exegese em i joão - parte i
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1ª Parte da exegese de 1Jo.2.1-6TRANSCRIPT
GLADSON PEREIRA DA CUNHASILVINO DA CUNHA DIAS
Exegese em I João 2.1-6
Exegese apresentada ao Seminário Teológico
Presbiteriano Rev. Denoel Nicodemos Eller
atendendo as exigências da disciplina de Exegese
em Epístolas Gerais.
Professor: Rev. Ms. José João de Paula
BELO HORIZONTE
2004
ÍNDICE
1 TEXTO – I JOÃO 2.1-6..................................................................................................................4
1.1 Texto Original....................................................................................................4
2 ANÁLISE MORFOLÓGICA...........................................................................................................4
3 TRADUÇÃO.................................................................................................................................. 7
3.1 Tradução Literal................................................................................................7
3.2 Tradução Pessoal.............................................................................................7
4 GÊNERO LITERÁRIO...................................................................................................................8
5 ESTRUTURA DO CONTEXTO....................................................................................................10
5.1 Contexto Anterior [].........................................................................................10
5.2 Contexto Posterior [].......................................................................................10
6 CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................................................10
6.1 Autor...............................................................................................................11
Evidências Externas...........................................................................................11
Evidências Internas............................................................................................13
6.2 Data e Local....................................................................................................15
6.3 Conteúdo........................................................................................................15
6.4 Propósito.........................................................................................................17
6.5 Destinatário.....................................................................................................20
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................... 21
4
1 TEXTO – I JOÃO 2.1-6
1.1 Texto Original1
v.1 Tekni/a mou, tau=ta gra/fw u(mi=n i(/na mh\ a(ma/rthte. kai\ e)a/n tij
a(ma/rtv, para/klhton e)/xomen pro\j to\n pate/ra )Ihsou=n Xristo\n
di/kaion:
v.2 kai\ au)to\j i(lasmo/j e)stin peri\ tw=n a(martiw=n h(mw=n, ou) peri\
tw=n h(mete/rwn de\ mo/non a)lla\ kai\ peri\ o(/lou tou= ko/smou.
v.3 Kai\ e)n tou/t% ginw/skomen o(/ti e)gnw/kamen au)to/n, e)a\n ta\j
e)ntola\j au)tou= thrw=men.
v.4 o( le/gwn o(/ti )/Egnwka au)to/n kai\ ta\j e)ntola\j au)tou= mh\ thrw=n,
yeu/sthj e)sti/n kai\ e)n tou/t% h( a)lh/qeia ou)k e)/stin:
v.5 o(\j d' a)\n thrv= au)tou= to\n lo/gon, a)lhqw=j e)n tou/t% h( a)ga/ph
tou= qeou= tetelei/wtai, e)n tou/t% ginw/skomen o(/ti e)n au)t%= e)smen.
v.6 o( le/gwn e)n au)t%= me/nein o)fei/lei kaqw\j e)kei=noj periepa/thsen
kai\ au)to\j [ou(/twj] peripatei=n.
2 ANÁLISE MORFOLÓGICA2
Palavra Análise Morfológica Raiz Tradução
v.1Tekni/a Substantivo Vocativo Neutro Plural tekni/on Filhinhos
mou, Pronome Possessivo Genitivo Singular e)gw/ meu
tau=ta Pronome Demonstrativo Acusativo Neutro Plural ou(=toj isto
gra/fw Verbo Presente Indicativo Ativo - 1ª Pessoa Singular gra/fw estou escrevendo
u(mi=n Pronome Demonstrativo Dativo Plural su/ à vós
i(/na Conjunção Subordinativa Final i(/na a fim de que
mh\ Advérbio de Negação mh/ não
a(ma/rthte. Verbo Aoristo Subjuntivo Ativo - 2ª Pessoa Plural a(marta/nw pequeis
kai\ Conjunção Coordenativa Aditiva kai/ e
e)a/n Conjunção Subordinativa Condicional e)a/n se
tij Pronome Indefinido Nominativo Masculino Singular ti\j alguém
a(ma/rtv, Verbo Aoristo Subjuntivo Ativo - 3ª Pessoa Singular a(marta/nw peque
para/klhton Substantivo Acusativo Masculino Singular para/klhtoj advogado
e)/xomen Verbo Presente Indicativo Ativo - 1ª Pessoa Plural e)/xw temos
1 SILVER MOUTAIN SOFTWARE. Bible for Windows, v.2.1, 1993. O texto utilizado neste programa está de acordo com a United Bible Society 4th Edition.
2 Cf. FRIBERG, Barbara, FRIBERG, Timothy, O Novo Testamento Grego Analítico, São Paulo: Edições Vida Nova,1987; SILVER MOUTAIN SOFTWARE. Bible for Windows, v.2.1, 1993; ALAND, Kurt [ed.]. The Greek New Testament 3rd Edition. Germany: United Bible Society, 1975. GINGRICH, F. Wilbur, DANKER, Frederick, Léxico do Novo Testamento Grego/Português. São Paulo: Edições Vida Nova, 2001; The Analytical Greek Lexicon. London: Samuel Bagster and Sons, Limited, 1972.
