expediente aeronáutica editorial - caer.org.br · porto se dirige), afirmava sêneca (condenado...

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1 aeronáutica aeronáutica Revista Expediente Editorial As opiniões emitidas em entrevistas e em matérias assinadas estarão sujeitas a cortes, no todo ou em parte, a critério do Conselho Editorial. As matérias são de inteira responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião da revista. As matérias não serão devolvidas, mesmo que não publicadas. Presidente: Ten.-Brig.-do-Ar Ivan Moacyr da Frota 1º Vice-Presidente: Maj.-Brig.-do-Ar R1 Márcio Callafange 2º Vice-Presidente: Cel.-Av. Ref. Antero Sergio Silva Correa DEPARTAMENTOS: Jurídico: Dr. Francisco Rodrigues da Fonseca Social: Ten.-Cel.-Int. R1 José Pinto Cabral Cultural: Cel.-Av. R1 Araken Hipólito da Costa Administrativo: Cel. -Av. R1 Nylson de Queiroz Gardel Financeiro: Cel.-Int. R1 Marco Antônio Pereira Nogueira Patrimonial : Cap.-Adm. R1 Ivan Alves Moreira Aerodesportivo: Ten. -Cel.-Int. R1 José Augusto Santana de Oliveira Beneficente: Cel.-Av. R1 Nylson de Queiroz Gardel Assessoria de Comunicação Social: Cel.-Av. R1 Luís Mauro Ferreira Gomes Assessoria de Informática: Cel.-Av. Ref. Hartman Rudi Gohn SUPERINTENDÊNCIAS: Sede Social: Brig.-do-Ar Cesar de Barros Perlingeiro Sede da Barra da Tijuca: Brig.-Eng. R1 Edison Martins Sede Lacustre: 1º Ten. R1 Sebastião José Ferreira Secretaria Geral: Cap.-Adm. R1 Ivan Alves Moreira CHICAER: Ten.-Brig.-do-Ar Ivan Moacyr da Frota Endereço: Praça Marechal Âncora, 15 - Rio de Janeiro - RJ CEP 20021-200 • Tel: (21) 2210-3212 • Fax: 2220-8444 Expediente do CAER: Dias: 3ª a 6ª feira • Horário: 9h às 12h e de 13h às 17h Sede da Barra da Tijuca: (21) 3325-2681 Sede Lacustre: (24) 2662-1049 Revista do Clube de Aeronáutica: Tel./Fax: (21) 2220-3691 Diretor: Cel.-Av. R1 Araken Hipólito da Costa Jornalista Responsável: J. Marcos Montebello Gerente de Produção Editorial e Design Gráfico: Rosana Guter Nogueira Colaboração editoração eletrônica: Kátia Regina Fonseca Produção Gráfica: Luiz Ludgerio Pereira da Silva Revisão: Dirce Brízida Secretária de Redação: Luciene Ribeiro Conselho Editorial: Presidente 1º Vice-Presidente 2º Vice-Presidente Chefe do Departamento Cultural Diretor Revista aeronáutica e Jornal Arauto 256 [email protected] mai./jun. 2006 A especificidade do homem está no seu agir, num agir conforme a razão, núcleo central da natureza humana. Com efeito, na Grécia Antiga iniciou-se o processo de reflexão do homem sobre sua própria razão. Nesse ambiente, a História do pensamento encontrará terreno fértil para o seu florescimento. Nas- ce a Filosofia propriamente dita que, por meio do amor à sabedoria, tornar-se- á uma poderosa força de transformação da Humanidade. Há, portanto, uma íntima relação entre pensamento e ato. Não se pode ter uma ação firme sem idéias claras sobre o que fazer. Ignoranti quem portum petat, nullus suus ventus (não há vento favorável para quem não sabe a que porto se dirige), afirmava Sêneca (condenado por Nero ao suicídio em 65 d. C.). Enfim, é vital refletir corretamente, caso contrário ou vivemos de acordo com o que pensamos, ou acabamos pensando de acordo com o nosso modo de viver. Por isso, os pensamentos determinam a vontade e da sua clareza depen- de a firmeza das ações. Em torno da força do pensamento é que o mundo, efetivamente, gira. Nos primórdios da História dos povos, o poder militar dominava o mundo. Durante a Idade Média, o pensamento religioso exercia uma influência capaz de nortear os governos. No Renascimento ocorreu a ascensão da burguesia, o que gerou a idéia de que o valor econômico exprimia o domínio. Atualmente, vemos o poder político como a grande expressão do poderio moderno, submetendo os poderes militar, econômico e religioso. Como agravante, o homem moderno, de tanto se servir da máquina, passou a refletir o humano pelo mecânico. E, assim, criou-se uma certa mentalidade mecanicista, prag- mática, ativista. O homem deixou-se empolgar pelo fazer, perdendo a perspectiva do ser, do senso da perfeição e de julgar convenientemente o que fazer perante a realidade. A verdade é que o mundo nos apresenta, hoje, uma luta de ideologias. São concepções em mo- vimento, são pensamentos no campo de bata- lha. A sorte da Humanidade está sendo decidida pelo debate dos pensamentos. O Departamento Cultural procura, com a reali- zação do “Vôo Cultural”, promover palestras sobre temas relevantes para nosso público, visando a uma compreensão mais aprofundada da nossa realidade. Para concluir, lembramos o Padre Leonel Franca (1893-1948) quando, acertadamente, escreveu: “A espada do guerreiro brilha e cintila, Mas retorna à bainha. As idéias uma vez soltas Não param nunca mais.” Araken Hipólito da Costa Cel.-Av. R1

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1

aeronáuticaaeronáuticaRevista

Expediente

Editorial

As opiniões emitidas em entrevistas e em matérias assinadas estarão sujeitas acortes, no todo ou em parte, a critério do Conselho Editorial. As matérias são deinteira responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, aopinião da revista. As matérias não serão devolvidas, mesmo que não publicadas.

Presidente:Ten.-Brig.-do-Ar Ivan Moacyr da Frota

1º Vice-Presidente:Maj.-Brig.-do-Ar R1 Márcio Callafange

2º Vice-Presidente:Cel.-Av. Ref. Antero Sergio Silva Correa

DEPARTAMENTOS:Jurídico:

Dr. Francisco Rodrigues da FonsecaSocial:

Ten.-Cel.-Int. R1 José Pinto CabralCultural:

Cel.-Av. R1 Araken Hipólito da CostaAdministrativo:

Cel. -Av. R1 Nylson de Queiroz GardelFinanceiro:

Cel.-Int. R1 Marco Antônio Pereira NogueiraPatrimonial:

Cap.-Adm. R1 Ivan Alves MoreiraAerodesportivo:

Ten. -Cel.-Int. R1 José Augusto Santana de OliveiraBeneficente:

Cel.-Av. R1 Nylson de Queiroz GardelAssessoria de Comunicação Social:

Cel.-Av. R1 Luís Mauro Ferreira GomesAssessoria de Informática:

Cel.-Av. Ref. Hartman Rudi Gohn

SUPERINTENDÊNCIAS:Sede Social:

Brig.-do-Ar Cesar de Barros PerlingeiroSede da Barra da Tijuca:

Brig.-Eng. R1 Edison MartinsSede Lacustre:

1º Ten. R1 Sebastião José FerreiraSecretaria Geral:

Cap.-Adm. R1 Ivan Alves MoreiraCHICAER:

Ten.-Brig.-do-Ar Ivan Moacyr da Frota

Endereço:Praça Marechal Âncora, 15 - Rio de Janeiro - RJ

CEP 20021-200 • Tel: (21) 2210-3212 • Fax: 2220-8444Expediente do CAER:

Dias: 3ª a 6ª feira • Horário: 9h às 12h e de 13h às 17hSede da Barra da Tijuca: (21) 3325-2681

Sede Lacustre: (24) 2662-1049

Revista do Clube de Aeronáutica:Tel./Fax: (21) 2220-3691

Diretor:Cel.-Av. R1 Araken Hipólito da Costa

Jornalista Responsável:J. Marcos Montebello

Gerente de Produção Editorial e Design Gráfico:Rosana Guter Nogueira

Colaboração editoração eletrônica:Kátia Regina Fonseca

Produção Gráfica:Luiz Ludgerio Pereira da Silva

Revisão:Dirce Brízida

Secretária de Redação:Luciene Ribeiro

Conselho Editorial:Presidente

1º Vice-Presidente2º Vice-Presidente

Chefe do Departamento CulturalDiretor Revista aeronáutica e Jornal Arauto

[email protected]

mai./jun. 2006

A especificidade do homem está no seu agir, num agir conforme a razão,núcleo central da natureza humana. Com efeito, na Grécia Antiga iniciou-se

o processo de reflexão do homem sobre sua própria razão. Nesse ambiente, aHistória do pensamento encontrará terreno fértil para o seu florescimento. Nas-ce a Filosofia propriamente dita que, por meio do amor à sabedoria, tornar-se-á uma poderosa força de transformação da Humanidade.

Há, portanto, uma íntima relação entre pensamento e ato. Não se pode teruma ação firme sem idéias claras sobre o que fazer. Ignoranti quem portumpetat, nullus suus ventus (não há vento favorável para quem não sabe a queporto se dirige), afirmava Sêneca (condenado por Nero ao suicídio em 65d. C.). Enfim, é vital refletir corretamente, caso contrário ou vivemos de acordocom o que pensamos, ou acabamos pensando de acordo com o nosso modo deviver. Por isso, os pensamentos determinam a vontade e da sua clareza depen-de a firmeza das ações. Em torno da força do pensamento é que o mundo,efetivamente, gira.

Nos primórdios da História dos povos, o poder militar dominava o mundo.Durante a Idade Média, o pensamento religioso exercia uma influência capaz denortear os governos. No Renascimento ocorreu a ascensão da burguesia, o quegerou a idéia de que o valor econômico exprimia o domínio. Atualmente, vemoso poder político como a grande expressão do poderio moderno, submetendo ospoderes militar, econômico e religioso.

Como agravante, o homem moderno, de tanto se servirda máquina, passou a refletir o humano pelo mecânico. E,assim, criou-se uma certa mentalidade mecanicista, prag-mática, ativista. O homem deixou-se empolgar pelofazer, perdendo a perspectiva do ser, do senso daperfeição e de julgar convenientemente o quefazer perante a realidade.

A verdade é que o mundo nos apresenta, hoje,uma luta de ideologias. São concepções em mo-vimento, são pensamentos no campo de bata-lha. A sorte da Humanidade está sendo decididapelo debate dos pensamentos.

O Departamento Cultural procura, com a reali-zação do “Vôo Cultural”, promover palestras sobretemas relevantes para nosso público, visando a umacompreensão mais aprofundada da nossa realidade.

Para concluir, lembramos o Padre Leonel Franca(1893-1948) quando, acertadamente, escreveu:

“A espada do guerreiro brilha e cintila,Mas retorna à bainha.As idéias uma vez soltasNão param nunca mais.”

Araken Hipólito da CostaCel.-Av. R1

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aeronáuticaaeronáutica

ÍNDICE

[email protected]

256mai./jun. 2006

Revista

ChargeIvo Batalha - Cel.-Av. R1

48

SátiraA Biruta InoperanteMaj.-Brig.-do-Ar Ref. Othon Chouin Monteiro

47

ReflexãoUma História Real de um Sonho Vivido

Charles Edwin Startin - Cel.-Av. R1

44

Vôo CulturalPalestra do Dr. Osias WurmanA Redação

42

HomenagemAlberto Santos-Dumont – O Pai

da Aviação – 5ª ParteFernando Hippólyto da Costa - Cel.-Av. Ref.

40

SaúdeObesidade: Um duro desafio aser vencido!Maj.-Brig.-Méd. R1 - Dr. Ricardo Luiz de G. Germano

38

TendênciaNinguém quer a Morte, só Saúde e Sorte

Rosiska Darcy de Oliveira - Escritora

36

Balanço HistóricoCorrupção Sistêmica ou Endêmica?

E Outras Considerações.Jesse Ribeiro da Silva -Ten.-Cel. Dent. R1

31

ReformulaçãoA Problemática Autoritária e aSociedade na Atualidade BrasileiraFrancisco Martins de Souza - Doutorando em Filosofia,Professor do IFCS-UFRJ

28EditorialAraken Hipólito da Costa - Cel.-Av. R1

1

AeronavesPoder Militar - Avião de Combate AéreoTen.-Brig.-do-Ar Ref. Marcio N. A. Moreira

4

DesenvolvimentoUniversidade da Força Aérea -

Programa de Pós-Graduação

8

História RealEncontro com Eduardo GomesCel.-Inf. Nielson Campos de Souza

10

Política InternacionalO Portentoso Poder Militar e

as Questões Sociais nos EUAManuel Cambeses Júnior Cel.-Av. R1

14

ExegeseDemocracia e Regime Democrático

Reis Friede - Desembargador Federal eProfessor Adjunto da Faculdade de Direito/UFRJ

18

ComportamentoA Moderna DemocraciaMaj.-Brig.-do-Ar Ref. Umberto de Campos Carvalho Netto

22

Reflexão NacionalO Real Valor das Coisas

Renato Paiva Lamounier - Cel.-Av. R1

25

TeologiaJesus Existiu? Prove-o!Estêvão Bettencourt -Teólogo

34

ControvérsiaA Crise Brasil-Bolívia: Origens e CausasMarcos Henrique Camillo Côrtes - Embaixador de carreira

16

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Espaçonave Soyuz TMA-7aproximando-se daEstação Espacial Internacional

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4Aeronaves

Avião de Avião de

OTAN (1945-1969)

CAMBERRA Bi8 (RAF)

TU 22 (URSS)

B52 - OITO MOTORES(USAF)

B57 (USAF)

Ten.-Brig.-do-Ar Ref.Marcio N. A. Moreira

1ª PARTE

1ª FASE1ª FASE

o tempo da Guerra Fria, as maiores potênciasmundiais do Hemisfério Norte tinham um inimi-

go comum entre si e lutavam pelo que consideravamo aspecto mais importante, ou seja, o controle defi-nitivo do Continente europeu, nele incluídos o PoderPolítico, o Poder Econômico-Financeiro, o Poder Ide-ológico e, finalmente, o Poder Militar: com esse últi-mo Poder poder-se-ia subjugar o inimigo e, leviana-mente, também o mundo. Este era o cenário que do-minou a Europa durante dezenas de anos, após aSegunda Guerra Mundial.

Durante quase quarenta e cinco anos, as potên-cias usaram o Continente europeu para jogar inte-resses econômico-financeiros (bem como outros,não abertamente declarados) e utilizaram o jogo pen-dular entre as duas grandes alianças do AtlânticoNorte, a Organização do Tratado do Atlântico Norte(OTAN, 1949) e o Pacto de Varsóvia (1950). Saberqual seria o vencedor é trabalho que já consumiutoneladas de papel para confirmar, realmente, do quese tratava: o Poder Militar. Em resumo, o que todos

os grandes querem, é o domínio final do adversário,sendo esse o ponto de partida para a imposição deum Estado para a subjugação de outro (s) Estado (s).

Rememoremos uma parte importante do queacontecia com o Poder Militar na Europa: a OTANconjugava os poderes militares da Inglaterra, da Fran-ça, da Espanha, de Portugal, da Itália e da AlemanhaOcidental, e, cer tamente, o dos EUA e o do Canadá,para formar o grande conjunto de Exércitos dessespaíses, tudo sob o comando de um quatro estrelasdo Exército Americano. O mesmo acontecia com asMarinhas de Guerra e com as Aviações Militares des-ses países, todos eles sob o respectivo comando dequatro estrelas da Marinha e da Força Aérea.

O comando da OTAN estava localizado em Parise as tropas americanas na Europa Ocidental, tambémestavam desdobradas em território francês. Contudoo General De Gaulle, Presidente da França, pratica-mente, se isolou da OTAN e determinou a saída doterritório francês das tropas americanas estaciona-das, o que foi cumprido rapidamente. O comando da

N

Examinemos alguns aviões OTAN e URSS (1945-1969):Pode

r mili

tar

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5Aeronaves

Combate AéreoCombate Aéreo

H. PAGE VICTORSupersônico em picada

(RAF)

TU 20Quatro Turbo-hélices. Esclarecimento.

Ainda em operação (URSS)

VICKERS VALIANT (RAF)

B2 VULCANMeados 1960

(RAF)

Mirage IV(Armée de

L’Air)

OTAN foi transferido para Bruxelas, onde está locali-zado até aos dias atuais.

Já o Pacto de Varsóvia estava sob o comando deum Marechal do Exército da Rússia, e todos os co-mandos subordinados estavam sob o comando derussos.

Neste artigo, é conveniente analisarmos somen-te o Poder Aéreo da OTAN e do Pacto de Varsóviaentre 1945 e 1989, para que não o tornemos exces-sivamente longo com análises dos Exércitos e dasMarinhas de Guerra. Tratemos, portanto, sucintamen-te, das Aviações de Combate da OTAN e do Pacto deVarsóvia, com suas aeronaves concebidas e produ-zidas nos países da OTAN e da Rússia. Além do mais,é interessante dividir o período 1945-1989 em duasfases, pelo menos: a 1ª Fase, 1945-1969, é aquelaoriunda da Segunda Guerra, em que os inimigos ti-nham o planejamento dos bombardeios aéreos agrandes altitudes, a fim de esgotar, física e moral-mente, o inimigo, por meio do ataque a grandes me-trópoles e aos centros industriais, enquanto os ata-

cados responderiam com outras aeronaves de com-bate (interceptação) para a derrubada dos bombar-deiros. Já a 2ª Fase (1970-1989) se caracterizou pelaentrada definitiva da Aviação de Combate a jato, nãosó para os aviões de interceptação e de ataque, bemcomo pela entrada em cena dos grandes bombardei-ros a jato ou turboélices. Evidentemente, essas duasfases não podem ser delimitadas, radicalmente, por-quanto o desenvolvimento das aeronaves nem sem-pre é homogêneo e similar entre os grandes fabri-cantes, variando de acordo com as necessidadesestratégicas dos países, impostas pelas hipóteses deatuação em conflito armado.

Vale ajuntar - apesar de não podermos ser rigo-rosos na divisão das fases - a entrada da URSS comoa segunda potência nuclear que, antes, era privilégiodos EUA, veio facilitar essa divisão, uma vez que,poucos anos depois, a Grã-Bretanha e a França setornaram também potências nucleares. Vamos, en-tão, fixar as duas fases, quais sejam: 1945-1969 e1970-1989 (derrubada do Muro de Berlim).

de Bombardeio que tiveram participação importante na 1ª Fase, tanto aviões da OTAN como da URSS:

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Aeronaves6

JAGUAR (RAF)

FB 111B (USAF)

B 1B (USAF)

TU 26Bireator Supersônico

(URSS)

LIGHTNNINGC/2 MÍSSEISFIREFLASHMIRAGE III C

(Armée de L’Air)

F 5 A (USAF) emuso na Europa

ETENDART(Armée de L’Air)

2ª FASE2ª FASE OTAN e URSS (1970-1989)

Com a velocidade de desenvolvimento e produ-ção americana de aviões, a USAF tem ainda em servi-ço o B52 H (entrou em serviço em 1958) com a aviô-nica “up to date”. Os aviões das figuras acima nãoestão mais em serviço operacional. Com o desenvol-vimento dos radares, porém, e, mesmo, dos radaresde bordo, a Doutrina de Emprego modificou-se, radi-calmente: o emprego em baixas altitudes começou aser utilizado, obrigando o reforço estrutural de alguns

aviões, como foi o caso do B52 D, transformado noB52 H com uso específico na primeira Guerra do Ira-que (1990-1991). Na realidade, com os aumentos decarga, de alcance e de precisão dos aviões de comba-te aéreo (caças), os bombardeiros foram relegados asegundo plano, exceto quando os B52 H foram utili-zados para o bombardeio em tapete, a fim de desalojaras tropas iraquianas entrincheiradas nas areias dodeserto (Kuwait e Iraque).

Outras máquinas de guerra entraram em serviçona URSS, cada aliança querendo provar que seusaviões eram superiores. Vão, o sacrifício, pois asduas superpotências acabaram, melancolicamente,mostrando que, segundo Paul Kennedy, autor do li-vro “Ascensão e Queda das Grandes Potências”, odestino inexorável dos grandes é o declínio.

A USAF colocou em serviço o FB111 e o B1. OFB111 realizou a famosa missão de ataque a OmarKadafi na Líbia. O avião operava a par tir de BasesAéreas na Inglaterra. Já o B1, supersônico de qua-tro motores, operava a par tir do Continente nor te-americano.

