente já havia sido expresso numa bactéria - Escherichia coli -por outro professor desse instituto, Ângelo Geraldo Gambarini.

Parte de uma família de fatores de crescimento estruturalmente pareci­dos, o FGF é multifuncional - pode provocar respostas diferentes, confor­me o tipo de célula com que tem con­tato. Nos laboratórios do Butantan se

36 • JANEIRO /FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

testaram efeitos de um dos membros dessa família, o FGF-2. "Testamos al­gumas ações importantes, justamente para explorar os casos clínicos: cicatriza­ção de tecidos, queimaduras de segun­do grau, reconstituição de vasos san­guíneos do miocárdio e recuperação funcional do sistema nervoso", diz Ho.

No caso da cicatrização, avaliou­se a capacidade do FGF-2 de indu­zir a proliferação de células - ação mitogênica -, uma resposta celular

que participa da ação cicatrizanté. Outro ensaio avaliou a capacidade de induzir a formação de vasos san­guíneos - ação angiogênica, exata­mente a que despertou o interesse do Incor pela pesquisa. O terceiro ensaio buscou descobrir se o FGF-2 pode induzir a diferenciação de cer­tas células em neurônios, ou manter a viabilidade de neurônios já dife­renciados - ação neurotrófica.

Método inédito - A possibilidade de uso clínico do FGF-2 já era conheci­da. Mas a sua obtenção a partir do gene bovino "humanizado" é a ino­vação do projeto, que contou com o trabalho da pós-doutoranda Maria Leonor Sarno de Oliveira.

A equipe observou que a diferença entre o FGF humano e o bovino era

de só dois aminoácidos, que ficam bem perto um do outro na cadeia molecu­lar. Para chegar ao FGF humanizado, partiram do cDNA bovino. DNA é o ácido desoxirribonucléico, que con­tém o código genético e está em todas as células, enquanto cDNA é o DNA complementar, obtido a partir do RNA mensageiro- ácido ribonucléi­co mensageiro, que transmite dados do código genético- do FGF-2 bovi­no. Para isso, fizeram duas mutações

de uma vez, "humanizando" o FGF bovino: o processo con­sistiu em modificar o cDNA bovino para que fosse capaz de produzir um FGF igual ao humano, trocando os dois aminoácidos diferentes. Com o cDNA bovino humanizado, puderam expressá-lo numa bactéria, a Escherichia coli.

Estrutura do FGF-2: produção inédita no Butantan a partir de gene bovino "humanizado"

Os testes para avaliar a ação mito­gênica do FGF-2 foram feitos em cul­tura de fibroblastos - células caracte­rísticas do tecido conjuntivo -mantida com soro fetal, cuja função é induzir o crescimento das células. No teste, os pesquisadores retiraram o soro da cultura, para que as células parassem de crescer, e então adicio­naram o FGF purificado. O resultado foi a indução da mitose- processo de crescimento por divisão celular -, com uma resposta que varia confor­me a dose administrada.

Para testar a ação neurotrófica, usaram células com capacidade de diferenciação neuronal e as puse­ram em contato com o FGF-2. Então, elas se diferenciaram em neurônios - células que formam o sistema nervoso.

Page 36: Servidão e abandono

No terceiro e no quarto teste, feitos em conjunto com Joaquim Coutinho Netto, da USP de Ribei­rão Preto, foi mostrada a capaci­dade de cicatrização e revasculari­zação. Os pesquisadores usaram amostras retiradas da orelha de coe­lhos para testar as ações cicatrizante e angiogênica do FGF-2. Foi feita uma punção na orelha do coelho até atingir a cartilagem e posto no local um tampão com FGF-2. A presença do composto induziu a reposição do tecido retirado e a formação de novos vasos. Notou-se, contudo, que o uso exclusivo do FGF-2 não bas­ta para completar o processo de cicatrização. A ferida provocada pela punção continuou, mes-mo depois da reconstituição dos tecidos: o FGF-2 sozinho não foi capaz de promo­ver eficientemente o cres­cimento das células epite­liais que compõem a pele. Para resolver o problema, a equipe tenta associar a ação do FGF-2 à de ou-

Paulo Lee Ho e Maria Leonor: patente e

planta piloto a caminho

OS PROJETOS

Fator de Crescimento de Fibroblasto-2 (FGF-2): Humanização, Expressão e Possível Aplicação Clínica Desenvolvimento de uma Vacina Anti-helmíntica: Melhoramento da Vacina e o Desafio de seu Scale-up em Condições GMP para Testes Clínicos de Fase II II em Humanos

MODALIDADE Auxflio a projeto de pesquisa

COORDENADOR PAULO LEE Ho- Instituto Butantan da Secretaria da Saúde do Estado

INVESTIMENTOS RS 5.000,00 e USS 6.000,00 para o projeto do FGF-2 RS 83.600 e USS 95.785,86 para o projeto da vacina anti-helmíntica

tro composto, o fator de crescimento de queratinócitos.

Noutro ensaio, o FGF-2 foi posto na córnea de coelhos, um te­cido naturalmente sem vasculariza­ção, mas sua presença induziu a for­mação de vasos também ali.

Os testes de laboratório termi­naram. A próxima fase do projeto depende da construção de uma plan­ta piloto que permita produzir FGF

em escala maior, cer­ca de 80 litros, em condições GMP -adequadas para uso

em humanos, segundo a legislação. Essas condições têm, primeiro, o ob­jetivo de garantir a qualidade. Além disso, como usa bactérias recombi­nantes - geneticamente modificadas -, o processo produtivo é conduzido de modo que essas bactérias não se espalhem, mesmo no caso da E. coZi, que não é estranha ao homem.

A equipe pretende patentear o FGF-2 humanizado a partir de gene bovino. O mesmo FGF produzido si­milarmente por tecnologia de DNA recombinante tem preço médio de US$ 100 por 1 O microgramas. Espe­ra-se que a produção possa começar em meados do ano.

Esquistossomose - Da planta piloto depende a conclusão de outro proje­to, desenvolvido em parceria com a

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro: nele, o grupo tra­balha para desenvolver uma vacina anti-helmíntica- contra a esquistos­somose ou barriga d'água, doença endêmica no Brasil. Causada pelo verme Schistossoma mansoni, é con­traída pela penetração da larva na pele quando a pessoa entra em con­tato com água contaminada. O pro­jeto também está em fase avançada.

A vacina será produzida com base numa proteína que está presente também na superfície do verme, a Sm-14. A equipe de Paulo Lee Ho e de Ana Lúcia T. Oller do Nascimento, do Laboratório de Biotecnologia Mole­cular do Butantan, concentrou-se na melhoria das técnicas de obtenção da Sm-14 por engenharia genética.

Até o momento, a vacina foi testa­da pela Fiocruz em camundongos e coelhos com resultados considerados excelentes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), só antíge­nos com índices de proteção acima de 40% em testes com animais de­vem ser ensaiados em humanos. Nos camundongos inoculados com a for­ma ativa da doença, obteve-se um ín­dice de proteção em torno de 50% e, nos coelhos, 100%. Esses animais, porém, não são os melhores modelos para o teste de proteção: não são os alvos naturais, pois não têm o hábito de entrar na água.

"Sempre se usa um modelo ani­mal para testar uma vacina de uso humano, mas nem sempre esse mo­delo tem paralelo com a resposta que ocorre no homem: temos de realizar os testes em humanos para saber se funciona ou não': avisa Ho.

Os testes iniciais visam a desco­brir se o antígeno é inócuo ao ho­mem. Para fazê-los, o grupo precisa produzir a vacina em condições ade­quadas, o que requer a planta piloto em funcionamento. Ho acredita que, uma vez iniciados, os testes com hu­manos sejam concluídos em cinco a dez anos. A importância da vacina, para ele, está na possibilidade de usá­la tanto no tratamento como na pre­venção da doença. •

PESQUISA FAPESP · JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 37

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CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Microscópio • • mape1a cana1s

em células vivas Aparelho mostra a entrada e saída de substâncias em organismos e abre caminho para medicamentos mais eficazes

Numa salinha de labo­ratório do Instituto de Ciências Biomédi­cas da Universidade de São Paulo (USP),

onde cabem poucos aparelhos e um microcomputador, maneja-se um instrumento de alto poder de reso­lução que é único no Brasil: o mi­croscópio de força atômica aplica-

do à área biológica modelo Bio­probe. Uma técnica criada pelo pesquisador Ricardo de Sousa Pe­reira permite que o aparelho, insta­lado no laboratório do Departa­mento de Parasitologia, mapeie a superfície de células vivas e identi­fique com precisão os pontos nos quais ocorrem, por exemplo, fenô­menos como a entrada e a saída de

íons de cálcio. No caso, diz Pereira, "tal técnica baseia-se na imobiliza­ção de medicamentos bloqueadores de cálcio na ponta da sonda do apa­relho", o que deverá possibilitar o desenvolvimento de bloqueadores de cálcio mais eficientes para baixar a pressão arterial.

O projeto Utilização de Biossen­sores, Feitos com a Sonda do Micros­cópio de Força Atômica Aplicado à Área Biológica, para Mapear Canais de Íons na Superfície de Células, con­duzido por Pereira e financiado pela FAPESP, começou em dezembro de 1998 e deve terminar em dezembro de 2001.

O pesquisador salienta que a gran­de vantagem do aparelho é a possibi­lidade de visualizar material vivo: "Um microscópio eletrônico de var­redura tem poder de visualização comparável ao de força atômica, mas o fixador usado na preparação da amostra mata as células".

Segundo Pereira, as informações obtidas pelo Bioprobe permitirão de­senvolver medicamentos mais efica­zes, pois terão atuação bem locali­zada: os bloqueadores de cálcio só deverão agir nos canais de cálcio das células, por meio dos quais o mineral

O relevo do fermento Imagens de uma varredura da superfície de células de S. cerevisiae

Aqui, a presença de altas concentrações de moléculas de glicose induz um grande número de deflexões no cantílever, o que impede a visualização das células de S. cerevisiae

38 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Três horas depois, as células absorveram parte da glicose e, como há menos deflexões, a imagem é parcial. A seta 1 indica deflexões por causa da glicose e a seta 2 aponta uma célula

Page 38: Servidão e abandono

atravessa a membrana celular- o que implica alto grau de eficiência no bloqueio à entrada excessiva do mi­neral nas células. Outra vantagem é a quase ausência de efeitos colaterais, já que os medicamentos não deverão interferir em nenhum outro processo químico do organismo, nem mesmo nas reações ocorridas em outros pontos da célula.

Descoberta casual - O pesquisador conta que ele e seu colaborador Ni­valdo Antônio Parizzotto, da Univer­sidade Federal de São Carlos, desco­briram casualmente a capacidade que o equipamento tem de visualizar material biológico vivo - células, te­cidos, organelas etc.

"Em 1991, eu estava trabalhan­do no microscópio de força atômi­ca do Laboratório de Fotônica da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Cam­pinas (Unicamp ), chefiado pelo professor Vítor Baranauskas. Esse foi o primeiro equipamento do gê­nero na América Latina. Um dia, esquecemos nele uma amostra de fermento biológico de padaria, preparada numa lâmina com meio de cultura. No dia seguinte, ao ten-

tarmos retirar a lâmina, notamos que a sonda do microscópio- cha­mada de cantilever- estava aderida na amostra, porque esta havia cres­cido em área e altura, durante a noite. Nesse ponto, desconfiamos que as células deveriam estar vivas. Elas se multiplicaram e o cresci­mento em altura envolveu a sonda do equipamento."

As possibilidades da descoberta são amplas. Em julho último, por exemplo, o pesquisador publicou um artigo na revista Febs Letters, da Federação das Sociedades Bioquí­micas Européias, em que demonstra como um biossensor feito com a sonda do microscópio pode detectar a absorção de moléculas de glicose por células vivas de Saccharomyces cerevisae - a levedura conhecida como fermento biológico de pada­ria. Segundo Pereira, "essa metodo­logia será interessante para os cien­tistas que estudam diabetes".

Pereira revela que a publicação do artigo fez com que o diretor da Escola de Medicina da Universida­de Yale, nos Estados Unidos, o con­vidasse a escrever uma revisão, a ser publicada na revista Biochemical Pharmacology: "Nela, foram incor-

porados outros interessantes resul­tados com biossensores, valendo a pena destacar a detecção de álcool etílico com um cantílever coberto com a enzima álcool desidrogenase tipo II- que transforma álcool etí­lico em glutaraldeído - e a detec­ção de espécies reativas de oxigênio usando-se as enzimas superóxido dismutase, que detecta íons superó­xidos, e catalase, que detecta peró­xido de hidrogênio, ou seja, água oxigenada".

O pesquisador diz ainda que cien­tistas da IBM fizeram da sonda do aparelho uma espécie de chip de DNA (ácido desoxirribonucléico ), para identificar mutações em genes­as chamadas SNPs (polimorfismos simples de nucleotídeo).

Contra vírus- Outra aplicação possí­vel comentada na revisão de Pereira é a imobilização de uma partícula de vírus na ponta da sonda do equipa­mento - o cantílever - para medir a força de adesão necessária para que o vírus infecte a célula: de posse des­se dado, os cientistas poderão pen­sar em medicamentos que enfraque­çam essa força de adesão e evitem a infecção viral.

por um cantílever do microscópio de força atômica que tem a enzima glicose oxidase nele imobilizada

Quatro horas depois da primeira varredura, as células de S. cerevisiae absorveram mais moléculas de glicose: a imagem das células fica mais visível na área varrida

Cinco horas depois da primeira varredura, vêem-se quase todas as célu las presentes na superfície varrida, indicando que elas absorveram praticamente todas as moléculas de glicose

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE2001 • 39

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Variedades de S. cerevisiae: da esquerda, Fermipan (Holanda), ltaiquara (Brasil), Sishin Seifun (Japão) e Fleischmann (Brasil)

O pesquisador chama a atenção para o fato de que os microscópios de força atômica convencionais, dos quais se valeu em 1991, come­çaram a ser comercializados em 1989. Usados sobretudo por físicos e químicos, servem, por exemplo, para comparar as imagens de dia­mantes sintéticos, empregados em brocas industriais, com as de dia­mantes naturais.

Pioneirismo- Foi só em 1995, conta Pereira, que surgiu o primeiro mo­delo aplicado à área biológica- o Bi­oscope, fabricado pela Digital Ins­truments, da Califórnia, trazendo acoplado um microscópio óptico invertido e mostrando sua grande vantagem: enquanto nos microscó­pios eletrônicos o fixador usado na preparação da amostra mata as célu­las, o de força atômica pode analisar material vivo sem uso do fixador -tetróxido de ósmio ou glutaraldeído ou ouro evaporado. Essa vantagem se revela tanto em relação ao mi­croscópio eletrônico de transmis­são, que investiga o interior da célu­la, quanto ao de varredura, que faz a topografia do material.

Pereira avalia o equipamento que usa como o mais moderno do gêne­ro. Lançado no final de 1998 pela empresa americana Thermomicros­copes, da Califórnia, o Bioprobe foi comprado em abril de 2000 depois de nove meses de negociação: seu preço inicial de US$ 135 mil baixa­do para US$ 100 mil, pois - como Pereira argumentou -, além de ser o

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primeiro e único vendido ao Brasil, o fabricante obteria propaganda in­direta a cada vez que o pesquisador fizesse uma palestra ou tivesse seu trabalho em destaque.

Pelos muitos recursos do equi­pamento, Pereira o considera mais apropriado para a análise tridimen­sional de proteínas do que o mi­croscópio de força atômica conven­cional usado pelo Laboratório de Luz Síncroton do Ministério da Ci­ência e Tecnologia, em Campinas: "O microscópio instalado no Sín­croton é apropriado para a área de física e química, mas não permite a localização precisa do cristal de proteína, porque a busca é feita com a movimentação da sonda às cegas. O microscópio que uso é o melhor que existe para qualquér análise na área biológica - o que não quer dizer, de modo algum, que meu laboratório seja melhor que o Síncroton, uma referência em pesquisa".

O PROJETO

Utilização de Biossensores, Feitos com a Sonda do Microscópio de Força Atômica Aplicado à Área Biológica, para Mapear Canais de fons na Superfície de Células

MODALIDADE

Programa Jovens Pesquisadores

COORDENADOR

RICARDO DE SOUZA PEREIRA- Instituto de Ciências Biomédicas da USP

INVESTIMENTO

RS 78.240.42 e US$ 11 0.449,00

A operação do microscop10 re­quer uma estação de trabalho ligada a um computador e composta pelo microscópio, um televisor e um mo­nitor de vídeo de alta definição.

Funcionamento - O aparelho usa ape­nas um feixe de radiação laser de bai­xa potência, que mantém a amostra viva. Esse feixe incide sobre a micro­estrutura chamada cantüever. Seme­lhante a um esquadro de desenho, o cantüever tem um lado que mede cerca de 100 micrômetros. Como cada micrômetro equivale a um mi­lésimo de milímetro, esse lado tem a espessura média de um fio de cabelo.

O cantílever é feito de duas lâmi­nas - uma de sílicio embaixo, outra de ouro espelhado em cima. O laser incide na parte espelhada e é captado por uma fotocélula ou fotodiodo, componente eletrônico que transfor­ma energia luminosa em elétrica. Os impulsos elétricos são levados ao computador, que os transforma em imagens digitalizadas.

Na parte de baixo do cantüever há uma ponta ou sonda, que varre a su­perfície e, à medida que percorre sua topografia, altera a direção do feixe de laser para atingir áreas diferentes da fotocélula. Esse deslocamento do feixe produz mais ou menos impul­sos elétricos. A quantidade de impul­sos enviados ao computador define áreas mais claras ou escuras, confor­me a programação do software: no caso, convencionou-se que, quanto mais alta fosse a topografia, mais cla­ra seria a imagem. O que se observa,

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numa tela de computador de alta de­finição, são imagens tridimensionais semelhantes a montanhas, num rele­vo mais ou menos acidentado, se­gundo as variações suaves ou abrup­tas na topografia da amostra.

Acima do local reservado à amostra em análise, há no Bioprobe uma caixa plástica azul - o coração do aparelho - na qual está inserida uma pequena peça que contém o cantílever. Abaixo da amostra, em posição invertida, há um microscó­pio óptico: ele fica sob a amostra para captar tanto a imagem do ma­terial analisado quanto da posição do cantíle­ver. Ao lado da amos­tra, uma câmera trans­mite ao aparelho de TV as imagens microscó­picas do cantílever em movimento.

tram em contato. Por exemplo, quando caminhamos, surgem for­ças de Van der Waals entre nossos sapatos e o chão. É claro que são fraquíssimas, do contrário não sai­ríamos do lugar. O mesmo ocorre quando encostamos a mão numa mesa ou outro material.

Então, quando o bloqueador de íons cálcio acoplado à ponta do cantílever encontra um canal de cálcio, a afinidade entre os dois au­menta um pouquinho a intensida-

onde também doutorou-se em Quí­mica Orgânica na área de síntese de medicamentos. Fez pós-doutorado em microscopia de força atômica na Escola de Medicina da Universidade Yale (Estados Unidos).

O pesquisador situa os estudos que desenvolve bem próximos dos de Hermann E. Gaub, do Departamento de Física da Universidade Técnica de Munique, Alemanha, e de Julio Fer­nandez, da Clínica Mayo, em Raches­ter, Estados Unidos. Ambos fazem

medidas de força de in­teração entre moléculas biológicas.

Busca do cálcio - Resta saber como Pereira constrói os biossenso­res com a sonda do microscópio, para ma­pear canais de íons na superfície das células. Tome-se como exem­

Pereira e o microscópio de força atômica: intervenção nas células

Por sua metodolo­gia de pesquisa em cé­lulas vivas, Pereira foi palestrante convidado no IV Pharmatech (Congresso da Socie­dade Brasileira de Tec­nologia Farmacêutica - SBTF), em 1999, e teve um de seus resul­tados com modelagem molecular publicado na capa do livro de re­sumos do congresso. Já os resultados obti­dos com o microscó­pio de força atômica

plo a procura de canais de íons cál­cio, importante para o desenvolvi­mento de medicamentos para cardíacos. Ele põe na ponta do can­tílever um bloqueador de íons cál­cio: é um medicamento para o cora­ção, que pode ser nifedipina ou um de seus derivados- nitrendipina, ni­cardipina ou amilodipina. Depois, passa o cantílever sobre células de Saccharomyces cerevisae- o fermen­to de padaria -, que servem de mo­delo experimental porque têm ca­nais de cálcio similares aos das células humanas.

Para explicar o que acontece a seguir, Pereira lembra a existência das chamadas forças de Van der Waals: são forças muito fracas, que correspondem às ligações temporá­rias que se estabelecem sempre que dois materiais, vivos ou inertes, en-

de da força de Van der Waals no lo­cal, puxando o cantílever para b·ai­xo e alterando a direção do feixe de laser que vai atingir a fotocélula. Alteração tão pequena não impede o cantílever de se desprender e con­tinuar sua exploração da amostra. Quando ele sai do canal de cálcio, a força de Van der Waals diminui no­vamente e altera, em conseqüência, a direção do feixe de laser. Resulta­do: o microscópio produz um grá­fico da variação dessas forças de in­teração entre o medicamento e os receptores na célula - os canais de cálcio procurados.

Fabuloso - Formado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop ), Pereira fez mestrado em Bioquímica na área de metabolismo de drogas na Unicamp,

mereceram citação no livro-texto Yeast Physiology and Biotechno­logy, de Graeme Walker, publicado na Inglaterra, e foram capa da re­vista norte-americana Applied Bi­ochemistry and Biotechnology, in­forma Pereira.

