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4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais
De 22 a 26 de julho de 2013.
RELAÇÕES SINO-AFRICANAS, REAÇÕES NORTE-AMERICANAS:
PEQUIM ENTRE A COOPERAÇÃO E O INTERESSE
Economia Política Internacional
Painel | Trabalho Avulso
Renan Holanda Montenegro PPGRI-UERJ
Belo Horizonte 2013
RESUMO
O presente trabalho busca analisar, sob uma perspectiva histórica e crítica, as relações
entre a China e a África, sobretudo no período que se segue com o quarto final da primeira
década do século XXI, e as reações dos Estados Unidos ao estreitamento dessa parceria.
Procura-se compreender os interesses do país asiático no continente através do uso de um
instrumental analítico baseado na história e na economia política internacional. Para tal, é
descrito brevemente o histórico das relações (diplomáticas, comerciais, etc) sino-africanas e,
em seguida avalia-se o impacto dessas relações para ambos os lados sob a luz da
institucionalização da parceria – sobretudo, com a criação do Fórum de Cooperação África-
China (FOCAC) – e das relações econômicas. Será analisado, ainda, de que forma a
questão energética influencia nas relações China-África e quais os desdobramentos disso
para os Estados Unidos. Documentos oficiais e referências bibliográficas selecionadas
fizeram parte do material de apoio utilizado nas análises. Nas considerações finais, explica-
se que as relações sino-africanas têm gerado conseqüências bem delineadas em duas
frentes principais – sempre levando em conta os Estados Unidos como ator sensível aos
rebotes dessas relações. Na política e diplomática, observa-se uma institucionalização cada
vez mais avançada, ao passo que os norte-americanos seguem focando a parceria no
sentido geopolítico, o que, de certo modo, afasta os dirigentes africanos de relações mais
próximas com os ianques. Na econômica e comercial, Pequim tem desenvolvido uma
política de aproximação mais baseada nos valores de mercado do que propriamente na
atuação per se do seu aparato estatal, com destaque relevante, vale salientar, para o
aumento da participação do setor privado no referido processo.
Palavras – Chave: China, África, Estados Unidos, FOCAC, Relações Sino-Africanas
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca analisar, sob uma perspectiva histórica e crítica, as
relações entre a China e a África, sobretudo no período que se segue com o quarto final da
primeira década do século XXI. Procura-se compreender os interesses do país asiático no
continente através do uso de um instrumental analítico baseado na história e na economia
política internacional.
Para tal, descreveremos brevemente o histórico das relações (diplomáticas,
comerciais, etc) sino-africanas, em seguida buscar-se-á avaliar o impacto dessas relações
para ambos os lados sob a luz da institucionalização da parceria e das relações
econômicas. Também analisaremos de que forma a questão energética influencia nas
relações China-África e quais os desdobramentos envolvendo um terceiro ator, a saber, os
Estados Unidos. Por fim, abriremos espaço para as considerações finais.
Com os altos índices de crescimento desempenhados pelo país nas últimas
décadas, boa parte da atenção dos analistas se voltou para o espaço de tempo que se inicia
no final dos anos 1970, período inicial da reforma promovida por Deng Xiaoping. Entretanto,
as relações internacionais da China, por assim dizer, datam de tempos mais pretéritos.
É bem verdade que, na era imperial, as dinastias tendiam a dar mais atenção a
aspectos internos, sendo esse um período de profundo isolamento do país. Os esforços
ficavam restritos à periferia asiática (Nepal, Mongólia, etc). A ação militar era a grande
“estratégia” da China para com os Estados menores, então, nesse sentido, a conquista de
territórios constitua-se no norte da atuação externa da era imperial.
O período que sucedeu as navegações do conhecido Zheng He, por exemplo, um
nome conhecido na história do país por desbravar mares internacionais, foi de total
introspecção. Os sucessores dele abdicaram do interesse em explorar o mundo além do
território chinês. O país deixou a exploração marítima de lado e muitos imperadores,
inclusive, chegaram a ordenar a destruição de navios. Foi justamente a partir daí, no início
do século XVI, que a Europa ocupou o posto de maior força marítima. Estima-se que em
1503 a frota chinesa era dez vezes menor do que cerca de um século antes1.
A retomada do pensamento burocrático baseado nas idéias de Confúcio dentro das
elites chinesas fez com que, nos séculos seguintes, o país permanecesse introspecto e
xenófobo, enxergando a si mesmo como um modelo ao qual outras nações deveriam seguir
e vendo o mundo externo como inferior e, não raro, como uma ameaça. Já no século XVII,
através de uma maior flexibilidade no pensamento confuciano voltado para as relações
internacionais, a China Imperial assinava seu primeiro tratado com um país europeu: o
tratado Nerchinsk.