1ª FASE1ª FASE (1945-1969) Daremos um passo adiante para mostrar algumasdas Aeronaves de Combate Aéreo (Caça) durante a 1ª Fase:

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7Aeronaves

F 104 em uso naLuftwaaf,

Bélgica, Holandae Itália. Foi

apelidado deWIDOW MAKER

MIG 19(URSS)

Continuação Aeronaves de Combate Aéreo (Caça) durante a 1ª Fase (1945-1969):

1970-1989

F 104 (USAF)

MIG 15Em largo uso nosPaíses do Pacto

de Varsóvia(URSS)

MIG 21Um ícone da Aviação de Caça

MIG 29(URSS)

MIRAGE 2000 D(Armée de L’Air)

SU 26 (URSS)

F 16 (USAF)

IL 78 com dois SU 27(URSS)

F 18 (USAF) na alado SU 27 (URSS)

F 15 (USAF)

SU 37no detalhe, tubeira deflexionadapara direita – TVC-Thrust Vectoring

Control (URSS)

2ª FASE2ª FASECom a brusca mudança da Doutrina de Emprego

da Aviação de Bombardeio, podemos dizer que osbombardeiros foram colocados em desvantagem,porque a detecção com radar de terra foi aperfeiçoa-da de tal modo que qualquer alvo com mais de 3,5 m2

de seção cruzada seria facilmente detectado. Mesmo

a aproximação a aproximação a baixa altura não im-pediria a detecção pelos radares de terra. Além domais, os mísseis de terra, como os SA6 e SA7 rus-sos, apoiados por radares, com cobertura a baixaaltura, podiam interceptar os atacantes. A tecnologiafez as armas dar um pulo grande à frente.

Vejamos o que pode ser apresentado em termos da Aviação de Combate Aéreo (Caças):

O que se aprendeu comesse conflito que perturboua vida na Europa, por du-rante 45 anos e obrigou, ambos os pactos e seus respectivos países, a gastode bilhões de dólares, para manter a contenção “pacífica” entre os conten-dores? O que foi apreendido é que a diplomacia é o caminho primeiro eprincipal para a paz, desde que apoiada por Poder Militar respaldador

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Desenvolvimento8

UN

IFA

UN

IFA

riado no dia 11 de agosto de 2004, por meioda Portaria nº 7, do Comandante da UNIFA, oPrograma de Pós-Graduação tem como foco o

desenvolvimento e a consolidação dos Cursos deMestrado e Doutorado em Ciências Aeroespaciais, odesenvolvimento do Centro de Estudos Estratégicosda UNIFA, o registro e a divulgação de toda a produ-ção científica do “campus”, além de outras importan-tes atividades.

O Programa de Pós-Graduação da UNIFA tem osseguintes objetivos:

Capacitar profissionais em áreas de interesse doPoder Aeroespacial, com ênfase no aprofundamentodos conhecimentos dos fundamentos e das bases dou-trinárias dos assuntos pertinentes. Com isso, buscar-se-á colocar esses profissionais a par de modernosmétodos voltados para o planejamento do preparo e doemprego da Força Aérea, das novas tecnologias deinteresse do Poder Aeroespacial e de métodos degerenciamento de processos administrativos;

Fomentar o desenvolvimento de pesquisas que,efetivamente, contribuam para a ampliação do conhe-cimento científico, militar e para o enriquecimento dacomunidade científica e aeroespacial.

Esse Programa tem como áreas de concentraçãoo Planejamento Militar, a Ciência e Tecnologia, osRecursos Humanos e a Administração.

O Planejamento Militar têm como linhas depesquisa: Planejamento do preparo da Força Aérea,Planejamento do emprego da Força Aérea, Tecnolo-gia, Estratégia, Inteligência, Comando e Controle,Mobilização, Logística e Doutrina de Emprego daForça Aérea.

A Ciência e Tecnologia têm como linhas de pesqui-sa: inovações tecnológicas, com enfoque no impactoda adoção de inovações tecnológicas complexas noâmbito estratégico e operacional da Força Aérea.

Os Recursos Humanos têm como linhas de pes-quisa: perfil e capacitação do profissional da ForçaAérea – formação, aperfeiçoamento, especialização ealtos estudos; efeitos da hipóxia de altitude no siste-ma nervoso central; e efeitos da baixa luminosidadena percepção cromática no período noturno.

A Administração têm como linhas de pesquisa:gestão estratégica e análise organizacional.

No momento, a UNIFA está desenvolvendo as ativi-dades da terceira Turma de Mestrado em CiênciasAeroespaciais, composta por oficiais da Ativa e daReserva. Também estão sendo envidados esforços

para a realização do primeiro Curso de Doutorado, aser ministrado em 2007.

Sobre o Centro de Estudos Estratégicos da UNIFA éde bom alvitre falar sobre a importante tarefa que ele temde promover estudos e debates sobre temas de impor-tância crucial para o Poder Aéreo, tais como: Política deDefesa Nacional, naquilo que interessa ao Poder Aeroes-pacial; Relações Internacionais; História Militar; Geopolí-tica; Direito Internacional; Liderança; Educação etc.

Além dessas iniciativas, várias outras estão emandamento, principalmente aquelas voltadas para aintensificação do relacionamento com UniversidadesFederais, na busca de ampliar as opções para a capa-citação de nossos oficiais em cursos “stricto sensu”.

A oportuna iniciativa da UNIFA, ao implantar econsolidar um Programa de Pós-Graduação, pode seraferida pelas palavras da Professora Suzana Gueiros,da UFRJ, durante uma banca examinadora de disser-tação, em novembro de 2005:

(...) “os profissionais da Força Aérea têm de estarsempre na vanguarda, dominar todas as avançadastecnologias e conhecimentos, senão a Força Aéreanão tem razão de ser, não conseguirá cumprir a suamissão.” (...)

(...) “as pesquisas e os estudos sendo realizadosna UNIFA mostram o acerto e a sábia decisão da Aero-náutica de manter-se na vanguarda.” (...)

Aduzindo comentários a este pensamento, o Pro-grama de Pós-Graduação da UNIFA vem sendo forta-lecido e prestigiado por inúmeros professores douto-res, tanto da Aeronáutica como do meio acadêmicouniversitário civil. Muitos são os nomes que se inse-rem nesses primeiros passos históricos de um movi-mento educacional em que a Força Aérea se colocacom sua avançada visão de contribuir com os valoresda nacionalidade.

No dia 10 de dezembro último, encerrou-se o cur-so de Mestrado da segunda Turma (Turma de 2005),na Universidade da Força Aérea, no legendário Cam-po dos Afonsos.

A Formatura da Turma de 2005 foi abrilhantadapela presença do Comandante da Aeronáutica, Tenen-te-Brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno, e de todosos Membros do Alto Comando da Aeronáutica, alémde um grande número de oficiais da Ativa e da Reser-va das três Forças.

Foram integrantes desta segunda Turma de Mes-trado da UNIFA, os seguintes mestrandos com suasdissertações (box página ao lado):

C

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9Desenvolvimento

210

1

11

8

3

12

9

21

2013

164 17

19

6

18 14

Programa de Pós-Graduação1-Brig.-do-Ar Paulo Roberto de OliveiraPereiraTema: Curso Integrado de Altos EstudosMilitares Interforças.

2-Brig.-do-Ar R1 Valter Carrocino FilhoTema: Gestão Acadêmica na ECEMAR, Con-siderada a Necessidade de Consolidação.

3-Cel.-Av. Márcio Antônio GonçalvesCoelhoTema: O Exercício da Docência na ECEMAR.

4-Cel.-Farm. Manoel Rodrigues MartinsTema: Avaliação das Fixações nas Articu-lações Sacro-Ilíaca e Proposta Terapêuti-ca para Redução da Lombalgia em Pilotosde Helicóptero.

*5-Cel.-Av. Rogério Luiz Veríssimo CruzTema: Offset: o Exemplo do Setor Aeroes-pacial Brasileiro.

6-Cel.-Av. Jefferson Wanderlei dosSantosTema: A Capacitação dos Oficiais Gesto-res dos Setores de Recursos Humanos dasOrganizações de Segundo Escalão daAeronáutica. uma Revisão Crítica.

*7-Cel.-Av. Paulo BorbaTema: Mobilização do Transporte Aéreo noBrasil: uma Proposta de Reformulação.

8-Cel.-Av. R1 Luís Mauro Ferreira Gomes

*15-Ten.-Cel.-Av. Marco André BravimTema: Doutrina de Forças de Coalizão emForças Combinadas.

16-Ten.-Cel.-Av. Carlos Eduardo Magalhãesda Silveira PellegrinoTema: Uma Proposta de Modelo Lógico deSistema de Comando e Controle.

17-Ten.-Cel.-Av. José Vieira de Souza NetoTema: Um Diagnóstico do Sistema deInteligência da Aeronáutica considerandoa Diversidade do Ambiente Global: Estudode Caso.

18-Ten.-Cel.-Av. Edson Paschoalino deSouzaTema: O Fator Humano na Segurança da Infor-mação Digital: Estudo de Caso no COMAER.

19-Ten.-Cel.-Farm. Nilceu José OliveiraTema: Atividades de Biodefesa no Serviçode Saúde da Aeronáutica: uma AbordagemNecessária Frente ao Contexto Atual.

20-Ten.-Cel.-Int. David de Andrade TeixeiraTema: Aspectos do Perfil Decisor de Oficiaisde Estado-Maior na Aeronáutica e sua Com-patibilidade com a Doutrina Institucional.

21 - Profª Maria José de AlmeidaTema: Interação de Altos Estudos Milita-res: uma Abordagem Curricular para osCursos de Política e Estratégia das ForçasArmadas Brasileiras

Tema: Liderança em Ambiente Aeroespa-cial: Especificidades.

9-Cel.-Av. R1 Tacarijú Thomé de Paula FilhoTema: Gerenciamento Pró-Ativo no SISMA:uma Mudança Completa.

10-Cel.-Av. R1 Luiz Fernando Póvoas daSilvaTema: Força Aérea na Amazônia Brasilei-ra, a Missão de Policiamento do EspaçoAéreo: Implicações Presentes.

11-Cel.-Av. R1 Araken Hipólito da CostaTema: A Teoria do Conhecimento nos Cur-sos de Estado-Maior e de Política e Estra-tégia Aeroespaciais: Reflexões sobre aViabilidade de Implantação.

12-Cel.-Av. R1 Marcelo HecksherTema: A Administração de Recursos Hu-manos na Aeronáutica: uma Visão Crítica.

13-Cel.-Av. R1 Izaías dos Anjos SouzaTema: A Certificação Militar na Aeronáu-tica Brasileira nas últimas três décadas:uma Abordagem dos Resultados e Neces-sidades.

14-Cel.-Av. R1 Marcio RochaTema: O Planejamento Estratégico comoInstrumento de Otimização do Preparoda Força Aérea: Adequabilidade de umaMetodologia.

* não participaram da sessão de fotos

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História Real10

Encontro com

Cel.-Inf. NielsonCampos de Souza(Cadete 68-299 –Turma Contacto)

Oano de 1970 foi, para mim, um ano muito especial,marcado por uma série de importantes acontecimen-tos que deram um novo rumo à minha vida e à minhatrajetória na Força Aérea Brasileira.

Com todo o vigor que a juventude me proporcio-nava e a vibração de ser um cadete-do-ar, eu vivi, entreum punhado de amigos, as emoções do recebimentodo espadim, do primeiro salto de pára-quedas, doprimeiro vôo solo, da conquista da NAVAMAER-68,de ver pela televisão o homem pisar na Lua, de assistiràs evoluções da Esquadrilha da Fumaça nos antigosNA T-6. Quanto orgulho em carregar, no peito, aquelemeio-brevê de piloto militar. Assim foram meus pri-meiros anos na Academia da Força Aérea, no VelhoCorpo de Cadetes, no Lendário Campo dos Afonsos.

A exemplo do que já vinha ocorrendo com turmasanteriores, ao alcançarmos o “status” de cadetes do4° ano, fomos deslocados do Campo dos Afonsos,no Rio de Janeiro (RJ), para o então DestacamentoPrecursor da Academia da Força Aérea – DPAFA, emPirassununga (SP), a fim de realizarmos o estágio avan-çado de pilotagem.

A aeronave a ser voada era o T-37 CESSNA,introduzida na instrução aérea, desde o ano anterior,para substituir o famoso NA T-6 na formação dooficial-aviador.

Lá, no DPAFA, estavam em construção as futurasinstalações da Academia da Força Aérea, cuja transfe-rência se deu no ano de 1971.

O deslocamento da Turma para Pirassunungafoi realizado em aeronave C-130 HÉRCULES e, aodesembarcarmos, fomos recebidos pelo Comandantedo DPAFA, Coronel-Aviador OSÓRIO, e demais oficiaisdo Destacamento. Por parte dos cadetes, a expectati-va era grande. Sair de um monomotor leve, o FockerT-21, para um bi-reator pesado.

Quis o destino que eu fosse desligado de vôo, emConselho realizado no dia 6 de maio de 1970, junta-mente com outros companheiros de turma, dentre osquais, recordo-me, estavam o DURANS (65-249) e oMENDONÇA (Cachorrão).

Fomos, então, encaminhados de volta ao Rio deJaneiro, para sermos submetidos aos exames de saúdee psicológico para fins de exclusão e desligamento do

Corpo de Cadetes da Aeronáutica, cuja publicação emBoletim Interno se deu, em 4 de junho de 1970.

Pelo grau de instrução militar alcançado, recebe-mos o Certificado de Reservista como 1° Sgt.-QIG FI.

Ao longo daquele ano, outros colegas foram sen-do desligados de vôo, chegando ao número total dequarenta e um. Aqueles que já eram militares antes doingresso na AFA retornaram às antigas graduações eantiguidades, dentro dos respectivos quadros e espe-cialidades, como por exemplo o PAULO FLÁVIO (Son-risal) e o SAMPAIO (Cobra d’água) – que eram sargen-tos, e o CHAGAS (Macaco) – que era cabo.

O Brig.-do-Ar DÉLIO JARDIM DE MATOS, quenaquele ano comandava a Escola de Oficiais Especia-listas e de Infantaria de Guarda (então EOEG, depoisEOEIG), em Curitiba (PR), ao tomar conhecimento deque a Academia estava desligando cadetes do 4º ano,sem cogitar aproveitá-los no Quadro de Intendentes,como de praxe, tomou a iniciativa de propor aoCOMGEP (Comando-Geral do Pessoal) a matrículadesses ex-cadetes no Curso de Formação de Oficiaisde Infantaria daquela Escola. Para tanto, apresentouao COMGEP uma minuta de Portaria que dava respal-do à sua proposta.

Tal fato gerou grande expectativa nos ex-cadetes,que trataram de fundar uma “confraria”, tendo sidoelaborado um cadastro geral, contendo nomes, ende-reços, telefones e outras informações dos desligados,para os necessários contatos e informações. Quem nãofosse da área do Rio, dava seu jeito de ficar por perto,acompanhando o desenrolar dos acontecimentos.

Como o DURANS era do Estado do Maranhão, ea AFA não permitia a hospedagem de cadetes desli-gados, pedi a meus pais que o “adotassem”, até quese resolvesse a questão da nossa matrícula ou nãona EOEG.

O Cachorrão, que era de Aracaju (SE) e não tinhapara onde ir, morava escondido na “bequilha” de umdos alojamentos desocupados da Academia, onde,às vezes, nós íamos visitá-lo. Como não dispusessede roupa de cama, ele se enrolava em Bandeiras doBrasil inservíveis, guardadas num armário pelo Sr.Cícero, velho funcionário do Corpo de Cadetes.

Era o ano da Copa do Mundo, da conquista do

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11História Real

Eduardo Gomes

Incorporaçãode novos cadetes,

em 31 de maiode 1941, na Praça

das Harpias,hoje conhecidacomo Praça do

Relógio, no Campodos Afonsos

tri campeonato. O País estava em festa, e nós, porvezes, nos dávamos ao luxo de desfrutar daquele climade euforia que contagiava a todos os brasileiros e aju-dava a amenizar nosso sofrimento.

A cada quinze dias, nós nos reuníamos com osdemais “confrades” e comparecíamos ao COMGEP, queficava no 8º andar do antigo Ministério da Aeronáuti-ca, no Centro do Rio, a fim de saber se a tal Portariahavia sido assinada. E, sempre, para nosso descon-solo, obtínhamos informações bastante pessimistaspor parte daqueles que nos recebiam. Diziam até quehavia na FAB uma “corrente” contrária ao aproveita-mento de ex-cadetes na EOEG e que, por isso, devería-mos desistir de tal intento.

Lembro-me de que aproveitávamos nossas idasao antigo Ministério, para fazer uma visitinha ao Sar-gento SONRISAL e ao Cabo MACACO que, ao seremreintegrados ao Corpo do Pessoal Graduado, foramclassificados numa mesma seção da Diretoria de

Administração de Pessoal – DIRAP. Era aquela “zona”.Ao mesmo tempo em que eu aguardava a possi-

bilidade de reingresso na FAB, decidi tirar a carteira depiloto privado. Para tanto, dei entrada no Departamentode Aviação Civil das horas de vôo realizadas na AFA edos graus obtidos nas matérias especializadas, vendo-me obrigado a realizar as provas de Meteorologia (médiainferior a sete) e de Regulamento de Tráfego aéreo(compulsória).

No dia em que eu compareci ao DAC para recebera carteira de piloto, fui atendido por um suboficialque, ao consultar o meu processo, achou curioso queeu já tivesse tantas horas voadas, inclusive em aero-nave a reação, e iniciamos uma conversa sobre a minhasituação de ex-cadete. Após dar-lhe conhecimento daincerteza e das dificuldades relativas à matrícula naEOEG, eu lhe disse “acho que só o Eduardo Gomespoderia resolver esse problema”, ao que o suboficialme respondeu que tinha o endereço do Brigadeiro e

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História Real12

Aspirantes de Infantaria – 17 Dez 1971(Em ordem alfabética – o 01 foi o Jeferson Bernardini)

Adalberto Pereira da Silva LimaAgostinho ShibataBernardo José Ribeiro SampaioCláudio Sérgio Oliveira de Borba MaranhãoEdnaldo Barbosa LimaEduardo Antônio da SilvaGeraldo Antônio da Silva CostaGil Nei CesconettoHélio Alves BorgesHugo da Cunha NetoIvan Cezar de LimaIvanir da Silva Rubim

Jeferson BernardiniJoão Carlos Baccheret SoderoJosé Américo Alves de AzevedoJosé do Carmo Torres FilhoJosé Domingos Ávila GonçalvesJosé Roberto Durans AmorimManoel Luiz Osório ÁvilaMarco Antônio Vieira Franco da RosaMateus Biriato de AzevedoNelson BiacchiNielson Campos de SouzaNilo Sérgio de Almeida MeirelesPaulo César Vidal

Paulo Flávio FerreiraPaulo Roberto de SouzaPaulo Sérgio RibeiroReginaldo Beltrato Carrera ChavesReinaldo Jorge RibeiroSérgio Luiz da SilvaSeverino Eduardo de VasconcelosShirley da SilvaUderci Braga da SilvaValdemir Nogueira ChagasWilson VargasWalter Gomes Braga

que se eu quisesse poderia informar-me. De pronto,aceitei. Ele abriu a gaveta de sua mesa e de lá retirouum papel com o endereço prometido. Praia do Fla-mengo, nº..., 8° andar. É o que ainda me recordo.

Ao chegar em casa, perguntei ao DURANS:“– Negão, vamos nos encontrar com o EduardoGomes?” Ele topou.

Era um dia de sábado, à tarde, quando nós nosdeslocamos do Bairro de Olaria, para o do Flamengo,para tentar falar com o Brigadeiro.

Ao chegarmos ao endereço indicado, fomosatendidos por um taifeiro de nome Rafael, o qual nosinformou que o Brigadeiro não se encontrava em casa.Teria ido à missa, mas que, por volta das 19 horas e30 minutos, era certo que ele estaria em casa, já teriajantado e nos poderia receber. É claro que aproveita-mos aquela oportunidade para contar a nossa histó-ria e angariar a simpatia do Rafael, que se tornounosso “cúmplice” e facilitou o nosso encontro com aautoridade.

Finalmente, na hora combinada com o Rafael, láestávamos eu e o Durans para sermos recebidos porEduardo Gomes.

Apertei a campainha, e o Rafael, ao abrir a porta,nos disse: “– Sua Excelência os aguarda na bibliote-ca. Podem entrar”.

