"ensino e pesquisa em história": entrevista com maria yedda linhares (revista arrabaldes,...

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21 Ver meu artigo "Historical Demography and the Reinterpretations of Earty Modern French History: A Research Review", Journal of Interdisciplínary History, n. 1 (1970). 22 Robin, La société française en 1789, pp. 229-343, "Lê vocabulaire dês cahiers de doleances". 23 Michel Tyvaert e Jean-Claude Giacchetti, Argenteuil, 1740-1790, étude de démogra- phie hístorique, in Annales de démographie historique (1969), pp. 40-61. 24 Maryvonne Brassens, "Recherches sur lês biens communaux a l'Est de Paris", me- moire de maftrise n3o publicada, Sorbonne, Paris, 1970. 25 26 82 Ver Annales de démographie historique (1969), pp. 11-292 (vinte estudos mono- gráficos); Michel Vovelle, "Etat présent dês études de structure agraire en Provence à Ia fin de 1'Ancien Regime", Provence historique, n. 74 (1969), 450-484. Annales de Normadie e Cahiers dês Annales de Normadie (estudos dirigidos por Pierre Chaunu). Publicações do Centre de Recherches. sur lês Civilisations de 1'Europe Mo- derne, dirigida por Roland Mousnier; as mais recentes publicações são de Madelei- ne Foisil, La revolte dês Nu-Pieds et lês revoltes normandesde 1639 (Paris, 1970), e Roland Mousnier e outros. Conseil du Roí de Louis XII à Ia Révolution (Paris, 1970). A ser publicada em breve, tese sobre Anjou, por François Lebrun; a serem publica- das nos próximos anos, regiSo sul de Paris, por Jean Jacquart; norte da Normandia, por G. Lemarchand; Lorena, por G. Cabourdin; Delfinado, por B. Bonnin; Proven- ça, por M. Vovelle e R. Pillorget; Toulouse, por G. Freche; Gasconha, por Anne Zink. Arrabaldes ENSINO E PESQUISA EM HISTÓRIA UMA ENTREVISTA COM MARIA YEDDA LINHARES* Nos dias 19 e 20 de abril do corrente, a professora Maria Yedda Linhares concedeu entrevista à Revista ARRABALDES. Revista Arrabaldes. Ano l, 1, matotegosto 1988 \\.\

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"Nos dias 19 e 20 de abril do corrente ano [1988], a professora Maria Yedda Leite Linhares recebeu ARRABALDES na coordenação do Curso de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminese, aceitando proposta de discutir alguns problemas relativos ao ensino e pesquisa de Historia no Brasil, a partir de três conjunturas distintas (1967-69, 176-80 e 1988), vivenciadas ativamente pela professora, respecitivamente no IFCS, no Horto Florestal e no ICHF. Perpassaram pela entrevista a repressão política, o exílio, a anistia, os avanços e retrocessos teóricos-metodológicos da historiografia brasileira." Entrevistadores: Maurício Vicente Ferreira Júnior, Renato Rocha Pitzer e Ricardo Figueiredo de Castro.

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Page 1: "Ensino e pesquisa em história": entrevista com Maria Yedda Linhares (Revista Arrabaldes, no 1, maio/agosto 1988)

21 Ver meu artigo "Historical Demography and the Reinterpretations of Earty ModernFrench History: A Research Review", Journal of Interdisciplínary History, n. 1(1970).

22 Robin, La société française en 1789, pp. 229-343, "Lê vocabulaire dês cahiers dedoleances".

23 Michel Tyvaert e Jean-Claude Giacchetti, Argenteuil, 1740-1790, étude de démogra-phie hístorique, in Annales de démographie historique (1969), pp. 40-61.

24 Maryvonne Brassens, "Recherches sur lês biens communaux a l'Est de Paris", me-moire de maftrise n3o publicada, Sorbonne, Paris, 1970.

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Ver Annales de démographie historique (1969), pp. 11-292 (vinte estudos mono-gráficos); Michel Vovelle, "Etat présent dês études de structure agraire en Provenceà Ia fin de 1'Ancien Regime", Provence historique, n. 74 (1969), 450-484. Annalesde Normadie e Cahiers dês Annales de Normadie (estudos dirigidos por PierreChaunu). Publicações do Centre de Recherches. sur lês Civilisations de 1'Europe Mo-derne, dirigida por Roland Mousnier; as mais recentes publicações são de Madelei-ne Foisil, La revolte dês Nu-Pieds et lês revoltes normandesde 1639 (Paris, 1970), eRoland Mousnier e outros. Lê Conseil du Roí de Louis XII à Ia Révolution (Paris,1970).

A ser publicada em breve, tese sobre Anjou, por François Lebrun; a serem publica-das nos próximos anos, regiSo sul de Paris, por Jean Jacquart; norte da Normandia,por G. Lemarchand; Lorena, por G. Cabourdin; Delfinado, por B. Bonnin; Proven-ça, por M. Vovelle e R. Pillorget; Toulouse, por G. Freche; Gasconha, por AnneZink.

Arrabaldes

ENSINO E PESQUISA EM HISTÓRIA

UMA ENTREVISTA COM MARIA YEDDA LINHARES*

Nos dias 19 e 20 de abril do corrente, a professora Maria Yedda Linhares concedeuentrevista à Revista ARRABALDES.