1 Mitchel e McGiffert, op. cit., p. 11.
Assinado em 1689, o documento firmado entre a dinastia Qing e o Império Russo
delimitava as fronteiras entre os dois países e tinha o objetivo de encerrar conflitos de
caráter territorial, na Manchúria e em colônias russas. O fato é que, após anos de
isolamento e assunção prévia de uma suposta superioridade com relação ao resto do globo,
a China enfraqueceu-se militarmente e tornou-se vulnerável a ameaças iminentes. O ápice
desse processo foi o Tratado de Nanquim, o primeiro entre os chamados “tratados
desiguais”, firmado com a Grã-Bretanha em 1842, que deu fim à Guerra do Ópio.
A perda de soberania doméstica e integridade territorial colocaram o país no
chamado “século da humilhação”, período que deixou claro a necessidade de revisão da
postura chinesa em relação ao plano internacional. A queda do império Qing encerrou o
período dinástico e abriu as portas para, primeiro, a fundação da República da China e,
pouco tempo depois, a criação da República Popular da China (RPC), em 1949.
A era comunista abraçou a idéia de readaptação da postura chinesa e deu início a
uma fase que pode ser descrita como de “confrontação com o ocidente”. Em meados do
século 20, quando os países africanos travavam suas lutas de libertação, a China, como
nota Vizentini (2010, p. 15), aproximou-se do continente através da demonstração da
solidariedade anticolonialista e anti-imperialista expressas na Conferência de Bandung2,
uma espécie de primeiro passo, ainda incipiente, para a institucionalização dessa parceria.
Os interesses chineses na região já se mostravam mais bem delineados a partir daí.
O próprio Vizentini destaca:
A China desenvolveu, nessa fase, uma diplomacia carregada de conteúdo ideológico e foi vista como um modelo de Revolução para amplos setores africanos. Durante os anos 1970, a ajuda chinesa ao continente africano foi de 1,7 bilhões de dólares, o dobro da soviética. Grande parte dela foi destinada à TAZARA (Tanzania-Zambia Railway), uma obra gigantesca e épica, que deu à Zâmbia acesso ao mar para sua exportação de cobre, sem ter de cruzar territórios hostis como os da Rodésia, do Zaire e de Angola e de Moçambique, ainda colônias portuguesas. (VIZENTINI, 2010, p. 15)
O autor também observa que essa obra permitiu à Zâmbia desenvolver uma
diplomacia mais autônoma. Durante esse período, a China cedeu treinamento militar aos
diversos movimentos de libertação que se formaram dentro da África. Países com Zimbábue
e Moçambique ainda receberam assistência técnica e formação de quadros.
Todavia, na fase anti-soviética da revolução cultural chinesa, a diplomacia do país
acabou por se aproximar de governos conservadores pró-ocidente e isso, aliado ao ingresso
no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), minou sua imagem
frente à comunidade progressista. Tais acontecimentos esvaziaram o discurso inicial da
China, fazendo com que a presença do país na África passasse a ser vista de forma mais
2 Realizada em abril de 1955. Aconteceu na Indonésia e reuniu líderes de Estados asiáticos e africanos com o intuito de cimentar a cooperação enquanto forma de oposição ao colonialismo e imperialismo dos Estados Unidos e da União Soviética.
ocidentalizada; ou, como diz Vizentini, “uma nova ‘grande potência’ presente na África
apenas para defender seus interesses globais”3.
A diplomacia do soft power descreve bem a atuação da China no continente africano.
O discurso da não-interferência política e dos incentivos econômicos, combinado com a
retórica do não-alinhamento e a conhecida “amizade histórica”, tem balizado o
comportamento chinês na região. As questões que daí emergem são muitas. É um novo
imperialismo ou cooperação sul-sul? Há outros interesses além de apoio político e recursos
naturais? Essas e outras interrogações surgirão ao longo do capítulo e, nas próximas
sessões, buscaremos dar explanações a todas elas.
De início, serão abordadas as estratégias gerais da China para o continente sob a
luz da evolução da parceria através da institucionalização. Em seguida, a análise recairá
sobre como a questão do petróleo e dos recursos energéticos influencia nas relações sino-
africanas e, por fim, serão avaliadas as implicações do estreitamento dessa parceria com
relação à diplomacia norte-americana na região. Documentos oficiais e referências
bibliográficas selecionadas farão parte do material de apoio utilizado nas análises.
2. A ESTRATÉGIA CHINESA PARA A ÁFRICA: DE MAO AO FOCAC, COMÉRCIO
E INVESTIMENTO NO CONTINENTE NEGRO
Grande parte dos estudos a respeito das relações sino-africanas surgiu a partir do
século 21, com a celebração do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC). Muitos
desses trabalhos têm focado em como o crescimento chinês gera spillovers positivos para a
África, de que forma os fluxos de capital e o investimento externo direto vem ajudado os
países africanos a desenvolverem sua infra-estrutura ou buscam mensurar quem ganha ou
perde nessa relação.
O comportamento diplomático da China com relação ao mundo em desenvolvimento
é, por essência, estratégico (no sentido estrito da palavra). Como bem enumeram Mitchell e
McGiffert (2007, p. 15), em 1963, Mao Tse-Tung elaborou a teoria das “Dual Intermediate
Zones”, segundo a qual havia um espaço intermediário entre os Estados Unidos e a União
Soviética, onde a China estava inscrita.