A biblioteca era um ambiente repleto não só delivros mas, também, de planópias, quadros, fotos,estatuetas, maquetes, réplicas de aviões e outrosobjetos que bem retratavam o seu forte vínculo com aAviação e com a Força Aérea Brasileira. Foi ali, naque-

le ambiente aeronáutico, que o “Velho Brigadeiro” nosrecebeu.

Após contar-lhe nossa história e responder algu-mas de suas perguntas, ele se mostrou surpreso, paranão dizer indignado, com o fato de a Aeronáutica estarperdendo o investimento de anos feito em jovens quehaviam freqüentado suas escolas, desligando-os jáno último ano do curso de formação de oficial.

Ele nos disse que, por discordar do que estavaacontecendo, na terça-feira seguinte, iria ao COMGEP“falar com o BELLO” (Ten.-Brig.-do-Ar ARY PRES-SER BELLO), mas que não poderia nos garantir quetal atitude fosse contribuir para solucionar o proble-ma, pois já se encontrava há alguns anos fora doserviço ativo, embora soubesse que ainda gozava deum certo prestígio com oficiais-generais da ativa, quetinham sido seus comandados.

Assim, ele recomendou que nós voltássemos aprocurá-lo na quarta-feira seguinte, naquele mesmohorário, para nos informar do resultado de suasinvestidas no COMGEP.

Ficamos bastante curiosos em saber o que acon-teceria, como tudo aquilo terminaria. A esperança eragrande.

Na quarta-feira, na hora marcada, lá estávamosnós, diante do “Velho Brigadeiro”.

Recordo-me que ele nos recebeu na mesmabiblioteca. Dessa vez, não nos mandou sentar e foibastante breve e enfático. Suas palavras foram asseguintes: “– Meus filhos, eu estive lá no Ministério efalei com o Bello. O que eu poderia fazer por vocês eu

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13História Real

já fiz; de forma que não me procurem mais. Boa noite!”Nós agradecemos ao Brigadeiro a atenção que

ele dispensou ao nosso caso e, em seguida, nos reti-ramos.

Confesso que fiquei um pouco confuso, semsaber exatamente o que o Brigadeiro quis dizer. O queficara decidido, o que deveríamos fazer. Restava-nos,apenas, esperar. Aguardar algum resultado que nosfosse favorável.

Tratamos de divulgar à “confraria” o nossoencontro com Eduardo Gomes e as novas perspecti-vas de um bom resultado. A alegria foi geral. Reacen-deram-se as esperanças.

Duas semanas depois, comparecemos em massaao COMGEP, para saber das “novidades”. Havia lá umcoronel de nome Campos, que estava uma araraconosco. Queria saber “quem colocou o EduardoGomes no circuito”. Disse-nos que o “velhinho” che-gou lá e “fechou o tempo”, dizendo que não reconhe-cia aquela como sendo a Força Aérea a que ele servi-ra. Que não admitia que se mandassem para casacadetes do 4º ano, desperdiçando todo o investimen-to feito pela Força e frustrando jovens que haviamdedicado vários anos de suas vidas para a realizaçãodo sonho de ser oficial da Aeronáutica.

Confesso que foi um dia de glória. E o melhorestaria por vir: Portaria nº 121 COMGEP, de 30 deoutubro de 1970; dispositivo que dava o respaldo paranossas matrículas na EOEG.

Alguns dias depois, recebemos, em nossosendereços, telegrama da AFA, convocando-nos acomparecer ao Corpo de Cadetes para dar entrada emrequerimento, com solicitação de matrícula na EOEG.Quando lá chegamos, fomos recebidos pelo Cap.-Adm. Rodrigues, que trabalhava na Secretaria do Corpode Cadetes e já tinha, em mãos, todos os requerimen-tos datilografados, cabendo-nos, apenas, assiná-los,à medida que éramos por ele nominados.

Nos dias que se seguiram, realizamos a inspeçãode saúde e o teste psicológico, com vistas à matrículano Curso de Formação de Oficiais de Infantaria deGuarda da EOEG.

Finalmente, vimo-nos matriculados naquelaEscola, no dia 1º de dezembro de 1970. Se a lista dechamada dos novos alunos fosse elaborada com basenos apelidos, seria mais ou menos assim: Sonrisal,Cobra d’água, Macaco, Chiclete, Pedal, Pudim, BocaMole, Águia Negra, Frango de Macumba, Leitinho,Suquinho, Biu, Tio Zé, Bigorna, Flecha Ligeira, Baito-

lão (ou Gasolina), Garni, Marquinho Maluco, PorcaPreta, Fogoió, Churrasquinho, Gomes Baba, Rei doCagaço...

Em 17 de dezembro de 1971, fomos declara-dos aspirantes-a-oficiais de Infantaria. Éramos 37ex-cadetes, numa turma de 63 formandos.

E até hoje, quando eu me encontro com o Durans,recordamos, com certo orgulho e alegria, aqueledecisivo “Encontro com Eduardo Gomes”, que deunovo rumo às vidas de 37 jovens ex-cadetes.

E aquela atitude firme e decisiva do “Velho Bri-gadeiro”, característica marcante da sua personali-dade e do seu espírito de liderança, se materializounuma Portaria, cujos efeitos se propagaram por váriosanos, dando amparo a cadetes de turmas subseqüen-tes, também desligados em vôo, em condiçõessemelhantes.

Salve o Patrono da Força Aérea Brasileira!

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Política Internacional14

O

N o dia 6 de fevereiro próximopassado, o polêmico Secre-tário de Defesa norte-ameri-

cano, Donald Rumsfeld, apresentouao Congresso de seu país o Infor-me de Defesa Quadrienal. Nele, apa-recem listadas as prioridades deseu Departamento para os próximosquatro anos. Como elemento cen-tral, dentro dessa lista, está a lutacontra o terrorismo. No informe, en-fatizam-se os novos desenvolvimen-tos em matéria de armamentos,bem como as áreas que deverão serprivilegiadas em termos de priori-dade. Nesse mesmo dia, foi torna-do público o orçamento para o anode 2006, no qual os gastos milita-res atingem a expressiva marca deUS$ 439,9 bilhões de dólares. Estesdados, certamente, merecem algu-mas considerações.

Em primeiro lugar, vale a penacitar o desmesurado orçamento des-tinado à área militar. Apenas quinzenações no mundo dispõem de um PIBsuperior aos gastos bélicos estaduni-denses. Entre aqueles que não dis-põem de um PIB que alcance essemontante se encontram Rússia (anti-ga rival), Suíça, Bélgica, Suécia eNoruega (The Economist, World inFigures, London, 2006).

Em segundo lugar, encontra-se aabsoluta desproporção entre o seuorçamento militar e os do resto domundo. Seus gastos bélicos represen-tam mais de 40% dos gastos mundi-ais de defesa e equivalem ao orça-mento combinado das seguintes novepotências militares que a seguem. Emais, seu poder bélico é superior,duas vezes e meia, ao de seus novepossíveis adversários combinados, ou

seja, países como Rússia, China,Coréia do Norte, Irã etc. (ZiauddinSardar, Merryl Wyndavies, Why doPeople Hate America?, London, 2003).

Em terceiro lugar, está o absurdode seguir desenvolvendo novos siste-mas armamentistas, a custos gigan-tescos, quando os atuais lhes garan-tem uma vantagem militar esmaga-dora. Um só exemplo pode justificaresta afirmativa. Os Estados Unidos dis-põem de mais de mil aviões F-15, umdos mais avançados da parafernáliamilitar existente. Entretanto, segun-do explicita o The Economist, de 11de fevereiro de 2006, planeja-se in-vestir 61,3 bilhões de dólares para odesenvolvimento de sistemas ultra-sofisticados como as armas espa-ciais, os caças F-22 e os armamen-tos robóticos, que tornariam os F-15obsoletos.

Em quarto lugar, poderíamos citara falta de correlação entre as priori-dades de defesa e o que se conside-ra como a maior ameaça à seguran-ça norte-americana. Enquanto estaúltima é identificada com o terroris-mo, sua ênfase armamentista está nodesenvolvimento de sistemas alta-mente sofisticados, como as armasespaciais e as aeronaves F-22. Estes,entretanto, servem muito pouco ounada para combater os terroristasdentro do contexto de uma confron-tação assimétrica.

Em quinto lugar, é facilmente de-tectável a existência de uma desco-nexão entre o que, simples vista, apa-rece como uma de suas maiores ne-cessidades e o que está efetivamen-te explicitado nos planos de governo.O furacão Katrina evidenciou, clara-mente, que a Guarda Nacional da

Louisiana não pôde ser acionada atempo, pois significativa parcela deseu contingente se encontrava no Ira-que. A guerra no país mesopotâmicodemonstra claramente a insuficiênciade tropas americanas para controlarintegralmente a situação. Não obstan-te, o Informe de Defesa Quadrienalsugere a redução, de forma paulati-na, de mais de cem mil soldados,como fórmula para reduzir os altoscustos da ocupação.

Em sexto lugar aparece a irracio-nalidade de gastos, como os delinea-dos, dentro do contexto dos reais pro-blemas do país. O gasto militar nãosomente é diretamente responsávelpelo déficit fiscal que supera 3% doPIB, como, evidentemente, pressupõetremendos cortes em seguridade so-cial. Ainda de acordo com a citadaedição do The Economist, o gastomilitar conduz a uma redução obriga-tória de quase US$ 40 bilhões no sis-tema de atendimento médico a me-nores de idade, conhecido como“Medicaid”, e conduzirá, fatalmente,a cortes orçamentários na ordem deUS$ 65 bilhões, nos próximos cincoanos, no plano de atendimento aospobres, intitulado “Medicare”.

Do anteriormente exposto, depre-ende-se que ao privilegiar o podermilitar, com orçamento tão vultoso,os Estados Unidos correm o risco decomprometer, seriamente, em médioprazo, a expressão psicossocial dopoder nacional, criando um generali-zado clima de insatisfação, acarretan-do sérios prejuízos às camadas me-nos favorecidas da sociedade estadu-nidense, e que poderá desdobrar-seem nocivo estado de instabilidade eno esgarçamento do tecido social

O Portentoso Poder Militar

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15Política Internacional

nos

e as Questões Sociais

e as Questões Sociais

Rauschenberg, “Canyon”, 1959 – 207,6 x 179,1 x 61cm

EUA nos

Manuel Cambeses JúniorCel.-Av. R1Membro do Centro de Estudos Estratégicosda Escola Superior de Guerra e do Institutode Geografia e História Militar do Brasil

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Controvérsia16

A CriseBrasil-BolíviaA CriseBrasil-Bolívia

N

Marcos HenriqueCamillo CôrtesEmbaixador de carreira,aposentado a pedido,em janeiro de 2003

o dia 1º de maio, quando o Presidente Evo Moralesfez, com grande encenação e publicidade, o anún-cio do decreto de nacionalização/expropriação das

jazidas e instalações de petróleo e gás na Bolívia, ficouevidenciado mais um monumental fracasso na desastro-sa atuação externa do Brasil ao longo de mais de dez anos.

Têm surgido numerosos artigos e declarações,inclusive de ex-Chanceleres e diplomatas

aposentados, criticando, emtons inusitadamente

contundentes, apostura e a condutado Presidente daRepública e de seus

auxiliares imediatosem relações internacio-

nais, diante da ação bolivia-na. Essas condenações são

mais do que merecidas e a elasacrescento minha indignação.

Entretanto, julgo necessáriodestacar quando e por quem

foram lançadas as sementes des-se processo continuado de despro-

fissionalização dos quadros do Itama-raty e de seu afastamento da tarefa, que lhe tem

de caber com exclusividade, de formulação e execuçãoda política externa do Brasil.

O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, desdeo início de seu governo, empenhou-se em desenvolver achamada “diplomacia presidencial”. Mais do que satisfa-zer sua notória vaidade, essa forma de intromissão noque, historicamente, fora prerrogativa do competente ser-viço diplomático brasileiro permitiu-lhe tomar decisõesque causaram imensos danos aos interesses nacionais.Tudo isso foi feito pelo então Presidente Fernando Henri-que, deliberadamente, negando-se a consultar ou ouvir e,até, contrariando o parecer profissional do Itamaraty. Alista é longa, mas basta, a título de exemplo, destacar aadesão ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear e a assi-natura do Acordo para uso pelos EUA do Centro de Lança-mento de Alcântara.

No que se refere à atual questão do gás boliviano, foio então Presidente Fernando Henrique Cardoso quemdeterminou a implementação do, até então, muito questio-nado projeto de construção do gasoduto Brasil-Bolívia. Nãohavia, no Brasil, mercado algum para o gás boliviano. Ésabido que, depois de pronto o gasoduto, a Petrobrás teve

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17Controvérsia

OR

IGEN

S E

CAU

SASde desenvolver intensa campanha para persuadir as em-

presas brasileiras a fazerem a conversão do óleo para ogás, a fim de que tivessem para quem vendê-lo, inclusivesubsidiando a compra desse gás até 2004. A construçãodo gasoduto foi, inicialmente, promovida pela empresanorte-americana (depois desmascarada como fraudulen-ta) Enron e seu verdadeiro objetivo era criar um dos meca-nismos que contribuiriam para a alienação da Petrobrás –o que o ex-Presidente Fernando Henrique não conseguiuefetivar, apesar do empenho com que o coadjuvou, nessesentido, o ex-subversivo Henri Philippe Reichstul.

A nefasta “diplomacia presidencial” de FHC foi abra-çada entusiasticamente pelo governo do PT. Enquanto ogoverno era conduzido de fato pelo todo-poderoso JoséDirceu, a atuação do Brasil no Campo Externo (expressãocorreta, pois Política Externa não existia e continuou nãoexistindo) passou a ser conduzida pela “troyka” formadapelo Assessor de Relações Internacionais, Professor MarcoAurélio Garcia; pelo Ministro das Relações Exteriores,Embaixador Celso Amorim, e pelo Secretário-Geral do MRE,Embaixador Samuel Pinheiro-Guimarães. Com esse es-quema, montou-se um exuberante e caricato programa deviagens internacionais do Presidente, saudado pelo Mi-nistro Celso Amorim como “Nosso Guia!”. Ao mesmo tem-po, implementou-se programa de politização/ideologiza-ção dos quadros do MRE. Assim, completou-se a demoli-ção do prestígio profissional do Itamaraty e erodiu-sequalquer capacidade de efetiva participação do Brasil nasprincipais decisões no âmbito internacional de interesseprioritário para a Nação brasileira. As tão alardeadas “vitórias”internacionais do Governo ficaram expostas como retum-bantes desastres. Em vez da “CASA” (sigla inexplicávelpara a pretendida “Comunidade Sul-Americana de Nações”)o que se vê é a ruína de desagregação da ComunidadeAndina de Nações e do Mercosul.

Agora, o próprio Presidente se queixa de que “herdou”a dependência do gás boliviano. Mas por que não começou,logo após a posse, programa que permitisse escapar dessadependência? Por que ajudou, como pôde, a eleição do“compañero” Morales, que anunciara amplamente suaposição na questão? Por que Marco Aurélio Garcia e SamuelPinheiro-Guimarães sinalizavam de todas as formas o apoioao Governo Morales? Aliás, todas as declarações, provi-dências e omissões de todas as autoridades do governo, doPresidente aos seus Ministros e auxiliares, sinalizavam umapostura passiva, condescendente e, por incrível que pare-cesse, de aceitação plena da ação unilateral boliviana deconfisco e de violação de acordos e contratos.

Há muitos anos, tenho procurado demonstrar, empalestras e artigos, os imensos malefícios da chamada“diplomacia presidencial”. O mais recente exemplo dessasérie de desserviços ao Brasil por dois presidentes deixainteiramente visível a principal finalidade dessa intromis-

são no âmbito próprio do Itamaraty: impossibilitar os ver-dadeiros diplomatas profissionais, cujo único compromis-so é servir à Nação, de impedirem a adoção de medidas,no campo externo, contrárias aos interesses do Brasil,tomadas para satisfazer ambições políticas próprias oupara ceder a objetivos de outros países. Os que praticamessa deturpação solerte da diplomacia sabem que jamaispoderiam contar com a cumplicidade dos verdadeirosdiplomatas para seus desígnios de lesa-pátria!

Essa sinistra rota de dilapidação do Poder Nacionalsó poderá ser sustada quando o Brasil voltar a ter umgovernante dedicado a servir, com honestidade e patrio-tismo, os interesses do país e não agir em função desupostas “amizades pessoais” ou proclamadas “afinida-des ideológicas”. Quando isso ocorrer, algumas providên-cias têm de ser imediatamente adotadas para que se pos-sa empreender a tarefa de recuperação do profissionalis-mo competente do Itamaraty e, por meio dele, recuperar orespeito de que o Brasil necessita. Nesse sentido, algu-mas medidas fundamentais serão:

– Acatamento permanente, pelo Presidente da Repú-blica, das atribuições institucionais do Itamaraty, absten-do-se de interferir pessoalmente no planejamento e naformulação das diretrizes de Política Externa, não permi-tindo, tampouco, qualquer outra interferência (esse acata-mento significa que sua participação no Campo Externo sedará única e exclusivamente quando requerida pela AçãoDiplomática desenvolvida pelo MRE);

– Abolição de qualquer tipo de “assessoria de rela-ções internacionais” do Chefe de Estado (o único assessordo Presidente no que se refere ao Campo Externo tem deser o Ministro das Relações Exteriores);

– Firmeza para impedir que ocupe o cargo de Chance-ler qualquer pessoa que tenha ambições políticas pesso-ais, que se preocupe em agradar o Presidente ou que quei-ra servir aos objetivos da política partidária.

– Reformulação radical da estrutura orgânica do MREe das redes de Missões diplomáticas e Repartições con-sulares;

– Implementação urgente de todas as mudançasnecessárias para restaurar a racionalidade da composi-ção dos quadros de pessoal do Itamaraty, bem como paraisentar os processos de progressão funcional e de movi-mentação de interferências estranhas ao MRE;

– Reciclagem do pessoal dos quadros do Itamaraty,visando a restabelecer sua competência profissional,incluindo a percepção correta de que os diplomatas servemao Estado-Nação e não a qualquer governo de turno;

– Revisão, exclusivamente à luz dos legítimos inte-resses nacionais, de todos os arranjos, acordos e entendi-mentos relacionados com o Campo Externo.

Só assim voltaremos a ser dignos do legado deRio Branco

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Exegese18

Reis FriedeDesembargador Federal e Professor Adjunto da Faculdadede Direito/UFRJ, é Mestre e Doutor em Direito e Autor,dentre outras, da obra “Curso de Ciência Política e deT.G.E.: Teoria Constitucional e Relações Internacionais”,Forense Universitária

Rafael,“A Escola deAtenas”,1508-1511

Democracia eDemocracia e

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19Exegese

R ecentemente, alguns autores têmmanifestado a idéia de que a de-mocracia e o chamado regime de-

mocrático – em sua tradução material(derivada, por seu turno, da necessária as-sociação entre os Estados de legitimida-de e de legalidade) – constituem-se, naqualidade de conceitos elementares daCiência Política, muito mais em uma re-sultante estrutural dialética, relativamen-te a um processo histórico-factual de umasociedade, de nítida feição político-ideo-lógica, do que, propriamente, em um mo-delo concepcional de regime político quepoderia, em tese, ser implantado, aleato-riamente, conforme desejo formal, de al-gum modo, manifestado por um povo ou –o que é mais comum – por uma classe ougrupo governante.

Assim, a liberdade individual, na qua-lidade de um dos pilares do regime demo-crático, por exemplo, estaria, neste diapa-são analítico, muito mais associada ao graude maturidade sócio-política (nível de cons-cientização popular) de uma coletividadeorganizada e, portanto, do patamar de civi-lização obtido por uma sociedade em seudesenvolvimento histórico-político, do quecondicionada à simples vontade manifes-tada por qualquer meio formal, de índolepolítico-jurídica (v. g. assembléia nacionalconstituinte), de implantação (artificial) deuma Democracia.

Em outras palavras, segundo esta novaorientação doutrinária, simplesmente nãoseria viável a implantação (por simplesvontade manifesta) do denominado (e al-mejado) regime democrático, com todasas suas inerentes conseqüências, em Es-tados, cujos cidadãos ainda não atingiramas condições mínimas de convivência éti-ca e moral, até porque, comprovadamente,não é possível ultrapassar, por simplesmanifestação unilateral de vontade, está-gios naturais de desenvolvimento e, igual-

mente, suprimir pressupostos básicos deamadurecimento social que, necessaria-mente, envolvem, não somente um proces-so educacional complexo e verdadeiramen-te eficiente, mas também fatores históri-cos genuinamente revolucionários em suaacepção mais ampla.