Revista Arrabaldes. Ano l, n° 1, matotegosto 1988 \\.\

Page 2: "Ensino e pesquisa em história": entrevista com Maria Yedda Linhares (Revista Arrabaldes, no 1, maio/agosto 1988)

Maria Yedda Leite Linhares nasceu em Fortaleza em 1921. Realizou suaformação em História na Universidade do Brasil {Rio de Janeiro) e nos Esta-dos Unidos (Nova York) entre 1941-1944. De 1946a 1969 foi professora uni-versitária na Faculdade Nacional de Filosofia (UFRJ), onde obteve os títulosde Livre Docente (1953) e Professor Catedrático de História Moderna e Con-temporânea (1957), ambos através de concurso público e defesa de tese. Em1969, foi aposentada compulsoriamente pelo AI-5, transferindo-se para a Fran-ça, onde lecionou na Universidade de Paris VIII, sendo em 1970 nomeada Pró-fesseur Associe de História Moderna e do Brasil na Universidade Toulouse-LeMirail, onde lecionou até 1974. Neste mesmo ano retorna ao Brasil, passandoa dedicar-se à pesquisa em História Agrária. Entre 1977-80 foi professora-che-fe do Departamento de História da Agricultura Brasileira (Centro de Pós-Gra-duação em Desenvolvimento Agrícola, da Escola Interamericana de Adminis-tração Pública da Fundação Getúlio Vargas), coordenando o Programa de His-tória da Agricultura Brasileira. Ex-Secretária de Educação do Município e doEstado do Rio de Janeiro, atualmente é Professora Titular e Coordenadorado Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminensee Professora Titular do Departamento de História da Universidade Federal doRio de Janeiro. Além da participação em diversos congressos e conferências,produziu duas teses, inúmeros artigos e resenhas, bem como publicou, entreoutros, os seguintes livros: História do abastecimento: uma problemática emquestão (1530-1918). Brasília, Binagri, 1979; História política do abasteci-mento (1918-1974). Brasília, Binagri, 1979 (em colaboração com FranciscoCarlos Teixeira da Si Iva); História da agricultura brasileira: combates e contro-vérsias. São Paulo, Brasiliense, 1981 (em colaboração com Francisco CarlosTeixeira da Silva); A luta contra a metrópole:Ásia e África (1945-1975). SãoPaulo, Brasiliense, 1981.

Nos dias 19 e 20 de abril do corrente ano, a professora Maria YeddaLeite Linhares recebeu ARRABALDES na coordenação do Curso de Pós-Gra-duação em História do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universi-dade Federal Fluminense, aceitando nossa proposta de discutir alguns proble-mas relativos ao ensino e pesquisa de História no Brasil, a partir de três con-junturas distintas (1967-69, 1976-80 e 1988), vivenciadas ativamente pelaprofessora, respectivamente no IFCS, no Horto Florestal e no ICHF. Perpas-sam pela entrevista a repressão política, o exílio, a anistia, os avanços e retro-cessos teórico-metodológicos da historiografia brasileira. As continuidades edescontinuidades destas experiências no Estado do Rio de Janeiro, centradasna análise das pesquisas desenvolvidas nos últimos vinte anos e suas perspecti-vas futuras.

* Participaram da entrevista: Maurfcio Vicente Ferreira Júnior, Renato Rocha Pitzer eRicardo Figueiredo de Castro.

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Arrabaldes — Como era o processo de ensino e pesquisa em História na antigaFaculdade Nacional de Filosofia (FNFi-RJ) e quais as perspectivas de mudan-ça no período compreendido entre os anos de 1967 e 1969?Maria Yedda Linhares — A antiga Filosofia foi muito mais concentrada no en-sino do que na pesquisa. E era por essa integração — dentro de uma reformaampla - que lutávamos. Ocorre que em 67 a Filosofia foi extinta pelo regimemilitar exatamente por tudo que ela simbolizou neste país na luta contra asameaças que pesavam sobre a escola pública, na luta pela reforma universitá-ria, pela participação estudantil, pelas reformas de base, no final dos anos 50 einício dos 60. De 67 a 69, quando vieram as cassações, estávamos no Institutode Filosofia e Ciências Sociais1, o que restara do esfacelamento da antigaFilosofia.

A. —- Mas em 68 a senhora tinha um projeto de pesquisa que estava aprova-do2...M. Y.L. — É verdade. Tratava-se de um projeto de ensino e pesquisa que nun-ca foi posto em prática. No fundo, em 68 queríamos organizar o Instituto,nos sentíamos meio perdidos, numa espécie de última trincheira, sem muitotempo para pensar em pesquisa, embora achando que era preciso fazer algo.

A. — E quais os outros professores que estavam também envolvidos nesseprocesso?M. Y.L. — Os que restaram da divisão da Filosofia e não comprometidos coma ditadura. Éramos poucos, talvez uns 10, 15, no máximo. Não sei ao certo.Foi nesse momento que apresentei aquele projeto no sentido de integrar oensino à pesquisa, partindo de um Mestrado em História Social e com a pes-quisa básica sobre o Rio de Janeiro. Era muito simples e correspondia ao queLabrousse havia proposto no Congresso de Roma de 1955 para o estudo daburguesia atlântica3. Ocorre que achávamos que era preciso também estar-mos presentes no protesto contra a ditadura, estruturando o movimento deprofessores, no qual eu tive uma participação que considero importante, nodebate sobre os problemas que nos afligiam, nas manifestações de rua. Nofundo eu não acreditava muito que tudo aquilo que promovíamos iria darcerto e muito menos derrubar a ditadura. A Passeata dos 100 mil foi inesque-cível. Mas logo veio o A|-5 e seis meses depois as cassações de professores.Fui logo na primeira leva.