5
pro\j Preposição pro/j diante de
to\n Artigo Acusativo Masculino Singular o( o
pate/ra Substantivo Acusativo Masculino Singular path/r Pai
)Ihsou=n Substantivo Acusativo Masculino Singular )Ihsou=j Jesus
Xristo\n Substantivo Acusativo Masculino Singular Xristo/j Cristo
di/kaion: Adjetivo Acusativo Masculino Singular di/kaioj Justo
v.2kai\ Conjunção Coordenativa Aditiva kai/ e
au)to\j Pronome Pessoal Nominativo Masculino Singular au)to/j ele
i(lasmo/j Substantivo Nominativo Masculino Singular i(lasmo/j oferta pelo pecado
e)stin Verbo Presente Indicativo Ativo - 3ª Pessoa Singular ei)mi/ é
peri\ Preposição peri/ por causa
tw=n Artigo Genitivo Feminino Plural o( dos
a(martiw=n Substantivo Genitivo Feminino Plural a(marti/a pecado
h(mw=n, Pronome Possessivo Genitivo Plural e)gw/ nossos
ou) Advérbio de Negação ou) não
peri\ Preposição peri/ por causa
tw=n Artigo Genitivo Feminino Plural o( dos
h(mete/rwn Adjetivo Genitivo Feminino Plural h(me/teroj nossos
de\ Conjunção Adversativa de/ mas
mo/non Adjetivo Acusativo Neutro Singular mo/noj apenas
a)lla\ Conjunção a)lla/ mas
kai\ Advérbio kai/ também
peri\ Preposição peri/ por causa
o(/lou Adjetivo Genitivo Masculino Singular o(/loj todo
tou= Artigo Genitivo Masculino Singular o( do
ko/smou. Substantivo Genitivo Masculino Singular ko/smoj mundo
v.3Kai\ Conjunção Coordenativa Aditiva kai/ e
e)n Preposição e)n em
tou/t% Pronome Demonstrativo Dativo Neutro Singular ou(=toj isto
ginw/skomen Verbo Presente Indicativo Ativo - 1ª Pessoa Plural ginw/skw conhecemos
o(/ti Conjunção Causal o(/ti porque
e)gnw/kamen Verbo Perfeito Indicativo Ativo - 1ª Pessoa Plural ginw/skw conhecemos
au)to/n Pronome Pessoal Acusativo Masculino Singular au)to/j ele
e)a\n Conjunção e)a/n se
ta\j Artigo Acusativo Feminino Plural o( os
e)ntola\j Substantivo Acusativo Feminino Plural e)ntolh/ mandamentos
au)tou= Pronome Possessivo Genitivo Singular au)to/j dele
thrw=men. Verbo Presente Subjuntivo Ativo - 1ª Pessoa Plural thre/w obedecemos
v.4o( Artigo Nominativo Masculino Singular o( o
le/gwn Verbo Nominativo Masculino Singular Particípio le/gw que diz 3
3 Esta forma de tradução é recomendada por Schalkwijk como uma possibiliade para a tradução dos particípios adjetivais. Cf. SCHALKWIJK, Francisco Leonardo. Coinê - Pequena Gramatica do Grego Neotestamentário. Patrocínio: CEIBEL, 1998. 82, § 340
6
Presente Ativoo(/ti Conjunção Subordinativa Causal o(/ti porque
)/Egnwka Verbo Perfeito Indicativo Ativo - 1ª Pessoa Substantivo ginw/skw conheço
au)to/n Pronome Pessoal Acusativo Masculino Singular au)to/j a ele
kai\ Conjunção kai/ e
ta\j Artigo Acusativo Feminino Plural o( os
e)ntola\j Substantivo Acusativo Feminino Plural e)ntolh/ mandamentos
au)tou= Pronome Possessivo Genitivo Singular au)to/j dele
mh\ Advérbio mh/ não
thrw=n, Verbo Nominativo Masculino Singular Particípio Presente Ativo thre/w obedecendo
yeu/sthj Substantivo Nominativo Masculino Singular yeu/sthj mentiroso
e)sti/n Verbo Presente Indicativo Ativo - 3ª Pessoa Singular ei)mi/ é
kai\ Conjunção Coordenativa Aditiva kai/ e
e)n Preposição e)n em
tou/t% Pronome Demonstrativo Dativo Masculino Singular ou(=toj este
h( Artigo Nominativo Feminino Singular o( a
a)lh/qeia Substantivo Nominativo Feminino Singular a)lh/qeia verdade
ou)k Advérbio ou) não
e)/stin: Verbo Presente Indicativo Ativo - 3ª Pessoa Singular ei)mi/ está
v.5o(\j Pronome Relativo Nominativo Masculino Singular o(/j quem
de/ Conjunção Coordenativa Adversativa de/ pois
a)\n Conjunção Subordinativa Condicional a)/nthrv= Verbo Presente Subjuntivo Ativo - 3ª Pessoa Singular thre/w obedece
au)tou= Pronome Possessivo Genitivo Singular au)to/j a ele
to\n Artigo Acusativo Masculino Singular o( a
lo/gon, Substantivo Acusativo Masculino Singular lo/goj palavra,
a)lhqw=j Advérbio a)lhqw=j verdadeiramente
e)n Preposição e)n em
tou/t% Pronome Demonstrativo Dativo Masculino Singular ou(=toj este
h( Artigo Nominativo Feminino Singular o( o
a)ga/ph Substantivo Nominativo Feminino Singular a)ga/ph amor
tou= Artigo Genitivo Masculino Singular o( do
qeou= Substantivo Genitivo Masculino Singular qeo/j Deus
tetelei/wtai Verbo Perfeito Indicativo Passivo - 3ª Pessoa Singular teleio/w é aperfeiçoado
e)n Preposição e)n em
tou/t% Pronome Demonstrativo Dativo Neutro Singular ou(=toj isto
ginw/skomen Verbo Presente Indicativo Ativo - 1ª Pessoa Plural ginw/skw conhecemos
o(/ti Conjunção o(/ti que
e)n Preposição e)n em
au)t%= Pronome Pessoal Dativo Singular Masculino au)to/j ele
e)smen. Verbo Presente Indicativo Ativo - 1ª Pessoa Plural ei)mi/ estamos