(Neste sentido, TOM DWYER, conhe-cido sociólogo neozelandês radicado noBrasil (“O Globo”, de 4 de setembro de 2005,p. 39), salienta, com mérita propriedade,que a pobreza ou mesmo as desigualda-des sociais não são, por si só, suficientespara explicar o fenômeno da violência e dadesordem urbana em momentânea ausên-cia (ou impotência) do Estado citado, exem-plificativamente, por um lado, o comporta-mento exemplar dos cidadãos norte-ame-ricanos residentes em Nova York, duranteo apagão de 1965, ou dos países asiáticosatingidos pela tsunami de 2004, em contra-posição crítica, por outro, à situação caóti-ca no Iraque (supostamente democratiza-do) de 2005, ou ao permanente clima depré-guerra civil existente no Rio de Janei-ro, notadamente nos últimos dois anos, oumesmo a degradação social observada nostrês estados mais atrasados dos EUA (Mis-sissipi, Louisiana e Alabama), durante adevastação do furacão Katrina, em 2005,buscando, por fim, demonstrar onde efeti-vamente se encontra a parte civilizada dapopulação mundial).

Destarte, é forçoso concluir – no estri-to contexto desta linha de pensamento –que todos os países que, hoje, podem ser,inequivocamente, reputados Estados de-mocráticos de direito – realizando todosos atributos e características inerentes àsdemocracias materiais (substantivas),bem como usufruindo a plenitude do Esta-do constitucional, associativo dos paradig-mas da legitimidade e da legalidade – pas-saram, em algum momento histórico, poralgum processo político estrutural de gran-

Regime DemocráticoRegime Democrático

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Exegese20

de envergadura (revolucionário, em algu-ma medida) que permitiu, em última ins-tância, a institucionalização da verdadeiraDemocracia e do correspondente regimedemocrático material.

Sob este prisma analítico, a Inglaterra(Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda doNorte) e a França (em função, respectiva-mente, da Revolução Gloriosa (1666-1689)e da Revolução Francesa (1789-1799), quetransformaram, em última análise, a con-cepção estrutural da soberania originaria-mente teocrática, em democrática) seri-am, hoje, democracias consolidadas, damesma forma que os EUA, em decorrên-cia da guerra civil americana (1861/1865),a Alemanha e a Itália (em função do nazis-mo – 1933-1945 e do fascismo – 1919-1943), e a Espanha e Portugal (respec-tivamente, em conseqüência dos períodosde Franco – 1939-1975 e de Salazar –1932-1974).

(É oportuno registrar que a plenitudedo atual regime democrático alemão, aexemplo de todos os demais casos cita-dos, não foi imediatamente instauradaapós o fim do regime nazista, em 1945,muito embora tenha sido conseqüênciadireta do nível de conscientização popu-lar auferido por meio do reconhecimentodas barbáries, direta ou indiretamente,pelo povo alemão).

Ao contrário, a Democracia foi lenta-mente conquistada e, especialmente,consolidada, nos anos posteriores ao pós-guerra, até atingir a situação de relativaplenitude nos anos 70.

Nos chamados países periféricos eem todos os demais Estados que, porrazões políticas e históricas, não experi-mentaram processo semelhante (limitan-do-se apenas a copiar – por vontade pró-pria ou por imposição estrangeira – mode-los democráticos estabelecidos), ao rever-so, a Democracia e o regime democráticotêm-se traduzido, destarte, em uma formade organização política fundada, restriti-vamente, não só em aparentes liberdades(situação em que a normatividade jurídica

não possui plena efetividade), mas, espe-cialmente, em verdadeiros “feudos” da eracontemporânea, em que o populismo as-sistencial (e o correspondente “controleindireto das massas”) é a principal tônicagovernamental (caracterizando o que seconvencionou designar por “democraciasformais ou aparentes”).

(É o caso de, praticamente, todos ospaíses da América Latina na atualidade,com ênfase no emblemático exemplo daVenezuela de HUGO CHAVEZ. Segundo lon-ga e detalhada análise realizada por DIO-GO SCHELP (“Veja”, de 14 de dezembro de2005, p. 156 e seguintes), antes da eraCHAVEZ, o país era controlado por doispartidos da elite venezuelana que, por dé-cadas, se restringiram a criar uma estrutu-ra estatal perdulária, ineficiente e, sobretu-do, corrupta. Em 1999, eleito por regras re-putadas democráticas, CHAVEZ assumiu aPresidência da República, alterou a Cons-tituição e, com o vertiginoso aumento dospreços internacionais do petróleo, transfor-mou a PDVSA (e os lucros com a venda dopetróleo) em uma máquina de comprarapoio político interno (retirando US$ 3,7 bi-lhões/ano para programas sociais, porexemplo) e internacional (vendendo, a pre-ços subsidiados, óleo para diversos paí-ses latino-americanos), além de estruturaruma milícia armada com aproximadamen-te 100.000 homens.)

Não obstante as estatísticas de 2005,a classe média encolheu 57%, o númerode pobres aumentou 25%, o desempregocresceu de 11% para 16%, metade das in-dústrias fechou, os empregos informaisaumentaram 45%, a inflação subiu de 11%para 17% ao ano, o investimento estrangei-ro caiu pela metade e a dívida pública do-brou. CHAVEZ, neste mesmo ano, contavater o inconteste apoio de metade dos vene-zuelanos (a parcela mais pobre, cativadapor meio de políticas assistencialistas),além de ter consolidado o seu poder pormeio de plebiscitos, em que obteve amplamaioria. Nas eleições legislativas de 2005,obteve vitória esmagadora (graças ao boi-

cote das oposições) e, paradoxalmente,apesar de defender a democracia partici-pativa em detrimento da democracia re-presentativa, não se preocupou em expli-car a pífia participação de apenas 25% doeleitorado nesse pleito. Descobriu-se, tam-bém, que CHAVEZ, mediante o emprego demáquinas de identificação digital, conse-guiu catalogar a orientação político-eleito-ral de 12 milhões de eleitores, durante oreferendo de 2004, criando uma listagembatizada de “Maisanta”, com informaçõesque privilegiam os aliados em detrimentodos adversários, em todos os níveis (ob-tenção de empregos públicos, emissão depassaportes, acesso a auxílios sociais etc.).Além de tudo isso, há um quase controleabsoluto do Estado venezuelano pelo go-verno formalmente democrático de CHA-VEZ: o Ministério Público é encarregado deprocessar os adversários sob acusação de“traição à pátria”; 80% dos magistrados têmcontratos temporários (muitos de apenastrês meses) que não são renovados, casojulguem de forma contrária aos interessesgovernamentais; os nomes de mais de20.000 trabalhadores da PDVSA (a estatalpetrolífera venezuelana), demitidos depoisde uma greve contra CHAVEZ, estão regis-trados em uma “lista negra”, proibidos detrabalhar em qualquer órgão público ou nainiciativa privada (sob pena de represáliasfiscais do governo); empresários que seenvolvam em atividades políticas de opo-sição são submetidos a uma devassa fis-cal, entre outras incontáveis e semelhan-tes iniciativas.

O uso da pseudodemocracia paradestruir a denominada Democracia formal,resta assinalar, neste contexto, não é ori-ginal, como bem salienta DIOGO SCHELP.ADOLF HITLER era líder de uma bancadaparlamentar eleita com 33% dos votos,quando foi democraticamente escolhidochanceler da Alemanha. Um ano depois,ele acumulou o posto de presidente,deixado vago pela mor te do MarechalHINDENBURG, obtendo para isso a com-provada inconteste aprovação dos alemães

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21Exegese

em plebiscito. Nos anos seguintes, fechousindicatos, suprimiu a liberdade de im-prensa e, gradativamente, eliminou osdemais partidos.

Tanto na Venezuela dos dias atuais,como na Alemanha do passado, tudo istosomente é ou foi possível em função dasfrágeis estruturas institucionais e do bai-xo grau de maturidade política inerentes àchamada Democracia formal ou aparentelá existentes. Tanto é verdade, que o paísmais estável da América Latina atual, ouseja, o Chile (onde é impensável uma aven-tura política chavista), louva-se, curiosa-mente, de também ter experimentado a di-tadura mais longa e rígida do continente,ou seja, o Governo PINOCHET (ou sua in-terferência direta de 1973 a 1997), criando,em alguma medida (ao menos comparati-va), parte das pré-condições para o esta-belecimento de uma Democracia – relati-vamente mais substantiva do que suas con-gêneres latino-americanas.

Também, cumpre assinalar, em neces-sária adição conclusiva, que, paradoxal-mente, alguns governantes democratica-mente eleitos, no âmbito destes regimesmeramente formalistas, foram, durante otranscurso político de suas respectivasexistências, afastados por movimentospopulares, durante a plena vigência de seusmandatos, sem qualquer respeito à norma-tividade constitucional e aos procedimen-tos legais expressamente previstos, noâmbito de seus correspondentes constitu-cionalismos (v. g. os Governos DE LA RUA/Argentina – 1999-2001 e GUTIËRREZ/Equa-dor – 2002-2005).

Oportuno acrescentar que, por razõesideológicas, também resta impossível (ou,ao menos, improvável) a instauração deautênticos Estados democráticos de direi-to (democracias materiais plenas) em pa-íses cuja concepção estrutural de sobera-nia não seja de efetiva orientação demo-crática (“todo poder emana do povo e emseu nome é exercido”) e sim teocrática(“todo poder emana de Deus e em seu nomeé exercido”), como é o caso típico dos di-

versos Estados que abrigam Nações mu-çulmanas das mais variadas e diferentesorientações (xiitas, sunitas etc.).

Exatamente por isto, a veemente críti-ca à ingênua e fracassada tentativa esta-dunidense de impor ao secular Iraque (cur-do, xiita e sunita), em um tempo extrema-mente reduzido e sem qualquer fato revo-lucionário ou de natureza assemelhada,um regime democrático fundado em umaconcepção estrutural de soberania com-pletamente diversa (e ininteligível para acultura milenar iraquiana) da enraizadaideologia téocrática inerente ao mundomuçulmano.

Aliás, lição, lamentavelmente, nãoaprendida, mesmo após o desastroso epi-sódio concernente à anterior tentativa dedemocratização do Irã (Pérsia), em 1979,realizada por meio da igualmente desas-trosa “política de direitos humanos” em-preendida pelo Governo JIMMY CARTER(1976-1980), que acabou por permitir, deforma, descontrolada, a derrubada do regi-me do Xá REZA PAHLEVI (1953-1979) e asua indesejável (porém, previsível à épo-ca) substituição pela teocracia totalitáriaislâmica dos Aiatolás Khomeini (1979-1989)e Khamenei (a partir de 1989).

Não é por outro motivo que, historica-mente (especialmente no período pós-guer-ra), a política norte-americana para o sulda Ásia e para o Oriente Médio tem-se pau-tado, não só pela implantação, mas, so-bretudo, pela manutenção (mediante sóli-do apoio político, econômico e militar) deregimes de força pró-ocidentais que per-mitam, não só evitar os riscos inerentes àimplantação descontrolada e generalizadado totalitarismo islâmico, mas, igualmen-te, manter um relativo controle sobre umaregião extremamente importante, sob oponto de vista geopolítico.

Ainda assim, é fonte de permanentepreocupação, por parte dos principais es-trategistas da comunidade político-militarestadunidense, as constantes bravatasdeclaradas, particularmente, pelo Gover-no GEORGE W. BUSH, quanto à existência

de projetos (ou, no mínimo, instruções) paraa implantação de regimes democráticos empaíses que gozam de relativa estabilidadepolítica, como o Egito, a Arábia Saudita e oPaquistão (este último, inclusive, detentorde armas nucleares).

Finalmente, resta consignar, em ne-cessária síntese conclusiva, que, pormotivos não propriamente ideológicos(uma vez que a concepção estrutural desoberania, na hipótese vertente, tambémé, a exemplo dos regimes ocidentais deíndole democrática, somada ao fato igual-mente relevante de que os ideais comu-nistas já foram há muito sepultados), mas,ao reverso, de natureza essencialmentepragmático-conjuntural, a implantação(pelo menos a curto e médio prazos) degenuínos Estados democráticos de direi-to em países centrais, ex-protagonistas doperíodo histórico conhecido por GuerraFria, como a Rússia (antiga URSS) e aChina, da mesma forma se apresenta pou-co provável, sendo muito mais plausível,em virtual contraposição, que os mesmosvenham a desenvolver inexoráveis formaspeculiares de Democracia formal, inten-ção esta – vale frisar – já incisivamentemanifesta por VLADIMIR PUTIN, quando,expressamente, pontuou, em discursopara a Comunidade Internacional, por oca-sião do atentado terrorista em Beslam(2004), que a Rússia “não se curvará àpressão internacional para copiar mode-los democráticos estrangeiros (não adap-táveis à realidade russa), até porque de-senvolve solução democrática própria”.

Nestes países, cumpre assinalar – nãoobstante o longo período de totalitarismoradical experimentado – o regime anteriornão foi propriamente “derrubado” (de for-ma diversa do nazismo na Alemanha, dofascismo na Itália, do franquismo na Es-panha etc.), não permitindo forjar a mesmaexperiência estruturante e, conseqüente-mente, conquistar os mesmos resultadosviabilizados, em última análise, no que con-cerne à instauração do (supostamente al-mejado) regime democrático material

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Comportamento22

DEMOCRACIA MODERNAA

DEMOCRACIA MODERNAA

Maj- Brig.-do-Ar Ref.Umberto de CamposCarvalho Netto

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23Comportamento

Oestudo da evolução histórica da Demo-cracia mostra-nos que ela se foi desen-volvendo por meio de um longo proces-so de sedimentação durante séculos,

com maior intensidade no século XIX, chegandoaté aos dias de hoje com uma série de compo-nentes que a caracterizam e são o resultado daincansável luta do ser humano pela liberdade epela justiça.

No entanto, não se deve esperar que existauma fórmula transformadora definitiva da Demo-cracia em um produto acabado.

Muito pelo contrário. Há, dentro do fenômenodemocrático, uma razoável quantidade de variá-veis com diferentes soluções, de acordo com oEstado que o pratique, razão pela qual não se podeafirmar que existam dois Estados democráticosrigorosamente iguais. Fatores históricos, culturais,econômicos, geopolíticos e mesmo religiosos fa-zem as diferenças, ainda que, no essencial, se-jam todos democráticos.

Os Mecanismos Democráticos ModernosExiste uma farta gama de princípios, concei-

tos, direitos e liberdades que, se não adotadosplenamente pelos vários Estados pretensamentedemocráticos, pelo menos servem de bússola paraorientar a sociedade no sentido da cidadania.

Alguns desses princípios são definitivos, es-pécies de “cláusulas pétreas” do ideário demo-crático. Tais são os chamados direitos fundamen-tais do homem: à vida, à liberdade e à proprieda-de. Entre eles, pode-se incluir o moderno concei-to de direitos humanos, embora ainda um tantovago e não bem definido, sujeito a interpretações,portanto, mas que, cada vez mais, se firma comoelemento essencial da Democracia.

É indiscutível que como princípio “sine qua non”da Democracia moderna, está o da Universalida-de. Eis aí algo que pode diferir de um Estado paraoutro. É evidente que, quando se fala em Sufrá-gio Universal, não se está pensando em termosabsolutos, o que seria impraticável por algumasrazões óbvias que impedem a população total departicipar de eleições, como, por exemplo, a ne-cessidade de se estabelecer uma idade mínimapara o eleitor, além de outras. A História mostraque, nesse particular, as conquistas foram lentas,mas persistentes. Basta que observemos, à guisa

de exemplo, o considerável período de vinte e seisanos que mediou entre a adoção do voto femini-no na Inglaterra (o primeiro país a fazê-lo, em1919) e a França (1945). Outra limitação aindanão superada em alguns países é a questão dovoto do analfabeto. De qualquer maneira, o queexiste hoje nos países democráticos está muitodistante, em termos de igualdade política, do votocensitário comum nos Estados que adotavam oliberalismo, que afastavam a grande massa doscidadãos das decisões eleitorais.

Também importante, no arcabouço do ideáriomoderno, é a aceitação do pluralismo político/ide-ológico, fazendo com que convivam no seio da so-ciedade uma quantidade variável de correntes depensamento, com a conseqüente necessidade deconvivência harmônica de maiorais e minorias,sem o alijamento destas que, nos regimes repre-sentativos, sempre terão vez e se farão ouvir, gra-ças a sistemas eleitorais idealizados com tal fim,para compor os legislativos em todos os níveis.

Como decorrência, surge o pluripartidarismo,com os partidos políticos, outrora abominados, eaté mesmo tendo de funcionar na clandestinida-de em alguns países, hoje geralmente aceitoscomo essenciais para o funcionamento da Demo-cracia e como catalisadores de diferentes corren-tes de pensamento político.

Mencionem-se, ainda, as chamadas liberda-des, destacando-se:

– A liberdade de imprensa, com variadas li-mitações de acordo com a regulamentação legalde cada país;

– A liberdade de expressão, associada, mas nãoexclusivamente, à de imprensa, concedida geralmen-te de modo a não torná-la abusiva, incorrendo emofensa a instituições, símbolos ou outras manifesta-ções da sociedade que devem ser preservados, bemcomo à moral e à dignidade de terceiros;

– A liberdade de culto, com vários graus deamplitude, de acordo com o país e sua tradiçãoreligiosa;

– A liberdade de associação, desde que comobjetivos ostensivos, bem definidos e sem incor-rer em ilícito de qualquer natureza;

– A liberdade de reunião, desde que pacífica.Mas a evolução da Democracia não pára, sem-

pre e principalmente, enfocando a maior participa-ção dos cidadãos nas decisões do governo, visan-

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Comportamento24

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CIA do ao bem-comum, objetivo síntese do Estado.

Além da eleição e da participação formal dire-ta (plebiscito, referendo etc.), novos mecanismosvão surgindo, até mesmo em função de desenvol-vimentos tecnológicos, permitindo que, cada vezmais, os cidadãos possam ser ouvidos e possamser aferidas suas vontades, no que se poderia cha-mar uma autêntica evolução no sentido da Demo-cracia Direta. Nesse particular, podemos citar:

– Novas formas de organização da sociedadealém dos partidos políticos, como por exemplo asONG (Organizações não Governamentais), queabrem novos canais de atuação e ressonância dasposições do povo em relação aos assuntos de in-teresse público;

– Novos métodos de auscultação da opinião pú-blica, por meio das, hoje, tão comuns e freqüentespesquisas de opinião, que permitem aos governan-tes tomar ou deixar de tomar determinadas medi-das detectando reações favoráveis ou não da socie-dade, assim como aquilatar, sempre que desejável,os índices de popularidade do governo, a credibili-dade das instituições etc. Na realidade, não seriaexagero considerarem-se estas pesquisas como umamoderna forma de referendo ou plebiscito;

– Novos veículos de manifestação da socieda-de, especialmente explorando os recursos da In-ternet, dando um novo significado à liberdade deexpressão, pois o cidadão dispõe, agora, de ummeio virtual muito mais dinâmico e acessível aele, dotado de notável poder de capilaridade, per-mitindo a troca de idéias e sua disseminação ra-pidamente e de maneira sempre crescente;

– Aperfeiçoados veículos de comunicação demassa, especialmente a televisão com todos osseus modernos recursos, proporcionando ao povoa oportunidade de aperfeiçoar sua consciênciapolítica, podendo, até mesmo, assistir, em tempo

real, ao desenrolar de importantes eventos políti-cos, entre outros, que outrora só lhe chegariamao conhecimento de maneira limitada, às vezespor meio de uma transmissão radiofônica ou nodia seguinte, por uma notícia de jornal.

Todas essas novas formas de exercício da ci-dadania, no entanto, são inovações recentes, al-gumas delas ainda, pode-se dizer, em caráter ex-perimental, já que o seu potencial ainda não foidevidamente explorado e os benefícios devidamenteaquilatados. Por isso mesmo, sobram razões paraque cuidados sejam tomados com o intuito de evi-tar abusos ou distorções, possivelmente por meiode regulamentações que não cheguem ao exagerode cercear o seu uso. No caso das ONG’s, por exem-plo, é importante que haja absoluta transparênciano que diz respeito aos seus objetivos e às suasatividades em geral, bem como quanto às fontesde recursos que as mantêm. No tocante às pesqui-sas de opinião, o cuidado é obvio: impedir a mani-pulação de dados e o uso de técnicas para distor-cê-los. Quanto à correspondência eletrônica, semdúvida, é urgente a busca de formas de controlepara evitar abusos que já se manifestam.