A. — Mas esse projeto que a senhora apresentou representava uma inovaçãono nível da Metodologia da História?M. Y.L. — Sim, sem dúvida, pois se tratava de uma análise sistemática de fon-tes demográficas, eleitorais, cartorárias e fiscais para o estudo das estruturassociais urbanas, o que na época até que era considerado reacionário, isto é,terrivelmente empírico, ou melhor, empirista. Era um projeto dentro do qualseriam feitas, ao longo de quatro anos, e numa primeira fase, as dissertaçõesde Mestrado, antes que se pudesse pensar em qualquer tipo de Doutorado.No fundo, gostaríamos de ter feito o que Roberto Cardoso de Oliveira estavadesenvolvendo, com grande competência e com grande sucesso, no Museu

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Nacional, em Antropologia Social. Mas do meu lado nada deu certo. Fui presalogo no dia 2 de janeiro de 69. Até junho, sofri mais duas prisões. Enfim, nãofoi fácil toda essa onda. A segunda, aliás, pois a primeira, a pior para mim,tinha sido em 1964.

A. — O professor Ciro Cardoso diz que por volta de 67-69 existia uma éticapor parte dos professores e que, segundo ele, hoje não mais existe. Como asenhora definiria essa questão da ética dos professores, neste momento?M. Y.L. — Não sei bem a que o Ciro se refere. Talvez ete se referisse a um mo-mento anterior. De qualquer forma, nós éramos um grupo muito pequenonaquele momento. Em História Moderna e Contemporânea, não passamos deuns quatro professores. Dávamos aulas, estudávamos, éramos pontuais. O tra-balho era algo de muito sério para nós todos e tínhamos uma Cadeira extre-mamente bem organizada. Ao Catedrátíco — e eu era Catedrática, por concur-so público de tese e provas — cabia escolher seus colaboradores, e sempreescolhi os melhores que poderiam existir. Ciro Cardoso foi nosso colaboradorantes de seguir para a França com bolsa de Doutorado em 67, Francisco Fal-con, Hugo Weiss foram Assistentes da Cadeira. Berenice Cavalcanti, HeloísaMenandro, Bárbara Levy, Janaína Amado, trabalharam comigo. Era uma equi-pe formidável, como nunca se viu antes. Daí eu perguntar: até que ponto oconcurso público de entrada de professores na carreira de Magistério é amelhor forma de selecionar? Realmente, tenho dúvidas.A. — Como a senhora avalia, em termos de frutos textuais, a produção do pe-ríodo?M. Y.L. — Honestamente, não dava para produzir muito. Não foi um momentoque propiciasse a pesquisa. É verdade que nessa época botei alguma coisa emmarcha no Arquivo da Cidade e no Arquivo Nacional, montando a pesquisade fontes, inclusive a de preços, que foi seguida pela Professora Eulália Lobocom sucesso4. Cheguei a escrever um artigo que me agradou muito — sobre oImperialismo e que foi publicado na Revista Civilização Brasileira5. Nesseartigo eu questionava a tese de que todos os males da Nação se encontramfora, nos 'exploradores externos', no Imperialismo, e chamava a atençãopara a necessidade de olhar para dentro e buscar a causalidade na estruturade classes do país, no sistema de poder historicamente determinado. Naquelemomento, 67-69, já começávamos a ter uma visão crítica dos esquemas isebía-nos6, sem medo de sermos chamados de 'coniventes com a reação' ou defazer o jogo de O Globo. Assim, começávamos a colocar a questão da Univer-sidade em termos diferentes, isto é, não é a Universidade que muda a socie-dade. Pelo contrário, a sociedade muda e a Universidade permanece como umbastião do passado. Basta lembrar o caso da Inglaterra, que dominou o mun-do, fez a revolução industrial, controlou os mares do planeta Terra e, noentanto, Oxford e Cambridge continuavam ensinando grego, latim, arqueolo-gia e formando os melhores administradores de seu vasto império. Repensara Universidade foi para nós estimulante, assim como repensar os grandes es-quemas explicativos da sociedade brasileira. Tudo isso era importante, masnão era exatamente uma produção acadêmica, científica.

