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«Divertido, sombrio e pungente.» Jonathan Safran Foer Prémio Charles Bronfman 2016

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«Imensamente diver t ido.» The Times

«Etgar Keret é um génio.» New York Times

«Diver t ido, sombrio e pungente.» Jonathan Safran Foer

Se um rocket pode cair sobre nós a

qualquer momento, que importância

tem despejar o l ixo? E os pássaros do jogo

«Angry Birds», lançados raivosamente contra

pobres porquinhos, não lembram terror istas?

Com particular i ronia, Etgar Keret relata

neste l ivro histór ias de sete anos da sua vida:

o nascimento do fi lho, a terr ível histór ia

da sua irmã ultraor todoxa e dos seus onze

fi lhos, a trajetór ia dos seus pais

sobreviventes do Holocausto, encontros com

taxistas stressados, viagens de avião,

noitadas l i terár ias agitadas, ameaças

de bombas, a morte do pai.

Um l ivro extraordinário sobre a vida de hoje

em Israel e no mundo, onde o humor e a

emoção se combinam com uma boa dose

de absurdo.

P r é m i o C h a r l e s B r o n f m a n 2 0 1 6

OBRAS DE ETGAR KERETNA SEXTANTE EDITORA

Sete anos bons

O motorista de autocarro que queria ser Deus (a publicar)

ISBN 978-989-676-177-6

07241.10

9 7 8 9 8 9 6 7 6 1 7 7 6

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© Egaroa via Foter.com / CC BY

Nascido em 1967 em Telavive, Etgar Keret

é um dos mais populares escritores

israelitas contemporâneos e as suas

obras estão traduzidas em mais de 25

l ínguas. A Sextante publicará também

em 2017 o seu l ivro de contos O motorista

de autocarro que queria ser Deus .

Sete anos bons foi galardoado

com o Prémio PEN inglês.

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Sete anos bonsEtgar Keret

Fic

ção

Traduzido do inglês por Lúcia Liba Mucznik

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A cópia ilegal viola os direitos dos autores.Os prejudicados somos todos nós.

Este livro respeita as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora.

Sete anos bonsEtgar Keret

Publicado em Portugal por:Sextante Editora (www.sextanteeditora.pt)

Título original: The Seven Good Years

© Etgar Keret, 2015© Porto Editora, 2016

Design da capa: Manuel PessoaFoto do autor: Egaroa via Foter.com/CC BY

1.a edição: outubro de 2016

Sextante Editora é uma chancela daPorto EditoraEmail: [email protected]

Execução gráfica Bloco Gráfico, Lda.Unidade Industrial da Maia.

DEP. LEGAL 413218/16 ISBN 978-989-676-177-6

Distribuição Porto Editora

Rua da Restauração, 3654099-023 PortoPortugal

www.portoeditora.pt

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Para a minha Mãe

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Índice

Ano 1Subitamente, voltamos ao mesmo 11Bebé grande 15Ponto contra ponto 19O que faz falta é uma guerra a sério 23

Ano 2(In)sinceramente seu 29Meditação em voo 33Lagarto, lagarto, lagarto 37O judeu que há em nós 42Requiem para um sonho 46Era uma vez na Sicília 52

Ano 3Discórdia no parque infantil 59Yom Kipur 64Guerra de fósforos 68Idolatria 72

Ano 4Abaixo as bombas 79O que é que aquele senhor disse? 84

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Etgar Keret

A minha lamentada irmã 88Passarinhos e passarões 95

Ano 5Pátria imaginária 103Gatos Maraus 106Fiteiro 111Um pecador como qualquer outro 115Primeira estória 118O último a ficar de pé 121Shekel Disney 125

Ano 6Nada a perder 133Festa do pijama 138Os meninos não choram 142Acidente 144Um bigode para o meu filho 149Amor ao primeiro whisky 153

Ano 7Shiva 161Nas pegadas do meu pai 165Agridoce 169Não é má pessoa 174Pastrami 179

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Ano 1

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Sete anos bons

Subitamente, voltamos ao mesmo

«Odeio atentados terroristas», diz a enfermeira ma-grinha à mais velha. «Queres uma pastilha elástica?»

A mais velha pega numa pastilha e anui. «Que remé-dio?!», diz. «Eu também detesto as urgências.»

«Não estou a falar das urgências», insiste a magrinha. «Não tenho problemas com acidentes e coisas do gé-nero. É dos atentados terroristas que estou a falar. Tor-nam tudo feio.»

