estudo de caso - idoso demencial

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Ana Teresa Marques de Oliveira

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

Universidade Fernando Pessoa Faculdade de Cincias Humanas e Sociais

Porto, 2008

ii

Ana Teresa Marques de Oliveira

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

Universidade Fernando Pessoa Faculdade de Cincias Humanas e Sociais

Porto, 2008iii

Ana Teresa Marques de Oliveira

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

Ass.:__________________________________________________________________

Monografia Universidade

apresentada Fernando

Pessoa,

como parte dos requisitos para obteno do grau de Licenciatura em Psicologia, ramo Clnica, sob a orientao da Professora Doutora Zlia Teixeira.

iv

ndice

Resumo Agradecimentos

v viii

Introduo

1

Captulo I. Envelhecimento Humano 1. Envelhecimento Biolgico 2. Envelhecimento Cognitivo 3. Envelhecimento Psicolgico 4. Envelhecimento Social

3 4 6 8 10

Captulo II. Demncias 1. Evoluo Histrica do Conceito de Demncia 2. Diferena entre Demncia e Defeito Cognitivo Ligeiro 3. Diferena entre Demncia e Delirium 4. Diferena entre Demncia e Pseudo-Demncia 5. Manifestaes Comportamentais e Psicolgicas na Demncia 6. Tipos de Demncia 6.1. Demncia de Alzheimer 6.2. Demncia Vascular 6.3. Demncia de Parkinson 6.4. Demncias Fronto-Temporais 6.5. Demncia dos Corpos de Lewi 6.6. Demncia Huntington 6.7. Demncia de Creutzfeldt-Jakob 6.8. Demncia Persistente Induzida por Substncias 6.8.1. Sndrome de Korsakoff

13 13 15 17 19 20 23 27 31 35 37 38 39 40 40 41

Captulo III. Metodologia 1. Justificao do Tema em Estudo 2. Objectivo do Estudo 3. Metodologia Qualitativa

42 42 43 43

3.1. Estudo de Caso 4. Avaliao Multidimensional do Idoso 5. Instrumentos de Avaliao Utilizados 5.1. Entrevista Clnica 5.2. Mini-Mental State Examination 5.3. Teste do Relgio 5.4. Alzheimers Disease Assessment Scale 5.5. Geriatric Depression Scale 5.6. Cornell Scale for Depression in Dementia 5.7. Functional Activities Questionnaire 6. Procedimento

44 44 45 46 46 48 49 51 51 52 53

Captulo IV. Caso Clnico 1. Dados de Identificao 2. Estado Mental 3. Informao Recolhida Atravs de Entrevista 3.1. Histria Familiar na Infncia e Adolescncia 3.2. Histria Familiar na Idade Adulta 3.3. Histria Educacional 3.4. Histria Ocupacional 3.5. Histria Clnica 3.6. Situao Actual 4. Resultados dos Instrumentos de Avaliao 5. Diagnstico Multi-Axial 6. Interpretao dos Resultados

55 55 55 57 58 59 63 64 66 67 68 70 71

Concluso

81

Bibliografia

84

Anexos

Anexo A. Consentimento Informado Anexo B. Guio de Entrevista Clnica Anexo C. Relatrios do Servio de Neurologia de um Hospital Geral do Distrito do Porto Anexo D. Mini-Mental State Examination Anexo E. Teste do Relgio Anexo F. Alzheimers Disease Assessment Scale Anexo G. Geriatric Depression Scale Anexo H. Cornell Scale for Depression in Dementia Anexo I. Functional Activities Questionnaire

ndice de Figuras

Figura 1. Etiologia das Demncias Figura 2. Critrios de Diagnstico para Demncia de Alzheimer Figura 3. Fisiopatologia da Demncia Vascular Figura 4. Critrios de Diagnstico para Demncia Vascular Figura 5. Processo de Avaliao e de Diagnstico Realizado

27 30 34 35 80

ndice de Quadros

Quadro 1. Caractersticas Distintivas de Demncia e Delirium Quadro 2. Caractersticas Distintivas de Demncia e Pseudo-Demncia Quadro 3. Modified Ischemic Score Quadro 4. Score Isqumico de Hachinski

18 20 75 76

Lista de Abreviaturas

a.C. Antes de Cristo A.D.A.S. Alzheimers Disease Assessment Scale A.P.A. American Psychiatric Association A.P.F.A.D.A. Associao Portuguesa de Familiares e Amigos do Doente de Alzheimer A.V.C. Acidente Vascular Cerebral B.S.E. Encefalopatia Espongiforme Bovina CADASIL Arteriopatia Autossmica Dominante com Enfartes Sub-corticais e Leucoencefalopatia cf. Conforme C.S.D.D. Cornell Scale for Depression in Dementia d.C. Depois de Cristo D.C.L. Defeito Cognitivo Ligeiro DSM-IV-TR Quarta Edio do Manual de Diagnstico e Estatstica das Perturbaes Mentais Texto Revisto F.A.Q. Functional Activities Questionnaire G.D.S. Geriatric Depression Scale G.E.E.C.D. Grupo de Estudos de Envelhecimento Cerebral e Demncia H.G.D.P. Hospital Geral do Distrito do Porto H.T.A. Hipertenso Arterial I.C.D. International Classification of Diseases I.P.S.S. Instituio Privada de Solidariedade Social M.C.P.D. Manifestaes Comportamentais e Psicolgicas na Demncia M.M.S.E. Mini-Mental State Examination O.M.S. Organizao Mundial de Sade S.T.C.P. Servio de Transportes Colectivos do Porto s.d. Sem Data T.A.C. Tomografia Axial Computorizada

Resumo

A monografia intitulada Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado tem como principal objectivo a realizao e descrio de todo o processo de avaliao clnica multidimensional de um sujeito de 76 anos, previamente diagnosticado com Demncia de Alzheimer.

Assim, direccionou-se a avaliao psicolgica para vrias domnios: a histria de vida do indivduo, para a qual se recorreu entrevista clnica; a dimenso cognitiva atravs da administrao do Mini-Mental State Examination, do Teste do Relgio e da escala cognitiva da Alzheimers Disease Assessment Scale; a dimenso psicolgica, cuja avaliao foi feita pelo recurso escala no cognitiva da Alzheimers Disease Assessment Scale, Geriatric Depression Scale e Cornell Scale for Depression in Dementia; e a dimenso funcional atravs da aplicao do Functional Activities Questionnaire.

Genericamente, os resultados apontaram para a presena de diversos dfices cognitivos, nomeadamente no que respeita s funes mnsicas, praxia e s funes executivas. A diminuio da capacidade funcional evidenciada pelo indivduo parece estar relacionada com a presena desses dfices que so, por sua vez, consequncia de doena cerebrovascular. Face s evidncias encontradas formulou-se o diagnstico de Demncia Vascular, em detrimento do diagnstico inicial.

v

Abstract

The main goal of the monograph entitled Case Study of an Older Demented Individual is the performance and the description of the entire clinical multidimensional evaluation process. The study was performed in a 76 years old man, previously diagnosed with Alzheimers Dementia.

Therefore, the psychological evaluation was directed to several domains: the life history of the individual was achieved with a clinical interview; cognitive dimension through the administration of the Mini-Mental State Examination, the Clock Test and the cognitive scale of the Alzheimers Disease Assessment Scale; the psychological dimension in which the evaluation was done by the non-cognitive scale of the Alzheimers Disease Assessment Scale, the Geriatric Depression Scale and the Cornell Scale for Depression in Dementia; and the functional dimension was achieved by applying the Functional Activities Questionnaire.

Globally, the results have shown the presence of several cognitive deficits mainly in the mnesic functions, in the praxis and in the executive functions. The reduction of the individuals functional capacity seemed to be connected with the presence of those deficits, which are the consequence of a cerebrum-vascular disease. According to the evidences found, the Vascular Dementia was diagnosed to this individual, in opposition to the initial diagnose.

vi

Aos meus pais A eles devo tudo o que sou!!

vii

Agradecimentos

Muito obrigada aos meus pais pelo incondicional amor e infinita compreenso e amparo! Sero sempre os meus modelos

Ao Nelson que me fez acreditar na beleza da vida e me encheu de esperana! Obrigada por sempre me teres escutado nas horas difceis e por todo o apoio e carinho que sempre me dedicaste.

minha orientadora, Professora Doutora Zlia Teixeira, pela sua ajuda, disponibilidade e estmulo nos momentos de desalento.

s pessoas que participaram neste estudo (paciente e sua cuidadora) por quem tenho profundo respeito e considerao. O meu sincero obrigado!

s associaes / instituies pela sua cooperao e contribuio decisiva para a realizao do estudo emprico. Gostaria de dirigir um especial agradecimento Dona Alzira pelo exemplo de coragem e determinao!

Eliana e Delfina, pelos risos e pelas lgrimas que partilhmos ao longo destes anos! Relembrarei sempre com muito carinho os momentos de divertimento e os momentos de trabalho preenchidos por ansiedades, receios, frustraes e vitrias por que passei com cada uma de vs! O meu muito obrigado pela vossa preciosa amizade!

Licas, Diogo, Sandra, Mariana, Padrinho e Mariinha! A presena, carinho e sincero afecto que toda a vida demonstraram deu-me foras e alento para chegar aqui.

Ao meus gatos Mia, Luna e Milu que nunca me deixaram s nas longas horas de trabalho!

A todos aqueles que de alguma forma contriburam para a concretizao deste percurso.

viii

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

Introduo

O presente trabalho tem como principal objectivo a realizao e descrio do processo de avaliao clnica multidimensional de um indivduo idoso demenciado.

Trata-se de um estudo de caso de um doente que seguido regularmente pelo Servio de Neurologia de um Hospital Geral do Distrito do Porto. As sesses de avaliao psicolgica foram realizadas no domiclio do participante devido a um pedido de apoio domicilirio proveniente da sua cuidadora e dirigido a uma instituio atravs da qual se estabeleceu o contacto com o sujeito.

Este trabalho foi motivado pelo gradual aumento do nmero de pessoas idosas nas sociedades actuais (United Nations, 2007) e pelo consequente agravamento da probabilidade de se desenvolver alguma doena caracterstica das idades mais avanadas, nomeadamente a demncia (Associao Portuguesa de Familiares e Amigos do Doente de Alzheimer [A.P.F.A.D.A.], 2004; Touchon & Portet, 1994/2002). Paralelamente foi um factor ponderado nesta escolha a especificidade reconhecida s vivncias e circunstncias de grande parte dos idosos dos dias de hoje, tornando-se um desafio esta incurso pela histria de um indivduo de 76 anos de idade.

Deste modo, a presente monografia encontra-se organizada em quatro captulos. O primeiro captulo prende-se com o envelhecimento humano no que respeita aos domnios biolgico, cognitivo, psicolgico e social relativos a este processo.

O segundo captulo destina-se abordagem dos vrios aspectos relacionados com a demncia. Assim, aps uma breve reviso histrica do conceito de demncia, procura-se fazer a distino entre as caractersticas especficas deste mesmo conceito e as caractersticas prprias de outras entidades, nomeadamente do Defeito Cognitivo Ligeiro, do Delirium e da Pseudo-Demncia. Segue-se a descrio das manifestaes comportamentais e psicolgicas da demncia e a distino entre os seus vrios tipos (senis/pr-senis; reversveis/irreversveis; corticais/sub-corticais). O captulo finaliza com a enumerao e descrio das possveis etiologias da demncia.

