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  • AS INTERPRETAES DA TECNOLOGIA NA

    CONTEMPORANEIDADE: POR UMA TECNOGNESE DOS

    PROCESSOS TECNOLGICOS

    Arnaud Soares de Lima Junior1

    As reflexes organizadas neste texto foram apresentadas no I Colquio Luso-Brasileiro

    de Educao a Distncia e Ambientes Virtuais de Aprendizagem, visando demonstrar uma

    perspectiva tecnolgica que identifica na atividade criativa constitutiva da condio humana a

    base dos diferentes processos tecnolgicos que emergem em contextos scio-culturais e

    histricos da humanidade. Neste sentido, propem-se a noo de tecnognese em

    alternativa expresso hegemnica e exclusivista da tecnologia, fruto do avano da

    tecnocincia, no contexto scio-histrico do industrialismo e da sociedade capitalista, com

    seus modos de produo econmica, social, poltica, cultural, nos quais a tecnologia assume

    valor instrumental e fora propulsora dos processos sociais humanos, presumidamente de

    forma autnoma e mecnica, pretensamente independente da

  • recorte social e histrico. A meu ver, contribui com a compreenso crtica da tecnologia

    explicitar sua constituio antropognica (humana), vendo no humano a causa e a metfora da

    tecnologia e da produo tecnolgica, implicadas a aspectos sociais, polticos, econmicos,

    culturais e subjetivos; implicadas tambm uma polissemia na significao da tecnologia, a fim

    de se romper com o sentido e a ideologia instauradas pela sociedade industrial, capitalista,

    cuja base operacional de funcionamento reside exclusiva e ideologicamente na razo

    instrumental predominante nas sociedades ocidentais.

    O advento especfico das tecnologias de informao e comunicao (TIC) oportuniza o

    avano crtico na anlise da tecnologia e do desenvolvimento tecnolgico, na medida em que

    explicitam diretamente o paradoxo e as possibilidades subversoras aludidas acima, neste

    sentido, as TIC representam as condies matrias contemporneas e um lugar simblico a

    partir dos quais os sujeitos podem transgredir o mecanicismo, o tecnicismo, a reificao, do

    avano tecnolgico contemporneo, na direo tanto da tecnodemocracia quanto da

    humanizao dos processos produtivos de base tecnolgica. Assume, pois, papel relevante

    refletir tal processo de um lugar/representao diferenciado, fora da lgica e da ideologia

    dominante acerca da coisa tecnolgica, motivo pelo qual proponho a tecnognese como

    alternativa noo de tecnologia.

    Notas sobre a tecnognese:

    Em particular, destacamos o aprofundamento da noo de tecnologia, para alm de seu

    vis instrumental, mecanicista e tecnicista institudo e legitimado com o advento da sociedade

    industrial, apoiada pela racionalidade tecnocrtica (SCHN apud DOLL JR, 1997), corte no

    espectro mais amplo da razo instrumental (ADORNO e HORKHEIMER, 1985).

    Neste aspecto, o princpio criativo e transformativo constitutivo do ser humano so a

    base e o termo da tcnica, do desenvolvimento tecnolgico (LIMA JR, 2005), que esto

    subjacentes, enquanto lgica e dinmica de funcionamento, s TIC e ao processo de

    instituio de novas prticas formativas e pedaggicas.

    Assim, outra reflexo se refere s possibilidades de instituio de novas prticas

    pedaggicas a partir do uso crtico, colaborativo, solidrio, criativo e transformativo que os

    educadores podem realizar mediante as condies materiais e simblicas inauguradas pelo

    advento das TIC e da generalizao da informao e comunicao (HETKOWSKI, 2004).

    A condio humana (ARENDT, 1981) nos oferece elementos substantivos para

    aprofundarmos e desmitificarmos a expresso mecnica, tecnicista e meramente

  • instrumental do desenvolvimento cientfico da tcnica e da tecnologia. Tais elementos,

    por outro lado, tm relao direta com o conceito grego de teckn (LIMA JR., 2005).

    Para Arendt, constitutiva do ser humano a via ativa, princpio humano que busca

    a satisfao de suas necessidades e demandas a partir de seu duplo pertencimento no

    cosmos, atravs dos imperativos e do primado do corpo2 e, segundo, dos imperativos e

    primado da entrada do ser humano na linguagem, na ordem simblica. Nesta busca, o ser

    humano age desenvolvendo o labor, o trabalho e as aes, constituindo o mundo3 e

    constituindo-se a si mesmo nesta dupla(o) insero/afirmao/expresso de

    si/pertencimento. Portanto, conforme a autora, para satisfazer os imperativos do corpo4 o

    ser humano desenvolve aes e atividades especficas, na forma de prticas sociais,

    individuais e coletivas, repercutindo na organizao de instituies e de processos

    societrios voltados para a produo da vida material humana. Por outro lado, por causa

    de sua entrada na linguagem, concomitantemente, produz relaes, prticas e aes que

    visam satisfazer suas necessidades simblicas, gerando com isso organizaes, prticas,

    relaes e instituies sociais espirituais e culturais. Neste duplo movimento, constitui a

    si mesmo como humano e humaniza a realidade da qual participa como parte integrante e

    integrada.

    Neste sentido, a base mais simples e elementar para se falar e compreender a

    tcnica e a tecnologia tem relao com esta instituio do mundo e da prpria condio

    humana, que reconheceu como ferramentas primordiais o corpo e a linguagem

    humanos, a partir dos quais uma srie de acontecimentos tipicamente humanos se

    sucedeu na gestao da humanizao do cosmos, na constituio do mundo e do modo

    humano de ser e estar no desenrolar da histria.

    Enquanto ser ativo ou de atividade, assim marcado constitutivamente, o ser humano

    operou/criou transformaes no contexto externo a si, humanizando-o, ao tempo em que,

    simultaneamente, sofreu os reflexos deste processo, transformando-se a si mesmo,

    atualizando o seu modo de ser e estar no mundo e nos cosmos.

    Este ncleo operativo da condio humana o mbil de suas inmeras aes,

    enquanto expresses de prtica, de transformao e criao, que se atualizam no decurso

    da civilizao humana e de sua histria. Esta via ativa, portanto o termo mais

    2 No sentido de corporeidade, ou seja o patrimnio bio-fsico-qumico em relao com os objetos da realidade.

    3 No sentido de mundanidade, ou seja de todo o que existe enquanto derivado da presena e do pertencimento do

    ser humano no cosmos, marcado por sua criao e ao. 4 No sentido mais amplo de corporeidade.

  • elementar do processo histrico de constituio da tcnica e da tecnologia, que assume

    expresses diferenciadas no tempo-espao da vida humana, de acordo com os diferentes

    contextos histrico-sociais. Nesta direo, a gnese da expresso moderna da tcnica e da

    tecnologia remonta a este ncleo-mbil antropolgico e histrico:

    Nesta perspectiva, a tecnologia tem uma gnese histrica e, como tal, inerente ao ser humano que a cria dentro de um complexo humano-coisas-instituies-sociedade, de modo que no se restringe aos suportes materiais nem to pouco aos mtodos (formas) de consecuo de finalidades e objetivos produtivos, muito menos ainda, no se limita assimilao e reproduo de modos de fazer (saber fazer) pr-determinados, estanques e definitivos, mas, ao contrrio, podemos dizer que consiste em: um processo criativo atravs do qual o ser humano utiliza-se de recursos materiais e

    imateriais, ou os cria a partir do que est disponvel na natureza e no seu

    contexto vivencial, a fim de encontrar respostas para os problemas de seu

    contexto, superando-os. Neste processo, o ser humano transforma a realidade da qual participa e, ao mesmo tempo, transforma a si mesmo, descobre formas de atuao e produz conhecimento sobre elas, inventa

    meios e produz conhecimento sobre tal processo, no qual est implicado

    (LIMA JR, 2005, p. 15).

    Para alm da fabricao e do uso de ferramentas ou de instrumentos, com fins

    produtivos e de consumo, conforme a sociedade capitalista industrial explicitou, com

    base na racionalidade instrumental, a tcnica e a tecnologia so relativas criatividade e

    transformao:

    (...) tcnica tem a ver com arte, criao, interveno humana e com transformao. Tecnologia, em decorrncia, refere-se a esse processo produtivo, criativo e transformativo. Como j o afirmara Marx (1978), sobre o trabalho humano, o ser humano ao criar artifcios materiais e imateriais para atuar no seu meio, transformando-o, transforma, tambm, a si mesmo, ressignificando seu contexto e se ressignificando com ele (Id. ibidem)

    Neste corte, a tecnologia refere-se ao processo, implicadas a todas as relaes entre

    os distintos elementos que o compem, os quais, inclusive, mudam a cada situao

    espao-temporal ou em cada contexto histrico-social. A tcnica relativa s formas

    institudas para os usos relativos dos diferentes instrumentos criados neste processo, por

    isso tem uma base lgico-formal e um aspecto material. Mas, um e outro, so relativos e

    dinmicos. Por isso, podem ser pensados e compreendidos em sua dinmica e abertura,

    sendo relativos a um contexto histrico e social.

    Nesse sentido, importa ressaltar que o processo tecnolgico, a produo e a

    utilizao de "elementos" tcnicos so marcados pela subjetividade humana, considerada

    aqui um "mbil" da expresso tecnolgica da humanidade, que se diferencia e assume

  • singularidades em cada situao histrica, enquanto devir, por sua natureza histrica. Em

    conseqncia, podemos dizer que o sujeito opera mediante um saber, enquanto ser de

    desejos e interesses manifestos, o/no mundo, atravs tambm, entre outros, de processos

    tecnolgicos e dispositivos tcnicos. Entretanto, este fenmeno aberto e dinmico, no

    se reduzindo a sua verso/expresso localizada no tempo-espao da sociedade capitalista.

    A tecnologia, portanto, para alm de sua base material e do enfoque que a cincia

    moderna lhe conferiu, relativa ao princpio/processo criativo e transformativo. Do ponto de

    vista da relao entre a Educao e as TIC, isto implica em que, independentemente da

    presena do suporte material da informao e da comunicao nos contextos educativos e

    formativos, escolares e no escolares, em todos os seus aspectos, a compreenso mais

    aprofundada da tecnologia traz a possibilidade de um modo de ser e de funcionar criativo e de

    transformativo.