v.6o( Artigo Nominativo Masculino Singular o( o
le/gwn Verbo Nominativo Masculino Singular Particípio Presente Ativo le/gw que diz
7
e)n Preposição e)n em
au)t%= Pronome Pessoal Dativo Singular Masculino au)to/j a ele
me/nein Verbo Presente Infinitivo Ativo me/nw permanece
o)fei/lei Verbo Presente Indicativo Ativo - 3ª Pessoa Singular o)fei/lw deve
kaqw\j Conjunção kaqw/j assim como
e)kei=noj Pronome Demonstrativo Nominativo Masculino Singular e)kei=noj ele
periepa/thsen Verbo Aoristo Indicativo Ativo - 3ª Pessoa Singular peripate/w andou
kai\ advérbio kai/ também
au)to\j Pronome Pessoal Nominativo Masculino Singular au)to/j ele
[ou(/twj] Advérbio ou(/tw igualmente
peripatei=n. Verbo Presente Infinitivo Ativo peripate/w andar
3 TRADUÇÃO
Após o trabalho anterior podemos apresentar as seguintes traduções para o
presente trecho:
3.1 Tradução Literal1Filhinhos meu, isto estou escrevendo à vós a fim de que não pequeis e se alguém
peque advogado temos diante de o Pai Jesus Cristo Justo. 2E ele oferta pelo
pecado é por causa dos pecados nossos não por causa dos nossos mas apenas
mas também por causa todo do mundo. 3E em isto conhecemos porque
conhecemos ele se os mandamentos dele obedecemos 4o que diz porque conheço a
ele e os mandamentos dele não obedecendo mentiroso é e em este a verdade não
está. 5Quem pois obedece a ele a palavra, verdadeiramente em este o amor do
Deus é aperfeiçoado em isto conhecemos que em ele estamos: 6o que diz em a ele
permanece deve assim como ele andou também ele igualmente andar.
3.2 Tradução Pessoal1 Meus filhinhos, isto [que] estou escrevendo é para que vocês não pequem e se
[mesmo assim] alguém pecar, [quero que saibam] temos um advogado diante do
Pai, Jesus Cristo, [o]Justo. 2 Ele é [a] oferta pelo pecado pelos nossos pecados, não
apenas por causa dos nossos [pecados], mas também por causa [dos pecados] de
todo o mundo. 3 E [nós o] conhecemos, porque se obedecemos os seus
mandamentos [passamos] a conhecê-lo. 4 Porque aquele que diz: “Conheço a
Deus!” Torna-se um mentiroso quando não obedecer os seus mandamentos. e neste
não está a verdade. 5 Porque quem obedece à sua palavra, nele verdadeiramente o
amor do Deus é aperfeiçoado. E sabemos que estamos nele por causa disto: 6aquele que afirma que permanece nele, deve andar da mesma forma como ele
andou.
8
4 GÊNERO LITERÁRIO
A definição de um gênero literário é de fundamental importância para o auxílio
de uma correta interpretação bíblica, o qual é o objetivo maior de uma exegese. Isto
porque, de certo modo, ele determinará o modo como o autor deverá escrever e
dispor o seu trabalho. Isto é verdade para qualquer gênero literário, inclusive em
relação as epistolas, grupo como o qual temos trabalhado desde o último semestre.
Quando referimos as epístolas, estamos falando de aproximadamente oitenta
por cento de todo o conteúdo do Novo Testamento. Três destes documentos são
atribuídos à apóstolo João, sendo este o segundo maior autor em termos de número
de epístolas escritas, entre as quais esta a Primeira Epistola de João,4 a qual será o
nosso objeto de estudo durante este semestre.
Como já vimos no último trabalho acerca da epistolas paulinas, alguns
eruditos tentaram criar uma metodologia para definir as diferenças entre cartas e
epístolas, como fez Adolf Deissmann,5 algo que julgamos irrelevante para o atual
estudo. Contudo, a grande maioria hoje entende que é impossível estabelecer
qualquer distinção entre cartas particulares ou públicas,6 mesmo que seja a distinção
entre cartas mais ou menos privada como faz W. G. Doty.7 É uma tentativa ingrata
fazer alguma distinção entre os “modelos”, portanto, falar em carta ou epístola é se
apropriar de sinônimos.
No entanto, devemos ter em mente que existem elementos básicos que
compõem a forma literária de um documento epistolar, e que estes traços como em
qualquer outro gênero literário são importantes para garantir ao texto o caráter
próprio de um determinado gênero. Neste caso, segundo Kümmel, uma epístola é
formada basicamente por uma fórmula de saudação composta do nome do
remetente e do destinatário, seguido de uma oração em ação de graças e uma
pequena introdução ao assunto que se pretende. Desenvolvido o conteúdo, temos a
4 A fim de facilitar a redação deste texto fica convencionado o uso da expressão Primeira Epístola para nos referirmos à Primeira Epistola de João. Havendo necessidade de referências as demais epistolas joaninas, faremos uso da grafia corrente.