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A. — E a formação desse grupo todo? Foi influenciado, por exemplo, por La-brousse, pelos autores que vão trabalhar com história serial?M. Y.L. — Vejo aí duas coisas, dois movimentos. Um - estávamos certos - eupelo menos assim pensava de que era preciso reformular a pesquisa, partirpara novas fontes, novos métodos, 'os novos caminhos' de que falava Labrous-se em 1955. Daí o projeto frustrado de fontes. Isto é, em parte frustrado, poisdaí emergiram dois frutos: o trabalho sobre preços executado por Eulália Lo-bo e o de Demografia Histórica produzido por Maria Bárbara Levy e eu pró-pria, com grandes sacrifícios para nós duas, já que em julho seguia eu para oexílio, ficando Bárbara aqui, estimulada por meu marido, a dar soco em pontade faca. Mas ela de alguma forma concluiu a tarefa e a apresentou ao Seminá-rio de História Quantitativa realizado em Paris em 19717. O outro movimen-to de que falava dizia respeito à atuação política mais badalativa — os movi-mentos de rua, o movimento de professores, a participação na luta contra aditadura. Então, nesse ponto repensávamos o Brasil, criticávamos as visõesexistentes, interessados, não mais tanto na história geral, mas em algo aquidentro, em refazer o conhecimento sobre o país. No fundo, era aquela discus-são sobre Feudalismo, Capitalismo, Dependência, etc. Tudo isso nos tornouindiscutivelmente mais competentes como professores e pesquisadores. Fica-mos mais maduros, com capacidade de dominar melhor — de maneira maisútil — a nossa erudição européia, de ler de forma diferente os nossos historia-dores importados.

A. — Professora, uma última colocação sobre este momento, com relação àprodução que foi veiculada fora da Universidade, como a de Caio Prado Jr.,Celso Furtado. Como era absorvida essa produção?M~.Y.L. — Houve toda uma geração de intelectuais que produziram grandesobras de interpretação do Brasil sem que, no entanto, pertencessem à Univer-sidade, à vida acadêmica. O próprio Sérgio Buarque de Holanda, um espíritocosmopolita, por excelência, uma grande cultura, uma sabedoria ímpar, umcolosso de erudição, um humanista extraordinário, foi ligado à Universidadee foi por ela cooptado. Não creio que a sua imensa Tese — A Visão do Paraí-so6 —, embora feita para a Universidade, tenha emergido da Universidade.O mesmo se pode dizer de Victor Nunes Leal com o seu Coronelismo, Enxadae Voto9, uma tese feita para a Universidade mas que, no fundo, lhe escapa.Trata"-se, igualmente, de uma obra magna de interpretação do Brasil. Diríamospraticamente a mesma coisa com relação a Celso Furtado com o seu livro ab-solutamente fantástico — A Formação Econômica do Brasil™ —, saído nofinal da década de 50. Caio Prado11 seria ainda outro fenômeno extraordiná-rio, embora, mais do que os outros, fruto, até certo ponto, de uma militância,de um desejo de luta, de uma vontade de mudar o Brasil.Eu tenho aqui uma opinião com a qual talvez vocês não concordem. É a deque a tese universitária, fruto acadêmico de uma vivência universitária, apare-ce no Brasil e se institucionaliza a partir da USP. É pois um fenômeno paulistano esforço de construir uma universidade neste país, passando a tese a ser fru-to de uma 'escola', de um grupo de pensadores, de uma corrente intelectual

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e científica, no cumprimento de uma exigência de promoção universitária ecom o objetivo de gerar conhecimento. Não foi sem razão que a DSP se cons-tituísse na primeira universidade moderna: tempo integral, ensino ligado àpesquisa, carreira universitária, pós-graduação como exigência de promoção.Nas universidades federais lutamos tanto por essas conquistas! Estranhamenteelas só vieram com a ditadura, mas já aí numa universidade diferente, maior,diríamos que vivendo um processo de 'inchação'.

A. ~ Gostaríamos de abordar uma segunda conjuntura — de 76 a 79, quandoa senhora vai coordenar a linha de pesquisa História da Agricultura no Centrode Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola da Escola Interamericana deAdministração Pública da Fundação Getúlio Vargas (CPDA - EIAP da FGV).

M. Y.L. — Já aí não tenho condições de falar da Universidade. Eu estava foradela. Ela me era interditada pelo AI-5. Recordo-me que cheguei a ser eleitaparaninfo do IFCS mas o Diretor de lá, um filósofo, ex-padre, creio que sechamava Silveira12, proibiu a minha entrada no prédio. Após muita parlamen-tação acabou aceitando que eu entrasse e falasse, mas sem subir no estrado.Teria de falar da planície, já que o planalto era só para professores. Eu nãopassava de uma prescrita. Quanto ao CPDA posso dizer algo. O Programa His-tória da Agricultura Brasileira que eu lá dirigi, com financiamento do Ministé-rio da Agricultura (não é mesmo estranho este país?), entre início de 77 emeados de 80 foi uma coisa muito boa na minha vida. Cheguei a coordenarmais de 100 pesquisadores, do Amazonas à Bahia, fazendo um exaustivo le-vantamento de fontes em arquivos oficiais. Foi a partir daí que pude lançaruma espécie de manifesto sobre a necessidade de serem levantadas e tratadasdeterminadas fontes — no nível local e municipal — como primeiro passo paraa renovação dos estudos de história agrária. E este manifesto ainda vigora ho-je, aqui no ICHF13 e no IFCS já tendo produzido mais de uma dezena de tesese dissertações. Confesso que não tem sido muito fácil apesar de ter revelado— assim como um Ziegfeld14 da História — historiadores que já consideronotáveis, como mãe coruja que sou — olha aí o Francisco Carlos, o João Luiz,a Hebe, a Sheila, a Celeste15. Não é mesmo fantástico? No fundo, o trabalhoque estamos desenvolvendo na pós-graduação tanto na UFF quanto da UFRJnasceu aí, naquele momento, no Horto Florestal, no Programa de Históriada Agricultura Brasileira. Ao chegar á UFF, em 80, reencontrei o Ciro Cardo-so. Sem ele, tenho certeza de que não teríamos conseguido o que consegui-mos. Em 80, reencontro também uma Universidade diferente; tempo integral,carreira universitária, recursos para pesquisa. Dessa forma, não dá para dizerque n3o temos condições boas para o trabalho. As condições já existem, te-mos talvez de melhorá-las, de assumir com mais senso de responsabilidade asnossas obrigações para com este país, tão desigual — trata-se de uma responsa-bilidade social com relação aotrabalho;enfim, de uma responsabilidade profis-sional. Daí termos que exigir, como parte dessa responsabilidade plenamenteassumida, a melhoria constante da capacitação profissional.