    Evidentemente, a presena dos recursos tecnolgicos indispensvel, mas desde que os

    mesmos possam ser entendidos e explorados com esta nfase na criatividade e na

    metamorfose (mudana, transformao de si e do contexto local, atualizao histrica e

    contextual, etc), em um processo permanente e complexo de afirmao da condio humana e

    da humanizao do mundo - (LIMA JR., 2005, p. 13 19).

    Com estas reflexes o termo e o limite da questo no se resumem lgica e ao

    conhecimento dos processos sociais institudos por um mtodo e intensificados por

    instrumentos e mquinas, bem como pelo conhecimento sobre a inveno de tais instrumentos

    e seus usos, como o quer o mito de fundao mecanicista da cincia moderna, mas extrapola

    para algo bem mais fundamental, cuja aparente simplicidade encerra uma gama de

    complexidade que devolve ao ser humano e ao processo histrico a razo de ser da coisa

    tecnolgica, motivo que me faz fundar como alternativa etimolgica e poltica ao conceito de

    tecnologia a noo aqui inaugurada de tecnognese, devolvendo ao Homem, enquanto ser e

    sujeito histrico, o lugar primordial na problemtica contempornea da tecnologia.

    REFERNCIAS

    ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialtica do esclarecimento: fragmentos filosficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

    CASTORIADIS, Cornelius. A instituio imaginria da sociedade. Traduo Guy Reynaud. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

  • DOLL JR.; W.E. Currculo: uma perspectiva ps-moderna. Traduo de Maria Adriana V. Veronese. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.

    HETKOWSKI, T. Maria. As tecnologias da informao e da comunicao possibilitam novas prticas pedaggicas. Tese (Doutorado em Educao) Universidade Federal da Bahia Faculdade de Educao, Salvador, 2004.

    KOSIK, Karel. Dialtica do Concreto. Traduo de Celia Neves e Alderico Torbio. 2ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

    LACAN, Jacques . O seminrio, livro 17: o avesso da psicanlise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.

    LAPASSADE, Georges. Grupos, Organizaes e Instituies. Traduo de Henrique Augusto de Arajo Mesquita. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1989.

    LIMA JR. Arnaud S. de. Tecnologias inteligentes e educao: currculo hipertextual. Rio de Janeiro: Quartet, 2005.

    LOURAU, Ren. A anlise institucional. Traduo de Mariano Ferreira. Petrpolis: Vozes, 1975.

    MANCONDES FILHO, C. A. Quem manipula quem? 5. ed. Petrpolis: Vozes,1992.

    MARTINS, Pura Lcia Oliver. A didtica e as contradies da prtica. Campinas, So Paulo: Papirus, 1998.

    SACRISTN, J. Gimeno. Poderes instveis em educao. Traduo de Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1999.

    ____________. Conscincia e aco sobre a prtica como libertao profissional dos professores. In: Profisso Professor. Portugal: Porto Editora, 1995.

    SANTOS, Milton. Por uma outra globalizao: do pensamento nico conscincia universal. 2. ed., Rio de Janeiro: Record, 2000.

    ____________. Tcnica, espao, tempo globalizao e meio tcnico-cientfico-informacional. So Paulo: Hucitec, 1996.

    SCHAFF, A. A sociedade informtica: as conseqncias da segunda revoluo industrial. Traduo de Carlos Eduardo J. Machado, Luiz Arturo Obojes. 4. ed. So Paulo: Universidade

    Paulista, 1995.

    SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000.

    VSQUEZ, Adolfo Snches. Filosofia da Praxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

  • A PS-MODERNIDADE E O ILUMINISMO ENCONTROS E DESENCONTROS

    Alfredo Matta

    1

    Nos ltimos decnios do sculo XX se tornou cada vez mais forte uma tendncia de

    pensamento que procurou interpretar o tempo presente como sendo o final do que se

    convencionou chamar de tempos modernos ou modernidade, assim como o incio de um

    perodo ps-industrial ou ps-moderno.

    A modernidade em questo foi considerada principalmente, e quase absolutamente,

    como sendo um discurso originado no perodo tido como iluminista, historicamente

    localizado nos sculos XVIII e XIX europeu, que defendia e divulgava o uso da cincia e da

    racionalidade sistematizada e cientfica como forma de compreender e conhecer o mundo de

    maneira objetiva e universalmente vlida. Esta universalidade vista pelos ps-modernistas

    como uma estratgia persistente e violenta para impor verdades absolutas e situaes

    definitivas que davam vantagem a alguns grupos ou sociedades, em especial sociedades

    europias, o que teria originado ao menos trs sculos de eurocentrismo. Este raciocnio

    sustenta as afirmaes de que a verdade redigida em textos, divulgados industrialmente pela

    tecnologia de Gutemberg, seria linear, pois utilizava suporte tcnico e comunicacional

    linear, e servia para impor uma racionalidade tambm linear e preconceituosa, que impunha

    a Europa e os valores ocidentais como verdadeiros e/ou superiores s de outros povos fora

    da Europa.

    Questiona-se em primeiro lugar se o iluminismo teria sido isso mesmo, assim

    objetivo e totalizante, e se a racionalidade dita linear, pois que sustentada no suporte do

    texto gutemberguiano, seria de fato como interpretado por estas correntes. Por outro lado,

    questiona-se tambm se a modernidade pode mesmo ser identificada apenas com uma forma

    de discurso ou aparato ideolgico. No seria mais convenientemente que fosse considerada

    desde o ponto de vista do modo de reproduo e produo social, que pode em dado

    momento ter dialogado com as propostas e filosofia dos iluministas para ter sentido

    histrico, adotando outro esboo ideolgico em outro momento, mudando de estratgia de

    discurso e ideologia, mas mantendo a defesa da mesma prtica social elementar?

    1Doutor em Educao, Professor/Pesquisador da CEPPEV / UNEB / UCSAL

  • Este trabalho pretende encontrar criticamente as posies que analisam o iluminismo,

    de forma simplria, como pensamento absoluto e mecanicista, verificando o quanto elas

    podem estar sendo preconceituosos, e de fato distorcendo fatos e processos histricos,

    impedindo, mais que auxiliando a construo de proposies basilares para movimentos

    sociais necessrios neste mundo cada vez mais insustentvel.

    H tambm o interesse em mostrar como o principal objetivo destas posies no o

    de criticar o positivismo, ou iluminismo, mas sim atingir o marxismo e as concepes

    dialticas da histria e da filosofia. Estas so atacadas por equvocos sobrepostos: em

    primeiro lugar por ser erroneamente associada ao iluminismo idealista como parte de uma

    mesma posio. Mas, alm disso, devido ao erro inicial de anlise sobre o prprio

    iluminismo e a modernidade como sendo algo igual a um discurso racional e racionalista,

    iluminista, o que permite ps-modernidade escapar de ser vista como pensamento e

    ideologia burguesa conservadora, como de fato o , nesse nosso tempo de esgotamento das

    possibilidades de expanso da sociedade de mercado.

    Sobre a origem e o sentido histrico da ps-modernidade.

    Logo aps a Segunda Guerra Mundial, dentre meados da dcada de 40 at os anos 60

    do sculo XX, principalmente a dcada de sessenta, foi marcada por um intenso crescimento

    da sociedade de mercado. Segundo Ellen Wood2, uma dcada depois dos mgicos anos 60, a

    sociedade de mercado j mundializada entrou em um perodo de estagnao aguda do qual

    ainda no foi capaz de sair. As bolhas de crescimento observadas desde ento, mais so

    obras de concentrao de capital e articulao financeira, ou seja, de operaes sobre capital

    acumulado improdutivo, do que de crescimento produtivo.

    A mesma autora explica que da dcada de 60, chamada pela autora de idade do

    ouro da sociedade capitalista, que se origina o pensamento ps-moderno, formado por

    intelectuais que experimentavam o crescimento e boon da sociedade de consumo. Mesmo

    aps a crise de estagnao dos anos 70, este grupo permaneceu encantado com a sociedade

    de mercado, saudosistas e defensores da permanncia de sua prxis social. Pregavam a

    vitria do capitalismo e celebravam a sociedade de consumo e o consumismo, e a idia mais

    tarde geradora da tese do fim da histria, de que no havia como mudar a sociedade, sendo

    melhor optar por aceitar suas regras e processos sociais, e lutar por questes prximas da

    individualidade de cada um, do que por uma transformao social profunda. Segundo a

    2 WOOD, Ellen. O que a agenda ps-moderna? in WOOD, Ellen & FOSTER, John. Em defesa da Histria.

    Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

  • autora, embora se reconhea influncias antigas de pensadores como Nietzsche, e outros

    mais recentes como Derrida, Foucault, Lyotard e Lacan, a principal influncia para a

    efetivao do atual movimento ps-moderno est nos estudantes e na gerao de 19603.

    De fato, esta argumentao nos parece importante por identificar a ps-modernidade

    como sendo histrica e relacionada com um momento especfico da modernidade, ou seja,

    da sociedade de mercado capitalista, que encontra neste movimento uma argumentao

    favorvel defesa de suas prticas e sua permanncia, de forma praticamente eterna4. A

    ascenso da ps-modernidade parece uma quase rendio de setores ditos de esquerda ao

    capital e sua organizao de sociedade fetichizada e de consumo.

    Porm, como a ps-modernidade nega a generalizao, a totalidade, e o processo de

    construo histrica causal da humanidade, ao mesmo tempo falando de uma nova poca e

    realidade ps-industrial, instala-se um paradoxo. possvel ento afirmar, que a ps-

    modernidade seria o primeiro movimento ideolgico da humanidade, que prega e trabalha

    por uma mudana e transformao de poca, baseada na negao da Histria. Uma

    contradio s vencida ao verificarmos que a ps-modernidade prega a mudana de

    discursos, da prtica comunicativa, mas no que se refere prxis, defende e se aquartela, nos

    mesmos processos e modos reprodutivos da dcada de sessenta, ou seja, na poca de ouro da

    sociedade capitalista. Nesse ponto percebe-se que ela de fato no trabalha com nenhuma

    mudana fundamental e sim com a manuteno e reproduo conservadora do sistema,

    processos e prxis que a gerou.