1

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

O terceiro captulo reporta-se descrio da metodologia utilizada, pelo que dele consta a justificao do estudo e o seu objectivo, a importncia da realizao de uma avaliao multidimensional quando se trata de um sujeito idoso, a descrio dos instrumentos de avaliao utilizados e o procedimento seguido durante a realizao do estudo de caso.

No quarto e ltimo captulo apresentado o caso clnico estudado, no qual se procede ao cruzamento dos resultados obtidos nos instrumentos de avaliao administrados com os dados da histria de vida do sujeito e os elementos descritos acerca do estado mental do doente aquando das sesses de avaliao psicolgica realizadas, interpretando-se, assim, os resultados alcanados. relatado, ainda, o processo de avaliao efectuado, na sequncia do qual foi possvel formular um diagnstico.

2

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

Captulo I. Envelhecimento Humano

O envelhecimento equivale ao conjunto de processos dinmicos que ocorrem no organismo aps a sua fase de desenvolvimento e que se relacionam com transformaes morfolgicas, fisiolgicas, psicolgicas e sociais consecutivas aco do tempo (Fontaine, 1999/2000). desde o final do perodo de crescimento da estatura que se inicia a lenta e insidiosa fase de involuo (Reis, 1995), ou seja, o ser humano no envelhece de uma forma brusca mas sim paulatinamente (Imaginrio, s.d., p.41).

A Organizao Mundial de Sade (O.M.S.) (cit. in Imaginrio, s.d.), numa tentativa de uniformizao de critrios, considera idosa qualquer pessoa com 65 ou mais anos, independentemente do gnero e estado de sade. No entanto, o processo de envelhecimento deveria ser considerado sob o ponto de vista diferencial, uma vez que este deriva, de forma diferente de indivduo para indivduo, da combinao entre factores de natureza gentica e factores extrnsecos a que tenha sido exposto (Botelho, 2000), a que se adiciona o estilo de vida adoptado pelo sujeito (Fontaine, 1999/2000). Na realidade, esta variabilidade no se verifica somente entre indivduos, mas tambm na prpria pessoa dado que algumas dimenses podem envelhecer mais rapidamente que outras (por exemplo, a dimenso biolgica pode encontrar-se mais deteriorada, comparativamente dimenso psicolgica ou social) (Spar & La Rue, 2002/2005).

Assim, tendo em conta a dificuldade de delimitao do perodo em que se considera o ser humano como idoso, torna-se necessrio considerar tipos de idades diferentes: idade cronolgica, biolgica, psicolgica e social (Fontaine, 1999/2000). Desta forma, a idade cronolgica aquela que um indivduo tem em funo do tempo transcorrido desde o nascimento at ao momento presente, no fornecendo, porm, indicaes acerca do estado de evoluo do sujeito (Rodriguez, 1994, cit. in Imaginrio, s.d.). A idade biolgica diz respeito ao envelhecimento orgnico (Fontaine, 1999/2000), ou seja, corresponde ao estado funcional dos rgos e das funes vitais (Rodriguez, 1994, cit. in Imaginrio, s.d.). A idade psicolgica prende-se com a personalidade e as emoes do sujeito (Rodriguez, 1994, cit. in Imaginrio, s.d.) e com as competncias comportamentais que este capaz de mobilizar face s mudanas do meio e inclui as capacidades mnsicas e intelectuais, a motivao para o empreendimento, auto-estima e nvel de autonomia e controlo (Fontaine, 1999/2000). Por fim, a idade social

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Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

refere-se aos papis, aos estatutos e aos hbitos do indivduo no seio da sociedade (Fontaine, 1999/2000).

Para Fonseca (2005) o envelhecimento um fenmeno normal que faz parte do desenvolvimento humano e caracterizado pela ocorrncia de mudanas adaptativas e influenciado pela exposio a determinados contextos sociais e histricos. De acordo com esta perspectiva, o envelhecimento dever ser encarado segundo um modelo biopsicossocial que permite enquadrar as mudanas desenvolvimentais prprias desta fase da vida mediante a anlise de vrios domnios (Fonseca, 2005).

1. Envelhecimento Biolgico

O envelhecimento biolgico diz respeito a uma srie de alteraes nas funes orgnicas devido aos efeitos do avanar da idade sobre o organismo, fazendo com que este perca a capacidade de manuteno do equilbrio homeosttico e que todas as funes fisiolgicas comecem a declinar (Straub et al., 2001, Leite, 1990, cit. in Teixeira, 2006). Na realidade, esta reduo progressiva do metabolismo inicia-se a partir da dcada dos 20 anos e vai declinando lenta e progressivamente ao longo de toda a vida (Reis, 1995).

As mudanas ocorridas a nvel biolgico em fases mais avanadas do desenvolvimento so, muitas vezes, aquelas que o sujeito mais valoriza no sentido de que este se centra mais nas perdas do que nos ganhos (Fonseca, 2005). Com efeito, o nvel de funcionamento biolgico influencia o padro global de sade (funcionamento fsico, cognitivo, psicolgico e social) (Fonseca, 2005).

Existem diversos estudos e teorias que procuram explicar o fenmeno do envelhecimento biolgico: a Teoria do Envelhecimento Celular, a Teoria dos Telmeros, a Teoria Neuro-Endcrina, as Teorias Estocsticas, entre outras.

A Teoria do Envelhecimento Celular de Hayflick e Moorhead (1961, cit. in Spar & La Rue, 2002/2005) defende que as clulas humanas normais tm um limite mximo de divises celulares (duplicao). medida que as clulas se aproximam deste limite, vai-se dando a perda de vrias capacidades funcionais (envelhecimento celular). Quando acontece uma grande acumulao destas perdas, a reproduo celular pra (Spar & La Rue, 2002/2005).4

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

A Teoria dos Telmeros defende que em cada diviso celular os telmeros (estruturas que constituem a regio terminal dos cromossomas das clulas eucariticas) ficam progressivamente mais curtos at que a diviso celular deixa de ocorrer (Spar & La Rue, 2002/2005).

A Teoria Neuro-Endcrina considera que a incapacidade fisiolgica do organismo associada idade pode ser resultado da alterao de vrias hormonas do eixo hipotlamopituitria-adrenal que controlam o sistema reprodutor, o metabolismo e outros aspectos do funcionamento normal (Teixeira, 2006).

Quanto s Teorias Estocsticas, estas sugerem que a perda de funcionalidade em idades mais avanadas se deve acumulao de leses consecutivas aco do meio sobre o organismo, o que provoca um declnio fisiolgico progressivo (Cristofalo, Gerhard & Pignolo, 1994, cit. in Teixeira, 2006).

Apesar das diferenas existentes entre as diversas teorias, percebe-se que o declnio do funcionamento biolgico inevitvel. Assim, e nunca esquecendo que o decrscimo funcional diferente na prpria pessoa e de indivduo para indivduo, vrios rgos e sistemas podero reflectir alteraes subjacentes a um estado de diminuio das reservas homeostticas do organismo (Botelho, 2000).

Como tal, por exemplo, medida que uma pessoa envelhece ocorrem alteraes perceptivas (Fontaine, 1999/2000). A viso uma modalidade sensorial particularmente sensvel ao efeito da idade, uma vez que ocorre o estreitamento do campo visual e a diminuio da adaptao obscuridade e luz, e um decrscimo da acuidade (capacidade de resoluo e de discriminao), da sensibilidade s cores, da percepo da profundidade e da percepo visual do movimento (Fontaine, 1999/2000; Vaz Serra, 2006). A presbiacusia corresponde diminuio auditiva relacionada com o envelhecimento devido a alteraes degenerativas (Fontaine, 1999/2000), pelo que a pessoa vai perdendo a percepo s frequncias elevadas e a capacidade de localizao dos sinais sonoros (Vaz Serra, 2006). Os efeitos da idade tambm se verificam a nvel do tacto, dando-se uma diminuio da sensibilidade na palma das mos e na planta dos ps e uma alterao da percepo dos estmulos dolorosos (Vaz Serra, 2006). O olfacto e o gosto so, talvez, os rgos dos sentidos que mantm uma maior independncia em relao idade. Ainda assim, as pessoas idosas5

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

apresentam uma atrofia das papilas gustativas, o que determina uma percepo reduzida do gosto dos alimentos doces e salgados (Fontaine, 1999/2000).

O sistema cardiovascular sofre tambm modificaes progressivas medida que o indivduo vai envelhecendo, uma vez que o dbito (quantidade de sangue bombeado) e a frequncia cardaca (batimento do corao) diminuem (Reis, 1995). O sistema respiratrio apresenta um declnio gradual da sua capacidade ventilatria, especialmente durante o exerccio fsico (Spar & La Rue, 2002/2005). Verifica-se um aumento de obstipao e de dificuldade de eliminao e de esvaziamento da bexiga e de metabolizao de frmacos, o que sugere uma alterao dos sistemas gastrointestinal e geniturinrio (Spar & La Rue, 2002/2005). A densidade dos ossos longos e das vrtebras diminui (Reis, 1995) e a massa muscular e os nveis hormonais apresentam igualmente um declnio, afectando assim os sistemas musculoesqueltico e endocrinolgico (Vaz Serra, 2006). Segundo Reis (1995), o envelhecimento do sistema nervoso comea provavelmente muito cedo na vida do sujeito. As modificaes nervosas mais vezes citadas na literatura so: a atrofia do crebro, ou seja, a perda do seu peso e volume, a mortalidade neuronal, a perda da rvore dendrtica e consequente diminuio das conexes interneuronais, a ligeira acumulao de placas senis em especial no hipocampo, amgdala e crtex frontal, a degenerescncia neurofibrilhar e a diminuio da neuroplasticidade (Fontaine, 1999/2000; Spar & La Rue, 2002/2005).

2 Envelhecimento Cognitivo

As aptides cognitivas, como sejam as funes executivas (capacidade de planeamento), a ateno e vigilncia, as funes mnsicas, as funes intelectuais e as funes sensrio-motoras, alcanam a sua melhor performance entre os 20 e os 30 anos (Reis, 1995), mantm-se estveis at dcada dos 50 comeando, ento, a declinar lentamente (Vaz Serra, 2006). No entanto, nem todas as capacidades cognitivas decrescem com a mesma rapidez nem com o mesmo grau de severidade, e os efeitos negativos das perdas so muitas vezes colmatados quer pela experincia do sujeito que lhe permite, em situaes reais, contornar os dfices (Gur, Moberg & Gur, 1998; Rodrigues, 2006), quer pela denominada plasticidade cognitiva que se refere s aprendizagens e estratgias que permitem compensar os dfices cognitivos existentes (Rodrigues, 2006; Soares, 2006). Na verdade, aproximadamente 80% das pessoas idosas nunca experimentaram uma alterao da memria significativa (Gur et al., 1998). Estudos recentes apontam para a concluso de que o eventual6

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

declnio das capacidades cognitivas ocorra mais pela falta de uso [e de estimulao] do que devido a uma deteriorao irreversvel, sugerindo deste modo que o envelhecimento cognitivo se manifesta em idades mais avanadas do que se pensava (Rodrigues, 2006, p. 79).