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A. — Como a senhora vê por exemplo nesta conjuntura a volta dos anistia-dos? A senhora voltou em 75, não foi?M. Y. L. — Não. Voltei em 74, como eu dizia então — para ser avó.

A. — Sim. Mas inclusive os não exilados, como o Ciro, que voltou em 79.Como a senhora vê a contribuição desses profissionais?M. Y.L. — É evidente que foi fundamental. A volta do Ciro trouxe alento paratodos nós. A sua contribuição intelectual e científica é inestimável. Para mimfoi algo de notável poder tê-lo como colega e colaborador. Vejamos o exem-plo do nosso Mestrado na UFF. A Universidade, mais do que pela estrutura,vale pelos professores que ela congrega. Quanto maior força a experiênciado professor, quanto mais precisa for a sua vivência com a pesquisa — comose elabora o conhecimento na sua ciência, na sua disciplina — maior será aarticulação do ensino com a pesquisa, melhor será a orientação dada aos alu-nos, mais profundo será o entrosamento entre discentes e docentes. É possívelque o fato de ter estado fora durante o pior da repressão constitua uma condi-ção para uma reintegração mais tranqüila, mais 'arejada' , na vida acadêmicabrasileira, Além do mais, viver no Exterior é sempre uma experiência de vida ecultura muito rica, extremamente construtiva do ponto de vista intelectual.

A. — No final da década de 70, temos a publicação de diversos trabalhos fun-damentais: a tese do Fernando Novais, o livro do Gorender, o livro do Ciro edo Hector Pérez sobre os Métodos da História, além de Agricultura, Escravi-dão e Capitalismo, os trabalhos do Alcir Lenharo, da Katia Mattoso16.. Comoa senhora vê o impacto dessas obras?M.Y.L. — Vejam bem. Uma idéia custa a amadurecer e a frutificar. Todoaquele esforço dos anos 60, revendo esquemas, repensando o Brasil, no fundosó vai florescer dez anos depois, já agora através do trabalho acadêmico. Cirolevou quatro anos na França fazendo a sua grande tese de Doutorado, con-cluída em 7117. A partir de quando ela passou a ser conhecida e produzir 'dis-cípulos'? Afinal de contas, nós, pesquisadores, trabalhamos, mas o fruto donosso trabalho custa a ser socializado. Não temos à nossa disposição um Siste-ma Globo de Divulgação.

A. — A tese do Ciro nunca foi publicada?M. Y.L. — Só em partes. Um capítulo foi publicado pelo Theo Santiago emAmérica Colônia/, por volta de 7518. Já outro capítulo devidamente reformu-lado, foi parte de um livro muito bonito sobre a Amazônia e a Guiana . Le-va-se sempre algum tempo até que as idéias das grandes teses chegem ao públi-co em geral. No caso do nosso Mestrado na UFF, centro de excelência quesomos, embora já exista em funcionamento há mais de dez anos, a sua pródução só começou a ser difundida nos últimos cinco anos, um pouco mais,um pouco menos. Leva-se algum tempo para formar uma geração de pesquisadores! Mas quando ela se constitui, adquire uma grande capacidade de re-produção.

A. — Neste final de década, há também os trabalhos da senhora com o Francisco Carlos20. .

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M. Y.L. — Exatamente, Trabalhamos juntos desde 77, ainda na fase do Horto.É possível que algumas das idéias que andamos difundindo já necessitem dereformulação. Por exemplo, a nossa história política do abastecimento precisaser retomada, em novas bases. O bom do trabalho científico é o fato de ele sernecessariamente dinâmico. Mas, no fundo, o fundamental da nossa História daAgricultura continua de pé: a agricultura de subsistência, o papel da pequenaprodução camponesa, as determinações do mercado interno, e não externoapenas.