    Os ps-modernistas percebem a fora do capitalismo como vencedora e imbatvel. O

    aspecto dominante da sociedade capitalista seria o consumismo, to bem sucedido e em

    plena expanso nos anos 60. Nessa viso a sociedade de mercado, vista como uma espcie

    de sociedade natural seria composta pela multiplicidade de padres de consumo e pela

    proliferao tendendo ao infinito de estilos de vida. Nesse processo cada indivduo pode

    apreciar a vitrine e a simbologia de representaes quase marketicas da vida e das

    possibilidades de escolha, para optar a cada momento com o que significar seu dia, e com o

    que vai estar vivendo hoje. Um indivduo pode resolver adotar o budismo pela manh, ser

    ateu s 16 horas, mas l pela noite adorar Jesus Cristo. Isso hoje. Mas amanh pode ser a

    adorao do diabo. As escolhas j no fazem mais parte da prxis de vida, sempre moldada

    pelo shopping center, pela moda, pelo sucesso representativo, ou seja, sempre de mercado.

    claro que cada indivduo procura viver refletindo sua vida, mas j no importa em quase

    nada a relao entre suas representaes e sua reproduo cotidiana. A prxis de mercado a

    3 WOOD, Ellen. O que a agenda ps-moderna? in WOOD, Ellen & FOSTER, John. Em defesa da Histria.

    Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999, p. 9. 4 HARVEY, David. The condition of postmodernity. Oxferd: Basil Blackwell, 1990.

  • nica vencedora, e suas crises em meio permanncia mais favorecem mostrar como ela

    forte. E melhor ento relaxar e apreciar o que acontece e o espetculo das novas tecnologias.

    A idia de progresso est solapada, as misrias e desastres sociais cada vez mais

    visveis, cada vez mais perto, mas isso pouco importa j que a retrica fechada apenas

    permite perceber que algo vai mal, mas pode ser apenas uma representao social ou meta

    narrativa, o melhor assistir ao espetculo das tecnologias e das representaes e escolhas.

    Como diz Ellen Wood, o ps-modernismo se assemelha s vezes s ambigidades do

    capitalismo, vistas por aqueles que desfrutam (ainda) de seus benefcios. A ps-modernidade

    no se v ento como histrica e sim como a prpria condio humana. Ao negar a

    possibilidade de libertao coletiva, de plano global ou crtica racional opresso, a ps-

    modernidade deixa de ser um diagnstico da realidade, passando a se tornar a prpria

    doena.

    Sobre o pensamento expresso pela corrente

    tambm Ellem Wood que expressa muito bem alguns elementos contraditrios,

    mas fundamentais, para que se compreenda a ps-modernidade5. Segundo a autora, os ps-

    modernos negam frequentemente que sejam epistemicamente relativistas, ou seja, afirmam a

    cientificidade de seu pensamento e concluses, e insistem que h um mundo real l fora.

    Mas a ironia e contradio, que serve para mostrar o quanto so, na melhor das hipteses,

    confusos, est na suposio epistemolgica, fortemente defendida e aplicada por eles, de

    conhecimento humano limitado pela lngua, pela cultura, ou por interesses particulares de

    indivduos ou grupos especficos. Em outras palavras, a cincia no pode aspirar a apreender

    ou mesmo aproximar-se de alguma realidade externa comum s comunidades. Ou seja, as

    leis da natureza s podem ser aquilo que a comunidade diz que . E isso seria para mim o

    melhor exemplo de relativismo epistemolgico, e portanto da morte da cincia.

    A conseqncia mais danosa deste relativismo o abandono taxativo das lutas

    sociais mais amplos. Ficando desqualificado o que consideram de grandes narrativas ou

    meta narrativas de natureza causal, no possvel analisar e descobrir as origens, muito

    menos os processos, dos sistemas e presses opressoras, que jamais podem ser analisados a

    partir de perspectivas coletivas.

    Logicamente tambm se tornam impossveis s aspiraes de qualquer oposio

    unificada, de emancipao humana geral, ou mesmo de contestao geral do capitalismo,

    5 WOOD, Ellen. Op. cit., p. 14 -15.

  • como os socialistas costumam pensar. O mximo que se pode imaginar um bom conjunto

    de movimentos localistas e setorizadas de resistncias particulares e separadas.

    Um dos fundamentos tericos pra esta posio est no aprisionamento que a ps-

    modernidade cria em relao lngua humana. Para o David McNally, que chama a ps-

    modernidade de novo idealismo, o movimento alega que nada existe fora da lngua, do texto

    ou do discurso. Este posicionamento, na prtica, limita o que podemos ou no conhecer, o

    que podemos ou no racionalizar6. Para eles a opresso, em ltima anlise, no existe, no

    concreta, podemos inclusive dispensar o conceito de classe social, pois a opresso apenas

    consiste na forma pela qual somos linguisticamente definidos. Isso significa, por exemplo,

    entender as famosas aes afirmativas to em voga atualmente, como uma tentativa de

    alterar discursos e definies lingsticas, bastando isso para que a opresso se dissipe.

    A posio mais comum e dominante dentre os pensadores ps-modernistas, e seus

    muitos simpatizantes e influenciados, nega a racionalidade como forma de construo da

    verdade ou mesmo a possibilidade de uma verdade generalizada, j que o mximo que

    podemos conhecer de cada ser humano so seu discurso, sua fala, e suas relaes

    individualistas mais prximas, suas representaes e seus smbolos.

    Constri-se assim um ataque a tudo que possa parecer uma racionalidade, tida como

    um discurso generalizante, de um indivduo ou grupo que tenta impor uma prtica e sua

    opresso aos demais. Todo o iluminismo e o racionalismo dos sculos XVIII e XIX, assim

    como do XX so rejeitados como opo, classificados imediatamente como totalizaes e

    estratgias de opresso e enquadramento. O Iluminismo atacado, mas quase no encontra

    quem o defenda, o que faz com que aparea de fato o verdadeiro alvo dos ps-modernistas, o

    marxismo e o pensamento dialtico materialista, e sua proposta de compreenso da

    totalidade, da realidade, da Histria, das lutas sociais concretas e integradas, inter-

    relacionadas em todo o globo e em todos os enfoques, na medida em que alguns, algumas

    classes sociais, passam a dominar os meios de produo da existencia e o processo

    histrico. A viso de progresso social e de projeto emancipatrio e libertrio socialista

    universal passam defensiva. A reao de tericos e estudiosos materialistas foi imediata.

    Nos ltimos anos vrios estudos crticos sobre a ps-modernidade tm sido produzidos e

    divulgados, o que indica um combate ferrenho7. Enquanto isso, colegas e conhecidos, que

    6 MCNALLY, David. Lngua, histria e luta de classe in WOOD, Ellen ... . Op.cit., p. 30 - 32.

    7 COGGIOLA, Osvaldo. O capital contra a histria. So Paulo: Xam, 2002; IANNI, Octavio. Enigmas da

    modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000; ANDERSON, Perry. As origens da ps-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998; REDONDO, Fernando e REDONDO, Maria. Do capitalismo ao digitalismo. Porto: Campo das letras, 2003; SANTANA, Marco e RAMALHO, Jos (Orgs.). Alm da fbrica. So Paulo: Boitempo, 2003; GUIMARES, Juarez. Crtica razo liberal. So Paulo: Xam, 1998; WOOD, Ellen. Democracia contra capitalismo. A renovao do materialismo histrico. So Paulo,

  • antes militavam variadas correntes de historiografia e pensamento idealista de origem

    iluminista, aderiram rapidamente e sem problemas novidade ps-moderna. Ou seja, o

    pensamento burgus de direita se renovou e identificou-se rapidamente com a nova onda.

    Analisando o iluminismo

    Utilizando uma abordagem dialtica, no possvel estudar o iluminismo sem antes

    trabalhar com a compreenso de seu contexto histrico. O final do sculo XVIII foi marcado

    pela emancipao da classe burguesa na Europa Ocidental, principalmente na Inglaterra e

    Frana, que emergia juntamente com a hegemonia da sociedade baseada em mercado e lucro,

    que pela primeira vez apareciam para governar a reproduo da existncia humana8.

    A burguesia encontrava, porm a dura oposio e o entrave das resistncias de

    sociedades que poderamos definir como pr-capitalistas, em todos os lados e continentes. As

    classes oligrquicas e senhoriais, ou outras, tradicionalmente hegemnicas, com poder

    construdo sobre o prestgio e em relaes de produo da existncia baseada na propriedade

    dos recursos produtivos e na dependncia das populaes contidas em seus redutos, eram

    fortes opositores9. Acontecia que s com redutos mais fracos, ou inexistentes, a sociedade

    burguesa pode de fato exercer toda a plenitude de sua fora ampliando os mercados. E sem os

    redutos, os senhores simplesmente desaparecem10

    . As duas ordens, a burguesa e a que

    chamaremos de pr-capitalista, ento precisam se enfrentar mesmo que no desejassem.

    Tambm as tradicionais classes subalternas destas prxis sociais, sujeitos que mantinham uma

    relao predominantemente servil, ou prxima a isso, como no poderia deixar de ser, tendo

    em vista sua existncia em meio propriedade alheia e da qual faziam parte, praticamente

    como agregados, se opunham nova ordem, j que procuravam reproduzir sua existncia da

    forma histrica tradicional que conheciam. As classes proletrias e operrias da sociedade

    burguesa tambm tendiam a desejar cidadania e processos sociais contrrios a estas

    reprodues do tipo pr-capitalista.

    As duas ordens eram, portanto, rivais histricas, rivais na capacidade de reproduo

    social para o futuro: os sujeitos reproduziam sua existncia de uma forma ou de outra, em um

    boitempo, 2003; MSZAROS, Istvan. Para alm do capital. So Paulo: Boitempo, 2002; COURI, Srgio. Capitalismo e Marxismo. Ensaios sobre a evoluo do capitalismo e do marxismo. Braslia: UNB, 2001; 8 ROBSBAWN, Eric. A era das revolues, 1789 1848. So Paulo: Paz e terra. 2000. JAY, Peter. A riqueza

    do homem. Rio de Janeiro:Recerd, 2000. p. 145 264.HUBERMAN, Leo. Histria da riqueza do homem. Rioo de Janeiro:Jahar Editores, 1983, p. 143 - 224; VILAR, Pierre. Ouro e moeda na histria, 1450 1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1980. 9 COGGIOLA, Osvaldo. Op. cit.., p. 11 46.

