duzinda portugues

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Duzinda é um romance de ficção. Acontece nas décadas de 30 e 40 num bairro classe média da cidade de São Paulo. O esqueleto do drama se passou realmente, mas o "recheio" é imaginário. Para criar, a autora baseou-se em casos que escutou durante sua vida.Poderia se passar em qualquer estado do Brasil, quiça do mundo. Aliás estão acontecendo hoje fatos semelhantes, tanto em bairros de luxo como na periferia pobre.Trata-se de uma historia que aborda os "pequenos" maustratos e abusos que sofre a mulher, ao ler este livro, perceba, de maneira sutil, como a sua vida também pode estar sendo atingida. Muitas talvez não consigam fazer nada, porém, como dizem os psicólogos, ter consciência do problema, já é um passo muito importante.Há outra personagem, a Iolanda, que é uma mulher forte e lutadora. Na comparação das duas é que a autora tenta passar a mensagem positiva.Foi escolhida a saga dessa jovem, a Duzinda, pois apesar da mesma ter vivido há tanto tempo atrás, as pessoas que conviveram com ela, ainda se lembram muito de tudo. Dela e da Iolanda, a outra personagem. Também porque, a todos as mulheres que ela passa esta história - sobre os aludidos abusos e maus-tratos - se comovem muito. Mesmo aquelas que aparententemente nada têm a ver, desde a mais intelectualizada até aquela de poucas letras. Dizem se lembrar de uma parente, de uma vizinha...

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A você leitor, pela honra que me dará em ler este livro.

Ao meu pai Rafael Chaparro Sanches, por tudo que me deu na vida, inclusive o gosto pela literatura.

DUZINDA

PRIMEIRA PARTE CAPÍTULO 1

I Estamos na cidade de São Paulo, no bairro do Tatuapé, no ano de 1933. A maioria da comunidade era constituída por imigrantes estrangeiros ou descendentes.

Era uma manhã fria, mas Duzinda a achava morna. O vento batia calmamente na velha casa construída no início do século.

Na frente o armazém, no qual seu pai fazia um comércio. Não era grande, entretanto era o maior e mais sortido do “pedaço”. Ele tinha uma situação financeira melhorzinha que a maioria das pessoas daquela comunidade.

Depois o corredor aberto, que se não fosse pela feiúra, poderia ser chamado de varanda. Para ali, dava o quarto dos pais, e depois o das filhas.

A seguir uma sala sempre fechada e escura. Quase não se lembrava dela. Só era aberta raramente. Para ser limpa ou quando alguém rico ou importante os visitava. Fato este nada comum.

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Além havia a cozinha. Esta ela conhecia bem, era onde se vivia. Por último, o banheiro. Ela estava ali. Depois acabava a varanda e a casa, e vinha o quintal.

Já tinha arrumado a casa, iniciado o almoço e dado comida às galinhas. Sua mãe, que se levantara com o pai, já havia trabalhado bem mais. Porém ela estava feliz. Penteava o cabelo e se olhava no espelho. Um

espelho pequeno e velho, do qual ela se lembrava desde pequena. Ninguém podia quebrá-lo, pois se não “eram sete anos de azar” como dizia sua mãe.

Duzinda tinha os cabelos pretos e exageradamente lisos, a tez clara e dois grandes olhos castanhos. O nariz e a boca eram comuns, entretanto tinha os dentes até bonitos. Não um bonito de se notar.

Seu sorriso, nesta manhã, estava radiante. Ela estava amando. Por isso iluminaria não só o pequeno banheiro, mas a casa, a rua, o quarteirão, o bairro, a cidade... – Duzinda, vou lá para a frente da venda. O café de teu pai está na mesa. Venha servi-lo! Ao aparecer na porta, olhou com pose para a mãe. – Mãe, eu sou bonita? – Bonita? Que pergunta boba! – É, mãe, eu sou bonita? Não fala que tem mais o que fazer, responde. Dona Maria, a portuguesa, queria se livrar daquela “conversaiada”, pois estava com pressa, e o Manuel devia já estar impaciente. – É, não és cega nem aleijada, mas anda depressa, que teu pai já está a vir. Ela não gostou muito, entretanto estava tão enlevada que isso não iria atrapalhar sua grande felicidade. Continuou a se pentear com cuidados a mais. Ninguém dava atenção a ela.

II Ela se apaixonara por Ernesto. Ele tinha cabelos pretos, lisos, meio ajeitados, olhos entre o castanho e o verde, um bigodinho, de acordo com a época, e era muito conversador. – Ai, que cabelos, que bigode, que olhos... Lindo! Lindo!

Assim pensava nossa donzela, multiplicando em muito seus atrativos. Era alto mas não atlético, e seu tipo passaria despercebido pela grande

maioria de moças do bairro. Porém na cabeça dela, ele era um galã digno de trabalhar nos filmes que eram exibidos no cinema São Luís. Imaginava também que todas as moças dali deveriam estar apaixonadas por ele.

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Aliás, ele se achava assim, ou melhor. Exercia o ofício simples de ferreiro, e neste, não tinha grande talento. Seus pais o endeusavam por ser o único filho varão, que além dele, tiveram quatro filhas. Sua vaidade era tanta, que ao terminar cada dia de serviço, ele fazia questão de lavar totalmente as mãos, tirando os óleos e lambuzadas inerentes à profissão. Fazia até sua “manicure”, para poder se passar por doutor. As roupas, dentro de seus parcos recursos, tentavam imaginariamente acompanhar o status. As universidades nessa época eram reservadas quase que somente para as famílias da classe rica.

III – Seus modos, seus trajes, suas unhas, sua fala, parece gente fina... Era assim que pensava aquela jovem que nunca namorara e nem se apaixonara. Também não tinha noção nenhuma da língua pátria, nem de etiqueta para nenhuma avaliação. Ela quase nunca saía de casa. Raramente ia a algum lugar, sempre com a mãe e a irmãzinha pequena. Uma feira ou alguma loja. Acompanhada também do pai, iam à casa de conterrâneos portugueses. Em nenhuma dessas saídas, ela ia de gosto.

De vez em quando, ia ao Cinema São Luís, que ficava na Avenida Celso Garcia, com uma prima solteirona ranzinza. Apesar desta não a deixar conversar com ninguém, ela adorava este passeio. Outro lazer que tinha, era, quando ficava sem fazer nada, sonhar. Ela, havia tempo, observava Ernesto, e aos poucos todo sentimento começou a explodir em seu ingênuo coração. – Você é a portuguesinha mais linda que eu já vi. – Não sou portuguesa, sou brasileira. – Filha de portugueses, portuguesa é. Os dois riram. Ela o servia bem mais, às vezes até triplicava. Sempre com os olhos no pai, que se percebesse, era um deus-nos-acuda. Ontem Ernesto tinha passado na venda. No início parecia nervoso. – Estou precisando de dinheiro. – Para que? – Doença de família. O rapaz desviava o olhar, pois na verdade eram dívidas de roupas, sapatos e até jogo. O devedor, um turco, ameaçava tirar a casa de seu pai, o avalista. Bebia pinga mais do que o costume. – Coitado do Ernesto, está bebendo demais, mas, também, está preocupado com doença na família... Falava sempre consigo mesma, pois era muito só.

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A venda estava cheia de gente. Seu Manuel, apesar de trabalhar muito, parecia satisfeito, porque era mais dinheiro a entrar. Duzinda conseguia trabalhar muito na venda, pois assim seu Manoel não reclamaria, e poderia se dividir com os galanteios do moço. O pai normalmente não lhe prestava atenção. Ele tentou lhe pegar as mãos e o rosto, e a nossa heroína, só de pensar nisso, ficava ingenuamente vermelha na face, de vergonha.

O português estava muito ocupado neste dia. Foi um lufa-lufa. Por fim, Ernesto chegou a ela, nervoso. Suas mãos geladas, teve até a impressão de que suava. – Que foi, Ernesto? Que está lhe acontecendo? Ele ficou ainda mais constrangido. – Duzinda, vou confessar uma coisa, uma loucura minha.

– O quê? O pai, com sua voz estridente: – Ernesto, venha cá!

O rapaz foi fugindo pelo lado dela. – Duzinda, eu te amo! Mas o velho português decretou : – Duzinda, vai para dentro! Para a romântica e sonhadora moça, de todo o episódio ficou a frase “Duzinda, eu te amo!” Tinha também a preocupação dele com doença na família. Os gritos do pai, de que ia chamar a polícia, e de que tinha provas e testemunhas, é que não combinavam em nada com sua história de amor.

IV Seu pai tinha entrado nervoso para casa, enquanto colocava o único e surrado terno. Nervoso, e em monólogo, desabafara com a mulher suas mágoas. Depois saíra. A filha estava nas nuvens, apaixonada, alienada. Não entendia por que, num dia tão cinematográfico, o pai insistia em gritar e repetir a palavra polícia. Também não queria entender, nem perguntara. Terminara de arrumar a cozinha. Enquanto se preparava para deitar, sentiu o pai retornando. No desabrochar de sua juventude, ela só se interessava com o que fosse relacionado com o seu primeiro amor. Assim adormeceu. Quando acordou no outro dia, teve a impressão de que os passarinhos cantavam melhor do que em qualquer outro dia.

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Seus pais já estavam trabalhando, como de costume. Foi ao banheiro. Ao sair, levou um susto. Era Ernesto que lhe aparecera. Estava abatido, com a barba por fazer e muito nervoso. Porém ela não enxergava assim. Aquilo lhe parecia a cena de um filme. – Não grite, fale baixo. Ele lhe puxou para trás do banheiro. – Fuja comigo! – Ah, Ernesto, eu queria casar de vestido branco, na igreja. – Vamos, Duzinda! Não se pode perder tempo. Pegue o que você puder para levarmos. Duzinda teve poucos minutos para resolver. Ela, que sempre esteve fora das emoções da vida, e só lhe sobrava a rotina do cotidiano, tinha de ter uma decisão rapidíssima. Assim começou a arrumar suas coisas. Ernesto se arriscou na janela. – Pegue dinheiro de seu pai! A jovem estava atordoada. Seu coração batia fortemente, como nunca lhe acontecera antes. Em sua cabeça se alternavam cenas em que vivia um filme de Hollywood e a loucura de largar tudo por uma aventura. Não se apercebera de que ele nem seu namorado era. Na sua cabeça fantasiosa, os dois se amavam. E assim ela saiu da casa, os dois pularam o muro e fugiram.

V Andaram pela Avenida Celso Garcia. Ernesto não sabia bem o que iria fazer, queria só se livrar da vergonha de ser preso. Foi aí que lembrou-se duma casa de cômodos, na qual se levava prostitutas. O sol iluminava essa manhã que iniciava, e o local estava deserto.

O moço conversou com a dona, e os dois entraram no quarto. O aposento não tinha nada de romântico. Era uma cama velha,

entretanto diferente daquelas da casa da jovem, onde tudo era arrumado. Nessa, podia se ver uma das vigas arrebentada e o meio da madeira aparecendo. Havia um travesseiro, cujo odor misturava sujeira e perfume forte. Uma colcha de chita colorida, que era o pano mais barato da época. – Eu não gostaria de ficar aqui. – Bem, depende de quanto você trouxe de dinheiro. – Dinheiro ? Eu não trouxe nada. – Como não trouxe nada? Eu falei para você pegar. Seu pai tem, que eu sei.

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– Com a cabeça do jeito que eu estava, você acha que eu iria pensar em dinheiro? – Então é aqui mesmo que vamos ficar. Infelizmente. Ele nem se preocupou com o rosto desiludido dela. – Estou com sede. – Vá beber água no tanque ali atrás. Eu vou ver se consigo pão e um pouco de café. Estou com muita fome. Comeram então um desjejum, dos mais simples: dois pãezinhos sem nada e um copo com dois dedos de café para dois. Ambos comeram avidamente.

VI Em seguida, os dois começaram a lua-de-mel. Primeiro se beijaram. Ela achou lindo.

Em seguida o jovem começou a fazer a relação sexual. Ela não sabia nada sobre sexo. Na sua cabeça fantasiosa, o que havia entre homem e mulher era só romantismo.

Ela se assustou. O pênis, ele tocando em seu corpo, tudo a assustava. Ele não foi grosseiro, mas ficou longe do galã paciencioso e amoroso.

– Ernesto, vamos parar, assim não. Nesta altura o rapaz estava “embalado”, e não estava nem um pouco

com vontade de parar. Assim se consumou o desvirginamento. Em seguida, ele dormiu profundamente. Ela não conseguiu. Estava

excitada demais. Também havia tudo aquilo no meio das pernas dela, que não sabia como iria se lavar. Tinha vergonha da dona dos quartos.

Só bem mais tarde conseguiu dar um breve cochilo. VII

Eram três horas da tarde. Eles estavam adormecidos, quando bateram violentamente na porta.

– Abra! É a polícia! Ele abre a porta. Ela está apavorada. – Vamos, seu gatuno! Vamos esclarecer o roubo do português. – Quando a gente aluga, não adivinha os sem-vergonhas que são. O rapaz parecia tranqüilo.

– Duzinda, não saia daqui! Eu volto até a noite. – Vamos, gatuno! A moça ficou tão assustada, que ficou por um longo tempo parada, enquanto os policiais levavam seu galã. Depois disso, chorou, chorou muito.

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Quando parou, ficou sentada na cama, com os ombros arqueados, e os pés para dentro. Talvez horas. Foi assim que ela estava, quando ele voltou. – Resolvi tudo lá. No começo seu pai estava furioso. Português malcriado e chato. Então eu lhe contei sobre nós, e ai ele teve de amolecer. Fizemos um trato: ele tira a queixa... – Que queixa, Ernesto ? – Deixa eu continuar. Ele tira a queixa e eu caso com você. Vamos, eu vim buscar você para irmos para a Delegacia casar. – Casar na delegacia ? – É, além do quê, tem uma vantagem, não precisa pagar pelo casamento.