Esse espaço era dividido em dois lados bem definidos: os países em
desenvolvimento e as colônias da Ásia/África/América Latina (núcleo da coalisão anti-
Estados Unidos) de um lado; e o restante era constituído pelo Japão, Canadá, Oceania e o
Leste Europeu. Esse segundo bloco de países, na visão do Partido, era controlado ou
3 Op. cit., p. 19
influenciado negativamente pelos americanos. Desse modo, a aliança com a “zona 1” era
vista como mais vantajosa.
Nota-se que, ao contrário da política externa brasileira, que em alguns períodos
apenas foi reativa aos acontecimentos no campo internacional, os chineses, a partir de Mao,
sempre balizaram seu comportamento diplomático através do cálculo estratégico.
Colocando na balança os prós e contras do jogo político global, a política externa liderada
pelo Partido Comunista era (e é) qualquer coisa, menos aleatória. O contraste com a política
adotada na era imperial é enorme. A atuação externa da China, contudo, sofreu uma
reviravolta a partir do início dos anos 1980.
O discurso ideológico leste-oeste cedeu espaço a um viés mais liberal ensejado pela
abertura de Xiaoping. O país ingressou no Banco Mundial e no Fundo Monetário
Internacional em 1980, dois instrumentos velados do chamado imperialismo financeiro.
O governo central, contudo, continuou a afirmar que as relações internacionais do
país ainda eram baseadas nos princípios de Bandung, mas que a política externa chinesa,
agora, seria aplicada em consonância com o desenvolvimento econômico. Nesse sentido,
sendo o desenvolvimento um objetivo que não pode ser refém do campo normativo, era
preciso lograr parcerias sem que fosse preciso atentar-se para o sistema político ou a
ideologia da nação “parceira”.
A partir desse momento, a relação com os Estados Unidos, antes influenciada pela
natureza polarizadora da Guerra Fria, passa a ser prioritária na agenda econômica chinesa.
Ainda assim, a China continuou com a política de aproximação do mundo em
desenvolvimento (e do terceiro mundo) baseada no respeito e nas relações econômicas de
benefício mútuo, o que o Partido convencionou chamar de “win-win results”
Com a queda do muro de Berlim e a derrocada da União Soviética, a estratégia da
China na África passou a ser mais aguda: visava garantir recursos naturais, mercados
consumidores e a posição de líder no mundo em desenvolvimento. Os objetivos da China
ganharam um ambiente propício para o seu alcance devido à natureza do sistema
internacional no imediato pós-guerra fria e, mais recentemente, na entrada do século 21. A
indiferença da Rússia, a preocupação militar freqüente dos americanos, bem como os
problemas internos dos E.U.A., e a Europa dividida tornaram a atuação chinesa livre de
obstáculos e facilitou o estabelecimento do diálogo bilateral e multilateral com o continente
africano (EISENMAN, 2007, p. 29).
A criação do FOCAC, em 2000, buscou regulamentar as relações sino-africanas de
forma a institucionalizar o desenvolvimento de ambas as partes. O comércio é, de longe, o
ponto central do acordo, mas o fórum também visa à cooperação científica e tecnológica e à
ajuda econômica via investimento por parte da China. A corrida contra o terrorismo liderada
pelos Estados Unidos no Oriente Médio e na Ásia Central apenas solidificou ainda mais o
espaço onde se desenrolam as relações sino-africanas.
Atualmente, a China tem assinados 45 acordos de comércio bilaterais com países
africanos; além disso, há ainda cooperação em impostos, tarifas, inspeção e outras
condicionantes relacionadas ao desenvolvimento do comércio entre os dois pólos. Em julho
de 2010, um acordo fez com que mais de 4 mil produtos oriundos da África ingressassem no
mercado chinês com tarifa zero. De acordo com um relatório oficial do governo da China:
Thanks to this zero-tariff policy, the export of African products to China that are free from Chinese customs duties has been growing rapidly. From 2005 to the end of June 2010, China had imported African products with an accumulated value of US$1.32 billion under zero-tariff terms, including agricultural products, leather, stone materials, textiles and garments, machine spare parts, base metals and wood products. China has also been helping African enterprises enter the Chinese market by holding African commodity exhibitions, establishing African products exhibition centers, and offering free stalls or reducing stall rents and other preferential terms. (WHITE PAPER, 2010)
Na quarta conferência ministerial do FOCAC, realizada no Egito, a diplomacia
chinesa estabeleceu o novo plano de oito pontos para o continente africano, que aborda
aspectos como a cooperação nas áreas de ciência e tecnologia, energia limpa e agricultura,
além de garantir novas reduções tarifárias no comércio bilateral e promover o intercâmbio.
Na ocasião, o premier Wen Jiabao apresentou o plano e chamou a comunidade
internacional a cooperar com a África no sentido de o continente superar as metas de
desenvolvimento do milênio. Ainda fez um alerta sobre um aparente desinteresse da
comunidade com os problemas inerentes aos africanos, como doenças epidêmicas e
segurança alimentar. De acordo com Jiabao:
Africa is home to one seventh of the world’s population and has more developing countries than any other continent. Africa’s development is indispensible to development of the world economy. As a true and tested friend, China fully understands the difficulties and challenges facing Africa. We call upon the international community to have a greater sense of urgency and take more concrete steps to support Africa’s development. (JIABAO, 2009. Grifo nosso.)