    10 MATTA, Alfredo. Governadores e interventores da Bahia republicana.Testemunho de transformaes das

    estruturas sociais do estado in Bahia republicana governadores e interventores. Salvador: UCSal.

  • momento ou outro, de acordo com cada instncia cotidiana, no por deciso exatamente

    subjetiva ou consciente, como opo por uma ordem ou outra, de sua preferncia, mas pelas

    alternativas dialticas de prxis social oferecidas sua vida, quando da produo de seu

    momento, seu futuro, sua existncia e vida. Como a sociedade burguesa tem uma maior

    capacidade reprodutiva ela foi ganhando espao11

    . Mas isso no foi fcil, nem simples, nem

    de curto prazo. A disputa ferrenha caminhou por sculos e de certa forma ainda no acabou. A

    burguesia necessitou de todo tipo de ferramenta para lograr impor sua hegemonia em nvel

    global. A sociedade burguesa mostrou sua maior capacidade reprodutiva com prxis e

    reproduo, ou seja, com enfrentamento concreto no oferecimento de alternativas aos sujeitos

    em seus cotidianos.

    Necessitavam, portanto de uma estratgia para criar ideologias favorveis sua prxis,

    e aos poucos conseguir competir e sobrepujar as prxis pr-capitalistas diversas, espalhadas

    pelo mundo, que contradiziam a lgica do capital emergente.

    O Iluminismo foi o movimento que projetou esta estratgia ideolgica. Pregava a

    liberdade, a cidadania, a sociedade civil, a democracia estes todos eram princpios presentes

    na declarao dos direitos do homem.

    A cincia e a metodologia de investigao defendida e divulgada pelos iluministas

    jamais poderiam ter sido totalizantes ou absolutas12

    . Jamais poderiam ser classificadas como

    impositoras de verdades absolutas, j que tinham como objetivo exatamente a defesa da

    sociedade de mercado e da emergncia dos direitos do homem defendidos pelo movimento.

    Funcionavam antes como garantias de liberdades, direitos e diversidades, s que dentro das

    regies, ou instncias da sociedade onde a sociedade de mercado j era hegemnica ou em

    vias de tornar-se. A cincia iluminista era na prtica o discurso de verdade que fazia parte da

    prxis social da nova ordem. Era capaz de criar argumento de defesa, e auxiliar na construo

    de um ambiente favorvel diversidade de opo, defesa dos direitos iguais e da cidadania,

    assim como de uma sociedade civil livre de privilgios e pr-conceitos, elemento essencial

    para o funcionamento do mercado em sua plenitude13

    . E isso era extremamente desejado por

    todos os que comeavam a viver segundo a hegemonia da nova ordem, principalmente a

    classe dominante; os burgueses14

    . Se esta cincia fosse sectria, absoluta e defensora de

    verdades indiscutveis como que teria avanado e mudado tanto nestes anos. S que esta

    defesa de direitos, diversidade, cidadania, s era possvel onde a hegemonia burguesa j fosse

    11

    HARRIS, Marvin. Cultural materialism. The struggle for a science of culture. Boston: Altamira press, 2001. 12

    CHASSOT, Attico. A cincia, atravs dos tempos. So Paulo:Moderna, 1994. 13

    PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla (orgs.). Histria da cidadania. So Paulo: Contexto, 2003. 14

    MARX, Carl. O Capital. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002.

  • clara. Na regio de hegemonia burguesa o que se deseja a abertura de mercados, a

    manuteno de direitos e diversidades, a defesa do individualismo.

    Outro raciocnio era aquele voltado para as regies de hegemonia senhorial ou outra,

    que no a burguesa. Nesse caso o iluminismo aparecia como defensor dos direitos e impositor

    desta diversidade e cientificidade sobre o que chamava de superstio ou pr-conceitos que

    mantinham a ordem pr-capitalista em questo. O discurso de verdade iluminista, objetivo e

    baseado na experincia emprica e na racionalidade dedutiva ou indutiva, era ento

    conveniente para dissipar e minorar resistncias sua ordem social qual praticava sua prxis

    por desejar sempre maior produtividade e assim melhor produo e, portanto, lucro. Esse

    raciocnio no tem porque ser aplicado somente economia, embora esta tenha sido usada

    como exemplo fcil de entender. De fato toda a produo da existncia passava, aos poucos, a

    estar direcionada para este elemento de eficincia das relaes sociais que eram produzidas. A

    verdade das luzes era um ataque s sociedades ordenadas segundo elementos culturais outros,

    que no a lgica racional e sua defesa dos direitos e da diversidade de opes, e desta forma a

    noo de progresso, que apoiava a diversidade e os direitos contra as sociedades atrasadas,

    ou em discurso de hoje excludas, do projeto hegemnico burgus, que avanava e

    necessitava avanar. Era ento o momento de avano da sociedade burguesa, mais eficiente na

    reproduo social que suas contemporneas. A filosofia, a ideologia e a estratgia iluminista

    era uma importante ferramenta para ascenso da burguesia e de sua sociedade naquele mundo

    ainda hostil e pleno de estruturas sociais rivais. At mesmo sujeitos engajados em sociedades

    pr-capitalistas recebiam desta ideologia burguesa elementos para repensar sua prxis social e

    ensaiar transformaes estruturais, como no caso do Brasil, fortemente influenciado pelo

    iluminismo, quando de movimentos como a Sabinada, os Alfaiates, a Confederao do

    Equador, a Inconfidncia Mineira, a Revoluo Praieira e outras que desejavam construir

    alternativas ordem senhorial local ento hegemnica15

    .

    O iluminismo ento parte da estratgia de expanso da burguesia no seu primeiro

    momento de hegemonia. Estava a servio da expanso e reproduo da ordem capitalista

    aonde ela necessitasse avanar, mas servia para manter e alicerar os projetos de cidadania,

    legitimao da diversidade e direitos iguais onde ela j estava estabelecida. Uma ideologia

    ofensiva sobre ideologias e prxis concorrentes, e que tinham menor capacidade reprodutiva.

    Desta forma, para cada cidado dos EUA, da Frana, da Inglaterra, e de alguns poucos

    bolses de sociedade burguesa na Europa do final do sculo XVIII e incio do XX,

    principalmente os que estavam includos no processo da nova ordem, o iluminismo era uma

    ideologia libertria, cidad, alicerce da sociedade civil e de direito. Era, portanto, uma

    15

    MENDES Jr; Antonio e RICARDO, Maranho. Brasil Histria. So Paulo: Brasiliense, 1983. v. 2.

  • verdadeira base ideolgica e de argumentao e verdade para a diversidade de idias,

    comportamentos, mercadoria, oportunidades e opes, de que precisava a sociedade de

    mercado emergente. Para a nova classe dominante burguesa, interessada em expandir

    domnios e poder, esta escola de pensamento era ento valiosssima. Para as sociedades que

    funcionavam com outra lgica que no fosse a de mercado, porm, o iluminismo era

    agressivo, irreverente, desqualificador, verdadeiramente destruidor, e capaz de dar elementos

    e justificativas para o colonialismo e a submisso no s dos povos, como das culturas, das

    prxis e da estrutura de suas sociedades. Devemos perceber como esta ideologia era

    duplamente til, e assim compreender sua expanso e adoo pelos emergentes imprios

    burgueses. O Iluminismo e sua cincia ento podem ser caracterizados por sua abertura,

    flexibilidade, adaptabilidade, busca de aplicabilidade e produtividade, auto-crtica, tudo ao

    contrrio do que acusam pensadores tidos como ps-modernos como Lyotard, Edgar Morin e

    outros16

    . A rpida e verstil evoluo desta cincia revela claramente isso: como era mutvel,

    adaptvel, crtica. E era nisso mesmo que parece residia sua fora e a fora dos imprios que

    dela se utilizavam.

    O Iluminismo e sua cincia eram ento flexveis quando convinha, e rgidos e

    absolutos da mesma forma. Isso era mesmo necessrio, pois estava em jogo no s o avano

    do modo de produo e reproduo da nova ordem, como tambm o controle social das

    classes subalternas da mesma, s quais no se podia permitir sair da linha.

    Acontecia que o enfrentamento da prxis e do discurso de verdade das sociedades pr-

    capitalistas no poderia sair do controle da classe hegemnica burguesa. O avano tinha que

    estar sob controle, e em conseqncia tambm a verdade, j que havia sempre a chance das

    transformaes radicalizassem e passassem do limite desejado pela burguesia de manuteno

    da propriedade privada dos meios de produo da existncia. A universalidade e a cincia

    iluminista era ento uma prtica sob controle17

    . Os ps-modernos esquecem comumente que a

    cincia e a racionalidade no andam por si, mas sim sob controle e poder humano. H sempre

    um sujeito que realiza a prxis social. Fazer universidade e cincia certamente parte

    importante da prxis burguesa desde a sua origem. A cincia iluminista estava sob controle

    das classes dominantes burguesas, que a financiavam, e por isso nada poderia virar cincia

    sem o crivo de aceitao do mtodo adotado pela racionalidade universitria. Estava garantido

    que a verdade pudesse questionar as supersties e preconceitos da sociedade oligrquica

    16

    MORIN, Edgar. Cincia e conscincia. Rio de Janeiro: Bertrand-Brasil, 2000; LYOTARD, Franois. O Ps-Moderno. Rio de Janeiro: Jos Olmpio, 1986. 17

    MONACORDA, Mario. Histria da Educao. So Paulo: Cortez, 2001; DREZE, Jacques e DEBELLE, Jean. Concepes da universidade. Fortaleza: UFC, 1983; MATTA, Alfredo. Educao: ferramenta para a ascenso da burguesia. MATTA, Alfredo (org.). Histria em revista. Aspectos da Bahia republicana. Salvador, 2004, v.1, p.7-20.