O Tatuapé tinha virado Distrito de Paz havia pouco tempo. CAPÍTULO 2

I Os dois entram na casa de Ernesto. Também era uma casa antiga do começo do século. Típica do bairro da época. Era quase no fim da rua. Cinco metros de frente. Vários aposentos, uns em seguida dos outros, com um corredor aberto, de um metro e pouco de lado. Havia também a cozinha, banheiro, e no final, o quarto pequenino de Ernesto. – Fique aqui sentada nestes degraus. Eu vou falar com minha família, que deve estar apavorada com meu desaparecimento desde ontem. Fora os mexericos. Coitada da minha mãe! Ela obedeceu e ele entrou pela cozinha. A chegada dele foi muito ruidosa. A mãe gritou : – Mama mia, que fizeram com você, filho mio? Até barbudo está. A porta se fechou, e o falatório continuou alto e agitado. Duzinda ficou ali, parada, sem pensar. Nas últimas vinte e quatro horas foram tomadas decisões tão radicais em sua vida, que ela não tinha tido tempo, nem estava querendo ter, para meditar sobre isto. Infelizmente ouvia algumas frases. – Eu imaginava você casando com moça rica, professora e muito bonita. As pessoas passavam na rua caladas ou conversando, entretanto ela não as notava. Em dado momento, ela notou um casal de namorados. Eram Iolanda e Ramón. Ela morava na casa vizinha. Era alta, não muito, clara, cabelos castanhos e ajeitados. Não era feia, porém não era linda. O detalhe é que sabia se fazer de bonita: o andar, os trejeitos e a famosa pinta preta que ela fazia ao lado da boca. Quando ela passava, sabia acontecer. Alguns a chamavam de “chiveta”, sempre longe dela. O pai, Seu Válter, tinha uma vendinha, que lhe dava o sustento de pessoa muito simples. Não era sortida como a de seu Manoel, pai de Duzinda. Era

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descendente de italianos, como a maioria do bairro era. Na rua e nas redondezas, todos o conheciam e gostavam dele. Sua mulher, D. Alice, fazia as lides da casa. Raramente ele a chamava para o trabalho na venda, só quando havia este em demasia. Normalmente ele resolvia tudo. Sua cônjuge era séria demais, uma pessoa cumpridora de suas obrigações, porém tinha um gênio péssimo. Suas ranhetices lhe povoavam a alma e a vida. O casamento, os filhos (Iolanda tinha um irmão de 11 anos) quase não lhe alteraram por dentro. Gostava de ser infeliz. Talvez só não tenha ficado só, porque nessa época estava convencionado que o casamento era imprescindível à vida da mulher. Iolanda não se deteve diante dos problemas familiares. Diante da distância do pai ocupado e da mãe complicada psicologicamente, ela se criou na rua, resolvendo seus próprios problemas e enfrentando a vida. Ela queria é ser feliz. Apesar dela se sentir abandonada, nunca teve dificuldade de não ter o que comer. Além do que, tinha proteção social, vinda de família moradora da comunidade e de todos quererem agradar seu pai. Um homem simples, mas de respeito. Duzinda ouviu dizer que ela estava namorando com Ramón. Filho de espanhóis. Ele era muito bonito. Seu cabelo era preto e seus olhos azuis. Tinha um belo sorriso e uma voz de artista. Ela mesma nem ousava pretendê-lo, quando aparecia na venda de seu pai. Além disso, ele tinha uma grande fama de forte e corajoso.

Ele morava numa rua, travessa abaixo da avenida, e vivia nadando e pescando no rio Tietê. Principalmente nadando, que ele gostava muito, por isso tinha muita musculatura no corpo. No fim da rua tinha uma mata, não muito espessa. Depois um bom pedaço da margem, e o rio. Em alguns trechos havia barrancos, bons para pescar. Noutros praia de rio, bons para nadar. Os dois namorados cochichavam, riam, deviam se beijar, e esbanjavam felicidade. Por pouco tempo, ela pode fantasiar a vida, como gostava. – Duzinda, venha aqui na cozinha.

II – Esta é Duzinda, com quem me casei hoje de manhã. Todos vocês a conhecem. Ela é filha do Seu Manoel, da venda. – Eu nunca notei muito nela, mas sei quem é. – Boa noite a todos. A moça falou, tentando ser agradável. – Não vou esconder que não imaginava você pra minha nora. Já que está, fica. Não tem outro jeito. Uma das irmãs se aproximou.

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– “Arnesto” estava tão esfomeado, que enquanto se falava e esbravejava, ele comia. Você quer comer? Sobrou alguma coisa da janta. Não é muito, mas dá para enganar a fome. Ela comeu a comida fria, que ninguém, nem ela, fez questão de esquentar. – Ela dorme em meu quarto ? – São marido e mulher, não são ? Vão lá. A cama é de solteiro, depois você compra uma de casal. (Nunca foi comprada a tal cama maior). O casal se recolheu ao antigo quartinho de solteiro. Tinha uma cama, um guarda-roupa e um banco. Neste dia nem houve a continuação da lua-de-mel.

III Ela abriu seus olhos, enquanto Ernesto ainda dormia. Estava acostumada a acordar muito cedo. Não tinha coragem de se levantar, então esperou alguém acordar. Ouviu resmungos, era a mãe dele que começava a fazer o café, esquentar o leite e pôr a mesa, com pão e manteiga. Chegou mansamente, com medo. – Mama mia, que horror. Fazer o café todo dia de manhã, lavar louça, fazer almoço, janta, arrumar a cozinha, a casa, varrer, lavar roupa, passar. Tudo tão chato! Já acordo cansada, só de pensar. E nestes dias ainda o desaparecimento de meu bambino, esse casamento e outras coisas. Ela falava e gesticulava, olhando para o céu. Duzinda não queria escutar sobre a não concordância do enlace.

– D. Filomena, a senhora quer que eu ajude ? – É, é bom. Ela terminou de colocar o leite na leiteira, pegou a água e fez o café.

Enquanto isso, estendeu a toalha na mesa e pôs a bengala de pão. Sempre atenta à fervura do leite, pois a sogra falava, falava e não prestava atenção.

– Onde está a manteiga? – Naquele armário, pega! Depois disso, foi a vez das xícaras e dos talheres. Tudo muito simples. – Olha o leite, vai derramar.

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– Se não sou eu nesta casa, tudo desanda, nada sai. Espera seu marido acordar, serve meu bambino e depois toma seu café. Não esquece de tirar a mesa, depois que os outros se servirem. Lava a louça e arruma a cozinha.

O marido saiu para o trabalho e ela começou as lides domésticas. Fazia quase igual na casa de seu pai. De acordo com sua cabeça fantasiosa, Ernesto não lhe beijara ao sair, por vergonha dos familiares. Ela queria a vida dos dois igual aos filmes de cinema. Sem nenhuma realidade. A sogra e as cunhadas falavam muito só entre si, porém sem hostilidade. Desastradamente ela havia entrado naquele núcleo de súbito, entretanto sentia muita vontade de agradar a família de seu amado. Estavam iniciando o almoço. O que sobrasse seria o jantar esquentado. Tudo era o mais simples possível, pois havia muita preguiça e pouco dinheiro. Verdade é que ninguém ali esteve perto de passar fome. – Descasca isto! – Não. Eu já piquei tudo aquilo. – Anda, estrupício. – Tudo io, tudo io!

No meio deste turbilhão, ela, assustada, sem jeito e sem ambiente propício, ia fazendo o que as outras fugiam de fazer.

De tardinha, tomou um banho e colocou seu vestido rosado. Dos seus era o melhor, e, por sorte, ela o colocou em seus pertences. Afinal era o seu primeiro dia de casada.

Esperou o esposo, para ter seus colóquios amorosos, e continuar o namoro, até sua lua-de-mel.

O rapaz chegou, tomou um banho demorado, cuidou do tratamento de suas mãos, como um manicuro, como lhe era peculiar, e jantou.

– Oi, Ernesto. – Oi, Duzinda, hoje você está com outra cara, bem melhor. Arrumou-se todo e saiu do quartinho. Ela ficou esperando. Quando se

cansou, saiu, e infelizmente constatou que ele tinha ido para a rua. Muito decepcionada, voltou para o quartinho e adormeceu, pois estava

exausta. Duas ou três horas depois, ele voltou, acordou-a e fez sexo. Em sua cabeça fantasiosa, ela então pensou que ele saiu para espairecer,

e voltou tão cheio de amor que teve de acordá-la. IV

Ela estava acostumada a acordar cedo, antes desse pessoal da família do marido. Levantou-se no dia seguinte e começou a preparar o café da manhã. Queria se integrar entre eles e ser acolhida.

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Não esperando tal atitude, a sogra ainda acordou e ajudou a colocar os últimos apetrechos.

Após o café, sorrateiramente, todas foram arrumar a casa. Serviço mais fácil. Ela

lavou e arrumou a cozinha, ficando com o serviço maior. D. Filomena veio com grande má vontade fazer o almoço, entretanto a maior parte ficou mesmo com ela. As filhas imitavam a mãe na preguiça e na má vontade com o trabalho doméstico. – É, mama, a portuguesinha parece que tem suas vantagens. Assim, aos poucos, o serviço da casa ia ficando quase todo com ela. Na família eram o sogro, Seu Armando, a sogra, Dona Filomena, duas filhas casadas, Anunciata e Imaculada, os genros respectivos, Renzo e Pepino, operários, os dois. A primeira, gorda, morava no fundo do terreno num cômodo e cozinha, e a segunda no segundo quarto da casa.

A outra filha casada, Concheta, a mais bonita delas, não morava nesta casa, e sim numa casinha de sala, quarto e cozinha numa chácara enorme da casa dos sogros. Na época era considerada muito longe, pra lá da praça Silvio Romero, mas a casinha era boa. O marido, Vitório, também era operário. Como tinha mão-de-obra especializada, ganhava um pouco mais. Naquela época, ele tinha feito um curso de semanas. Os sogros e os cunhados acharam bobagem. Ele, não. Nem seus pais. Seu pai, seu Hugo, havia trabalhado na Itália, numa indústria de lá. Tinha alguma prática naquele ramo, que tinha muito empenho em passar para o filho. Este, calorosamente, em receber. Dava certo. Concheta gostava de ver o marido entusiasmado no trabalho. Quando Seu Hugo chegou aqui, se interessou pela chácara, pois a abundância de terras no Brasil o tinha fascinado. Quando pôde, comprou uma. Foi só um entusiasmo, porém ficou a chácara.

A filha solteira, Josefina, era a caçula. Era muito magra, igual a sua irmã Imaculada. Todos manifestavam muito orgulhoso dela, pois estava noiva de Júlio, um professor descendente de portugueses, que morava na rua. O pai dele vendia alfafa no atacado, e ganhava muito dinheiro. Todos da família estavam encantados com o casamento.

– Além de muito instruído, Júlio é educado e fino. A jovem caçula estava apaixonada pelo namorado, que parecia ser o

melhor partido dos genros. Todos da família o badalavam muito. Duzinda seguia sua vida de casada. O marido saía quase todas as noites.

Sua inexperiência era tanta, que ela nem percebia o absurdo. Sua fantasia mascarava o que não queria ver.

D. Filomena dizia:

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– Coitado do meu “Arnesto”, é tão novo e tão bonito. Precisa se divertir!

CAPÍTULO 3 I

Era de manhã, quando estourou a “fuxicaiada”. – A Iolanda estava namorando o Ramón na biquinha, lá no Balanço. O chamado “Balanço” era o vale entre os bairros do Tatuapé e do

Belém. O limite era o riacho. – Deviam estar se agarrando bem avançado, quando chegaram três soldados da Força Pública. A Força Pública é a atual Polícia Militar do Estado. – Então pegaram a Iolanda e a estupraram. E mandaram o Ramón embora. Quiseram que ele fosse correndo. – E ele, como é tão corajoso, não quis fugir ? – É, para você ver, fugiu. O pior é que se escondeu em casa, e não chamou ninguém. Os três soldados abusaram dela. Talvez, se avisasse a vizinhança e a família, não tinham feito tudo que fizeram. Talvez até alguém tivesse conseguido apanhá-los.

– Então, o corajoso fugiu... – Os três bateram nela, rasgaram a roupa, e “pegaram na marra”.

Fizeram o estupro. Ela não é mais virgem. – Que horror!

– Ela chegou toda suja, ensangüentada, rasgada. Chorava, chorava. – Será que é porque foi violentada, ou porque o Ramón, o corajoso, abandonou a pobrezinha ? – Não sei. – Ela veio se escondendo? – Não. Ela estava é revoltada.

II – Eu vou dar parte na Polícia desses sem-vergonhas. – Você vai ficar calada, para não ficar falada. Você quer que saibam que

a minha filha não é mais virgem? Já fez a burrada de namorar onde não devia. Você vai ficar malfalada, envergonhar sua mãe.

– Iolanda, deixe isto pra lá. Escuta seu pai. Ninguém dá queixa na polícia. Qual a vantagem?

– Eu dou. Eles precisam ser castigados pelo que fizeram. – Eu não quero você na Delegacia pra envergonhar sua mãe.

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– Antes você teria de conversar com o Ramón... – Aquele frouxo, não quero saber nunca mais dele. Se pudesse, nunca

mais o veria. Precisa ver como ele corria. Não teve a dignidade nem de chamar alguém, o covardão.

– Filha, não vá. Você não tem com quem ir. – Eu vou só. E foi.

III Chegando à Delegacia sozinha, Iolanda deu queixa do estupro sofrido.

Os policiais ficaram atônicos com a atitude da moça. Década de trinta. O pai chegou quinze minutos depois. Manteve-se calado.