Como fica claro, o premier Jiabao introduz um discurso onde expressa a posição da
China de colocar-se como guardiã do continente e funcionar como uma espécie de anfitriã
dos anseios domésticos e globais da África. No momento, o governo chinês costura a
construção de seis zonas de cooperação econômica e comercial na Zâmbia, Mauritânia,
Nigéria, Egito e Etiópia.
Em 2006, em viagem ao Egito, o próprio Jiabao já havia expressado que a
aproximação chinesa também era balizada numa suposta solidariedade, pois seu país
também havia passado por problemas semelhantes. De acordo com o premier, “(...) for over
110 years, China was the victim of colonial aggression. The Chinese nation knows too well
the suffering caused by colonial rule”.
Companhias privadas da China já estão trabalhando, sobretudo na Zâmbia, em
projetos de mineração, processamento de metais não-ferrosos, engenharia química e
construção civil. O investimento na Zâmbia é de cerca de US$ 600 milhões e, de acordo
com os relatórios oficiais, já proporcionou mais de seis mil empregos para os trabalhadores
africanos4.
Nota-se que o esforço da China em empreender relações mais sólidas com os
africanos é enorme. Deng e Zheng (2008) notam que o país tem implementado uma
diplomacia econômica pragmática com relação aos países africanos. Para os autores, a
natureza das relações sino-africanas tem gradualmente se deslocado do “apoio político
recíproco e assistência econômica unidirecional” para um “novo tipo de parceria estratégica”
(p. 143).
Os números mostram, no entanto, que as trocas entre a China e os países africanos
não são muito diversificadas. Em 2006, mais da metade das importações que a China trouxe
da África era combustível. No sentido inverso, 45% das exportações chinesas são produtos
manufaturados. As duas figuras abaixo5 mostram que o esforço estratégico da aproximação
chinesa foi recompensado largamente. Os Estados Unidos ainda têm uma forte presença no
desenvolvimento africano, mas, ao que parecem, as relações sino-africanas, até por
questões logísticas, são tão físicas quanto pragmáticas.
ÁFRICA: COMPOSIÇÃO DO COMÉRCIO COM A CHINA (2006)
FONTE: UNCOMTRADE (2007)
É certo que o FOCAC estabelece uma série de situações prioritárias para a
institucionalização das relações sino-africanas, entre elas o desenvolvimento dos recursos
humanos do continente negro e a assistência na área de saúde. Entretanto, a prioridade dos
4 Para estatísticas atualizadas, basta acessar a página oficial em inglês do governo da China: english.gov.cn. 5 Figuras retiradas do working paper “What Drives Chinas’s Growing Role in Africa?”, do Fundo Monetário Internacional, autoria de Jian-Ye Wang.
acordos celebrados no âmbito do fórum segue uma ordem até certo ponto bem delineada:
relações políticas, cooperação econômica, relações internacionais e, por último,
desenvolvimento social (KING, 2006).
O presidente ainda destacou a necessidade do alinhamento internacional para
manter coeso o discurso do Sul no sistema multilateral e, mais relevante ainda, o apoio da
África na difusão internacional do pensamento chinês de desenvolvimento harmonioso.
ÁFRICA: COMÉRCIO EXTERIOR (2000-2006)
FONTE: Wang (2007)
A evolução da participação chinesa no comércio externo da África mostrou-se
galopante num curto intervalo de tempo. O país asiático passou a administrar déficits
controlados nas exportações líquidas a partir de 2004 e deu início a uma política planejada
de aproximação diplomática pela via da economia. Em 2011, o déficit com a África Sub-
Saariana foi um dos maiores na análise do comércio chinês por regiões: ocupou o terceiro
lugar geral, figurando em primeiro se excluirmos as trocas com o leste asiático e a parte
desenvolvida da região Ásia-Pacífico (UNCOMTRADE, 2012, p. 2).
Graças aos enormes superávits com os Estados Unidos e Europa, a China ainda
mantém um saldo positivo no balanço geral do seu comércio com o restante do mundo. As
duas regiões, juntas, correspondem a praticamente 95% das relações comerciais
superavitárias chinesas, o que expõe, de certa forma, a persistência da dependência do país
com relação ao humor da demanda das nações desenvolvidas.
Ouro Preto (2011) observa que essa expansão chinesa tem alterado profundamente
os fluxos mundiais de comércio e de investimento (p. 20). De acordo com o autor:
Por ocasião da grande crise de 2008, chegou a afirmar-se que nos planos iniciados por Deng Xiaoping em 1978, o capitalismo havia salvado a China. Hoje, com a grande crise de 2008, foi dito que a China salvava o capitalismo. (...) Tudo leva a crer que vivemos simplesmente um momento de transição. E esses momentos, na evolução política e econômica dos Estados, tendem a prolongar-se6.