  • senhorial, sem com isso ameaar sair do caminho desejado pela burguesia. errado ento

    propor a linearidade e totalidade, ou desejo de ser absoluta, da verdade que era procurada e

    construda pela cincia iluminista. A cincia e o mtodo em si eram propostas de

    transformao. O que era linear no era a cincia como se ela fosse um ser em si, e sim a

    classe burguesa que no permitia de forma alguma a expanso das discusses e pesquisas,

    assim como da racionalidade, para alm da verdade que lhes interessava, pois afinal lhes eram

    mantidas e financiadas. As universidades e a cincia eram assim levadas a adotar certas

    posies como verdades inquestionveis, lgicas e racionais, s vezes nada racionais, ou

    quelas racionalizveis para certas perspectivas, sem permisso de debate, contextualizao e

    menos ainda participao de todos os interessados. Isso porque outras opes de explicao e

    questionamento eram impedidas de participar da discusso e construo do conhecimento,

    especialmente quando eram obstculos ao avano da ordem capitalista, dos lucros, ou pior

    ainda se ameaavam avanar em relao sociedade burguesa, questionando a privacidade e

    o individualismo das decises e verdades cientficas. O iluminismo era rgido e verdade

    absoluta seletivamente, e no em todos os casos, o que radicalmente diferente daquilo que

    defendem os ps-modernos sobre o tema.

    J naquele tempo, como na atualidade, o racionalismo dialtico e a cincia dialtica

    foram muitas vezes perseguidos ou simplesmente rejeitados exatamente por estarem propondo

    uma racionalidade popular, compartida, participativa e sob controle das comunidades e dos

    diversos interessados, e no simplesmente relacionada ao poder do capital como era a

    universidade do progresso iluminista.

    A universalidade Iluminista era, antes de tudo, uma estratgia para que fossem aceitos

    em toda a sua abrangncia, a cidadania e as referncias dos cidados de todos os perfis, j que

    deveriam enfrentar a tradicional tirania e totalidade da ordem estabelecida por nobres,

    oligarcas, senhores e outros que simplesmente ditavam as regras legitimando-as nas tradies,

    representaes sociais e cultura. Mas o objetivo principal era igualmente o de estabelecer

    condies para a expanso da sociedade de mercado, das vendas e do lucro. Era necessrio

    ento garantir o direito diversidade e dinmica do mercado que consistia exatamente na

    capacidade ilimitada dos indivduos de escolherem aquilo que querem consumir e como

    querem participar da sociedade, pelo menos para aqueles que se beneficiavam do novo

    sistema.

    O universalismo da tolerncia, uma criao liberal iluminista, , portanto essencial

    para que a pluralidade seja aceita sem a multiplicao eterna e sem sentido de toda sorte de

    conflitos, o que seria de fato o fim da pluralidade. A rejeio do iluminismo seria a prpria

    rejeio da pluralidade vivel ainda hoje. A defesa dos princpios do iluminismo e dos direitos

  • humanos uma forte caracterstica da ps-modernidade, a manipulao das verdades tambm,

    o que mostra o quanto a ps-modernidade iluminista e, portanto bastante moderna, e

    contraditria. A defesa das novas tendncias que devem ser assumidas por todos,

    totalidade; a presso por incluso social, este novo tipo de colonizao e imposio da

    verdade; a luta por mostrar o que est ultrapassado, quando se usa racionalidade linear e

    controladora disfarada; as lutas por construo de identidades e discursos, que o desejo de

    manipular opinies e verdades estabelecidas ou estabelecer; tudo isso mostra a contradio e

    falcia da ps-modernidade, que mais parece uma desesperada tentativa da burguesia de

    manter o iluminismo e a modernidade a todo custo em voga, junto com o desejo de consumo e

    conforto da ps-modernidade.

    Com relao ao pensamento materialista dialtico ento isso no faz o menor sentido.

    A abordagem de pesquisa e desenvolvimento metodolgico da cincia idealista iluminista

    caminhou para tratar a natureza e todos os focos de seu estudo e pesquisa de forma objetivada

    e absoluta, no relativizando que cada realidade pertence a um contexto social, e que ela

    dialoga com cada sujeito de forma singular. A cincia idealista iluminista, e todas as formas

    derivadas de cincia burguesa posteriores, estudam sempre o objeto a pesquisar como uma

    entidade absoluta e separada, jamais mediadora da existncia de sujeitos humanos plurais, e

    sempre passveis de interveno e anlise em separado de todo o rasto do universo.

    Descaracterizam, portanto o concreto da existncia dos objetos, que s podem ser percebidos

    pelos homens por mediao, exatamente na medida de sua interseco e interao com os

    sujeitos. O sujeito a servio da burguesia, ou da cincia burguesa, em geral, elege

    arbitrariamente sua prxis e interao como sendo a exclusiva, ou pelo menos aquela aceita.

    Esquece as possibilidades dialticas com outros sujeitos, elimina a possibilidade de estudo

    colaborativa e de construo dialtica cientfica, para gerar uma verso mono focalizada,

    embora esquecendo disso, para que possa ser editada como a verdade para todos: a verdade

    burguesa. Isso at que outro interesse autorizado e burgus possa questionar o que

    estabelecido ento, no sem antes a autorizao de um diploma ou avaliao de qualidade,

    para que novamente seja construda outra verso do conhecimento sobre o tal objeto. A

    racionalidade dialtica dinmica, probabilstica e totalmente plural j est ligada

    experincia de cada sujeito em sua prxis social18

    . A correlao das foras e tenses, as

    lgicas e racionalidades, a objetividade sobre o concreto, s podem ser conseguidas

    momentaneamente e em prxis coletiva. Todos os sujeitos envolvidos pertencem a uma prxis

    e a seu estudo e anlise cientfica e da verdade. Portanto, absurdo falar em qualquer tipo de

    18

    GRAMSCI, Antnio. Concepo dialtica da Histria. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1981; LUCKCS, Georg. Ontologia do ser social: os princpios ontolgicos fundamentais de Marx. So Paulo: Livaria Editora Cincias Humanas, 1979.

  • totalidade ou verdade absoluta, ou imposio de pontos de vista ao se tratar de uma

    abordagem verdadeiramente dialtica. Certamente a anlise dialtica fala de racionalidade, de

    anlise causal das prxis e da histria, e por isso mesmo ela reacende e anima a possibilidade

    de lutas por mundos melhores e mais justos, assim como as anlises crticas da sociedade e de

    carter generalista e coletiva, embora sempre se respeitando as especificidades dos sujeitos

    em suas prxis e contextos sociais.

    Quando comparada racionalidade iluminista, fica claro que esta ltima no valida os

    muitos interesses e prxis e sim apenas o objetivado, geralmente construdo pelo interesse

    dominante. A cincia e racionalidade idealista iluminista estavam a servio de uma classe.

    Uma racionalidade dialtica comunitria contrria a esta prtica, mas ainda assim

    racionalidade e procura a verdade prpria de todas as prxis. A pluralidade acontece pela

    complexidade e diferenas de sujeitos presentes e momentos da interao entre eles, isso faz

    de cada momento e situao uma construo de verdade, construda de forma muito prxima

    vista dos pensadores e cientistas de abordagem dialtica. Esta racionalidade serviria para

    criticar a prtica burguesa, o que certamente no interessa ps-modernidade.

    Iluminismo e ps-modernidade: falsos inimigos ou scios de um mesmo projeto social.

    Na prtica a ps-modernidade e o ps-estruturalismo em geral, acabam por defender

    pequenas lutas localistas voltadas para o atendimento de interesses imediatos existenciais dos

    indivduos e grupos unidos por identidades discursivas. Em outras palavras, as minorias e

    grupos que sofrem pr-conceitos ou perseguies, e que no conseguem com isso realizar a

    cidadania plena, defendida e idealizada pelo iluminismo burgus, acabam ganhando um

    reforo em seus interesses e lutas legtimos, por estarem includos plenamente na sociedade

    de mercado. A ps-modernidade consegue ento duas coisas:

    1) Reunir aliados importantes ao seu discurso. Gente que necessita da

    igualdade to pregada desde o sculo XVIII, mas que no obteve sucesso

    at agora conseguiu. Reunindo assim um grupo de militantes legtimos e

    facilmente aliados de seu discurso iluminista e defensor da cidadania.

    Consegue assim criar grupos de interesse que acreditem na idia do

    eurocentrismo, ou machismo, ou em qualquer verso da opresso das

    totalidades opressoras que impedem a diversidade de suas diferenas de

    serem iguais, e que lutar no s por seu espao por cidadania, mas tambm

    contra qualquer pensamento que ameace sua ideologia libertadora. Por

  • exemplo, o Marxismo. A burguesia consegue ento importante aliado para

    seus planos: a ps modernidade. Assim feministas, movimentos negros,

    movimentos defensores de estilo e formas de vida e comportamento, se

    realizam nessa filosofia.

    2) Por outro lado garantem expandir a sociedade de mercado e sua diversidade

    de opes e prxis cada vez mais longe, j que os que lutam de forma

    localista no incomodam e nem questionam de forma alguma o sistema, ao

    contrrio, desejam para si caractersticas de sujeitos includosna

    sociedade de mercado.

    No final das contas difcil supor que qualquer uma das lutas localistas ou por

    pluralidade e diversidade radical da ps-modernidade, possa fazer sentido sem que haja a

    aceitao do essencial do projeto e da prtica social iluminista que defendia a democracia, a

    igualdade, a justia social e os direitos humanos. Este um bom comeo para ver que a ps-

    modernidade e o iluminismo modernista no so to diferentes como supem os ps-

    modernos 19

    .

    Mas possvel avanar mais nesse ponto. O que parece acontecer que a ps-

    modernidade transfere para o Iluminismo e sua universalidade, a responsabilidade sobre todos

    os males e desastres da histria. Ao fazer isso, acaba por livrar a cara da sociedade de

    mercado, o que acaba preparando espao para que defenda o consumismo e a transformao

    de tudo em mercadoria como o que de fato seja a prtica libertadora. Se comemora ento a

    sociedade de mercado. No tem jeito mesmo! O pessimismo de que o capitalismo venceu e de

    que no h outra sada ajuda muito nesse ponto.

    A liberdade fica ento cativa das relaes de mercado, ou melhor, do consumismo.