Existem variveis que influenciam o grau de alterao cognitiva que as pessoas manifestam com a idade. As mais frequentemente citadas na literatura so: os factores genticos que explicam cerca de 50% da variabilidade cognitiva na chamada terceira idade; a sade, uma vez que as pessoas saudveis apresentam menos alteraes cognitivas; o nvel de instruo, pois sabido que um nvel de instruo mais elevado funciona como um factor protector das funes cognitivas; a actividade mental, visto que as actividades mentalmente estimulantes apresentam uma correlao com melhor desempenho cognitivo; a actividade fsica, pois a boa forma aerbica est relacionada com uma melhor preservao das aptides cognitivas; a personalidade e o humor podem tambm influenciar positiva ou negativamente reas como a memria ou a ateno (Spar & La Rue, 2002/2005).

Segundo Spar e La Rue (1998, cit. in Vaz Serra, 2006), a inteligncia tende a manterse estvel durante a vida, nomeadamente no que se refere ao vocabulrio, capacidade de acesso informao e compreenso, podendo entrar em declnio a execuo de tarefas perceptivo-motoras. A inteligncia pode subdividir-se em inteligncia cristalizada e inteligncia fluida. A inteligncia cristalizada refere-se a actividades associadas profundidade do saber e da experincia, do julgamento, da compreenso das relaes sociais e das convenes (Fontaine, 1999/2000, pp. 85-86), ou seja, relaciona-se com a informao cultural acumulada ao longo da vida, como o vocabulrio, as competncias numricas ou a fluidez verbal (Vaz Serra, 2006). A inteligncia fluida prende-se com uma aptido universal independente dos contextos socioculturais e da aprendizagem prvia e tem a ver com capacidades de natureza espacial e de raciocnio indutivo (Fontaine, 1999/2000). Se a inteligncia fluida tende a declinar lentamente com a idade, em contrapartida a inteligncia cristalizada mantm-se estvel podendo mesmo chegar a melhorar (Fontaine, 1999/2000; Vaz Serra, 2006).

Apesar de um discreto esquecimento ser normal em todas as faixas etrias, as queixas de memria so frequentes entre os idosos (Vaz Serra, 2006). No entanto, nem todos os componentes da memria so afectados pelo envelhecimento. Assim, no que diz respeito memria imediata (onde se inclui a memria de trabalho) possvel dizer que o7

Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

envelhecimento parece estar associado a um ligeiro declnio destas aptides mnsicas (Spar & La Rue, 2002/2005). Quando existe uma tentativa de evocao de informao j fixada na memria recente, o sujeito idoso aparenta uma maior dificuldade na recuperao dessa informao, o que indicia que, embora a capacidade de armazenamento se encontre intacta, existe um declnio dos desempenhos mnsicos relativos memria recente devido a dfices de codificao e recuperao (Fontaine, 1999/2000). Por fim, a memria remota diz respeito a informaes armazenadas e consolidadas h bastante tempo e aparenta manter-se conservada independentemente da idade (Fontaine, 1999/2000; Vaz Serra, 2006).

Outros domnios cognitivos, para alm das funes intelectuais e mnsicas, podem apresentar algumas modificaes devido idade. Com efeito, embora a capacidade de comunicar eficazmente atravs da linguagem permanea estvel ao longo da vida, as pessoas idosas podem apresentar, esporadicamente, uma maior dificuldade na compreenso de mensagens longas ou complexas e em recuperarem e reproduzirem rapidamente nomes ou termos especficos (Vaz Serra, 2006). No que respeita ateno, os idosos permanecem com a mesma capacidade de manuteno da ateno sobre um determinado assunto, podendo apresentar algumas dificuldades para repartirem a ateno por vrios tpicos (Spar & La Rue, 2002/2005; Vaz Serra, 2006). Com o avanar da idade verifica-se um ligeiro declnio nas funes executivas, nomeadamente no planeamento de comportamentos complexos. Possivelmente, a mudana cognitiva mais frequentemente produzida durante o

envelhecimento a diminuio da velocidade de processamento de informao e da aco, o que pode ter repercusses na ateno e na memria (Spar & La Rue, 2002/2005).

3. Envelhecimento Psicolgico

O domnio psicolgico enquadra um conjunto de fenmenos, tais como as reaces emocionais, a personalidade, o controlo, o auto-conceito, os estilos de coping, entre outros (Fonseca, 2005). O equilbrio psquico do idoso depende da sua capacidade de adaptao sua existncia presente e passada e das condies do meio que o cercam (Ballone, 2004). O potencial adaptativo depende dos recursos adquiridos ao longo da vida (Fonseca, 2005) pelo que, se a adaptao do sujeito em fases prematuras da vida tiver sido boa, maiores probabilidades ele tem de envelhecer mais adaptadamente, e por isso que Ballone (2004, p.3) assegura que se envelhece como se viveu.

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Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

Segundo o mesmo autor, existem duas alteraes afectivas relacionadas com o envelhecimento: a incontinncia emocional que se caracteriza pela facilidade que o sujeito idoso tem em produzir intensas reaces afectivas e uma subsequente incapacidade para control-las, e a labilidade emocional que diz respeito a sbitas mudanas das emoes (Ballone, 2004). Na realidade, as pessoas mais idosas tendem a lidar com os eventos stressantes de uma forma mais orientada pela emoo, em vez de adoptarem abordagens activas de resoluo de problemas, o que no necessariamente negativo uma vez que o problema pode ser de difcil resoluo se se recorrer exclusivamente aco (por exemplo, para superar um luto o sujeito dever recorrer preferencialmente ao coping centrado na emoo) (Spar & La Rue, 2002/2005).

A maneira como o ser humano lida com as dificuldades vai-se modificando ao longo dos anos (Teixeira, 2006), pelo que uma reordenao das prioridades pessoais e mudanas dos estilos de coping so comuns no envelhecimento normal (Spar & La Rue, 2002/2005). Assim, existem dois tipos de coping que permitem que o idoso mantenha um sentimento de autoeficcia e controlo sobre a vida: o coping assimilativo que tem como finalidade diminuir as perdas atravs de esforos compensatrios, ou seja, os indivduos procuram transformar uma situao menos positiva, numa situao mais adequada aos seus objectivos; e o coping acomodativo, atravs do qual as pessoas diminuem o nvel de aspiraes de desempenho pessoal, adaptando os novos objectivos s suas limitaes (Pal, 2006).

Face a determinadas circunstncias qualquer indivduo vai efectuar atribuies causais externas (o sujeito considera que a situao no se encontra sob o seu controlo) ou atribuies causais internas (o sujeito sente que tem controlo da situao) (Fontaine, 1999/2000). Em idades mais avanadas h tendncia para um aumento do locus de controlo externo, muito por causa das perdas de autonomia (por exemplo, a institucionalizao) e das transformaes biolgicas que o sujeito sente que no controla (Pal, 2006)

No que respeita personalidade dos sujeitos, a questo de fundo prende-se com a sua estabilidade ao longo da vida. Algumas abordagens centram-se volta desta temtica: a abordagem psicomtrica, a desenvolvimentista, entre outras. A abordagem psicomtrica defende que a personalidade uma estrutura homognea que se mantm estvel, sendo que o factor idade no exerce qualquer efeito (Fontaine, 1999/2000). Por contraponto, a abordagem desenvolvimentista, que se subdividiu no modelo de inspirao psicanaltica de Jung e no9

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modelo psicossociolgico de Erikson, descreve mudanas estruturais que ocorrem ao longo da vida (Fontaine, 1999/2000). Com efeito, Jung considera o idoso mais introvertido comparativamente ao jovem extrovertido, e Erikson, na sua teoria largamente citada na literatura acerca dos oito estdios de desenvolvimento, sugere que o idoso tem de gerir a contradio entre a integridade pessoal e o desespero, isto , o indivduo faz um balano da sua vida, considerando os objectivos a que se props e aqueles que atingiu (Fontaine, 1999/2000). Segundo Erikson, a caracterstica desta fase de desenvolvimento ser atingir um estado de sabedoria (Fontaine, 1999/2000). No obstante a falta de consenso, a maioria dos autores reafirma que os traos nucleares de personalidade so disposies endgenas e estveis ao longo da vida e que as pequenas mudanas sentidas prendem-se com a capacidade adaptativa e de ajustamento face a novas circunstncias, sendo que as modificaes dramticas na personalidade sugerem, no uma resposta adequada a uma dada situao, mas sim uma perturbao fsica e / ou psicolgica (Pal, 2006; Spar & La Rue, 2002/2005).

Associada questo da personalidade est a de auto-conceito, que diz respeito ao conjunto de estruturas de conhecimento que as pessoas tm sobre si prprias (Herzog & Markus, 1999, cit. in Pal, 2006, p.58), conjunto esse que aparentemente se mantm estvel sem sofrer influncia da idade (Pal, 2006).

Segundo alguns estudos, o idoso tem propenso para desenvolver estados depressivos, uma vez que apresenta tendncia para se centrar muito no seu passado, sentindo angstia relativamente ao presente e medo relativamente ao futuro (Teixeira, 2006). A depresso pode ampliar a percepo de incapacidade do sujeito, nomeadamente quando associada a perturbaes de foro fsico ou cognitivo (Spar & La Rue, 2002/2005).

4. Envelhecimento Social

O Homem um ser social pois ao longo de todo o seu ciclo de vida interagiu continuamente com o meio envolvente, estabelecendo relaes interpessoais (famlia, trabalho, amigos, entre outras). O domnio social do envelhecimento assume, assim, particular importncia porque acarreta alteraes a diversos nveis (Fonseca, 2005). A pessoa idosa submetida a vrias mudanas de papis (Teixeira, 2006) e, muitas vezes, a perda de papis em funo da idade (Moreira & Melo, 2005). De acordo com diversos estudos realizados, o desempenho de mltiplos papis sociais (por exemplo, trabalhador, cnjuge, pai, av, amigo,10

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prestador de cuidados, entre outros) parece estar associado a sentimentos de auto-eficcia e a uma maior satisfao com a vida (Spar & La Rue, 2002/2005).

A qualidade de vida, o bem-estar subjectivo e a satisfao de viver dependem, ento, da manuteno das relaes sociais e da prtica de actividades produtivas (Fontaine, 1999/2000). Vrias investigaes realizadas concluram que o isolamento um factor de risco para a sade e, por consequncia, os apoios sociais de natureza emocional ou instrumental podem ser uma mais valia para a manuteno do equilbrio psicossocial do indivduo (Fontaine, 1999/2000). O sentimento de inutilidade instala-se quando o idoso no se envolve em qualquer actividade social produtiva (Fontaine, 1999/2000). Com efeito, Kaufman (1986, cit. in Fontaine 1999/2000, p.154) comprovou que um indivduo no considerado velho pelos amigos e pela famlia enquanto conservar actividades produtivas. Muitas actividades plenas de significado, como o voluntariado, auxlio escolar, actividade poltica, entre outras, podero ser at melhor desenvolvidas por pessoas mais velhas (Ballone, 2004).