A. — professora, é possível fazer uma comparação entre a linha de pesquisaque a senhora coordenava na FGV com a história quantitativa, com a históriaserial, com alguns desses trabalhos saídos igualmente no final da década de70, como o do Gorender e a tese do Fernando Movais?M. Y.L. — Acredito que sim, já que uma coisa não impede a outra. No caso doModo de Produção Escravista Colonial, é evidente a necessidade de serem de-senvolvidas pesquisas de base sobre a sociedade brasileira, que não podem serpreenchidas com a formulação de um esquema, por mais vasto e importanteque ele possa ser. No caso do Novais, idem. Também não creio que o Novaisse considere a última palavra na História do Brasil. Ele é o primeiro a reconhe-cer a importância da pesquisa e a estimular, através de seus orientandos, oaprofundamento da busca de dados, de elementos empíricos, sobre os quais asteorias podem ser construfdas para que, por sua vez, possam orientar a buscade dados. Acredito que tenha havido uma espécie de explosão de vocações,em direções diferentes e em espaços distintos. Assim, por exemplo, só vim ater conhecimento do trabalho do Gorender depois de publicado. Já o do No-vais, tínhamos informações seguras sobre sua tese, acompanhávamos o que elefazia, o que ele escrevia, o que dizia em suas conferências. Já o trabalho doHorto, foi outra coisa. Na realidade, sempre tive a idéia de partir para um vas-to programa de pesquisa, que permitisse a exploração sistemática de um cor-po de fontes homogêneas, incorporado, dessa forma, a grande experiência dahistoriografia européia, sobretudo francesa, no nível local. Sabíamos que osseus resultados viriam lentamente e que, no final, eles encontrariam outrostrabalhos, reformulariam velhas noções, confirmariam velhas suposições. Adivergência de posições teóricas e de abordagens, de opiniões e de concepções,é muito salutar e só pode ajudar o avanço da pesquisa e do conhecimentocientífico.

A. — A produção do final desta década é muito mais profícua que a da déca-da de sessenta?M. Y.L. — Não diria bem isso. Em 64, o golpe militar nos tomou de surpresa.Ficamos atônitos e nos sentimos órfãos. Fizemos autocrítica e chegamos àconclusão de que fomos ingênuos acreditando na viabilidade da RevoluçãoBrasileira. A revolução pacífica, sem armas, salvo as da inteligência, do patrio-tismo, da boa vontade em transformar o país, em mudar o curso da História.Chegamos à conclusão de que nada conhecíamos do país e que era precisocomeçar a esmiuçar, a pesquisar, a buscar novos marcos de interpretação.

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A. — Então existe uma continuidade. A gente percebe uma continuidade en-tre a conjuntura do final da década de 60 com a produção do mestrado hoje

no ICHF. . .M.Y.L — É possível.

A. — Gostaríamos de entender um pouco mais como é a relação do mestradodo IFCS, o que ele representou e como é hoje. O ICHF parece tomar a dian-teira, é verdade?M.Y.L. — O do ICHF foi realmente pioneiro na área do Rio, já que o do IFCSaté 80-81 era uma brincadeira, um arremedo de pós-graduação. Aqui forma-mos um grupo coeso de professores e temos excelentes alunos.

A. — Mas o IFCS teve um papel nisso tudo. Vejamos por exemplo, a tese doJoão Fragoso21.M.Y.L. - Já é da nova fase. João Luis fez um mestrado em tempo recordee pegou a reestruturação, tendo terminado em 83, já orientado por mim, den-tro das normas por nós estabelecidas: projeto completo, com hipótese, fontes,metodologia. E, ainda por cima, em história agrária. É de fato uma grandetese. Aliás, o João Luiz é um dos meus orgulhos. Trata-se de uma rara vocaçãode pesquisador, agora já se revelando também no ensino aqui na Fluminense.

A. — E as reformas do Eremildo Luis Vianna22 no IFCS?M.Y.L. — Foi um demolidor. Demoliu a Faculdade Nacional de Filosofia eimpediu que se construísse o IFCS, lacaio da ditadura que ele foi, denuncian-te de alunos e professores. A construção do IFCS começa agora a ser possível,na Graduação e na Pós-Graduacão.

A. _ Temos hoje - mais no ICHF que no IFCS - algumas teses de Mestradoque trabalham a questão da História pela perspectiva do regional23. A senhoravê nisso um novo estágio dentro das linhas de pesquisa?M.Y.L. — Não é um estágio. Na realidade a linha de pesquisa História Socialda Agricultura aborda o agrário dentro da perspectiva regional, segundo atradição francesa, sobretudo. Mas é uma abordagem regional — vista em partecomo a viabilização da pesquisa individual — para ser superada e integrada atotalidades mais vastas, como preconiza a própria história chamada de regio-nal. Não confundir essa história regional — no sentido da história agrária —,que permite a apreensão do concreto de uma forma mais rica e mais completado que as visões generalizantes tradicionais, com a proclamada 'história regio-nal', dos currículos de departamentos de História por aí espalhados. E é exa-tamente essa história agrária pesquisada no nível regional/local que tornoupossível uma renovação da historiografia francesa e inglesa e está começandoa nos fornecer elementos concretos que nos levarão a reformular o conheci-mento da história do Brasil como um todo. Já temos uma vintena dessas con-tribuições, dirigidas pelo Ciro e por mim, em vários pontos do Brasil: cincomunicípios do Rio de Janeiro, um do Rio Grande do Norte, da Paraíba, deGoiás, do Rio Grande do Sul. Agora estamos chegando a Minas e alargandoas análises sobre o Rio de Janeiro. Através de comparações chegaremos a sín-teses importantes.

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A. — Como a senhora vê a questão dos modismos na História?M. Y.L. — Deixo esta questão para o Ciro24. . . ele é mais contundente do queeu. Modismos sempre houve e passam logo. Assim passou o Althusser, porexemplo.

A. — Marta Harnecker. . .M. Y. L. — Também passou, juntamente com seu amigo citado. Foucault25 éum pouco diferente. Virou moda mas era uma moda mais inteligente. A únicacoisa que me faz temer os modismos atuais é a de uma História sendo elabo-rada a partir de fragmentos de informações e muito parciais, além de parce-ladas.