Se observarmos a secular trajetória da De-mocracia, desde os seus primórdios, entre os gre-gos, veremos que, da simples participação empraça pública por meio de votações, as conquis-tas foram avolumando-se e, hoje, o voto para aeleição de representantes, importante sem dúvi-da, é, pode-se dizer, apenas mais um entre osmuitos meios de manifestação popular, que é aessência democrática.

Eis uma particularidade que não pode ser ol-vidada: a forma democrática de governo não éimposta à sociedade, mas é implantada por ela,por meio de um pacto formalizado em uma Cons-tituição elaborada pelo povo por meio de repre-sentantes eleitos e que serve de base para o ar-cabouço jurídico próprio do Estado de direito.

Portanto, compete a esse mesmo povo zelarpelo seu bom funcionamento, participando efeti-vamente. Para isso, além da vontade, deve o povodesfrutar de muitos fatores que aumentem a suaconsciência cívica, entre eles uma educação dequalidade – fator primordial para que, cada vezmais, fique cônscio da sua importância e do deverde lutar pela plena efetividade do regime que es-pontaneamente adotou

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25Reflexão Nacional

O real valor dascoisasO real valor dascoisasA

Renato Paiva LamounierCel.-Av. R1

cabamos de assistir, com o término da missão aoespaço pelo Ten.-Cel. Marcos Pontes, às mais diver-sas manifestações por parte da sociedade. Manifes-

tações estas que já vinham ocorrendo muito antes e, la-mentavelmente, algumas delas bem refletem o grau dedesapreço do brasileiro pelas boas coisas do seu País, asquais, felizmente, não são poucas. Um exemplo, aliás ummau exemplo disso, além das incoerentes declarações doPresidente da SBPC, foi uma entrevista, pelo rádio, em queo Sr. Carlos Heitor Cony e um outro escritor de igual reno-me teciam duras e infundadas críticas ao nosso primeiroastronauta. A ele se referiam como não o fariam a ummarginal, inimigo manifesto e malfeitor da sociedade (comoos parlamentares delinqüentes e réus confessos, absolvi-dos em plenário pelos seus colegas de igual caráter).

Passada a emoção inicial é hora de refletir sobre oreal significado, não só desta realização como, sobretudo,de outras tantas de igual ou maior importância para a cons-trução de nossa nacionalidade. Essa reflexão tem, comopropósito, um registro para o futuro entendimento das ra-zões que terão levado o Brasil a ocupar, ou não, o lugarpara o qual suas potencialidades mais do que o habilitam.A Imprensa, além do seu papel de informar e, também, deformar opinião, é o repositório, através dos tempos e emtodos os lugares, dos fatos e das circunstâncias de funda-mental importância para os pesquisadores interessadosnas verdadeiras causas do sucesso, ou do fracasso, dediferentes países. Esta, pois, arazão de oferecer esta matériapara publicação.

Na mencionada entrevis-ta, o Sr. Cony dizia que “já en-viaram uma cadela e um ma-caco ao espaço, agora estari-am enviando um brasileiro”.Mais do que indignação, sentiimensa tristeza com este co-mentário, não só pelo seu bai-xo nível, como pela insensa-tez e pela ignorância de um

homem considerado como intelectual e que, com estaspalavras revela, numa atitude pública e em flagrante con-tradição com sua enorme e apreciada obra literária, todaa pequenez da sua mente. Sem falar na injustiça paracom uma pessoa que, mais do que nosso semelhante,revela-se muito superior à imensa maioria dos habitan-tes deste planeta e, em especial, do Brasil, onde há tantacarência de valores, principalmente no campo científico.

Acontece, Sr. Cony, que este brasileiro “que foi decarona” à Estação Espacial Internacional é um compatri-ota de enorme valor. Oriundo de uma família modesta dointerior de São Paulo (o pai e a mãe, ambos funcionáriospúblicos, foram, além disto, grandes educadores e forja-dores de caráter ao legar ao País a família que muito bemconstituíram), começou a trabalhar aos 14 anos, estudouem escolas públicas e, mediante concorrido concursopúblico, nelas se incluem a Academia da Força Aérea e oInstituto Tecnológico da Aeronáutica.

Oficial Aviador de carreira, Engenheiro Aeronáutico,Piloto de Ensaio e Mestre em Engenharia de Sistemas (osenhor saberia avaliar o que significa tudo isto, em ter-mos de valor pessoal, de esforço e sacrifício, a par de umelevado quociente de inteligência dedicado a uma vidade permanente estudo e preparação?), afianço-lhe, semdepreciar o seu admirável mister, que não tem a mínimacomparação com a confortável e contemplativa posturado romancista no seu sonho ficcional. Além do mais,diferentemente do senhor e, apesar do alto risco e dograve desgaste à saúde, não terá, e tampouco pretendeter, indenização milionária e polpuda aposentadoria. Maisdo que merecer respeito, ele, o povo brasileiro, que cus-teou toda a sua formação e, em especial, aqueles envol-vidos diretamente no seu preparo, têm direito a um trata-

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Reflexão Nacional26

mento isento de recalques e frustrações típicos dos que,como o senhor, turvados pelo sono do irreal, senão pelainveja, não são capazes de enxergar a grandeza dessefeito. Tal grandeza não se mede pela individualidade, maspelo senso coletivo dos que vêem no Marcos Pontes asua própria realização, com o orgulho de que, assim comoo Brasil foi capaz de produzir um profissional desse quila-te é, também, capaz de produzir tantos outros em quantas

áreas do conhecimento humano se fizerem necessárias.Marcos Pontes foi selecionado pela Agência Espaci-

al Brasileira, um órgão civil da Presidência da República,para, junto com segmentos da nossa indústria de ponta,ser o representante do Brasil no mega projeto multinaci-onal da Estação Espacial Internacional. A capacitação e oprestígio daí advindos o farão um interlocutor conhecidoe reconhecido mundialmente, apto a defender os interes-ses nacionais, interna e externamente, pois, embora ouniverso seja infinito, o mesmo não ocorre com o espaçocircundante à Terra, onde as fatias destinadas aos satéli-tes artificiais encontram-se, já, à beira da saturação.Quem não for capaz de ocupar, hoje, o seu “pedaço”, nãomais o poderá fazer, quando, e se, um dia, tardiamente,estiver apto para tal. Estamos atrasados e, mais atrasa-dos ainda se forem levados em consideração os avançostecnológicos já alcançados pelo Brasil e prestes a seperderem pela falta de apoio governamental (devido àausência de visão política e estratégica e, não de recur-sos financeiros). Ademais, a nossa privilegiada posiçãogeográfica, favorecendo os lançamentos, fará desta ati-vidade mais que um ato de soberania, pois, além disso,representará um empreendimento de alto interesse eco-nômico pelos serviços a serem vantajosamente oferta-dos à comunidade internacional e pela geração de umsem-número de atividades subsidiárias. Um esclareci-mento ao leigo: é exatamente por esse motivo que a Fran-ça, com o seu Projeto Arianne, construiu um centro delançamento em Kouru, na Guiana Francesa. O recenteepisódio da pretendida cessão da Base de Lançamentode Alcântara bem demonstra a exatidão dessa assertiva,ou seja: por que deixar que outros façam, no nosso terri-tório, aquilo que nós mesmos podemos fazer e em nossobenefício? E, falando em aspectos econômico-financei-ros, é importante mencionar que o custo da “passagem”(como assim insistem em mencionar os críticos semconhecimento) do astronauta brasileiro representa ape-nas 0,7% do dinheiro “movimentado” (um eufemismo pararoubado) pelos escândalos ora sob investigação das CPI’s.Se, além destes, levarmos em conta apenas os últimosgrandes escândalos de corrupção comprovada, teríamosdinheiro mais do que suficiente para completar o Progra-ma Espacial Brasileiro e muitos outros de grande e realinteresse nacional.

Não só economicamente, mas, também, social ecientificamente, a Missão Espacial Completa Brasileirarepresenta um programa muito além dos seus objetivosimediatos, quais sejam os de desenvolver, projetar e cons-truir um Veículo Lançador de Satélites e os próprios saté-lites para diferentes fins, lançados a partir de um com-

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Reflexão Nacional27

plexo aeroespacial igualmente desenvolvido, projetado,construído e operado por brasileiros com tecnologia na-cional. O alcance e o domínio de todos esses ciclos sãoa fase inicial e basilar para vôos maiores onde, semdúvida, a competência, a experiência, o preparo, a sim-patia e a simplicidade (estes dois últimos como caracte-rísticas dos homens verdadeiramente grandes e consci-entes de seus valores e responsabilidades) do CoronelMarcos Pontes terão um papel decisivo para que tripu-lantes brasileiros conduzam naves espaciais brasileirasnum projeto autônomo sem, contudo, desprezar a coope-ração técnica internacional, somando esforços, como ofazem russos, americanos e europeus. Hoje, o nosso pri-meiro astronauta não foi de carona (como assim desejaretratá-lo quem se compraz em denegrir sem fundamen-to, em vez de louvar o mérito), na nave russa Soyuz.Como integrante de uma equipe, ele está tecnicamentepronto para o treinamento que o capacita às diferentesfunções de uma tripulação e, se houver tempo e oportuni-dade para tal, ele bem saberá o que e como fazer paraque outros sigam os seus passos, como nós, os aviado-res de hoje, seguimos as pegadas que Santos-Dumont eoutros pioneiros deixaram nos céus de todo o mundo.

Fazendo parte de um Programa Espacial Brasileiro,como seu dirigente ou conselheiro, não importa, nele, otítulo ou cargo do Dr. Pontes, o importante é que, sob estanova era por ele inaugurada, aquele se constitua numprojeto-locomotiva, assim chamado como o são as em-preitadas capazes de gerar excelência multidisciplinar eimpulsionar a pesquisa e o desenvolvimento, como ba-ses de um progresso auto-alimentado pela indústria epela demanda projetadas além de um pólo regional. Avisão política e a estratégica de Casimiro Montenegrocriaram as bases para o complexo industrial-científico-tecnológico da região de São José dos Campos, hojeampliado para a de Gavião Peixoto, em face da necessi-dade de expansão da EMBRAER. A propósito, a qualidadeaeroespacial exigida em tudo o que se refere à conquistado espaço repetirá o salto tecnológico proporcionado pelaqualidade aeronáutica quando, sucedendo à qualidadeindustrial, foram superadas as meras exigências merca-dológicas voltadas, então, para o consumidor e passou asatisfazer os rígidos padrões de eficiência, segurança eprodutividade deste patamar, onde, mais do que competi-tivo, há que ser à prova de erro. A sociedade brasileira e,principalmente, os que nela têm influência, precisa com-preender que os programas sociais, ainda que importan-tes, justos e indispensáveis, não podem ser impedimen-to para aqueles outros capazes de levar o País a, um dia,não mais precisar humilhar seus filhos com assistência,

cuja pródiga generosidade mais avilta do que assiste emais sufoca do que estimula o progresso social.

Aí estão os magníficos resultados de projetos-loco-motivas como o foram, dentre tantos, o Instituto OswaldoCruz, o Correio Aéreo Militar (sucedido pelo CAN, a maiorobra social já realizada no Brasil), a Companhia Siderúr-gica Nacional, a Petrobrás, o Programa de Metas do Pre-sidente Juscelino (este, aperfeiçoado do seu binômio“Energia e Transporte”, em Minas Gerais). Os projetos-locomotivas gerados pelos cérebros privilegiados e pelalucidez política e administrativa de Eugenio Gudin, Ro-berto Campos e Mario Simonsen levaram o Brasil da 58ªà 8ª economia do mundo e ao pleno emprego num espaçode menos de 20 anos (somos agora a 14ª, atrás da Coréiado Sul e do México que, na época, nem despontavamnesse cenário). Hoje temos projetos que podem ser aslocomotivas do século XXI, entre eles o quase paralisadoPrograma Nuclear para Geração de Energia, o Programado Submarino de Propulsão Nuclear, o Projeto Genoma eo vasto leque de pesquisas e conquistas da EMBRAPA.Relacioná-los todos, os do passado, os da atualidade eaqueles em gestação não é o objetivo em pauta. Ficamsomente, como exemplo, a mostrar os males da descon-tinuidade e a inimaginável falta de uma Proposta Básicapara Ações de Governo, no lugar de improvisações, cujoalcance nunca vai além das necessidades primárias dosubdesenvolvimento mental.

Em suma e para terminar, pois extensa já se vai estaque pretendia ser apenas uma reflexão, o real valor dascoisas está naquilo que transcende à mera percepção damesquinharia e do imediatismo, evitando o desperdícioe, pior, a fuga para o exterior do maior patrimônio de umanação que é a sua inteligência. Já nos basta ser, ironica-mente, um exportador decapitais (via serviço dadívida externa, e da in-terna também com osBancos estrangeiros).Basta-nos apenas culti-var a máxima do “Valo-riza a teus Pares queValorizas a ti Mesmo” e,assim, fugir do comple-xo de colônia, deste gri-lhão cultural a impedir,não o ufanismo episódi-co e pueril ou a xenofo-bia arcaica, mas a realdimensão do que pode eprecisa ser feito

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Reformulação28

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iaFrancisco Martins de SouzaDoutorando em Filosofia, Professor do IFCS-UFRJ

1. O autoritarismo no Brasil instala-se, precisa-mente, com o regime republicano. Nos fundamentos,é a prática autoritária que se caracteriza no presidenci-alismo da República Velha e o desdobramento destaconseqüência é a teorização plena por intelectuais quevivenciaram essa primeira República, para dilatar ereafirmar os desígnios do pensamento autoritário re-publicano.

2. As questões suscitadas para tal iniciativa par-tem, em primeiro lugar, da necessidade de afirmaçãorápida da jovem nação no contexto da Civilização Oci-dental, com as contribuições sócio-econômicas e cul-turais e suas deficiências no âmbito de tal proposta.

3. Do modelo importado do Republicanismo Li-beral, bem como do Positivismo (Carta Constitucionalde 1891), resultou o rompimento com o modelo quese aperfeiçoava, o da tradição monárquica parlamen-tar. A falta de uma filosofia ou ideologia acabada im-prime rumo diverso da tradição, tornando o novo re-gime político vítima da improvisação empírica e dosabalos catastróficos das revoluções, bem como daespeculação internacional. O “deixar passar” do Libe-ralismo sem desenvolvimento estava gerando a com-petição diante das formas mal definidas da Economiae acelerando o empobrecimento social.

4. Surge o primeiro teórico para compor uma novaordem nos princípios caóticos do Liberalismo repu-blicano. É Alberto Torres (1866-1917), que busca,por meio de uma proposta revisionista da Constitui-ção de 91, reformular a direção política e transpor,para o plano da teoria, a prática desorganizada da ex-periência dos primeiros republicanos. Início das idéi-as nacionalistas, reorganização da economia e da po-lítica como pressuposto para reorganização nacional.

5. O ideário de Alberto Torres desencadeia os sen-timentos nacionalistas que se manifestam no Tenen-tismo e na Semana de Arte de 1922, em São Paulo. Osentido expresso pelos modernistas aponta para acaptação da realidade brasileira, seja pela via analíti-

ca, seja pela sintética. O esquema modernista traz, deforma embrionária, solução no sentido ideológico dosmodos de formação do conhecimento da realidadenacional. O intelectual de maior destaque no contextomodernista da Semana de Arte quanto à produção deidéias políticas foi, sem dúvida, Plínio Salgado (1895-1975), que se tornou o ideólogo de uma nova vertenteautoritária do Pensamento Político Brasileiro – o Inte-gralismo – com o intuito de solucionar o grande pro-blema da integração cultural e sua projeção para ofuturo.

6. Na esteira da modernização e de seu instru-mento principal, o autoritarismo, surge outro ideólo-go formado na prática do jornalismo e com formaçãosociológica – Azevedo Amaral (1881-1942), que de-

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29Reformulação

Atualidade Brasileira Atualidade Brasileira

Nicolas Poussim,“A Continência de

Cipião”, 1640,óleo sobre tela,

114,5 x 163,5 cm

senvolve, de modo bastante claro, o conceito que es-tava sendo posto como solução para resolver o im-passe Liberalismo-Comunismo, que é o Corporati-vismo. A solução para o enfraquecimento do Libera-lismo, de um lado, e a prepotência totalitária comunis-ta, de outro, seria dada no ponto intermediário, com oEstado autoritário-econômico, sendo que a economiaorganizada sob a influência estatal seguiria a teoriza-ção corporativista. Azevedo Amaral torna-se um dosmaiores ideólogos, de grande importância para a im-plantação do Estado modernizador e que viveu parteda experiência do Estado Novo.

7. Para mudar a estrutura sócio-político-econô-mica seria necessária a reformulação dos métodos deensino já arcaizados. Francisco Campos (1887-1968)

desenvolve a ideologia do Estado Nacional condutor.A modernização seria acelerada a partir da Reformado Ensino em todos os níveis, da implantação da Uni-versidade; da modernização da infra-estrutura dasEscolas Industriais (o ensino industrial seria o primei-ro dever do Estado para com os jovens de menor pos-se); da Constituição orgânica para implantação daDemocracia orgânica pelo instrumento do Estado au-toritário; da Economia corporativa; e de todas as de-mais reformas consubstanciadas no corpo da Cartade 37, da qual foi autor.

8. A organização do Trabalho e do Capital para anova ordem, quanto à parte técnica, é obra do teóricoOliveira Viana (1883-1951), que reitera o papel do Es-tado condutor da sociedade ao verdadeiro esclareci-

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Reformulação30

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

Azevedo Amaral - O Estado Autoritário e a Realidade Nacional– Introdução de Bolivar Lamounier, Câmara dos Deputados,voI. 11, 1981.Francisco Campos – O Estado Nacional e Outros Ensaios –Introdução de Francisco Martins de Souza, Câmara dos Depu-tados, voI. 20: 1983.Oliveira Viana – Populações Meridionais do Brasil e Institui-ções Políticas Brasileiras – Introdução de Antônio Paim, Câma-ra dos Deputados, voI. 14, 1982.Problemas de Direito Corporativo – Introdução de AlbertoVenâncio Filho, Câmara dos Deputados, voI. 16, 1983.

* (Conferência realizada em 6 de novembro de 1984, no Semináriodo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Soci-ais do Colégio Sagrado Coração de Jesus, na Rua Ferreira de Al-meida 42, no Alto da Boa Vista.)

mento, como termo da passagem à Democracia autên-tica, em que os direitos e deveres serão assumidos deforma plena. Teoriza para o Corporativismo grupalista,fornece ao Estado o instrumental jurídico necessário àimplantação dos grandes conglomerados econômicose de assistência social (os Institutos), todos de forma-ção corporativa. A legislação do Trabalho, as Juntas deConciliação, as Confederações de Indústrias e os Sin-dicatos são frutos da organização a que estes pensado-res sociais se dedicaram e que se encontram em plenavigência. As idéias desenvolvidas por Oliveira Vianaseguem o método utilizado por todos os ideólogos desua geração, que é a compreensão da totalidade dosproblemas mais prementes da realidade brasileira.

9. O autoritarismo, na atualidade, desenvolve no-vos conceitos, principalmente os que emanam daDoutrina da ESG, no sentido de capitalizar o que foiaproveitado dos pensadores precedentes, bem comoverificar os modos de assegurar e desenvolver os be-nefícios sociais e econômicos já conquistados. Osconceitos são os de Segurança e Desenvolvimento.

10. Como vimos a partir desta exposição parcela-da do autoritarismo brasileiro, que se nutriu de diversasvertentes promanadas dos ideólogos que se alçaramdo seio da própria sociedade civil, e que se tornaramexpoentes no pensamento político brasileiro, não ti-nham sido ainda devidamente reconhecidas suas in-fluências na condução da prática política. Os ideólogosnunca foram devidamente citados pelos autores políti-cos; só recentemente, por iniciativa da Universidade deBrasília e da Câmara dos Deputados, parte significativado conjunto das idéias do Pensamento Político Repu-blicano foi, devidamente, avaliada e publicada, estan-do ao alcance de todos os interessados em pesquisas.