A reforma surge como uma nova fase na vida do ser humano. Ela representa uma perda de papis (principalmente o papel laboral) e vai influenciar o sentimento de inutilidade e a percepo negativa que o sujeito faz do seu valor pessoal (Imaginrio, s.d.; Moreira & Melo, 2005). O reconhecimento do direito da inactividade profissional e do benefcio de uma penso () a partir de uma certa idade, no se encontra () determinado em funo das reais capacidades dos indivduos (Rosa, s.d., p.47). A prpria sociedade aponta para que aos 65 anos a pessoa ponha fim a uma vida activa, laboral e til. Para evitar os sentimentos de inutilidade, vazio, abandono ou solido, fundamental que o idoso permanea activo no sentido de uma integrao social mais satisfatria minimizando, assim, a dependncia e abrandando a evoluo do envelhecimento (Imaginrio, s.d.). Guillemard (1970, cit. in Fontaine, 1999/2000) prope cinco tipos de estilos de reforma: a reforma retirada, em que a participao social e a manuteno de actividades produtivas so inexistentes, constituindo um elevado risco para a sade; a reforma de terceira idade centrada em actividades sociais produtivas est amplamente relacionada com um sentimento de velhice bem sucedida; a reforma de lazer ou famlia, onde se verifica um grande investimento nas relaes familiares e / ou a realizao de viagens e de inmeras actividades culturais e desportivas, o que influencia a velhice bem sucedida; a reforma-reivindicao, em que o sentimento de velhice bem sucedida muito instvel, dado que a rede de relaes do sujeito so outros reformados que alimentam a sensao de serem injustamente excludos da sociedade; por fim, a reforma de11

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no participao est relacionada com a reforma retirada, constituindo um risco para a sade do indivduo.

Em comparao com pessoas mais jovens, os idosos tendem a ter redes sociais mais pequenas e contactos interpessoais menos frequentes. Porm, estes sujeitos tendem a investir activa e profundamente nas relaes interpessoais, atribuindo um maior valor famlia (nomeadamente aos irmos) e aos amigos de longa data, uma vez que as relaes de confiana e de maior intimidade so de grande importncia para a manuteno da sade mental e do bem-estar da pessoa idosa (Spar & La Rue, 2002/2005).

Assim, a questo do envelhecimento e a maneira como visto e tratado o idoso ainda depende muito dos esteretipos de uma sociedade exclusivamente alicerada na produtividade e na exaltao da juventude, com extraordinrio predomnio dos valores estticos (Ballone, 2004). As pessoas de diferentes idades so valorizadas e tratadas segundo a cultura e o condicionamento econmico das sociedades, e () a valorizao de certos perodos de idades (infncia, adolescncia e adulto) vistas como superiores leva a que se tome como certo e natural aquilo que a cultura implicitamente refora (Rodrigues, 2006). Segundo Rosa (s.d), a concepo actual de velhice, baseada em critrios arbitrrios e infundados de idade e de estatuto, reflecte uma imagem pouco favorvel sobre esta fase do ciclo de vida, nomeadamente porque lhe retira tudo aquilo que considerado de capital importncia para a sociedade (a produo) e lhe atribui aquilo que alvo de uma desvalorizao social (a proteco), perpetuando assim a ideia errnea de que a velhice desprovida de qualquer interesse social, que tem pouco para dar e muito para receber.

Na realidade, os sentimentos de felicidade e de bem-estar subjectivo no se degradam com a idade e os idosos tm tanta satisfao em viver como os jovens (Fontaine, 1999/2000). O idoso saudvel revela-se uma pessoa activa e envolvida nos seus interesses que, neste sentido, pouco se diferencia do adulto de meia-idade, podendo o envelhecimento transformarse numa poca em que se descobrem novos aspectos da vida e em que os acontecimentos so analisados numa perspectiva diferente e mais equilibrada (Vaz Serra, 2006). Deste modo, possvel concluir que o envelhecimento saudvel resultante da interaco multidimensional entre sade fsica, sade mental, independncia na vida diria, integrao social, suporte familiar e independncia econmica (Ramos, 2003, cit. in Soares, 2006, p.4).

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Captulo II. Demncias

1. Evoluo Histrica do Conceito de Demncia

A palavra demncia originria do latim dementia (de: fora; mentis: esprito, razo, sabedoria) (Crculo Leitores, 2003) que significaria fora da razo.

As perturbaes mentais constituem motivo de interesse e estudo desde a antiguidade. Com efeito, j na poca dos egpcios (cerca de 2000 anos a.C.) se depreendia que a idade podia ser acompanhada por uma perturbao da memria (Valente, 2006).

No perodo greco-romano d-se incio classificao nosolgica do termo demncia enquanto doena mental. Pitgoras (571-497 a.C.), Plato (428-347 a.C.) e Hipcrates (460377 a.C.) defendiam que os fenmenos de deteriorao cognitiva estavam associados velhice e Ccero (106-43 a.C.) recomendava a manuteno de uma vida mental activa de forma a resguardar a capacidade cognitiva (Valente, 2006). Os termos delirium e demncia foram introduzidos na medicina por Celsus (25 a.C.-50 d.C.) (Garcia, 1995). Posteriormente, Capadocia (130-200 d.C.) distinguiu, pela primeira vez, as perturbaes mentais agudas (reversveis e denominadas delirium) das perturbaes mentais crnicas (irreversveis intituladas demncia) (Garcia, 1995).

Com a excepo de Roger Bacon (1214-1294) que descreveu zonas cerebrais que iam sendo afectadas com o passar da idade e que poderiam originar estados de deteriorao cognitiva, a Idade Mdia constituiu um perodo de quase total paralisia no que concerne ao desenvolvimento das cincias, uma vez que todos os fenmenos eram explicados atravs do misticismo (Valente, 2006).

Com o incio da Idade Contempornea a partir da Revoluo Francesa (1789), deu-se uma nova exploso na rea das cincias. Philippe Pinel (1745-1826), considerado o pai da Psiquiatria moderna, tornou o estudo e tratamento das perturbaes mentais um ramo da medicina reconhecendo, em 1801, o termo demncia (Valente, 2006). O seu discpulo Jean Esquirol (1772-1840) diferenciou a demncia, que seria um dfice intelectual adquirido no qual a perda de faculdades mentais conduziria doena, da idiotia, que corresponde a um dfice intelectual congnito pois as faculdades mentais nunca chegaram a desenvolver-se13

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(Richard & Constantinidis, s.d.). Esquirol distinguiu, ainda, trs tipos de demncia: a demncia aguda, que seria um estado confusional, a demncia crnica, que ocorreria no estado terminal das doenas psiquitricas e a demncia senil, que apareceria na velhice (Garcia, 1995).

Em finais do sculo XIX a ampla definio de demncia vai-se tornando mais especfica. Kraepelin (1856-1926) introduziu, em 1890, o conceito de demncias orgnicas relacionando-o com as psicoses que advm de doenas crnicas do sistema nervoso central (Garcia, 1995) e, em 1891, Klippel (1858-1942) fez a primeira descrio de demncia vascular (Valente, 2006). O termo demncia pr-senil foi descrito por Binswanger (18521929), fazendo a correlao da idade com o tipo de demncia, ou seja, as demncias pr-senis ocorreriam antes dos 65 anos e as demncias senis teriam lugar a partir dessa idade (Valente, 2006).

J no sculo XX, Arnold Pick (1851-1924) levou a cabo estudos sobre atrofias cerebrais localizadas (Richard & Constantinidis, s.d.) e Alois Alzheimer (1864-1915), ao realizar o exame anatomopatolgico de um crebro de uma mulher, Augusta D., de 56 anos, que havia falecido com um quadro clnico caracterizado por prejuzo da memria e outros dfices cognitivos, identificou pela primeira vez, em 1906, as tranas neurofibrilhares e depsitos de uma substncia (amilide) no crtex cerebral e nas clulas gliais, descrevendo a perda neuronal daquilo a que chamou uma doena caracterstica do crtex cerebral (Valente, 2006, p. 349). Na dcada de 70 do sculo XX, Albert, McHugh e Folstein diferenciaram as demncias corticais (por exemplo, demncia de Alzheimer) das demncias sub-corticais (por exemplo, doena de Parkinson e Coreia de Hungtinton) (Valente, 2006).

Presentemente o conceito de demncia encontra-se cada vez melhor caracterizado, devido ao desenvolvimento de critrios de diagnstico. Assim, a dcima reviso do International Classification of Diseases (I.C.D.-10 ou, em Portugus: Classificao Estatstica das Doenas e Problemas de Sade Relacionados) aproxima os seus critrios diagnsticos s tendncias actuais (Valente, 2006), uma vez que para se poder atribuir o diagnstico de demncia a algum doente, este precisa de apresentar compromisso de mltiplas funes nervosas superiores incluindo a memria, pensamento, orientao, compreenso, clculo, capacidade de aprendizagem, linguagem e crtica. A conscincia no deve estar afectada. Os defeitos cognitivos so em regra acompanhados () de deteriorao do controlo emocional,14

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comportamento social, ou motivao. Os defeitos devem ter intensidade tal que comprometam o funcionamento nas actividades do dia a dia (Garcia, 1995, p. 144).

A quarta edio do Manual de Diagnstico e Estatstica das Perturbaes Mentais Texto Revisto (DSM-IV-TR) situa as demncias no grupo Delirium, Demncia, Perturbaes Mnsicas e Outras Perturbaes Cognitivas, criando as seguintes categorias: Demncia do Tipo Alzheimer (de incio precoce ou tardio), Demncia Vascular, Demncia Secundria a Um Estado Fsico Geral (estado fsico esse que pode ser doena de HIV, Traumatismo Craniano, doena de Parkinson, doena de Huntington, doena de Pick, doena de Creutzfeldt-Jakob ou outros, como leses estruturais, doenas endcrinas, doenas nutricionais, doenas imunes, alteraes da funo renal e heptica, doenas metablicas e outras doenas neurolgicas), Demncia Persistente Induzida por Substncias, Demncia Secundria a Mltiplas Etiologias e Demncia sem Outra Especificao (American Psychiatric Association [A.P.A.], 2000/2002).

Os critrios de diagnstico permitiram uniformizar cada vez mais este conceito, ainda assim muito heterogneo. De acordo com a O.M.S. (cit. in Fontaine, 1999/2000, p.164), a demncia uma alterao progressiva da memria (), suficientemente grave para limitar as actividades da vida diria, que dura por um perodo mnimo de seis meses e est associada perturbao de pelo menos uma das funes seguintes: linguagem, clculo, julgamento, alterao do pensamento abstracto, praxia, gnosia ou modificao da personalidade.

2. Diferena entre Demncia e Defeito Cognitivo Ligeiro

O Defeito Cognitivo Ligeiro (D.C.L.) poder ser entendido como uma transio entre o envelhecimento cognitivo considerado fisiolgico e a demncia (Santana, 2003). Na verdade, segundo Ribeiro, Guerreiro e Mendona (2006) uma percentagem significativa de indivduos a quem foi diagnosticado D.C.L. sofre deteriorao cognitiva suficiente para que, em poucos anos, seja considerado o diagnstico de demncia. No entanto, apesar de existir esse risco, a evoluo para um quadro demencial no inevitvel (Gil, 2002/2005).

Com efeito, muitas pessoas idosas apresentam queixas de perdas de memria sem que cheguem a desenvolver um quadro demencial. A constatao deste facto levou a que diversos autores, na segunda metade do sculo XX, se interessassem por esta temtica criando diversas15

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designaes na tentativa de caracterizarem essa situao de defeito de memria sem demncia (Mendona & Garcia, 2006). Como tal, em 1962 Kral introduziu a designao de Esquecimento Benigno da Senescncia referindo-se a dificuldades espordicas apresentadas por alguns sujeitos na evocao de acontecimentos remotos, mas sem complicaes com a memria recente (Ribeiro et al., 2006). J em 1986 Crook e seus colaboradores referiram-se a esta alterao de memria relativamente estvel como Defeito de Memria Associado Idade, sendo que em 1994 Levy a designou por Declnio Cognitivo Associado Idade (Mendona & Garcia, 2006). A mais recente designao, Defeito Cognitivo Ligeiro, proposta por Peterson e colaboradores em 1999, tem merecido muito destaque nos ltimos anos e prende-se com modificaes ligeiras do desempenho cognitivo que vo ter algum reflexo na funcionalidade dos sujeitos, o que significa que estes no apresentam dificuldades na execuo de tarefas bsicas do seu dia a dia, embora possam revelar alguns embaraos em tarefas mais complexas (Ribeiro et al., 2006).