5 CARSON, D. A., MOO, Douglas J. e MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2001. 262
6 Ibid.,2627 DOTY, W.G. The Classification of Epistolary Literature, Em: The Catholic Biblical
Quarterly, nº31. 1969. 183-184
9
conclusão que é composta de uma mensagem de saudação e votos de felicidade
para o destinatário e pessoas próximas dele conhecidas do remetente.8
Por causa desse padrão que o gênero epistolar um grande problema é criado
na definição do gênero literário da primeira epístola , isto é, ela não exibe nenhuma
característica formal que normalmente acompanham as cartas gregas do séc.I.9
Como tais características estão ausentes no corpo do documento muitos eruditos do
Novo Testamento procuram formas alternativa para estabelecer o gênero desse
documento. Assim, Kümmel considera a primeira epístola como uma espécie de
tratado dirigido a toda a cristandade, uma manifesto que não deve ser encarado
como uma epístola circunscrita a uma comunidade cristã específica.10
De opinião diferente, Barclay, mesmo percebendo a existência de um caráter
intensamente pessoal, prefere definir a primeira epístola como um “sermão amoroso
e ansioso” de um velho pastor, que numa demonstração de amor e cuidado pelo
rebanho, envia-lhe uma exortação, a qual também poderia ser enviada a outras
comunidades.11
Um terceiro e viável caminho é oferecido pela síntese dos argumentos de
Guthrie e Carson, a qual julgamos mais interessante. Para Guthrie a resposta mais
satisfatória é que a primeira epístola foi escrita para um grupo de pessoas, por certo
várias comunidade da Ásia Menor, com as quais o autor tinha mais familiaridade.12
Isso justificaria o fato de podermos perceber ao mesmo tempo uma atitude
abrangente do autor, como vê Kümmel, e um caráter intensamente pessoal, como
percebe Barclay. Mas quanto a forma incomum desta epístola? Nesse ponto, Carson
argumenta que esta forma é o resultado da intenção do autor em enviar uma cópia à
várias comunidades junto com um “bilhete” anexo que personalizava cada entrega.13
A Primeira Epístola de João é, portanto, uma carta escrita para ser lida como uma
8 KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Edições Paulinas, 1982. 317
9 CARSON et tal. Introdução ao Novo Testamento.493. Esta conclusão é mesma que outros autores chegaram: KÜMMEL. Introdução ao NT, 574; BARCLAY, William. El Nuevo Testamento Comentado – Vol.15. Buenos Aires: Editora La Aurora, 1974. 9; GUTHRIE, Donald. New Testament Introduction. London: Inter-Varsity Press, 1970. 873;
10 KÜMMEL. Introdução ao NT, 574-575. Martin Dibelius e Adolf Deissmann consideram a epístola de João como um anexo ao quarto evangelho, funcionando como uma espécie de explicação do mesmo, cf. GUTHRIE. New Testament Introduction. 874
11 BARCLAY. El Nuevo Testamento Comentado. 912 GUTHRIE. New Testament Introduction. 87413 CARSON et tal. Introdução ao Novo Testamento. 493
10
carta pastoral, evidenciando o desejo pela correta conduta da igreja diante das
várias situações de perigo que se levantada naqueles dias.
5 ESTRUTURA DO CONTEXTO
A partir da leitura e análise do contexto anterior e posterior da passagem em
estudo, chegamos à seguinte estrutura contextual:
5.1 Contexto Anterior [1Jo.1.5-10]
I. Deus é Luz – [v.5]
II. Andar na Luz é viver em comunhão com Deus e o próximo – [v.6-7]
III. Andar na Luz é confessar os pecados – [v.8-10]
5.2 Contexto Posterior [1Jo.2.7-11]
IV. O Amor ensinado por Jesus – [v.7]
V. O Amor visto em Jesus – [v.8]
VI. O Amor refletido na vida do cristão – [v.9-11]
6 CONTEXTO HISTÓRICO
Como já temos trabalhado a algum tempo, para uma boa compreensão de
uma passagem das Escrituras e para a sua correta interpretação, temos que
considerar o fato de que o texto bíblico está condicionado dentro de um contexto
histórico que proveu um ambiente no qual ele seria desenvolvido, de sorte que ele
traz consigo alguns deste elementos, os quais não foram desprezados por Deus no
ato da revelação e, portanto, não devem ser desprezados por nós no ato da
interpretação. Vejamos o que o contexto histórico desta epistola tem a nos dizer:
6.1 Autor
A autoria de um documento tem muito a dizer a respeito do próprio
documento. As características do autor, sua realidade, seu pensamento, sua
teologia tudo isso foi usado pelo Espírito Santo e encontram-se em cada sentença
por ele escrita. Deus respeitou a personalidade de cada um dos seus “amanuenses”
ao revelar-se de forma escrita. Portanto, esta personalidade preservada, de algum
modo pode nos auxiliar neste tipo de trabalho.
Novamente nos deparamos com a dificuldade mais comum ao definir a
autoria de um documento neotestamentário, isto é, o anonimato de seus autores.
11
Por motivos que desconhecemos, muitos dos autores do NT deixaram de identificar-
se na redação de seus documentos, o que é um prato cheio para que os críticos
possam minar elementos como a inspiração e autenticidade de tal documento,
embora mesmo os autores que se identificaram são duramente atacados pelo
criticismo. O caso da presente epistola não é diferente.
Mesmo que seu autor não se prestou ao trabalho de identificar-se
formalmente, entretanto, é possível uma definição de sua autoria através do que foi
escrito sobre e do que está escrito na epistola. Vejamos, então, as evidências que
nos auxiliarão neste processo.
Evidências Externas
Ao estudarmos as evidências externas existentes relativas à epistola de João,
podemos dividi-las em dois grupos: (a) alusões de escritores patrísticos, i.e., o uso
de expressões idênticas e com o mesmo sentido que encontrado no texto joanino, o
que dá a entender que tais autores conheciam o material desta epistola; (b)
afirmações sobre a autoria, i.e., indicações diretas que determinada porção citada
faz parte de uma documento apostólico cujo autor era João, o apóstolo.14
Neste primeiro grupo, encontramos alusões de diversos pais como Clemente
de Roma () que se refere ao povo de Deus como “aperfeiçoados no amor” (1Clem.