Sentado no banco à entrada da maternidade, penso que ela não deixa de ter razão. Cheguei aqui há apenas uma hora, todo excitado, com a minha mulher e um ta-xista maníaco de limpeza que a única coisa que receava quando as águas da minha mulher rebentaram era que lhe estragassem os estofos. E  agora estou sentado no corredor, cabisbaixo, à espera que o pessoal volte das urgências. Todos, menos as duas enfermeiras, foram ajudar a tratar das pessoas feridas no atentado. As con-trações da minha mulher também espaçaram. E é prová-vel que o próprio bebé sinta que esta história de nascer já não seja tão urgente. A caminho da cafetaria, alguns feridos passam em macas que chiam. No táxi para o hos-pital, a minha mulher gritava como louca, mas toda esta gente está silenciosa.

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Etgar Keret

«Você é o Etgar Keret?», pergunta-me um tipo com uma camisa aos quadrados. «O escritor?» Eu aceno com relu-tância. «Bem, sabe-se lá», diz ele, tirando um minúsculo gravador do saco. «Onde estava você quando aquilo acon-teceu?», pergunta ele. Como eu hesitei um segundo, ele diz querendo mostrar empatia: «Leve o tempo de que pre-cisar. Não se sinta pressionado. Você sofreu um trauma.»

«Eu não estava no ataque», explico. «Estou hoje aqui por coincidência. A minha mulher está a dar à luz.»

«Oh», diz ele, sem esconder o desapontamento, e carrega no botão do gravador. «Mazal tov». Senta-se ao meu lado e acende um cigarro.

«Talvez deva tentar entrevistar outra pessoa», sugiro, procurando afastar da minha cara o fumo do Lucky Strike. «Há pouco vi levarem duas pessoas para o ser-viço de neurologia.»

«Russos», diz ele suspirando, «não pescam uma palavra de hebraico. De qualquer modo não nos deixam entrar no serviço de neurologia. Este é o meu sétimo atentado neste hospital, e já conheço os truques deles todos.» Um minuto passa sem que nenhum de nós fale. Ele deve ter uns dez anos a menos do que eu, mas já começa a ter entradas. Quando me apanha a olhar para ele, sorri e diz, «É pena que você não estivesse lá. A reação de um escritor seria uma coisa boa para o meu artigo. Alguém original, com um pouco de visão. Depois dos atentados, obtenho sem-pre as mesmas reações: “De repente ouvi um bum”, “Não sei o que aconteceu”, “Havia sangue por todo o lado.” É cansativo, não acha?»

«A culpa não é deles», digo eu. «Os atentados são sem-pre iguais. Que espécie de coisa original se pode dizer acerca de uma explosão e da morte sem sentido?»

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Sete anos bons

«Não faço a menor ideia», diz ele encolhendo os om-bros. «Você é que é o escritor.»

Algumas pessoas de bata branca começam a voltar das urgências a caminho da maternidade. «Você é de Te-lavive», diz-me o repórter, «por que carga de água é que veio ter o filho neste buraco?»

«Queríamos que fosse um parto natural; o departa-mento deles aqui…»

«Natural?», interrompe ele, com um risinho de troça. «Será que um minorca com um tubo pendurado do um-bigo a sair da vagina da sua mulher é uma coisa natural?» Eu nem sequer tento responder. Mas ele continua: «Eu disse à minha mulher, se quiseres ter um filho, só por ce-sariana, como na América. Não quero que um puto te esti-que e deixe toda deformada para mim. Hoje em dia, só em países primitivos como este é que as mulheres dão à luz como animais. Yallah, ao trabalho.» Começa a levantar-se, e faz nova tentativa. «Mas talvez tenha algo a dizer sobre o atentado?», pergunta. «Mudou alguma coisa para si? Por exemplo, o nome que vai dar ao bebé ou uma coisa assim, sei lá.» Eu sorrio, desculpando-me. «Não faz mal», diz ele piscando o olho. «Espero que corra tudo bem, amigo.»

Seis horas depois, um minorca com um tubo pendu-rado do umbigo emerge da vagina da minha mulher e desata imediatamente a berrar. Eu procuro acalmá-lo, convencê-lo de que não há nada com que se preocupar. Que quando ele for crescido, as coisas aqui no Médio Oriente estarão resolvidas: a paz reinará, não haverá mais atentados terroristas. E se excecionalmente houver um na semana dos nove dias, haverá sempre alguém original, al-guém com um pouco de visão para o descrever na perfei-ção. Ele acalma-se por momentos, a ponderar o que fazer

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Etgar Keret

a seguir. É suposto ele ser ingénuo – já que é um recém--nascido – mas nem ele próprio acredita naquilo e, após um segundo de hesitação e um pequeno soluço, recomeça a chorar.

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Sete anos bons

Bebé grande

Quando eu tinha sete anos, os meus pais levaram-me à Europa. O melhor momento da viagem não foi o Big Ben ou a Torre Eiffel, mas o voo de Israel para Londres – e, especificamente, a refeição. Na bandeja havia uma lata minúscula de Coca-Cola e, ao lado dela, uma caixinha de cornflakes pouco maior do que um pacote de cigarros.