Em 2001 Peterson e colaboradores (cit. in Mendona & Garcia, 2006; Ribeiro, et al., 2006; Santana, 2003) elaboraram uma srie de critrios de diagnstico de Defeito Cognitivo Ligeiro.

No que concerne ao primeiro critrio, queixas de dificuldades mnsicas, estas devem ser indicadas pelo prprio indivduo e confirmadas por um acompanhante atravs de uma entrevista clnica, onde sero valorizados os defeitos de memria recente evidenciados na evocao de eventos sociais (por exemplo, notcias), familiares, entre outros (Santana, 2003). As alteraes mnsicas incluem uma lembrana incompleta dos factos, falhas em detalhes ou localizao temporal dos acontecimentos (Gil, 2002/2005).

A deteco de defeito objectivo de memria (critrio 2) requer uma avaliao neuropsicolgica. Assim, pela anlise do resultado dos testes os sujeitos com D.C.L. apresentariam um compromisso severo da evocao tardia, isto , a evocao, aps dez minutos de interferncia, de material aprendido (Santana, 2003).

Relativamente ao critrio 3, funo cognitiva global preservada, possvel dizer-se que as outras reas cognitivas para alm da memria, no devero apresentar alteraes. Frequentemente admite-se que uma pontuao normal no Mini-Mental State Examination

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(Exame Breve do Estado Mental) traduza um estado cognitivo geral relativamente normal (Ribeiro et al., 2006).

O quarto critrio, preservao das actividades de vida diria, implica que se existirem alteraes funcionais, estas sejam muito ligeiras e relacionadas com as actividades mais complexas (Ribeiro et al., 2006). A avaliao do nvel funcional actual e das transformaes ocorridas em relao ao perodo pr-mrbido pode realizar-se atravs da aplicao de escalas funcionais adaptadas a transtornos cognitivos ou de uma entrevista realizada ao indivduo e a um informador (Santana, 2003). importante salientar que, na populao geritrica, o declnio funcional pode dever-se a outros factores que no devem ser confundidos com as alteraes causadas pelo declnio cognitivo, como sejam a presena de patologias, o fim da actividade profissional ou modificaes no estatuto scio-econmico (Ribeiro et al., 2006).

Por ltimo, o quinto critrio diz respeito ausncia de demncia. Na verdade este critrio decorre em parte dos anteriores, uma vez que as alteraes cognitivas no D.C.L. se confinam s reas mnsicas (enquanto que na demncia as alteraes cognitivas atingem diversas reas, logo a deteriorao cognitiva global) e o impacto funcional dessas alteraes mnimo (contrariamente demncia onde existe um franco prejuzo da capacidade funcional do sujeito) (Ribeiro et al., 2006).

3. Diferena entre Demncia e Delirium

O delirium diz respeito a uma perturbao da conscincia que se manifesta por uma reduo da percepo do ambiente, podendo incluir interpretaes incorrectas, iluses ou alucinaes (principalmente visuais). Verifica-se, ainda, um dfice de ateno, ou seja, a pessoa v-se incapaz de focar, manter ou transferir a ateno, sendo facilmente distrada por estmulos irrelevantes, e uma alterao cognitiva (dfice de linguagem, memria ou orientao) (A.P.A., 2000/2002). O pensamento torna-se fragmentado, ilgico e com dificuldades na compreenso de elementos abstractos (Marques, Batista & Firmino, 2006).

Os sintomas desenvolvem-se muito rapidamente (horas ou dias) e tendem a flutuar durante o dia (Marques, Batista et al., 2006), podendo desaparecer em pouco tempo ou, pelo contrrio, persistir ao longo de semanas ou meses (A.P.A., 2000/2002). Se a causa do17

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delirium for detectada e corrigida rapidamente, os sintomas cessam e a recuperao pode ser total (A.P.A., 2000/2002).

O delirium pode, ainda, ser acompanhado de uma perturbao do ciclo sono-viglia (inverso deste ciclo, permanecendo o indivduo muito sonolento durante o dia e agitado durante a noite), de um comportamento psicomotor alterado (delirium hipoactivo em que a pessoa v reduzido o seu nvel de alerta e da sua actividade motora e verbal, ou delirium hiperactivo caracterizado por hipervigilncia e agitao verbal e motora) e de perturbaes emocionais tais como ansiedade, medo, depresso, irritabilidade, ira, euforia e apatia (A.P.A., 2000/2002; Marques, Batista et al., 2006).

Dado o carcter similar de sintomatologia e atendendo ao facto de que, por vezes, o delirium e a demncia co-existem pois a doena cerebral () pode aumentar a susceptibilidade a estados confusionais (A.P.A., 2000/2002, p.150), torna-se imperioso enumerar algumas caractersticas clnicas que evidenciem a diferena entre ambos (cf. Quadro 1). Assim: o incio de uma demncia , geralmente, insidioso e o incio de um delirium brusco; a durao de uma demncia extensa, ao passo que a durao de um delirium relativamente curta; os sintomas so relativamente estveis na demncia, apresentando uma flutuao no delirium; na demncia no se verificam alteraes do estado de conscincia, enquanto que no delirium a conscincia da realidade envolvente muito reduzida; a capacidade de ateno relativamente mantida na demncia, encontrando-se bastante alterada no delirium; as alucinaes so menos frequentes na demncia comparativamente ao delirium (A.P.A., 2000/2002; Touchon & Portet, 1994/2002).

Quadro 1. Caractersticas Distintivas de Demncia e Delirium (adaptado de A.P.A., 2000/2002; Touchon & Portet, 1994/2002) Demncia Incio Durao Curso dos Sintomas Estado de Conscincia Capacidade de Ateno Alucinaes Insidioso Extensa Estabilidade dos sintomas Normal Normal Pouco frequentes Delirium Brusco Curta Flutuao dos sintomas Alterado Alterada Muito frequentes

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4. Diferena entre Demncia e Pseudo-Demncia

O termo pseudo-demncia foi introduzido por Madden e colaboradores em 1952 (Figueira, 1991), mas s em 1961 Kiloh o associou s perturbaes psiquitricas que simulavam a demncia, sendo definido por Caine em 1981 como um dfice intelectual reversvel que mimetiza uma doena neurovegetativa sem evidncia de encefalopatia (Feio, Leito, Machado & Cordeiro, 2005, p. 673). Com efeito, pseudo-demncia corresponde a uma sndrome depressiva que se manifesta por um distrbio cognitivo habitualmente reversvel com o tratamento (Marques, Firmino & Ferreira, 2006).

Muitas vezes no fcil fazer a distino entre demncia e pseudo-demncia, at porque as pessoas com demncia tendem a desenvolver sintomas depressivos em algum momento da evoluo da doena, principalmente nos seus estdios iniciais (Figueira, 1991; Marques, Firmino et al., 2006).

Ainda assim, possvel estabelecer-se alguns critrios distintivos das duas entidades (cf. Quadro 2): o incio da demncia , em geral, insidioso, enquanto que na pseudo-demncia mais claramente identificvel no tempo; na demncia a progresso lenta e a durao prolongada, ao passo que na pseudo-demncia os dfices cognitivos evoluem rapidamente; as queixas cognitivas so raras na demncia (devido negao que o sujeito faz relativamente ao seu estado de sade) e frequentes na pseudo-demncia (o indivduo queixa-se dos erros e dificuldades cognitivas, vivenciando-os com sentimentos de incapacidade e sofrimento); no que respeita aos dfices mnsicos, a memria recente mais afectada do que a memria remota na demncia, sendo que os dfices so irreversveis, enquanto que na pseudodemncia, apesar de a memria recente e a memria remota serem afectadas com igual intensidade, os dfices mnsicos so reversveis e o comportamento do sujeito no congruente com a perturbao cognitiva; na demncia verificam-se dificuldades em processar a informao, sendo que na pseudo-demncia se verifica uma lentificao no processamento da mesma; na demncia os distrbios cognitivos so globais afectando todas as reas, ao passo que na pseudo-demncia existe uma preservao de vrias reas do funcionamento; na demncia verifica-se uma desorientao espcio-temporal, sendo que na pseudo-demncia a capacidade de orientao se encontra preservada; a demncia resulta numa perda total da autocrtica e da capacidade de julgamento, enquanto que na pseudo-demncia se verifica o contrrio, ou seja, o indivduo exacerba muitas vezes a crtica para consigo prprio,19

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exagerando as queixas cognitivas; a evoluo da demncia muito desfavorvel, uma vez que o doente tende a no responder ao tratamento, em contrapartida na pseudo-demncia a evoluo favorvel, dado que a pessoa dever apresentar uma melhoria do seu estado de sade face ao tratamento; na demncia a deteriorao cognitiva fica a dever-se a algum tipo de perturbao neurolgica, e na pseudo-demncia no existem alteraes neurolgicas que expliquem os dfices cognitivos (Figueira, 1991; Gil, 2002/2005; Marques, Firmino et al., 2006; Touchon & Portet, 1994/2002).

Quadro 2. Caractersticas Distintivas de Demncia e Pseudo-Demncia (adaptado de Figueira, 1991; Gil, 2002/2005; Marques, Firmino et al., 2006; Touchon & Portet, 1994/2002) Demncia Incio Progresso Queixas Cognitivas Dfices Mnsicos Insidioso Lenta Raras Irreversveis; Memria recente mais afectada Dificuldade de processamento Globais, afectando todas as reas Afectada Perda Desfavorvel Estado de sade inalterado Presentes Pseudo-Demncia Identificvel no tempo Rpida Frequentes Reversveis; Memrias recente e remota igualmente afectadas Lentificao de processamento Preservao de vrias reas Preservada Exacerbao Favorvel Estado de melhoria de sade Ausentes

Processamento da Informao Distrbios Cognitivos Orientao Espcio-Temporal Autocrtica e Julgamento Evoluo Resposta ao Tratamento Alteraes Neurolgicas

5. Manifestaes Comportamentais e Psicolgicas na Demncia

As manifestaes comportamentais e psicolgicas que acompanham as vrias demncias (M.C.P.D.) constituem um foco de grande ateno, pois so estes sintomas, e no os aspectos cognitivos, que provocam maior perturbao e sofrimento no doente e no prestador de cuidados (Lawlor, 2006). As M.C.P.D. referem-se a comportamentos observveis como agitao psicomotora, agressividade (fsica e / ou verbal), deambulao, perturbaes do comportamento alimentar, desinibio sexual, comportamentos repetitivos e

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apatia, e a sintomas psicolgicos como depresso, ansiedade, pensamentos delirantes, alucinaes e perturbaes do sono (Mendona & Garcia, 2006; Lawlor, 2006). Estas manifestaes resultam, muitas vezes, da confuso e da desorientao do doente, agravandose com a evoluo da doena (Nunes & Pais, 2006).