Depois dos trâmites de lei, foi marcado o dia para serem identificados os culpados. Na época, os soldados da Força Pública não eram muitos. De propósito ou por falha, ficaram alinhados em plena luz do dia para a identificação.

Pois nada a deteve. A jovem altiva e decidida, com a pinta ao lado da boca, corajosamente

apontou os três criminosos que a tinham violentado sexualmente. Todos foram condenados pela Justiça, expulsos da corporação e pagaram por seus crimes. – Ninguém acreditava que ela fosse capaz de apontar os tarados. – Ela é incrível! – Só não fez a pinta preta ao lado da boca no dia seguinte ao estupro, quando chegou rasgada e ensangüentada. No outro já estava com a pinta. Ela sabia todos os problemas que teria de enfrentar em virtude de seu desvirginamento. Mesmo tendo sido uma violência contra a própria. Além da azucrinação diária de sua mãe. – Deus há de me ajudar! Diante do acontecido, resolveu ir trabalhar fora. Arrumou um emprego na fábrica Matarazzo, no bairro do Belém.

CAPÍTULO 4 I

Apesar de estar “casada com o amor de sua vida“, Duzinda vivia aquela vidinha com poucos encantos. Trabalhava muito. Até mais que em solteira. Entretanto não era isso que a incomodava. Tinha saudades da casa de seus pais, de suas coisas, da mãe, de tudo. O marido havia lhe contado que o pai dissera que não queria mais vê-los, naquele dia, na Delegacia. Porém ela pensava que foi só um arroubo. O seu

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desejo de estar com eles era tão grande, que o deles não podia ser menor. Vez por outra sonhava. Nisso começou a imaginar uma forma de retornar a visitar a casa paterna. Falou com Ernesto, que lhe deu todo ânimo, imaginando tirar vantagem financeira da situação. Parece incrível, mas até este dia, ela não tinha saído na rua. Tinha muita vergonha de ter casado fugida. O marido nunca a convidou, pois gostava mesmo era de sair sozinho. Seu caráter era de uma pessoa egoísta, e seu grau de abuso era infinito. A família dele, infelizmente, não coibia. Apesar de não estar acostumada, bolou um jeito de passar em frente à venda. Sabia que às três horas da tarde seu pai já havia feito a sesta. Como era comum não haver nenhum freguês, saía à porta para ver a rua. Ele era muito metódico. Houve um dia em que ela achou que o tempo estava tranqüilo. Acordou, fez o serviço todo, almoçou, terminou o que era para terminar, tomou seu banho, pôs seu vestido rosado e, pontualmente, às três horas da tarde, saiu da casa de seus sogros. Desceu a rua em direção à avenida. Seu coração descompassado batia fortemente. Neste dia, também, Seu Manoel havia almoçado, feito a sesta, tomado seu café, e saído à porta da venda para ver a rua. Havia várias pessoas na rua. Umas indo a algum lugar, outras conversando, e outras não fazendo nada. O português estava com a vista para os lados, esfregando a mão no barrigão, quando, de repente, viu a filha descendo a rua. Deve ter ficado muito nervoso. Num gesto transloucado, entrou, abaixou as portas de aço, quando Duzinda estava a poucos metros. Todos olharam. Houve um espanto geral. – Ohh! ahh! As pernas da moça tremiam tanto que quase não conseguiam andar. Ninguém fez nada.

Ela foi até a avenida e deu a volta no quarteirão. Entrou na rua por detrás, se escondendo.

O pai manteve a venda fechada o resto do dia, em protesto pela passagem dela pela frente de sua porta. Nunca, antes, ele tinha descido as portas de seu estabelecimento num dia de semana à tarde. Naquela época, os filmes, as novelas e os folhetins devam enfoque muito grande a atitudes desse tipo. Era moda. No quartinho do Vítor ela chorou muito. Muito mesmo. Ninguém veio. – Deixa chorar, chorar faz bem.

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Quando o marido chegou, já sabia da história, que correu aos quatro ventos. Ele não disse uma palavra, não lhe fez um afago. Somente se aprontou e saiu, como era seu costume.

CAPÍTULO 5 I

O irmão de Iolanda chegou em casa esbaforido e cansado. Tinha vindo de nadar no rio Tietê.

– Não sei porquê tem de nadar tão longe. – É até melhor do que nadar no córrego Tatuapé. Dizem que perto da

ponte do trem, tem rodamoinho. O córrego Tatuapé era uma pequeno riacho, que dividia os bairros do

Tatuapé e do Belém. – É verdade? – Sei lá! É sempre melhor evitar. O filho da Assunta morreu lá. Seu pai, que a tudo escutava, falou :

– Se foi pelo rodamoinho, por uma congestão ou outro motivo qualquer, eu não sei. Só sei que é melhor este serelepe não ir nadar naquele lugar. – É, pai, é melhor mesmo ele ir nadar no córrego Tatuapé, lá pra baixo. Ou então no Tietê.

Entre sua entrada e saída da sala, passando, a mãe falou : – Tietê... um rio bobo.

– Por que? – Ela aprendeu na escola que ele nasce na Serra do Mar, e em vez de

descer a serra, dá uma volta enorme. Seu Válter continuou:

– Pois eu o vejo bem diferente. É um rio lutador, determinado, com garra. Vencedor. A mulher já não o escutava, porém a filha, sim. – Como assim? – O rio Tietê nasce na Serra do Mar, a alguns quilômetros do oceano, para onde todos os rios correm. O normal seria ele descer a serra, como fazem todos os bicos d’água, as nascentes dali. Acontece que havia uma pedra grande ali. Ele tentou dar a volta, entretanto não conseguiu fazer o que os seus pares faziam. Ele não podia e não queria virar uma poça de água.

– O que ele fez ?

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– Virou-se para o planalto, tornando-se um riozinho maior. Ia recebendo todos os córregos, riachos e corredeiras com entusiasmo. Aos poucos foi se tornando um rio mesmo. – Como a gente o conhece aqui? – É. Chegou à nossa cidade, e atravessou o Estado de São Paulo, tornando-se muito importante. Depois lançou-se no rio Paraná. Suas águas andaram por vários estados brasileiros, fazendo parte da bacia do Prata, banhando até países estrangeiros. Hoje é um rio conhecido, de importância política e econômica, famoso e internacional. – Nunca pensei nele assim. – Se não fosse essa pedra, ele seria um córrego. No máximo um riacho que ninguém ia conhecer. Os outros que nascem ali, descem para o mar. Se não fosse sua força, ele seria uma poça d’água. Essa iria evaporar, ou, pior, ficar cheia de bichos ou mosquitos. Assim, não, foi à luta, contornou todas as pedras existentes, e tornou-se o maravilhoso rio Tietê. A filha olhava para ele atentamente. – Bonita história, pai. – É, Iolanda, na sua vida apareceu uma pedra, não se deixe virar uma poça d’água. Lute e vença, como o rio Tietê. Ela meditou muito.

No outro dia, como sempre, levantou-se e fez a pinta no rosto. Infelizmente, atualmente o Tietê é poluído e malcheiroso, pelo uso errado que os homens fazem da natureza. Espera-se que, quando você ler esta parte, os nossos políticos já o tenham despoluído totalmente... e este parágrafo possa ser retirado.

II Iolanda continuou sua luta de vida. Passado algum tempo, começou a namorar Candinho. Era um rapaz que trabalhava numa loja de tecidos no Brás. Os dois se conheceram no bonde. Ele era meia estatura, muito magro, claro, cabelo loiro acinzentado e olhos azuis. Não era feio, mas a cor dos olhos era o único atrativo bonito nele. Nem os olhos propriamente ditos eram belos. Entretanto era gentil, sabia escutar. Transmitia uma grande calma, tão necessária àquela fase de sua vida. Ele era nascido no interior do Estado, descendente de suíços. Seus pais haviam morrido, e suas duas irmãs mais velhas já estavam casadas. Sentia-se só. Resolveu então emigrar para a cidade de São Paulo, que estava crescendo muito. Morava numa pensão, onde dormia. Comer, comia onde dava. Seu serviço não era cansativo, porém, muitas vezes, ia até tarde, oito ou nove horas da noite. Ele acabava ficando sem jantar. – Não sei como você fica sem comer, por isso tem essa tosse.

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– É assim mesmo, quem fica sem ninguém para cuidar de si. – Eu arrumava uma maneira de jantar e depois continuava a trabalhar. É só combinar e ajeitar. O que ele gostou nela foi toda aquela vitalidade, aquela alegria, aquela força. Com certeza, da pinta também.

Os dois pareciam se completar. No final do primeiro encontro, Iolanda contou a ele toda a tragédia que lhe aconteceu no Balanço. Com todos os detalhes, sem omitir nada. – Iolanda, por que você contou? Assim, de sopetão! – Assim, o amor, meu e dele, se tiver que começar, não terá esse obstáculo.

– Ele nem é daqui, podia até não ficar sabendo. Dizem até que tem operação para voltar a ser virgem.

– Virgem, seria impossível voltar a ser, e essa operação me cheira a engodo.

– E se ele nunca ficasse sabendo? – Ora, eu ia passar minha vida inteira com medo de alguém contar, ou

ele ficar sabendo de alguma forma. Paúra besta, essa. – Você não acha difícil ele casar, sabendo duma coisa dessa ? – Acho. Mas quer, quer, não está enganado. Não quer, paciência. Ainda

não estou amando seus olhos azuis, dessa cor que eu acho linda. Contra todas as expectativas, Candinho mostrou-se uma pessoa superior, aceitando a situação. Era tanto amor, que ele ficou bom da tosse. Os dois namoraram tranqüilamente. Sem sexo, pois Iolanda achava que só deveria entregar seu corpo após o casamento. Ele também entendeu que o corpo dela ainda era puro, e que só deveria ser possuída por ele após o matrimônio. Eles teriam sua primeira noite de amor nas núpcias, e haveria o primeiro orgasmo de ambos. Ele era virgem. Assim se casaram. A cerimônia foi simples. Ela entrou na igreja com vestido amarelo. Estava bonita e parecia feliz. Houve só um bolo enfeitado. Tudo amarelinho, para não chocar a moral vigente da época. – Minha filha, apesar de manchada, pôde calar a boca de muita gente. Ela, entrando, no quarto pensava: – Manchada, heim? Vejo a vida tão diferente de minha mãe! Não me sinto assim. A única coisa que existe em mim, é uma pinta no rosto. E deu uma risadinha, com cuidado para a mãe não perceber, pois essa se ofendia com tudo.

III Como era o costume, ela parou de trabalhar. Os dois viviam numa felicidade calma e tranqüila.

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Pouco após, ela estava grávida. Os dois ficaram numa grande alegria. Num dia claro, nasceu uma menina. Foi-lhe dado o nome de Cleide. Era muito parecida com a mãe. Do pai, tinha os cabelos loiros e a cor dos olhos, azuis. A combinação deu certo, e a bebê era linda. Tudo parecia estar bem. A única coisa que perturbava era essa tosse do Candinho. Voltou e piorava a cada dia.

CAPÍTULO 6 I

Duzinda continuou sua vida. Gostou muito do desfecho de vida da vizinha. Pensou “serão felizes para sempre”, e suspirou. Ela havia ficado grávida.

Imaginou que pelo menos sua mãe viria, quando soubesse. Isso não aconteceu. Na época, a honra da mulher (a virgindade e a fidelidade) era um motivo imperdoável, para a maioria. O pai alardeava não querer nem ouvir o nome dela, de tão ofendido. A mãe, quando se falava no assunto, chorava, chorava muito. Não se sabe se estava magoada com a filha, ou se tinha remorsos por não a procurar, ou se tinha saudades e muito amor. Ninguém nunca soube.

Mesmo grávida, era ela que fazia quase todo os afazeres da casa. O barrigão grande, e mesmo assim era ela que, ao cair da tarde,

costurava e arrumava o enxoval do bebê. Esse, ela conseguia de roupas usadas. As cunhadas lhe deram alguma coisa que sobrara de seus filhos. Novo mesmo, só o pouco que ganhara das cunhadas Concheta e Josefina. Ninguém mais lhe dera nada. Nem os sogros, que já tinham muitos netos. Nem o marido comprou nada.

Ernesto não ficou chateado com a chegada de filho, mas longe estava de ter ficado alegre e satisfeito.

– Eu não dou conta nem da minha vida, quanto mais a de outra pessoa. Por fim, nasceu uma menina. Tinha um pouco da mãe e um pouco do

pai. Nasceu fraquinha, mas vingou. – Que nome damos? – Se quiser pôr o meu, será uma honra. Afinal, eu sou a avó paterna. – Boa idéia. A mama é tão boa! – O nome da mama é uma homenagem à melhor mulher do mundo.

Será Filomena. Ninguém perguntou para Duzinda qual sua opinião, ou que nome ela pretendia para a filha. Ela estava tão cansada que nem sequer percebeu o acontecido. Ou não quis perceber.

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O parto teve quase sozinha. A parteira chegou com a criança já nascendo. Cansada, também, pois o serviço da casa estava quase todo com ela. As cunhadas e a sogra colaboraram muito pouco. A cunhada Concheta veio lhe ensinar, ajudando no primeiro banho da menina. Mostrou-lhe como amamentar e pegou a criança no colo por um breve tempo. Josefina também pegava a neném, quando a mãe estava atarefada, e a criança chorava. Mas muito pouco. Logo, logo voltava e a colocava no berço novamente. Ela cuidava da casa e da bebê. Da família dela, ninguém veio ver a criança, nem lhe mandou mensagem nenhuma.

O marido continuava a vida de solteiro, sem se importar com a mulher e com a filha. Saía constantemente, e namorava, diziam as más línguas.

– Poverello do meu bambino, tem de se divertir, enquanto é jovem. II

Ernesto nem fazia questão de esconder suas conquistas. Namorava no footing da Avenida. Seu maior problema era as namoradas não saberem sua condição de casado.