3.2. A QUESTÃO DO PETRÓLEO
O viés energético talvez seja um fator primordial para o entendimento mais amplo
das relações entre China e África. A evolução do PIB chinês exemplifica bem a dependência
energética do país. Num intervalo de dez anos, saltou da quinta para a segunda posição em
termos valor do produto interno. Ao passo que as importações mundiais de combustíveis e
minérios cresceram a uma taxa de 7,9% entre 2001 e 2009, as importações chinesas
subiram 18,9% (WORLD BANK, 2010).
Embora boa parte da base energética nacional esteja baseada no carvão, produto o
qual a China é o maior produtor global, o fato é que a soma de industrialização pesada com
a urbanização acelerada tornou o país um grande dependente do uso maciço de recursos
naturais. Atualmente, a China ocupa a terceira posição no ranking de maiores importadores
líquidos de petróleo cru, atrás apenas do Japão e dos Estados Unidos, de acordo com a
Agência Internacional de Energia.
Como explica Carneiro Leão,
a partir de 2000 a intensividade energética do crescimento chinês aumentou drasticamente, com a elasticidade energética da expansão do PIB (número de unidades adicionais de energia necessário para gerar uma unidade adicional do produto) passando da média de 0,4 das décadas de 1980 e 1990 para 1,1 no período 2001-2006. (...) Entre 1978 e 2000, enquanto o PIB cresceu à taxa média anual de 9%, o consumo de energia aumentou apenas 4% ao ano. (CARNEIRO LEÃO, 2009, p. 139)
Para se ter uma idéia de como o esse processo acentuou-se de forma tão rápida,
basta notar que, até a década de 1980, a China era exportadora líquida de petróleo. Além
disso, os preços domésticos eram mais baixos que aqueles praticados no mercado
internacional. O país só veio a se tornar um importador no começo dos anos 1990. A partir
daí, as autoridades estatais aumentaram os preços internos, de modo que os mesmos
alcançaram a convergência com a cotação internacional no final da década, em 1998.
Boa parte dessa dependência acontece por razões estratégicas e envolve um cálculo
de custos. Na esteira da política de estreitar laços e abrir mercados para exportações com
as regiões periféricas do globo, a África aí inclusa, o país tem preferido alimentar o comércio
de matérias primas em detrimento de investir na sua matriz energética (MEDEIROS, 2011,
6 Ouro Preto, op. cit., loc. cit.
p. 211). O processo de redefinição da própria economia interna tem feito a China adaptar
sua estratégia diplomática para com os parceiros comerciais.
Estatísticas organizadas pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP), em 2006, mostram que as reservas do país começaram a sangrar
permanentemente a partir de 2001, quando as novas descobertas não cobriam mais a
grande quantidade consumida internamente. Esse processo é mais bem compreendido se
olharmos os dados do gráfico que segue.
CHINA: PRODUÇÃO, CONSUMO E IMPORTAÇÃO DE PETRÓLEO
FONTE: BRITISH PETROLEUM (2007)
Como se vê, o ritmo de produção manteve-se praticamente estável entre 1985 e
1995, apresentando pouca evolução no período. Somente depois, nota-se uma escalada de
certa forma, mas ainda tímida. A alavancada das importações é quase que concomitante à
disparada do consumo, cuja explosão acontece a partir de 1994 e 1995.
Em 2006, de acordo com dados da mesma fonte, a África exportava quase 1 milhão
de barris/dia para a China, figurando na segunda posição entre os países/regiões que mais
exportam para o país asiático. O Oriente Médio aparece na primeira posição. Com exceção
do óleo vindo da Rússia e Casaquistão, todo o restante do petróleo, 87% das importações,
chega ao país por rotas marítimas.
Deng e Zheng (2009) mostram que o crescimento da importância da África no
suprimento de petróleo para a China foi crescente e gradual desde que o país tornou-se
importador. Para se ter uma idéia, em 1994 a África respondia por apenas 4% das
importações totais de petróleo feitas pela China. Além disso, somente três países – Angola,
Gabão e Argélia – exportavam para os chineses. Cinco anos depois, a quantidade de
parceiros subiu para 11 e a participação total nas importações chinesas cresceu para quase
19%. Em 2004, apenas dez anos depois, a mesma quantidade de parceiros respondia por
praticamente 30% das importações da China. (p. 144).
Medeiros (2011) explica que a dependência do petróleo e a grande degradação
provocada pela produção e consumo do carvão fizeram com que a China também passasse
a priorizar as energias alternativas em seu programa científico. O país queima mais carvão
do que os Estados Unidos, o Japão e a Europa somados e, hoje, é o maior emissor mundial
de gases de efeito estufa. Para reduzir as críticas nos organismos multilaterais e, assim,
manter intacta a sua influência conquistada no pós-crise, o país tem investido maciçamente
em energia eólica. Além disso, o projeto do carro elétrico foi elevado ao patamar de
prioridade pelo próprio governo central7.