De entre as M.C.P.D. poder-se- salientar a depresso, que um sintoma muito comum nas diversas demncias (Mendona & Garcia, 2006), constatando-se uma prevalncia de 20 a 50% na demncia de Alzheimer (Lawlor, 2006). A conscincia das falhas cometidas, principalmente nos estdios iniciais da doena, contribui em larga medida para o desenvolvimento de um humor depressivo, originando, muitas vezes, ideao suicida (Barreto, 2005). Associados a esta realidade encontram-se os problemas de sono que so dos que mais sobrecarregam os prestadores de cuidados, uma vez que o sono de um doente com demncia pouco profundo e no repousante pois d-se uma alterao do ritmo sono-viglia, suscitando que o doente permanea acordado durante vrias horas durante a noite e durma em curtos perodos durante o dia (Barreto, 2005).

No que respeita aos sintomas psicticos, estes ocorrem primariamente aps o incio dos dfices cognitivos e a sua incidncia aumenta com a severidade da doena. Os delrios ocorrem com maior frequncia (em cerca de um tero dos doentes) comparativamente s alucinaes (Lawlor, 2006). As temticas mais frequentes dos delrios sero a perseguio, a runa e o cime (Barreto, 2005) e, de entre as alucinaes, so mais comuns as alucinaes visuais do que as auditivas (Lawlor, 2006).

A frequncia dos comportamentos agressivos tende a aumentar com o agravamento da doena. Existem dois tipos de agressividade: a resistncia agressiva muitas vezes desencadeada por intervenes do prestador de cuidados, nomeadamente intervenes que impliquem os cuidados de higiene pessoal do doente; e a agressividade impulsiva que ocorre espontaneamente e provocada por factores internos como a psicose (Lawlor, 2006).

Tambm a frequncia da agitao psicomotora aumenta com a severidade da demncia e persistente ao longo de toda a doena. O doente tende a ficar mais agitado no final do dia, aparentando desconforto com a quebra de luminosidade e a escurido. Uma forma particular de agitao a deambulao, onde o paciente est permanentemente a deslocar-se pela casa, sem objectivo aparente, ou sai para o exterior (Barreto, 2005).21

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Cerca de 80% dos doentes com demncia apresenta alguma forma de comportamento repetitivo, tal como perguntas, aces ou vocalizaes levadas a cabo de forma repetitiva e constante (Lawlor, 2006). J os comportamentos sexuais inapropriados so pouco frequentes, ocorrendo em menos de 3% dos doentes com demncia, manifestam-se sob a forma de desinibio sexual e so sempre muito mal tolerados pelos cuidadores (Lawlor, 2006).

Em regra, so as M.C.P.D. que determinam a institucionalizao do paciente (Mendona & Garcia, 2006). A prevalncia de M.C.P.D. elevada, principalmente em ambientes institucionais (uma vez que estes doentes se encontram num estdio mais avanado da doena e o efeito da institucionalizao potencia as M.C.P.D.), estimando-se que atinja os 90% de doentes institucionalizados em lares, e 82% de indivduos em instituies de assistncia residencial (Lawlor, 2006). Na comunidade a prevalncia de M.C.P.D. mais baixa atingindo, ainda assim, os 61% dos indivduos demenciados (Lawlor, 2006).

As M.C.P.D. tm mltiplas etiologias que devero ser entendidas como um conjunto de factores interligados entre si. Como tal, os factores biolgicos integram aspectos neuropatolgicos, neuroqumicos ou genticos (por exemplo, uma histria familiar de depresso aumenta o risco de depresso no sujeito com demncia) (Lawlor, 2006). No que respeita aos factores psicolgicos, necessrio ter-se em considerao a personalidade prmrbida do indivduo e como este responde em situaes de stress (Lawlor, 2006). Os factores ambientais e sociais so tambm muito importantes no desencadeamento e manuteno das M.C.P.D., uma vez que os doentes com demncia so muito sensveis a alteraes das rotinas (Lawlor, 2006).

As M.C.P.D. so, ento, muito comuns entre os indivduos com demncia. Elas provocam um grande sofrimento quer nos pacientes quer nos seus prestadores de cuidados, uma vez que diminuem bastante a qualidade de vida dos doentes sobrecarregando ainda mais os seus cuidadores.

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6. Tipos de Demncia

A progressiva deteriorao das funes cognitivas est relacionada com o processo fisiolgico de envelhecimento. No entanto, a perda gradual da memria, associada a episdios de desorientao e confuso, podem ser considerados indcios de demncia (Moreira & Oliveira, 2005).

A demncia uma sndrome (conjunto de sintomas e sinais) com mltiplas causas (Mendona & Garcia, 2006). A sndrome demencial caracteriza-se, ento, pela presena de dfices adquiridos, persistentes e progressivos em mltiplos domnios cognitivos que determinam, [sem que ocorra alterao da conscincia], uma deteriorao das faculdades intelectuais suficientemente severa para afectar a competncia social e / ou profissional do indivduo (Marques, Firmino et al., 2006, p.358). Trata-se de uma situao crnica na qual se verifica o prejuzo de diversas funes cognitivas, tais como memria, linguagem, clculo, pensamento abstracto, orientao, compreenso, capacidade de aprendizagem, capacidade de julgamento (A.P.F.A.D.A., 2004), capacidade de reconhecimento e identificao, capacidade de execuo de tarefas motoras, aptides visuo-espaciais, planeamento e organizao de resoluo de problemas (Marques, Firmino et al., 2006). Esta alterao da funo cognitiva vai ter repercusses no controlo emocional e no comportamento social do indivduo, interferindo nas suas actividades quotidianas (A.P.F.A.D.A., 2004). Estas modificaes no estado psicolgico e no comportamento do sujeito sugerem que a sua personalidade , tambm ela, susceptvel de sofrer alteraes (Marques, Firmino et al., 2006).

De acordo com a A.P.A. (2000/2002, p.148), os dfices cognitivos mltiplos caractersticos da demncia incluem diminuio da memria e, pelo menos, uma das seguintes perturbaes cognitivas: afasia, apraxia, agnosia, ou perturbao na capacidade de execuo. Os dfices cognitivos devero ser suficientemente graves para causarem diminuio do funcionamento ocupacional ou social e representarem um declnio em relao a um nvel prvio de funcionamento. () A demncia pode estar etiologicamente relacionada com um estado fsico geral, com os efeitos persistentes da utilizao de substncias (), ou com uma combinao destes factores.

A memria divide-se em trs vertentes: memria imediata, recente e remota (Berrios, 2000, cit. in Marques, Firmino et al., 2006). Memria imediata (ou memria de trabalho) diz23

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respeito capacidade de armazenamento de alguma informao durante alguns segundos (Marques, Firmino et al., 2006). A memria recente (capacidade de fixao) refere-se capacidade para recordar informao nova num perodo de tempo compreendido entre 30 a 60 minutos depois de ter sido fornecida (Scharfetter, 2002/2005). Por memria remota entendese a capacidade de armazenamento de informao em quantidade ilimitada a longo prazo. A memria remota pode ser implcita (processamento de informao aprendida de forma noconsciente, atravs de aptides motoras, perceptivas e cognitivas ou atravs de reflexos condicionados) ou explcita que se manifesta pelo consciente processamento de informao relativa a conceitos (memria semntica) ou a acontecimentos da vida (memria episdica). A memria episdica pode, por sua vez, ser retrgrada (relacionada com acontecimentos antigos ocorridos antes do incio da patologia e cujo dfice se exprime por dificuldade na recordao da informao aprendida) ou antergrada (relacionada com acontecimentos ocorridos aps o incio da patologia e cujo dfice se exprime por dificuldade em reter nova informao) (Marques, Firmino et al., 2006). Segundo a A.P.A (2000/2002), a diminuio da memria caracterstica dos indivduos com demncia manifesta-se pela incapacidade para aprender informao nova e / ou esquecimento de dados previamente adquiridos.

A afasia uma perturbao da linguagem que resulta de uma leso cerebral localizada nas estruturas supostamente envolvidas no seu processamento (Castro-Caldas, 2000) e pode caracterizar-se pela dificuldade em nomear pessoas ou objectos, incompreenso da linguagem escrita e falada, e incapacidade de repetio da linguagem (A.P.A., 2000/2002). Assim, a linguagem de uma pessoa com demncia pode revelar-se, muitas vezes, incoerente, sendo quantitativa e informativamente empobrecida (Gil, 2002/2005).

Por seu lado, a apraxia corresponde a uma alterao neurolgica da capacidade de movimento aprendido e proposicional que no possa ser explicado por defeitos elementares da motricidade nem dos sistemas sensoriais (Castro-Caldas, 2000, p.216) e manifesta-se pela diminuio da capacidade de execuo de actividades motoras (A.P.A., 2000/2002). Inclui a incapacidade para desenhar ou para vestir-se correctamente, para executar gestos ou para usar objectos (Martins, 2006; Nunes & Pais, 2007).

A agnosia diz respeito deteriorao da capacidade para reconhecer ou identificar objectos, lugares, sons ou cheiros apesar da funo sensorial permanecer intacta (A.P.A., 2000/2002; Trzepacz & Baker, 1993/2001). Este dfice pode, tambm, afectar o24

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reconhecimento de rostos (prosopagnosia), sendo que algumas pessoas deixam de identificar a sua prpria imagem num espelho ou numa fotografia (Gil, 2002/2005).

As funes executivas so das capacidades cognitivas mais avanadas e referem-se ao controlo do comportamento humano (Nunes & Pais, 2007). A perturbao na capacidade de execuo envolve a incapacidade de pensamento abstracto e de planear, iniciar, sequenciar, monitorizar e parar um comportamento complexo (A.P.A., 2000/2002). Estas perturbaes explicam a inadaptao das aces do sujeito e a ausncia de auto-crtica (Gil, 2002/2005).

Existem diversas formas de classificao das demncias. Uma delas diz respeito distino das demncias em demncias pr-senis, que aparecem antes dos 65 anos de idade, e demncias senis, que aparecem depois desta idade (Fontaine, 1999/2000). Outro tipo de classificao distingue as demncias irreversveis das demncias reversveis. As primeiras so incurveis (Fontaine, 1999/2000), enquanto que as segundas podem ser contidas ou anuladas se a sua causa for tratada com xito antes de ocorrer leso cerebral significativa (Spar & La Rue, 2002/2005). Clarfield (cit. in Spar & La Rue, 2002/2005) verificou que eram reversveis a demncia persistente induzida por substncias, demncia de origem metablica (como o hipotiroidismo) demncia de origem carencial (como a carncia de vitamina B), e algumas demncias de origem intracranial (como a demncia secundria a hidrocfalo de presso normal, a hematoma subdural e a tumor cerebral).

Uma outra classificao prende-se com a localizao da doena. Assim, as demncias cujas leses cerebrais so de localizao varivel dizem respeito s demncias por traumatismos cranianos, acidentes vasculares cerebrais, tumores, entre outros (Garcia, 1995). Por outro lado, as demncias degenerativas so devidas a leses cerebrais, cuja localizao conhecida (Garcia, 1995). As demncias degenerativas podem dividir-se em corticais e subcorticais. Nas demncias corticais as leses incidem no crtex cerebral (Garcia, 1995), ou seja, os distrbios de memria traduzem um dfice da aprendizagem que inclui afasia, agnosia e acalculia (sinais de dano cortical) (Gil, 2002/2005). Nas demncias sub-corticais predominam as leses de estruturas cerebrais profundas, onde o defeito cognitivo resulta de um compromisso das influncias dessas estruturas sobre o crtex (Garcia, 1995). Essas demncias so caracterizadas por uma lentificao da ideao, por uma dificuldade em evocar recordaes (memria retrgrada afectada) sem existir, no entanto, perturbao significativa

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da aprendizagem (memria antergrada relativamente preservada), por ausncia de afasia e de agnosia e pela presena de distrbios das funes executivas (Gil, 2002/2005).