– É o cúmulo do absurdo. Deixa a mulher em casa e sai pra rua enganando moça solteira.

De fato, ele tinha preferência por jovens casadoiras. Gostava de cortejar

donzelas. – Com a mulher nunca sai. A pobrezinha não sai com ele pra lugar

nenhum. Vive enfurnada. Na época, o namoro não chegava ao sexo. Ele namorava a noite inteira,

voltava para casa, e transava com a mulher. Muitas vezes, acordava a esposa, que já estava dormindo, de tão cansada.

Assim nasceu seu segundo filho. Tudo quase igual à primeira. O nome do menino ficou sendo Ernesto Armando. – O nome do pai e do avô. Dois grandes homens.

Todos riram muito. Mais uma vez, ninguém se preocupou com a vontade dela. Dessa vez, Concheta só veio ver o menino e colocou o bebê um pouco no colo.

Josefina, dessa vez, não ajudou nadinha. Havia se casado e morava numa casa boa ali perto. Havia feito um casamentão. Só vinha no domingo almoçar com o marido. De vez em quando, vinha só, na semana. Quando

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chegava, D. Filomena ficava muito alegre. Queria saber tudo da vida da filha. Que orgulho!

Da família de Duzinda não veio ninguém. Desta vez, ela já nem esperou.

III No dia do casamento de Josefina, todos da casa estavam alegres e

eufóricos. Ernesto comprou roupa nova para si. Estava todo entusiasmado.

Arrumou-se com muito cuidado. Anunciata falou ao irmão: – A Pirulina disse que acha você bonito! A mãe completou: – Deveria ser ele o padrinho. Olha como tá belo, meu bambino. Havia um exagero muito grande, entretanto ali ninguém se dava conta

disso. Estavam acostumados a valorizá-lo em demasia. – É, mãe, o padrinho vai ser o primo do Júlio com a mulher, porque

estão bem de dinheiro. A Josefina gostou que fossem eles. Madona deram um bom presente.

Todos estavam o melhor que podiam. Quase arrumados, surgiu na sala Duzinda, com seu vestido rosado.

Trazia sua menina com umas roupinhas, que surpreendentemente estavam apresentáveis e boas. Ela tinha se esmerado.

O cabelo lavado e arrumado. A roupa bem passada. Até tinha ido ao quarto da noiva, e pedido emprestado à cunhada o pó-de-arroz e o batom. Só uma “passadinha”, para este evento. Ela estava até bela!

O marido olhou, decepcionado. Talvez porque quisesse namorar durante o casamento e a festa. Ou porque, pela sua insegurança, não quisesse senti-la bonita ao seu lado. Iriam olhar para ela, podiam até desejá-la. Também podia ser que ela concorresse com seu pretenso e ilusório brilho. Ou porque havia se acostumado sempre a tê-la em casa, sem sair. Os motivos eram dele, e quaisquer que fossem, não eram bons nem positivos. – Tira essa roupa e lava esta cara. Você está horrorosa e vulgar! – Ernesto, eu peguei o pó e o batom de sua irmã. O vestido é aquele que eu já usei. – A minha irmã sabe usar isso, sem ficar com cara de prostituta.

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– Ela queria passar mais, eu é que não quis. Não tendo contra-argumento, disse: – Não responda para seu marido! Ela abaixou o rosto, e calou-se. Ele então sentenciou:

– Você não vai ao casamento! – Eu lavo o rosto, se você quer assim. – Não vai!

A sogra então chegou-se à nora. – Ele tem ciúmes de você. É melhor você não ir. Ela começou a chorar. – Bambina, ciúmes é sinal de amor. Sorte tem você, que tem um marido que a ama. Não era uma manifestação de nenhum sentimento bonito, porém ninguém interferiu. As pessoas estavam, ou fingiam estar, atarefadas em terminar suas toaletes. E assim a jovem mãe com sua filhinha voltaram para o quarto. Sozinhas.

CAPÍTULO 7 I

Candinho piorara muito da tosse. A magreza aumentava. No começo, foram dado a ele remédios caseiros. Depois, ele foi levado

a um farmacêutico, que era simplesmente um prático. Ele receitou os manipulados de laboratório. Nada estava adiantando.

Muita tosse, e ele definhando a cada dia. Iolanda então começou a desconfiar da doença que amedrontava a

todos: a tuberculose. Economizaram tudo o que podiam, e consultaram um médico. – A Doutor só se pode ir, quando é caso muito grave. São caros,

portanto fora dos nossos padrões. O diagnóstico fora apavorante: Candinho estava tuberculoso!

II Depois de uma noite difícil de passar, ela levantou, fez a pinta no rosto

e pensou como deveria agir de agora em diante. – Deus há de me ajudar! O marido não poderia voltar a trabalhar, pois os patrões não o

aceitariam de forma alguma.

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Hoje se fala de preconceito a doenças transmissíveis, condenando tal ato. Na prática não adianta muito. Quase nada. Entretanto, na época, a repulsa era explícita e incontestada. Ao contrário, os patrões se sentiriam ofendidos, se fossem enganados, ou seja, se ele continuasse seus afazeres.

Como não tinham ninguém para ajudá-los financeiramente, ela imaginou que teria que tentar voltar a seu emprego na fábrica Matarazzo.

– Se fosse antigamente, ia trabalhar na tecelagem Maria Zélia, no Belém. Agora o mundo mudou e dizem que lá vai ser presídio.

– E com quem fica sua menina, enquanto você for trabalhar, Iolanda? – Fica com minha mãe. – Você sabe como ela é estranha. – Qualquer dificuldade, deixo com minha tia Laura, irmã do meu pai,

que é um poço de bondade. Os filhos estão moços, até casados, a “serviçaiada” fica menor.

– Isso é. Mas ela pode achar muito trabalho cuidar da criança? – Eu deixo ela alimentada e de banho tomado. – E durante sua ausência ? – Eu deixo fruta com ela. Dar água pra beber é fácil. A Cleide é muito

calminha. – Iolanda, mulher casada não pode trabalhar fora do lar, fica falada. – Falada vou ficar, quando não tiver dinheiro para pagar as contas e

estiver passando fome. – E se você ficar malfalada? – Não tenho outra saída digna. Além do mais, não estou preocupada

com os mexericos alheios. Se ficar falada, levanto, faço minha pinta no rosto e toco a vida.

E deu uma risada gostosa. Ao saber da trágica notícia, Candinho se dispôs a ficar num quartinho

ao final da casa. Deixava o único quarto bom da casa para a esposa e a filhinha. A mulher não queria, porém ele fez questão absoluta, não abrindo mão dessa posição.

– Apesar de toda a tragédia da doença, eu tenho sorte de ter esta mulher maravilhosa na minha vida!

III Ela conseguiu o antigo emprego novamente. Havia sido boa

funcionária. Além disso, todos sentiram falta da sua alegria e de seu bom humor.

Quanto à filha, ficou pouco tempo sendo cuidada pela mãe, entretanto ela conseguiu esse proeza com a boa tia Laura. O nome dela era mesmo

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Laurinda, porém como ela não gostava, queria que a chamassem de Laura. E todos a chamavam de D. Laura.

Iolanda fazia todo o serviço da casa, incluindo comida (para elas e especial para o enfermo). Cuidava da doença do marido e arrumava impecavelmente a filha.

A tia só olhava a menina. Por insistência, dava-lhe uma refeição. – Eu tenho de fazer comida, de qualquer jeito. Que custa dar um prato

pra ela, este mimo? Mesmo assim, a nossa jovem operária explicava à filha que devia dar o

mínimo de trabalho e não reclamar de nada. O que não gostasse, era para contar somente à mãe. Cleide, apesar da pouca idade, entendia tudo. Parecia incrível. O melhor é que ela estava sempre de bom humor. O cansaço era enorme, e lazer parecia não existir, mas ela procurava até cantar e rir. – Quem canta seus males espanta! Numa manhã, ela escutando atentamente, a boa tia Laura lhe disse: – Todos nesta vida engolem sapo peludo, o que se deve fazer é saber engolir o sapo. As duas riram alegremente. Evidentemente não esquecia de todo dia fazer sua marca: a pinta no rosto.

IV

A tia era viúva de um marido que não tinha tido bons bofes. Parecia que já tinha esquecido.

Ela tinha uma birra com uma nora, a Zulmira. Essa estava sempre de mau humor e mandava no marido abertamente. Humilhava até. O grande problema é que ele era apaixonado pela esposa.

– Não admito que se fale nada da Zulmira, e quero que ela seja muito bem tratada.

As “patadas” vinham. Laura “engolia” os desaforos a todos e as humilhações ao filho, sem poder fazer nada.

Foi aí que entrou Iolanda. Havia uma ansiedade dela em agradar a tia. Ficar sem seu auxílio, seria uma complicação muito difícil de resolver. Então se pôs a agredir a outra com frases sinceras, porém apimentadas demais, como:

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“– Desculpe falar, mas você é grossa, hein, Zulmira, principalmente com o pobre do Arnaldo. Paciência tem limite!

– Não sei como ele agüenta! É porque gosta muito de você, que não sabe dar valor ao sentimento dele.

– Ele não é bobo, não, tem é bom coração. – Você abusa demais! – Se você tivesse metade dos problemas que eu tenho, como

ficaria seu humor? – Dê valor a tudo de bom que Deus lhe dá!”

A moça xingava a prima do marido, que revidava. Ela a detestava. Tia Laura não falava nada. Às vezes, até contemporizava a situação,

porém adorava o procedimento da sobrinha. Quando estavam sozinhas, aguçava e elogiava todo aquele forrobodó.

Havia uma cumplicidade tácita. O que ela não podia falar, a outra o fazia, para lhe agradar.

Na verdade, Zulmira era de mal consigo e com o mundo. Estava claro que não casou por amor, e que simplesmente agüentava aquele casamento. Porém não queria largar, por comodismo, sadismo ou outro prazer negativo psicológico. Não gostava da vida que tinha, entretanto não conseguia mudar nada. Talvez nem tivesse interesse. Imagina-se que não tinha orgasmo no sexo e que nenhum lazer lhe descontraía.

Era infeliz. Não mudava nada nesse sentido. Parecia até que gostava de ser assim. Todas suas frustrações colocava na futilidade das coisas materiais.

O marido procurava agradá-la o máximo, mas, evidentemente, não conseguia. Alguém podia perguntar o motivo dessa subserviência. Estava dentro de seus miolos. A nora não vivia bem consigo mesmo. Quando cutucada, perdia o equilíbrio emocional por completo. Sentia-se mal, ficava num descontrole total. E, apesar das tentativas, não conseguia atingir a outra, ficando pior ainda. Por isso um de seus prazeres neuróticos era pensar e falar mal da prima do marido. Esta não lhe dava a mínima importância. Como aquela “brigaiada” era para agradar alguém, que lhe servia para um objetivo nobre (trabalhar fora e ter sua filha bem cuidada), aquilo não lhe fazia mal. Sentia até que estava numa atitude correta. Sentia a outra como a bruxa malvada, e ela como a defensora dos bons e oprimidos. Por isto sentia-se muito bem em seu íntimo. Por isso e por tudo mais, continuava a fazer a pinta no rosto todos os dias.

CAPÍTULO 8 I

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O abuso é inerente a todo ser humano. Algumas pessoas deixam-se abusar e outras, não. Uns abusam mais, e outros, um pouco mais sensíveis, abusam menos. Duzinda continuava sua vida. Agora fazia o trabalho todo da casa, e ainda cuidava de seus filhos. Cada dia que passava, sujavam com mais descaso.

Não havia nenhum reconhecimento da família. Pelo contrário. A qualquer pequeno erro seu, em vez de ser compreendido (pois só erra quem faz), havia um turbilhão de azucrinações: – É portuguesa mesmo, “burra”. – Só podia ser ela quem fez isso, a portuguesa “burra”. Às vezes nem erro havia, era só vontade de pôr seus maus instintos para fora. Ela não revidava. Conforme passava o tempo, falava cada vez menos. As cunhadas eram as que menos perturbavam, com exceção de Anunciata. Ela e o marido, Renzo, lhe soltavam todos os recalques. Imaculada ficava cada dia mais magra. E também mais preguiçosa.

Os sogros riam muito das grosserias. Principalmente o varão. Como eram os donos da casa, davam margem a outros abusos.

Houve até atitudes de defesa de Josefina e Concheta, porém muito leves. Vitório estava sempre muito preocupado só com sua vida.

No começo não falavam nada de maldade na frente de Ernesto. Este, com sua omissão, contribuiu ainda mais para os exageros.

No quarto, a sós com ela, nas primeiras vezes, apesar do risinho irônico, ainda dizia:

– Você não devia ficar calada. Chama o Renzo de carcamano, de “porco”, de italiano sujo. E a Anunciata de gorda, “baleia”.

E ela meigamente: – Eu não tenho jeito de ficar xingando os outros, de humilhar as

pessoas. – Eu acho que você gosta disso. Evidentemente que ela não gostava. Com a mínima sensibilidade se

veria que aquela situação era vexatória e degradante.

II

O marido de Josefina também era filho de portugueses. Entretanto, por paradoxo, ele era o orgulho da família, principalmente de D. Filomena. Ninguém lhe fazia nenhuma contrafeita. Também não ridicularizavam Duzinda, por ser filha de portugueses, na frente dele.

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– Não quero ninguém grosseiro com ele, uma homem tão fino e elegante.

Ao contrário, Júlio não fazia nenhum esforço para ser agradável. Achava todos ignorantes e atrasados.