Pautasso e Oliveira (2008) notam que, ao passo que a China aumenta a demanda
por petróleo em regiões estratégicas, como a África e o Oriente Médio, simultaneamente os
Estados Unidos intensificam as ações militares em áreas como o Golfo da Guiné, o próprio
Oriente Médio e a região do Cáucaso. A instabilidade nessas áreas em relação à segurança
energética dos Estados e da China é visível e iminente. Os autores observam que, referente
à África,
No âmbito político-diplomático, a China tem adotado a ênfase na não-intervenção em assuntos domésticos, na valorização da soberania nacional, bem como na aproximação das respectivas agendas políticas nos organismos multilaterais. No âmbito do comércio exterior, o governo chinês tem assumido déficits comerciais planejados, viabilizando muitas economias periféricas ao absorver suas commodities a preços em crescente elevação. No âmbito econômico, os investimentos externos realizados pela China em infra-estrutura, com financiamento e apoio técnico, têm dado impulso decisivo à construção nacional. As exigências diplomáticas chinesas restringem-se ao reconhecimento de “uma só China” e aos compromissos bilaterais no comércio exterior. (PAUTASSO E OLIVEIRA. 2008. p. 384)
Em 2009, discorrem os autores, a petroleira estatal chinesa Sinopec comprou a
companhia Addax Petroleum, suíço-canadense, que tinha uma produção de mais de 200 mil
barris/dia e atuava em campos na Nigéria, Camarões e Gabão, além de deter direitos de
exploração em águas profundas no Golfo da Guiné. As petroleiras CNOOC e CNPC também
tentaram movimentos similares, ao tentarem adquirir empresas privadas que atuavam em
Angola e na Líbia. Na figura abaixo, está exposta visualmente a vulnerabilidade da China
em relação à África e Oriente Médio no quesito energia.
CHINA: IMPORTAÇÃO DE PETRÓLEO POR PAÍSES E REGIÕES EXPORTADORAS
(2006)
7 O XII Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento colocou o carro elétrico como a prioridade da indústria estratégica nacional. Entre outros objetivos, estava o de entrar na concorrência com o Japão, um dos tradicionais líderes na produção de baterias que podem ser usadas nesse tipo de automóvel.
FONTE: BRITISH PETROLEUM (2007)
Ouriques e Lui (2012) mostram que a China tem buscado implementar novas frentes
de aproximação com a África que não somente a comercial. Entre essas estratégias, há o
investimento na atividade turística, o aprimoramento de diplomatas africanos e, entrando
nas vias militar, a venda de armas. Carmody e Owusu (2011) revelam que o governo chinês
já vendeu mais de 12 caças supersônicos ao Zimbábue e cerca de US$ 1 bilhão em material
bélico para a Etiópia.
3.3. IMPLICAÇÕES DAS RELAÇÕES SINO-AFRICANAS PARA OS ESTADOS
UNIDOS
A crise de 2008 atenuou as relações dos Estados Unidos com a África, ao passo que
acentuou as relações do continente negro com a China. Não que o evento per se tenha sido
o único responsável por esse processo duplo, mas é indubitável que a eclosão e
aprofundamento das turbulências financeiras internas fizeram com que os Estados Unidos
sofressem nas relações comerciais com os seus parceiros ao redor do globo. Com a África
não foi diferente.
Prova disso é que, em 2009, exatamente um ano após o caso Subprime vir à tona, a
China tornou-se o maior parceiro comercial da África, passando os americanos, que –
tradicionalmente – sempre ocuparam esse posto. Os Estados Unidos costumavam ser os
grandes compradores das mercadorias produzidas pelo africanos, mas esse processo se
reverteu drasticamente a partir de 2007. Num espaço de tempo curto, as importações da
África para os norte-americanos caíram drasticamente. Em 2010, o fluxo de comércio entre
China e África alcançou o patamar de US$ 127 bilhões, com os chineses administrando
déficits controlados. Os Estados Unidos, por sua vez, costumavam importar muito mais do
que exportar para o continente.
Ao que parece, a estratégia do governo da China é desenhada em duas frentes: a
político-diplomática, que trabalha com apoio a projetos, doações aos governos africanos e
oferta de qualificação aos statemen; e a econômico-comercial-financeira, que se desenrola
mais na seara privada, onde as companhias do país asiático desempenham o papel de
impulsionar as relações não-estatais, por assim dizer, entre as duas partes.
Na abertura da conferência do FOCAC em 2009, dirigentes do PC chinês
anunciaram que destinariam US$ 10 bilhões em empréstimo para a África em troca do
cancelamento de dívidas com alguns países do continente. Do total do comércio da China
com a região, 21% é ocupado pela Angola, o principal parceiro comercial. Logo depois, vem
a África do Sul, com 18% e o Sudão, com 7%. Os dez principais parceiros da China na
África respondem por 76% do comércio da China com a região. Desses dez, seis comerciam
principalmente petróleo8.
OS 10 MAIORES PARCEIROS COMERCIAIS DA CHINA
FONTE: FOCAC.ORG
A vulnerabilidade do país em relação aos Estados Unidos é, exatamente, devido à
dependência do transporte marítimo para ter acesso às mercadorias importadas. É bem
verdade que o petróleo sempre teve uma participação grande nas importações chinesas:
respondia a quase 40% em 1995. Entretanto, dez anos depois, essa participação mais do
que dobrou, de modo que o óleo bruto correspondia, em 2005, a mais de 80% das vendas
externas da África para a China.