A. — A senhora não acha que o marxismo deixou de dar respostas a certastemáticas?

M. Y.L. — Mais os marxistas do que o marxismo. De qualquer forma, a ten-dência do marxismo foi enfatizar com certo exagero o econômico e semprede forma esquemática. No entanto, ele influenciou historiadores notáveis co-mo Labrousse, Georges Lefébvre, Pierre Vilar, e um excelente historiador dementalidades, o Michel Vovelle. A lista seria enorme. Nem por isso devemospartir para o pólo oposto, ou seja, apregoando mais ou menos o seguinte: aca-bamos com as estruturas, agora acabemos com o homem (ou seja, com osgrupos sociais). Ora, todas as temáticas são válidas. A questão é não as tornarexclusivas. Aqui mesmo no Mestrado da UFF temos excelentes teses queabordam essas novas temáticas, com sucesso. Acho mesmo que devem ser esti-muladas, contanto que mantenham o nível de realização, que não se tornemsuperficiais.

A. — A senhora acha que a historiografia brasileira está saindo de uma certainfância para trilhar caminhos mais novos?M.Y.L — Considerando-se a produção historiográfica lato sensu, colocaría-mos livros como o de Victor Nunes Leal, os de Florestan Fernandes26 e seudiscípulos, como História, já que tiveram uma imensa importância para a aná-lise da sociedade brasileira. O modismo é outra coisa. É, por essência, de vidacurta. Não forma escola. Não tem tradição. Os 'grandes' sà~o permanentes:aqueles já citados acima, o Capistrano de Abreu, pouco lido hoje (tão impor-tante para nós quanto o Turner para os Estados Unidos), Caio Prado, Simon-sen, e ousaria incluir o Varnhagen. Afinal de contas, não somos uma geraçãoespontânea. Temos nossas raízes intelectuais, que têm que ser conhecidas, res-peitadas.

A. — A senhora colocaria aí o Gilberto Freyre27?M.Y.L. — Claro que sim. Ele foi importante nos anos 30. Deu-nos alento.Apontou para um certo orgulho brasileiro, de ser mestiço. Num momento detomada de consciência nacional, naquela década, ele teve um papel nisso tudo,apesar da falsidade de seu sentímentalismo. Já imaginou um f rances hoje atacarMichelet? Sem ele, onde ficaria Soboul, onde estaria a obra de G. Lefébvre28?O reacionarismo que hoje recai sobre a historiografia certamente não se origí-

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na em Michelet, nem me consta que os reacionários de hoje iriam fazer cargacerrada contra Michelet.A. — Apesar dos modismos, poderíamos dizer que a historiografia brasileiraestá avançando?M. Y.L. — Sim, ela está avançando. Há uma geração de primeira qualidade fa-zendo suas dissertações de Mestrado e de Doutorado. Uma massa crítica jáconsiderável. Trata-se de um esforço construtivo e muito bonito, que deveflorescer, que deve ser estimulado, orientado.

A. — Com a multiplicação dos trabalhos, artigos, livros, teses, como divulgaressa produção e fazê-la chegar aos alunos da Graduação?M. Y,L. — Através da melhoria do ensino na Graduação. É preciso que o pro-fessor se volte de corpo e alma para a sala de aula, que encare a docência comseriedade, que se informe, que estude. Que voltemos aos cursos mais amplos,mais de formação, verdadeiramente, com abordagens historiográficas compe-tentes.

A, — E a monografia no bacharelado, como a senhora vê isso?M.Y.L. — De forma positiva. A dificuldade é encontrar o número suficientede professores com 'alma' para esse tipo de trabalho.

A. — O que se afirma na pós-graduação é que o aluno na graduação não foiorientado para a pesquisa. É verdade?M. Y.L. — O problema tern que ser visto nos chamados cursos de metodologiaou de 'introdução'. O que a Graduação precisa — primeiro passo para a pes-quisa é de cursos em História (Antiga, Medieval, Moderna, Contemporânea,ou mesmo Brasil e América), com temas amplos que mostrem como o seuconhecimento foi elaborado, como os historiadores trabalharam para chegaràquele nível de informação e de análise. Estaria aí a metodologia verdadeira-mente necessária. O segundo passo consistiria em fazer o que alguns professo-res nossos já fazem: usar de forma adequada e competente as bolsas de inicia-ção científica. Além disso, não pensemos que todos devam ter acesso à pós-graduação, como um degrau necessário. Por outro lado, perde-se muito tempono curso com as chamadas matérias pedagógicas. A vantagem do Bachareladopelo menos está em não precisar fazer Didática.

A. — Professora, a senhora veria com bons olhos a produção de artigos poralunos e por recém-formados?M.Y.L. — Eis uma proposta interessante, Essas iniciativas devem ser estimu-ladas, mas com cuidado para que seja mantido um nível adequado de traba-lhos.

A. — A Revista pretende fazer isso.M.Y.L. — Meus parabéns! E não se esqueçam de que há alunos já realizandoum bom trabalho. Um grupo, chefiado pelo João Luís, Hebe^e Sheila, que estáelaborando o Dicionário da Agricultura. Um outro, dirigido pelo Ciro, comuma grande pesquisa sobre escravidão no Rio de Janeiro no século XIX. Umterceiro, da Virgínia Maria Fontes, com análises historiográficas de bom nível.