Em outubro do ano passado, ele esteve nos Estados Unidos para aprender mais sobre as potenciali­dades do aparelho. Em abril, irá a Toronto, no Canadá, para conhecer um novo tipo de microscópio, o So­matoscope: "Esse fabuloso equipa­mento consegue visualizar o interior de células vivas com a resolução de até 150 angstrons" (1 angstrom = w-s cm - é a unidade de compri­mento da onda de luz). Ou seja, "na mesma linha do Bioprobe, de visua­lizar material biológico sem uso de fixador ou corante". •

PESQUISA FAPESP • JANEIRO/ FEVEREIRODE2001 • 41

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CIÊNCIA

FÍSICA

Na onda do Gráviton Brasil entra na corrida para captar ondas gravitacionais do Cosmos

Com o projeto Gráviton, coor­denado por Odylio Aguiar, do

Instituto Nacional de Pesquisas Es­paciais (Inpe), um grupo de pesqui­sadores pretende, pela primeira vez na história, detectar ondas gravitacionais no espaço. Iniciado em maio do ano passado com financiamento de cerca de US$ 1 milhão

Escudos

Nitrogêni líquido

pagam com a velocidade da luz. Suge­ridas, entre o final do século 19 e início do 20 por cientistas como Heaviside, Lorentz e Poincaré, elas foram pre­vistas em 1916 pelas equações daRe­latividade Geral de Albert Einstein.

Desde a década de 1960, quando os avanços tecnológicos permitiram que se pensasse em detectar essas ondas, os físicos imaginam dispositi­vos para isso e já há vários detectores envolvidos na tentativa. A proposta

O detector Schenberg

As ondas gravitacionais podem atravessar qualquer objeto praticamente sem perder energia

da FAPESP, o projeto reúne um conjunto de instituições e começa com a construção de um poderoso detector de ondas com antena esferoidal que leva o nome do físico brasi­leiro Mario Schenberg (1914-1990). Além dos resultados a que che­gar, é um projeto im­portante por desen­volver, no país, uma instrumentação que

Câmaras _ _ _ criogênicas

poderá ser útil tam-bém em outras áreas.

Ondas gravitacio-

E

brasileira é a de pesadas antenas es­feroidais de cobre-alumínio que operem a temperaturas entre 15 e 20 mK (milikelvins) - poucos centési­mos de grau acima do zero absoluto ( -273,16.C), situação em que cessa toda a agitação atômica e, portanto, há uma ausência total de calor.

O projeto Gráviton abrange vários equipamentos do gênero. O primeiro é o detector Schenberg, que operará entre 3 e 3,4 kHz (quilohertz). Nessa

E o "1.

faixa de freqüências, "terá a sensibilidade dos grandes interferômetros de laser': revela Aguiar, "com a vantagem de ser mais barato': Os interfe-rômetros de laser são detectores que custam em torno de US$ 100 milhões, enquanto o Schenberg, do tipo res­sonante, deve custar US$ 1 milhão.

nais são deformações na estrutura do espa­ço-tempo produzidas por massas aceleradas -por exemplo, nas ex­plosões de estrelas su­pernovas ou na órbita de um sistema binário formado por duas es­trelas de nêutrons - e que, segundo a Teoria da Relatividade, se pro-

Fonte: Projeto Gráviton

Revolução - Quem de­tectar as ondas gravita­danais deflagrará uma revolução de conse­quencias imprevisí­veis na Física, prevêem Aguiar, do Inpe, e seus coordenadores adjuntos Nei Oliveira Jr., do Laboratório de Estado Sólido e Baixas Tempe­raturas (LESBT) do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), e Giorgio Frossati, da Universi­dade de Leiden (Ho­landa). Participam tam­bém pesquisadores da Universidade Bandei­rantes, do Centro Fe­deral de Ensino Tecno-

42 • JANEIRO/ FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

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lógico de São Paulo e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Cola­boram ainda seis outras instituições do exterior e outras tantas do Brasil.

"Não é uma tarefa fácil", admite Aguiar. Fugidias como as ondas ele-

"são a força forte, responsável pela coesão das partículas nucleares e dos núcleos atómicos; a força fraca, que rege a transmutação entre par­tículas; a força eletromagnética, que possibilita a existência dos átomos

Aguiar e a peça da antena: abrindo uma nova janela para a observação do Universo

tromagnéticas, que viajam a 300 mil km/segundo, as gravitacionais são muito mais fracas: em torno de 36 ordens de magnitude a menos que a radiação eletromagnética. Frossati, físico italiano formado no Brasil e especialista em criogenia, faz uma analogia entre a radiação eletromagnética, decifrada entre os séculos 19 e 20, e a gravitacional: "As ondas eletromagnéticas podem ser vistas como bolas de bilhar que se deslocam na superfície plana da mesa, representando as dimensões que conhecemos, enquanto as on­das gravitacionais teriam a liberda­de de perfurar o plano da mesa, para cima e para baixo". Nesse pa­drão, elas fugiriam para outras di­mensões, o que está de acordo com a teoria das supercordas, que de­fende a existência de múltiplas di­mensões nos primeiros estágios do Universo, quando as quatro forças básicas da natureza teriam sido uma só. Tais forças, lembra Aguiar,

e das estruturas moleculares e cris­talinas; e, finalmente, a força gravi­tacional, responsável pela forma­ção das galáxias, estrelas, planetas e demais corpos no Universo".

Bruxaria- O conhecimento da natu­reza das ondas gravitacionais seria a resposta que Isaac Newton não pôde dar, no século 17, aos críticos carte­sianos que o acusaram de "bruxaria" quando anunciou sua Teoria da Gravitação Universal.

A distorção da estrutura espaço­tempo pela presença de um corpo de grande massa, prevista na Teoria da Relatividade Geral, foi confirmada em 29 de maio de 1919 no eclipse to­tal do Sol observado por uma equipe internacional em Sobral, no Ceará.

Até agora, as evidências de ondas gravitacionais são indiretas. Na dé­cada de 70, cientistas americanos observaram, com o radiotelescópio de 305 metros de Arecibo, em Porto Rico, um decréscimo de 76 micras-

segundos ao ano na órbita do siste­ma binário PSR1913+ 16, formado por um pulsar e uma estrela de nêu­trons, ambas estrelas colapsadas. A variação de rotação do sistema foi explicada pela emissão de ondas gravitacionais.

Segundo Frossati, a eventual de­tecção da ondulação do espaço-tem­po "trará profundas reformulações do micro ao macrocosmo e na área da física de partículas, consolidando des­de abordagens como a teoria das su­percordas até um novo mapeamento e conhecimento do Universo'~ A teo­ria das supercordas sustenta que os constituintes básicos da matéria, os quarks, nascem da vibração de cor­das infinitamente pequenas - os tijo­los básicos do mundo, gerados como as notas produzidas pela vibração das cordas de um piano. Da combinação de vários tipos de quarks são consti­tuídos os prótons e nêutrons, partí­culas que formam o núcleo atómico e, envoltas por camadas de elétrons, compõem o mundo conhecido.

Frossati viveu no Brasil dos 8 aos 30 anos e estudou no Instituto de Fí­sica da USP. Hoje, enquanto observa a paisagem arborizada pelas janelas de vidro do edifício Mario Schen­berg, na Cidade Universitária, ele ad­verte que o projeto "pode parecer pura ficção científica" e discorre so­bre os desdobramentos possíveis da detecção de ondas gravitacionais, como a possibilidade de essas ondas "fugirem para outras dimensões"

Liga de sino - "Não só as primeiras detecções serão importantes': afirma Aguiar. ''A observação regular dessas ondas vai ser tão ou mais importan­te, pois elas carregam informação do Cosmos que não pode ser obtida através da detecção das ondas eletro­magnéticas (microondas, infraverme­lho, luz, raios gama, etc). Portanto, a detecção dessas ondas gravitacionais vai abrir uma nova 'janela' para a observação do Universo."

O desenvolvimento dessa nova ge­ração de detectores de ondas gravita­cionais baseia-se em antenas resso-

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nantes esferoidais construídas com uma liga de cobre (94%) e alumínio ( 6%). "Em trabalho recente, o grupo da Holanda demonstrou que essa liga combina uma alta capaci­dade ressonante (como a liga de um sino) com uma alta condutivida-de térmica. Esta últi-ma propriedade permitirá que a antena seja resfriada até temperaturas tão baixas. Resfriar a antena é importantíssimo para mi­nimizar o ruído térmico. Um dos grandes trunfos dessa nova geração de antenas é o de que serão resfria­das a temperaturas quase uma or­dem de grandeza abaixo das antenas existentes- a mais fria delas, a Náu­tilus no Instituto Nacional de Física Nuclear (INFN), em Frascati, Itália, funciona a cerca de 100 mK", salien­ta Oliveira.

Projeto ômega- O plano mais ambi­cioso da equipe de Aguiar é produ­zir três detectores esferoidais no Brasil, de tamanhos diferentes e, conseqüentemente, faixas de fre-

CUFFORO M. WILUPHYSICS TODAY, OUTUBRO 1999

Esquema das ondas gravitacionais: resultado de eventos como uma explosão de supernova

quência diferentes. O Schenberg é o primeiro; depois, virão o Newton e o Einstein, e o conjunto formará o Observatório Brasileiro de Ondas Gravitacionais.

Haverá três unidades do porte do detector Schenberg, com 65 centí­metros de diâmetro e 1.150 quilo­gramas. A primeira já toma forma na fundição Italbronze, de Arujá. O Newton terá o dobro do diâmetro do Schenberg e o Einstein será ainda

Os detectores em ação Há dois tipos principais de

detectores de ondas gravitacio­nais em operação: os de resso­nância de barra e os de laser. Atu­almente, entre os mais sensíveis em operação há cinco de resso­nância de barra e um de laser. Es­tão em fase final, para início de operação, quatro a laser (interfe­rômetros) e em construção três esferoidais, entre eles o brasileiro Schenberg.

Em janeiro de 1960, o físico norte-americano Joseph Weber propôs os instrumentos de resso­nância de barra e o primeiro en­trou em operação cinco anos de­pois. Um detector de barra é deformado por uma onda gravi­tacional: transdutores, ou acele-

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rômetros, acoplados à sua super- · fície, transformam essa deforma­ção num sinal elétrico que pode ser interpretado.

Uma analogia para um detec­tor de ressonância são as bolas in­fláveis de aniversário. Uma pessoa que ponha as mãos sobre sua su­perfície pode sentir as vibrações sonoras - que são deformações no ar- produzidas por uma fon­te como música em alto volume. No caso, os transdutores seriam as mãos, que transportam um si­nal mecânico para o cérebro.

Detectores esferoidais atuam baseados no mesmo princípio dos de barra, com a diferença de, em princípio, poderem registrar ondas originárias de qualquer di-

maior: 3 metros de diâmetro e 100 toneladas. Cada versão significa um

desafio, tanto de construção co­mo de resfriamento.

As três unidades do primeiro tamanho

de detector, todas pro­duzidas na Italbronze,

integrarão o projeto Ômega, uma rede internacional de de­

tectores esferoidais. O Schen­berg ficará no LESBT do Instituto

de Física da USP, no edifício que leva o nome do físico brasileiro. Os ou­tros, Mini-Grail eSfera, serão instala­dos, respectivamente, na Universida­de de Leiden, Holanda, e no Instituto Nacional de Física Nuclear em Fras­cati, Itália. O trabalho com três ins­trumentos similares, na mesma faixa de freqüência, é necessário para asse­gurar a confiabilidade das medidas, justificam Frossati e Aguiar.

Garrafa térmica - Os desafios de cons­trução e resfriamento começam com a fundição da liga cobre-alumínio, cuja composição Frossati define como a que oferece a melhor resso-

reção, enquanto os de barra estão restritos a observações em dire­ções próximas dos planos per­pendiculares à barra. Os de laser podem registrar diretamente as deformações do espaço-tempo, mas têm custos proibitivas para a realidade brasileira. Aguiar acres­centa: "Além disso, os detectores esferoidais são capazes de deter­minar, cada um deles sozinho, a direção de onde vem a onda e a sua polarização (sua forma de de­formar o espaço). Os detectores laser, por exemplo, precisam estar trabalhando em conjunto (pelo menos quatro deles), para obter a direção e a polarização da onda. A grande vantagem dos interferô­metros laser, que justifica o gran­de custo deles, é a observação si­multânea de uma grande faixa de freqüências num único detector':

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e seu custo deve subir para US$ 7 milhões.

nância para as ondas gravitacionais. Mas fundir um corpo como esse, reconhece, "en­volve dificuldades como o aparecimento de defeitos capazes de alterar os padrões me­cânicos desejados". A solução encontrada pela Italbronze foi fun­dir blocos em forma de cilindro, em que even­tuais falhas estruturais tendem a se deslocar para as partes superio­res da peça, que "estão sendo cortadas como Frossati e Oliveira: em busca da "foto instantânea" do Big Bang

Começar com de­tectores menores e mais baratos, com a intenção de chegar aos grandes, mais so­fisticados e eficientes, é o rumo do projeto Gráviton. Mesmo o Schenberg deve passar por duas fases: a Granted, formada pe­las iniciais, em inglês, de "demonstração tec­nológica de antena para radiação gravita­cional"; e a Detector, quando o instrumen­recurso para eliminar

as falhas e assegurar o desempenho desejado", informa Aguiar.

O resfriamento de uma peça de mais de uma tonelada a poucos cen­tésimos de grau acima do zero abso­luto requer uma infra-estrutura de criogenia considerável. Por isso a an­tena será montada no LESBT da USP, liderado por Nei Oliveira. "Será a maior massa já resfriada a essa temperatura em todo o mundo" diz. E acrescenta que com projetos desse tipo "o Brasil participa do circuito internacional de alta tecnologia científica".

Após o Schenberg, as dificulda­des com as antenas maiores devem aumentar, tanto nos processos de fundição como nos de resfriamento. Aguiar se refere ao trabalho de resfri­ar não uma, mas 100 toneladas, num curto período de tempo. Para isso, o Schenberg estará confinado numa espécie de garrafa térmica gigante, no laboratório de criogenia. Banha­do por gás hélio, numa técnica co­nhecida como convecção forçada, em três dias e meio terá atingido a temperatura de operação. Esse curto tempo de resfriamento é uma das principais vantagens desse detector, argumenta Oliveira. Em caso de mu­dança de configuração, acrescenta, "não será necessário esperar os me­ses que seriam exigidos para os de­tectores maiores".

No Guinness- No resfriamento en­tram as habilidades de Frossati, que nos anos 80 bateu o recorde na ob­tenção de baixas temperaturas con­tínuas, conseguindo menos de dois milikelvin acima do zero absoluto, e assim entrou para o Guinness Book, o livro dos recordes.

Para desenvolver o Einstein, no entanto, o tempo de resfriamento deverá aumentar para um mês e a "garrafa térmica" onde ele deve ser acondicionado crescer para um vo­lume significativo. Isso, segundo Aguiar, "exigirá um edifício muito maior que o do laboratório da u·sp, equipado com guindastes especiais para fazer seu deslocamento". O Einstein, diz, deverá aumentar a sensibilidade em energia de detec­ção do Schenberg por um fator 100

O PROJETO

O Detector Mário Schenberg: Proposta para o Projeto, Construção e Operação de um Detector de Ondas Esferoidal de 0,6 Metro de Diâmetro

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

0DYLIO DENYS DE AGUIAR - Instituto Na­cional de Pesquisas Espaciais

INVESTIMENTO

R$ 820.551,75 e US$ 563.000,00

to entrar em operação, o que deve ocorrer antes de maio de 2004.

"Na faixa de 3.0 a 3.4 kHz, obra­sileiro Schenberg, o holandês Mini­Grail e o italiano Sfera têm tudo para virem a ser os mais sensíveis do mundo, pois todos os interferôme­tros laser de longo caminho óptico que estão entrando em operação vão ter muito ruído nessa faixa", afirma Aguiar. "Além disso, vamos aprender como fazer detectores ainda mais sensíveis em outras faixas de fre­qüências", completa Aguiar.

Os pesquisadores comparam a de­tecção de ondas gravitacionais ao sur­gimento da radioastronomia. "Se ob­servar o Universo em comprimentos de ondas rádio desenhou um novo mapa do Cosmos, a observação de ondas gravitacionais deverá ampliar esses horizontes", afirma Frossati. Ele acha que, como a radioastronomia fez utilizando as microondas, tam­bém será possível registrar ondas gra­vitacionais do Big Bang, a explosão inicial da criação do Universo.

''A diferença': diz Oliveira, "é que, enquanto as ondas eletromagnéticas fornecem uma 'foto' de quando o Universo tinha 300 mil aninhos de idade, as ondas gravitacionais em mi­croondas vão fornecer a 'foto' do Uni­verso no momento exato do seu nas­cimento. Algo que não poderá deixar de ir para o álbum da ciência': •

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 45

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TECNOLOGIA

Software ajuda prefeitos a avaliar custo do lixo

Os valores que as cidades paulistas pagam atualmente às empresas coletoras de lixo têm uma variação enorme -de R$ 13 a R$ 120 por tone­lada, com média de R$ 37. Agora, foi criado um instru­mento para tentar solucio­nar a questão: um software que dá às prefeituras o con­trole dos parâmetros, espe­cialmente custos, do serviço de coleta de lixo. Uma equi­pe da Divisão de Tecnologia de Transportes do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) desenvolveu o software PlanLix a partir do projeto Determinação de Metodolo­gias de Índices de Custos

Lixo sendo recolhido: São Paulo terá projeto mais detalhado

Anestésico eficiente com menor risco

Um anestésico local mais efi­ciente no combate à dor, com resultado mais rápido e pro­longado, além de efeitos cola-

para Coleta e Transporte de Lixo Domiciliar Urbano. Se­gundo o coordenador do trabalho, Sérgio Inácio Fer-

Universidade de São Paulo (USP). Em testes feitos com ratos, a simocaína mostrou ser de 30% a 40% menos car­diotóxica- ou seja, diminui o risco de parada cardíaca in­duzida por anestesia. Como

Maria Simonetti: pedido de patente

alguns outros anes­tésicos, a simocaína baseia-se no uso de isômeros, molécu­las que se organi­zam aos pares de forma invertida. Tanto os isômeros chamados "bons" como os "ruins" -estes, os responsá­veis pelos efeitos colaterais nocivos -

terais mais leves: é a simocaí­na, o primeiro anestésico bra­sileiro, desenvolvido em pes­quisa coordenada por Maria Simonetti, do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da

são necessários para a eficácia do anestésico. O segredo da simocaína vem de uma re­combinação de 75% de isô­meros bons com apenas 25% de ruins. Resta estudar os efeitos do novo anestésico so-

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reira, o software foi desenvol­vido por amostragem a par­tir de "radiografias" exatas de algumas cidades e dos da-

bre o ser humano. A USP já deu entrada em pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), para que se possa pas­sar à produção ém parceria com alguma empresa. •

Teste masculino de infertilidade

Em cerca de um terço dos ca­sos de infertilidade, o proble­ma é masculino. Um novo exame de esperma verifica a presença da proteína ubiqui­tina, que indica espermato­zóides com problemas. Altos níveis de ubiquitina signifi­cam um problema de inferti­lidade do homem. Anuncia­do no fim de janeiro por cientistas americanos e japo­neses, o novo teste pouparia as mulheres de exames repe­tidos e tratamentos desneces­sários, em casos de casais in-

dos principais de outras. O PlanLix baseia-se em três pa­râmetros: dados da cidade (como população, relevo e escolaridade), custos (como manutenção da frota e ad­ministração) e índices medi­dos em campo (como con­sumo por quilômetro, exten­são de roteiros, preços de combustível e vida útil). O software cruza esses dados e prevê a planilha de custos mais adequada a cada situa­ção. São Paulo, segundo Fer­reira, é um caso à parte. "A capital paulista ficou para um projeto mais detalhado, que poderá ser discutido com a prefeitura", diz. •

férteis. Os estudos iniciais, publicados no jornal Human Reproduction, envolvem os pesquisadores Peter Sutovsky, da Universidade de Ciências da Saúde de Oregon, e Yuki­hiro Terada, da Universidade Tohoku, que estão ampliando a abrangência dos testes do novo exame para confirmar os resultados. •

Lula em lata, uma técnica nacional

Uma tecnologia de custo bai­xo para a conservação de fru­tos do mar é o objetivo de um projeto em desenvolvimento na Embrapa Agroindústria de Alimentos, ligada ao Mi­nistério da Agricultura. No caso da lula, a tecnologia está quase pronta - estudos preli­minares constataram uma economia de 45% em relação ao produto importado exis-

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tente no mercado. "A lula é conservada apenas em água e sal'', diz a pesquisadora Angela Furtado, responsável pelo projeto, e acrescenta que já há indústrias brasileiras in­teressadas. A pesquisa da lula enlatada terminará em um ano, depois da fase de testes sensoriais: o prazo é necessá­rio para verificar se o produ­to mantém as características de gosto, cor e cheiro ao fim desse período. •

Satélites como usinas geradoras

Num satélite geoestacionário, a 36 mil quilómetros da su­perfície, dois gigantescos pai­néis solares, com área de 3 quilómetros por 1 quilóme­tro cada um, captam energia solar e a enviam à Terra. Essa energia - 1 milhão de quilo­watts por segundo, o equiva­lente à produção de uma usi­na nuclear - vem em forma de microondas emitidas por uma antena de cerca de 1 qui­lómetro e captadas por re­ceptores enormes instalados no mar ou num deserto. Esse é o projeto que o governo ja­ponês começará a estudar em abril, para tornar-se opera­cional em 2040. Cada satélite pesaria 20 mil toneladas e custaria US$ 17 bilhões. Um dos objetivos é evitar o aque­cimento global produzido pelas usinas termelétricas. Es­pera-se ainda reduzir o custo da geração que, pelos cálculos

de hoje, seria duas vezes maior que o da energia nu­clear ou térmica. A Nasa, agência espacial americana, já estudara essa possibilidade nos anos 70, mas não chegou a lançar um projeto. •

UFRJ produzirá osso e cartilagem

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - que, ao completar 80 anos em ja­neiro, recuperou o nome de Universidade do Brasil - está instalando um centro de en­genharia de tecidos inédito na América Latina. Criado como desdobramento do Banco de Células, que há seis anos produz pele humana, insulina e hormónio do cres­cimento, o novo centro pro­duzirá partes de ossos e carti­lagens a partir de pequenas amostras de tecido do pró­prio paciente. A técnica da equipe do biólogo Radovan Borojevic, iniciador do Ban­co de Células, permite recons­tituir a região bucomaxilar, muito atingida em acidentes de motocicleta. O próximo projeto da equipe da Univer­sidade do Brasil/UFRJ é pes-