49.5; Cf. 1Jo.2.), ou ainda Policarpo de Esmirna (), discípulo do próprio João, que
em sua epistola aos filipenses faz uma afirmação muito próxima a de seu mestre
(Phil.7.1; cf. 1Jo.4.3).15 Essas alusões apontam para um conhecimento prévio do
conteúdo e mensagem da Epistola de João. Nestes casos os autores omitem que
tais expressões sejam de autoria joanina, entretanto, afirma Plummer, expressões
como a)nti/xristoj [lit. anticristo], no Novo Testamento, é peculiar à Epistolas de
João, ao passo que raramente são encontrados em escritos não-apostólicos, que se
tornam uma característica do apóstolo João.16
No segundo grupo, encontramos autores que afirmam expressamente que
estão utilizando material joanino em seus escritos. O primeiro autor a fazer isto foi
Papias de Hierápolis (c.140 A.D.), também discípulo de João e companheiro de
14 Este modo de estruturar este material está baseado no modo como Carson e demais autores apresentam estas evidências. Preferimos dividir em dois grupos apenas para efeitos didáticos, considerando que tais evidências são partes de um todo.
15 PLUMMER, Alfred [ed.] Cambridge Bible for Schools and Colleges – The Epistles of St. John. Cambridge: Cambridge University Press, 1954. 29
16 Ibid.,29
12
Policarpo,17 que segundo o historiador Eusébio fez uso dos testemunhos da Primeira
Epistola de João.18
Aqui cabe uma observação. Podemos perceber a existência de dois escritores
cristãos e contemporâneos entre si, que pertenciam ao círculo mais íntimo do
relacionamento de João e que de alguma forma fazem uso do material deste em
suas respectivas obras, assim, é possível afirmar que tanto Policarpo como Papias
são as mais antigas e próximas testemunhas desta autoria joanina desta epistola,
sendo, portanto, as principais evidências externas a favor de João. O outros pais
que fizeram citações e afirmaram a autoria de João fazem somente repetir os que
seus mestres disseram, por exemplo, Irineu de Lion (c.180 A.D.), discípulo de
Policarpo, que usou em seu Contra os Hereges várias citações da epistola de João,
atribuindo explicitamente a sua autoria ao Apóstolo (Adv. Haer.3.16.18).19
Podemos encontrar, ainda, referência à duas epístolas de João no Cânon de
Muratori, que é o documento mais antigo que se tem a respeito do cânon bíblico do
Novo Testamento, por ter sido escrito por volta do ano 150 A.D., uma vez que cita o
nome de Pio, bispo de Roma de 143 à 155 A.D.20 O texto do cânon diz que “entre os
escritos católicos, se contam uma epístola de Judas e duas do referido João”.21 É
interessante notar que o cânon indica apenas duas epístolas de João, que aliás é
considerado como o autor do Quarto evangelho, por isso o uso do particípio referido,
i.e., ele já havia sido citado anteriormente nesse fragmento. mas disso surge uma
questão: quais seriam estas duas epístolas? Plummer afirma que é incerto o
significado de “duas epístolas” e, portanto, é impossível dizer quais são. Porém,
esse mesmo autor dá uma resposta que entendemos como satisfatória. Ele afirma
que é desconhecido pessoas ou seitas que aceitam a Segunda e a Terceira
Epistolas e ao mesmo tempo rejeitam a Primeira.22
Evidências Internas
Quando voltamos para o texto em si podemos encontrar informações que
corroboram para a elucidação da autoria joanina deste documento. Muito diferente
17 Ibid.,2918 EUSÉBIO DE CESARÉIA. História Eclesiástica. Rio de Janeiro: CPAD, 2000. III : xxxix : 1619 CARSON, et al. Introdução ao Novo Testamento. 49520 Cânon de Muratori. Dinponível em: <http://www.geocities.com/Athens/Aegean. htm> Acesso
em: 11 de junho de 200221 Ibid.22 PLUMMER. Cambridge Bible. 31
13
de algumas das epistolas paulinas cuja autoria não é questionada nos meios
acadêmicos as epístolas atribuídas à João são alvos constantes ataque das escolas
do criticismo, assim como o é o Quarto evangelho. Talvez por causa dessa relação
existente entre as Epístolas e o Quarto evangelho, que John Stott afirma que se for
possível estabelecer relações mútuas entre esses documentos, então, todos os
argumentos utilizados para a autenticação da autoria joanina serão igualmente
válidos para as Epístolas, sendo esta a tese que ele defende em sua introdução à
primeira epístola.23
A primeira evidência é encontrada já na sua introdução. Por causa disso
Donald Guthrie vai dizer que a introdução “foi claramente planejada para nos dizer
algo acerca do seu autor”.24 Isso por que o próprio autor se coloca numa posição de
testemunha ocular da mensagem que ele estará transmitindo no desenvolvimento do
seu documento. Quando ele diz que “a vida se manifestou, e nós a temos visto”
(1Jo.1.2), ele está afirmando que ele estava presente e acompanhava o próprio
Cristo.25 Deste modo, temos a nossa primeira informação a respeito da autoria desta
epístola, i.e., seu autor foi alguém que presenciou o ministério de Jesus, sendo este
um dos pontos do método de B.F. Westcott para a determinação da autoria joanina
do Quarto evangelho.26 Do ponto-de-vista vocabular, seria muita coincidência que a
duas únicas vezes que o verbo tea/omai [lit. ver] é encontrado na 1ª pessoa do
plural do aoristo indicativo médio, ocorram em textos atribuídos a João (Jo.1.14;
1Jo.1.2) e num uso muito semelhante. Não podemos considerar coincidência esses
dois fatos que aproximam tais documentos, mas como evidência de que ambos tem
algo em comum, i.e., o autor.