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Page 7: "Ensino e pesquisa em história": entrevista com Maria Yedda Linhares (Revista Arrabaldes, no 1, maio/agosto 1988)

E assim por diante. Hebe e Celeste, por exemplo, assim como a Sheila, tive-ram bolsas de iniciação científica do CNPq29, e vejam como despontam? His-toriadoras de peso! A nossa tarefa como professores, talvez entre as mais agra-dáveis, é justamente a de descobrir talentos e de encaminhá-los corretamente,com equilíbrio — um equilíbrio muito difícil: orientá-los mas sem tolher-lhesa iniciativa.

A. — Como a senhora vê esse saber que é produzido nas Universidades e osmecanismos de sua socialização?M. Y.L. — Creio que já falamos sobre isso. Multiplicando as possibilidades debolsas para os alunos, formando melhores professores, promovendo encon-tros, seminários.

A. - Quanto à politização da perspectiva regional, como tornar as comunida-des mais sujeitas de sua própria história?M. Y.L. - Não é função nossa e sim do político, do militante. Já imaginounós nos tornarmos os narodniks (os populistas no sentido russo) da História?Algo como: vamos ao povo levar a boa nova. Muito século XIX demais!A. — Mas há temas locais que podem ser levados. . .M. Y.L. — Talvez através das próprias Universidades ou Faculdades locais. EmVassouras, por exemplo, a história está muito presente. Mas é a história come-morativa, edificante.. . que deixa muitíssimo a desejar. A Universidade podemelhorar isso.

A. — Por exemplo, em Petrópolis queremos discutir com o Instituto Históri-co local a concepção de história que eles têm. . .M. Y.L. — Já imaginou mudar a cabeça do IHGB30? Impossível. Como mudaro de Petrópolis? Acho o esforço inútil. Embora considere que se deve aospoucos ir informando que a História não se faz apenas com documentos ofi-ciais.

A. — A Revista Arrabaldes tem essa intenção, de sair do centro e ir um poucopara os arrabaldes. Até porque as pessoas que estão encabeçando são 'de fora',de S. Gonçalo, de Petrópolis. . .M. Y. L. — O que vocês querem fazer é muito difícil e lento.

A. — Vinculada à nossa proposta, como a Sra. vê a questão do ensino de 1?e29 graus? Nós desejamos criar nessas localidades, pelo menos, um fórum dediscuss3o, e esperamos que a ANPUH31 nos ajude.M. Y.L. - A ANPUH são vocês - A vocês cabe fazer a ANPUH. Quanto aomisino de l9e 29graus, é uma questão que passa pela valorização da profissãoe do professor. O que não é apenas salarial. A valorização abrange sobretudon melhoria da capacitação, a profissionalização com competência. Ganhariiiiis í; bom, é importante. Mas é igualmente importante, ou mais, sentir-se

um pinhssional apto, atualizado. O corporativismo em nada nos ajuda.

A Cdino ,i senhora vê a proposta da Revista Arrabaldes*?M Y.L. - Com entusiasmo. Mas não deve parar no segundo número. É funda-

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mental que tenha continuidade, que dure, digamos, mais de cinco anos. Quemsabe se não ganharão o Prêmio Nobel?

A. — É essa a nossa intenção, ultrapassar os cinco anos.

NOTAS:

1 Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

2 Levantamento e Análise de Fontes para uma História Social Urbana — Rio de Janei-ro (1800-1930). Projeto de pesquisa aprovado pelo Conselho de Pesquisas da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro em janeiro de 1968 e interrompido em 1969,em função do AI-5.

3 Sobre Ernest Labrousse e o Congresso de Roma — 1955 ver: CARDOSO, Ciro Fiamarion S. & PÉREZ BRIGNOLI, Héctor. Oi métodos da história. 3? ed. Rio deJaneiro, Graal, 1983. Cap. VII, p. 348-406.

4 LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. "Evolução dos preços e do padrSo de vida no Riode Janeiro 1820-1930 — resultados preliminares". In: Revista Brasileira de Econo-mia, Riode Janeiro, FGV, 25 (4), out./dez. 1971.

5 "O capitalismo: seus novos métodos de ação". In: Revista Civilização Brasileira,n? 15, setembro de 1967, Rio de Janeiro.

6 A respeito ver: TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: fábrica de ideologias. 2?ed.. Sâ"oPaulo, Ática, 1982.

7 LEVY, Maria Bárbara. "Alguns aspectos de demografia do Rio de Janeiro (1808-1889)". In: Colloques internationaux du Centre National de Ia Recherche Scientif i-que, 1, Paris, 1971. L' histoire quantitativa du Brésil de 1800 a 1930. Paris, CNRS,1973.

8 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso: os motivos edênicos no desco-brimento do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympto, 1959. (Coleção DocumentosBrasileiros).

9 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime represen-tativo no Brasil. Rio de Janeiro, Revista Forense, 1949.

10 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cul-tura, 1959.

11 PRADO JR-, Caio. História econômica do Brasil. 15? ed.. Sâ*o Paulo, Brasiliense,1972. (1? ed. 1945) e Formação do Brasil contemporâneo. 189 ed. S3o Paulo, Bra-siliense, 1983 (1?ed. 1942).

12 José Silveira da Costa.

13 Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense.

14 Florenz Ziegfeld (1867-1932), produtor teatral norte-americano.

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