.

quisar uma tecnologia para desenvolver tecidos celulares do coração, para reverter as cicatrizes arteriais causadas por infartos. •

Fogão solar diminui consumo de lenha

Uma solução engenhosa e barata para cozinhar ali­mentos utilizando apenas energia solar foi apresentada ao Ministério do Meio Ambiente no começo de ja­neiro pelo enge­nheiro civil e pro­fessor aposentado da Universidade Federal da Paraí­ba(UFPB), Arnal­do Moura Bezer­ra. O fogão solar é um aparelho feito de folhas de alu­

nha 250 gramas de arroz em 38 minutos e SOO gramas de feijão em 1 hora e 40 minu­tos. "O aparelho é próprio para regiões áridas, onde há muito sol e pouca lenha", diz Bezerra, que gastou R$ 150 para fazer o protótipo. In­dustrializado, ele acha que será possível vender a R$ 60 a unidade. Bezerra diz que há um empresário interessa-

mínio fixadas so- Fogão solar: uma panela de cada vez bre uma superfí-cie de fibra de vidro em forma de parabólica. Com o sol a pino, a energia solar é captada pelo aparelho e diri­gida para o ponto onde a pa­nela é colocada. O fogão fer­ve água em 15lninutos, cozi-

do em fabricar o aparelho. Invenção antiga, o fogão solar não foi criado por Be­zerra. Em 1973, um pro­tótipo havia sido construído no Laboratório de Energia Solar da UFPB. •

Empresa registra 2.886 patentes A IBM registrou o número recorde de 2.886 patentes em 2000, nos Estados Uni­dos. Maior do mundo em tecnologia de informação, a empresa lidera o ranking de patentes pelo oitavo ano consecutivo, com sistemas de computação e de redes, grandes servidores, semi­condutores, microprocessa­dores, chips de memória e aplicações de software e ar­mazenamento. Entre as pa­tentes do ano passado des­tacam-se:

• Método de armazenamen­to holográfico que melhora o contraste entre os pixels brilhantes e os escuros e eli­mina o desagradável sinal eletrónico dos escuros;

• Sistema de reconhecimen­to de voz para execução de uma série de comandos es­pecíficos independentemen­te do texto expresso;

• Sistema de distribuição de tarefas para que computa­dores conectados pela Inter-

net executem funções em tempos de inatividade;

• Percepção de aromas asso­ciados a sinais de vídeo re­cebidos pela Internet e ati­vados por meio de uma paleta de essências acoplada ao computador;

• Indutor espiral de circuito integrado com revestimen­to ferromagnético para ser integrado a chip de silício, ocupando uma área menor que a usual. •

PESQUISA FAPESP · JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 47

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TECNOLOGIA

Anel de 20 metros de diâmetro que servirá de base para a cúpula do Soar recebe acabamento na indústria Atlas em São Paulo

No caminho da inovação Indústria nacional desenvolve novos produtos para projetas de pesquisa

S UZEL T UNES

Em março, cinco caminhões vão partir de São Paulo com desti­

no ao Chile, numa viagem pelas es­tradas perigosas da Cordilheira dos Andes transportando a cúpula supe­rior do Southern Observatory for As­trophysical Research (Soar) ou Obser­vatório para Pesquisa Astrofísica do Sul. Resultado de um acordo entre Brasil e Estados Unidos, o Soar está em construção na região de Cerro Pachón, uma grande área quase de­sértica que tem céu limpo, sem nu-

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vens, em praticamente todas as noi: tes do ano, facilitando assim a pes­quisa astronômica. A importância da cúpula, além de proteger o telescópio de 4,2 metros de diâmetro, um dos maiores do mundo, foi proporcionar o desenvolvimento tecnológico de quatro empresas brasileiras que esti­veram envolvidas na elaboração, fa­bricação e testes desse equipamento. O projeto é um bom exemplo da par­ticipação do Estado na compra de equipamentos de precisão e de tec­nologia de ponta necessários à pes­quisa científica, favorecendo o desen­volvimento de empresas brasileiras, principalmente as de pequeno porte.

A cúpula, também chamada de do­mo, possui 20 metros de diâmetro e 14 metros de altura e será transportada para o Chile em forma de kits. Ela te-

ve um orçamento de R$ 3,5 milhões, valor administrado pela Equatorial Sis­temas, a prime contractor (empresa que gerencia todo o projeto) da parte bra­sileira do Soar. A escolha da empresa foi do Laboratório Nacional de Astro­física (LNA), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló­gico (CNPq), que representa o Brasil no acordo com os Estados Unidos.

O Brasil participa desse projeto com um investimento total da ordem de US$ 14 milhões. Desse total, US$ 4 milhões são de financiamento da FAPESP. O restante foi levantado pelo LNA com as agências financia­doras congêneres à fundação, de Mi­nas Gerais, do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, além das federais Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e CNPq.

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Para o engenheiro César Celeste Ghizoni, diretor da Equatorial, a par­ticipação da empresa no Programa Sistema de Observação da Terra (EOS) , da Nasa, a agência espacial americana, foi decisiva para que fosse escolhida como a prime contractor do projeto Soar. A Equatorial desenvol­veu para a empresa inglesa Matra Marconi Space o HSB - Humidity Sounder for Brazil -, um sensor de umidade, contendo informações es­pecíficas sobre o clima do país, que voará a bordo do satélite Acqua, atu­almente em fase de integração e tes­tes nos Estados Unidos. A Equatorial também está presente no projeto

Ghizoni: óptica e eletrônica

China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS), ou satélite sino-brasileiro de recursos terrestres, resultante de um acordo assinado em julho de 1988, entre Brasil e China, para o de­senvolvimento de um sistema de sen­soriamento remoto que cubra as vas­tas extensões territoriais dos dois países. O CBERS-1 foi lançado em 1999 e o 2 deve ir ao espaço em outu­bro deste ano.

Campo de visão - Para os dois satéli­tes, Ghizoni, que havia trabalhado no Instituto Nacional de Pesquisas Espa­ciais (Inpe) até 1991, especializando­se nas áreas de eletrônica e óptica an-

tes de seguir carreira empresarial, de­senvolveu um instrumento, o WFI -Wide Field Imager, ou imageador de largo campo de visão. É uma câmera que cobre uma faixa de 890 km de largura, fornecendo imagens com re­solução de 260 metros, permitindo que, em cinco dias, seja possível ob­ter uma cobertura completa do glo­bo terrestre.

No projeto Soar, a Equatorial de­senvolveu os controles eletrônicos dos mecanismos de abertura do domo e subcontrata empresas para as outras áreas. De seus 30 funcioná­rios- entre eles dois doutores, quatro mestres e dez engenheiros-, sete tra-

Gonçalves: antecipar produtos

balham no projeto em período inte­gral. Para o projeto mecânico e dese­nhos de fabricação do domo, Ghizo­ni convidou a empresa Fibraforte, também de São José dos Campos. "A cúpula esférica dispensa estrutura, que seria mais trabalhoso para fabri­car. Ela é feita de painéis que se encai­xam uns aos outros e garantem per­feito isolamento térmico", explica Jadir Gonçalves, presidente da Fibra­forte, que fundou a empresa em 1994, após sair do Inpe, onde iniciou carreira no setor espacial em 1986.

Para a fabricação do anel de aço de 50 toneladas que serve de base para a cúpula, a Equatorial contra-

tou a Santin, indústria metalúrgica de Piracicaba especializada em equi­pamentos de grande porte para o se­tor sucroalcooleiro e petrolífero. A Santin, por sua vez, conta com a Me­talúrgica Atlas, de São Paulo, para a usinagem (correção de imperfeições) de um anel de 20 metros de diâmetro que servirá de base para o domo. "Esse tipo de serviço foi um dos mai­ores, senão o maior na área de usina­gem realizado no Brasil", afirma o en­genheiro Francisco Moraes, gerente do projeto Soar na Equatorial. A Atlas teve que reconfigurar um gi­gantesco torno vertical para adaptá­lo à capacidade máxima.

Teste final - O domo foi montado e testado na Santin, que adaptou suas instalações, distribuídas em uma área de 1 O 1 mil metros quadrados, para a construção de bases de apoio para a montagem. Para Moraes, a Equato­rial e a Fibraforte, tradicionalmente envolvidas com as delicadas estrutu­ras de um satélite, tiveram a oportu­nidade de desenvolver um projeto de 50 toneladas. Já empresas metalúrgi­cas, como a Santin e a Atlas, apren­deram a ter, com essa estrutura gi­gantesca, mas sofisticadíssima, os mesmos minuciosos critérios de qualidade que se aplicam às peque­nas estruturas da indústria espacial e de astronomia. As empresas também não se mostraram entusiasmadas pelo lucro imediato, mas pelo desafio tecnológico e o retorno em termos de imagem institucional. A Equatorial, por exemplo, trabalha com uma margem de lucro que considera bai­xa, em torno de 15%.

Na área de astronomia, além do Soar, outro projeto importante é o Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos (veja Pesquisa FAPESP 56), instalado na província de Mendonza, na Argentina, e mantido por 20 países, inclusive o Brasil, que contribui com a fabricação de tanques de resina espe­cial que detectam raios cósmicos. O fabricante desses detectores, que so­mam 20 unidades, é a empresa pau­listana Alpina Equipamentos Indus-

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triais. Nesse caso, a FAPESP já finan­ciou US$ 1,6 milhão, num período de três anos, sendo que US$ 1 milhão são para a compra de equipamentos, e o restante para bolsas de doutora­mento e pós-doutoramento.

Investimento no futuro - Para atingir a excelência na produção de equipa­mentos para a área científica, as em­presas diversifteam suas atividades. Elas buscam capacitação técnica e fi­nanciamento. Esse foi um dos moti­vos que levaram a FAPESP, em 1997, a criar o Programa de Inovação Tec­nológica em Pequenas Empresas (PIPE). "É importante fomentar o desenvolvimento de empresas volta­das para a instrumentação de preci­são. A competência nessa área é um subproduto importante de projetos científicos como o Soar", afirma o professor José Fernando Perez, dire­tor científico da FAPESP.

"O financiamento permite que a pequena empresa dê um passo adi­ante. Podemos estar antecipando al­gum produto que será fundamental

Refrigerador baixa temperatura no interior do satélite

D esenvolver um sistema de refri­geração de satélites baseado no

fenômeno termoacústico. Esse foi o desafio da Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, ao dar entrada, na FAPESP, em 1997, de um pedido de financiamento dentro do Progra­ma de Inovação Tecnológica em Pe­quenas Empresas (PIPE). Hoje, o equipamento já tem vários protóti­pos. O engenheiro Humberto Pon­tes Cardoso, coordenador do projeto dentro da empresa, explica que o equipamento servirá para manter os detectores de câmeras infravermelhas (que mapeiam o solo de um corpo celeste) trabalhando na temperatura ideal para esse tipo de equipamento,

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na hora de conquistar o próximo contrato tanto na área científica como fora dela. Essa foi uma das mo­tivações que nos levaram a buscar apoio das agências financiadoras", afirma Gonçalves, da Fibraforte. A empresa possui um projeto no PIPE, como a Equatorial (veja quadro), para desenvolver um software para a análise e otimização de estruturas. "Otirnizar estrutura é, basicamente, conseguir o máximo de desempenho com o mínimo de peso, uma aplica­ção de interesse óbvio para a área aeronáutica': explica Gonçalves. O trabalho, que utiliza conceitos de in­teligência artificial, visa a desenvolver ferramentas que automatizem o processo. "A expectativa de mercado para a ferramenta e metodologias a serem desenvol­vidas é de mais de US$ 1 mil­hão somente no mercado na­cional:' Gonçalves lembra que a idéia do projeto nasceu a partir de um trabalho semelhante re­alizado para a Embraer. A Fi­braforte tem para esse projeto

em 190 graus celsius negativos. Assim, quando o satélite estiver sob ação dos raios solares, o re­frigerador terá que diminuir a temperatura de cerca de 15 graus positivos - média de temperatura da parte interna do satélite - para -190° C.

- Desenvolvimento de Ferramenta para a Otimização de Estruturas- um financiamento aprovado da FAPESP de R$ 139,6 mil e US$ 71 mil.

Laboratório no espaço - A capacita­ção de empresas tecnológicas facilita a execução de projetos de grande am­plitude, principalmente no setor ae­roespacial. ''A empresa privada tem mais agilidade do que o órgão públi­co para a contratação de empresas e outros procedimentos burocráticos", afirma Petrônio Noronha de Souza, coordenador, no Inpe, do programa brasileiro para a Estação Espacial, um imenso laboratório orbital que está em

Cardoso, engenheiro mecâ- Cardoso: soluções para troca de calor no vácuo

nico com doutorado em ciên-cias térmicas, explica que, na terra, as transferências de calor são, comu­mente, realizadas com o ar. No vá­cuo, é necessário encontrar um outro meio de troca calórica. Aproveita-se, então, a energia mais abundante de um satélite, a elétrica. Ela se transfor­ma em energia acústica, que é res­ponsável pelo resfriamento. "Num refrigerador doméstico, o gás é com­primido até virar líquido, para trocar calor com o ar atmosférico. No refri­gerador de satélite, a onda sonora produzida pela vibração é que vai ge­rar resfriamento", explica Cardoso.

O primeiro protótipo fabricado pelo pesquisador compõe-se, basica­mente, de três componentes: um res­soador, que é um tubo cheio de gás hélio e xenônio, um acionador ou dri­ver, que é um pequeno alto-falante, e um defasador termoacústico, o DTA, dispositivo responsável por transfor­mar energia acústica em térmica. Quando se aciona o alto-falante com a freqüência adequada (utilizando a energia elétrica do satélite), ele vibra, produzindo ondas sonoras sobre o gás, que troca energia térmica com o DTA, sofrendo resfriamento. ''A retirada lí-

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construção, bancado por 16 países. O Inpe tem a função de gerenciar

e supervisionar o trabalho, sob dele­gação da Agência Espacial Brasileira (AEB). O Brasil vai fabricar seis equi­pamentos, dos quais o mais impor­tante é o Express Pallet, ou Palete Ex­presso, uma espécie de bancada para experimentos. É uma estrutura de 1 tonelada que será fixada numa treliça externa da Estação Espacial, deixan­do experimentos sujeitos a condições de microgravidade, favorecendo o es­tudo das estruturas moleculares de vários grupos de substâncias.

''A estratégia para este projeto foi procurar uma grande empresa que pudesse se responsabilizar por todos os detalhes de execução da obra': ex­plica Noronha. A empresa brasileira que foi escolhida para gerenciar todo o trabalho (a prime contractor) foi a Embraer, depois de um processo de pré-qualificação executado pelo Inpe. A empresa já contatou 15 em­presas para estudos preliminares. A cada uma delas pediu que elaborasse planos hipotéticos nos quais pudes-

sem ser avaliados reqmsttos como qualidade e segurança. A tarefa foi completada em agosto. As previsões mais otimistas são de que, ainda no primeiro semestre deste ano, a Em­braer faça propostas concretas às em­presas. Contudo, como todo vôo ini­cial, a experiência solo da prime brasileira deverá começar de forma tímida e cuidadosa. Ronaldo Bolo­nha, o responsável pelo projeto da Estação Espacial na Embraer, não ar­risca datas e faz questão de frisar que o negócio principal da empresa é a construção de aeronaves. ''A nossa participação na Estação Espacial par­te da premissa de que ela não inter­fira negativamente nas operações atuais", declara.

Análise setorial - Agências espaetats como a Nasa, dos Estados Unidos, ou o Centro Nacional de Estudos Espa­ciais (CNES), da França, planejam as atividades do programa, mas é a in­dústria que fica a cargo do desen­volvimento. "No caso brasileiro, a situação é diferente. Ainda são con-

~

é cada mesma forma que o al­~ to-falante. O novo protóti-8 po, segundo o pesquisador,

tem a vantagem de ser m,ais leve que o primeiro, mas ele ainda está estudando qual mo­delo terá maior eficiência.

Dois protótipos foram montados por Cardoso com diferentes tipos de tecnologia e peças nacionais

Até o momento não há no mercado nenhum des­ses dispositivos qualificados

para vôo. "Os países mais desenvolvi­dos já dominam um sistema de refri­geração de alto custo adequado para refrigeração de sensores de mísseis que tem vida útil reduzida para um ou dois dias. Mas para o uso em saté­lites, que ficam em órbita por até dez anos no espaço, são soluções caríssi­mas. Há uma grande corrida por esse tipo de equipamento com menor custo e processos de fabricação mais simples': afirma o pesquisador.

quida é proporcional ao trabalho re­alizado pelo som ao se deslocar pelo gás': explica Cardoso. Num segundo protótipo, o pesquisador trocou o alto-falante por outro tipo de aciona­dor, um cristal piezelétrico, material que tem a característica de crescer, quando recebe voltagem positiva, e encolher, ao receber voltagem negati­va. Isso acontece porque esse cristal tem a propriedade de alterar suas di­mensões quando submetido a dife­renças de voltagem. Esse movimento provoca vibrações sucessivas, trans­formando energia elétrica em acústi-

O projeto tem um orçamento de R$ 260 mil. Os testes no Instituto Na­cional de Pesquisas Espaciais (Inpe)

tratadas empresas de consultaria fora do país e os satélites são construídos pelo Inpe", afirma o economista An­dré Tosi Furtado, professor do De­partamento de Políticas Científicas e Tecnológicas da Unicamp. Ele pes­quisa o projeto CBERS e constatou que o papel de desenvolvimento do projeto conceituai, elaboração da metodologia, testes e integração fi­cou quase todo a cargo do Inpe. Ele é o autor do projeto de pesquisa Avalia­ção dos Impactos Econômicos do Pro­grama CBERS: um Estudo dos forne­cedores do Inpe financiado pela FAPESP. "O instituto sempre quis . . . que as empresas nacwnms assumts-sem todo o sistema, mas sem grande sucesso até agora."

Segundo Tosi, embora limitado, o projeto provocou um salto de quali­dade nas empresas nacionais partici­pantes do CBERS. ''Até agora, o proje­to custou US$ 300 milhões, sendo um terço, quase US$ 100 milhões, finan­ciado pelo Brasil. Dessa parte, 85% dos custos ficaram no próprio país, pagos a empresas brasileiras': lembra.

O PROJETO

Desenvolvimento de Refrigeradores Baseados no Fenômeno Termoacústico

MODALIDADE

Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR

HUMBERTO PONTES (ARDOSO -

Equatorial Sistemas

INVESTIMENTO

R$ 260.135,00

devem ser feitos em agosto ou setem­bro deste ano. Depois, a meta é con­seguir uma vaga em experimento do Inpe e mandar um protótipo ao es­paço. "Esta tecnologia, além de ser muito promissora para a aplicação espacial, pode ser uma boa alternati­va para os refrigeradores domésticos, pois substitui o CFC pelo gás hélio, que é inerte e não agride a camada de ozônio", afirma Cardoso.

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 51

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Tos i: fabricação de satélites como o CBERS (acima) exige das indústrias uma

forçosa aprendizagem organizacional

Não por acaso, o investimento dos re­cursos brasileiros destinados à com­pra de produtos e serviços do próprio país foi uma das cláusulas estabeleci­das no contrato com os chineses.

Embora sua pesquisa ainda esteja em andamento, Tosi já é capaz de destacar ganhos importantes em aprendizagem e desenvolvimento de tecnologia. "Os elevados requisitos de documentação exigidos pelo Inpe na fabricação de equipamentos para os satélites levaram as empresas a uma forçosa aprendizagem organiza­cional. Essas metodologias foram in­corporadas pelas empresas nas ativi­dades de concepção, desenho e na fabricação, garantindo melhora dos padrões de qualidade dos produtos e processos, trazendo maior segurança na hora do desenvolvimento de no­vos projetos."

"O Inpe não tem interesse em fa­bricar satélites. A tendência natural do instituto não é virar uma fábrica, mas um vetor para dinamizar a área industrial do Brasil. Somos a cabeça do sistema", afirma José Raimundo Braga Coelho, gerente de programa do CBERS. Ele lembra que, há cerca de 15 anos, o Inpe iniciou um pro­grama de qualificação com o objeti­vo de transferir tecnologia para as empresas. "Havia inicialmente uma licitação para as empresas que qui­sessem ser qualificadas. Quando

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surgiam os contratos, ter passado pelo programa creditava pontos na licitação pública", conta ele.

Uma das primeiras empresas qualificadas nessa fase foi a Digicon, de Gravataí, Rio Grande do Sul, es­pecializada em automação indus·­trial. Hoje, ela tem em seu currículo a construção dos painéis solares do SCD-2 (lançado em 1999), dos Saté­lites de Aplicações Científicas (Saci) 1 e 2 (o 1 ficou perdido em órbita e o 2 explodiu junto com o foguete que o lançava ao espaço) e dos dois satélites CBERS. No segundo satélite sino-brasileiro, que está em monta­gem no LIT, fez também a estrutura externa e a caixa de fibra de carbono e alumínio que guarda os equipa­mentos do satélite.

Quebra-cabeça - Mas, em 1989, a proposta de construção dos painéis solares do SCD-2 pareceu um desafio quase inatingível. "Havíamos contra­tado uma empresa alemã para a fa­bricação dos painéis solares do SCD-

1 (o primeiro satélite brasileiro lan­çado em 1993). Mas fizemos questão de que vários especialistas brasileiros acompanhassem a fabricação. O pes­soal aprendeu os passos principais e depois teve que quebrar a cabeça para reproduzi-los aqui': lembra Jâ­nio Kono. O diretor da empresa, Corrado Lachini, ainda se diverte com as lembranças desse tempo pio­neiro. "Fomos à Alemanha e a em­presa abriu completamente as portas, pois achavam que não iríamos con­seguir ", conta ele.