Apesar de a demncia no ser exclusiva do idoso podendo ocorrer em qualquer idade (por exemplo, um jovem vtima de traumatismo craniano pode desenvolver uma demncia) (Mendona & Garcia, 2006), a verdade que tem havido um aumento da prevalncia desta doena entre a populao idosa (A.P.F.A.D.A., 2004). De acordo com alguns dados, estima-se que cerca de 7,1% de indivduos com mais de 65 anos de idade sofra de um qualquer tipo de demncia (Marques, Firmino et al., 2006).

Como j foi dito, a demncia uma sndrome com caractersticas e manifestaes sintomticas comuns a todas as suas formas, havendo, no entanto, particularidades prprias de cada uma (Mendona & Garcia, 2006). Desta forma, a demncia pode ser provocada por uma grande variedade de patologias. Na Figura 1 da pgina seguinte, expe-se uma sntese de possveis etiologias da demncia.

Seguidamente apresentar-se-, de uma forma sucinta, os seguintes tipos de demncia: Demncia de Alzheimer, Demncia Vascular, Demncia de Parkinson, Demncias FrontoTemporais, Demncia dos Corpos de Lewi, Demncia de Huntington, Demncia de Creutzfeldt-Jakob e Demncia Persistente Induzida por Substncias, nomeadamente a demncia relacionada com a ingesto compulsiva de lcool (Sndrome de Korsakoff).

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Causas de Demncia Demncias Primrias: A) Demncias Degenerativas Demncia do Tipo Alzheimer; Demncia de Corpos de Lewy; Demncia Fronto-Temporal; Doena de Parkinson; Doena de Huntington. B) Demncias Vasculares Demncias Secundrias a: A) Origem Intracraniana Infeces Doena Creutzfeldt-Jakob; Doena HIV. Hidrocfalo de Presso Normal Tumores Traumatismos Cranianos Demncia Ps-Traumtica; Hematoma Sub-dural Crnico. B) Estados Carenciais Carncia de Vitamina B12; Carncia de cido Flico; Pelagra. C) Doenas Metablicas Doenas da Tiride e Paratiride; Doenas da Hipfise e Suprarrenais; Insuficincia Renal Crnica. D) Origem Txica Associada ao lcool (Sndrome de Korsakoff); Induzida por Medicamentos (Sedativos / Hipnticos / Ansiolticos). E) Outras Causas Figura 1. Etiologia das Demncias (adaptado de Marques, Firmino et al., 2006)

6.1. Demncia de Alzheimer

A Demncia de Alzheimer deve o seu nome ao mdico alemo Alois Alzheimer e enquadra-se no grupo das demncias degenerativas. o tipo de demncia mais frequente, representando cerca de 45% das sndromes demenciais e 75% das demncias irreversveis (Fontaine, 1999/2000), com uma incidncia mais elevada no sexo feminino (Spar & La Rue, 2002/2005). Segundo Mendona & Garcia (2006), em 1991 haveria em Portugal cerca de 50.000 doentes de Alzheimer, estimando-se que em 2010 esse nmero atinja os 70.000 doentes. Tambm em toda a Europa se observa um incremento desta patologia. De acordo com dados de 2003 apresentados pelo European Alzheimers Disease Consortium (cit. in

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A.P.F.A.D.A., 2004), surgem volta de 800.000 novos casos de doena por ano na Europa. Os aumentos registados na prevalncia ficam a dever-se s alteraes demogrficas em curso e ao consequente acrscimo do nmero de idosos (A.P.F.A.D.A., 2004).

Apesar de se desconhecer a causa, a Demncia de Alzheimer pode apresentar-se de duas formas: ou doena familiar (cerca de 5% dos casos) ou doena espordica (a mais comum, com uma incidncia de 95%) (Moreira & Oliveira, 2005). Na doena familiar d-se um incio precoce da sintomatologia (demncia pr-senil) (Marques, Firmino et al., 2006) e possvel detectar uma componente gentica na transmisso da doena (Spar & La Rue, 2002/2005). Por seu lado, a doena espordica parece resultar da interaco entre a vulnerabilidade gentica e factores de risco ambientais, dos quais os mais determinantes sero uma idade superior a 65 anos (demncia senil), histria de traumatismo craniano, indivduos com Sndrome de Down, entre outros (Spar & La Rue, 2002/2005).

Manifestaes Clnicas

No fcil fazer o diagnstico de Demncia de Alzheimer no incio da doena j que existe um contnuo com o envelhecimento normal, isto , os dfices cognitivos evidenciados pelo indivduo so muitas vezes erroneamente atribudos idade avanada e, como tal, encarados como naturais (Mendona & Garcia, 2006). O diagnstico definitivo da doena exige a visualizao da neuropatologia caracterstica do tecido cerebral dos pacientes (Spar & La Rue, 2002/2005), o que s pode ser feito post mortem, na autpsia do crebro (Fontaine, 1999/2000). Assim, o diagnstico em vida da Demncia de Alzheimer realizado de acordo com critrios de incluso e excluso (Mendona & Garcia, 2006).

A doena inicia-se e instala-se de modo insidioso, sem se conseguir apontar o momento exacto em que a doena comeou, progredindo lentamente, por vezes com perodos estacionrios (Garcia, 1995). O dfice de memria est invariavelmente presente e, nos estdios iniciais, relaciona-se principalmente com os acontecimentos recentes (perturbao da memria antergrada) (Guerreiro, 2005), sendo que a memria remota se encontra razoavelmente preservada (Marques, Firmino et al., 2006). No entanto, medida que a doena progride os acontecimentos antigos comeam a ser evocados com grau de dificuldade e impreciso crescente (Guerreiro, 2005).

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Com o desenvolvimento da demncia, as disfunes generalizam-se totalidade das funes cognitivas: linguagem (discurso fragmentado e perseverante, sendo que no final da doena se d uma total perda desta funo), desorientao temporal e espacial (comea por surgir em ambientes novos, mas nas fases avanadas a desorientao ocorre em espaos familiares acontecendo que o doente se perde dentro da prpria casa), apraxia, agnosia, alteraes na abstraco do pensamento, perturbaes do julgamento (incapacidade em reconhecer o prprio estado), ou dificuldade em planificar um comportamento (Fontaine, 1999/2000; Guerreiro, 2005). Existem tambm marcadas perturbaes psico-afectivas, como a modificao da personalidade, perturbaes do humor (a depresso muito comum, principalmente nas fases iniciais da doena quando a pessoa ainda tem conscincia da sua condio), derivaes psicticas (parania, delrio, alucinao), ou perda do sentido moral (atravs, por exemplo, de desinibio exagerada) (Fontaine, 1999/2000).

Sendo uma doena que progride sem marcos ntidos, no existe consenso sobre o nmero de fases em que pode ser dividida a sua evoluo (Mendona & Garcia, 2006). Vaz Serra, Ribeiro, Marques-Teixeira e Loureno (2001) defendem a existncia de quatro fases da Demncia da Alzheimer.

Assim, para estes autores, na primeira fase, chamada Ligeira, os dfices mnsicos que se comeam a fazer sentir impossibilitam a aquisio de novas aprendizagens (memria antergrada afectada) (Vaz Serra et al., 2001). Verificam-se dificuldades de nomeao, principalmente no que concerne dificuldade para nomear pessoas ou objectos (anomia ligeira), dfices da linguagem (a fala perde fluncia), ausncia da capacidade de pensamento abstracto, dificuldade na capacidade de resoluo de problemas, diminuio da capacidade para lidar com situaes difceis, alteraes da personalidade, labilidade emocional (o indivduo deprime, apesar de comear a adoptar uma atitude de negao face ao seu estado), isolamento social e baixa conscincia da doena (Vaz Serra et al., 2001).

A segunda fase da Demncia de Alzheimer, Fase Moderada, caracterizada pelo agravamento quer das alteraes mnsicas, quer das alteraes cognitivas verificando-se pelo menos dois sintomas de entre os seguintes: anomia, agnosia, apraxia, afasia (Vaz Serra et al., 2001). Os comportamentos do doente tendem a tornar-se bizarros, evidenciando preocupaes infundadas e diminuio acentuada da capacidade de juzo (Vaz Serra et al., 2001). Comea a existir desorientao espacial e temporal, o que dificulta a realizao das actividades de vida29

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diria instrumentais (por exemplo, deslocar-se no exterior, utilizar meios de transporte, realizar trabalhos domsticos, utilizar o telefone, entre outras) (Barreto, 2005).

Na fase trs, Grave, verifica-se um comprometimento global de todas as funes cognitivas, agravamento fsico, incapacidade para reconhecer membros da famlia e incapacidade para executar actividades de vida diria bsicas (Vaz Serra et al., 2001), como ter continncia e controlo das funes excretrias, necessitando de ajuda constante na higiene e limpeza corporal diria, no vestir-se e deslocar-se mesmo dentro de casa (Barreto, 2005).

A ltima fase, Muito Grave, caracteriza-se pela perda de todas as capacidades: perda da funo da linguagem, o que culmina em mutismo; perda da coordenao motora (o doente deixa de possuir os reflexos necessrios para a marcha e, mais tarde, para se sentar ou para erguer a cabea); e perda de todas as funes mnsicas (Barreto, 2005; Vaz Serra et al., 2001). O doente assim acamado torna-se totalmente passivo e raras vezes d sinal de reconhecer os que o rodeiam (Vaz Serra et al., 2001). A incontinncia, se no surgiu antes, instala-se agora (Barreto, 2005) e a alimentao torna-se difcil havendo muitas vezes necessidade de intubao nasogstrica ou de soros (Garcia, 1995).

A A.P.A. (2000/2002) sistematizou os critrios de diagnstico para a Demncia de Alzheimer (Figura 2).Critrios de Diagnstico para Demncia de Alzheimer A. Desenvolvimento de dfices cognitivos mltiplos manifestados por: 1) Diminuio da memria. 2) Uma (ou mais) das seguintes perturbaes cognitivas: (a) afasia; (b) apraxia; (c) agnosia; (d) perturbao na capacidade de execuo. B. Os dfices cognitivos dos Critrios A1 e A2 causam deficincias significativas no funcionamento social ou ocupacional e representam um declnio significativo em relao a um nvel prvio de funcionamento. C. A evoluo caracteriza-se pelo incio gradual e declnio cognitivo continuado. D. Os dfices cognitivos dos Critrios A1 e A2 no so devidos a nenhum dos seguintes: 1) outras doenas do sistema nervoso central que causam dfices progressivos da memria e cognio; 2) doenas sistmicas que causam demncia; 3) doenas induzidas por substncias. E. Os dfices no ocorrem exclusivamente durante a evoluo de um delirium. F. A perturbao no devida a outra perturbao do Eixo I. Figura 2. Critrios de Diagnstico para Demncia de Alzheimer (adaptado de A.P.A., 2000/2002)

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Fisiopatologia da Demncia de Alzheimer

As manifestaes clnicas da Demncia de Alzheimer parecem ser determinadas por alteraes em alguns sistemas de neurotransmisso (Santana, 2005). No plano macroscpico salienta-se a atrofia cortical e subcortical, envolvendo principalmente reas frontais anteriores e temporoparietais (Spar & La Rue, 2002/2005). No que respeita s alteraes neuropatolgicas detectadas na autpsia post mortem do crebro, destacam-se aquelas que so observadas sistematicamente: as tranas neurofibrilhares e as placas senis (Fontaine, 1999/2000; Touchon & Portet, 1994/2002).