Rindo muito, gostava de se fazer engraçado: “– Ô, Pepino, já comeu a salada de pepino? – Ô, Renzo carcamano, banho só no sábado. Também não tem

importância, pois a Anunciata também. – E o senhor, “Seu” Armando, armando muito? – Dona Filomena, já consertou o filó? – Como é, Ernesto, continua a enganar as moças do bairro, dando

uma de galã sem ser?”

E parece incrível, todos riam. Meio sem gosto. Os atingidos, um riso meio amarelo, porém ninguém lhe enfrentava. E sorriam para ele.

– Outro dia, Renzo, eu vinha subindo a rua, e vi um fulano afeminado igualzinho a você. Aí eu pensei “o Renzo é ‘porco’, mas ‘aviadado’ ainda não se sabia”. A sua sorte é que, quando eu passei pela figura, vi que não era você.

Ele deu gostosas gargalhadas. E, acreditem, o Renzo também. Na verdade, nem a família de Ernesto achava os portugueses burros,

nem Júlio, os italianos sujos. Era só uma forma de colocar seus maus instintos para fora.

Todos se sentiam muito orgulhosos de terem como genro ou cunhado um professor, principalmente esse, que também tinha pai rico. Ele tinha projeção social.

E ele exagerava. Abusava. Não fazia isso em vingança da concunhada, pois ele a tratava com desdém:

“– Duzinda, vai pegar um copo de água na cozinha. – Demorou, hein.”

Com tudo isso, davam a ele a melhor comida, a melhor bebida, a melhor toalha, o melhor lugar e o melhor tudo.

Um primo dele, ao ver toda a cena, perguntou-lhe: – Por que você os trata assim? – Esse tipo de gente só sabe abusar e ser abusado. Eu não tenho outra

alternativa. Se não for assim, “montam” em mim. – Você acha que todo o mundo é assim? – Não, mas todos aqui desta família são desse tipo. E gargalhou. Com tudo, detestava ir à casa da sogra.

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III

Num sábado, Ernesto chegou em casa à tardinha, e começou a falar com os pais. Eles se exaltaram e brigaram muito. O jovem estava com graves problemas financeiros.

Depois foi ao quarto nos fundos, onde morava a Anunciata e o Renzo. Tomou então, com o cunhado, uma dose, ou mais, de pinga.

Em seguida, dirigiu-se ao seu quartinho, onde estava Duzinda adormecendo a filha.

Olhou para a mulher, sentindo-a desamparada. – Duzinda, eu estou desconfiando de você. – De mim? O que eu fiz? Com doçura, colocou a filha adormecida na caminha. – Estou achando que você está me traindo. – Eu nem saio de casa. Ele a empurrou, fazendo com que ela caísse na sua cama. Naquele

momento ele estava descarregando todos seus problemas na infeliz. – Se não sai, é porque me trai aqui mesmo, na casa de meus pais. – Como, Ernesto? Tem sempre gente aqui. Pegando uma caneca de alumínio, jogou contra a parede, fazendo uma

grande barulho. A menina acordou. – A nossa filha acordou. – Você não sabe nem fazer uma criança dormir. É uma incapaz. – A neném está escutando. – É bom ela saber que tem uma mãe “puta”, que não vale o que come. Apesar de todo o caos da situação, ela ainda argumentou: – Eu não saio de casa, aqui sempre tem gente. Como eu poderia trair

você? – À tarde, todos dormem. Você é a única a ficar acordada. – Porque eu fico trabalhando. Irritado, sem argumento, pegou novamente o copo de alumínio, agora

jogando contra a pobre moça. – Você se entregou muito depressa pra mim antes do casamento. Você é

mulher fácil. Vadia! Deu outro empurrão nela, continuou xingando e saiu de casa.

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Ninguém na casa interferiu na pancadaria. Muito de leve, a sogra pareceu até gostar da tragédia.

Passou algum tempo no seu quartinho com a filha, que custou a se acalmar. Como precisava continuar suas tarefas, ela foi à cozinha, com a testa um pouco inchada.

D. Filomena chegou, quando a nora estava no fogão. Apesar de estar de costas, ela percebeu o pequeno hematoma.

– É, você sabe que meu bambino morre de ciúmes de você. – Eu nem saio de casa. – Mas ele tem ciúmes. Você deve ficar contente, pois ciúme é sinal de

amor. Todos sabem. Na verdade, ele descarregara nela todo seu mau humor, seus fracassos.

Não haveria nenhum motivo para ciúmes, e não havia nenhuma manifestação de amor.

Na casa ao lado, uma vizinha escutou tudo. No dia seguinte, esta, de nome D. Pierina, comentava com D. Laura sobre o acontecido:

– Ele é um namorador. Inventa isso dela, para justificar a sua bandalheira com outras mulheres.

– Pode ser, D. Pierina. Também minha mãe dizia: “homem, quando arruma confusão sem motivo com a mulher, é por que não dá conta na cama”.

Ambas riram. – Tem outra coisa. Chegou um italiano aqui, que está tirando toda a

freguesia dele. – É, o italiano só pensa em trabalhar e agradar os fregueses. O Ernesto

só pensa em gandaia. O outro só tem que passar a frente dele. – Enquanto isso, ele descarrega na pobre esposa. E em briga de marido

e mulher ninguém deve meter a colher. – Não concordo com isso, entretanto reconheço que é muito complicado

entrar em desavenças de casais. Depois fazem as pazes. Infelizmente temos que conviver com esses absurdos!

IV Ernesto e a mulher faziam sexo regularmente. Ou melhor, ele fazia sexo em cima do corpo dela. Ele se masturbava a

dois. Duzinda não conhecia nada de cópulas. Só de romantismo fantasioso.

Em alguma vez, talvez tenha tido orgasmo, porém como não combinou com seus filmes, não lhe deu grande importância.

No início do casamento, ele transava imaginando fantasias sexuais com outras mulheres, entretanto só gemia. Depois começou a falar nome das artistas.

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Ela se deixava levar naquelas cenas como uma boneca. O pouco que escutou das mulheres da família dele sobre o assunto,

ainda consolidou mais a situação. – A esposa tem que se submeter sempre ao que o homem quer. No dia e horário que ele determinar. Não pode nunca recusar a transar, porque, caso contrário, ele vai procurar outra na rua, com toda razão. Duzinda e o marido não tinham a menor comunicação sobre qualquer matéria. Quando ele resolvia transar, virava para ela e dizia: – Você já tomou banho, né? Detesto você fedida. – Eu já tomei banho.

– Vá para a cama, e se prepare! Ela obedecia e se deitava. Em seguida, ele também ia para a cama. Não havia beijos nem carícias. Ele começava a tocar seu corpo. – Quando passo por você, Carmelita, acho seus seios tão lindos! Tenho

vontade de tocá-los. Carmelita era uma moça da rua Tuiuti, que diziam ser uma de suas

namoradas. Ele se punha a bolinar os seios da mulher, sem olhá-la. Ela não dizia uma palavra. – Quando você me disse que soube que eu era casado, eu fiquei tão

chateado! Eu posso ser casado, mas respeito você muito. Nossos beijos são sinceros.

– Carmelita, não posso deixar de notar suas pernas lindas. Nessa cena, tocava as pernas da esposa com avidez, sempre sem olhar

para ela. – Como você é maravilhosa, Carmelita! Como eu “te amo”! Ela continuava igual. Ele foi se excitando, excitando, até que subiu em

cima do corpo dela. Começou a fazer coisas no corpo dela, sempre chamando a outra. Quase no êxtase, dizia frases de amor e de sacanagem misturadas,

sempre com o nome da namorada. Assim se introduziu no corpo da mulher. O rosto ao lado do dela. Duzinda se sentiu tão mal, que se pôs a chorar

silenciosamente. Ele nem notou. Chegando ao clímax, teve o orgasmo. Assim as cenas se repetiam constantemente. Só mudava o nome das

namoradas, pois ele era muito inconstante. V

Era um domingo à tarde. A família estava toda reunida. Todos tinham almoçado fartamente.

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Vitório estava eufórico. Havia pedido demissão do trabalho, e montado seu próprio negócio, na chácara do pai.

– Bobagem, Vitório, largar o dinheiro certo do fim do mês pelo duvidoso. “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”.

O rapaz estava contente demais para se levar pelo comentário dos parentes da mulher. Além do mais, o seu pai havia prometido ajudá-lo, se necessário. Nem os retrucou. Também tinha a seu favor, que poderia retornar ao antigo serviço. Poucos sabiam daquele trabalho específico como ele. Ele tinha se tornado um especialista naquela matéria.

Duzinda já tinha arrumado a cozinha, e se dirigiu à sala. Quem tinha dormido depois do almoço, já estava acordando. Inclusive

Júlio. De repente, este gritou: – Quem foi o canalha que me roubou? Houve um assombro e um mal estar geral. Todos ficaram pálidos. – Hein, Ernesto? Você é um estrupício de um jogador. Viciado é assim

mesmo. De fato, nos últimos tempos, Duzinda estava notando Ernesto mais

nervoso do que o normal. Irritadiço. Até empurrões, outro dia, ele lhe dera. – De mim você não vai roubar não, seu sem-vergonha. Vai devolver o

dinheiro. Falando assim, pegou-o pelo pescoço. – Eu vou falar a verdade, foi a Duzinda. Por um momento, tendo se livrado, saiu correndo para a rua. Ela, que nunca falava, soltou um gemido : – Eu... eu não! Josefina interferiu : – Deixa pra lá, Júlio, a quantia é pequena. – Não deixo, não. Duzinda, chorando, foi para o seu quarto. Apesar de que todos sabiam quem era o autor do delito, ninguém deu

uma palavra em favor dela. Ela ficou um tempo lá, quando Concheta veio chamá-la. – Vamos, mamãe e papai deram o dinheiro para o Júlio. Ela se encaminhou docemente à cozinha. Lá estavam a sogra e as

cunhadas. Comendo um biscoito feito por ela, Anunciata falou:

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– Você tem uma sorte! Tem sogros tão bons que deram o dinheiro pra aliviar seus erros.

Júlio interrompeu, gritando lá de dentro : – Manda essa gorda imbecil não mexer no que não deve ser mexido! – Anunciata, cala esta boca! A mama pede a todos que não mexam mais

neste assunto. Apesar de ser domingo (dia forte do footing), Ernesto chegou meia hora

antes, e sentou-se ao lado dela. Sabia que o cunhado já tinha ido embora. Não conversou nem fez sexo.

Ninguém fez uma recriminação a ele, nem se desculparam com ela. Duzinda não falou nada ao marido sobre a calúnia de que ele a havia

acusado. Imaginava que dessa forma evitaria problemas e chateações. O certo é que, com sua omissão, criaria outros maiores.

Às vezes tinha vontade de fazer sexo. Eram todos os hormônios de sua juventude, misturados com suas fantasias. Apesar destas estarem cada vez menores, ainda habitavam sua alma.

VI Ela achava que, se não reclamasse, não revindicasse e aceitasse tudo,

não teria problemas e contrariedades. Triste engodo. Quanto mais uma pessoa se deixa abusar, mais abusada

será. Um dia, Ernesto ganhou no jogo do bicho uma quantia grande. Chegou em casa exultante. Todos ficaram radiantes. A sogra, então, chamou o filho para a sala, e os dois começaram a fazer

planos para o dinheiro. Remendando umas roupas dos filhos, Duzinda chegou à sala para

escutar a conversa, ficar perto das pessoas. Nem imaginava interferir no destino do numerário, muito menos que fosse para si ou para os seus filhos. Só queria ficar ali, mesmo sem falar.

D. Filomena a olhou com severidade. – O que quer? – Nada. – Então nos dê licença. Não vê que estamos tratando de assunto sério, e

que não lhe diz respeito? Ela saiu de cabeça baixa, muito sem graça. Como sempre, sem falar

nada. – Que absurdo, querer se meter em coisas nossas! Ainda se fossem as

suas irmãs... Mesmo assim, não tinham que colocar sua “colher”.

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Ele concordou com a cabeça, dando um sorriso, como se a esposa tivesse feito um ato errado.

Na verdade, a ela cabia metade da quantia, pois era casada com ele. Na época, usava-se o matrimônio com comunhão universal de bens, portanto ele só podia decidir sua meação. A outra parte era dela, que poderia fazer o que bem quisesse.

A sogra só devia ter dado conselhos, entretanto não foi o que aconteceu. O dinheiro foi gasto por ele, seus pais, até alguma coisa por suas irmãs.

A ela não coube nada. Nem a seus filhos. Nem comunicação, nem explicação. CAPÍTULO 9

I Candinho morreu. Iolanda sentiu muito. No dia do enterro, nem lembrou de fazer a pinta. Sentiu também alívio, pois os últimos tempos tinham sido difíceis e

exaustivos. Era muito sacrifício, e a triste certeza de que a doença acabaria com o

marido. Entretanto ela não era de desanimar nem desistir. Ao contrário, a luta

lhe dava forças para continuar a batalha, cada vez com mais garra. O pior era saber que perderia a guerra.

– Pra que tanto esforço, tanto serviço? Você sabe que fim ele terá? – Ora, parar de trabalhar na fábrica, eu não posso, senão morro de fome. Parar de trabalhar aqui em casa, também não posso, se não isto vira um “chiqueiro”. Parar de cuidar do pobre doente, eu não tenho coragem. Deus há de me dar forças. Espero... Sua vida até aliviou, e nos próximos dias, ela já voltava a fazer a pinta.

– Que homem! Casar com você sem ser virgem. Isso é raro. Eu achava impossível.

– É, Candinho soube entender minha desgraça e me deu a sua mão. – E na época ele nem sabia que estava doente. – É, ele não sabia. De repente ela parou e pensou: – Ou será que sabia? Iolanda ficou meditando algum tempo. Depois falou consigo mesma: – Ou será que já sabia que estava doente quando me conheceu, por isso

tanto altruísmo? Ficou pensando, pensando.