11. Diante da posição que tomaram esses intelec-tuais, ou seja, a orientação para o autoritarismo mo-dernizador, perguntamos se deve o Estado ser postocomo responsável por todo equilíbrio ou desequilí-brio social e econômico. Lançamos uma hipótese quepode ser reformulada conforme o debate a que tal idéiase expõe. A hipótese baseia-se nos fatos de nossaHistória Política recente, para não ir além do períodorepublicano. É a de que a sociedade, por enquanto,mira-se não em si própria, mas nas iniciativas do Es-tado e, enquanto assim fizer, não está preparada paraassumir seu papel pleno, sem interferência do Esta-do. O Estado democrático liberal caracteriza-se peloEstado mínimo, e o que vemos é a sociedade exigirmais amparo da par te de um Estado que, cada vez

mais, se tornará forte pelo próprio exercício do podercientífico, tecnológico e econômico que desenvolve.

12. Concluindo este roteiro, poderia apenas fazerpequena proposta para uma reflexão sobre a saída doautoritarismo. A saída não será mediante a mudançade partidos no poder ou de políticos com fórmulasmágicas, pois o Estado não está alicerçado em Parti-dos de última hora e, muito menos, em vontades indi-viduais transitórias. O alicerce do Estado é sua própriaHistória Política que está, por sua vez, embasada emdoutrina que já deu frutos e, cada vez mais, a socieda-de cobra de sua eficiência. Quando uma parte con-quistada, a exemplo dos Institutos de Previdência, nãofunciona a contento, a organização dessa parte deveser repensada. Deveriam os Institutos retomar a suaordem inicial, conforme os interesses dos associa-dos, por classes? Lembrar que os Institutos foramorganizados para a defesa dos interesses comuns,tanto na Previdência, como na Produção e na Econo-mia, conforme doutrina de Oliveira Viana.

A saída, então, só será possível, quando a socie-dade estiver suficientemente amadurecida para assu-mir o seu papel, deixando ao Estado, apenas, a regên-cia das leis, o Estado mínimo, e isso talvez seja possívelno próximo milênio. Autoritária é a ideologia de todo oordenamento do Estado e de sua função, que é a buro-cracia. Desmontar este arcabouço é tarefa para novosideólogos ou filósofos que consigam ir além, com ins-trumental de idéias superiores às dos ideólogos dasdécadas de 20 e 30 que estão sendo revisitados. Não étarefa para políticos do imediatismo partidário, estesnavegam no fluxo autoritário e não têm muita importân-cia no processo. Só uma grande reformulação no pla-no das idéias políticas poderá fazer surgir uma NovaOrdem com base nos novos princípios

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31Balanço Histórico

Corrupção Sistêmicaou Endêmica?

E Outras Considerações

Corrupção Sistêmicaou Endêmica?

E Outras ConsideraçõesJesse Ribeiro da SilvaTen.-Cel. Dent. R1

H á algum tempo, esperávamospelo pronunciamento de líde-res militares quanto ao lama-çal em que se encontra a po-

lítica brasileira. Assim é que lemos,com satisfação, o “PONTO LIMITE” doTen.-Brig. Ivan Frota, em edição re-cente da Revista aeronáutica. Por ha-ver acompanhado, de maneira parti-cipativa, os últimos anos da HistóriaPolítica, tendo, mesmo, tido a cora-gem de candidatar-se à Presidência daRepública, sem o apoio da mídia ou osuporte de grupos que, agora, vemoscomo atuam e o que buscam, tão logoseus representantes assumem o Po-der. Evasivamente, declaram ser estaa regra predominante, há décadas,mas que, pela divulgação dos escân-dalos, prometem corrigir, com umaconveniente reforma política.

O Brigadeiro Frota tem toda a cre-dibilidade para o embasamento dosconceitos e advertências contidos emsuas assertivas, e deve ter em men-te, parece-me, sugestões pragmáti-cas para a solução do problema.

Confesso-me surpreso com osíndices divulgados nas pesquisas deopinião. Percebo terem as mesmasdúvidas as pessoas que, espontane-amente, externam suas inquietaçõesnas filas de bancos ou dos supermer-cados, lugares que normalmenteagregam representantes de todos os

estratos sociais. Declaram-se atémesmo saudosas da época dos go-vernos militares, quando vivíamoscom segurança e eram raros os epi-sódios de escândalos. Quando os ha-via, eram logo punidos de maneiracoercitiva e exemplar.

No caso das pesquisas, ou a me-todologia deve ser aperfeiçoada, ouos parâmetros seletivos melhor afe-ridos, bem como a escolha dos seg-mentos populacionais. Pelo aparenteparadoxo dos índices apresentados eo que ouvimos aleatoriamente daspessoas, podemos inferir que o povonão aceita mais ser enganado, assis-tindo ao ignominioso elenco de cri-mes graves e contínuos com a leni-ência ou mesmo com a participaçãodireta ou paralela dos ATUAIS GOVER-NANTES, convergindo todos esses fa-tos para o que só podemos conceitu-ar como corrupção sistêmica.

A ONU afirma que o preço da cor-rupção é pobreza, subdesenvolvimen-to e sofrimento humano e que todospagamos por isso. Temos todos,portanto, o dever de combatê-la. Atentativa de blindagem do Presidentejá não é mais aceita. A propósito,a mídia divulgou, recentemente, aseguinte declaração de um influentesenador “ou o Presidente é corruptoou idiota”. Seriam inaceitáveis taisqualificações ao primeiro manda-

tário da nação, desconsiderados seu“background” político, sindical, esco-laridade etc., não fosse a sucessãode acontecimentos mal explicados aque assistimos todos os dias.

Vimos estarrecidos, em função daimportância da pasta que exercia, umde seus mais íntimos colaboradores,ao passar o cargo à sua sucessora, aela referir-se como “ex-camarada dearmas”. Qual é a leitura que faremosde tal “elogio”?

Aos mais jovens, urge lembrar quetemos, hoje, muitos companheirosmutilados, socialmente alienadospelas limitações e seqüelas que asinjúrias físicas lhes causaram, con-seqüências diretas das ações in-sensatas desses ex-guerrilheiros eex-exilados. Outros, vítimas dessesmesmos “heróis”, não resistiram: ejá nos deixaram...

Parte da população não entendea inoperância das nossas autoridadese das leis que, cada vez mais, esti-mulam a criminalidade, eis que osdelinqüentes raramente são punidoscom o rigor adequado. Dados oficiaisafirmam que, no Brasil, de cada 100homicídios, apenas cinco são investi-gados, e, desses, somente dois sãopunidos com pena prisional.

Repensando o Brasil dos últimos30 anos, alguns aspectos atinentes àPolítica e à História de nosso País não

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Balanço Histórico32

podem ser ignorados pela sociedadeou pelos políticos (cultos ou semi-al-fabetizados), a menos que despreze-mos as eventuais conseqüências queadvirão, a continuar os desmandosque se vêem em alguns Poderes, sen-do, mesmo, alarmante a complacên-cia ou a conivência das autoridades.

Particularmente, tenho sentido queas cartas que enviamos aos jornais,antes consideradas como parâmetrode avaliação da opinião dos leitores,hoje, quando publicadas, mutilam-nas,desde que o “affair” comprometa seg-mentos do Governo, ou firam suscep-tibilidades, mostrando algo que os po-líticos não querem ver.

As Forças Armadas, sempre aler-tas, entendiam, como função consti-tucional, tomar atitudes que, quandomenos, inibissem a ousadia dos en-volvidos, exigindo medidas enérgicas.Talvez seja esta a explicação para aimprensa insistir em subestimá-las,tentando mostrar a desnecessidadede seu preparo, seu reequipamento,e “updating” de suas equipagens, soba falsa alegação de economia. (A do-tação orçamentária é inferior a 2%do PIB).

Ignoram-se, paradoxalmente, aextensão de nossas fronteiras e o cres-cimento incontrolado do narcotráfico,(já somos rota preferencial para ou-tros continentes e também temos cul-tura própria para consumo interno).A violência, que já excedeu a capaci-dade das nossas polícias e é a maiorameaça de toda a sociedade, agigan-ta-se, tendo alguns governadores in-competentes se preocupado com es-tatísticas insustentáveis, relegando, aplano secundário, as providências efi-cazes que funcionaram em paísessérios.

Urge, ainda, lembrar que o Bra-sil, dentre as nações que tomam as-sento na ONU, está nos últimos luga-res, quanto a investimentos em FOR-

ÇAS ARMADAS E SEGURANÇA da po-pulação. O Poder Político vem, pro-gressivamente, diria a propósito, ti-rando tudo o que pode dos militares,com a aquiescência de alguns chefestemporários, deslumbrados com orelativo e efêmero Poder (sem quesejamos consultados), ainda queagridam o princípio constitucional dos“direitos adquiridos”.

À guisa de ilustração sobre per-das de direitos, citaria, apenas, a gra-tificação de compensação orgânica,(provas aéreas, RX etc.), mesmo querepresentem problemas para a saú-de com o decorrer da vida e que ge-ralmente se fazem sentir quando omilitar já está na reserva, e o poderde influência é menor.

Daí, a necessidade de termos, nosclubes militares, um veículo de difu-são dessas queixas ou demandas, queexija dos atuais líderes a defesa denossos direitos, seguindo os exemploslegados por nossos antigos chefes, deinquestionável credibilidade, que sem-pre se conduziram com dignidade efirmeza.

A História mostra que eles nuncase deixaram influenciar por políticosoportunistas. Sempre que as circuns-tâncias exigiram, tomaram as atitu-des compatíveis com o momento, re-pondo o “cursor” em seu devido lu-gar, sem buscar vantagens pessoais.

Não podemos desconsiderar queos nossos vencimentos em final decarreira são muito inferiores aos decertas categorias de servidores civis,em início (comparadas com a rele-vância da função e a responsabilida-des do cargo).

A pergunta é: nosso currículo éinferior? As funções que exercemossão tão irrelevantes que não mere-cem equivalência, ou não temos um“background” considerável?

Para evoluirmos na carreira, sãoobrigatórias as permanentes e contí-

nuas reciclagens e avaliações perti-nentes.

Sabemos o rigor com que sãoprogramados todos os cursos, para-metrizados com os equivalentes noprimeiro mundo, eis que os intercâm-bios permanentes com a JID e o CIDassim estabelecem.

Ainda assim, a disponibilidade devagas e acesso nem sempre é possí-vel a todos, o que representa a com-pulsoriedade à reserva de um signifi-cativo segmento do efetivo, à cata deoportunidades no mercado, enquan-to a idade permite. Por outro lado,vemos setores privilegiados, mesmoque não apresentem resultados tan-gíveis que justifiquem sua hipertrofiadentro do sistema.

Por exemplo, a equipe econômi-ca, dona absoluta da verdade no go-verno passado. Analisemos: em 500anos de História, tínhamos uma dívi-da interna do 60 bilhões, os “gênios”transformaram-na em 800 bi em ape-nas oito anos, mesmo privatizandotudo que puderam a preços questio-náveis, como, por exemplo, a CVRD.

Onde está a eficiência? Suas pers-pectivas anunciadas eram semprepostergadas ou tinham debitados osresultados negativos relativos a even-tos que, nem sempre, nos diziam res-peito ou, até mesmo, a evasivas des-cartáveis. Os projetos desenvolvidospela área militar, de importância trans-cendental para o País, como o Proje-to Sivam, sofreram a influência ma-léfica de políticos despreparados, es-timulados pela corrupção, visandoatender interesses espúrios, em de-trimento de sua importância estraté-gica em uma região de riquezas ines-timáveis, alvo da potencial cobiça detodo o planeta.

Nossos ex-ministros, hoje Coman-dantes, foram alijados do primeiroescalão do governo, não mais parti-cipando das decisões governamen-

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33Balanço Histórico

tais. Ao perderem “status”, infere-seque também fiquem desobrigados deconcordar com medidas que, a seusjuízos, lhes digam respeito, as queconcernem aos seus Comandados.

Os militares, hoje, sequer sãocogitados quando da substituiçãodo Ministro da Defesa. É possívelque, na ótica dos políticos de plan-tão, não tenham preparo adequadoa tão importante cargo, ainda que te-nham sido preparados em assuntosque visem à defesa, à soberania e

aos interesses estratégicos do País.Temos assistido pelos canais de

TV a cabo, os protagonistas do as-sunto que dominam a mídia, (no casodo Mensalão), apresentando-a àsCPMI’s com o respaldo de “habeas-corpus” preventivos, exarados peloSTM, o que lhes permite mentir, omi-tir dados ou silenciar, quando as res-postas poderiam incriminá-los, dificul-tando o trabalho dos parlamentares.

Os próximos depoentes, segura-mente usufruirão do mesmo privilé-gio, o que tornará parcialmente inó-

cua a tarefa das CPMI’s.Sem discutir oudesconsiderar o or-

denamento ju-rídico em

q u e

se baseou o STM, em tese,entendemos que, quandodo estabelecimento dasLeis, há o pressuposto deque, em sua aplicação,

não se deva pres-cindir da acuida-de cognitiva e do

discernimento inteli-

gente dos juízes no mérito da ques-tão em julgamento. A pergunta é:que interesse maior deveria ter oSTM, que não o esclarecimento rá-pido desses crimes perpetrados con-tra a economia da Nação, com a pu-nição exemplar dos culpados e a li-beração do parlamento para a solu-ção dos problemas que se acumu-lam em suas pautas, enfim...

Penso que a grande maioria dosbrasileiros discorda do estágio em queestá o comando do País e aguarda,com ansiedade, que atitudes sejamtomadas por quem de direito.

Cumpre-nos preencher o espaçoconquistado por antigos camaradas,de saudosa memória, que, com sa-crifícios até da própria vida, outorga-ram à História capítulos de relevân-cia maior e que jamais poderiam ima-

ginar como as coisas evoluiriam nosdias em que vivemos.

Demonstraram, sem-pre, bom senso e ca-

pacidade de dis-cerni-

mento, princípios pragmáticos e dis-ciplina consciente, mas com corageme intransigência, quando o objetivoúltimo era o engrandecimento do Paíse o bem-estar de nosso povo. Enten-demos, hoje, que medidas sérias, efi-cazes e patrióticas, devam nortearnossas atitudes primeiras.

CONSIDEREMOS!

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Teologia34

Jesus ExistiuJesus ExistiuEstêvão BettencourtTeólogo

Com as palavras acima, o cidadãoateu italiano Luigi Cascioli inter-pelou o Pároco da cidade de Bag-

noregio, Monsenhor Enrico Righi, acu-sando-o de explorar a credulidade dopovo ao apregoar um personagem ine-xistente. O desafio repercutiu amplamen-te na opinião pública, dado o caráter daacusação.

Na verdade, não será difícil provar aexistência de Jesus Cristo. Existem docu-mentos romanos, judeus e cristãos quea atestam.

Documentos RomanosEmbora Jesus tenha vivido num rin-

cão (Palestina) do Império Romano epudesse ser confundido com um dos in-significantes agitadores da região, ele émencionado por Tácito, Suetônio e Plí-nio, o Jovem, entre os anos de 110 e 120.

Eis o que escreve Tácito:“Um boato acabrunhador atribuía a

Nero a ordem de pôr fogo à cidade. Então,para cortar o mal pela raiz, Nero imaginouculpados e entregou às torturas mais hor-ríveis esses homens detestados pelas suasfaçanhas, que o povo apelidava de cris-tãos. Este nome lhes vem de Cristo que,sob o reinado de Tibério, foi condenado aosuplício pelo Procurador Pôncio Pilatos.Esta seita perniciosa, reprimida a princí-pio, expandiu-se de novo não somente naJudéia, onde teve sua origem, mas na pró-pria cidade de Roma.” (Anais, XV 44).

Poucos anos depois, em 120, Sue-tônio, também hábil historiador, escre-veu a Vida dos Doze Césares, em quecita duas vezes os cristãos: uma primei-ra vez para confirmar que eram perse-guidos desde os tempos de Nero. Na se-gunda vez, referindo-se ao reinado deCláudio (41-54), diz que este “expulsoude Roma os judeus, que, sob o impulsode Cresto, se haviam tornado causa fre-qüente de tumulto” (Vita Claudii, XXV).A informação coincide com a de Atos 18,

2; a expulsão deve ter ocorrido por voltade 49/50. Chrestós é a forma grega equi-valente a Christós, que traduz o hebrai-co Messias. Suetônio, mal informado,julgava que Cristo se achava em Roma,instigando as desordens.

Em 111, chegou à Bitínia e ao Pon-to, províncias da Ásia Proconsular (Tur-quia de hoje), Plínio, o Jovem. Com otítulo de Legado Imperial, era homem deletras e, uma grande parte de seus escri-tos, são cartas. Como bom administra-dor, guardava uma cópia dos relatóriosenviados ao Imperador Trajano, de modoque, apesar do segredo dos arquivosimperiais, temos conhecimento de boaparte dessa documentação.

Plínio era um homem sério e inteli-gente. Em 112, enviou a Trajano umacarta minuciosa a respeito dos cristãos.Recebera denúncias contra eles, pren-dera vários deles, submetera alguns ator turas, inclusive duas diaconisas;nada, porém, fora apurado que lesassea boa ordem cívica. Ao contrário, podiadizer que os cristãos se difundiam cadavez mais e “estavam habituados a se reu-nir em dia determinado, antes do nascerdo sol, e cantar um cântico a Cristo, queeles tinham como Deus” (Epístolas, IX96). Deste testemunho depreende-seque, desde os primeiros decênios doCristianismo, o Senhor Jesus era louva-do como Deus.

Documentos JudaicosOs judeus posteriores a Cristo deixa-

ram-nos o Talmud, coletânea de leis ecomentários históricos devidos aos rabi-nos. Apresentam-nos passagens referen-tes a Jesus. O valor de tais testemunhosestá em que, embora se oponham à tradi-ção cristã, não negam a existência de Cris-to, mas procuram interpretá-Ia de manei-ra a ridicularizar os fundamentos da fé cris-tã (quem se daria ao trabalho de desfigu-rar um personagem lendário?). Eis a se-

guir um espécime dos mais significativosdessa tradição. O tratado Sanhedrin, 43ªdo TaImud da Babilônia, assim se refere:

“Na véspera de Páscoa suspenderama uma haste Jesus de Nazaré. Durante qua-renta dias um arauto, à frente dele, clama-va: ‘Merece ser lapidado, porque exerceua magia, seduziu Israel e o levou à rebe-lião. Quem tiver algo para justificar, venhaproferi-Io!’ Nada, porém, se encontrouque o justificasse; então suspenderam-no à haste na véspera de Páscoa”.

Este texto parece envolver contradição:Jesus fora condenado ao apedrejamento,mas a pena aplicada foi a de pender dolenho (crucifixão). A incoerência pode serexplicada pelo fato de que o apedrejamen-to era castigo infligido aos magos e idóla-tras; dizendo, pois, que Jesus fora conde-nado à lapidação, os judeus procuravamjustificar a condenação. Contudo a cruci-fixão de Jesus era fato demasiado arraiga-do na tradição judaica para que se pudes-se dizer que morrera apedrejado.

ConclusãoÉ difícil compreender que alguém

possa questionar a existência de JesusCristo. Esta é evidente não só pela vastaliteratura que trata do assunto desde oséculo I, mas também pela obra ou cor-rente de pensamento chamada “Cristia-nismo”. Homens e mulheres, em grandenúmero, morreram por causa de JesusCristo, tido como figura histórica. Nãohouve quem lhes dissesse estarem a sesacrificar por nada. Com razão, se dizem linguagem popular: “A mentira temperna curta”. A mentira Jesus Cristo nãoteria durado tanto tempo.

O bom senso – e não somente a fé –assegura que não será difícil responderaos tribunais movidos pelo cidadão LuigiCascioli.

??

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35Teologia

Prove-o!!

Rembrandt,“Cabeça de Cristo”

(detalhe), 1658

Prove-o

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Tendência36

O

Ninguém quer a Morte,

mundo está envelhecendo. Em três décadas, haverá tantosidosos quanto jovens. Dessa questão tratam agora a ONU,os demógrafos e os economistas em pânico com as con-seqüências para a Previdência Social. São problemas re-ais, mas do ponto de vista do indivíduo, a notícia do au-mento da longevidade só pode ser alvissareira. “Ninguémquer a morte, só saúde e sorte”, sentenciou Gonzaguinhae, desde então, os brasileiros repetem em coro esse re-frão. A geração dos que entram na terceira idade está co-meçando, se tiver saúde e sorte, uma terceira vida.

A constatação é perturbadora para quem chegou lá,porque será pioneiro em inventar essa terceira vida e ofará sem parâmetros que lhe digam o que é certo ouerrado, aceitável ou ridículo, sadio ou malsão. Janus, comuma face voltada para a liberdade e a outra para a angús-tia e a incerteza. Uma situação que se assemelha, hoje,estranhamente, à adolescência.