As tranas neurofibrilhares so aglomerados intraneuronais de protenas tau (Mendona & Garcia, 2006) que se concentram dentro do citoplasma do neurnio, originando a perda do seu citoesqueleto (A.P.F.A.D.A., 2004) e a consequente desagregao estrutural da prpria clula (Santana, 2005). Esta alterao histolgica atinge primordialmente a rea do hipocampo que uma estrutura cerebral fortemente implicada nas actividades mnsicas (Fontaine, 1999/2000).

As placas senis so estruturas esfricas dispersas no espao extracelular e constitudas pelo pptido -amilide (Mendona & Garcia, 2006) responsvel pela degenerescncia dos terminais sinpticos dos neurnios, condicionando e/ou impossibilitando, assim, a transmisso nervosa (Santana, 2005).

A associao e a quantidade destas estruturas histolgicas em determinadas reas corticais provocam a degenerescncia e a consequente morte neuronal (Fontaine, 1999/2000), confirmando, assim, o diagnstico de Doena de Alzheimer (Santana, 2005).

6.2. Demncia Vascular

A Demncia Vascular resulta dos danos causados no crebro por enfartes cerebrais de tamanho, quantidade e localizao variveis (Garcia, 1995). Genericamente estes enfartes correspondem ao Acidente Vascular Cerebral (A.V.C.) (Santana, 2006). Um A.V.C. , ento, uma doena sbita, que afecta uma zona localizada do encfalo, produzindo () sintomas e sinais deficitrios causados pela perda de funo da rea afectada (Ferro, 2006). Podem ser de dois tipos: isqumicos ou hemorrgicos (Adams & Victor, 1998; Ferro, 2006). Os A.V.C.s isqumicos, os mais prevalentes, caracterizam-se pelo aparecimento de mbolos ou de31

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trombos nas artrias cerebrais que impedem a passagem do sangue, levando a que a zona do crebro que deveria ser irrigada por essas artrias deixe de funcionar (Ferro, 2006). Os A.V.C.s hemorrgicos, menos frequentes mas mais letais, correspondem ruptura de uma artria, fazendo com que o sangue se espalhe pelo crebro (Ferro, 2006).

Os A.V.C.s. isqumicos podem, ento, ser causados por duas situaes: uma em que nas paredes das artrias se vo acumulando depsitos gordos (ateroma ou aterosclerose), os quais podem originar trombos que, posteriormente, provocam o entupimento da artria (trombose); outra em que se formam cogulos, frequentemente no corao ou, com menos frequncia nas artrias do pescoo, que so depois transportados pela corrente sangunea at ao crebro originando a obstruo da artria cerebral (embolia) (Ferro, 2006).

Existem alguns factores de risco de A.V.C. e, portanto, de Demncia Vascular. Poderse-o destacar os seguintes: hipertenso arterial (H.T.A.), doena aterosclertica, complicaes cardacas (insuficincia cardaca, doena coronria, arritmias), cirurgia cardiovascular, diabetes, hiperlipidemia (concentraes elevadas de gordura, como colesterol e triglicerdeos, no sangue) tabagismo, abuso de lcool, obesidade, sedentarismo, entre outros (Adams & Victor, 1998; Grupo de Estudo das Doenas Cerebrovasculares, 1995; Santana, 2006).

Apesar de a Demncia Vascular ser uma forma de demncia no reversvel ela pode ser prevenida (Santana, 2005). A preveno primria diz respeito vigilncia adequada dos factores de risco vascular e a preveno secundria engloba a vigilncia e a implementao de medicao anti-agregante e anticoagulante (Santana, 2006).

A Demncia Vascular parece ser a segunda forma de demncia mais frequente, sendo responsvel por 20% a 30% dos casos de demncia diagnosticados, admitindo-se que em pases como Portugal esta estimativa seja ainda mais elevada devido significativa prevalncia de H.T.A. e de A.V.C.s (Santana, 2005). O incio da Demncia Vascular parece ser mais precoce comparativamente Demncia de Alzheimer (A.P.A., 2000/2002), embora uma idade mais avanada continue a ser um factor de risco (Spar & La Rue, 2002/2005). Esta doena mais frequente no sexo masculino e entre sujeitos com baixo nvel de instruo (Spar & La Rue, 2002/2005).

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Fisiopatologia da Demncia Vascular

A grande maioria das formas de Demncia Vascular consequncia da ocluso (entupimento / encerramento) arterial por um mbolo de origem cardio-vascular ou por degenerescncia aterosclertica (Adams & Victor, 1998).

De acordo com a localizao da leso vascular consideram-se geralmente dois grupos. So eles: Doena de Grandes Vasos e Doena de Pequenos Vasos (Santana, 2006). A primeira designao (Doena de Grandes Vasos) engloba a Demncia por Multi-Enfartes e a Demncia por Enfarte Estratgico (Santana, 2006). A Demncia por Multi-Enfartes resulta de leses mltiplas que cobrem uma zona relativamente extensa do crebro originando dfices cognitivos e dificuldades motoras e sensitivas (Santana, 2006). Por sua vez, a Demncia por Enfarte Estratgico consequncia de uma nica leso, normalmente de pequena dimenso, mas que, devido localizao em reas importantes para as funes mnsicas, tem um grande impacto cognitivo (Santana, 2006). A Doena de Pequenos Vasos abrange o chamado Estado Lacunar que resulta do encerramento / entupimento de artrias perfurantes em consequncia de fenmenos de H.T.A., diabetes ou associado idade e que culmina em vrios enfartes subcorticais de pequenas dimenses (lacunas), e a Doena de Binswanger (tambm conhecida por Encefalopatia Isqumica Subcortical), que corresponde a leses graves e extensas em consequncia dos mesmos factores de risco e das mesmas alteraes circulatrias do Estado Lacunar, com a particularidade de o territrio vascular envolvido dizer respeito a artrias medulares (Santana, 2006).

A degenerescncia vascular pode, no entanto, ter origem noutras causas muito mais raras. Assim, a leso vascular resulta, por vezes, do facto de se dar, em determinadas artrias, uma acumulao de certas protenas (como por exemplo, a protena amilide possivelmente originadora das chamadas Angiopatias Amiloidticas Cerebrais), ou de certos produtos (que podero provocar Arteriopatia Cerebral Autossmica Dominante com Enfartes Sub-corticais e Leucoencefalopatia CADASIL que caracterizada por uma alterao da camada mdia de artrias e arterolas, a qual se apresenta adensada devido ao depsito de material), ou ainda de algum tipo de inflamao (Santana, 2006).

Na Figura 3 apresenta-se um esquema sntese da fisiopatologia da Demncia Vascular.

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Fisiopatologia da Demncia Vascular Doena de Grandes Vasos: Demncia por Multienfartes; Demncia por Enfarte Estratgico. Doena de Pequenos Vasos: Estado Lacunar; Doena de Binswanger. Outros Mecanismos: Angiopatia Amiloidtica Cerebral; Arteriopatia Autossmica Dominante (CADASIL); Infiltrado Inflamatrio.

com

Enfartes

Sub-corticais

e

Leucoencefalopatia

Figura 3. Fisiopatologia da Demncia Vascular (adaptado de Santana, 2006)

Manifestaes Clnicas A Demncia Vascular clinicamente semelhante a outras demncias. No entanto,

existem certas caractersticas exclusivas da Demncia Vascular, na presena das quais se pode realizar o seu diagnstico.

Assim, o incio da demncia tipicamente abrupto, seguido por uma evoluo em escada ou em degraus, com flutuaes do dfice cognitivo e caracterizada por alteraes rpidas no funcionamento em vez de uma progresso lenta (como acontece na Demncia de Alzheimer) (A.P.A., 2000/2002). Essas alteraes no funcionamento cognitivo e nas manifestaes comportamentais e psicolgicas acontecem em consequncia da ocorrncia de episdios vasculares (A.V.C.s) (Santana, 2006).

Na Demncia Vascular o defeito de memria recente geralmente menos severo do que na Demncia de Alzheimer, embora existam alteraes significativas na memria de trabalho (Santana, 2006). Verificam-se, habitualmente desde o incio da doena, graves complicaes a nvel motor (dificuldades no que respeita marcha, que normalmente uma marcha de pequenos passos), complicaes a nvel sensitivo / sensorial, incontinncia urinria precoce, lentificao psicomotora, dificuldades de concentrao e de planeamento, labilidade emocional com irritabilidade, pobreza da mmica facial (Marques, Firmino et al., 2006), diversas queixas somticas e o aspecto em mosaico dos domnios cognitivos, o que se refere a uma espcie de ilhas relativamente bem preservadas de funcionamento que ocorrem em simultneo com reas relativamente deterioradas (Spar & La Rue, 2002/2005, p.191). A Demncia Vascular dever fazer-se acompanhar, ainda, de sinais neurolgicos focais, como

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Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

defeito dos campos visuais, defeito sensitivo, disartria (incapacidade em articular as palavras), sinal de Babinski (reflexo de extenso dos dedos por estimulao da planta do p), fraqueza de uma das extremidades, entre outros (Habib, 1989/2003; Mendona & Garcia, 2006).

Para alm da presena de sintomatologia, necessria a comprovao imagiolgica, ou atravs de tomografia axial computorizada (T.A.C.) ou ressonncia magntica nuclear, de A.V.C.s para que se possa estabelecer o diagnstico de Demncia Vascular (Mendona & Garcia, 2006).

Os critrios de diagnstico da A.P.A. (2000/2002) para Demncia Vascular encontram-se resumidos na Figura 4.

Critrios de Diagnstico para Demncia Vascular A. Desenvolvimento de dfices cognitivos mltiplos manifestados por: 1) Diminuio da memria. 2) Uma (ou mais) das seguintes perturbaes cognitivas: (a) afasia; (b) apraxia; (c) agnosia; (d) perturbao na capacidade de execuo. B. Os dfices cognitivos dos Critrios A1 e A2 causam deficincias significativas no funcionamento social ou ocupacional e representam um declnio significativo em relao a um nvel prvio de funcionamento. C. Sinais e sintomas neurolgicos focais ou evidncia laboratorial de doena cerebrovascular que se pensa estarem etiologicamente relacionados com a perturbao. D. Os dfices no ocorrem exclusivamente durante a evoluo de um delirium. Figura 4. Critrios de Diagnstico para Demncia Vascular (adaptado de A.P.A., 2000/2002)

6.3. Demncia de Parkinson

A programao e a execuo dos movimentos esto a cargo de um conjunto de ncleos designados de ncleos basais (Coelho, Ferreira & Rosa, 2006). Estes estabelecem ligao entre si por intermdio de neurotransmissores (em especial a dopamina) (Hurtig, 1998) cuja carncia ou excesso vai originar perturbaes do movimento (Coelho et al., 2006). A degenerescncia progressiva dos neurnios que constituem os ncleos basais origina doenas caracterizadas por alterao da capacidade motora, sintomas vegetativos e dfices corticais (Coelho et al., 2006).

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Estudo de Caso de um Indivduo Idoso Demenciado

Em 1817, James Parkinson (mdico ingls) detectou que um grupo de clulas que constituem um ncleo no sistema nervoso central designado por substncia negra, se encontrava afectado, pois