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– Ah, sabe de uma coisa? Ele casou comigo, nós nos amamos. Com ele, eu soube como é sexo com respeito. Tivemos uma filha, e muitos momentos de felicidade. Que importa isto ou aquilo?

Foi ao espelho e fez sua pinta, no capricho. CAPÍTULO 10

I Duzinda deixava-se abusar cada vez mais. Infelizmente sua cunhada Imaculada ficou tuberculosa. Na época a

doença era fatal e apavorante. O pior é que era contagiosa. Mesmo com os conhecimentos atuais e os avanços tecnológicos, ainda

hoje há preconceito e resistência em se cuidar de doença transmissível. Na época era uma calamidade. A grande maioria das pessoas fugia dos tuberculosos, acintosamente. Quando o doente ficava em estágio avançado, era internado em um sanatório, permanecendo em isolamento.

Não foi difícil imaginar quem foi designada pela sogra para o tratamento da infectada.

– Bambina, o médico nos deu uma notícia trágica e triste. Minha filha Imaculada esta tuberculosa. Que tristeza!

Chorava, esbravejava e gesticulava. – Eu fiquei muito triste, D. Filomena, quando soube. – Imagino. A Imaculada gosta tanto de você! Sabe quem ela escolheu

pra cuidar dela? – Nem imagino, D. Filomena. – A cunhada querida, a Duzinda. Na verdade, Imaculada, se pudesse escolher, ia preferir ela mesmo. As

outras eram preguiçosas e não tinham boa vontade. – Preciso falar com Ernesto. – Não precisa, eu já falei. – Ele concordou ? – Concordou. Ele sabe que você é muito boa, adora trabalhar, e não ia

se importar. Além do mais, você é que a poverella escolheu. – Ele falou que eu sou muito boa? Ela enganava-se com uma frase que todos sabiam que o marido não

havia dito. Isto porque ela não queria tomar nenhuma atitude e ia se acomodando, se anulando.

– “Arnesto” ama muito você. Aliás, aqui todos nós gostamos. No começo, não vou mentir, eu imaginava uma esposa melhor pro meu bambino. Mas aos poucos, passei a querer bem a você. Absurdamente, ela agradeceu.

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Assim ela começou a cuidar da doença da cunhada. Deveria ter exigido não fazer mais o serviço da casa. Entretanto isso não aconteceu. Como se não bastasse, nem em relação a seus filhos, ninguém colaborava para cuidar. O marido se omitiu totalmente. Estava bom para todos. Ela não reclamava de nada. Achou que nada mais deveria ser feito. Trabalhava mais que de sol a sol. Só ficava sem fazer nada quando ia dormir. Antes de deitar, tinha que tomar banho, pois seu par, quando a procurava para fazer sexo, queria bom cheiro. Caso contrário, ela, acordada no meio do sono, levantava e tinha de ir se lavar, pois ele queria assim. Suas fantasias diminuíam a cada dia que se passava. Era comum sua comida ficar para segundo plano. Muitas vezes, as complicações da doente ou o exagero de tarefas a deixavam até sem alimentação.

II Seus pais continuavam impassíveis. Seu Manoel ainda defendia a tese de que a filha havia desonrado a

moral dele. Como se isso fosse possível. Não queria nem ouvir falar em seu nome.

Ainda para agravar, acontecia que as pessoas que queriam machucá-lo, perguntavam-lhe por ela, pois sabiam que iriam fundo na sua ferida. Muitas vezes usavam isso até para mudar um assunto de cobrança, e assim o comerciante intransigente ficava com um ponto a menos. O fato não seria bem assim, mas sua mente retrógrada tornava.

Era egoísta. Só se importava com dinheiro e poupança para o futuro dele. Desta forma, ele odiava cada vez mais a pobre e infeliz filha. Nunca se preocupou com seu destino. Muito menos com sua felicidade. Ou infelicidade.

Numa tarde, em que a venda estava vazia, D. Laura, depois de comprar e pagar algo, contou-lhe todos os infortúnios e sofrimentos de Duzinda. Ele já devia saber, porém ninguém havia tomado uma atitude tão direta. Esperava-se então que ele tivesse uma decisão. Apesar dela ser uma pessoa modesta, pelo seu conceito na comunidade, ele respondeu:

– Agradeço a senhora pelos bons propósitos. Aquela criatura escolheu sujar nossa honra. Para a minha pessoa, ela e sua descendência não existem.

– Seu Manoel, se ela errou, já pagou tão caro! Caro demais. Dá a mão para ela. Perdoa!

– Nunca! Com todo o respeito que a senhora me merece, este assunto

está encerrado.

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Na época, essas frases faziam efeito. A mãe só chorava, quando sabia dela. Chorava muito. Continuava a mesma: ninguém nunca soube se ela sentia vergonha, se

nunca perdoou a filha, ou se sentia remorsos por nunca ter feito nada. Ou simplesmente era omissão, pois podia ter ido vê-la escondido do marido, se realmente quisesse.

Só uma coisa era certa: ninguém da família dela nunca foi procurá-la ou se interessou pela sua vida.

III Com exceção dessa atitude da boa tia Laura, a vizinhança falava muito

da situação da jovem. Era o assunto da comunidade. Mas ninguém fazia nada para ajudar.

Quando havia algum interesse, até alguma frase maldosa soltavam para a família. Entretanto atitude concreta, conversa franca e de propósitos altruístas com a matriarca, com o marido infiel e abusador, ou mesmo com alguém da família, ninguém nunca teve.

Também, ao contrário, quando interessava agradar algum dos membros da família, havia sempre aquela pessoa insensível e falsa para justificar os atos de abuso. Até criticar a pobre nora:

– Quem manda ser boba, ele só tem que abusar mesmo. Isso era exceção, pois a grande maioria criticava muito. Infelizmente

não por sentimentos positivos. Parecia que todos gostavam mesmo era do fuxico. Este imperava. E de

assistir calmamente a infelicidade dela, sem querer nem precisar fazer nada. Podia-se até ter a impressão que todos gostavam que a situação

continuasse assim. IV

Imaculada piorava cada dia mais. Duzinda, cada dia mais magra. Começou então uma tossinha. No

começo ninguém notou, como nada notavam nela. Porém a tosse foi piorando, piorando, até que a sogra desconfiou que

alguma coisa não estava bem na saúde da jovem. – Só falta ela estar doente e passar pro meu bambino. Os dois dormem

juntos. Mesmo assim, ainda demoraram algum tempo para levá-la ao

farmacêutico do bairro. Este desconfiou de imediato de que era coisa séria. Logo depois veio o veredicto: ela estava tuberculosa. Na tarde em que ela voltou do médico, ao chegar em casa, viu os filhos,

que brincavam no corredor perto do portão. Pegou-os pela mão com

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docilidade e carinho, como sempre havia sido seu jeito, e caminhou até o fim da rua.

Escutou quando chamavam seu nome, mas não quis atender. Andou pelos matos, perto da linha do trem, brincando com os filhos,

como se fosse uma criança também. Ali, arrependeu-se de nunca ter feito isso antes.

Quando anoiteceu, voltou. Imaculada havia falecido. Ela não chorou nem ficou triste. Também não

ficou alegre por não ter mais que cuidar da cunhada. Por que Duzinda e Iolanda cuidaram de pessoas tuberculosas, com alto

índice de contágio, e uma contraiu a doença e a outra não? Seria herança genética? Vontade de viver? Alimentação correta? Força

de luta? ou o quê?

V Como já era previsto, ninguém cuidou da nova infectada. Ela mesma é que era sua enfermeira. Se é que assim se podia definir.

Com morbidez se diria, que a única vantagem seria que já tinha prática. Porém isso não lhe adiantava quase nada.

A comida já não fazia. – Não quero uma tuberculosa cozinhando para nós, vai nos contagiar. O serviço da casa, a cada dia que passava, ela fazia menos, pois suas

forças iam sumindo. A doença aumentava vertiginosamente. Os filhos, ainda era ela que cuidava. O marido continuava sua vida de antes, sem se importar nem com ela, nem com as crianças. Como queria continuar psicologicamente solteiro, seus descendentes não lhe diziam nada, não faziam-no sentir nada. Também ninguém lhe fazia nenhuma cobrança de sua paternidade.

Ele ficou sozinho no seu quartinho. – O meu bambino não pode pegar a doença, poverello. A avó tinha amor pelo filho. Único varão que ela concebeu. Os netos da nora não lhe tinham o mesmo sentimento. A mãe das

crianças tinha entrado pela porta errada da família, tirado suas fantasias, absurdas, sim, entretanto ela a culpava pelo desmoronamento de um suposto casamento glorioso.

Duzinda nunca exigiu para si o amor do marido nem de ninguém da família. Nem o mínimo para a sua dignidade. Ao contrário, deixou abusarem infinitamente. Lamentavelmente seus filhos ficaram no mesmo nível. Ninguém precisava amá-los, nem agradá-los, nem cuidar deles. Haviam outros

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netos, que não eram tão retraídos como os dela. Ela sempre os colocou perto de si, fazendo o possível para que eles não incomodassem nada, nem ninguém. Para não darem trabalho e não ter quem reclamasse deles. Depois da morte de Anunciata, seu marido, Pepino, havia voltado para a casa dos pais dele, então a nossa doente e os filhos foram para esse quarto. Era o medo do contágio e o desejo de isolamento. D. Filomena blasfemava muito. – O azar tomou conta de nostra casa. O que acontecera de trágico para elas, é que as mulheres da casa tiveram que voltar a fazer as lides domésticas. Apesar da matriarca reclamar, gritar, gesticular aos céus, não havia como mudar a situação ou voltar ao que estava. Não demorou muito, como era previsível, e Duzinda piorou verticalmente.

Não houve dúvida, internaram a infeliz num sanatório em Campos de Jordão. Gratuito. Lá ela ficou isolada.

CAPÍTULO 11 I

Depois de viúva, Iolanda foi refazendo sua vida aos poucos. Continuava a trabalhar fora. No começo, ficar sem fazer quase nada no domingo, já era ótimo. Porém ela era muito ativa e tinha uma energia muito grande. Passou, então, a começar a se divertir um pouco. Ia passear com sua menina e levava sempre alguma amiga ou parente.

Nova, velha ou criança, todos gostavam de acompanhá-la. Ela chegou a ir ao Jardim da Luz, entretanto ela achava lá muito chique,

pois iam pessoas dos bairros cujos moradores eram ricos e elegantes. Por este motivo, ia esporadicamente.

Um domingo, levantou bem cedo para ir ver o mar em Santos. Foi de trem descendo a serra. Ela, a filha, uma vizinha solteirona e um

primo, moleque de onze anos. Ia alegre e feliz. Com a pinta no rosto. – Só vi o mar e a praia quando eu era criança. A Cleide nunca viu. Levaram um frango, farofa e água. Ela levantou de madrugada para

preparar tudo.

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Chegando lá, foram direto para a praia. Haviam levado maiô, trajes de banho, embaixo da roupa.

Inicialmente se deliciaram vendo aquela deslumbrante paisagem. Depois deixaram as roupas e seus pertences num canto da praia.

Corriam sem preocupações. O melhor mesmo foi quando entraram no mar. Pulavam onda e

brincavam, divertindo-se muito. Muito mesmo. A diversão estava tão boa, que nem lembraram de comer. Lá pelas três horas da tarde, saíram da água. Devoraram o frango e a farofa. – Nunca vi comida tão boa.

– O tempero é a fome. A água já tinha sido toda consumida, mas ela arrumou mais com pessoas que estavam na praia. Sem tomar banho de água doce, puseram suas roupas e voltaram para São Paulo. No trem de volta, todos riam como crianças. Alegres e felizes. Chegando em casa, tomaram banho, e foram dormir. Cansados e maravilhados. No dia seguinte continuava sua rotina: trabalhando na tecelagem de dia, e, quando voltava, em casa, nas lides domésticas. Sempre com a pinta no rosto.

II Iolanda gostava também de ir a festas por ali, na casa de parentes ou vizinhos. Sempre com a filha. Eram eventos simples com doces e salgados feitos pela dona da casa, que eram colocados numa mesa com a melhor toalha. Quando era simples aniversário de criança, tinha só groselha e leite com chocolate. Quando era festa maior, tinha refrigerante guaraná, cerveja e vinho. Além disso, em casamento tinha sempre pernil assado fatiado e chope. Todos se divertiam, alegres e felizes. Também ela adorava ir à quermesse. Ia no bairro da Penha, do Brás, da Moóca, ali pelas redondezas.

Entretanto, a de que ela mais gostava era a da Igreja Cristo Rei, no final de outubro. Como agora o Tatuapé já tinha sua paróquia, fundada havia poucos anos, ela achava melhor esta, perto de casa. Ali ela conhecia todas as pessoas, era bem mais divertido. Além de se sentir mais à vontade.

Outro lugar que também lhe parecia agradável, era ir ao Clube do “Corinthians”, lá no fim da rua São Jorge. Lá, ela passeava, e via o rio. Também conversava muito, pois quase todos ali se conheciam, pelo menos de vista.

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Os homens nadavam dentro de uma espécie de piscina de madeira, dentro do rio Tietê. A proteção de madeira servia para protegê-los de algum animal arisco. Seu irmão preferia, quando tinha companhia, ir ao Clube Desportivo da Penha, pois dizia que a água era mais limpa.

Programa gostoso e divertido também era ir ao Cinema São Luís. Lá passava os filmes de Hollywood. Às vezes, tinha brasileiros. Ela se encantava com todos.

Ela adorava os astros cinematográficos. Rodolfo Valentino e outros. Preferia sempre os atores de olhos azuis. Ficava deslumbrada.

Também era fã das atrizes. Chorou com a “Dama das Camélias”. Apesar da personagem não ter nada a ver com ela, se emocionou muito.