Constituídos por milhares de pla­quinhas de silício vindas da China, os três painéis do CBERS-2 serão capa­zes de gerar 1100 w de energia elétri­ca para o funcionamento dos equipa­mentos de bordo. É energia suficiente para ligar cerca de dez televisores ao mesmo tempo. Para tocar as ativida­des do ramo espacial, a Digicon tem um departamento específico, o Setor de Tecnologias Avançadas, que já contou com 13 pessoas. Hoje são se­te profissionais, entre engenheiros e técnicos, que, no momento, estão es­palhados por outros setores da em­presa, enquanto não surgem novos contratos. O que garante a sobrevi­vência do grupo Digicon é a fabrica­ção de sistemas de controle de tráfego veicular, catracas inteligentes, auto­mação bancária e processadores de cheque, entre outros produtos. A em­presa é também uma das participan­tes do programa de pré-qualificação para a Estação Espacial.

Fica no país -Ter o espaço como cam­po de trabalho é um objetivo que muitas empresas brasileiras estão to­mando como meta. Desenvolvendo tecnologia, aprimorando o quadro de profissionais e cumprindo a fun­ção de fornecedoras para os grandes projetos das áreas astronômica e es­pacial. Assim, evita-se que o investi­mento necessário saia do Brasil na compra de equipamentos importa­dos e, melhor, cria-se tecnologia lo­cal. Na conta final, todos ganham: o investimento e seus lucros, diretos e indiretos, ficam no próprio país. •

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TECNOLOGIA

CONTROLE DE POLUENTES

Já temos radar de laser Projeto do Programa Jovens Pesquisadores apresenta o primeiro equipamento feito por brasileiros para medir partículas em suspensão na atmosfera

U m facho de luz que varre os céus pode revolucionar os mé­

todos usados nos processos de me­dição de poluição no Brasil. Obser­vadores atentos puderam vê-lo em meados de outubro perto do cam­pus da Universidade de São Paulo (USP) da capital, durante os testes de um grupo do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) da Co-

missão Nacional de Energia Nuclear. Trata-se de um radar de feixe de laser desenvolvido pioneiramente no Bra­sil desde 1995 pelo projeto Programa de Desenvolvimento de um Sistema de Sensoriamento Remoto para Monito­ração de Poluentes na Atmosfera de São Paulo, financiado pela FAPESP no programa Jovens Pesquisadores e coordenado pelo físico nuclear

Eduardo Landulfo, do Ipen, e que de­verá estar concluído em julho.

O objetivo do radar de laser ou Lidar ( light detection and ranging ou detecção de luz e medida de distân­cia) é medir os poluentes particula­dos na atmosfera (como poeira, fu­maça e fuligem), com o uso do feixe de luz laser pelo método chamado retroespalhamento. Essa técnica per­mite que o sinal de laser retorne ao ponto emissor depois de encontrar uma partícula ou um alvo qualquer. O equipamento proposto por Lan­dulfo foi apresentado em julho do ano passado na 20ª Conferência Internacional de Radar de Laser.

Medidor poderoso- O Lidar do Ipen tem várias funções, já determinadas em sua montagem. Ele fornece da­dos sobre partículas em suspensão e alerta para a adoção de ações emer­genciais em períodos de estagnação atmosférica, quando os níveis de poluentes apresentam riscos à saúde

PESQUISA FAPESP • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 53

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pública - o que pode torná-lo decisivo para a solução mais eficien­te das questões ambi­entais em grandes cen­tros urbanos.

enquanto, o laser é emprestado do grupo de Espectroscopia do Centro de Laser e Apli­cações do Ipen. O gru­po brasileiro aguarda a compra de um novo equipamento para con­cluir a montagem do sistema, que ficará ins­talado nas dependên­cias do Ipen. O labo­ratório a ele destinado parece uma sala co­mum, exceto por uma abertura no teto, para o qual será apontado

As empresas que monitoram a polui­ção funcionam hoje com estações de qua­lidade do ar, equipa­das basicamente com filtros que coletam da­dos para análise várias vezes ao dia e for­necem dados para a preparação de bole­tins sobre qualidade do ar, como se faz na

Telescópio emite o feixe de luz que passa antes por vários filtros o telescópio de emis­são/recepção do laser.

Grande São Paulo, por exemplo. Esse trabalho ganhará dinamis­

mo com o radar de laser, pois ele confere instantaneamente os polu­entes em suspensão. Além disso, permite o acompanhamento fre­qüente das áreas mais poluídas: a partir da emissão do laser, pode-se estabelecer a composição das partí­culas e dos gases suspensos.

Testes e ajustes- O equipamento que consta do projeto desenvolvido no Ipen funciona com um tipo de laser chamado Nd:YAG, composto pelo elemento químico neodímio (Nd) e um cristal sintético de nome YAG constituído por óxido de ítrio e óxido de alumínio. Esse conjunto emite luz laser ao ser acionado por um tipo de lâmpada específica. Por

A distância entre a Terra e a Lua A descoberta do laser (light

amplification by stimulated emis­sion of radiation ou luz amplifica­da por emissão estimulada dera­diação, em inglês) ocorreu nos anos 60 e o uso mais célebre de um aparelho de Lidar aconteceu em 1969, quando a equipe da mis­são Apollo 11, a primeira a pousar na Lua, instalou um refletor no satélite. Com a emissão de um fei­xe de laser a partir da Terra, foi possível medir com precisão a dis­tância entre os dois corpos.

Atualmente, o radar de laser é empregado, entre outros fins, para a detecção de lençóis petrolíferos, vazamentos de petróleo e cardu­mes de peixes. Também para cal­cular o tamanho do buraco na ca-

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mada de ozônio, os cientistas· usam um aparelho de Lidar. Pro­tótipos de um medidor de polui­ção via laser surgiram na Alema­nha e na França na década de 70. Medições de poluição ambiental foram realizadas nos Estados Uni­dos e Japão. Contudo, foi o de­senvolvimento de um emissor de laser em estado sólido, mais com­pacto, que permitiu construir equipamentos menores e facilitou o deslocamento desses aparelhos para fora dos laboratórios.

Na Europa, na Ásia e na Amé­rica do Norte há cerca de cem equipamentos similares ao que o Ipen desenvolve, enquanto na América Latina só há um dessa categoria (até a altitude de 10

O deslocamento do equipamento para fora do laboratório não está descartado, mas depende da aquisi­ção de um veículo utilitário adapta­do para o transporte, que não cons­ta do projeto.

"Os resultados que conquista­mos até agora mostram que esta­mos no caminho certo", afirma Lan­dulfo. Ele diz que, com a conclusão

quilômetros) em funcionamento, em Buenos Aires. Algumas em­presas brasileiras chegaram a im­portar equipamentos acabados para o trabalho de medição de poluentes, mas a iniciativa termi­nou abandonada. A razão foram as dificuldades de adaptação dos equipamentos às condições cli­máticas e atmosféricas no Brasil. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) usa um Lidar para medição da concentração de íon de sódio, mas que ultrapassa os 80 quilômetros de altitude.

Em 2003, a Nasa, a agência es­pacial americana, deverá fazer uma varredura de toda a atmosfe­ra terrestre com um Lidar, para observar o clima, as nuvens e os aerossóis em suspensão. Os países que já usam o Lidar podem ser convidados a participar.

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do trabalho, se pode­rão ser feitas medições em períodos maiores e com mais freqüência. "A idéia é fazer testes que durem cerca de oito horas, para obter­mos avaliações mais amplas sobre o com­portamento dos poluen­tes na região", explica. Ele revela que o tempo restante para a conclu­são do projeto, prevista para julho, é usado em ajustes e simulações.

US$ 65 mil, usados na compra de equipamen­tos como o telescópio importado da França, um osciloscópio digi­tal, detectores e materi­al óptico. Para a con­clusão do equipamento só falta a fonte de laser, comprada por US$ 23 mil. "Estamos aguar­dando a chegada do la­ser para concluirmos nosso laboratório", diz o pesquisador.

Os testes foram fei­tos em outubro durante Landulfo: vamos patentear e repassar a tecnologia para órgãos públicos

Interesse geral - Ele já perdeu a conta de quantas horas passou uma semana, com sete

horas de medição, e tiveram a parti­cipação de uma pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Es­paciais (Inpe). Os resultados permi­tiram comparações com os dados obtidos pela Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Básico ( Cetesb) e pelo Grupo de Estudos de Poluição do Ar (Gepa) da USP. "Os testes foram muito importantes, porque possibilitaram avaliar toda a perfomance do sistema", diz Landul­fo. O próximo passo será obter a vali­dação dos dados por uma entidade in­ternacional para depois publicá-los.

A pesquisa é acompanhada por Alexandros Papayannis, chefe de pesquisa em Lidar na Universidade Técnica de Atenas, na Grécia. Ele é o responsável pela supervisão dos dados do experimento brasileiro. O projeto Lidar foi aprovado em 1998 e é desenvolvido por um grupo multidisciplinar de dez pessoas. "A maior dificuldade encontrada pela nossa equipe até agora foi calibrar o equipamento para operar conforme as particularidades da nossa atmos­fera", afirma Landulfo. Ele conta que boa parte da poluição de São Paulo é formada por material particulado e inalável.

"Além de medir a poluição com maior agilidade, o equipamento pre­tenderá também ter condições de prever com antecedência as inversões

térmicas que ocorrem durante o in­verno." A inversão térmica ocorre quando uma camada de ar quente impede a dispersão de poluentes.

O Lidar desenvolvido no Ipen tem capacidade de medir a distri­buição do material particulado no perfil vertical em um raio de 5 a 6 quilômetros. "Com essa capacida­de, temos condições de ultrapassar a camada-limite, situada entre 200 metros e 2 mil metros da superfície, que é a parte da atmosfera onde existe a maior interação com o homem e a concentração de polu­entes particulados", conta Landul­fo. Além dessa característica, o no­vo Lidar tem condições de cobrir a área de quatro estações medidoras convencwna1s.

Para a construção do Lidar foram necessários investimentos de cerca de

O PROJETO

Programa de Desenvolvimento de um Sistema de Sensoriamento Remoto para Monitoração de Poluentes na Atmosfera de São Paulo

MODALIDADE

Programa Jovens Pesquisadores

COORDENADOR

EDUARDO LANDULFO- lpen

INVESTIMENTO

R$ 31.790,25 e US$ 68.650,70

nos laboratórios do Ipen fazendo simulações, a fim de ajustar o equi­pamento às condições ambientais de São Paulo. Os testes até agora usaram o aparelho de laser do Ipen (menos a fonte francesa), por isso são necessárias quase duas horas de intervalo para que o equipa­mento não seja danificado e o em­prego de um técnico para manu­sear o aparelho.

Os usuários potenciais do Lidar são as agências ambientais, como a Secretaria do Verde e Meio Am­biente (SVMA) do município de São Paulo, por exemplo. "Antes mes­mo da conclusão, o resultado do nosso trabalho está criando grande expectativa na comunidade científi­ca nacional e internacional", revela. O projeto do Lidar brasileiro tam­bém despertou a atenção do Conse­lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq), que concedeu uma bolsa de produ­tividade a Landulfo.

O projeto, que deve resultar em uma patente, vem despertando o in­teresse de empresas da área de ins­trumentação ambiental. O primeiro Lidar brasileiro deverá mesmo ser entregue a um órgão controlador da poluição do ar da cidade de São Paulo. Ele vai continuar a riscar o céu da capital paulista com seus fachos de luz. •

PESQUISA FAPESP • JANEIRO I FEVEREIRO OE 2001 55

Page 55: Servidão e abandono

TECNOLOGIA

EDUCAÇÃO

Enquanto se distraem com jogos educativos, jovens são submetidos a eletroencefalograma para medir a atividade neurológica

CD-ROM apóia deficiente Empresa participante do PIPE desenvolve software que avalia e ensina

O médico Armando Freitas da Rocha, professor de neurofi­

siologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), resolveu colocar em prática seu lado empre­sário às vésperas da aposentadoria acadêmica, em 1997. Apresentou, então, à FAPESP um projeto para desenvolvimento de um software com jogos educativos destinados a estimular e avaliar o desempenho escolar e a atividade neurológica de crianças portadoras de deficiência mental. Ele foi um dos pioneiros

56 • JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) ao se inscrever no primeiro edital, em julho daquele ano. Agora, passados pouco mais de três anos, o projeto chega ao final com o software lan­çado comercialmente no final des­te mês em forma de CD-ROM.

O software revelou-se melhor do que o esperado. Ele é uma ferramen­ta útil para acelerar o processo de aprendizagem não só de crianças com problemas neurológicos, mas também de qualquer aluno entre a pré-escola e a quarta série. "Isso fi­cou claro para nós no meio do pro­jeto, quando vimos que o programa também pode ajudar no ensino dos estudantes em geral': afirma Rocha, que, depois de se aposentar da Uni­camp em 1998, passou a trabalh'ar

como professor visitante do Depar­tamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) .

Continua o trabalho - Para operacio­nalizar o projeto, Rocha criou a empresa Eina-Estudos em Inteli­gência Natural e Artificial, teve sua proposta aprovada no PIPE e ini­ciou o trabalho em janeiro de 1998. Depois de 27 anos dedicados à pes­quisa básica, ele encontrou um novo caminho para continuar seu trabalho. "Parecia que o programa (PIPE) tinha sido feito exatamente para mim", relembra o neurofisio­logista. Ele deu o mesmo nome do projeto ao produto que está indo para o mercado: ENSCER - Siste­ma Informatizado e Integrado para

Page 56: Servidão e abandono

Ensino e Avaliação do Progresso Pedagógico e Neural de Crianças Portadoras de Deficiência Mental.

O software dá noções de Portu­guês, Matemática, História, Geo­grafia, Estudos Sociais, Educação Artística e Ciências. Faz isso lan­çando mão de jogos educacionais que costumam prender a atenção das crianças com uma série de re­cursos audiovisuais, como chara­das, quebra-cabeças e histórias em

a imagens: um dos recursos lúdicos do CD-ROM

quadrinhos com personagens in­fantis. Além dos módulos dessas disciplinas, o programa também tem uma seção específica dedicada ao desenvolvimento sensório-mo­tor e fornece uma avaliação im­pressa do desempenho das crianças nos exercícios.

Testes na Apae - Nos últimos três anos, o ENSCER foi testado e de­senvolvido com um grupo de qua­se 200 alunos especiais da escola da Associação de Pais e Amigos do Excepcional (Apae) de J undiaí, município do interior paulista on­de fica a sede da Eina. Os professo­res da entidade foram treinados pa ra usar o software e a escola foi in­formatizada para que seus estu­dantes pudessem utilizar, de forma rotineira, o ENSCER. Na maioria dos casos, a introdução do software nas aulas da Apae acelerou a alfa­betização das crianças, cuja idade variava de 6 a 18 anos. "Com o soft­ware, percebemos que certos alu-

nos começavam a ler e escrever al­gumas palavras já no nível 3. No passado, eles só atingiam esse es­tágio no curso que chamamos de alfabetização 1 (dois estágios adian­te)", afirma Patrícia Bellode Ra­mazzini, diretora escolar da Apae. "No início, alguns professores re­sistiram ao uso do computador co­mo ferramenta pedagógica. Mas, como os bons resultados saltavam aos olhos, as resistências foram fi­

cando para trás." Por lidar com alu­

nos especiais, a estru­tura curricular dos cur­sos da Apae difere da adotada pelas escolas

para não-deficientes. O aprendiza­do é concebido para dar uma velo­cidade mais lenta do que nas aulas para crianças sem restrições. Du­rante sua vida escolar na Apae de Jundiaí, os alunos devem percorrer oito séries. Cada uma delas tem duração de um ano, seguindo uma nomenclatura totalmente diversa da vigente nos estabelecimentos con­vencionais. As quatro primeiras sé­ries (níveis 1, 2, 3 e 4) correspon­dem mais ou menos ao maternal e pré-escola. As quatro últimas (alfa­betização 1, 2, 3 e 4) equivalem à primeira e segunda séries do ensino fundamental.

Os resultados do ENSCER na Apae foram considerados muito positivos por Rocha, ainda mais

quando se determinou o perfil neurológico das crianças. Depois de submetê-las a exames de resso­nância magnética na Faculdade de Medicina da USP, Rocha constatou que metade delas apresentava le­sões estruturais em diferentes áreas do cérebro. Ou seja, tinham áreas cerebrais com neurônios mortos e sem atividade elétrica. A existên­cia de lesão constituía um desafio ainda maior para o desenvolvimen­to escolar dos alunos, pois compro­metia o desempenho das funções (motoras ou cognitivas) normal­mente coordenadas pelas regiões cerebrais lesadas. A segunda meta­de de alunos exibia outro tipo de limitação: não tinha lesões, mas seu cérebro se debatia com proble­mas funcionais, que afetavam a troca de sinais elétricos entre as vá­rias regiões nervosas. Esse tipo de

problema ficou demonstrado na realização de eletroen­

cefalogramas nas crian­ças durante a utiliza­ção do software.

É justamente na for­ma de fazer esse exa­

me que vem à tona uma interessante faceta

do ENSCER: o sistema permite um diagnóstico re-

finado da atividade neuronal no exato momento em que as cri­anças executam uma determinada tarefa na tela do computador, en­quanto aprendem e se divertem. Na eletroencefalografia tradicio­nal, o registro é feito com a criança em repouso, quando seu cérebro não tem de realizar nenhuma tare­fa definida, e dentro de um hospi­tal, num ambiente estranho (às ve­zes, hostil) ao aluno portador de problemas neurológicos. O ENS­CER contorna essas duas desvanta­gens. "As crianças mal percebem que estão sendo submetidas a um exame", diz Rocha. A Eina dispõe de uma unidade móvel de eletro­encefalografia para ser utilizada nas escolas e entidades que vierem a comprar o software.

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 57

Page 57: Servidão e abandono

rifica o que há de er­rado no cérebro do deficiente.

A unidade móvel é instalada ao lado do aluno que está senta­do diante do compu­tador. Enquanto ele tenta desempenhar as atividades propostas pelo software educa­cional, eletrodos pre­sos em sua cabeça e ligados a outro com­putador transmitem os impulsos nervosos necessários para a ge­ração de um M CC, si­gla para Mapeamento Cognitivo Cerebral. O MCC nada mais é do

Sistema em ação: testado com 200 alunos da Apae de Jundiaí

Ambiente familiar -Com 22 funcionários, entre contratados e bolsistas do Conselho Nacional de Desenvol­vimento Científico e Tecnológico (CNPq), que também patroci­na o desenvolvimento de uma página edu­cacional na Internet destinada aos usuários do ENSCER, a sede da Eina fica num lugar

que uma série de eletroencefalo­gramas, que radiografam o funcio­namento do cérebro nas várias eta­pas de execução de uma ou mais tarefas. Em média, são necessários 40 minutos para a produção de um MCC. De acordo com a idade, de­senvolvimento social e cultural do aluno, Rocha tem, antes mesmo de

aplicar o exame, uma noção bas­tante precisa de quais regiões do cérebro devem ser requisitadas em cada momento da tentativa de exe­cução de uma tarefa. De posse dos resultados de cada aluno, o médi­co compara com o desempenho de grupos de crianças sem disfunções neurológicas. Dessa forma, ele ve-

Novos caminhos do cérebro Os eletroencefalogramas em

tempo real realizados com os alunos da Apae de Jundiaí pro­duziram alguns resultados sur­preendentes. Eles mostraram que certas crianças com lesões estruturais tinham conseguido realocar as funções original­mente controladas pelas áreas nervosas danificadas para re­giões sadias do cérebro. Essa versatilidade do sistema elétrico cerebral gerou casos de grande interesse para os pesquisadores de neurofisiologia. Os exames revelaram, por exemplo, que o cérebro de uma criança havia transferido o controle da pro­dução e compreensão da lingua­gem de zonas do hemisfério es­querdo (que estavam mortas) para áreas normais do hemisfé-

58 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

rio direito. Ou seja, de forma es­pontânea e ainda pouco conhe­cida pela ciência, esse cérebro· redistribuiu suas funções entre as áreas ativas de seu sistema. O resultado prático desse rearran­jo foi permitir, por exemplo, que um aluno, a despeito da le­são, conseguisse aprender a falar (ainda que tardiamente, aos 5 anos), ler e escrever.

Em outras situações, o diag­nóstico fornecido pelo eletroen­cefalograma serviu de base para alterar totalmente o método pe­dagógico que estava sendo em­pregado com uma criança da Apae. O médico Armando Frei­tas da Rocha lembra da história de um menino que tinha uma lesão na área do cérebro respon­sável por sua coordenação mo-

bucólico. As dependências da em­presa ocupam duas pequenas cons­truções vizinhas à casa de Rocha, dentro do sítio onde mora o pro­fessor, a sete quilômetros do cen­tro de Jundiaí. O ambiente na Eina é familiar e simples. Enquanto os funcionários trabalham, vacas e bois pastam num canto da proprie-

tora. As professoras pensavam que ele nunca conseguiria apren­der a ler e escrever por causa des­sa restrição neuronal. Mas, de­pois que o menino brincou e fez os testes do ENSCER, o neurofi­siologista percebeu que ele do­minava o raciocínio necessário para ser alfabetizado e fazer fra­ses. Seu problema era estrita­mente de coordenação motora: ele não tinha habilidade sufici­ente para segurar um lápis ou caneta e desenhar letras. Como essa limitação foi contornada? "Passamos a alfabetizar o aluno num computador. Afinal, ele não sabia desenhar as letras, mas tinha desenvoltura para usar as teclas do micro", conta Rocha. "O deficiente tem a capacidade de aprender. Ocorre que ele pre­cisa de mais atenção, tempo e re­cursos do que uma criança sem problemas."

Page 58: Servidão e abandono

dade, os cachorros da família de Rocha dormem ou brincam no quintal e, sorrateiramente, um esquilo ou outro animal qual­quer sobe e se aninha numa ár­vore. Na hora do almoço, todo mundo senta numa mesa comu­nitária e consome refeições pre­paradas por um restaurante da região, quase sempre reforçadas com itens produzidos no pró­prio sítio, como um pêssego ou um mamão.

No quadro de pessoal da empresa, existem desenhistas, programadores de computador, técnicos para escolha e gravação de som, psicóloga e professores. A família Rocha também está pre­sente em peso na Eina: sua mulher Marly Theoto Rocha, professora aposentada de enfermagem da USP, empresta a voz nas mensagens so­noras presentes no software ENS­CER, e seus dois filhos, o veteri­nário André Theoto Rocha e o engenheiro agrônomo Marcelo Theoto Rocha, fazem pesquisas em suas respectivas áreas de atuação utilizando conceitos de inteligência natural e artificial.