“O que é chato no envelhecer é que eu sou jovem”,protestava Colette.

Pessoas que se sentem jovens e ainda não se reco-nhecem em um corpo que não lhes parece seu, lembramos adolescentes que, com um pé na infância, assistemperplexos à revolução hormonal. Mas não é só o corpoque se torna morada incerta. Incerto é o momento emque a chamada vida ativa já se transformou, para a mai-oria, em tempo livre, em perda de identidade profissionale é preciso buscar um novo perfil, como o adolescenteem face da vida adulta se perguntando o que eu vou serquando crescer. O que se vai ser quando envelhecer éuma questão nova, em um tempo em que já ninguémresponde simplesmente: velho.

Velhos eram os senhores alquebrados que chamáva-mos de vovô, eram as senhoras vestidas de negro, semprede luto por alguém – morria-se muito cedo – e carregandoum ar de condenadas, elas mesmas, à morte próxima.

A uma geração a quem se promete mais vinte outrinta anos de vida, em boa saúde, física e mental, estãocolocados uma fantástica oferta de liberdade e um convi-te à invenção. Sobretudo em tempos de mudança de era,quando proscreveram o quadro de valores nos quais es-sas pessoas foram criadas e um corpo de conhecimen-tos que se tornou anacrônico.

Essa geração foi atropelada pelas crises da família edo trabalho, pela globalização e pelas novas tecnologias.Já não é possível viver ignorando o que essas mutaçõesrepresentam como revolução na convivência entre as pes-soas, a transformação que operam no acesso à informação,

exigindo dos mais velhos um diálogo com essa cultura.Os jovens sempre olharam para os mais velhos como

velhos. Só que, hoje, os chamados idosos não se compor-tam segundo a expectativa dos jovens. Mudou sua disposi-ção de vestir os estereótipos com que se lhe ditava uma vidasem futuro. A presença maciça, na sociedade, de pessoasidosas com projetos, vivendo sua vida com energia e inde-pendência, dotadas de recursos e de tempo disponível, cons-titui um fenômeno imprevisto que está mudando as socieda-des por dentro e que, para além de saber quem vai pagar aconta da Previdência, questiona os costumes.

Se os conhecimentos sofreram a combustão dos no-vos tempos, por que não buscar novos? Oscar Niemeyer,nonagenário, toma aulas de cosmologia.

Recentemente os Cantores do Chuveiro deram, lite-ralmente, um show de vitalidade e talento, o que foi bompara eles e para o público, além de servir de exemplo aquem ainda hesita em fazer o que quer.

A grande armadilha que desfigura a existência dequem avança na idade é a nostalgia da juventude perdidae a tentativa desesperada de recuperá-la. Esse desespe-ro tem raiz no sentimento de exclusão, no sinal de menosque vem associado ao envelhecimento. Se alguém seconvence de que já não há lugar para si lá onde está,nada lhe resta senão tentar o impossível retorno. Paraisso todos os sofrimentos e riscos são assumidos, inclu-sive as mesas de operação.

Armadilha inversa é instalar-se em uma espécie defracasso, de mágoa, falar sempre no passado, dar a vidapor consumada e reclamar que nada se faz para os ido-sos como se só lhes restasse a condição de assistidos.

Pessoas mais velhas são capazes de, por si mes-mas, formularem e executarem seus projetos, o que serámais fácil se a sociedade parar de olhar para elas comoproblema, elas que tantas vezes são, sobretudo nas fa-mílias, solução.

Assumir uma identidade viva, compatível com essafase da existência, é mais desafiante do que se lançar naimitação da juventude, aventura em que as fronteiras doridículo e do patético são muito tênues. Talvez, assim, adistância entre jovens e idosos diminua, aumentem aspossibilidades de convivência e proximidade, como acon-tece com quem viaja, visita outra cultura e encontra en-canto na experiência do outro.

Nada melhor para exorcizar o fantasma da morte, jáque há consenso de que a vida é, para todos, moços e maisvelhos, uma doença fatal, sexualmente transmissível

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37Tendência

David Hockney, “Os Meus Pais”, 1977, óleo sobre tela, 182,9 x 182,9 cm

Rosiska Darcyde OliveiraEscritora e autorade “Reengenhariado Tempo”e “A Naturezado Escorpião”só Saúde e Sorte Transcrito do jornal O Globo

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Saúde38

OBESIDADE

Um duro desafioa ser vencido!

OBESIDADEOBESIDADE

Um duro desafioa ser vencido!

DDDDD

Botero, “Donna nel Bagno”, 2000, óleo, 27 x 36,5 cm

Maj.-Brig.-Méd. R1 – Dr. RicardoLuiz de G. Germano

EFINIÇÃO - Trata-se do aumen-to de peso corporal além da nor-

malidade, pelo acúmulo excessivo detecido adiposo (gorduroso). A avaliaçãoquantitativa é feita pelo cálculo do Índicede Massa Corporal (IMC). O IMC é calcu-lado dividindo-se o peso em quilogra-mas pelo quadrado da altura em metros.Os valores são: normal, de 18,5 a 24,9kg/m2; pré-obesidade, de 25 a 29,9 kg/m2; obesidade classe I, de 30 a 34, 9 kg/m2; obesidade classe II, de 35 a 39,9 kg/m2; e obesidade classe III (obesidademórbida), acima de 40 kg/m2.

EPIDEMIOLOGIA - Estima-se que, nomundo, existam 800 milhões de obesose 200 milhões de pré-obesos, entre osquais estão 18 milhões de crianças me-nores de cinco anos de idade. A incidên-cia de obesidade duplicou nos últimosquinze anos, especialmente nos países emdesenvolvimento. Estudo atual nos Esta-dos Unidos mostrou que 65% dos ameri-canos são pré-obesos e 30,4%, obesos.Esse estudo demonstrou também que asmulheres são mais propensas do que oshomens e que os pobres são mais obe-sos, independente da origem racial.

CONSEQÜÊNCIAS NEGATIVASPARA A SAÚDE - A obesidade está as-sociada com significante aumento demorbidade e de mortalidade. As maisimportantes conseqüências negativassão: hipertensão arterial, diabetes melli-tus, dislipidemia, aterosclerose corona-riana e encefálica, doença articular de-generativa (membros inferiores e colunavertebral) e afetação do psicossocial.Além dessas, outras patologias acome-tem os obesos com menor incidência.Dentre elas, temos: neoplasias de cólon,reto e próstata, em homens, e de útero,via biliar, mama e ovários, em mulheres;trombofilia (predisposição à trombose);

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39Saúde

litíase biliar; refluxo gastroesofagiano;apnéia do sono; desordens cutâneas;prejuízo da função respiratória e aumen-to do risco cirúrgico e obstétrico.

ETIOLOGIA - Embora a obesidadeseja a conseqüência da ingestão de ca-lorias excessivas em relação à energiadespendida, existem condições determi-nantes para isso na maioria dos casos.Cerca de 70% da obesidade humana édevida a fator genético. Vários hormôni-os têm sido descobertos e relacionadosà obesidade (atuariam em receptores docérebro para regular apetite e metabo-lismo). Dentre estes, são conhecidos:Leptina, Adiponectina, Ghrelin e α MSH(α Melanocyte-Stimulating Hormone).Destes 70%, somente um pequeno per-centual (4 a 6%) é devido a mutação ge-nética única. Sendo assim, a maioria éconseqüência de alterações genéticasmúltiplas. Além disso, temos condiçõesque podem levar, de modo secundário,à obesidade. Podemos citar: desordensendócrinas (Síndrome de Cushing, hi-potireoidismo, insulinoma pancreático),alcoolismo, menopausa, lesões cere-brais (no hipotálamo) e medicamentos(glucocorticóides, insulina e outros).

TRATAMENTO - Na terapia da obesi-dade, é fundamental a abordagem profis-sional multidisciplinar. Dentre os profissi-onais deveremos ter: médico, enfermeiro,nutricionista, psicólogo, assistente sociale professor de educação física. O consen-so tem demonstrado que a coordenaçãodeve caber ao médico, que pode ser umclínico geral ou um endocrinologista. Osseguintes itens devem ser abordados:

– Dieta: Esse é um pilar fundamentalno tratamento da obesidade. Trata-se,também, de um desafio importante. O pa-ciente tem de se motivar e, para tal, de-pende da empatia em relação à equipemultidisciplinar. Qualquer dieta com menoscalorias que o dispêndio energético levará àperda de peso. O importante é o pacienteaceitá-la e animar-se com o resultado.Cabe principalmente ao nutricionista a

abordagem desse pilar do tratamento;– Exercício Físico: Trata-se de outro

importante pilar no tratamento da obesida-de. Obviamente, o exercício visa aumentaro gasto energético no sentido de negativaro balanço ganho/consumo de calorias,que resultará no emagrecimento (diminui-ção da gordura acumulada). O programade atividade deve ser de exigência cres-cente e agradável para o paciente e, tam-bém, compatível com suas limitações, sehouver. Cabe ao profissional de educaçãofísica essa abordagem. Antes de iniciar aprogramação, o paciente deverá ser avali-ado pelo coordenador médico, que o libe-rará para tal. Alguns pacientes necessita-rão de prova de função respiratória e deteste ergométrico, além dos exames com-plementares básicos;

– Medicamentos:a) Anorexígenos (Diminuidores de

apetite) – Embora esses medicamentosajudem na perda de peso, seu uso, emlongo prazo, fica prejudicado pelo nú-mero elevado de efeitos colaterais quesurgem. Dentre eles, podemos destacar:boca seca, constipação, insônia, tontei-ra, palpitação, aumento da pressão arte-rial e alto potencial de dependência. Comodecorrência, ocorre o chamado “efeitosanfona”, descrito na história dessespacientes que perdem peso, param deusar os anorexígenos e voltam a engor-dar e a usá-los após algum tempo. Sen-do assim, o uso desses medicamentosdeverá ser bem avaliado pelo coordena-dor médico e, se usado, deverá ser porpouco tempo, visando a uma aceleraçãomotivadora do emagrecimento. Os efei-tos colaterais devem ser monitoradospara compensação, se for o caso.

b) Inibidores da Lipase – Essesmedicamentos atuam inibindo a ação dalipase no intestino (a lipase desdobra agordura, preparando-a para a absorção).Como conseqüência, teremos menorabsorção de gordura e, portanto, dimi-nuição do aporte calórico, o que resulta-rá em balanço ganho/consumo negati-

vo. Como efeitos colaterais deste medi-camento, temos: diarréia, incontinênciafecal e diminuição de absorção de vita-minas lipossolúveis (A, D, E e K). Alémde não resultar em perdas de peso im-portantes, o uso deste tipo de medica-mento, em longo prazo, também fica pre-judicado pelos efeitos colaterais.

Existem fórmulas de manipulação àbase de anorexígenos, diuréticos, hor-mônios tireoidianos e, muitas vezes até,antidepressivos, que não devem, abso-lutamente, ser usadas por aumentarem orisco dos obesos, de modo substancial.

– Cirurgia Bariátrica: O tratamentocirúrgico tem, como objetivo, diminuir aentrada de alimentos no tubo digestivo(cirurgia restritiva), diminuir a sua absor-ção (cirurgia disabsortiva), ou ambas(cirurgia mista). Está indicada nos pacien-tes com obesidade mórbida que não te-nham respondido ao tratamento conser-vador. Pacientes com IMC<40, mas queapresentem complicações importantesda obesidade e não responsivos ao tra-tamento conservador, também constitui-rão indicação para cirurgia.

– Reuniões (Clube da Obesidade):É fundamental a interação entre os pacien-tes, os parentes e a equipe multidisciplinar.Aumenta o entendimento da patologia,motiva pacientes e parentes, assim comofacilita a empatia com a equipe.

PREVENÇÃO - A prevenção da obe-sidade transcende aos ambulatórios desaúde, devendo ser uma ação multiplica-dora da equipe multidisciplinar com atua-ção final em famílias, escolas, clubes,igrejas e comunidades (é ação de autori-dades federais, estaduais e municipais).Nessa atuação, deverão ser ressaltados ovalor da dieta (sem excesso de carboidra-tos) e o valor da atividade física.

MENSAGEM FINAL - Espero que oleitor tenha melhorado seu conhecimen-to sobre obesidade. Porém, deve ser en-fatizado que o tratamento requer a co-ordenação de um médico e não é acon-selhável o autotratamento

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Homenagem40

o Pai da o Pai da Alberto Santos-DumontFernando Hippólytoda CostaCel.-Av. Ref.

Logo no primeiro vôo,na tarde chuvosa de11 de maio de 1899,o invólucro dodirigível Nº 2dobrou-se ao meio,e Santos-Dumont caiu

Os Dirigíveis “Nº 2” e “Nº 3”

No ano seguinte, em 1899, SANTOS-DUMONTconstruiu o “Nº 2”. Pouco diferente do “Nº 1”, essenovo dirigível, com o mesmo comprimento do anteri-or, teve aumentado o seu volume para 200m3 ganhan-do, assim, um acréscimo de mais de 20 quilos. Entre-tanto, utilizando o mesmo sistema de “motores conju-gados”, SANTOS-DUMONT conseguiu uma potênciamaior: 4,5 HP.

Construiu, ainda, válvulas mais aperfeiçoadas, compressões diferentes, tanto para o balão de hidrogêniocomo para o balonete a ar. Um ventilador de alumínioinjetava ar, produzido pela bomba do motor, ao balonetede compensação, costurado no fundo do grande balão.

Apesar de todas as precauções, a experiência nãofoi coroada de êxito, pois SANTOS-DUMONT resol-veu proceder à ascensão durante uma tarde chuvosa,a 11 de maio de 1899. Por coincidência ou não, era o“Dia da Ascensão”...

Não desejando esvaziar o invólucro e, em conse-qüência, perder todo o hidrogênio, após ter consumi-do várias horas com os preparativos que antecedemao vôo, SANTOS-DUMONT decidiu realizar de qual-quer forma a subida.

O mau tempo reinante fez com que o hidrogêniose contraísse rapidamente e, antes que a bomba de arpudesse dar o rendimento necessário, o “Nº 2”, sem asua forma aerodinâmica, foi lançado contra as árvo-res do parque. Foi a primeira e única experiência do“Nº 2”. Desse outro acidente, o obstinado inventortirou mais uma preciosa lição.

Sem qualquer desânimo, pois sua força de von-tade era inesgotável, construiu o “Nº 3”, cujo primeirovôo ocorreu em 13 de novembro de 1899, ascenden-do do parque de aerostação de Vaugirard.

A linha do “Nº 3” foi bem diferente daquela dosmodelos anteriores, com 20 metros de comprimento e7,50 metros de altura, o volume alcançou 500 metroscúbicos. O motor de 4,5 HP foi aproveitado do “Nº 2”,porém, logo, SANTOS-DUMONT verificou tratar-se deum motor fraco para um balão pesado.

Com efeito, o inventor substituíra o hidrogêniopelo gás comum de iluminação, mais econômico emais fácil de se obter, mas que possuía apenas a me-tade da força ascensional do hidrogênio. Essa des-vantagem fê-lo concluir, então, que o hidrogênio sen-do 14 vezes mais leve que o ar em que flutua, era o gásideal para uso em balões.

Note-se que, naquela época, o hélio, gás incom-bustível, ainda não fora descoberto.

A “barquinha” do “Nº 3” ficou presa a uma hastede cana-da-Índia com 10 metros de comprimento.Devido a sua forma mais arredondada, foram dispen-sados o balão interno de ar e a bomba injetora de ar.

No dia 13 de novembro de 1899, procedeu-se aoenchimento do balão, iniciado às 11 horas e concluí-do às 12h e 30 minutos. Ainda no solo, foram feitosalguns testes.

O “Nº 3” subiu propositalmente às 15h e 30 minu-tos, para coincidir com o horário do “fim do mundo”,estabelecido por alguns videntes...

A ascensão foi perfeita. O dirigível sobrevoouMontmartre e o Campo de Marte, fazendo diversas

evoluções. Em automóvel, Machuron(sobrinho de Lachambre, ambosconstrutores de balões), acompa-nhava a rota do dirigível.

Não se importando com o presságio astroló-gico, SANTOS-DUMONT evoluiu tranqüilamente como “Nº 3”, contornando algumas vezes a majestosa TorreEiffel, certificando-se que o dirigível obedecia plena-mente ao impulso da hélice (instalada na cauda dobalão) e às manobras do leme de direção.

Com essa dirigibilidade ideal, SANTOS-DUMONTatravessou toda a cidade de Paris, expondo a efi-ciência do seu “Nº 3”, descendo sem perder gás e

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41Homenagem

AviaçãoAviação

Santos-Dumontsubstituiu o

hidrogênio porgás de iluminação

no dirigível Nº 3,em 13 de novembro

de 1899.Ele realizou a

“ascensão maisfeliz” até aquela data

Santos-Dumontfoi a primeira

pessoa a fazer umhangar com portas

corrediças, demovimento

suave e fácil

subindo sem sacrificar o lastro.Numa das sortidas com o “Nº 3”, o leme de

direção soltou-se no espaço, mas SANTOS-DUMONTcom a sua imperturbável calma, conseguiu pousarna planície de Ivry, sem outros danos.

O inventor chegou à conclusãode que o “Nº 3” era um balão muitopesado para um motor fraco demais eassim, resolveu projetar o “Nº 4”, comoadiante será exposto.

Construindo Hangares

Inegavelmente, SANTOS-DUMONT foi quem ima-ginou e construiu o primeiro HANGAR no mundo; di-zia ele que suas invenções precisavam ficar protegi-das numa “garagem aérea”. Realmente, as despesascom o hidrogênio eram custosas, pois, terminadas asascensões o balão era esvaziado para ser guardado.

Com esse simples raciocínio, achou que seriamuito mais viável – e sobretudo econômico – manteros seus dirigíveis estacionados dentro de um hangar.

O primeiro hangar foi construído no ano de 1899,no próprio parque de aerostação de Saint-Cloud: apre-sentava 30 metros de comprimento, 11 metros de al-tura e 7 metros de largura, erguido num terreno adqui-rido, com área de 1 km2. Posteriormente, o compri-mento foi aumentado para 33 metros. Foi concluídoem junho de 1900.

Duas imensas portas podiam ser movimentadascom extrema facilidade, em virtude da utilização depequenas rodas que deslizavam sobre trilhos, outroprojeto do inventor brasileiro.

Apesar de muitos terem afirmado que tal sistemanão funcionaria (sempre os invejosos e pessimistas!),SANTOS-DUMONT provou o contrário, pois o equilí-brio, perfeitamente calculado, fazia com que, com ape-nas um leve toque, as citadas portas se movimentas-sem facilmente.

O segundo hangar foi construído em Monte Car-lo, no Principado do Mônaco, para onde SANTOS-DUMONT deslocou-se para prosseguir suas experi-ências após a retumbante vitória de 19 de outubro de1901, como adiante será reportado.

Esse hangar, localizado no Boulevard de La Con-damine, apresentava dimensões maiores: 55 metrosde comprimento, 15 metros de altura e 10 metros de

largura. Foi construído emmadeira e tela, montadosobre rígido arcabouço deferro. As duas portas me-diam 10 metros de altura por cinco metros de largura,e pesavam, cada uma, 4.400 quilos.

Deslizavam por meio de rodas, sobre trilhos as-sentados no chão e nos varões de ferro que as sus-tentavam.

Apesar do tamanho e do peso dessas portas, elasforam muito bem instaladas, seguindo os operáriosas instruções detalhadas transmitidas por SANTOS-DUMONT. Para se ter uma idéia de como o equilíbrioestava bem distribuído, basta esclarecer que, por oca-sião da inauguração do hangar, os príncipes Ruspoli,netos do Duque de Dino (hospedeiro do brasileiro emMonte Carlo), com apenas oito e 10 anos de idade,movimentaram-nas com extrema facilidade!