Mas tinha os filmes alegres do Carlitos. Nome que na época ali davam ao ator Charles Chapin. Ela não perdia um, pois eram os que ela considerava os melhores.

– Como é bom cinema! Gostava também de ficar conversando nas portas das casas com as

pessoas moradoras dali, sentados em cadeiras, banquinhos ou mesmo em pé. Às vezes ela entrava na casa de alguém para conversar. E como conversava! Falava com todo o mundo. Velhas, crianças, casadas, solteironas, viúvas, abandonadas. Com os homens também. Aprendeu a se livrar do assédio daqueles que confundiam sua independência psicológica e vanguardista com vulgaridade. E o que ela nunca esquecia era de fazer sua pinta no rosto.

III Tudo estava calmo e sossegado em sua vida, quando Iolanda conheceu Gildo. Alto, forte, cabelo preto, tez não clara e olhos azuis. Descendente de italianos. Trabalhava no Mercado Central e morava no Brás.

– Não resisto àqueles olhos azuis. – Ele não é mais novo que você? – É. Este é o ponto que está me deixando apreensiva. Eles haviam se conhecido numa das tardes em que ela foi na Igreja da Penha, e aproveitou para passear pelo bairro. Começou um interesse recíproco (na época chamavam flerte), ele se aproximou, e começaram a conversar. No início, ela não queria nenhum namoro, porém ele se pôs a freqüentar a saída de seu trabalho, voltando no bonde com ela. Conversando e conversando. Aconteceu que um dia, ou, melhor, uma noite, os dois acabaram dormindo juntos num hotel de rodízio de casais.

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– Assim não pode ficar. Eu sou uma mulher de moral, tenho uma filha para dar exemplo, vamos é ter que casar. Gildo concordou facilmente, apesar de ser solteiro. Como já tinha tido experiência anterior, ela não quis largar o emprego. – Minha filha já está uma menininha, e eu percebi que consigo muito bem conciliar as tarefas do lar com o trabalho na tecelagem. Assim resolveu e se casou. Sem muitos rodeios. Ele veio morar em sua casa. Com ela e com a filha. A boa tia Laura continuava a cuidar da filha.

Por sorte, ela não largou o emprego, pois aos poucos foi percebendo que o seu galã não era um modelo de trabalhador. Ficava a desejar. Ia para a banca do Mercado quando “lhe dava na telha”. Quando namoravam, ela não o via pela manhã, assim não pôde fazer uma avaliação correta. Se soubesse, não se sabe qual teria sido sua reação. Ou teve ela condições de saber?

O certo é que, apesar disso a incomodar muito, ela continuou a fazer a pinta no rosto.

CAPÍTULO 12 I

Duzinda foi internada no Sanatório. Lá era tudo muito triste. Os doentes isolados, sem esperança de cura, fatalmente entravam em depressão. Com isso, tudo piorava muito. A doença tomava conta devastadoramente. Quando ela foi, pediu só para levarem seus filhos, para ela vê-los. A boa tia Laura foi comunicar o acontecido para a família dela e avisar o dia da visita. Duas semanas depois, o marido e sua família resolveram ir visitá-la. Foram todos, inclusive o viúvo Pepino. Gratidão, remorso, curiosidade ou morbidez? Levaram os meninos dela. Infelizmente muito mal cuidados. Seu pai e sua mãe também foram. Sua irmãzinha, não. D. Laura arrumou um jeito de todos se encontrarem na estação de trem. Só havia aquela viagem pela manhã, no domingo. As famílias foram sem se comunicar. Nem mesmo com as crianças.

II Os doentes recebiam suas visitas num parque, que tinha até bancos.

Dentro do quadro, era até um lugar bonito. Chegando lá, seus filhos não puderam passar de um salão.

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Ela teve de vê-los através de um vidro. Chorou muito. As crianças também. Baixinho, mas com muita saudades da mãe. Mesmo assim, o encontro durou pouco tempo.

Em seguida encaminharam-na ao jardim para receber suas visitas. Ali havia, vendendo maçãs, um senhor chamado José, que nascera no

Tatuapé. Teve o desgosto da mulher o largar, e fugir. Por isso, foi morar em Campos de Jordão com uma irmã, que havia se mudado para lá. Todos se conheciam e se falaram, até aliviando o ambiente. Duzinda sentou no meio de um banco. Mesmo porque não estava agüentando ficar em pé. As outras pessoas se acomodaram em volta. Seu Manoel, o pai, então, falou: – Duzinda, podes pegar as maçãs que quiseres. Eu dou ordens ao José, e ele me cobra em São Paulo. O marido acrescentou : – É, Duzinda, pode pegar com o José o que quiser, que eu também pago. – Agora é que vocês lembraram de me fazer um agrado. Agora que eu estou morrendo. Por que não fizeram enquanto eu era saudável e cheia de vida? Agora não preciso mais! Levantou-se, tossindo muito, e quase sem poder se equilibrar em cima do corpo, foi embora. Todos ficaram em silêncio. Mesmo sem querer admitir, todos lamentavam as ações destrutivas ou omissas que haviam praticado. Nenhum daqueles presentes nunca mais esqueceu a cena. E, ao lembrar, se arrepiavam. Ela morreu pouco tempo depois. Ninguém se lembrou de colocar na morta o vestido rosado. E todas as pessoas daquela comunidade, que conviveram com ela, ou ficaram sabendo dos acontecimentos, contaram a sua triste história durante décadas.

FINAL DA PRIMEIRA PARTE SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO 13 I

Iolanda continuou a levar sua vida, trabalhando fora. Logo ficou grávida, e imaginou que o casamento teria de ficar consolidado. Nasceu então Sônia. Esta herdou do pai as feições bem delineadas, e da mãe a cor mais clara. Os olhos eram verdes e o cabelo castanho escuro. Havia um contraste. Também era bonita. Cleide se tornava uma meninota. A filha mais velha era miúda e a mais nova era mais grandona. Ambas, belas.

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– Tenho que agradecer a Deus. Tenho duas filhas perfeitas e sadias. – São lindas!

– Lindas, não sei se são. Eu as considero, mas os outros podem não concordar.

– Todos acham, sim. – Pra mim isto não é importante. Eu vou lhe falar uma coisa: a beleza

demais atrapalha mais do que ajuda. A não ser para artista de cinema. – Nossa, Iolanda, que maneira de falar... – É verdade. Tem inveja por todo o lado. Além do mais, o “lindo” ou a

“linda” se acostumam a serem reverenciado pelo sexo oposto, sem conquista. Principalmente na adolescência e na juventude. Aí se esquecem de que na vida terão de lutar muito para vencerem. Eles não se preparam para isso.

Tia Laura, que vinha entrando e escutou a conversa, disse: – Nisso você tem razão. Temos que estar sempre lutando. Eu concordo

com você. Além do mais, a beleza demais dá um orgulho e uma empáfia. A pessoa fica insuportável de se aturar.

– E a inveja, então ? Acaba com uma pessoa. – Bom mesmo é que nem eu sou. Não sou linda, mas também não sou

feia. Dou um bom “caldo”! E ainda tenho a pinta. Todos riram muito, e o grupo se dispersou. Apesar de não haver motivo, ela se lembrou de Candinho. Ele ficou

doente, entretanto era muito trabalhador. O segundo marido, apesar de bem saudável, já não era.

Ela até tentou argumentar, conversar. Não adiantou. Fez forrobodó, xingou e esbravejou. Também não adiantou. A boa tia Laura andou conversando com ele. Também não deu em nada. A única coisa em que ele era bom, era em sexo. Conseguia levá-la aonde dantes ela não havia cogitado. E ela, com ele, se soltava totalmente. Agora era mais experiente, e não tinha as culpas e os temores de moça. Por isso e mais aquilo – ou não se sabe o porquê – ela foi se conformando com a preguiça dele. Mesmo sendo raros os casos, na época a mulher podia trabalhar para seu sustento, e seu companheiro ficar folgado. Ninguém achava esta situação nada digna. Entretanto, todos achavam normal o homem não ajudá-la nos afazeres domésticos. Lá por vez e outra, quando se chateava com alguma coisa, Iolanda fazia um escândalo.

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– Você é um vagabundo. Além do mais vive atrás de um “rabo de saia”. E sentenciava : – Você não presta! Os ciúmes dela não eram em vão. Gildo tinha saúde e corpo vigorosos. Como não gostava de gastar suas energias com o trabalho, sua cabeça começava a inventar coisas. Olhar as mulheres dali era algo que ele fazia muito bem. Não tinha intenção nenhuma de ir para outro relacionamento. Era só distração. Para passar o tempo. E todas as “fulanas” dali, que tinham fantasias, principalmente sexuais, davam corda. E assim se instalava a confusão. Como ninguém queria enfrentar Iolanda – nem ele, nem elas – a coisa ficava camuflada. Ela também não fazia muita questão. Tinha as filhas, e tantas batalhas perdidas. Porém todas estas situações negativas a incomodavam muito. Assim, foi levando a vida. Cleide ficando mocinha, Sônia crescendo. A tia Laura já não cuidava de suas filhas em sua casa. A mais velha olhava a menor. A tia, sempre por perto. E o marido também. De vez em quando, Iolanda pensava em Candinho. Apesar de toda a vitalidade de Gildo, ela tinha saudades da tranqüilidade da vida e dos carinhos singelos do falecido marido. Entretanto, como não era mulher de ficar se lamentando e vivendo o passado, continuava a luta. Sempre sem esquecer de fazer sua pinta no rosto.

II Os filhos de Duzinda foram para um orfanato.

Todos – o pai, os avós paternos e maternos, e os parentes – se omitiram. Desviavam o assunto e ninguém deu explicação nenhuma.

Quando alguém, por algum interesse próprio, queria azucrinar algum deles, puxava o assunto. E, com cara-de-pau, mudavam o rumo da conversa.

Todos haviam se acostumado a não ter que dar nada a ela. Seus filhos foram a continuação.

– O orfanato é bom. É uma maravilha. Evidentemente que isto não era certo. Havia falta de amor e de família. Nas datas importantes, o pai ia visitá-los. No começo. Depois começou a rarear. Entretanto nunca deixou de ir definitivamente. Vez por outra, ia algum parente. Raramente, bem raramente.

III

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– Não posso arriscar, deixando a honra da família novamente se enlamear.

Com esses pensamentos, Seu Manoel resolveu casar a filha mais nova logo, quando ela fez catorze anos. E arrumou um patrício seu, o Joaquim, de quarenta e sete. Trinta e três anos de diferença.

Izilda ainda não tinha menstruado, e era uma menina em tudo. Então os dois – o pai e o noivo – entraram num acordo: – A lua de mel fica adiada até que o corpo dela esteja com as “regras”. O peito mal começava a despontar. Desnecessário dizer que o tal português era um homem rico. A cerimônia foi simples, porém de vestido branco de noiva e bolo de

casamento. Na igreja e no civil. Como mandavam todos os costumes da época. A menina estava alegrinha. Só de estar numa festa já bastava, ainda mais ela sendo o centro de tudo. Todos lhe dando atenção, fato este que não era comum. Até o pai. Ria descontraída e até pulava. Quis até pegar o boneca antiga para também participar. Foi quando a mãe lhe censurou : – Você agora vai ser uma esposa. Não pode mais brincar de boneca. Que menina sem juízo! E pare de pular também, que não convém a uma senhora! Terminada a festa, os nubentes foram para a casa do noivo. Ele havia montado uma rica casa para ela. Ele próprio escolheu tudo.

Ela levou a boneca escondida. A menstruação demorou uns meses. Enquanto isso, ele se refastelou no corpinho impúbere dela. Bolinava e fazia estrepolias sexuais. Ainda se gabava a um amigo: – A virgindade dela eu respeito, mas sou um homem viril. Tenho o direito de me satisfazer, de gozar o sexo. – Lógico. Homem que fica sem sexo, fica louco. Apesar do absurdo da afirmação, era o esperado. Inclusive pelo pai dela. E foi o que aconteceu. No início, ela se punha a chorar, fugindo dele. Os hormônios não tinham chegado para lhe darem desejo. Entretanto, como ele, excitado, ficava muito bravo, ela começou a se sujeitar aos abusos sexuais. Absurdamente o pai estava tranqüilo com a vida conjugal da filha. – Agora estou sossegado com a honra da família.

IV Ernesto continuou sua vida. Só que agora tinha se apagado o brilho. A infelicidade da falecida afugentava as donzelas casadoiras. As mulheres que queriam emoções com homem casado também se afastaram. Umas, por motivos psicológicos, só queriam quem tivesse mulher. Outras não queriam

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envolvimento nenhum: preferiam alguém com situação familiar comprometedora, e assim não precisavam assumir nada. Também tinha o fato de que ninguém ali havia gostado do desfecho daquela história. Para agravar mais, D. Filomena e ele haviam ficado traumatizados com as doenças na família. Passaram então a se alimentar em demasia. A mãe lhe entuchava de comida. A conseqüência disso foi que ele engordou. E se “enfeiou”. Porém como sempre aparece alguém para quem procura, um dia ele conheceu uma outra pessoa. Em pouquíssimo tempo estavam juntos e casados. Só que essa, precavida pela antiga história, foi morar no bairro de Santo Amaro, no outro extremo da cidade. São Paulo já era uma metrópole tão grande, que as pessoas que moravam numa região nunca iam às outras partes da cidade. Hoje muito menos. Os que vão são exceções.

Por isso, ela foi para bem longe da família dele, e arrumou um trabalho em que iam os dois juntos. Também não deixava ele sair sozinho de jeito nenhum. – Poverello do meu bambino. A mulher é um grude! Apesar de não se esperar isto, ele continuou naquele casamento. Talvez até estivesse melhor do que com a primeira esposa, pois ninguém é feliz gerando destruição.