Mercado amplo- A Eina tem planos ambiciosos para seu software edu­cacional. A empresa espera vender mensalmente entre 50 e 100 unida­des do CD-ROM. Rocha acredita que o produto possa interessar a três faixas de público: escolas em geral (para alunos sem problemas neuro­lógicos ou voltadas para crianças com variados graus de deficiência); profissionais das áreas de ensino ou de fonoaudiologia; pais de alunos (que também se utilizariam da pá­gina na Internet do ENSCER para orientá-los no uso do CD). O preço do programa varia de R$ 140 a R$ 700, de acordo com o perfil do comprador (pessoa física ou jurídi­ca) e o número de cópias ou licen­ças de uso do software adquiridas. Além do programa para computa­dor, a empresa também vende dois livros que foram especialmente es-

Rocha: bons resultados e planos ambiciosos

critos pelo médico no âmbito do projeto ENSCER, O Cérebro - Um Breve Relato de sua Função e O Cé­rebro na Escola.

O neurofisiologista aposta que o CD-ROM e os livros farão suces­so, mas não descuida das demais áreas de atuação da Eina. A venda de serviços de assessoria a institui­ções de perfis variados é uma das prioridades da empresa. Em sua lista de clientes, há uma compa­nhia estatal - a Petrobras, para a qual a Eina desenvolve softwares e aplicativos que se utilizam do con­ceito de Inteligência Artificial - e alguns estabelecimentos de ensi­no, entre os quais a Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Nessa universidade privada, Ro-

O PROJETO

ENSCER- Sistema Informatizado e Integrado para Ensino e Avaliação do Progresso Pedagógico e Neural de Crianças Portadoras de Deficiência Mental

MODALIDADE Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR ARMANDO FREITAS DA ROCHA - ENSCER

INVESTIMENTO RS 176.992,00

cha coordena o Núcleo de Es­tudos da Aprendizagem e Cog­nição, no qual os jogos educa­cionais do sistema ENSCER são utilizados para estimular o apren­dizado de crianças portadoras de deficiência visual, auditiva e mental e também em pesquisas acadêmicas. Os alunos de Peda­gogia e Fisioterapia da Unicid também usam o software como ferramenta de apoio nas ativi­dades que desenvolvem com deficientes.

Mundo da competição - No âm­bito comercial, o ambiente que Rocha irá se deparar é um tan­

to competitivo. Os produtos da pe­quena Eina, por exemplo, terão de disputar clientes com softwares comercializados pela divisão de informática do Grupo Positivo, de Curitiba, um gigante da área edu­cacional que possui convênios com mais de 1.800 escolas no país. Rocha, no entanto, não sente saudades da época em que era apenas professor e pesquisador. "Montei uma estrutura comercial que, além de prestar serviços e de­senvolver produtos, faz pesquisa. O que fiz em três anos (na Eina) não realizei em 2 7 de universida­de", avalia o neurofisiologista. No ano passado, o faturamento de sua empresa ficou na casa dos R$ 170 mil, provenientes sobretudo da venda de serviços para terceiros, visto que o software educacional ainda não tinha sido lançado. "Por ora, a Eina está empatando. Não dá lucro nem prejuízo. Esperamos fa­turar entre R$ 250 mil e R$ 300 mil em 2001."

Embora tenha a possibilidade de curtir uma aposentadoria tranqüila em seu sítio, Rocha vive um mo­mento de agitação, descobrindo os prazeres e as agruras do mundo em­presarial. Mas, com isso, ele não dei­xa de colaborar com a ciência e pro­porcionar uma vida melhor para deficientes mentais e cnanças em idade escolar. •

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 59

Page 59: Servidão e abandono

TECNOLOGIA

Galinhas poedeiras criadas na Universidade Estadual Paulista

(Unesp) de Jaboticabal estão produ­zindo ovos mais saudáveis para con­sumo humano, com 22% menos co­lesterol. A tecnologia, desenvolvida pelo professor Pedro Alves de Souza, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), consiste em acrescentar à ração uma pequena quantidade de resíduos de carvão ve­getal, o mesmo usado em churras­queiras. Ele atingiu o melhor índice já alcançado em pesquisas de redução de colesterol com base na dieta das aves. Uma solução simples, barata e natural que também reduziu o coles­terol da carne das aves em 34%, au­mentou a postura em 2,55% e reduziu em 27% o número de ovos trincados.

Rico em colesterol, ao contrário da carne de frango, o ovo foi por muito tempo considerado um aliado da hipercolesterolemia- níveis eleva­dos de colesterol no sangue -, fator de risco para o surgimento de doen­ças cardiovasculares. Um único ovo, mais exatamente a gema, contém em média 200 mg de colesterol. O controle da ingestão diária dessa substância é fundamental para quem

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está acima dos limites aceitáveis -200 mg de colesterol por decilitro (um décimo de litro) de sangue - e também para portadores de diabetes.

Nesses casos, para evitar que o problema se agrave, cardiologistas re­comendam uma dieta restritiva, com no máximo 200 mg de colesterol por dia. Isso significa que, ao consumir apenas um ovo, a pessoa terá consu­mido sua cota diária e não pode;á comer nenhum outro alimento de origem animal durante todo o dia. Para a cardiologista Jaqueline Scholz Issa, do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculda­de de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o ovo com 22% me­nos colesterol, ou seja, com cerca de 156 mg, é mais saudável e daria às pessoas uma margem para consumir ainda 44 mg de colesterol, o que cor­responde a, por exemplo, cerca de 100 g de peixes como o salmão, o atum ou o bacalhau. "Isso pode pare­cer pouco, mas, na prática, para quem é obrigado a seguir uma dieta rígida, faz muita diferença': afirma.

Além de reduzir o colesterol no ovo, o pesquisador demonstrou que a técnica é ainda mais eficiente em

relação à carne das aves: o colesterol foi reduzido em até 34%. Embora a carne branca seja uma das menos problemáticas em relação ao coleste­rol- 100 g de peito de frango têm 75 mg de colesterol, enquanto a mesma quantidade de carne vermelha magra tem 90 mg -, essa redução também pode aliviar o peso das restrições im­postas no tratamento.

Mais fertilidade - Mas os resultados da pesquisa não favorecem apenas o consumidor. A adição de resíduos de carvão vegetal na alimentação das galinhas também contribui para uma avicultura mais eficiente, melhoran­do a produtividade das aves e a resis­tência das cascas dos ovos. Segundo Souza, isso se deve a dois fatores. "Em primeiro lugar, sabe-se que a fertili­dade é afetada por altos níveis de gor­dura. Portanto, é natural esperar que aves mais magras coloquem mais ovos. Em segundo lugar, o carvão ve­getal é muito rico em cálcio, o que contribui para tornar a casca mais re­sistente': explica.

Para obter esses resultados, Souza submeteu as aves a uma dieta compos­ta de milho, farelo de soja, soja integral,

Page 60: Servidão e abandono

farinha de carne, calcário, pedrisco, fosfato bicálcico, mistura vitamínica mineral, aminoácidos e medicamen­to promotor de crescimento. A essa mistura, acrescentou proporções de 1 o/o a 3% de cinzas vegetais (resíduos de carvão de eucalipto moído). A di­eta com 1 o/o de carvão reduziu apenas 17% do colesterol no ovo e 26% na carne. Já com 2% de carvão, a redução foi de 21 o/o no ovo e 29% na carne.

E o carvão, ressalta o pesquisador, "é um aditivo natural, rico em cálcio, fósforo e potássio:'

O único efeito verificado foi uma mudança na consistência das fezes das aves, que se tornaram mais secas devido à ação adstringente do car­vão. Isso é uma vantagem para o pro-

Souza: saúde e avicultura saem

favorecidas, praticamente sem aumento

de custos

dutor, porque facilita a remoção dos detritos na granja e diminui a inci­dência de moscas. Para Souza, o méto­do é comercialmente viável: pode ha­ver um aumento de no máximo 2% no custo total da ração.

Ovos de ouro- Os ovos originados da pesquisa de Souza são bem diferentes de alguns tipos comercializados sob o rótulo de light. Esses são vendidos pelo dobro do preço dos ovos co­muns e, na opinião do pesquisador, trata-se de uma mera jogada de mar­keting. Ele chegou a essa conclusão após analisar, no ano passado, três amostras de cada um dos vários tipos

encontrados no comércio: o caipira, o comum, o pufa e o light.

No Laboratório de Tecnologia dos Produtos de Origem Animal da FCAV foram medidos e comparados os níveis de colesterol e lipídios totais de todas as amostras. Os resultados mostraram variações insignificantes. Para lipídios totais, as concentrações variaram de 27,96 gramas por 100 gramas de gema no ovo caipira para 26,65 g/100 g no ovo light. Em rela­ção ao colesterol, os resultados não foram inenos desanimadores: 11,97 mg e 11,15 mg. A .redução na quanti­da de de colesterol do ovo light foi de apenas 6%, e não de 20% como anunciava a embalagem do produto.

Os ovos tipo pufa apresentaram variações semelhantes: 26,62 g/100 g de gema na quantidade de lipídios totais e 11,45 mg/100 g de gema no

O PROJETO

cosahexaenóico-DHA, encontrados nos óleos de peixes marinhos. O me­canismo de ação desses ácidos graxos (além dos poliinsaturados, existem os saturados e os insaturados) ainda não é totalmente conhecido, mas sabe-se que eles podem reduzir a formação de coágulos, baixar os níveis de triglicé­rides no sangue e a pressão sanguí­nea, o que é benéfico ao sistema cir­culatório. Por esse motivo, algumas indústrias alimentícias passaram a adicionar ômega 3 a produtos como ovos, leite, pães, etc.

Na opinião do médico Raul Caval­cante Maranhão, diretor do Laborató­rio de Lipídios do Incor, o benefício desses alimentos enriquecidos com ômega 3 é questionável, porque a die­ta habitual do brasileiro com o consu­mo constante de óleo vegetal já con­tém as quantidades necessárias desses

ácidos graxos. O Instituto Brasileiro

Redução dos Níveis de Colesterol no Ovo e na Carne de Aves

de Defesa do Consumi­dor (Idec), ao conhecer a pesquisa realizada na

MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa

Unesp sobre os ovos light, publicou as infor­mações do trabalho na revista mensal mantida pela instituição, Consu­midor SI A, orientando

COORDENADOR PEDRO ALVES DE SOUZA- Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp-Jaboticabal

INVESTIMENTO R$ 13.120,80

conteúdo de colesterol. "A diferença de colesterol entre esses ovos e os co­muns também é insignificante. O fato de serem enriquecidos com áci­dos graxos (formadores das gordu­ras) poliinsaturados ômega 3 não significa que eles tenham menos co­lesterol, mas que contêm uma subs­tância que, em tese, seria capaz de ajudar o organismo a eliminar coles­terol. Ainda assim, seria necessário avaliar se eles têm mesmo ômega 3 e em que quantidades': afirma.

A família ômega 3 contém três ácidos graxos: o linolênico, cujas prin­cipais fontes são os óleos de soja e de cano la, o eicosapentanóico-EPA e o de-

os consumidores para a propaganda enganosa referente a esses ovos. Mas, apesar da polêmi­ca gerada com a divulga-

ção dos resultados, eles continuam nas prateleiras dos supermercados, alguns prometendo até 40% menos coleste­rol, com preços de ovos de ouro.

Afinal, o importante para o con­trole do colesterol é evitar o excesso de peso e diminuir a quantidade de gordura na alimentação, principal­mente as saturadas, como as de ori­gem animal. Apesar de ser rico em colesterol, a vantagem do ovo em re­lação a uma churrascada de fim de semana é a pouca quantidade de gor­dura que possui. Melhor ainda agora que se abre a possibilidade aos cria­dores de galinhas de produzir ovos com menos colesterol. •

PESQUISA FAPESP • JANEIRO/ FEVEREIRODE2001 • 61

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CAPA

SOCIOLOGIA

Casa-Grande &

dos Matarazzo na Califórnia R ulista Estudo da Unesp resgata o cotidiano de sem i-servidão dos cortadores de cana da Amália, fazenda na região de Ribeirão Preto que foi do antigo império agroindustrial

MARCOS PIVETTA

Uma página quase quecida da história Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo, antigo império agroin­

dustrial que na década de 30 chegou a ser o maior conglomerado empresa­rial da América do Sul, foi resgatada com a conclusão de um trabalho sobre a vida dos trabalhadores rurais de uma das propriedades favoritas da famiglia: a fazenda Amália, em Santa Rosa de Viterbo, na região de Ribeirão Pre Q,

nordeste paulista. No projeto Mulheres.. da Cana: Memórias, que foi financiado pela FAPESP, a socióloga Maria Apare­cida de Moraes Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), acabou fa­zendo mais do que inicialmente havia se proposto. Reconstituiu em detalhes o dia-a-dia de semi-servidão, trabalho quase ininterrupto e isolamento não só das cortadoras de cana, seu objeto de estudo por excelência, mas de fa-

62 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

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A.BRUGIER

mílias inteiras (homens e crianças aí incluídos) que deram seu suor para estender a grandeza da Amália por seus 11 mil alqueires.

O estudo enfoca um período de mais de 60 anos da história da fa­zenda, ainda hoje, após ter sido des­membrada e arrendada, em parte "Controlada pelos Matarazzo. Come­

na década de 30, época em que a cana toma definitivamente o lugar do café na Amália e os trabalhadores vivem como colonos em casas den­tro dos domínios da propriedade. Passa pela segunda metade dos anos 60, quando esses colonos perdem o emprego fixo e a moradia na fazenda (em muitos casos sem receber a de­vida indenização), viram bóias-frias e têm de procurar casa para morar fora da propriedade dos Matarazzo. E termina nos dias de hoje, marca­dos pela crescente mecanização da la­voura e falta de emprego crônico para os trabalhadores ou seus descenden­tes nos canaviais, seja na Amália ou em outras fazendas da região.

Em cada uma dessas fases, o rela­cionamento dos cortadores de cana, a maioria analfabeta ou com conhe­cimentos rudimentares da língua es­crita, com os senhores da Amália se dá em bases diferentes. A cada mu­dança, a situação do trabalhador ru­ral vai se tornando mais precária, a despeito de alguns ganhos localiza­dos, como a disseminação de botas e roupas mais adequadas para o corte da cana. No período coberto pelo es­tudo, a categoria dos cortadores de cana- a mais numerosa (talvez che­gasse a 5 mil pessoas) e com menor status dentro da hierarquia dos em­pregados/habitantes da Amália -experimentou um progressivo des­censo social. "É uma história de ven­cidos", sentencia Maria Aparecida.

O dia-a-dia de colono - Até fins da dé­cada de 60, quando os cortadores de cana da Amália exibiam a condição de colonos e moravam em casas cons­truídas por seus patrões e espalhadas pelas terras da propriedade, um dia de trabalho na fazenda era, literalmen-

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te, um dia dedicado religiosamente ao trabalho. E não mais do que isso. Às 5 horas da manhã, com o primeiro badalar do sino, os colonos acorda­vam. Tomavam o café e pegavam no batente até as 9 horas da noite, quan­do o sino voltava a tocar. Com rápi­das pausas para almoço e merenda.

Na época da colheita, domingos e feriados também eram dias de pas­sar o facão pelo canavial, estenden­do-se o serviço, às vezes, até a noite, conforme alguns relatos colhidos por Maria Aparecida. Férias? Nem pensar. Esses trabalhadores ainda não tinham esse direito. Para as mu­lheres, a jornada em geral era mais longa e dupla. Elas acordavam mais cedo do que os maridos para prepa­rar o café e, após as horas de traba­lho no canavial, ainda tinham de cui­dar das crianças, preparar o jantar e arrumar a cozinha antes de dormir.

Formalmente, o chefe da casa, em geral o homem, era o único trabalha­dor amparado por um vínculo empre­gatício com a Amália. Ele tinha o cha­mado título, era o funcionário com registro junto aos patrões. Mas, na prá­tica, todos os dependentes que inte­gravam seu clã- mulher e filhos, sobre­tudo após os 5 anos de idade - iam para o canavial. Às mãos pequeninas das crianças era reservada a tarefa de enfeixar a cana cortada pelo adultos.

Na hora de receber o pagamento, a quantidade de cana cortada por toda a família era pesada e contabi­lizada. O valor devido- um número mágico cuja lógica que lhe dera ori­gem escapava aos cortadores de cana - era repassado a apenas um dos empregados, o titular. Para to­dos os efeitos (sobretudo os legais), toda aquela cana cortada tinha sido produto do labor de um só empre­gado. Como não tinham qualquer amparo legal, os dependentes do ti­tular, embora fossem tratados no hospital da fazenda quando se ma­chucavam, não recebiam nenhum tipo de indenização se viessem a so­frer algum acidente de trabalho. O estudo levantou processos contra a Amália movidos por trabalhadores

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Greve de bóias-frias cortadores de cana da Amália nos anos 80

acidentados, não-titulares, que não foram indenizados pela empresa.

A estratégia de exploração não parava por aí. Os cortadores de cana recebiam uma remuneração, mas, no dia do pagamento, dinheiro algum lhes tocava a mão. As toneladas de cana decepadas no mês garantiam às famílias de trabalhadores um vale (ou ordem), que, obviamente, tinha de ser trocado por comida e remé­dios nos armazéns e farmácias exis­tentes na propriedade. Ou seja, o pouco que era ganho era gasto ali mesmo, dentro da própria Amália. Quase sempre consumindo produtos com a marca Matarazzo, vindo das mais de 350 fábricas que o grupo che­gou a ter, algumas delas funcionando na propriedade de Santa Rosa de Vi­terbo, em outras áreas da fazenda.

E m muitos casos, o titular não conseguia cobrir todas as suas despesas com os va­les que recebia do patrão. Os débitos no armazém ou

boticário (leia-se, com os Matarazzo) aumentavam a cada mês e acabavam gerando a chamada servidão por dí­vida. "Era pedir a Deus para não fi­car doente. Se tinha de comprar um vidro de remédio, a gente não via pa­gamento", relembra o ex -cortador de cana João Flausino, 72 anos. Incapa­zes de saldar a conta negativa, alguns

trabalhadores tomavam uma decisão radical: abandonavam sua casa e fu­giam da fazenda. De tão freqüentes, as escapadas geraram uma expressão entre os cortadores de cana da Amá­lia para designar os que deixavam a propriedade em meio à escuridão protetora da madrugada: "Fulano de tal anoiteceu e não amanheceu".

Cientes de que a vida dura dos cor­tadores de cana na Amália poderia se tornar ótimo combustível para infla­mar e unir os trabalhadores, os Mata­razzo trataram de dispersar os colonos por sua imensa propriedade. A estra­tégia tinha o objetivo claro de dificultar o contato entre os empregados, mi­nando assim a organização de grandes movimentos contestatários. Segun­do o levantamento de Maria Apare­cida, os colonos da Amália foram instalados em moradias erigidas em 21 seções rurais, pequenas vilas que se situavam em diferentes partes da propriedade, no meio dos canaviais.

Quando não estavam no corte da cana, os trabalhadores ficavam confi­nados em suas seções, sem ter muito contato com seus pares de outras se­ções. O isolamento só era quebrado nos fins de semana em que havia fes­tas nas seções ou jogos de futebol no campo da fazenda. "Havia na Amália uma espécie de relação feudal. Ostra­balhadores praticamente não saíam de suas seções", diz a professora aposen-

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Ruínas das casas de colonos da Amália que foram demolidas após a greve de 1966

tada da Faculdade de Filosofia, Ciên­cias e Letras da Unesp em Araraquara.

Além de farmácia e armazém, cada seção abrigava um grupo de cerca de cem titulares. Reunia, por­tanto, mais ou menos esse número de casas destinadas às famílias de traba­lhadores. Banheiros e tanques comu­nitários eram instalados para servir grupos de quatro ou cinco casas. "Cada mulher tinha um dia para la­var roupa': recorda Maria de Lurdes da Silva, 57 anos, ex-moradora da Amália. Ao redor de cada casa, era permitido manter algum tipo de hor­ta ou pequenas criações de animais.

Água e luz- Pelos depoimentos e evi­dências colhidos no estudo, nem todas as seções contavam com água enca­nada e luz elétrica. Além das moradias dos cortadores de cana, feitas de alve­naria ou madeira, havia a casa do ad­ministrador da seção, a do feitor e a do fiscal. Algumas seções tinham es­cola. As melhores casas eram ocupa­das pelos funcionários de confiança dos Matarazzo. Refinando o sistema de segregação, os senhores da Amália evi­tavam juntar num lugar trabalhadores italianos (essa minoria tinha uma seção exclusiva, com casas de melhor nível) e o grosso dos colonos, brasileiros.

A família Matarazzo tinha pouco cantata direto com seus emprega­dos, sobretudo os mais humildes.

Segundo o relato de muitos ex-fun­cionários, era comum os cortadores de cana se esconderem no meio dos canaviais, a pedido de seus chefes e feitores, a fim de "limpar" o cami­nho na estrada para a passagem de algum membro da família. Os Mata­razzo eram temidos e, não raro, re­verenciados pelos trabalhadores.

Para compor o painel das relações trabalhistas na fazenda Amália, situa­da numa das regiões rurais mais ricas do Estado de São Paulo (para não di­zer do país), Maria Aparecida consu­miu quatro anos de pesquisa e rt;­correu a vários tipos de fonte de informação. Com a ajuda de três alunos, bolsistas do Conselho Nacio­nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), analisou a traje­tória de vida de 70 homens e mulhe­res que passaram pelos canaviais da propriedade. Essas pessoas e seus fa­miliares (esposos, filhos ou até pais) responderam a questionários com dados biográficos e contaram sua história em entrevistas, que redunda­ram em mais de 140 horas de depoi­mentos gravados. Foram ainda en­contrados e analisados 208 processos trabalhistas contra a Usina Amália movidos por ex-funcionários (122 no fórum de Santa Rosa e 86 em São Simão) e ouvidos dois juízes que jul­garam essas ações. A pesquisadora não conseguiu acesso a descendentes

da família Matarazzo, cujos depoi­mentos certamente serviriam de contraponto aos dados levantados na pesquisa. A revista Pesquisa FAPESP tentou entrevistar alguém da família, mas também não obteve sucesso.