Ao passo que os chineses buscam garantir na África não só um parceiro comercial,
mas também um ator que sustente as posições do Partido nos organismos multilaterais,
tradicionalmente os Estados Unidos teve uma estratégia voltada para o petróleo
intimamente ligada à construção e manutenção da hegemonia, como é bem observado por
Torres Filho (2004).
8 Informações da publicação Capital Week, do dia 25 de abril de 2011.
As implicações, então, do estreitamento dos laços sino-africanos com os Estados
Unidos estão relacionados, sobretudo, à questão geopolítica e estratégica, mas não
necessariamente bélica. As respostas dos Estados Unidos ao avanço chinês na África ainda
não estão perfeitamente delineadas, mas é certo que a reação norte-americana será breve e
funcionará como uma balança para as análises conseqüentes desta reorganização de forças
no sistema internacional.
O apoio econômico e financeiro a Estados que estão na periferia do sistema
garantem a China o retorno necessário nos pleitos que, aos poucos, ela começa a defender
nas arenas multilaterais. A China já atua de forma praticamente plena na OMC, os BRICS
agora contam estrategicamente com a presença da África do Sul e o estreitamento e
aprofundamento do FOCAC são apenas algumas facetas desse processo.
Para a África, de acordo com Wang (2007, p. 23), a China funciona como uma
espécie de motor do desenvolvimento interno dos países do continente. Dependentes
exclusivamente da renda do petróleo, esses países vêem na China um mercado, um
doador, um financiador e, ainda mais, um grande builder – boa parte das obras de infra-
estrutura é tocada por empreiteiras chinesas.
Apesar de a ajuda ao desenvolvimento ainda ser, historicamente, o componente de
maior importância nessa relação, duas mudanças significativas ocorreram com a entrada do
século.
Because trade and investment have become much more significant in volume than aid flows, economic relations between China and Africa are clearly commercial rather than aid-driven. Meanwhile, the private sector has stepped to center stage. Here China’s foreign economic relations mirror changes in its domestic economy. China-Africa economic exchanges have become much more decentralized and broad-based. (WANG, 2007, p. 23)
Como se nota, o papel do setor privado no referido processo de spillover positivo
fluindo da China para a África é central na compreensão das relações sino-africanas neste
século 21. À primeira vista, parece que o Partido revisou outra vez a forma de inserção
externa estratégica do país. Agora, com a China integrando quase que 100% a ordem
mundial vigente, nada mais natural do que, aos poucos, transferir a estratégia puramente
política para a arena econômica.
Com a ajuda do ExIm Bank, das companhias privadas e estatais e o enorme fluxo de
investimentos diretos, a China vem demonstrando que é possível exercer grande influência
em setores estratégicos do globo sem precisar recorrer à high politics, como fazem os
Estados Unidos. Há de se notar, todavia, que ainda é incipiente a quantidade de estudos a
respeito da participação do setor privado chinês na inserção externa do país.
Thorstensen, Ramos e Muller (2011) observa que a estratégia de internacionalização
das empresas chinesas integra a política chamada de going global, que prevê o
investimento das companhias chinesas na diversificação da sua cadeia produtiva, busca por
novos mercados e controle de importantes reservas de recursos naturais complementares.
A autora nota que o governo chinês tem incentivado essa prática desde o início do século
XXI, através de linhas de crédito e reformas pontuais para a aplicação de Investimento
Diretos Externos (IDE).
Por ter uma clara política de não-intervenção, a atuação da China no continente
negro se mostrou muito mais atraente para os africanos por, simplesmente, manter a
estrutura de poder vigente na região. Marks (2006) afirma que essa linha de atuação torna
as relações sino-africanas uma via de duas mãos, onde a África se beneficia do apoio (ou
abstenção pelo menos) aos seus pleitos políticos e a China encontra um mercado menos
exposto à concorrência dos rivais ocidentais.
Os chineses encontraram uma forma de fazer diplomacia sem precisar,
necessariamente e somente, da política externa. O gráfico que segue, retirado de Naidu
(2007), mostra em números o mencionado processo de inserção de companhias chinesas
na África.
NÚMERO DE OPERAÇÕES DE PETROLEIRAS CHINESAS NA ÁFRICA (1995 – 2005)
FONTE: CENTRE FOR CHINESE STUDIES
É válido salientar que, das quatro companhias listadas na figura, apenas a Sinopec é
controlada 100% por um grupo privado. As outras três não chegam a ser públicas, mas
todas possuem um caráter semi-estatal, sendo a Petrochina, inclusive, uma subsidiária da
CNPC fundada para agregar as atividades upstream9 da companhia.
9 Expressão utilizada para referir-se à parte da cadeia produtiva que antecede o refino, abrangendo as atividades de exploração, desenvolvimento, produção e transporte para beneficiamento.