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Da esq. para adir.: Ten.-Brig.Octávio Júlio

Moreira Lima,Diretor do

INCAER; Dr.Álvaro Lins dos

Santos; Cel.-Av.Araken Hipólito

da Costa, Diretordo DepartamentoCultural do Clubede Aeronáutica; eMaj.-Brig. Márcio

Callafange, 1ºVice-Presidente

do CAER

ÁlvaroLins

AChefe de Polícia Civil – RJ(2000-2005)

Presidente do ConselhoNacional de Chefes de Polícia

Membro do Conselho Nacionalde Segurança Pública

Membro da AssociaçãoInternacional de Chefes dePolícia (IACP)

Representante da AméricaLatina na elaboraçãodo Manual de PráticasAnti-Seqüestro da ONU

Especialista em Combate aoCrime Organizado Polizia diStato – Roma/Itália (1999)

Professor de Direito Penal –Universidade Gama Filho

Mestre em Direito –Universidade Gama Filho(2004)

Delegado de Polícia Civil –aprovado em 1º lugar (1997)

Formado Bacharel em Direito– PUC/RJ (1993)

Escola Superior de Oficiaisda Polícia Militar (1988)

palestra do Dr. Álvaro Lins dos Santos, ex-chefe dePolícia Civil do Rio de Janeiro, no dia 19 de abril últi-

mo, por ocasião do “Vôo Cultural”, realizado no SalãoNobre do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (IN-CAER) e instituído pelo Departamento Cultural do Clubede Aeronáutica, constituiu-se de excelente oportunidadepara uma visão mais abrangente, bem como, universa-lista da política de Segurança Pública, à altura da expec-tativa da Família Aeronáutica.

O Dr. Álvaro Lins iniciou a palestra com um históricoda criação da Segurança no Brasil, demonstrando que, aoserem criadas, por D. João VI, a Intendência Geral da Polí-cia da Corte, em 1808 e a Divisão Militar da Guarda Realde Polícia da Corte, em 1809, constituiriam os embriõesdas atuais Polícias Civil e Militar, respectivamente.

Essas características, desde a criação de ambas,mantiveram-se durante todos os Governos, dos Imperi-ais aos Republicanos. Ainda longe de se transformaremem órgãos de Segurança Pública, atuavam muito maisna proteção dos poderes constituídos, mesmo nos even-tuais regímens de exceção (vários), pois tinham sido cri-adas para atuar contra espiões e agitadores estrangei-ros, bem como, para a guarda pessoal da Família Real.

Somente após 5 de outubro de 1988, com a novaConstituição, a Polícia passaria a defender o cidadão. Porfalta de treinamento para as novas funções democráti-cas, a Polícia Civil, que houvera passado outrora a umaPolícia Judiciária, de investigação, enquanto a PolíciaMilitar, que passara a ser responsável pelo policiamentoostensivo, na prevenção ao crime, perderam-se em deta-lhes nem sempre adequados, além de adquirirem o atual

espírito corporativo impeditivo da propalada “união daspolícias”.

A seguir, o douto palestrante, após estabelecer parâ-metros com outros países que têm muito mais organiza-ções policiais (15 mil nos EUA, três na Itália e mais de 50em outros), fez uma referência a alguns óbices quanto àatuação da Segurança Pública: o tamanho da própria Cons-tituição de 1988, que legislou sobre quase tudo, o estatutoda Criança e do Adolescente, e o Código Penal brasileiro.Um somatório que sacrifica a Justiça no trâmite de proces-sos e provoca a sensação de impunidade em nosso País.

Disse que, apesar disso, o Rio de Janeiro, atualmen-te, conta com 166 Delegacias, incluindo as mais novas87 criadas no estado; Delegacia Legal; Laboratório deDNA; novos equipamentos, armas e veículos; aumentode efetivo e dos salários dos policiais; registra apreen-são de 42 mil armas; taxa de homicídios solucionadossubindo mais de 40%; e o seqüestro praticamente extinto.

Lamenta, contudo, que a mídia do Rio de Janeirocontinue a publicar os fatos criminais e delituosos nasprimeiras páginas, fazendo eco à mídia do outros Esta-dos que, encobrindo seus delitos territoriais nas páginasinternas, estampam na capa mazelas cariocas.

Isto não apenas incrementa o desejo de notoriedadedos atores no cenário da criminalidade. Da mesma for-ma, são desaconselháveis a mídia do consumo, dasmarcas e da fortuna, para não criar desejos incompatí-veis e determinados segmentos de carência.

Depois de citar o livro “A Lei e a Ordem” do sociólo-go alemão Ralph Dahrendorf, que, em 1985, já apontaradois fatores que aumentam a criminalidade: a tolerânciacom a delinqüência juvenil e com os pequenos delitos(como agressão), o Dr. Álvaro Lins dos Santos, ilustrepalestrante, acentuou a necessidade de “efetuar uma ur-gente revisão na legislação que facilita a impunidade;continuar investindo em inteligência, estrutura e treina-mento policial; e melhorar o controle das nossas frontei-ras, para dificultar o tráfico de armas e entorpecentes”.

É esse o caminho. Tudo o que possa cercear a opor-tunidade e a vontade ao ilícito

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OsiasWurman

Dr. Osias Wurman iniciou a palestra após a exibição deum vídeo, no qual estava evidenciado aquilo que o

eminente expositor denominou como sendo o sentimentomais repugnante do ser humano, o ódio, combustível quealimenta a falta de pacífico relacionamento na área de con-flito do Oriente Médio. Um misto de ódio e humilhação.

Afirmou que após a definição das Nações Unidas,em novembro de 1947, sobre a criação do Estado de Isra-el e do Estado Árabe naquelas terras, a comunidade ju-daica, se organizou e se cotizou para reerguer o EstadoJudeu, ao passo que árabes e muçulmanos não conse-guiram implantar o Estado Palestino.

Após abordar as cinco guerras, pelas quais passou oEstado Judeu, dizendo que na última delas, ao sul do Lí-bano, houve episódios sangrentos e de grande violência,de parte a parte, relatou que os países árabes eram tão,ou mais intolerantes em relação aos seus próprios ir-mãos palestinos, do que as próprias tropas israelenses.Essa é a angústia de um povo que sofre todos os tipos dehumilhação como palestinos, como cidadãos, que nemsequer tem poder de consumo, vendo, na orla marítimade Gaza, defronte ao Mediterrâneo, aflorarem mansõesmilionárias de líderes políticos.

Discorrendo sobre os diversos Partidos e Organiza-ções árabes, informou que a criação do Hamas, não ha-via sido, inicialmente, um protesto contra Israel, e sim,um protesto interno, contra o status de corrupção do blo-co Al Fatah; a OLP foi criada, em 1964 no Egito, numadissidência da irmandade muçulmana; xiitas e sunitas,irmãos do mesmo povo, do mesmo local e, às vezes, damesma cidade, explodem-se entre si.

Do lado de Israel, Ariel Sharon, que havia fundado oPartido mais à direita e conservador, o Likud, abando-nou-o para fundar o Kadima, que era de centro, formandoum modelo ideal. Ao devolver a Faixa de Gaza para ospalestinos, por questões de Segurança Nacional, teve oapoio da massa do povo israelense, que se consideroumais segura, excetuando os mais radicais, de direita,conservadores e, também, os que se fixam em Promes-sas Bíblicas Históricas. Mais adiante, na segunda parte,

dedicada ao debate com o público, o Dr. Wurman afirma-ria que não podia negar que o ódio existe dos dois lados,porque nenhum dos colonos que foram retirados de Gazasaiu sorrindo e por livre e espontânea vontade. Todossentiram o sentimento do ódio.

Acrescentou que muitas variáveis, na região, in-crementam o fundamentalismo que se confunde com oterrorismo. Um deles é que o mundo árabe ficou semuma grande liderança. A mais importante, porém, é adoutrina aplicada pelos líderes à juventude de classemédia baixa e à população mais humilde, mais sofredo-ra e mais ignorante, de que o texto básico do Corão éincutido como fundamental para o dia a dia de um cida-dão, que assim se torna fundamentalista extremado. (Éimportante observar que os filhos de ricos e de clérigosnão se explodem). Convencem que matar, explodir, des-truir, não passa da filosofia original do Islã. Isso, que évendido a eles, é falso. O Islã é uma religião como ojudaísmo ou o catolicismo, ou qualquer outra benéfica,que devem valorizar a vida.

O ilustre palestrante encerrou sua palestra dizendoque os israelen-ses querem con-viver com seusprimos, que estãoao seu redor, por-que todos sãodescendentes deAbraão

OEngenheiro civil

formado pela UFRJe jornalista profissional.

Atividades Comunitárias:

Presidente da FIERJ -Federação Israelita

do Estado do RJ

Vice-Presidente da CONIB -Confederação Israelita

do Brasil

Atividades Jornalísticas:

- jornal O Globo;- rádios Tupi, Bandeirantes,

Mec, CBN e Globo;- TVE-Rede Brasil;

- Comunidade na TV,transmitido por

canal aberto, via cabo e paratodo o Brasil via satélite;

- jornal paulista Tribuna Judaica.

Palestras:em universidades,

escolas, clubes,associações religiosas,

associações comunitáriase grupos femininos.

Panoramaparcial de

personalidadese convidados

presentesao evento

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Reflexão44

Uma história real Uma história real Charles Edwin StartinCel.-Av. R1

Há algum tempo, Karl tinha em mente umrelato para externar, em sua essência, a gratidãoàqueles que contribuíram para a concretização doseu sonho de criança.

Como seu Mestre e Guia registrei o fato acimapara o entendimento do que passo a descrever.

A História e o SonhoNeste instante Karl acaba de descer as es-

cadas da varanda que a liga ao portão de suacasa.

Em seguida, senta-se no degrau que limita acalçada defronte para a rua.

Observo-o de longe, muito longe.Acompanho-o desde que nasceu.

Karl agora já é uma criança de seus cincoanos; sobreviveu ao período crítico.

Continua sentado naquele degrau; ele devaneia.Leio a lembrança que veio em sua mente...;

na manhã do dia anterior, no despertar da al-vorada, o Sol nascendo no horizonte; ... o mes-mo Sol que, com tanto brilho, já banhara comseus raios o oriente; o oriente que o fascina.Surgem as imagens das figurinhas da sua cole-ção. Aquelas que vinham juntas dos sabonetes“Eucalol”.

Imagina como seria o Japão, a China... as ma-ravilhas ilustradas do outro lado do mundo.

As crianças sonham muito, até mesmo acor-dadas.

Felizes aquelas que conseguem realizar seussonhos.

Karl desperta dos seus pensamentos. Desli-ga daquelas imagens.

Agora é quase o entardecer de um esplendo-roso dia que se passou; ainda sentado, naqueledegrau, olha para a esquerda, aguardando apa-recer a imagem da nossa Senhora da Conceição,que se ilumina, à mesma hora, todos os dias doinverno.

Situada numa colina atrás do morro de SantaRosa, o visual encanta Karl. A auréola no topo da

imagem é o detalhe da cena que o faz despren-der-se da realidade.

Parece sentir, em sua volta, a presença daSanta, abençoando-o.

É quase a hora da “Ave Maria”; ouve e seemociona todo fim de tarde.

O Sol começa a se pôr. As primeiras estrelassurgem do lado oposto.

É época de balões.Segue-os olhando com as buchas acesas, tor-

cendo que se apaguem para que caia, pelo me-nos um, em sua casa.

Tentarei descrevê-la. Ela é em centro de ter-reno, com dois jardins na frente. A roseira “prín-cipe negro” e o jasmim perfumam todo o ambi-ente. No fundo, uma área gramada seguida deum quintal com mangueiras, fruta de conde, biri-bá, bananeira, goiabeira, as flores cheirosas domanacá... É o recanto em que toda criança ado-raria viver. Também, o palco favorito em que Karlfaz suas travessuras. Sobe nas árvores, colhe asfrutas, dependura-se, cai algumas vezes. Sustossobre sustos, para sua querida avó.

Karl ama este seu cenário e teme que umbalão rolando pelo telhado ou caindo sobre umaárvore, pegue fogo. Já aconteceu. É o lado per-verso que abala a sua paixão pelos balões. Quan-do caem em seu terreno, tem que sair correndopara apagar as buchas acesas, antes que provo-quem um desastre.

Volto-me para Karl.

Novas lembranças fluem em sua mente; o sustoque levou outro dia; estava na rua, perto de casa.Ouviu um repentino e estrondoso ruído. Olhou parao céu. E um avião passou rasante e começou afazer piruetas muito perto dos balões como quequerendo abatê-los.

O entusiasmo subiu-lhe à cabeça. Gostariaque um dia.... Um dia também caminhasse pe-los espaços afora. Cruzaria os céus em todasas direções. Passaria perto dos balões, mas nãoos cortaria, porque constituíam, com os fogos,

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45Reflexão

de um sonho vividode um sonho vividoa festa que adorava, na época de São João.

Aquele ruído se impregnou na sua alma; to-das as vezes que o ouvia, empolgava todo o seuser. Corria para identificar de que lado vinha.

Imaginava... Aquele aviador vinha passar so-bre a casa da sua namorada.

Ele, também, um dia faria o mesmo; ela sai-ria de casa correndo para vê-lo voando em vôos

rasantes. No auge da sua fantasia, ela o admira-ria e ficaria ainda mais apaixonada. O namorado,um super namorado, o piloto daquela máquinapoderosa vindo vê-la.

Karl descobriu que aquele avião pousava noaeroclube da praia do “Saco de São Francisco”.Daí em diante não deu mais sossego à sua avónos fins de semana. Pedia que o levasse freqüen-

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Reflexão46

Mas como no iníciocitei, oportuna paraexternar a gratidãoàqueles que passo apasso, com empenho,dedicação e empatiacontribuíram essenci-almente para que osonho de Karl se tor-nasse uma históriareal de um sonho vi-vido que o acompa-nhará na eternidade.

Para eles a justa emerecida homena-gem que Karl sempreteve em mente pres-tar. A seus instrutoresdo inesquecível elegendário Ninho dasÁguias do Campodos Afonsos:José Luiz Dias deOliveiraAntonio Arthur BragaReno QueirozFabiano Alves

Autor: O Mestre eGuia de Karl

temente àquela praia, onde, em cima de umapequena colina, havia uma antiga igrejinha. Po-dia ver o movimento dos teco-tecos e a esperan-ça de encontrar aquele que sobrevoava a sua casae o motivava tanto.

Karl tinha, desde muito cedo, uma fascinaçãopor aviões. Era época de guerra e colecionava,também, as figurinhas de aviões para seu álbum“Asas do Brasil”.

Desenhava aviões em todos os seus cader-nos, ora em combate com os aviões inimigos, oraatacando navios agressores.

Consolidava-se uma paixão.

Volto à cena do entardecer. Karl se deslum-bra com a quase noite que agora começava a seestrelar mais intensamente; tudo é magia envol-vente ao seu redor.

Os pássaros retardatários voam velozes nolusco-fusco para os seus abrigos noturnos.

Começa a noite.Sua avó o chama para dentro de casa. Está

na hora de se preparar para dormir.

Karl se deita e sonha. Os balões, a revoadados pássaros, o avião, eram miragens que seentrelaçavam num misto de fantasias e desejos.

No dia seguinte acordou cedo e foi direto aoseu álbum. Identificou o avião dos sonhos. Quertambém voar; um dia se tornará piloto.

Como seu “Mestre” e “Guia” compete-me for-talecê-lo e estimular suas aspirações por toda a vida.

Antevejo que o sonho se concretizará.Karl será muito feliz. Decidiu em criança o seu

destino.

Mas sei... sei que tudo tem um início e umfim. Já segui outros aviadores.

O crepúsculo, para eles, não é como o dospássaros.

Imagino como será quando se desfizerem asasas que conquistou e que o alçaram aos arespor longos anos da sua vida, desde muito jovem.

Como reconfortá-lo para viver sem sentir, doespaço, o nascer do dia e o pôr do Sol; na noite,o desfrutar do luar, a aproximação das estre-

las... ver as cadentes; viver sem a glória de, noar, sentir-se como o dono do seu mundo; viverlonge da intimidade com a cabine de comando,com os instrumentos que norteavam seus vôosdiurnos e noturnos, superando as situações crí-ticas, comandando as ações, compondo um qua-dro complexo de realizações e satisfação, e, acristalização da confiança, em si próprio, desdeo primeiro vôo solo?

O sonho de criança, de voar como os pássa-ros, tornou-se real. Mas há um diferenciador.

Um abismo neste contexto entre os pássarosque observava e os aviadores.

Os pássaros no crepúsculo do dia voam aosabrigos para o descanso no fim da jornada.

Mas no dia seguinte voltam a voar.No entardecer da vida, os aviadores, não.

Repousam para sempre suas asas.

Ao ouvirem o ruído nos céus, olham para oalto e se lembram da cabine que um dia lhes per-tenceu soberanamente. Sentem-se, ainda, nelas.

Também é verdade... no sono de cada noite,freqüentemente, ainda estão voando.

Decolam, voam, às vezes em grupo, às vezessolo. Viajam e sobrevoam os lindos rios, flores-tas, campos e montanhas. Relembram os cenári-os que só eles, repetidamente, se acostumarama deslumbrar. Pousam, vencem os mesmos de-safios. Revivem sonhando.

Quando acordam, retornam à realidade. Emvida, só lhes sobra recordar. À noite sonhar.

É o drama que abala os aviadores.

Fortaleci, protegi, estimulei Karl em todas assuas atividades.

Como ampará-lo aterrado até que se apagueo último feixe de luz?

Tento reconfortá-lo. Insisto com ele.Felizes, os homens que realizam seus sonhos

de criança.Karl, você cruzou os espaços, aproximou-se

das estrelas e dos céus.Agradeça a seu Deus a graça e a ventura al-

cançadas!Fim

Uma história,uma vida,não seja elaexclusivade Karl

Uma história,uma vida,não seja elaexclusivade Karl

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47Sátira

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s pistas de pouso espalhadaspelas fronteiras, principalmen-

te as situadas no Estado do Acre, erammuito curtas. Muitas delas tinham a ex-tensão inferior a 900 metros, quase o limi-te mínimo de operação do C-47, que era oavião utilizado pelo Correio Aéreo Nacionalnas missões de apoio àquelas regiões. Ospisos de grama nelas existentes, quandomolhados, ficavam escorregadios comosabão, o que tornava a aterragem extre-mamente problemática, ocasionando nãoraros acidentes.

Por essa razão, os pilotos tomavamespecial cuidado na hora do pouso, cum-prindo à risca todos os procedimentos desegurança, principalmente quanto à inten-sidade e à direção do vento. Como os cam-pos não dispunham de Torre de Controlepara informar as condições meteorológi-cas, a biruta era um elemento primordialpara a aferição, por parte do piloto, dascondições do vento. Isso ajudava na avali-ação da velocidade a ser mantida, a fim denão corrermos o risco de varar a pista, poisnão podíamos confiar nos freios com aque-le tipo de piso.

Uma de nossas aeronaves, que cum-pria uma Linha do Correio Aéreo Nacional(CAN), a ACRE-1, que pousava em quase

todos os campos do Acre, aproximou-separa o pouso no campo de Feijó, dentro dohorário previsto no planejamento. A tripula-ção era composta por um major bem anti-go e um tenente. Era a equipagem ideal,uma vez que nela se aliavam a experiênciado piloto mais velho e a destreza do maisjovem. Nessa etapa, o major pilotava, ca-bendo ao tenente executar os procedimen-tos preparatórios para o pouso.

Ao sobrevoarem o campo, examinan-do as condições para o pouso, procuraramobservar a biruta que lhes indicaria a pistaa ser utilizada, conforme a direção do vento.

A biruta estava completamente arria-da, o que indicava, aos pilotos, total ausên-cia de vento. Não havendo preponderânciaem qualquer sentido, o major escolheu ale-atoriamente uma das pistas e veio, comtodo o cuidado, para o pouso. No entanto,sentiu que algo de estranho acontecia, poiso avião demorava a perder altitude, comose estivesse flutuando, e o pouso se torna-va difícil. Quando tocou as rodas no solo, jáhaviam percorrido quase um terço da pis-ta, perdendo um bom espaço de seguran-

ça. O major teve de se esmerar ao máximopara não despencar pela vala que circun-dava o campo.

Passado o susto, taxiando em direçãoao pátio de estacionamento, os dois pilotosse conservavam calados. O major, matu-tando o porquê da insólita ocorrência, e otenente, constrangido, acreditando ter ha-vido uma falha de pilotagem que a distân-cia na antigüidade existente entre os doisnão lhe permitia comentar.

Estacionado o avião ao lado do postede sustentação da biruta, ao desembarcar,os pilotos viram que a biruta havia sidoamarrada ao poste e, por isso, não puderaacusar o forte vento que soprava no senti-do do pouso que efetuaram.

Eles haviam pousado com um tremen-do vento de cauda.

O major, estupefato, perguntou ao guar-da-campo o que significava aquilo, ao queaquele bom homem respondeu com toda asimplicidade:

– Sabe, Major, o vento aqui é tão forteque se eu não amarrar a biruta no poste,ela se rasga em poucos dias

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