Um minucioso levantamento iconográfico das vidas dos cortado­res de cana conseguiu reunir 300 fo­tos. Muitas dessas imagens foram ce­didas pelos entrevistados, algumas resgatadas na Fundação Cultural Santa Rosa de Viterbo, outras (as mais recentes) foram feitas pela pró­pria pesquisadora ou colaboradores. Praticamente, não há fotos de traba­lhadores cortando cana, sobretudo das décadas mais distantes. Esse fato é interpretado como um indício de que os próprios trabalhadores desva­lorizavam a sua condição social. Quando tinham condição de gastar dinheiro com fotos, os cortadores preferiam fazer retratos de momen­tos de lazer, em festas ou eventos.

As origens da Amália - Provavelmente nunca existiu uma fazenda como a Amália no Estado de São Paulo. Pelo menos não com os mesmos ingredien­tes e requintes que fizeram dessa pro­priedade uma das preferidas dos Ma­tarazzo. Originalmente uma fazenda de café, a Amália, antes de parar nas mãos do então maior grupo indus­trial brasileiro, pertencia a Henrique dos Santos Dumont, irmão do pai da aviação. Embora sediado em Santa Rosa de Viterbo, o imóvel rural fazia seus 11 mil alqueires avançarem ain­da pelo território dos municípios de São Simão, Serra Azul, Cajuru e Tam­baú. Na década de 20, Henrique deci­diu se desfazer dessa enorme área, equivalente a 40% da área da cidade de Ribeirão Preto.

Nessa época, após ter deixado pa­ra trás a cafeicultura e se lançado no plantio de cana-de-açúcar, gesto que seria imitado décadas mais tarde por outras fazendas da região de Ribeirão Preto, a propriedade já tinha usina de açúcar, destilaria de álcool e uma pe­quena ferrovia. Dando seus primeiros passos no mundo da agroindústria, a

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palacete que nenhuma outra fazenda tinha - e quase ninguém via. Era uma cidade dentro da cidade.

Amália despertou o interesse de três empresários de São Paulo, que a compraram em parceria. Francisco Schmidt,Alexandre Siciliano e o con­de Francesco Matarazzo foram sócios na fazenda até 1931.

Nesse ano, após inúmeras desa­venças com os colegas no negócio, o fundador das IRFM passou seu qui­nhão no imóvel rural para o ftlho e futuro sucessor, Francisco Mataraz­zo Jr. Amante das plantas e dos bi­chos, o jovem se interessou pela Amália. Tratou logo de arrebatar a parte dos outros sócios e se tornou o único dono do empreendimento. Era o início de uma pequena revolu­ção, que acentuaria a já presente vo­cação agroindustrial da fazenda.

ma. Assim, aliada à usina e à destila­ria, o conde Jr. instalou uma fábrica de papelão, para utilizar o bagaço da cana; uma fábrica de ácido cítrico, processado por fermentação alimen­tada pelo melaço da cana; uma fábri­ca de éter sulfúrico, aproveitando o excedente de álcool': Além de imple­mentar essas novas unidades indus­triais e erigir um imponente palacete residencial em sua propriedade (veja box), Francisco Matarazzo Jr. criou, em 1937, uma fábrica de doces e con­servas. A Produtos Amália usava como ingredientes os frutos das no­vas culturas introduzidas na fazenda, marmelo, goiaba e abacaxi.

Pode-se reprovar moral­mente o sistema de titulari­dade, que permitia pagar apenas ao chefe da casa e usar a mão-de-obra de toda

a família, mas não condená-lo do

O livro comemorativo Matarazzo 100 Anos, editado em 1982 pela pró­pria família, resume muito bem as transformações operadas pela nova visão à frente da fazenda: "A organi­zação industrial da Amália seguiu o modelo tradicional da família: máxi­mo aproveitamento da matéria-pri-

Um palacete italiano entre

• • os canav1a1s Não muito distante do suor dos

canaviais e das engrenagens do se­tor agroindustrial da Amália, uma imponente construção encarnava (e ainda encarna) a pompa e o po­der associados durante décadas do século passado à aristocrática famí­lia de Castellabate que veio fazer a América no Brasil: o palacete, com suas alamedas ajardinadas, que ser­via de residência dos Matarazzo em suas visitas a Santa Rosa de Viterbo. Não se deve confundir esse edifício, algo único na história rural paulis­ta, com a tradicional casa-grande que funcionou como sede das anti­gas fazendas de café do Estado.

Projetado por arquitetos italia­nos, o palacete era decorado com

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Com o tempo, a Amália se tornou o centro nervoso da vida em Santa Ro­sa. Até do ponto de vista da vida so­cial. Afinal, além de ser uma potência agroindustrial, a fazenda ti­nha cinema, campo de fu­tebol, igreja, escola, hospi­tal. Organizava as melhores festas, casamentos e bailes de carnaval. E abrigava um

ponto de vista legal- pelo menos não até 1963. Apenas nesse ano entra em vigor o Estatuto do Trabalhador Ru­ral, que iguala os direitos do homem do campo aos do trabalhador urbano e torna ilegal o sistema de titularida­de. A partir dessa data, o cortador de cana começa a ter direito a férias, dé­cimo terceiro salário, carteira assina­da (para cada trabalhador e não para apenas o titular), atendimento médi-

afrescos florentinos, es­tátuas em estilo renas­centista e gravuras do artista plástico francês Jean-Baptiste Debret, que viveu no Brasil no início do século 19. Seus jardins foram cria­dos na década de 30 pelo conde Francisco Jr., ftlho e sucessor do fundador do grupo, que nutria especial de­voção pela proprieda­de. No livro Matarazzo 100 Anos, obra editada pela família em 1982, o apreço do empresário

Escadaria que conduz aos jardins e entrada da casa

pelo lugar é descrito assim: "Queria criar uma ilha de sonho onde pensa­va repousar e até morar, recebendo os filhos em harmonia. Amália era a 'sua' casa. Aí ele gostava de receber os amigos e personalidades:'

Para os trabalhadores rurais da

Amália, o palacete era mais do que um sonho. Era um mistério comple­to. Sua entrada no distinto local era proibida e, segundo os relatos colhi­dos pela socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, pouquíssimos corta­dores de cana chegaram mesmo a

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co pelo INSS e aposentado­ria. Segundo Maria Apare­cida, como a legislação an­terior à criação do estatuto era omissa em relação aos direitos dos trabalhadores rurais, predominavam os contratos particulares entre patrões e empregados, como os de titularidade.

Em 1964, no entanto, com a instalação da dita­dura militar no Brasil, co­

A autora do estudo: socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva

os colonos que participa­ram do movimento. "Pou­ca gente que fez greve voltou ao trabalho", re­lembra o aposentado Alci­des Brandão, 77 anos, que viveu de 1950 a 1972 na Amália. Para a socióloga, as razões que motivaram o ato de protesto dos tra­balhadores são hoje bas­tante cristalinas. "A gre­ve foi arquitetada pela

meça a ser criado um arcabouço ju­rídico-legal - leis de Segurança Nacional e de Greve- que seria usa­do por alguns patrões do campo para se livrar dos colonos sem ter de pagar os novos direitos que o estatu­to previa. E, no seu lugar, recrutar os mesmos trabalhadores na condição de temporários, de bóias-frias, que não contavam com quase nenhuma proteção trabalhista e para os quais não era mais preciso dar moradia.

A socióloga Maria Aparecida aponta a eclosão de um evento em

1966, fruto desse novo contexto, que se transformaria num marco divisor da trajetória dos trabalhadores da Amália. Houve uma greve de seis dias, por melhores salários e condi­ções de trabalho. Segundo evidên­cias e depoimentos de ex-funcioná­rios colhidos pela pesquisadora, esse movimento foi, secretamente, insu­flado pela direção da Amália, que controlava o recém-criado sindicato dos trabalhadores rurais.

Terminada a greve, a direção da Amália começou a mandar embora

empresa (os donos da Amália) com o aval da ditadura militar, criando um pretexto para se desvencilhar dos colonos sem ter de pagar os di­reitos e indenizações devidos, so­bretudo as aposentadorias dos fun­cionários mais antigos. Foi uma armadilha", diz a professora.

Assim que um cortador era des­pedido e convencido a deixar a fazen­da, sua antiga casa era posta abaixo pelos patrões. Dessa forma, ficava in­viabilizada a sua volta à propriedade na condição de colono e começava a

Os jardins da Amália foram criados pelo conde Francisco Matarazzo Jr. Interior do palacete: tapetes e gravuras de Debret

avistá-lo alguma vez. "Como um cas­telo da Idade Média, o palacete, na ca­beça desses trabalhadores, evocava o mundo dos contos de fada': afirma.

A fim de facilitar o acesso de seus membros e ilustres convidados - o presidente Juscelino Kubitschek e o

político e empresário norte-america­no Nelson Rockefeller assinaram o livro de visitas da Amália - a esse ambiente de luxo e prazer, os Mata­razzo até fizeram uma estrada parti­cular, ligando o centro de Santa Rosa ao palacete. Hoje, quem passa pela

praça Mariah Pia, no coração da ci­dade, ainda vê o portão, trancado a cadeado e escoltado por dois leões de metal, que delimita o início da estra­da da fazenda. Em tempo: o palacete é uma das poucas partes da Amália que ainda pertencem aos Matarazzo.

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ruir o sistema de titularidade, baseado na concessão de casa e trabalho aos cortadores de cana. Como quase ninguém se mostrava satisfeito com o acerto de contas proposto pelo patrão, houve uma ava­lanche de ações judiciais con­tra a Amália, contestando os valores das indenizações.

~ de 100 alqueires. "Cheguei a 8 trabalhar no plantio e colhei-~ e ta de café. Mas meu pai sem-

pre quis que os filhos estudassem", recorda. Foi o que ela fez. Formou-se em Ciências Sociais e fez mestra­do e doutorado na França, sempre estudando as formas de exploração do trabalho agrícola. Entre suas recor­dações antigas, destaca-se a imagem de trabalhadores rurais migrantes, vindos de outros Estados à região de Ribeirão Preto, em busca de trabalho nos canaviais.

Como se sabe, essa cultu­ra agrícola cabou tomando o lugar dos cafezais, que ha-

Enquanto a disputa judi­cial se arrastava pelos corre­dores dos tribunais, os cor­tadores de cana em litígio conseguiram respaldo legal para continuar residindo em suas casas. Eles podiam con­tinuar morando ali até a sen­tença final dos juízes, mas os Matarazzo não lhes deram mais serviço- pelo menos não oficialmente. E ainda lhes

Construção que funcionou como estação da antiga ferrovia viam dado fama e fortuna à elite local. Em meados da dé-

impuseram represálias. "Depois da ação contra a usina, eles (os patrões) cortaram os animais e a horta", conta Helena Teodoro, 82 anos, que morou por quase três décadas na Amália.

Em alguns casos, o impasse judicial durou até cinco anos. Para sobreviver, esses colonos demitidos, mas na prática ainda vivendo na

fazenda, tiveram de ganhar o seu sustento às escondidas de seus ex­patrões. Eles passaram a ser contra­tados como trabalhadores temporá­rios por empreiteuas que começaram a fornecer bóias-frias para os canaviais da Amália. Maria Aparecida suspeita que algumas des­sas empreiteiras eram empresas cria­das pelos próprios donos da fazenda.

Nos mais de 200 processos tra­balhistas levantados pelo estudo, os dois juízes paulistas que analisaram boa parte dos casos costumavam dar razão aos empregados. Mas a Justiça era morosa e permitia uma série de recursos e artimanhas jurídicas. Antes de ser alvo do veredicto final, uma ação, por exemplo, poderia passar - passear, talvez fosse o termo mais adequado - por uma série de instâncias, como os fóruns de Santa

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Rosa, Ribeirão Preto, São Paulo, Rio de Janeiro e, finalmente, Brasília.

Anos de indefinição fizeram muita gente desistir de exigir seus direitos na Justiça ou optar por um acordo pouco vantajoso. "Os que ganharam ações conseguiram di­nheiro suficiente para comprar uma casinha", diz a socióloga. Resultado: nos primeiros anos da década de 70 o processo de expulsão dos colonos praticamente havia se encerrado e o sistema de recrutamento de bói~s­frias para o canavial já era uma rea­lidade sem volta. Poucos dos ex­colonos demitidos ficaram em Santa Rosa de Viterbo. A maioria se viu obrigada a ir para outras cidades, distante da influência dos Ma­tarazzo. Maria Aparecida localizou grupos de ex-moradores da Amália em Leme e Barrinha.

Resgate da história do campo - O interesse em resgatar histórias do campo, como a dos cortadores de cana da Amália, tem a ver com as ori­gens rurais de Maria Aparecida. Nascida em Altinópolis, município próximo a Ribeirão Preto, onde a terra roxa fez florescer pés de cafés, a pesquisadora se lembra da infância na fazenda da família, uma propriedade

cada de 80, Maria Aparecida come­çou a trabalhar com a questão das mulheres e dos migrantes no meio rural paulista. Em 1988, para se em­beber do modo de vida do migrante, chegou a ficar 40 dias no Vale do Je­quitinhonha, região do norte de Mi­nas que se estende até a divisa com a Bahia. O Jequitinhonha é conhecido por ser uma das áreas mais pobres do país, uma espécie da ante-sala das misérias e mazelas que assolam o vi­zinho Nordeste. Com anos de estrada e trabalho sobre a condição da mu­lher do campo, a pesquisadora escre­veu o livro Errantes do Fim do Século, financiado pela FAPESP, CNPq e Fundunesp, obra que, em 1999, obte­ve menção honrosa no prêmio Casa Grande & Senzala, da Fundação Joa­quim Nabuco, de Recife.

O PROJETO

Mulheres da Cana: Memórias

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADORA

M ARIA A PARECIDA DE M ORAES SILVA

INVESTIMENTO

R$ 15.367,00

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Situação atual- Não é raro hoje se en­contrar famílias de ex-trabalhadores da Amália sendo comandadas por mulheres. Isso se deve basicamente a dois motivos: ou o antigo chefe da casa morreu, às vezes em razão de al­guma enfermidade decorrente dos anos de trabalho nos canaviais, ou ainda está vivo, mas se tornou mais um fardo do que um pilar em seu clã. Por causa da dificuldade de encon­trar emprego na cidade e inadapta­ção ao novo tipo de existência sem o bastão protetor-opressor dos antigos donos da Amália, muitos ex-colonos se tornaram alcoólatras.

Para desempenhar esse novo pa­pel de esteio emocional e financeiro do lar, essas mulheres têm de vencer desafios ainda maiores do que em seu passado de colona. Concorren­do agora com homens mais novos e máquinas que vão tomando conta do corte da cana, as mulheres bóias­frias enfrentam enormes dificulda­des em encontrar emprego no meio rural. Restam a elas poucas alterna­tivas de serviços, em geral os piores serviços, aqueles que nem homens ou máquinas conseguem ou gostam de fazer. Trabalhos como catar, aga­chadas, bitucas no canavial (os to­cos de cana que as máquinas dei­xam depois de executar o corte) ou mexer com agrotóxicos em viveiros.

O quadro levantado pelo estu­do tampouco aponta alguma pers­pectiva de melhoria familiar em razão da ascensão social das novas gerações que compõem essas famí­lias. Apesar de terem maior grau de escolaridade do que seus pais, os filhos e netos dos ex-trabalhadores rurais da Amália continuam ocu­pando os estratos inferiores das so­ciedade. Quando arrumam serviço, são empregadas domésticas, pedrei­ros ou se esfolam em canaviais ou na colheita de outras culturas no in­terior paulista. "Como seus pais, eles perpetuam o que se chama de destino de classe. Nascem, crescem e se relacionam com pessoas de seu mesmo estrato social", afirma a so­cióloga Maria Aparecida. •

da Amália ornar conhecimento da da de privações e traba­ho semi-escravo que le­vavam os cortadores de cana da Amália, a pri­

meira reação de muitas pessoas é concluir que ninguém deve sentir saudade de ter passado pela fazenda. Essa impressão, no entanto, é falsa. Embora alguns, geralmente os mais novos, não economizem nas críticas a seus ex-patrões, muitos dos ex-co­lonos - hoje soltos no mundo, fora do universo rural fechado e contro­lado a ferro e fogo pelos Matarazzo - ainda guardam boas recordações daquela época difícil.

Evocam o companheirismo que rei­nava entre os moradores da fazen­da. Fazem referência ao grande mo­vimento de gente na Amália nos domingos e dias de festa, quando a propriedade se tornava o centro do lazer em Santa Rosa de Viterbo: As mulheres de idade mais avança­da se lembram que, ao nascer, seus filhos eram presenteados com pe­quenos mimos que teriam sido fei­tos pela própria condessa Marian­gela Matarazzo, esposa do conde Francisco Matarazzo ]r. Mas um ges­to de seus antigos patrões a maio­ria desses ex-colonos não entendeu - e perdoou - até hoje: por que, afinal, eles perderam suas casas na Amália e foram postos cerca afora da propriedade, em muitos casos sem receber as devidas indenizações?

Com a palavra Maria Apareci­da Brandão Flausina, 50 anos, que, ao lado dos pais e oito ir­mãos, morou e trabalhou dos 7 aos 19 anos nos canaviais da Amá­lia. "Fiquei chateada por terem

nos tirado de lá", diz essa mineira, baixinha e forte, ainda hoje exercen­do o ofício de cortadora de cana ou trabalhando na colheita de outras cul­turas - quando consegue algum ser­viço - nos arredores de Leme, onde reside atualmente. "A vida na fazenda era dura, trabalhava-se muito, mas era boa. Podíamos plantar arroz, fei­jão, milho. Era mais fácil do que na cidade. Aqui tem de comprar tudo no mercado, tem de ter crédito:'

Em sua modestíssima casa, quase sem acabamento algum e composta de dois minúsculos quartos, uma sa­la/cozinha, um corredor com um tan­que e um quintal ao fundo, moram seis pessoas: ela, o marido, José Apa­recido (50 anos), três filhos e um ne­to. Como os filhos estão sem emprego fixo e o marido não dispensa a com­panhia de um bom copo, Maria Apa­recida é o esteio da casa. Por sorte, ela ainda exibe uma boa saúde e dis­posição para trabalhar. Os anos cor­tando cana curvada ainda não afeta­ram as suas costas, como acontece com muitos trabalhadores. Seu pou­co mais de um metro e meio parece

Fátima Pereira: dores nas costas e varizes

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tê-la livrado, por ora, das dores na coluna. Quem é menor tem de se curvar menos para podar a cana.

Nascida num sítio entre Santa Rosa e São Simão, Fátima Aparecida Silva Pereira, 42 anos, cortou cana na Amá­lia durante oito anos, de 1970 a 1978. Ela não pegou a época dos colonos e nunca pôde morar na fazenda, a me­lhor fase na visão da maioria dos ex­moradores da propriedade. Residia em Santa Rosa e prestava o serviço na condição de bóia-fria para empreitei­rasque sublocavam mão-de-obra pa-

ria Brígida, com quase 5 anos), teve de abandonar definitivamente o an­tigo ofício. "Mulher com varizes e fi­lho hoje não consegue emprego (de bóia-fria junto às empreiteiras)", diz, resignada. A saída foi fazer e vender camisetas, caixas e chinelos para re­forçar o orçamento doméstico. Seu marido, Adilson Pereira, ganha pouco mais de R$ 7 por dia colocando vene­no para matar formiga num antigo canavial da Amália, hoje sob controle de uma firma que arrenda a terra dos Matarazzo. Seu sonho é mudar de ci-

dez entrevistados eram analfabetos ou tinham o primário incompleto. Me­tade dos indivíduos que deram depoi­mentos estava aposentada, 12% se ro­tularam de desempregados, 10% eram donas de casa, 10% trabalhavam na lavoura e 7% se encontravam afasta­dos do trabalho (provalmente sem ter conseguido se aposentar). O res­tante tinha outros tipos de ocupação.

Alguns ex-colonos da Amália apresentam sentimentos contraditó­rios em relação ao período vivido na fazenda, um misto de amor e ódio

Joaquim dos Anjos: sentimentos contraditórios Maria Flausina: vida na fazenda era mais fácil

aos métodos implanta­dos pelos ex-patrões. É o caso do aposentado Joa­quim Lourenço dos An­jos, 77 anos, colono da Amália entre 1944 e 1977 e atualmente dono de uma casa em Leme. Durante sua estada no complexo agroindustrial de Santa Rosa, ele foi cortador de cana e tam­bém exerceu as funções de feitor e guarda-notur­no. Até hoje fala com or­gulho de ter ganho o

ra os canaviais. Sempre ativa nas gre­ves e movimentos contestatários que começaram a pipocar na região a par­tir da segunda metade da década de 60, Fátima gostava do clima amigável entre seus parceiros de lida, mas tem uma visão mais ácida sobre sua pas­sagem na Amália. "Todo mundo saiu de lá com problemas (de saúde). Eu tinha dores nas costas e as veias das pernas, às vezes, estouravam durante o corte. A gente também mexia com ve­neno (fertilizantes, agrotóxicos) e não tinha máscara nem nada", conta Fáti­ma, que tem grossas varizes nas pernas.