A explanação de Keohane e Nye (1977) sobre a questão da interdependência entre
estados e atores transnacionais, em termos de formulação de política externa, é a que
melhor se encaixa para a descrição do cenário desenvolvido neste capítulo. O
aprofundamento das relações diplomáticas entre a China e a África geram, em linhas gerais,
um desconforto geopolítico-estratégico e militar com os Estados Unidos, mas os americanos
pouco – ou nada – podem fazer quanto ao estreitamento dos laços entre as companhias
privadas chineses e os atores estatais africanos.
Conclui-se, assim, que as relações sino-africanas geram conseqüências bem
delineadas em duas frentes principais – sempre levando em conta os Estados Unidos como
ator sensível aos rebotes dessas relações: 1. na política e diplomática, observa-se uma
institucionalização cada vez mais avançada, ao passo que os Estados Unidos seguem
focando a parceria no sentido geopolítico, o que, de certo modo, afasta os dirigentes
africanos de relações mais próximas com os ianques; e 2. na econômica e comercial, ao
que parece o PC chinês tem desenvolvido uma política de aproximação mais baseada nos
valores de mercado do que propriamente na atuação per se do seu aparato estatal.
Dessa forma, tomando em consideração as definições de vulnerabilidade e
sensitividade, de Nye e Keohane, as relações sino-africanas trazem à tona que os Estados
Unidos e a China tem uma sensitividade mútua quando a África está no centro da questão.
Isso fica claro porque a cada passo dado por um dos atores, o outro responde
imediatamente, cada qual da sua forma.
Ao transferir gradativamente a influência do país na região para o setor “privado”,
além de fortalecer a posição chinesa como builder no continente, Pequim se exime de
possíveis críticas ao seu engajamento na área. Delineia-se uma postura volátil na África,
que começa com uma aproximação baseada na solidariedade, depois passa por uma
inflexão com base em princípios estritamente econômicos e, na virada do século, há a busca
pela institucionalização da parceria e pela consolidação da liderança chinesa no continente.
A relação direta com os Estados Unidos, nesse sentido, sempre derivou da situação
da China nesse mencionado processo de inserção “definitiva” nas relações internacionais
contemporâneas, período que se iniciou, em linhas gerais, com Xiaoping em 1978. Foram
praticamente 30 anos até o fim da fase de acomodação sistêmica e início das contestações.
Algo muito parecido foi feito pelo Brasil, que clamava maior participação dos países do Sul
após estes se integrarem plenamente à ordem vigente na época10.
Apesar das divergências na área econômica e monetária, o eixo militar é o mais
sensível no relacionamento entre China e Estados Unidos. As disputas envolvendo
segurança energética na Ásia Central e África estão no centro desse impasse. Nota-se uma
10 Ver “O Congelamento do Poder Mundial”, de Araújo Castro (1972).
intensificação das ações militares norte-americanas nas duas regiões e uma reação pela via
diplomática da China. Cabe salientar que, em nossa análise, levamos em consideração que
o sistema internacional opera sob a lógica do state-centric realism, onde há espaços para
cooperação, mas a questão da defesa exerce papel ainda decisivo na condução dos
assuntos da seara global.
A criação da Organização de Cooperação de Shangai (OCS), em 2001, sob
liderança dos chineses e da Rússia, é uma das facetas sensíveis dessa confrontação ainda
silenciosa, já que trata-se de um processo de integração que inclui países como
Usbequistão e Cazaquistão, centros produtores estratégicos de petróleo.
O crescimento em importância dessas regiões na política externa norte-americana
expõe o “toma lá da cá” das relações China-Estados Unidos neste século XXI. Pautasso e
Oliveira (2008) observam uma intensificação das ações ianques nessas áreas através da
ampliação da influência do país por meios indiretos, como a derrubada do governo na
Geórgia e o estabelecimento de bases militares no Usbequistão. Assim como na África, a
movimentação geopolítica envolvendo a construção de gasodutos e oleodutos na Ásia
Central e na bacia do Mar Cáspio ainda dirá muito sobre o jogo de poder e influência na
região. O pavio já está aceso.
Enquanto os Estados Unidos usam o seu poderio militar para traçar estratégias
diplomáticas, a China segue apostando no poder branco e na institucionalização das
parcerias. Na quarta conferência do Fórum de Cooperação China-África, realizada no Egito
em 2009, o governo chinês destacou a evolução desta parceria através dos consideráveis
resultados conquistados: a superação da meta de US$ 100 bilhões no comércio entre as
partes (US$ 106,8 bilhões em 2008); a construção de 30 hospitais/centro médicos e 96
escolas no continente africano; o recebimento de 4 mil alunos africanos nas instituições
chinesas e o envio de 1,2 mil profissionais de saúde chineses para o continente; além da
participação, avalizada pela África, da China em seis missões de paz da ONU no continente.
Em documento oficial divulgado em 2011, o governo chinês descreveu a atuação
situação da Defesa nas relações internacionais: “international strategic competition and
contradictions are intensifying, global challenges are becoming more prominent, and security
threats are becoming increasingly integrated, complex and volatile” (WHITE PAPER, 2010b,
p. 2).
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