    Alm disso, vivemos um momento histrico de sociedade global de mercado, que requer mais

    do que qualquer outro de perspectivas globais de interpretao e posicionamento poltico. A

    ps-modernidade navega claramente contra isso. Em outras palavras, na prtica ela defende

    com igual competncia a reproduo da sociedade de mercado e do seu consumismo. Ao

    navegar na direo de desconstruir a totalidade, de fato escamoteia a viso dos sujeitos

    histricos com relao ao todo do contexto social, auxiliando o mercado global a existir e

    persistir o mesmo, e estruturalmente dominante.

    19

    WOOD, Ellen. Op. cit., p. 18.

  • Tudo isso leva a crer que, como afirma Terry Eagleton, o ps-modernismo seja uma

    reao e resultado do sucesso de capitalismo20

    . Partindo do princpio de que o Iluminismo

    lutava tenazmente por este sucesso, naquele perodo em que o mundo era quase todo pr-

    capitalista, podemos concluir o encontro do iluminismo idealista e da ps-modernidade no seu

    fim comum, a vitria do capitalismo, s que em dois momentos diferentes, o primeiro no

    incio da luta, e o ltimo festejando a vitria. Isso identifica os dois conjuntos ideolgicos

    como pertencentes mesma classe social e sua hegemonia: a burguesia.

    A mudana foi somente de estratgia, ou melhor, de momento histrico, mas a

    finalidade do iluminismo e da ps-modernidade so as mesmas. A defesa da pluralidade e

    diversidade do mercado e da possibilidade de viver nele como consumidor daquilo que ele

    oferece, sem possibilidade de pensar criticamente.

    Enquanto a racionalidade defendida pela burguesia no iluminismo acabava por fazer

    prevalecer sua cincia e verdade sobre as verdades rivais das sociedades pr-capitalistas, os

    cidados eram aconselhados a participarem das maravilhas do progresso e das novidades da

    sociedade de consumo emergente que oferecia sua diversidade de produtos e possibilidade de

    satisfaes. Se essa diversidade era somente europia e tinha um modelo ocidental, mais tarde

    reforada pelos Estados Unidos, isso apenas atesta que naquele momento a sociedade de

    mercado era emergente e forte nestes lugares, enquanto os outros recebiam o ataque de

    atrasados e supersticiosos, anti-cientficos e por isso campo aberto para a explorao e

    expanso do capital.

    Nos tempos atuais no h mais o que expandir e nem so mais fortes os oponentes pr-

    capitalistas, aos quais se necessite a imposio de racionalidade pode fazer emergir mais

    mercado. Ao contrrio. O mercado atingiu todo o planeta e toda a sociedade e a racionalidade

    apenas serviria para critic-lo. Nada melhor do que continuar defendendo liberdade,

    diversidade, pluralidade, cidadania e participao nas maravilhas da sociedade de consumo,

    com toda a sua variedade de opes, atacando qualquer racionalismo, intil para o capital, j

    que ele j conseguiu a expanso desejada. Iluminismo e Ps-modernidade mostram que so

    ideologias irms e existentes em funo da afirmao da sociedade de mercado, s que em

    momentos diferentes, o da emergncia e o da maturidade. As duas posies tm um opositor

    comum a enfrentar. necessrio impedir a manifestao das classes populares e a tendncia

    de socializao dos mercados e meios de produo. Mas esta necessidade maior agora, visto

    que a sociedade de mercado atingiu sua maturidade e no tem mais como se expandir. A

    20

    EAGLETON, Terryen. Ps-modernismo e intelectuais. De onde vm os ps-modernistas? in WOOD, Ellen. Op.cit., p. 30 - 32.

  • tarefa de alienar e escamotear so, portanto mais fortes agora, sob a atuao histrica da ps

    modernidade. Desta forma se aclara posio direita da ps-modernidade.

    Uma resposta materialista ps-modernidade

    preciso reconhecer que o pensamento ps moderno incomoda, forte opositor, e que

    nos obrigou a avanar em alguns pontos para que fosse possvel amadurecer um

    enfrentamento. Muitos movimentos e ideologias marxistas do sculo XX, alguns idealistas

    marxistas como o Stalinismo, realizaram sua ao sob a bandeira e liderana de um grupo de

    vanguarda revolucionria que deveria tomar o poder e administrar o aparelho de estado para

    construir o socialismo. Por mais que houvesse marxistas como Gramsci e Trotsky que

    delataram esse erro muito bem j nos momentos iniciais, somente com a defensiva provocada

    pelo avano ps-moderno, a correo desta abordagem que se dizia marxista, mas que no

    aplicava a metodologia dialtica corretamente, e s vezes claramente distorcia e invertia,

    pode ser posta as claras e uma abordagem dialtica, crtica e dinmica pode desenvolver-se.

    Nesse sentido a queda do muro de Berlim e o final da URSS tm mesmo que ser

    comemoradas, por mais que tenha sido, e ainda esteja sendo, difcil recompor estratgias e

    aes polticas de esquerda.

    Mas hoje com o avano de uma crtica materialista ps modernidade, com a

    necessidade cada vez mais forte de realimentar os movimentos sociais, todos s nossas portas,

    e com a emergncia de novas estratgias democrticas, participativas e baseadas na busca da

    sustentabilidade21

    , para a construo de um socialismo, podemos generalizar e reaparelhar os

    movimentos sociais com alternativas de luta e de prxis produtiva.

    No temos mais que aceitar as explicaes e prticas da ps-modernidade. Mais uma

    vez Ellem Wood que afirma no haver melhor confirmao para o materialismo histrico do

    que a conexo entre a cultura ps-modernista e um capitalismo global fluido e consumista 22

    .

    Seguido este argumento importante analisar de que forma a anlise materialista do

    contexto, da prxis, do texto, de qualquer testemunho histrico ou social, da oralidade e do

    discurso pode ser capaz de aceitar toda a diversidade e pluralidade, sem necessariamente

    quebrar com a racionalidade, que passa a ser dialtica, coletiva e colaborativa. Se assim for,

    agora podemos comear a deixar o individualismo, para agirmos na construo de realidades

    e concretudes coletivas, construindo participativamente alternativas de construo social

    coletiva.

    21

    FOSTER, John. Marxs ecology. New York: Montly Review Press, 2000. 22

    WOOD, Ellen. Op. cit., p. 18.

  • Os sujeitos histricos esto sempre envolvidos em um nmero imensurvel de relaes

    e interaes, sempre voltadas para as suas realizaes prticas e interesses. Estes so muito

    frequentemente coletivos, ou ento pertencem de alguma forma contextualidade de uma

    coletividade.

    Um discurso hegemnico acontece e parte de uma prtica hegemnica, e tende a se

    impor e a tornar-se dominante. Mas como os interesses so plurais e muitos, de fato tal

    hegemonia nunca total o que significa dizer que sempre est em interao e processo de

    construo coletiva uma infinidade de prticas e discursos que vo emergindo e tentando

    concretizar interesses e prxis a cada momento. Nessa tica o discurso faz parte da prxis ou

    da pluralidade delas, todas em complexo jogo de interaes e atuando na construo do social

    e do progresso da Histria 23

    . As prticas e discursos alternativos vo se desenvolvendo e

    proliferando para que cada sujeito possa refletir sua participao no contexto social, e a

    expanso destas alternativas acontece tambm devido a impossibilidade do discurso e da

    prtica hegemnica satisfazerem a todos os interesses presentes.

    A no linearidade e a diversidade emergem a partir de considerarmos a diversidade de

    prxis dos sujeitos presentes em dado contexto social, e na sempre presente dinmica de

    produo coletiva da histria, que implica reconhecer a participao e influncia interativa de

    todos na efetivao de cada instncia de processo histrico. Os sujeitos vo participando dos

    processos dos quais so interatores e concretizam objetivamente interesses e realidades

    coletivas na medida do avano das prxis colaborativas em que se engajam. O engajamento

    pode se desfazer a qualquer momento desde que se desfaa o interesse comum. Mas existem

    interesses e condies que pem os sujeitos em condio de interatores mundiais, de maneira

    que, esto no processo porque simplesmente pertencem histria. Trata-se, por exemplo, do

    caso das interaes e interesses de classe social, determinadas pela forma como o modo de

    produo da existncia acontece. Neste caso a experincia de uma organizao mundial de

    mercados constri uma grande rede de participantes de um mesmo contexto inter-relacionado

    e mundializado, que exige crtica e estudos nessa dimenso. A racionalidade dialtica

    adequada para enfrentar a compreenso da complexidade desta questo e indicar solues de

    carter cientfico. A diversidade e a racionalidade passam a ser uma dinmica relacionada a

    cada zona proximal de existncia de cada comunidade de prxis, que pode ter diferentes

    nmeros e qualidades de partcipes, a depender da construo coletiva e interesse de classe no

    qual estejam engajados.

    23

    MCNALLY, David. Lngua, histria e luta de classe in WOOD, Ellen ... . Op.cit., p. 38 40; FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignao. Cartas pedaggicas e outros escritos. So Paulo: UNESP, 2000; RYAN, Kiernan. New Historicism and cultural materialism, a reader. London: Arnold, 1996; VIGOTSKY, Liev. Pensamento e linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

  • Desta forma, a racionalidade dialtica e materialista consegue responder a todos os

    questionamentos sobre respeito diferena e pluralidade dos sujeitos, feita pela ps

    modernidade, e ainda avanar na direo de entender o que est acontecendo hoje em dia,

    municiando os movimentos sociais e preparando movimentos de transformao e revolues.

    Concluso

    Este estudo ainda um ensaio preliminar de uma anlise que pretende tornar-se mais

    densa e enriquecida de argumentos e dados com o amadurecimento de nossa busca por

    argumentos e dedicao metodolgica.

    Mesmo assim, em poucas pginas fomos capazes de reunir um bom nmero de

    anlises de autores e estudos crticos sobre a ps-modernidade, acrescentando a eles nossa

    prpria anlise crtica e mostrando como a ps-modernidade necessita ser desmascarada e

    posta em seu devido lugar tendo em vista a necessidade dos tempos atuais de novas

    organizaes de luta e utopias. O capitalismo construiu uma nova ofensiva nos ltimos anos,

    municiada por reestruturao produtiva e transformaes no mundo do trabalho e na

    reproduo social 24

    . A ps modernidade um movimento histrico emergente em paralelo a

    este processo e muito associada a ele. Acredito que o Capital pratica sua reestruturao

    atravs de uma prtica complexa que inclui dois corpos ideolgicos: o Neoliberalismo e a Ps

    Modernidade.