Sobre a questão de semelhança, John Stott avalia que ambos documentos
têm uma grande proximidade quanto ao conteúdo, considerando que os assuntos
gerais são quase os mesmo, e também a própria sintaxe é muito parecida.27
Contudo, C.H. Dodd entende que a estilística dos dois documentos são diferentes e,
23 STOTT, John R.W. As Epistolas de João – Introdução e Comentário. Em: Série Cultura Bíblica. São Paulo: Edições Vida Nova e Editora Mundo Cristão, 1985. 16
24 GUTHRIE, Donald. New Testament Introduction. London: Inter-Varsity Press, 1970. 86525 Ibid., 86526 WESTCOTT, B.F. The Gospel According to St. Jonh. Grand Rapids: Eerdman Publisher
House, 1950. Cf. usado por: HALE, Broadus. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Editora Hagnos, 2001. 139), CARSON et tal. Introdução ao NT.155; BRUCE, Frederich. João – Introdução e Comentário. Em: Série Cultura Bíblica. São Paulo: Edições Vida Nova e Editora Mundo Cristão, 1987. 11; Todos defendem a utilização deste método.
27 STOTT. As Epistolas de João. 16
14
portanto, não podem ser do mesmo autor. Ele considera que a existência de
diferenças vocabulares é tão grande e ao mesmo tempo tão próxima, que a
explicação mais plausível é que o autor da epístola seria um discípulo de João que
refletiu e contudo modificou o pensamento do seu mestre.28
Entretanto, Westcott percebe que, quanto ao estilo, em ambos os
documentos existe uma certa simplicidade na construção dos períodos e um grande
uso de paralelos a fim de enfatizar suas teses antitéticas, além do grande apego a
sentenças que com fórmulas enfáticas.29 Stott também refuta a afirma de C.H. Dodd,
quando este afirma que não existe nenhum vestígio da elevada escatologia joanina
que se acha no Quarto evangelho.30 Esta afirmação de Dodd se baseia na idéia que
o evangelho apresenta uma escatologia realizada, na qual tanto a vida quanto o
juízo são atividades atuais de Deus por meios de Cristo, que promete voltar
espiritualmente e não em glória nas nuvens do céu,31 conceito este que é parte de
uma escatologia numa perspectiva mais popular presente na epístola (1Jo.2.28; 3.2;
4.17).
Para Stott, no entanto, o argumento de Dodd não apresenta toda a verdade,
uma vez que existe no quarto evangelho referências a vinda do Cristo para levar
para si o seu povo, além de afirmações quanto ao último dia, ressurreição e juízo
(Jo.14.3; 5.28-29; 6.39-40,44-54; 11.24-26; 12.48),32 o que Dodd considera ser, na
primeira epístola , uma teologia desenvolvida pelo populacho da comunidade cristã e
não sendo a teologia de João. Avaliando o mesmo argumento de C.H. Dodd,
Kümmel vai afirmar que por ele não se pode concluir que tal diferença impossibilita
que ambos os documentos tenham saído da mesma pena.33 Mesmo A. Plummer,
que parece ser um tanto quanto adepto de um ponto-de-vista mais crítico, afirma
que as evidências em favor da autoria apostólica são muito forte.34 Portanto,
baseados nestes argumentos de Stott e Kümmel, podemos firmar o conceito que
existe sim uma relação na estilística da epístola e do quarto evangelho, bem como
de conteúdo e sintaxe.28 DODD, Charles Harold. Commentary on the Johannine Epistles. Em: Moffatt New
Testament Commentary. London: Hodder and Stoughton, 1946.29 STOTT. As Epistolas de João. 1630 Ibid.,1831 Ibid.,2132 Ibid.,2133 KÜMMEL. Introdução ao Novo Testamento. 582 34 PLUMMER. Cambridge Bible. 32
15
Logo, se então consideramos a existência da relação entre o quarto
evangelho e a primeira epístola e, pelos argumentos, não existe nenhuma razão
justificável para asseverarmos que este documento cristão tenha sido escrito por
outro autor, aceitamos a posição conservadora que João, o discípulo amado tenha
escrito esta epístola universal.
6.2 Data e Local
Chegar a uma data segura para a redação de livros do Novo Testamento não
é algo fácil, como bem sugeriu Carson.35 E ao contrário de certos documento
neotestamentários, como as epístolas paulinas, a primeira epístola dá poucos sinais
para nos orientar nesta tarefa de datação e definir a localização da redação deste
documento.
Inicialmente o que podemos tomar como ponto-de-partida, como sugere
Donald Guthrie, é um período próximo ao desenvolvimento do gnosticismo,
considerando que a epístola pertence à um período em que esse movimento não
estava plenamente desenvolvido.36 Esta data, deve ser definida como próxima ao
final do século I.
Um segundo critério a ser observado é justamente a relação existente entre o
quarto evangelho e a primeira epístola de João, porque se consideramos que ambas
são produtos do mesmo autor, esta última deverá ter sido publicada em data
próxima da publicação do evangelho, a qual pode ser fixada seguindo os critérios
observados por Carson, entre 80 e 85 A.D.37 Daí temos uma questão: a primeira
epístola foi publicado antes ou depois do evangelho?
Se considerarmos o primeiro critério acima, que a primeira epístola foi escrita
quando o gnosticismo dava seus primeiros passos, podemos reproduzir o argumento
de Carson quando ele sugere que alguns gnósticos estava fazendo ouso indevido do
quarto evangelho, e que a epístola seria uma forma de corrigir as distorções
gnósticas.38 Então, consideramos mais provável que a publicação da epístola tenha
sido posterior e, fixada por Carson, no início da década de 90 A.D.39
35 CARSON et tal. Introdução ao Novo Testamento. 21736 GUTHRIE. New Testament Introduction. 88337 CARSON et tal. Introdução ao Novo Testamento. 21738 Ibid.,50039 Ibid.,500. Outros autores corroboram com Carson afirmando datas muito próximas da
apresentada por ele: A. Plummer, entre 85-95 A.D.; W.G. Kümmel, entre 90-110 A.D.; C.H. Dodd, mesmo não reconhecendo a autoria joanina da epístola, 96-110 A.D.