V Cleide já tinha menstruado, feito corpo e se tornado uma mocinha bonitinha. Era do tipo “minhon”. Sônia já era uma menina. Iolanda continuava a trabalhar fora, e o marido fazendo o mínimo possível. Tudo ia indo, quando Gildo começou a notar a enteada. Ele já não era tão jovem, e começou a ter necessidade de excitações extras. Contribuía para isso a sua falta de realização profissional, de luta de vida. Começou achando que a mulher já não tinha o viço de outrora, e que a jovem era fascinante. Depois passou a achar que ela era a moça mais bonita que ele conhecera. No começo, ele ia pausadamente, mas com o passar do tempo, ele se tornou obcecado. Queria a enteada de qualquer jeito. De início, ela não percebera, depois não queria perceber. Entretanto o assédio era tão grande, que ela não pudera deixar de notar.

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A única vantagem é que parecia que ele não usaria de violência. Queria seduzi-la com o consentimento da própria. A discrição inicial deu lugar a que todos percebessem o que estava para acontecer. Só Iolanda não podia perceber. A boa tia Laura teve dó da sobrinha. – Já sofreu tanto, não merece sofrer mais. Ninguém tinha coragem de contar a ela. Uns por não querer confusão para o seu lado. Outros, como sua tia, tinham piedade dela, por tudo que ela já passara, e pela tragédia que estava por vir. Porém tudo ficou tão óbvio, que até a filha dele percebeu.

Um dia, o pai havia saído e a mãe chegara do trabalho. Cansada, deitara por uns minutos na cama. Então Sônia, em sua meninice, chegou perto dela e disse : – Mãe, o papai está tentando namorar a Cleide. – Como está tentando namorar? – Quando você sai para trabalhar, ele fica o tempo inteiro atrás dela. Até no quarto dela ele quer entrar pra namorar. Ela é que não deixa. Quando ele consegue entrar, ela foge. Até pela janela já aconteceu. Muitas vezes ela me pega e vai pra casa da tia Laura. Iolanda estava atônita. – Sabe, mãe, antes eu não ligava muito. Só não gostava por causa da minha irmã, que ficava nervosa e se aborrecia. Também, tinha meu pai que ficava daquele jeito. Iolanda olhava a filha. A menina continuava em sua inocência. – Agora não, mãe... – O que tem agora? – Agora o papai quer pegar a Cleide de qualquer jeito. Quer beijar a boca, abrir a blusa. Como ela não quer, ele pega com força e machuca. Ela me disse que ele ainda vai machucá-la muito e “de verdade”.

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Ela parou por um tempo, pensando. Abismada. Depois, gritou: – Cleide e e e ! – Que foi, mãe? – É verdade que o Gildo está querendo te namorar, te pegar? A jovem se pôs a chorar, soluçando muito. – Cleide, minha filha, eu preciso saber a verdade. E é por você, não por

ninguém da rua. Responda-me: é verdade que aquele sem-vergonha está querendo você?

– É, mãe. Você não imagina como me custa falar isso! As duas choraram muito. Sônia, ao ver a cena, também. De repente, ela levantou: – Deus há de me ajudar! Em seguida, foi ao guarda-roupa. – Sônia, chama a tia Laura para ela vir agora aqui em casa. Rapidamente retirou tudo que era dele do guarda-roupa, e colocou em

duas fronhas. Quando a tia chegou, ela disse : – Quero lhe pedir um favor. Leve isto para sua casa, vá ao bar e avise o

salafrário do Gildo pra levar as coisas dele embora daqui. E nunca mais me procurar. Nem a mim e muito menos a Cleide. E nunca mais é nunca mais.

D. Laura logo percebeu o que a sobrinha descobrira. O marido também. Ele tentou voltar, através de recados por parentes dele. Mandou pedir

perdão e dizer que, se ela o perdoasse, ele seria o modelo de marido. Evidentemente ela nunca acreditou. Nem deveria. Não era mulher de fantasiar a realidade da vida.

Por respeito ou medo a ela, ele nunca mais voltou. Como a semana havia se encerrado, ela arrumou suas coisas, e das

filhas. Foram para a cidade de Jundiaí. Era perto e lá morava uma tia sua, também por parte de pai.

Voltou no final do domingo, rindo muito. Queria esquecer as mágoas e as desilusões da vida. Por isso procurava a alegria. Primeiro para se anestesiar, depois porque ela queria era ser feliz.

Sempre com a pinta no rosto. CAPÍTULO 14

I Ernesto teve dois filhos no segundo casamento, um morreu de

escarlatina. Essa doença matava na época. O outro vingou, entretanto não teve

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um desenvolvimento mental satisfatório. Mas cresceu, e se tornou adulto. Seu casamento durou para sempre.

Ele viveu muitos e muitos anos. Apesar de muito nova, Izildinha, aos poucos, soube se impor como

mulher. Floresceu em sua juventude, enquanto o marido decaía. Seu Manoel, pai de Duzinda, trabalhou muito na vida e teve muito

pouco lazer. Quando morreu, deixou por herança várias propriedades. Tinha também uma quantia muito boa de dinheiro, que ele havia poupado. Teve o seu objetivo de vida alcançado.

As filhas de Iolanda ficaram moças bonitas. Casaram e deram netos. Montaram uma pequena loja de armarinho, onde se revezavam. Sônia se separou do marido. Seguindo o exemplo da mãe, as duas sempre foram lutadoras.

Depois de dez anos, ela pediu o “desquite” para Gildo, que não fez nenhuma objeção. Ele estava vivendo com uma cabeleireira, que estava no quarto ou quinto relacionamento conjugal.

Muitas décadas depois é que surgiria o divórcio. Para ela, isso não era importante.

– Homem na minha casa, nunca mais. – Você vai querer nos convencer de que nunca mais namorou, nem vai

namorar ? – Isso é problema meu. Ninguém me sustenta, por isso ninguém tem

nada a ver com minha vida. – E se alguém achar que você faz. – Faz o que ? – As pessoas imaginam certas coisas ... – É lo stesso para o que pensam os outros, principalmente imaginação.

Se for me importar com isso, fico louca. – E se alguém quiser casar com você? – Eu sou desquitada, não posso casar. – Viver junto, igual marido e mulher. Tudo com muita moral. – Não, não quero, não. Assim estou muito bem, pelo menos por

enquanto. – Não é todo homem que é igual ao Gildo. Tem padrasto que respeita as

enteadas. – É verdade. Tem. Mas eu tive azar, uma experiência ruim nesse

sentido. Ainda tive sorte de não acontecer nenhuma tragédia. É melhor ficar assim mesmo.

E continuou seu caminho.

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Sua vida teve outros problemas, até tragédias. Também choros e risos. Ela sempre lutando. Entendia que a vida é resolver problemas. Quando acaba um, surgem outros. Isso é o normal. Por isso, sempre foi uma vencedora.

Iolanda viveu décadas e décadas. Sempre com muito vigor e muita saúde. Sempre fazendo sua pinta no rosto.

II Vitório havia montado negócio próprio. No começo foi duro. Só não

passaram fome porque o pai dele ajudava, e Concheta era muito econômica. Como o local da casa paterna era muito longe, na época, ele resolveu vir

para perto da Avenida Celso Garcia. Aí tinha ainda que pagar aluguel. Roupa, lazer, nem pensar. Iam à casa da mãe dela e passeavam na

avenida. Quando tinha quermesse, iam só andar e conversar com as pessoas. Gastar, nada. Dona Filomena e Seu Armando não se conformavam com o que consideravam um grande erro.

Ele continuava com seu objetivo. Era muito trabalho, muita determinação e muito entusiasmo.

No início, não dava muito. Muito arroz, ovo e banana. Entretanto aos poucos começou a melhorar. Ele se agarrava a todo negócio e a toda encomenda com uma dedicação enorme.

Foi melhorando, melhorando, até que ele teve de arrumar um ajudante. Desse empregado tiveram de vir outros.

Em dez anos, já havia uma pequena indústria. Sempre com muita economia. Não se passava mais necessidade na comida, a mulher comprava roupas, porém ainda moravam na mesma chácara do pai. Só fizeram um quarto a mais, para os filhos.

Os sogros dele faleceram. Na década de 1960, já tinha casa boa. Um sobrado perto da Biblioteca

do Tatuapé. Ao lado da sua, comprou outra para seus pais. Na chácara do pai, construiu uma fábrica grande. Já era um industrial.

Aos poucos foram se afastando dos parentes. – Só sabem pedir dinheiro e não adianta querer ajudar. Infelizmente isso era verdade. Se era ou não esnobismo, as diferenças

sociais e financeiras iam fazendo um abismo entre eles. Até Júlio não foi longe. Não tinha do pai o tino para crescer em

dinheiro. Quando esse morreu, herdou seus bens. Fazia muito em não ir para trás. Seu patrimônio já não dava para comparar com o cunhado rico, que estava bem à frente.

Na década de 80, os filhos de Vitório não se conformavam mais em morar ali. Estavam ricos. Queriam ir para outro bairro. Ele e a esposa, não.

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Foram morar no Jardim Anália Franco, local um pouco mais chique, no mesmo Tatuapé. Gostavam do pessoal dali. Longe, sentiriam falta.

Os descendentes foram para domicílios sofisticados. Eles construíram uma grande indústria na periferia da Grande São

Paulo, pois ali naquele bairro não deveria ter mais poluição. Ao galpão da antiga fábrica, foi dada outra destinação. O patriarca então disse:

– Mandem fazer um estudo com especialistas sobre qual atividade dará melhor retorno de aluguel: hipermercado, shopping ou casa para grandes eventos. Abram também para outros investimentos que não nos passem pela cabeça.

Isso foi feito. Agora, eles já iam por helicóptero, do escritório de luxo (o leitor

escolhe: na Avenida Paulista, na Avenida Faria Lima ou na Avenida Luís Carlos Berrini) para a fábrica na periferia.

Quanto o milênio terminou, suas empresas lhe davam uma situação privilegiada no setor financeiro.

Vitório estava muito velho, entretanto ainda era o “cabeça” das empresas. Os filhos, e agora já os netos, pegaram tudo fácil. Juntos, cresciam vertiginosamente.

Políticos e artistas lhe bajulavam. Governadores lhe rendiam homenagens. Até ministros. O próprio Presidente da República já lhe telefonara.

Concheta aparecia na mídia como mulher elegante e fina, e era considerada a “nata” da mulher paulistana e paulista.

E ela nem fazia questão disso... III

Duas vizinhas varriam a porta de suas casas. – Hoje acordei me lembrando da Duzinda. Não sei por quê. – Poverella. Acho que ninguém se lembra de rezar, nem fazer uma

oração por ela. – É, mesmo. Vou mandar rezar uma missa por ela. – Sofreu tanto! Seu Válter e Dona Laura, os dois irmãos, vinham subindo a rua. – É, D. Laura, eu estava aqui falando, que hoje acordei lembrando da

Duzinda. Quanto sofrimento! – Apesar de que a sua Iolanda teve tragédias grandes também na vida.

Mas ela soube levar adiante. – Teve até mais do que a outra. – Nem me fale, minhas senhoras. São coisas da vida. Os dois irmãos se despediram. Seguiram conversando.

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– Laura, por que você acha que uma se abateu, se anulou, e a outra, a nossa, continuou a lutar ? Eram da mesma idade, da mesma comunidade. Mesmo nível social. Aliás o pai da falecida tinha até mais dinheiro do que eu.

– Para nenhuma delas isso foi importante. – Concordo. Entretanto a nossa sempre fez questão de ser independente

financeiramente. Mas fala, Laura, por que a diferença de final? – Difícil saber. Problemas psicológicos? Exemplos familiares? Pais que

incentivaram a luta de vida? Inteligência e sensibilidade para perceber ao seu redor? Saúde hereditária que lhe dava mais forças? Religião?

– Na vida a gente vê pessoas que são felizes, mesmo com acontecimentos desagradáveis no cotidiano. Continuam com a alegria da vida. Outros têm muitos motivos para agradecerem a Deus, entretanto só lamentam. Parecem que sentem um prazer neurótico de ser infeliz.

– O dia tem vinte e quatro horas. Há exceção: em épocas em que há uma grave enfermidade ou tragédias acontecendo. Fora isso, a gente tem oito horas para dormir. Duas horas de alegrias que acontecem, meia hora de cenas desagradáveis, e o resto de rotina. Parece incrível, porém existem pessoas que ficam o dia inteiro pensando no “ruim”, que fazem questão de lhe encher a vida – Onde você achou esta divisão de horas ?

– Vendo a vida de todo o mundo. Às vezes varia. Mas preste atenção: sempre existem mais momentos agradáveis. É raro o dia em que isso não acontece. Sempre existem muito mais horas boas do que ruins.

– E a rotina também pode ser boa e realizadora. – Até prazerosa. Os dois riram. – Na verdade as pessoas não sabem apreciar a beleza e a felicidade em

pequenas coisas. Simples, cotidianas e sem brilho. Sem fantasia de nenhuma história de filme ou de novela. Tem gente que procura loucamente emoções fortes, mesmo que estas lhe façam sofrer muito.

Os dois continuaram a caminhar bem devagar, pois já estavam muito velhos. Iam cumprimentando todos que encontravam, e riam entre si. Eram alegres e felizes.

IV As duas personagens principais femininas desta história viveram

realmente. Nesse mesmo lugar, mais ou menos na mesma época. Os fatos mais importantes – Duzinda: casamento antecedido de fuga, o pai a baixar as portas da

venda, e a cena final do sanatório, e

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Iolanda: estupro por soldados, casamento com posterior tuberculose e morte do marido, e tentativa de sedução do segundo esposo com a enteada, sua filha –

foram verídicos. O “recheio” entre as histórias são fictícios.

Fizemos questão, inclusive, de manter o nome real das duas, pois não conseguimos nenhum outro que conseguisse integrar as personagens.

FIM