    Um trata de avanar sobre a mais-valia relativa e expandir a capacidade opressora e de

    produo objetiva do capital, o outro desorganiza as resistncias possveis e favorece a

    alienao dos movimentos populares. Este trabalho analisou este contexto e suas muitas

    relaes, revelando alguns aspectos, mas principalmente preparando mais pesquisas e

    levantamentos que parecem necessrios para aprofundar o que foi discutido.

    O resultado desta anlise revela que o desgaste e falta de dinmica progressiva do

    capital nos ltimos anos tem levado a sociedade mundializada criada pelo capitalismo a uma

    posio de presso e falta de caminhos dentro da ordem burguesa. Mas e mais os sujeitos

    coletivos ou individuais se vm forados a falar de sustentabilidade e de ecologia em um

    sentido coletivo e global levando ao questionamento das ideologias neoliberal e ps-moderna,

    cada vez menos capazes de efetivas seus papeis, tendo em vista a imposio da experincia

    concreta.

    A rediscusso do marxismo e sua aplicao ao estudo da atualidade e das foras

    sociais emergentes parecem poder explicar como as tecnologias da informao esto

    24

    ANDRADE, Elizirio. Nova ofensiva do capital sobre o trabalho. Salvador: UCSal, 2000.

  • atendendo demandas de colaborao, interao social e otimizao de processos, o que

    parece indicar que a dinmica social est saindo do individualismo burgus, iluminista e ps-

    moderno para a colaborao efetiva e para a realizao de sujeitos coletivos e de suas prxis.

    Este ento um tempo de novas utopias, de novas anlises sociais, de mais

    racionalidade dialtica, e por fim de novos projetos para a construo de um socialismo

    solidrio, democrtico, participativo e pleno de tecnologias sustentveis e ecolgicas.

    Referncias

    ANDERSON, Perry. As origens da ps-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. ANDRADE, Elizirio. Nova ofensiva do capital sobre o trabalho. Salvador: UCSal, 2000. CHASSOT, Attico. A cincia, atravs dos tempos. So Paulo: Moderna, 1994. COGGIOLA, Osvaldo. O capital contra a histria. So Paulo: Xam, 2002. COURI, Srgio. Ensaios sobre a evoluo do capitalismo e do marxismo. Braslia: UNB, 2001. DREZE, Jacques ; DEBELLE, Jean. Concepes da universidade. Fortaleza: UFC, 1983. EAGLETON, Terryen. Ps-modernismo e intelectuais. De onde vm os ps-modernistas? In: WOOD, Ellen M; FOSTER, John. Em defesa da histria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. FOSTER, John Bellamy. Marxs ecology. New York: Montly Review Press, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignao: Cartas pedaggicas e outros escritos. So Paulo: UNESP, 2000. GRAMSCI, Antnio. Concepo dialtica da Histria. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1981. GUIMARES, Juarez. Crtica razo liberal. So Paulo: Xam, 1998. HARVEY, David. The condition of postmodernity: an enquiry into the Origins of cultural change. Oxferd: Blackwell, 1990. HARRIS, Marvin. Cultural materialism: The struggle for a science of culture. Boston: Altamira press, 2001. HUBERMAN, Leo. Histria da riqueza do homem. Rio de Janeiro:Jahar Editores, 1983. IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000. JAY, Peter. A riqueza do homem. Rio de Janeiro:Recerd, 2000. LYOTARD, Franois. O Ps-Moderno. Rio de Janeiro: Jos Olmpio, 1986.

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  • AS INTERPRETAES DA TECNOLOGIA NA

    CONTEMPORANEIDADE

    Duarte Costa1

    Que consequncias teve a generalizao do Ensino a Distncia potenciado pelas novas

    tecnologias?

    A necessidade de recorrer ao Ensino a Distncia (EAD), mesmo antes do acesso

    generalizado s Novas Tecnologias de Informao (NTI) atravs do que poderia chamar-se

    ensino por correspondncia teve consequncias muito importantes, de que os mais

    importantes foram a melhoria substancial dos manuais escolares, inclusivamente a adopo

    generalizada de marginlia, j que estes se deveriam conceber para interaco com os alunos

    sem ajuda dos professores, que estavam longe e, em alguns casos, em face da teoria

    psicolgica vigente na altura o comportamentalismo chega-se utilizao de processos,

    como o ensino programado, destinados auto-aprendizagem, partindo duma base hipertextual

    impressa que dirigia os alunos conforme as suas respostas aos questionrios propostos no fim

    de cada unidade.

    Com o advento e generalizao das NTI comea a aparecer o hipertexto electrnico em

    vrias verses, produzindo-se prottipos didcticos interessantes de ensino programado,

    principalmente nas verses de Guide, Hypercard e Toolbook.

    ., no entanto, quando se conjugam, j nos anos 90, duas inovaes o cognitivismo

    construtivista que j vinha do fim dos anos 70 e o hi.pertexto a distncia da www (World

    Wide Web) que a grande revoluo vai suceder.

    Inicialmente, pelo menos na Educao Cientfica, o cognitivismo construtivista, ao

    substituir o comportamentalismo, instala como paradigma fundamental o da mudana

    conceptual, fortemente baseado na Psicologia Cognitiva, numa verso tendencialmente

    construtivista.

    Mais recentemente, principalmente com a generalizao do EAD (Ensino a Distncia) ou

    pelo menos com a necessidade imperiosa de B-learning (Blended Learning) tem-se vindo a

    assistir a uma mudana de paradigma para o que se pode chamar anlise discursiva,

    1 Professor da Faculdade...

  • fortemente apoiado na Psicologia Discursiva que implica a adopo do construcionismo

    social (Gergen, 1994) embora por vezes se adopte o menos radical construtivismo scio-

    cognitivo de Vygotsky (1978).

    Poder-se- dizer, invocando Kuhn (1962), que estamos em plena revoluo paradigmtica

    entre os dois paradigmas, de mudana conceptual e de anlise discursiva, e que ainda no se

    pode dizer qual deles vencer, podendo no entanto indicar algumas das caractersticas gerais

    comuns adopo de um ou de outro e que correspondem s tendncias contemporneas do

    sector.

    A primeira a substituio da ideia de planeamento de instruo pela de design de

    aprendizagem presente no conceito de CLE, Constructive Learning Environment

    (Jonassen, 1995) com vrias caractersticas por este detalhadas no seu site

    (http://www.coe.missouri.edu) e que resultam principalmente de no haver um mas

    vrios construtivismos e/ou construcionismos a aplicar, j que a sociedade, a estrutura

    cognitiva e a estrutura da matria a aprender tm as suas especificidades que devem

    ser respeitadas.

    O advento de uma srie de teorias, algumas ressuscitadas do passado, como o caso

    dos russos Vygotsky e Leontev e adaptadas s novas circunstncias do EAD e que

    apresentam as seguintes tnicas:

    - Teoria da Actividade importncia da actividade;

    - Zona de Desenvolvimento Proximal importncia da ajuda de peritos;

    - Teoria da Cognio Situada contexto credvel;

    - Teoria da Cognio distribuda contexto partilhvel;

    - Teoria da Flexibilidade cognitiva contexto flexvel.

    A importncia que o e-learning tem vindo a assumir em Educao Cientfica tem pois

    vindo a provocar uma substituio do paradigma dominante de mudana conceptual, vigente

    pelo menos nas ltimas dcadas e suportado pelas vrias formas de construtivismo, pelo

    paradigma de mudana discursiva, baseado na anlise discursiva, suportado pelo

    construcionismo social (Burr, 1995). Este uma forma de construtivismo que rompe

    radicalmente com as posturas endgena e exgena do construtivismo em que mais ou menos

    todas as suas outras formas, em maior ou menor grau, se baseavam. No parte nem da mente

    do sujeito nem do mundo exterior mas de um fluxo contnuo e contingente de interaco

    (Shotter, 1995), isto , da linguagem, ou melhor, segundo Potter (1996), do discurso (fala e

    textos como aces situadas e co-construdas em aco social). Em vez de partir da linguagem

  • e da subjectividade humana para explicar a actividade humana, opta por comear por analisar

    as interaces em que, segundo Gergen (1994), se geram tanto a linguagem como a

    compreenso e que so os nicos elementos objectivos de que se dispe2. Trata-se de, em vez

    de colocar a mente frente ao mundo (o que envolve um raciocnio circular), de a transladar

    para o mundo (Prawat, 1996), provocando com isto a anulao da epistemologia ou, pelo

    menos a no distino entre esta e a ontologia (Woolgar, 1988). Trata-se, no fundo, da

    aplicao da filosofia do conhecimento ps-moderna e radical de Rorty (1979), segundo a

    qual os indivduos, objectos e factos existem num mundo essencialmente lingustico. Segundo

    esta perspectiva, tudo existiria na linguagem: a natureza e a verdade dos factos definida

    pelos membros da comunidade pela maneira particular de falar sobre eles, que define a

    realidade dessa comunidade. Segundo Cubero (2005) os construcionistas, quais alquimistas,

    tentam transmutar o dualismo mente/mundo noutra coisa. A resposta que encontram para esta

    posio monista a linguagem.