16
Quanto a localidade em que esse documento foi produzido, o critério de
proximidade da publicação nos faz considerar que o local da publicação da primeira
epístola também é o mesmo do quarto evangelho. Neste caso, a cidade de Éfeso é
considerado pelo irresistível da Igreja Primitiva e os escritos da Patrística.40 Portanto,
ficamos com o que parece estar mais alicerçado entre os eruditos e confirmamos
que o local de redação da primeira epístola de João foi em Éfeso, capital da Ásia
Menor, região da qual João, o apóstolo, também foi seu metropolita.41
6.3 Conteúdo42
Podemos sintetizar e esboçar todo o conteúdo da epistola de João de acordo
com o esquema que se segue:
I. INTRODUÇÃO [I JO.1.1-4]
(a) O Tema Principal do Evangelho empregado na Epistola [I Jo.1.1-3]
(b) O Propósito da Epistola [I Jo.1.4]
II. DEUS É LUZ [I Jo.1.5-10; 2.1-28]
(a) O que o Andar na Luz envolve: a Condição e o Comportamento do Crente
[I Jo.1.5-2.11]
1. Relacionamento com Deus e com os Irmãos [I Jo.1.5-7]
2. Consciência e a Confissão dos Pecados [I Jo.1.8-10]
3. Obediência à Deus pela Imitação de Cristo [I Jo.2.1-6]
4. Amor Fraternal [I Jo.2.7-11]
(b) O que o Andar na Luz exclui: as Coisas e as Pessoas que devem ser
evitadas [I Jo.2.12-28]
1. Tripla Afirmação das Razões para a Redação da Epistola [I Jo.2.12-14]
2. Coisas que devem ser evitadas: o Mundo e seus Caminhos [I Jo.2.15-17]
3. Pessoas que devem ser evitadas: os Anticristos [I Jo.2.18-26]
4. O Lugar de Segurança: Cristo [I Jo.2.27-28]
III. DEUS É AMOR [I Jo.2.29 – 5.12]
(a) Evidências da Filiação: Obras e Retidão diante de Deus [I Jo.2.29 – 3.24]
40 CARSON et tal. Introdução ao NT.179; HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Editora Hagnos, 2001.145. Plummer apresenta uma séria de evidências acerca da presença e ministério de João naquela cidade, Cf. PLUMMER. Cambridge Bible.10-14
41 PLUMMER. Cambridge Bible.1042 Cf. PLUMMER. Cambridge Bible.44-45
17
(b) Os Filhos de Deus e os Filhos do Diabo [I Jo.2.29 – 3.12]
(c) Amor e Ódio [I Jo.3.13-24]
(d) A Fonte da Filiação: A presença do Espírito Santo como mostrado pela
Confissão da Encarnação [I Jo.4.1 – 5.12]
1. O Espírito da Verdade e o Espírito do Erro [I Jo.4.1-6]
2. O Amor é a Marca do Filhos de Deus [I Jo.4.7-21]
3. A Fé é a Fonte do Amor, a Vitória sobre o Mundo e a Posse da Vida
[I Jo.5.1-12]
IV. CONCLUSÃO [I Jo.5.13-21]
(a) Amor Intercessor – o Fruto da Fé [I Jo.5.13-17]
(b) A Suma do Conhecimento Cristão [I Jo.5.18-20]
(c) A Advertência Final [I Jo.5.21]
6.4 Propósito
Ao definirmos os elementos anteriores, algumas perguntas nos vêm à mente:
qual era a intenção do apóstolo João ao escrever a sua primeira epístola? O que
estava acontecendo em seus dias que o motivaram a escrever este documento? O
que no texto pode evidenciar tal interesse?
Podemos começar respondendo estas perguntas reafirmando o caráter
pastoral da primeira epístola, porém, acrescentando a ela um certa característica
polêmica ou mesmo apologética, sendo que o primeiro aspecto tem preeminência
sobre o segundo.43 Esse duplo aspecto proposicional da primeira epístola se encaixa
perfeitamente ao conteúdo anteriormente trabalhado, porque ele tanto responde as
necessidades dos fiéis como denuncia os erros dos infiéis, dando os primeiros
condição de reposta àqueles que lhes atacava a fé.
Caminhando por esse primeiro aspecto, John Stott vai argumentar, baseando-
se me evidências textuais, que o Apóstolo agindo pastoralmente pretendia que a
alegria dos seus leitores fosse completa (1Jo1.4), que eles também não pecassem
(1Jo.2.1) e também que eles tivessem plena certeza da vida eterna que lhes havia
sido dada (1Jo.5.13).44 O velho pastor desejava que a sua comunidade
experimentasse a alegria, a santidade e a certeza de sua fé, portanto, a primeira
43 STOTT. As Epistolas de João. 36. Este argumento de Stott é contrário ao de Carson, para o qual a primeira epístola é mais um documento polêmico que pastoral. Cf. CARSON et tal. Introdução ao Novo Testamento. 501
44 Ibid.,37. O propósito apresentado por Guthrie é muito próximo do que sugere Stott. cf. GUTHRIE. New Testament Introduction.872
18
epístola se apresenta como a obra-prima na arte da edificação de uma comunidade
cristã.45 Mas por que havia essa necessidade de exortação às esses três
características da vida cristã? Justamente porque a fé cristã estava sendo
ameaçada, por isso fez-se necessário o tom apologético da primeira epístola.
A presença e a atividade de falsos mestre dentro daquela comunidade parece
ter sido notória, e a mesma é descrita pelo apóstolo, bem como alguns detalhes de
acerca da natureza do seu sistema pervertido.46 Este falsos mestres apresentavam
uma nova forma de interpretar o cristianismo, diferente daquele sustentado por João
e seus colegas apóstolos.47 Mas o que esses falsos mestres ensinavam?