Após a experiência na Amália, ela passou por outros canaviais e até ten­tou a ocupação de empregada domés­tica em Ribeirão Preto e São Paulo. Não se adaptou à vida entre quatro paredes. "Não gostava de ficar presa dentro de uma casa. Cortar cana é mais divertido", compara. Fátima en­tão voltou para Santa Rosa, mas, de­pois que casou e teve uma filha (Ma-

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dade e tentar a sorte em outro lugar. ''A Amália acabou. Para nós e para os Matarazzo. Aqui não tem emprego, não tem gente interessada em artesa­nato. Tenho de pensar nos filhos. Nâo dá para viver com R$ 200 por mês:'

1, quem s~o hoje os órfãos Amália? E quase impossí­el saber quantos dos cor­tadores de cana que pas­saram pela fazenda ainda

estão vivos. Mas as 70 pessoas cuja história de vida foi resgatada no tra­balho da socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, da Unesp, apresen­tavam o seguinte perfil. Mais da me­tade era paulista de nascimento, 30% eram mineiros. Dois terços dos ouvi­dos eram brancos e um terço era ne­gro ou pardo. Cinqüenta e cinco por cento eram do sexo masculino e 45% do feminino. Quase 85% tinham mais de 50 anos (os mais velhos pas­savam dos 90 anos). Nove de cada

prêmio de terceiro melhor cortador de cana na fazenda em 1955. Na li­nha operário-padrão, ele seguia os conselhos de seu pai, também mora­dor da Amália, e era contra as greves. ''Achava que isso era perda de tempo. Os Matarazzo tinham muito dinhei­ro e compravam tudo e todos': diz.

Embora diga que a vida na seção São Lourenço, onde ficava sua casa de colono, era "boa demais': faz uma sé­rie de ressalvas ao sistema vigente na fazenda. "Para dizer a verdade, a gente trabalhava de graça, era muito explo­rado. Se tivesse vindo para cá antes, teria sido melhor': acredita. Esse tipo de opinião, rara entre os órfãos da Amá­lia, talvez se explique pelo fato de Joa­quim ter conseguido um emprego ra­zoável em sua migração para o meio urbano - foi durante dez anos guarda numa firma de Leme. Esse posto lhe permitiu se aposentar e tocar a vida com um mínimo de decência. A maioria de seus ex-colegas não teve essa chance .•

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GOvtRNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento

~APESP Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa 05468-901 -São Paulo- SP Tel. : (11 ) 3838-4000 www.fapesp .br

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HUMANIDADES

GEOGRAFIA

Produção no interior, gestão na capital Estudo indica que a interiorização da indústria provocou uma "desconcentração" de empresas no Estado, mas o poder decisório ficou em São Paulo

São Paulo é o centro da gestão do capital enquanto o interior

paulista se apresenta, cada vez mais, como o centro da produção indus­trial. É o que observa a geógrafa Sandra Lencioni em Emprego e Ex­clusão Social na Reestruturação Ur­bano-Industrial do Estado de São Paulo, projeto financiado pela FAPESP.

"Não se pode negar a centrali­dade da cidade de São Paulo. A uni­dade fabril mudou de endereço, mas o centro gestor não migrou para o interior", explica a pesquisa­dora, para quem a tão aclamada in­teriorização da indústria e o esgar­çamento do tecido metropolitano, iniciados no final da década de 70, precisam ser analisados como uma dinâmica de "desconcentração" e jamais "descentralização indus­trial". "Há uma aparente descentra­lização industrial, mas um exame mais acurado demonstra que a es­tratégia de cisão territorial das em­presas ao manter o gerenciamento

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empresarial no centro metropolita­no intensifica, ainda mais, a função de direção do capital que a metró­pole de São Paulo desempenha."

Sandra localizou, nos 645 muni­cípios paulistas, cerca de 900 ind~s­trias que apresentavam cisão terri­torial entre a gestão principal da empresa e a parte fabril do em­preendimento. Ou seja, indústrias nas quais o centro gestor principal se localiza em uma cidade (na grande maioria, em São Paulo), en­quanto a fábrica se localiza em ou­tra. "Parece um número pequeno, mas é preciso considerar que se tra­ta, em geral, de empresas de grande porte, com o peso de, por exemplo, uma General Motors", afirma a pes­quisadora. Assim, se captou a teia de relações entre os lugares, do ponto de vista do processo de rees­truturação industrial.

A geógrafa resolveu desmistifi­car a recente interiorização da in­dústria paulista, que sempre esteve presente no interior. No final da dé-

cada de 20, cerca de 30% da produ­ção industrial paulista era prove­niente do interior, sobretudo das regiões de Sorocaba e de Campinas, que concentravam 21,2% dos ope­rários do Estado de São Paulo. "O novo não reside no fato de a indús­tria se fazer presente no interior, mas na importância industrial que o interior assume nos anos 80, que o coloca como o segundo espaço industrial do país, só sendo supera­do pela região metropolitana de · São Paulo", explica a professora.

"Novos pobres"- A pesquisa, além de romper o mito da descentraliza­ção industrial, ajudou a identificar a precarização do trabalho tanto na capital quanto no interior e a for­mação dos "novos pobres" advin­dos desse processo de reestrutura­ção urbana e industrial do Estado.

Como revela a pesquisa, se nove em cada dez empresários que dese­jam expandir negócios preferirem o interior, é preciso ressaltar que tal

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opção se vincularia mais a uma di­nâmica de novas unidades indus­triais no interior independentes do processo de migração de empresas da capital. Os motivos para a atra­ção dos empresários por outras cidades fora da região metropoli­tana são muitos. Dos políticos (es­tratégias de descongestionamento da região metropolitana) aos eco­nômicos (incentivos fiscais, isenção do terreno, mão-de-obra, em parte qualificada e mais barata). "Na ca­pital, há políticas restritivas, como as ambientais, mais severas que no interior. Um outro aspecto questio­nável, mas relativo, é a organização política dos trabalhadores, mais forte na região metropolitana."

A marcha do café para o oeste do Estado se repete na recente inte­riorização da indústria e na trans­formação das cidades. Pequenos municípios, mais precisamente, os médios, ganharam opções de con­sumo, lazer e vida noturna seme­lhantes às da metrópole. "Há uma

homogeneidade no território e a antiga distinção entre capital e in­terior deixou de existir", revela Sandra. Atualmente, 95% da popu­lação do Estado de São Paulo é ur­bana. Face a essa nova lógica terr·i­torial, era preciso uma sustentação teórica que desse conta da proble­mática das transformações re- cen­tes. Sandra percebeu que as clássi­cas teorias da localização industrial e dinâmica territorial precisavam ser revistas.

Califórnia Paulista - Pierre Veltz foi uma de suas bases teóricas: para esse geógrafo, é preciso pensar em termos de território-rede, isto é, aquele constituído por atividades desconcentradas e ligadas por meio de redes empresariais, uma concep­ção que se ajustava com perfeição ao caso paulista. "A indústria em São Paulo tem uma mobilidade es­pacial significativa e apresenta im­portantes casos de indústria com cisão territorial", diz Sandra. "O en-

Fila de desempregados: o pior problema do país é a deterioração intensa das condições de trabalho

dereço do topo do gerenciamento é a Avenida Paulista ou a Avenida Luiz Carlos Berrini. Esses escritó­rios estão vinculados a Paris, Lon­dres, Nova York, etc. Precisa-se de um centro financeiro e de serviços de alto nível e isso não se encontra em cidades do interior, onde são feitos os produtos e as mercado­rias", explica a pesquisadora.

A capital se constituiria numa "bacia do trabalho imaterial", onde se produzem idéias, interpretações, pareceres, intenso uso do conheci­mento em atividades com finalida­des práticas, as atividades do setor terciário. "É o trabalho imaterial que determina a interface entre produção e consumo. É em São Paulo, na capital, que essa interface se realiza", diz. "Fazendo uma ana­logia com o que ocorre com a in­dústria da construção civil: o can­teiro de obras está no interior, mas o arquiteto continua aqui."

Para entender a nova diversida­de do território paulista, a pesqui­sadora dividiu-o em cinco regiões: 1) metropolitana (a capital, defi­nida em termos administrativos e econômicos); 2) expansão metro­politana (compreendendo o entor­no metropolitano, onde se verifi­cam os maiores índices de cres­cimento industrial e onde se aden­sam os eixos rodoviários, com destaque para Campinas, São José dos Campos e Sorocaba); 3) me­tropolizadas (áreas de industriali­zação crescente, mas distantes da metrópole); 4) não-metropolizadas (áreas fragmentadas no que toca ao processo de industrialização e com menos investimentos de capital); e 5) litoral (maior concentração de serviços ligados ao turismo).

A região metropolizada, tam­bém denominada Califórnia Pau­lista, possui intenso investimento industrial e infra-estrutura próxi­ma à da metrópole. Ribeirão Preto

PESQUISA FAPESP · JANEIRO I FEVEREIRO DE 2001 • 73

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é um exemplo. "Trata-se de um espaço metropolizado, muito embora fique dis­tante da metrópole e não esteja conurbado à re­gião metropolitana", ex­plica Sandra Lencioni. Já Santos, na regio­nalização que foi elaborada, aparece como pertencente à região de expan­são metropolitana. "Não é porque há serra, um obstácu­lo natural, que vai significar separa­ção em relação à ci­

Sandra: economia brasileira copia demais o modelo americano

dade de São Paulo. Santos possui uma história diversa do litoral nor­te e sul, que sempre esteve indisso­ciável de São Paulo, compondo uma unidade. É o porto que a capi­tal não tem, diferente das outras ca­pitais, como Rio de Janeiro."

Nos anos 90, o que mais cresceu no Brasil foi o desemprego e as ocupações sem garantia dos direi­tos trabalhistas. A adoção do pro­grama neoliberal coincidiu com a brusca queda do emprego indus­trial, com a destruição de mais de 2 milhões de empregos assalariados com carteira assinada. Tudo isso leva ao que o economista Paul Sin­ger define como "precarização do trabalho", que Sandra Lencioni rei­tera. "O problema da deterioração das condições de trabalho é gritan­te. Mesmo no interior do Estado, há condições perversas quanto ao di­reito trabalhista", afirma. "Rigoro­samente não se trata de exclusão, mas uma inclusão às avessas, que produz um novo tipo de pobreza e de carências sociais".

Pobreza e ascensão social - A deses­truturação do mercado de trabalho, com altas taxas de desemprego aberto (queda na relação entre as­salariados e total de ocupados) e geração de postos de trabalho pre­cários, mudou a concepção de po­breza e ascensão social. "A trajetó-

74 • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • PESQUISA FAPESP

ria de ascensão das famílias de clas­se média, sobretudo daquelas oriun­das de imigrantes, era dada pelo trabalho duro e poupança. A isso se aliava a busca pela garantia de escolaridade dos filhos. Hoje, os projetas são muito mais de curtís­simo prazo."

Vive-se no interior também a síndrome da subcontratação ou terceirização. A indústria subcon­trata uma outra para dividir res­ponsabilidades ou repassá-las em grande parte. De uma situação de grande fazenda geradora e exporta­dora de produtos primários até .os anos 30, o Brasil assumiu a posição de oitavo produtor industrial mun­dial, no final da década de 1970. E São Paulo é a capital brasileira que sofre os maiores impactos dessa mudança.

O PROJETO

Emprego e Exclusão Social na Reestruturação Urbano-Industrial do Estado de São Paulo

MODALIDADE Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADORA SANDRA LENCIONI -

Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

INVESTIMENTO R$ 15.000,00

Países que mais avançam nas novas tecnologias não são os mesmos que reduzem o emprego industrial. Não foi o que ocorreu no Brasil. Em 1999, somente 11,5% do to­tal dos trabalhadores pertencem à manufa­tura, equivalendo à si­tuação verificada antes do Plano de Metas do ex-presidente Jusceli­no Kubitschek, quando nosso patamar de in­dustrialização era bem menor. Também em

1999, o Brasil regrediu para uma representação de 3% do total do emprego industrial mundial, sen­do 29% abaixo do que era há duas décadas.

Dependência - "Copiamos tantos modelos norte-americanos, mas nos esquecemos desses dados. Pare­ce que a política brasileira está se esvaindo nas possibilidades de en­contrar uma solução autônoma, te­mos uma dependência enorme de financiamento externo. Espero que não cheguemos nunca ao estágio em que chegou a Argentina", ressal­ta a pesquisadora.

"A questão que se coloca hoje é como imprimir aos espaços urba­nos características da metrópole, porque muitas atividades exclusi­vas da metrópole necessitam serre­produzidas fora dela para que a re­produção do capital em geral con­tinue sua expansão." Estamos dian­te de uma nova realidade: a questão não é mais urbanizar os espaços, mas metropolizá-los. O ponto é co­mo atuar nesse processo de metro­polização dos espaços e como ad­quirir soberania nos projetas de desenvolvimento. "Estamos per­dendo, cada vez mais, a autonomia do nosso destino. Será que estamos esvaziando nossas possibilidades? Como no interior paulista hoje, a praça está vazia", lamenta. •

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LIVROS ..

SHOZO MOTOYAMA

Os naturalistas nos tempos dei rey Livro reavalia nível da investigação científica na era colonial

' As vezes, o lugar-co-mum nem sempre é comum. Essa é a

reflexão que nasce ao se terminar a leitura do livro de Maria Elice Brzezinski Prestes, Investigação da Natureza no Brasil Colônia. Tornou-se lugar-comum falar da necessidade de re­avaliar idéias e estudos correntes sobre a história da ciência no Brasil, sobre-tudo, dos períodos colonial e monárquico. O ponto de vista anterior era que não teria existido qualquer atividade científica nesses períodos. Se­ria isso verdade? A questão só pode ser esclareci­da realizando investigações de cunho histórico. Contudo, não se pode dizer que os resultados al­cançados até agora sejam, em geral, de bom nível. Com honrosas exceções, a maioria desses traba­lhos, malgrado a boa vontade dos seus autores, peca pela leitura ligeira e equivocada de obras dos seus antecessores, além de uma compreensão su­perficial do que é a ciência.

Não é o caso de Maria Elice. O seu tema é a in­vestigação da natureza no Brasil Colônia - por­tanto, enquadra-se no lugar-comum. Mas, os seus resultados, não. Mostrando uma intimidade maior com o objeto da sua pesquisa- a ciência biológi­ca -, intimidade que não se nota na maioria de seus colegas, ela exercita com maestria o método histórico, situando-o no cenário do seu tempo. Dessa forma, ela inicia o seu trabalho no século 16, fazendo uma revisão dos escritos sobre viajan­tes e cronistas, na sua maioria estrangeiros, que falaram e descreveram a fauna e a flora brasileira daquele tempo. Trata-se de relatos de missionári­os e estudiosos como Anchieta, Pêro Gandavo, Ambrósio Brandão, Ivo d'Evreux, Jean de Lery, Hans Staden, André Thevet, Georg Marcgrave e Willem Piso, entre outros. Argumenta persuasiva­mente que essas obras, mesmo quando falam do fantástico e do mágico, estão dentro dos cânones

Investigação da Natureza no Brasil Colônia

Maria Elice Brzezinski Prestes

Annablume/FAPESP 154 páginas R$ 17,00

do saber biológico vigente no Renascimento, que não teria ultrapassado ainda as características escolásticas e medievais.

O panorama transfor­ma-se nos séculos 17 e 18, quando emergiu uma nova História Natural na Europa, centrada principalmente nas idéias de Lineu que se impuseram após acirradas polêmicas com as de seus

oponentes como Buffon, só para citar um dos mais célebres. É importante salientar que, sem esse entendimento da existência dessa mudança nos paradigmas biológicos do continente euro­peu, seria impossível compreender o significado das investigações sobre a natureza efetuadas no período no Brasil. Mas, essa compreensão é ainda falha, se não levar em conta a intermediação da metrópole lusitana nesse processo.

É por isso que Maria Elice dedica todo um ca­pítulo a esse ássunto, aclarando o papel da Refor­ma Pombalina e do naturalista italiano Domin­gos Vandelli na difusão da nova visão da natureza suscitada pelo paradigma lineano. Só então, ela entra na análise dos trabalhos de naturalistas brasileiros como Alexandre Rodrigues Ferreira e Manuel Arruda da Câmara, detendo-se especial­mente na apreciação deste último. Aí aparece, com meridiana clareza, a figura de Arruda da Câ­mara como pesquisador do seu tempo, preocu­pado com os temas da moda da época, como a di­fusão dos jardins botânicos, a investigação da história geográfica das plantas e preocupado com a conservação ambiental. Porém, todo esse esfor­ço resulta praticamente em quase nada na terra do Brasil, com a sua triste sina de ser uma colô­nia atada aos desígnios despóticos da metrópole.

SHOZO MOTOYAMA é historiador, professor de História da Ciência da USP.

PESQUISA FAPESP • JANEIRO / FEVEREIRODE2001 • 75

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LIVROS

SHEILA GRECCO

Um caso ítalo-brasileiro para Sherlock Meneghetti, o "bom ladrão; na São Paulo dos anos 20

Gino Amleto Me­neghetti (1878-1976) especializou­

se numa profissão liberal de alto risco e não regula­mentada: o roubo. Diz-se que ladrão que rouba la­drão tem cem anos de per­dão. "Jamais roubei dos operários", argumentava. As fugas espetaculares e seu estilo Robin Hood ur­bano tornaram-no herói da memória coletiva.

C~lia de Bernardi

O LENDÁRIO MENEGHETTI

Célia de Bernardi em O Lendário Meneghetti. Imprensa, Memória e Poder investiga essa figura marginal e sedutora, assunto de noticiário duran­te quase um século, virou tema de documentário e biografias, mas só agora é objeto da historiogra­fia. Ao desprezar a crônica positivista dos grandes feitos, a autora se aproxima de Michel Certeau e das "zonas silenciosas" da história e os crimino­sos obscuros, vagabundos, a prática carcerária, o arbítrio, os mecanismos jurídicos de punição.

A historiadora compõe vários meneghettis. Teria sido ele um criminoso incorrigível ou um li­bertário? Na memória popular, ele permaneceu como o gato dos telhados, o homem-borracha, que colocava toda a polícia em seu encalço. Para os vizinhos do cortiço no Bexiga, uma figura tran­qüila, que lutava pela sobrevivência dos dois filhos de nomes revolucionários, Spartáco e Lenine. Para os delegados, um assassino e um louco, que deveria ser exterminado. Para os jornais, um mo­tivo para reforçar o autoritarismo do Estado.

Meneghetti nasceu numa aldeia de pescadores nos arredores de Pisa, por volta de 1878. Furtava frutas dos pomares, galinhas e pequenos objetos. "Essa fase inicial de sua vida marca um momento importante: a revolta contra a pobreza, o espírito aventureiro, o desejo de sair da mediocridade, a sagacidade, agilidade, coragem, elegância, atribu­tos que Meneghetti utilizou para promover-se': alerta a historiadora.

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O Lendário Meneghetti. Imprensa, Memória e Poder

Célia de Bernardi

Annablume/FAPESP 272 páginas R$ 24,00

Sendo preso esporadica­mente, Meneghetti era tão conhecido em Pisa quanto a torre inclinada. Em 1913, decide emigrar para o Brasil com destino a São Paulo, onde tinha parentes. Tenta exercer inicialmente a ativi-dade de servente de pedrei­ro. Nesse período em que a população "cresceu e em­branqueceu", a cidade da "belle époque" não absorve

o contigente de desempregados e a integração dos imigrantes é menos pacífica do que se imagina. Tanto a população indigente como a classe traba­lhadora passam fome e torna-se difícil distinguir os trabalhadores fixos dos errantes.

Meneghetti tinha consciência do cosmopoli­tismo paulistano de fachada, teorizando: "Orou­bo é um processo de vida tão justo como qualquer outro. Já trabalhei honestamente. Que ganhava eu? Uma miséria. Só me interessa tirar dos ricos, e tirar jóias, que são bens supérfluos" (pág. 140-141). Meneghetti se notabilizou ainda por fugir pelos telhados, escapar nu da solitária e usar dis­farces (bigode, passa-se por louco, etc.). A geogra­fia da cidade favoreceu seus malabarismos. Em 5 de junho de 1926, foi cercado por 200 homens e preso definitivamente.

Nenhuma teoria científica provou que Mene­ghetti era louco. Ao contrário de João Acácio, o Bandido da Luz Vermelha, conhecido pelo uso da violência nos assaltos na década de 60, ou do juiz Nicolau, Meneghetti entra para a história como o bandido romântico dos anos 20. Durante 18 anos, ficou incomunicável numa cela no Carandiru. Tratado como fera, bradava : "lo sono un uomo". Célia de Bernardi não escapa do risco de se apai­xonar pelo personagem, e o leitor tampouco.

SHEILA GRECCO é jornalista, historiadora, doutoranda

em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP.

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LANÇAMENTOS

A Mente Seletiva Campus Geoffrey F. Miller 544 páginas I R$ 59,00

Por vezes, é o poeta que ensina o biólogo. Vinicius de Moraes dizia que a beleza era mesmo fundamental e agora os cientistas são obrigados a concordar com ele. Ao menos este estudo de Geoffrey Miller, que analisa a decoberta de Darwin sobre

a reprodução no reino animal. Segundo o professor, tão importante quanto as idéias do inglês sobre a seleção natural seriam suas observações sobre como a aparência é fundamental para a reprodução e a preservação das espécies, a chamada teoria da seleção sexual. Miller postula como a beleza é mesmo fundamental.

Democracia, Violência e Injustiça Paz e Terra Paulo Sérgio Pinheiro (org.) 389 páginas I R$ 37,00

Uma discussão sobre o "não-Estado de Direito na América Latina" desenvolvida por um grupo de professores interessados em dissecar a cidadania nas democracias dos países do Terceiro Mundo bem

como o funcionamento precário do sistema judiciário nesses lugares. Dos povos indígenas aos problemas dos presídios, o estudo traça um painel assustador do ser cidadão na América Latina e de como o Estado de Direito, difícil de ser alcançado, é uma necessidade.

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Conversas com Filósofos Brasileiros ,)l ..... ltralr .,.._ ,.,..,..Jr. »r.rioJ..,* I.O.. \ n C.W.A• •&ooloo oA. ,\ '-W. ~lk.nolo.lao R ... Eu..Jõ.til._ Bmni;...Jii..... Tmiool!i • • 1 .. ;..r.,.,a Jr. J,_,Atth• r(:lo.,,.,u; M•rih•C:"-i O...U. I'""""' l'•wi.A,..1,.. • .,. •. _ C.rt..oi\""-C.... ....... .......... "-~..r Rooll ..... s.n.- .-.n..