A  minha surpresa perante aquelas embalagens-mi-niatura transformou-se em verdadeiro deslumbramento quando os abri e descobri que a Coca tinha o mesmo gosto do das latas de tamanho normal e que os cornflakes também eram reais. Tenho dificuldade em explicar a ori-gem daquele deslumbramento. Afinal de contas aquilo não passava de um refrigerante e de cereais de pequeno--almoço em embalagens muito mais pequenas, mas, quando eu tinha sete anos, estava convencido de que tes-temunhava um milagre.

Agora, trinta anos mais tarde, sentado na minha sala em Telavive a olhar para o meu filho de duas semanas, tenho exatamente o mesmo sentimento: eis aqui um homem que não pesa mais de quatro quilos – mas lá dentro está zan-gado, aborrecido, assustado e calmo, tal e qual como qual-quer homem deste planeta. Ponham-lhe um fato completo e um Rolex, uma pasta minúscula na mão e larguem-no

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no vasto mundo, começará logo a negociar, a batalhar e a fechar contratos sem pestanejar. Não fala, é verdade. E suja-se alegremente. Sou o primeiro a reconhecer que tem de aprender duas ou três coisas antes de ser chutado para o espaço ou autorizado a pilotar um F-16. Mas, basi-camente, é uma pessoa completa dentro de uma embala-gem de cinquenta centímetros. E não apenas uma pessoa qualquer, mas uma pessoa muito especial, excêntrica, uma verdadeira personalidade. Do tipo das que respeita-mos, mas não compreendemos totalmente. Porque, como todas as personalidades complexas, independentemente da sua altura ou do peso, tem muitas facetas.

Meu filho, o iluminado: eu que li muito acerca do bu-dismo e assisti a duas ou três conferências dadas por gurus e até cheguei a ter diarreia na Índia, tenho de dizer que o meu filho bebé é a primeira pessoa iluminada que jamais encontrei. Vive realmente no presente: nunca guarda rancor, nem teme o futuro. É totalmente falho de ego. Nunca procura defender a sua honra ou reivindicar um mérito qualquer. A propósito, os avós já lhe abriram uma conta-poupança e, sempre que o embala no berço, o avô fala-lhe do ótimo juro que conseguiu para ele e do pé-de-meia que ele terá à sua disposição, com base numa taxa de inflação média de um dígito, daqui a vinte e um anos, quando a conta vencer. O pequeno não responde. Mas quando o avô calcula as percentagens relativamente à taxa de juro preferencial, eu noto o aparecimento de algumas rugas na testa do meu filho – as primeiras fissu-ras na parede do seu nirvana.

Meu filho, o junkie: peço desculpa a todos os viciados e ex-viciados que lerem isto mas, com todo o devido res-peito por eles e pelo seu sofrimento, tenho de dizer que

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nenhuma tara chega à do meu filho. Como todos os ver-dadeiros viciados, não tem, no que respeita a passatem-pos e ao contrário das outras pessoas, a possibilidade de escolher entre várias atividades familiares – a leitura de um bom livro, um passeio de fim de tarde, um jogo na te-levisão. Para ele há apenas duas possibilidades: o seio ou o inferno. «Deixa lá, não tarda vais descobrir o mundo – miúdas, álcool, apostas ilegais online», digo eu, tentando tranquilizá-lo. Mas enquanto tal não acontecer, ambos sabemos que apenas existe o seio. Felizmente para ele e para todos nós, tem uma mãe provida de dois. No pior dos casos, se um falhar, há sempre o sobresselente.

Meu filho, o psicopata: Às vezes quando acordo de noite e vejo a sua pequena figura a agitar-se na cama perto de mim, como um brinquedo a gastar as pilhas, produzindo ruídos estranhos, não consigo deixar de o comparar na minha imaginação ao diabólico boneco Chucky do filme de terror Brinquedo Assassino. São da mesma altura, têm o mesmo temperamento e para eles nada é sagrado. É isso que é verdadeiramente chocante no meu filho de duas semanas: não tem ponta de moralidade, nem uma pitada. Racismo, desigualdade, insensibilidade, globaliza-ção – está-se completamente nas tintas. Nada o interessa para além das suas pulsões e desejos imediatos. Para ele, os outros podem ir para o inferno ou juntar-se à Green-peace. A única coisa que quer e já é leite fresco ou alívio para a assadura do rabo. E se para o obter o mundo tiver de ser destruído, mostrem-lhe o botão. Não hesitará em premi-lo.

Meu filho, o judeu que se odeia a si próprio…«Não achas que já chega?», diz a minha mulher, in-

terrompendo. «Em vez de inventares essas acusações

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Etgar Keret

histéricas contra o teu adorável filho, porque não fazes algo de útil e lhe mudas a fralda?»

«OK», digo. «OK, estava mesmo a acabar.»

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