Praticamente os erros desses anticristos podem ser divididos em dois grupos
como faz Stott. O erro deles era por um lado teológico e por outro ético (1Jo.2.26;
3.7).48 Num primeiro momento, esses homens estavam ensinando que o homem
Jesus não era realmente o Cristo, negando qualquer possibilidade de que o Filho
Eterno pudesse assumir para si “a carne humana” (1Jo.2.22-23; 4.2,15).49 Ao que
indicam as evidências textuais, os falsos mestres que João estava enfrentando eram
os precursores da heresia que seria responsável pelo desenvolvimento da seita
Gnóstica,50 porque até esse período não podemos falar em gnosticismo ainda, tendo
em vista que o mesmo só terá o seu desenvolvimento a partir do séc.V.51 Esse
movimento que se desenvolveu quase que paralelamente à igreja cristã tinha o seu
pensamento baseado na premissa que o espírito era bom e a matéria era má, e que
as duas coisas não podem ter uma relação duradoura mútua.52 E por isso, a
salvação era conquistada por meio da libertação do espírito do domínio da matéria
ao ponto da alma não mais sofrer com as ações do corpo.
Por conseguinte, era necessário que o apóstolo delineasse de forma clara as
diferenças entre os dois grupos, a fim de renovar-lhes os ânimos, renovando-lhes
45 FINDLAY, George G. Fellowship in the Life Eternal. London: Hodder & Stoughton, 190946 STOTT. As Epistolas de João. 3747 MARSHALL. I. Howard. The Epistles of John. Em: FEE, Gordon [ed.] The New Internacional
Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. Eerdmans Publishing Co., 1987. 1448 STOTT. As Epistolas de João.37 49 Ibid.,38; Concordam com a afirmação de Stott, CARSON et tal. Introdução ao Novo
Testamento.502; BARCLAY, El Nuevo Testamento. 20-21; MARSHALL. The Epistles of John. 15
50 MARSHALL. The Epistles of John.1551 Ibid., 1552 TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento - Sua Origem e Análise. São Paulo: Edições Vida
Nova, 1998. 399
19
também a certeza da vida (1Jo.5.13), porque, embora esse tenha deixado a igreja, a
sua presença era constante entre os membros dela, de modo que este grupo de
hereges acusava os “filhos da Luz” de serem espiritualmente inferiores.53 Ao
apresentar tais diferenças, o apóstolo João desafia os cristãos a conhecer as
características distintivas de sua fé, especialmente a necessidade para exercitar o
amor entre eles (1Jo.3.16-17; 4.7-8).54
Num segundo momento, podemos trabalhar aquilo que Stott chamou de erro
ético. Pelo que é possível inferir do texto da primeira epístola o problema ético que
fazia parte dos conceitos desse grupo protognótico girava em torno da
“impecabilidade” que eles julgavam ter, ou que o pecado do corpo não trazia reflexos
negativos sobre o seu relacionamento com Deus (1Jo.1.6-10). Num certo sentido,
afirma Marshall, eles diziam que conheciam a Deus (1Jo.2.4) e muito possivelmente
eles criam que Deus era luz e diziam que eles mesmos participavam dessa luz
(1Jo.210),55 porém esse entendimento era desprovido de qualquer atitude que o
confirmasse, porque se mantinham indiferentes a necessidade da retidão nos
comportamentos; não havendo, portanto, a necessidade de obediência aos
mandamentos de Deus.56
Segundo evidências externas apresentadas por Stott, esse possível grupo de
hereges eram desenfreados em seus costumes dissolutos, dados também a
sensualidade, sendo, portanto, uma forma prática de hedonismo.57 Neste sentido, o
apóstolo procurou demonstrar que a vida cristã é mais que um mero sistema
filosófico dirigidos por normas de fé, mas que era um sistema ético que espelharia
no campo da prática a fé proclamada, de modo que a reposta de João é simples:
“todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado” (1Jo.3.9). E um
dos modos mais dinâmicos para apresentar esta fé era através do amor.
João, portanto, intensinou muito mais que apenas combater uma “terrível
praga”; seu interesse principal era a segurança espiritual daqueles que estavam sob
os seus pastorais cuidados, demonstrando a necessidade da verdadeira fé em
53 CARSON et tal. Introdução ao Novo Testamento.501 54 GUTHRIE. New Testament Introduction.872-87355 MARSHALL. The Epistles of John.1556 STOTT. As Epistolas de João.4357 Stott apresenta uma série de escritos de Pais da Igreja que eidenciam o apsecto prático deste
grupo. Cf. STOTT. As Epistolas de João.42-43
20
Jesus Cristo, demonstrando essa fé na prática através do amor. O que deveria ser
motivo para a manutenção da alegria, da santidade e da certeza da vida.
6.5 Destinatário
Como não é possível determinar isso através do texto sagrado, qualquer
resposta será mera inferência exegética, embora possamos nos apegar às
evidências externas. Neste caso, como já afirmamos anteriormente, a primeira
epístola foi escrita para um grupo de pessoas, por certo várias comunidade da Ásia
Menor, 58 região que alguns estudiosos do Novo Testamento consideram como uma
diocese governada pelo apóstolo, um dos motivos pelos quais o mesmo autor
enviaria as sete carta descritas em Apocalipse59. Não existindo muita especulação a
esse respeito.
58 CARSON et tal. Introdução ao Novo Testamento.50159 PLUMMER. Cambridge Bible.10
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BIBLIOGRAFIA
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Cultura Bíblica. São Paulo: Edições Vida Nova e Editora Mundo Cristão, 1985