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Conversas com Filósofos Brasileiros Editora 34 Marcos Nobre e José Mareio Rego 431 páginas I R$ 34,00

Este livro reúne a nata dos pensadores do Brasil, que contam a história da filosofia no país e dão suas opiniões sobre política, arte, religião e sobre os rumos possíveis que a nação pode tomar

no futuro. Entre o corpo notável de entrevistados, os nomes de Miguel Reale, Gerd Bornheim, Benedito Nunes, José Arthur Gianotti, Ruy Fausto, Bento Prado Jr., Raul Landim Filho, Marilena Chaui, Paulo Arantes, Carlos Nelson Coutinho, Balthazar Barbosa Filho, Leandro Konder e Oswaldo Porchat. O volume é um painel de como se fez e se faz a filosofia nacional.

REVISTAS

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Revista Brasileira de Ciências Sociais 2000- número44

Em seu último número, a publicação quadrimestral da ANPOCS toca em vários temas da atualidade brasileira e também analisa assuntos modernos internacionais. Entre os vários artigos presentes nesta edição:

''A Gênese da Favela Carioca", de Licia Valladares; "Xamanismo e o Contato Étnico na Amazônia", de Aparecida Vilaça; "A Guerra do Kosovo e a Desintegração da Iugoslávia", de João Pontes Nogueira; "Teoria Política Feminista e Liberalismo", de Luis Miguel.

Revista Brasileira de História Volume 20- número 39

A revista, que sempre traz excelentes artigos de ciências humanas, em seu último volume está dedicada ao tema batizado de "Brasil, Brasis". O dossiê reúne um número de artigos destinado a entender etapas importantes da

formação nacional em seus períodos mais significativos. Entre os muitos estudos: "Retrato de uma Ausência: a Mídia nos Relatos da História Política do Brasil"; "Portugal no.Brasil: a Escrita dos Irmãos Desavindos"; "Os Índios e o Estado Novo na era Vargas"; "Idéias Escravagistas da Ilustração na Sociedade Escravista Brasileira"; "O Descobrimento do Brasil"; entre outros.

Revista USP Número 47

Assim como a revista citada acima, o volume mais recente da Revista USP traz o dossiê de capa "Projeto Brasil 500: Alternativas para o Século XXI", uma boa forma de discutir os 500 anos do país sem recorrer, mais uma vez, ao passado, optando, em vez

disso, pela discussão do seu futuro. Entre os vários artigos presentes nesta edição, estão os estudos de Fernando de Castro Reinach, Marcello Rollemberg, Oliveiras S. Ferreira, Ana Mae Barbosa e Francisco de Oliveira. Ainda no tomo: "Modernidade, Valor e Arte", de Moacir dos Anjos, e artigo sobre Bach, de Toledo Piza.

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Perfil dos • • 1 nvest1 mentos

da FAPESP

Separata da Revista Pesquisa FAPESP no 65 de junho de 2001

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Dados sobre investimento da FAPESP revelam articulação entre geração do conhecimento e sua aplicação

ÃESP investiu, no ano 2000, R$ 550,7 milhões

o fomento à atividade científica e tecnológica no Estado de São Paulo, por meio de bolsas, auxílios e programas especiais. Às bolsas e aos

auxílios, que compõem a linha regular de fomento à pes­quisa- aquela que atende à demanda espontânea do pes­quisador -, foram destinados R$ 363,5 milhões, ou 66% dos recursos. Aos programas especiais - que recebem projetas com características especiais e requerem um

tratamento específico - foram destinados R$ 187,2 mi­lhões, ou 34%. Isoladamente, bolsas e auxílios recebe­ram, respectivamente, R$ 178,5 milhões e R$ 185,1 mi­lhões ou 32,4% e 33,6% do total investido (ver Quadro resumido da evolução dos investimentos da FAPESP) .

Por trás dos números há constatações obrigatórias e algumas revelações. A primeira constatação é que os proje­tas de livre demanda continuam a receber o maior volume de investimentos da FAPESP. E a revelação mais importan­te é que investir em pesquisa de qualidade, qualquer que seja sua classificação- básica, inclusive, ou em áreas funda­mentais do conhecimento-, resulta sempre em alto grau de aplicação de seus resultados, mais cedo ou mais tarde, como aliás a Fundação antevia. Se poderia repetir com Louis Pasteur: "não há ciência aplicada; há somente apli­cações da ciência': Assim é que, dos investimentos feitos

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pela FAPESP ao longo do ano 2000 e até abril de 2001, na­da menos que 72,9% dos recursos destinaram-se a projetas cujos resultados têm imediata ou potencial relevância tec­nológica ou imediata/potencial relevância para a implemen­tação de políticas públicas. À pesquisa básica com objetivo fundamental de avanço do conhecimento, sem aplicação predeterminada de resultados, coube 27,1% dos recursos. Isso tornou-se visível a partir da nova metodologia de clas­sificação dos projetas de pesquisa aprovados, que examina o perfil dos investimentos nos auxílios à pesquisa regulares, projetas temáticos e auxílios à pesquisa ligados aos pro­gramas Apoio a Jovens Pesquisadores e Biota-FAPESP.

Os percentuais relativos aos valores investidos têm cor­respondência, como seria de esperar, com os percentuais de número de projetas aprovados. Assim, projetas básicos centrados principalmente no avanço do conhecimento representaram 22,7% do número total aprova-do no ano 2000 e até abril de 200 l. Os pro­jetas com aplicabilidade - tecnológica ou de políticas públicas -, muitos dos quais são simultaneamente básicos, representaram 77,3%. É interessan­te observar que esse perfil de inves-

timento já se registra há algum tempo, conforme o levan­tamento feito pela Fundação. Em 1999, 74,5% dos proje-tas concedidos nas modalidades consideradas tinham componente de imediata ou potencial aplicação tecnoló- ~"

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gica ou de políticas públicas e para eles foram destinados ~ ~ 75% dos recursos. No ano anterior, os percentuais foram, ~ ~ respectivamente, de 79,2% e de 75,7%. H

Há mais uma revelação significativa dos números que ~ ~ demonstra como a FAPESP vem se mantendo num cami- 9 ~ nho certo. Seguindo a proposta introduzida por Donald ~w~"i~­Stokes no seu livro Pasteur's Quadrant, Basic Science and .. ::

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Technological Innovation, que cria três categorias para g ~ ~~ classificação de uma pesquisa- o Quadrante de Bohr, o ~~

Quadrante de Edison e o Quadrante de Pasteur-, meta- ~ ~ ~e; de dos investimentos destinados pela Fundação no ano ..: s ,~

2000 e até abril de 2001 para as linhas de fomento auxí- ~ ~ li o à pesquisa regular, projeto temático e auxílio § ~

à pesquisa no âmbito dos programas ~ ~ ~=:

Apoio a Jovens Pesquisadores e Biota ~> ~ <'i o

classifica-se na última categoria. Isto ~ ~ <~

é, aquela na qual os resultados da ~ ~

pesquisa contribuem para o avan- H ço do conhecimento, e, simul- ~ 5

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Perfil do investimento da FAPESP Classificação dos Processos Concedidos- Números absolutos

Pesquisa Básica

Ano B/ AC (BÁSICNAVANÇO DO CONHECIMENTO) BfT (BÁSICNAPLICAÇÃO TECNOLÓGICA) B/PP (BÁSICNPOLITICAS PÚBLICAS) BfT /PP (BÁSICNAP. TECJPOL. PÚB)

Número lnvestimento-R$(1) Número lnvestimento-R$(1) Número lnvestimento-R$(1) Número lnvestimento-R$(1)

2000 335 49.302.525,01 449 70.626.223,08 144 15.782.437,39 15 4.566.227,20

1999 365 51.021.463,61 374 80.749.599,98 118 14.065.125,74 9 4.122.422,14

1998 231 26.636.579,60 182 20.275.526,01 153 17.885.338,70 15 3.466.337,61

Classificação dos Processos Concedidos- Porcentagem Pesquisa Básica

Ano B/ AC (BÁSICNAVANÇO DO CONHECIMENTO) BfT (BÁSICNAPLICAÇÃO TECNOLÓGICA) B/PP (BÁSICNPOLITICAS PÚBLICAS) BfT /PP (BÁSICNAP. TECJPOL. PÚB)

% lnvestimento-R$(1) % lnvestimento-R$(1) % Investi mento-R$ ( 1) % lnvestimento-R$(1)

2000 22,71 24,11 30,44 38,83 9,76 8,68 1,02 2,51

1999 25,47 24,96 26,10 39,50 8,23 6,88 0,63 2,02

1998 20,81 24,25 16,40 18,46 13,78 16,28 1,35 3.16

Obs: Os dados referem-se a auxílios a pesquisa regulares, projetos temáticos, auxílios associados aos programas Apoio a Jovens Pesquisadores e Biota-FAPESP

taneamente, têm grandes perspectivas de aplicação prá­tica (ver quadro Os Quadrantes da FAPESP).

Nova classificação - Todos esses são dados importantes que, entretanto, ficavam escondidos pela maneira como tradicionalmente a FAPESP classificava os projetos que lhe são submetidos, isto é, apenas por área de conheci­mento. Esse modo de classificação não fornece as infor­mações necessárias para uma medida mais precisa do grau em que a agência vem cumprindo sua missão de fo-

Os quadrantes da FAPESP Em 1997, logo após a morte de seu autor, Donald Stokes, foi publi­

cado o livro Pasteur's Quadrant, Basic Science and Technological lnnovation. Nesse livro, o autor propõe uma nova taxonomia das ativi­

dades de pesquisa e de desenvolvimento, cujo mérito principal é o de superar a falsa dicotomia entre pesquisa básica e pesquisa aplicada. Essa

dicotomia havia sido introduzida na literatura pelo famoso documento

Science, The Endless Frontier, preparado por Van nevar Bush, em 1945, no qual o próprio termo pesquisa básica foi objeto de definição: pesquisa

cuja característica é a de contribuir para "o conhecimento e compreen­

são da natureza e suas leis': Tanto a definição como a decorrente dicoto­

mia conhecimento x aplicação se constituíram, durante décadas, com diversas variantes, em referencial para a teoria geral da taxonomia da

pesquisa e desenvolvimento. A proposta de Stokes é simples. Trata-se de atribuir às pesquisas duas

coordenadas. Uma dimensiona o avanço do conhecimento que a

pesquisa propicia. A segunda dimensiona a aplicação que dela decorre. Vê-se, assim, que uma pesquisa pode, ao mesmo tempo, contribuir signi­

ficativamente para o avanço do conhecimento e ter grandes perspectivas de aplicações práticas. O exemplo mais notório desse tipo de pesquisa é

a desenvolvida por Pasteur, que gerou muitos avanços na microbiologia com importantes aplicações práticas. Esse exemplo é o que justifica o

título do livro.

16 · JUNHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

mentar o desenvolvimento científico e tecnológico do Es­tado, nem permite visualizar a contribuição ao desenvol­vimento de projetos de pesquisa relevantes para a imple­mentação de políticas públicas.

Para identificar esse perfil de investimento, os projetos aprovados de 1996 a abril de 2001, naquelas modalidades consideradas de fomento, foram classificados pelas coor­denações de áreas da diretoria científica da Fundação em quatro categorias (a primeira, com quatro subcatego­rias), conforme a tabela Perfil dos Investimentos:

A atribuição dessas duas coordenadas permite agrupar a pesquisa

em três categorias razoavelmente bem definidas, conforme mostra o

primeiro gráfico: Quadrante de Bohr: pesquisa básica sem nenhuma iden­

tificação de aplicação imediata; Quadrante de Edison: pesquisa aplicada visando ao desenvolvimento tecnológico; ou Quadrante de Pasteur:

pesquisa básica com perspectivas definidas de aplicação.

A taxonomia proposta por Stokes pode ser aplicada à interpretação

da nova classificação dos investimentos da FAPESP.A categoria B pode ser associada ao quadrante da pesquisa básica. As categorias T, PP e T /PP, ao

quadrante de Edison. E as categorias B!T, B/PP, BfT/PP, ao quadrante de

Pasteur. Com essa associação, obtemos os quadrantes que representam o

perfil de investimento da FAPESP no ano 2000.

c Pesquisa c

o o N

Pesquisa Básica ligada N $27,11% $ SO,Q2%

H Básica a Aplicação H

#41,22% # 41,22%

E (Bohr) (Pasteur) E

(Bohr) (Pasteur)

c c I I

M Pesquisa M $22,87 % E Aplicada E # 36,07 % N (Edison) N (Edison) T T o o

A p L I c A ç Ã o A p L I c A ç Ã o S = investimentos lt = nUmero de projetos

Page 84: Servidão e abandono

T (TECNOLÓGICA) PP (POLITICAS PÚBLICAS) T /PP (TECNOLÓGICA/POLITICAS PÚBLICAS) TOTAL

Número lnvestimento-R$(1 l Número lnvestimento-R$(1 l Número lnvestimento-R$(1 l Número Investimento-R$ ( 1 l

345 30.195.525,12 163 9.946.045,51 24 1.458.333,49 1475 181 .877.316,80

361 37.605.172,52 188 15.801.879,05 18 1.040.105,08 1433 204.405.768,12

357 29.096.593,18 159 10.719.818,38 13 1.757.493,83 1110 109.837.687,31

T (TECNOLÓGICA) PP (POLITICAS PÚBLICAS) T /PP (TECNOLÓGICA/POLITICAS PÚBLICAS) TOTAL

% Investimento-R$( 1) % lnvestimento-R$(1 l % lnvestimento-R$(1) % Investimento-R$ ( 1)

23,39 16,60 11,05 5,47 1,63 0,80 100,00 100,00

25,19 18,40 13,12 7,73 1,26 0,51 100,00 100,00

32,16 26,49 14,32 9,76 1,17 1,60 100,00 100,00

(ll Inclui concessões iniciais, suplementações, suplementações por reajuste, anulações e transferências desde a data de concessão até 30/04/2001

• pesquisa básica (B) - pesquisa básica cujo objetivo principal é fazer avançar o conhecimento fundamental (B/ AC) sobre o tema em estudo; - pesquisa básica/tecnológica (B/T), cujo objetivo principal é fazer avançar o conhecimento fundamental e cujos resultados têm potencial definido de aplicação tecnológica; -pesquisa básica/políticas públicas (B/PP), cujo obje­tivo principal é fazer avançar o conhecimento funda-

A diversidade visível Uma olhada ainda que rápida pelos exemplos numerosos de proje­

tos de pesquisa básica financiados pela FAPESP mostra facilmente de que se está falando quando se chega a uma classificação mais refinada para eles, capaz de revelar se seu potencial de aplicacão está próximo ou longínquo- sim, na verdade é isso, porque mais cedo ou mais tarde toda pesquisa de qualidade terá alguma aplicação relevante. Assim, um típi­co exemplo de pesquisa básica comprometido com o avanço do con­hecimento {B/AC) e cujo potencial de aplicação parece muito distante é o projeto temático Física Nuclear Teórica (ver Pesquisa FAPESP 64), desen­volvido por pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo em colaboração com especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e que estuda os movimentos das partículas do núcleo do átomo, chegando a formular uma teoria para explicar a dinâmica desses fenômenos.

Já o desenvolvimento de uma vacina gênica contra tuberculose (No­tícias FAPESP 43), por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, é um bom exemplo de pesquisa básica cujos resulta­dos têm alto potencial de aplicação tecnológica (BIT). Mais adiante se poderá concluir sobre sua aplicacão também em saúde pública, portan­to, em políticas públicas, o que mudaria sua classificação para BIT/PP. Para chegar à vacina, c,s pesquisadores tiveram que encontrar uma maneira de estimular os linfócitos T CD8, capazes de destruir as células

mental e com potencial definido de contribuição para a formulação de políticas públicas; - básica/tecnológica/políticas públicas (B/T/PP), cujo objetivo principal é fazer avançar o conhecimento fun­damental e com potencial definido de aplicação tanto no setor público quanto no setor privado.

• pesquisa tecnológica (T), a pesquisa aplicada que tem como principal objetivo a obtenção de resultados de natureza tecnológica;

• pesquisa em políticas públicas (PP), pesquisa aplicada

infectadas pelo bacilo Mycobacterium tuberculosis, sabendo que esses linfócitos são estimulados somente quando os antígenos são produzi­dos dentro de células, como acontece nas infecções virais. Para chegar a isso, um trecho do DNA do agente causador da doença foi inserido em um retrovírus fabricado em laboratório pelas técnicas de engenharia genética. As células infectadas com o retrovírus recombinante sinteti­zaram os antígenos, estimularam os linfócitos e induziram proteção con­tra a infecção por M. tuberculosis. Nos experimentos em animais, a vaci­na, além de prevenir a infecção, demonstrou ter atividade terapêutica em indivíduos infectados, atuando di reta mente contra a infecção.

Já um projeto temático sobre métodos de avaliação do impacto de estratégias de imunização contra doenças de transmissão direta (Notícias FAPESP 8) é um bom exemplo de pesquisa básica com aplicação

em políticas públicas. A pesquisa desenvolveu equações e um modelo matemático dinâmico aplicado à epidemiologia e concluiu que, no caso específico de São Paulo, seria possível obter uma imunidade ótima con­tra sarampo, cachumba e rubéola, na época, vacinando a população na faixa etária entre um e 1 O anos, e não a população até 15 anos. Isso foi feito e a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo conseguiu, a par dos bons resultados imunológicos, economizar cerca deUS$ 15 milhões na campanha de vacinação contra essas viroses, em 1992.

Projetos tecnológicos e de Políticas Públicas dispensam explicações mais detalhadas. Todos os enquadrados nos programas de Inovação Tecnológica da FAPESP (PIPE e PITE) encaixam-se nos primeiros, e aq ue­les do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, entre os segundos.

PESQUISA FAPESP · JUNHODE2001 • 17

Page 85: Servidão e abandono

A demanda por bolsas na FAPESP e o número de con­cessões vêm crescendo há alguns anos a taxas elevadas. Em 1996, a FAPESP concedeu 47,9% de bolsas a mais em re­lação ao ano anterior; em 1997, o crescimento nas conces­sões foi de 21,7%; em 1998, de 20,7%, e, em 1999, de 6%, conforme dados publicados nos relatórios de atividades da FAPESP dos anos de 1999 e de 2dOO.

Um destaque nas concessões de bolsas em 2000 foi a par­ticipação da área de Engenharia (ver gráfico Investimentos em bolsas no país e no exterior). Pela primeira vez, ela re­cebeu o maior volume de recursos destinados a bolsas: R$ 31,8 milhões ou 17,8% do total investido nessa linha re­gular de fomento. O aumento nas concessões de bolsas dessa área evidencia um crescente interesse na qualificação pro­fissional e na pesquisa tecnológica, provavelmente motiva­do pela maior compreensão da importância da inovação como base do desenvolvimento econômico e industrial. Em relação ao ano anterior, a expansão nos investimen­tos destinados a bolsas na área de Engenharia foi de 7,8%.

rogramas especiais, a FAPESP destinou, no o 2000, R$ 187,2 milhões (ver Quadro de rogramas especiais). A visibilidade do assun­to genoma na mídia pode levar a crer que a

maior parte dos investimentos da FAPESP vai para o Programa Genoma. O quadro mostra que isso não é verdade. Esse programa recebeu, no ano 2000, R$ 36,2 milhões, quantia significativa, é verdade, porque não é possível instituir uma nova competência sem inves­timentos expressivos. De qualquer sorte, esse valor cor­responde a 6,5% do total investido pela FAPESP em todas as suas linhas de fomento, isto é, R$ 550,7 milhões.

No ano passado, a FAPESP deu início ao programa Cen­tros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), que deve ter grande impacto sobre as dimensões, a dinâmica e a organi­zação da pesquisa científica e tecnológica paulista. Foram aprovados 10 projetas de centros, nas mais diversas áreas do conhecimento: de materiais cerâmicos à utilização farma­cêutica de toxinas animais, de óptica e fotônica aos estudos metropolitanos, da terapia celular ao estudo da violência.

Cada um dos dez centros deverá desenvolver um pro­grama multidisciplinar de pesquisa básica ou aplicada na fronteira do conhecimento. Além disso, suas pesquisas devem fazer inovação associada à transferência de co­nhecimentos, para os diversos níveis de governo, subsi­diando o desenho e a implementação de políticas públicas, ou para a iniciativa privada, com o desenvolvimento de novas tecnologias de valor comercial e criação de empre­sas. Os centros terão, ainda, a responsabilidade de intera­gir com o sistema educacional, por meio de atividades envolvendo estudantes do ensino médio ao pós-douto­ramento e de educação continuada de professores.

Por fim, merece registro uma outra importante inicia­tiva da Fundação no ano 2000, que foi a implantação do Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi/Nu­plitec), com a missão de assessorar os pesquisadores pau­listas no processo de registro e licenciamento de patentes resultantes de pesquisas apoiadas pela FAPESP. Com essa iniciativa, ela demonstrou sua preocupação e determina­ção de atuar numa área vital para o desenvolvimento cien­tífico e tecnológico nacional e para o aproveitamento econômico do investimento do país em pesquisa. Os re­sultados já alcançados (ver reportagem à página 20) mos­tram que a FAPESP está na rota certa. •

Quadro de programas especiais Investimentos em bolsas e auxílios- 2000- R$

Programas

A!Joio a Jovens Pes~uisadores

Apoio à Propriedade Intelectual (Papi/Nuplitec)

Biota-FAPESP

Capacitação de Recursos Humanos de Apoio à Pesquisa

Centros de Pesquisa, Inova ão e Difusão

Ensino Público

E ui!Jamentos Multi usuários

Genoma-FAPESP

Infra-estrutura

Jornalismo Científico

Políticas Públicas

Pró-Ciências

Pro rama lm!Jortação

Rede ANSP

TOTAL

resas

Auxílios Bolsas no país

14.039.515 4.392.021

87.126 o 5.377.986 o

o 3.010.375

40.164.853 o 1.264.099 o

19.706.321

o o

17.199.841 o 179.068.765 8.116.161

Bolsas no TOTAL exterior

o 18.431.536

o 87.126

o 5.377.986

3.025.039

40.164.853

o 1.264.099

19.706.321

36.164.067

27.540.164

2.503.233

4.952.918

47.460

3.716.975

1.480.653

5.537.321

17.199.841

187.199.590

PESQUISA FAPESP • JUNHO DE 2001 • 19

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