    A concepo da linguagem que convm ao construcionismo social, no , no entanto, a

    da Psicologia Cognitiva que a define de acordo com um modelo de correspondncia e

    comunicao, em que serve, essencialmente para representar o mundo e para comunicar aos

    outros os nossos estados mentais (Edwards, 1997). A linguagem aparece, nesta aproximao

    cognitiva, como um meio de transmisso de contedos entre mentes, de acordo com os vrios

    modelos de comunicao. O construcionismo social, por outro lado, encara a linguagem como

    actividade, tomando como ponto de partida o discurso no seu nvel pragmtico3. Em vez de

    um canal pelo qual se transmitem mensagens, a linguagem aparece como uma actividade na

    qual se gera significado. Esta concepo que admite posies mais ou menos radicais, inspira-

    se:

    do ponto de vista lingustico, na teoria de Austin (1962) sobre actos discursivos

    (speech acts), isto , enunciados que realizam aces dentro de certos contextos e com

    consequncias determinadas;

    do ponto de vista psicolgico, pode relacionar-se com a teoria da actividade de

    Leontev (1978), na medida em que tambm subalterniza a conceptualizao,

    considerando-a um epifenmeno indissocivel da actividade (neste caso acto

    discursivo), com a cognio situada (Brown, Collins & Duguid, 1989), na medida em

    que insiste na inseparabilidade do contexto, e tambm com a cognio distribuda

    2 - Este um argumento semelhante ao usado, no princpio do sculo XX, pelo Comportamentalismo para exorcisar a

    subjectividade do Associacionismo, provocada pelo recurso que este fazia da introspeco.

    3 - Em lingustica costumam definir-se os nveis: fonolgico, morfolgico, sintctico, semntico e pragmtico.

  • (Cole & Engestrm, 1993), na medida em que admite a compartilhao do significado

    criado no acto discursivo.

    do ponto de vista filosfico, relaciona-se com as posies de Wittgenstein (1953) no

    Pilosophical Investigations4, isto , com os seus jogos de palavras criadores de

    significado, sendo esta concepo levada ao extremo pela j mencionada filosofia

    radical de Rorty (1979) que admite apenas uma ontologia discursiva.

    Segundo Potter (1996), a metfora que corresponde linguagem, segundo o

    construcionismo social, no j a de espelho, que servia o cognitivismo, mas de oficina em

    que a realidade se constri medida que se fala ou se escreve sobre o mundo, havendo aqui

    semelhanas grandes com a posio de Berger e Luckman (1999) sobre a construo social

    da realidade, particularmente no que toca ao facto de o critrio para estabelecer a

    objectividade dos factos no ser reflectir uma realidade natural, mas pr em funcionamento

    uma srie de prticas e convenes sociais dentro do discurso.

    A grande importncia desta nova concepo da linguagem a nova forma que se impe

    para a explorao e recolha de dados, j que na perspectiva cognitiva e na procura de

    significado se separam as expresses do seu contexto de produo, sem ligar a elementos

    discursivos importantes como a entoao, silncios ou reformulaes, que so tratadas como

    rudo. Para o construcionismo social, tambm se deve excluir a prtica comum da procura de

    significados antecipados como possveis categorias nas expresses descontextualizadas.

    Em todas as suas verses, o construcionismo social est interessado nos processos

    psicolgicos sem estar interessado (nem sequer reconhecer como categoria) na psique,

    restando para referncia os processos sociais que so mais difceis de excluir da anlise. Nessa

    medida, esta posio aproxima-se muito do construtivismo scio-cognitivo, justificando a sua

    classificao sob o mesmo rtulo de construtivismo psico-social.

    As opes tericas do construcionismo social, principalmente nas suas verses mais

    radicais que implicam a completa excluso da mente como objecto de anlise, levam pois

    rejeio do paradigma educativo pelo qual habitualmente se traduz o construtivismo, o da

    mudana conceptual e sua substituio por um paradigma alternativo, cada vez mais

    influente na investigao, embora sem grande expresso ainda na prtica educativa, que o da

    anlise do discurso que pode relacionar-se com o Discourse Network Analysis (DNA) e que

    4 - A ltima fase deste filsofo.

  • se tornou j extremamente importante, para no dizer dominante, nos importantes casos da

    produo de conhecimento cientfico e do ensino a distncia.

    As consequncias desta mudana paradigmtica, em grande parte introduzida pela

    generalizao do e-learning, so muito profundas e vastas no curriculum, muito para alm do

    EAD, podendo dizer-se concretamente:

    1. A relao entre a Psicologia e a Educao complexa principalmente por ser a

    Psicologia uma cincia descritiva e a Educao um domnio normativo. Assim, as

    tendncias mais recentes da Filosofia da Educao exigem que se resista a encarar a

    Psicologia como a principal e muito menos exclusiva referncia da Educao, tal

    como se admite a Anatomia estar para a Cirurgia (Carr & Kemmis, 1986). portanto

    errado supor que os princpios educativos derivam linearmente dos princpios

    psicolgicos e sem se negar a existncia de uma grande influncia da Psicologia sobre

    a Educao, aquela no deve ser considerada a base desta e, como tal no deve ser

    assunto introdutrio no primeiro semestre de um curso de formao de professores.

    2. A Educao, especialmente a Educao em Cincias uma actividade muito complexa

    que no se pode resumir sobreposio da Psicologia e da Cincia, at porque, como

    se disse atrs, estas so descritivas e a Educao normativa. Resulta sim, de

    exerccios transdisciplinares que envolvem para alm da Psicologia e Cincia, a

    Sociologia, a Filosofia (especialmente Epistemologia e tica), a Economia, a Histria

    e de uma forma geral toda a cultura contempornea em que o professor tem que saber

    estar, de forma a preparar os seus alunos para nela se integrarem ou tentarem

    modificar num sentido benfico para a Humanidade. pois importante existir uma

    disciplina integradora de toda esta problemtica e nunca comear por uma base terica

    de Psicologia que pode conduzir a um reducionismo insustentvel.

    3. A Psicologia tem recentemente mudado de paradigma, sendo que essa mudana tem

    afectado a Educao de uma forma desfasada e um pouco irregular. Comeou por

    notar-se uma preponderncia absoluta do comportamentalismo, reflectindo-se isso em

    correntes como a pedagogia por objectivos e no ensino programado que dominaram a

    Educao no 3 quartel do Sc. XX, a que se seguiu a Psicologia Cognitiva, na sua

    fase de processamento de informao, baseada na analogia entre o funcionamento do

    esprito humano e o computador e que se imps com a generalizao do computador

  • no ltimo quartel do Sc. XX. Mais recentemente argumentos epistemolgicos

    levaram a admitir processos menos algortmicos e mais heursticos de processamento

    da informao que constituem o construtivismo mais ou menos radical e mais ou

    menos social. Muito recentemente, principalmente com a generalizao da

    comunicao assncrona, a mais importante contribuio da Psicologia tem sido

    atravs de um paradigma da Psicologia, que teve origem na Psicologia Social - a

    Psicologia Discursiva - que originou o construcionismo social, que poder ser

    apontado como o novo paradigma da Educao, numa poca em que a importncia do

    Ensino a Distncia aumenta vertiginosamente e o e-learning se torna incontornvel.

    Ora verifica-se que a Psicologia Educacional geralmente versada nas Faculdades de

    Psicologia , geralmente, ainda cognitivista, quando no comportamentalista, facto

    que deve ser corrigido quando se trata da formao de educadores.

    Referncias

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    WITTGENSTEIN, L., Philosophical Investigations, New York, Macmillan, 1953.WOOLGAR, S., Science: The Very Idea, Chichester, Ellis Horwood, 1988.

  • 1

    PEDAGOGIA E DIDCTICA EM AMBIENTES VIRTUAIS DE

    APRENDIZAGEM

    Teresa Pessoa1

    1. Questes introdutrias

    As complexidades e incertezas que caracterizam a sociedade actual tornam pertinente a

    valorizao da construo ou reconstruo de saberes no contexto de uma comunidade que se

    quer aprendente. O desenvolvimento de uma cultura aprendente, preocupao maior de uma

    cidade do conhecimento, ser sustentada na curiosidade, no estudo, na pesquisa pessoal, no

    sentido do risco e no gosto pela apropriao do novo (Carneiro, 2001, 297) e ser sustentada,

    acrescentaramos, no encontro reflexivo e consciencioso do sujeito consigo e com os outros quer

    estes sejam os textos que lemos ou os contextos em que vivemos.

    Numa sociedade educativa ou que elege a educao como finalidade do desenvolvimento

    (Carneiro, 2001, 183), ao invs da sua instrumentalizao, competir no apenas a resoluo de

    problemas ou oferta de solues prefabricadas, mas antes o arrojo de ajudar a levantar as

    interrogaes mais incmodas (Carneiro, 2001, 183). A questo educativa hoje, no ser

    simplesmente uma questo tcnica mas, diramos, uma questo de tica e esttica, ou do

    pensamento necessrio compreenso de inquietaes prpria de uma paisagem social mutante.

    As questes tecnolgicas avanos e disseminaes surpreendentes tm predominado na

    construo desta sociedade da Informao ou do Conhecimento. A Internet e os computadores

    pelas suas caractersticas particulares como medio, as como las formas personales y sociales de

    recepcin-interaccin, y sobre todo su uniquidade social y laboral totalmente generalizada

    (Illera, 2004, 15), tm tido impactos profundos no quotodiano assim como no domnio educativo

    incomparveis a quaisquer outras tecnologias.

    Porm a fundamentao, compreenso e implementao da utilizao das tecnologias em

    educao tem caminhado de forma lenta e muitas das aplicaes educativas hoje existentes

    sieguen siendo parecidas a las que podamos encontrar muchos aos atrs, aunque actualizadas

    com ms y complejos medias (Illera, 2004, 16).

    1

    Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao, Universidade de Coimbra, R. do Colgio Novo, Apartado 6153 3001-802 Coimbra.

    Email: [email protected]

  • 2

    Pretendemos assim contribuir para o debate e reflexo sobre as possveis dimenses e

    implicaes da mediao pedaggica suportada pelo computador, a sua compreenso na

    complexidade do processo ensino-aprendizagem e a fundamentao de paisagens/ cenrios

    educativos suportados pelo computador numa Sociedade que se quer do Conhecimento.

    2. Questes de aprendizagem

    Quando falamos em aprendizagem no falaremos simplesmente em adquirir ou memorizar

    alguns conceitos e conhecimentos ou procedimentos muito ao encontro de uma imagem

    tecnicista de educao. importante no s a tarefa de instruir ou modelar comportamentos

    numa perspectiva objectivista mas, sobretudo, de criar condies para que se aprenda numa

    perspectiva construtivista.

    A valorizao do aprendente, tem-nos aproximado da ideia de que o conhecimento implicar,

    por um lado, um sujeito que conhece e, por outro, que este conh