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Sistematização de Experiências do Projeto “Construindo o Futuro, Preservando a Criação”

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Sistematização de

Experiências do Projeto

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”

Sistematização de Experiências do Projeto 2

ExpedienteResponsáveis pelo projeto Construindo o Futuro, Preservando a Criação: Secretariado Regional da Cáritas Brasileira Regional RSRua Cel. André Belo, 452 – 3º andarBairro Menino Deus | Porto Alegre/RSCEP 90110020 Fone: (51) 32721700Email: [email protected] Facebook: CaritasRegionalRSwww.rs.caritas.org.br

Coordenação Geral do Projeto: Eliane Almeida Pereira Brochet1

Agentes de Cáritas e Articuladores Diocesanos:Elaine Libardi Andreata 2

Salete Elvira Oliveira Wolf3

Maurício Queiroz4

Orildo Carlos Bassoli5

Equipe de Sistematização:Débora Cristiele Kummer6

Elaine Cristina Libardi Andreatta

Eliane Almeida Pereira BrochetMarcia Santos da Silva7 Maurício QueirozOrildo Carlos BassoliRosane Bernardete Brochier Kist8

Salete Elvira Oliveira Wolf

1 Pedagoga em Multimeios e Informática Educativa, Especialista em Informática na Educação. Assessora de Projetos da Cáritas Brasileira Regional RS. E-mail: [email protected].

2 Formada em Licenciatura Curta, Estudos Sociais e em Licenciatura Plena História (UNIJUÍ). Especialista em Interdisciplinaridade e Gestão Escolar. Professora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Doutor Edmar Kruel, Joia. E-mail: [email protected].

3 Assistente Social, Especialista em Políticas e Intervenção em Violência Intra Familiar. Coordenadora da Cáritas Diocesana de Cruz Alta. E-mail: [email protected].

4 Graduando do 7º Semestre em Ciências Biológicas da UNISC. Técnico Agrícola. Integrante da Coordenação da Escola de Jovens Rurais (EJR). Agen-te da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul. E-mail: [email protected].

5 Pedagogo, Especialista em Metodologia de Educação para o Pensar. Coordenador da Cáritas Diocesana de Vacaria. E-mail: [email protected].

6 Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC); bolsista PROBIC/FAPERGS do projeto de pesquisa “Observatório do Desenvolvimento Regional - Análise da Dinâmica e Transformações Recentes da Rede Urbana do Vale do Rio Pardo (1990/2014)” e integrante do Grupo de Pesquisa e Estudos Urbanos e Regionais (GEPEUR). E-mail: [email protected].

7 Administradora, pós-graduanda em Gestão Social. E-mail: [email protected].

8 Assistente Social, Mestre e Doutora em Serviço Social (PUCRS). Pós-Doutoranda Bolsista DOCFIX (CAPES/FAPERGS), Professora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (UNISC). Integrante do Grupo de Pesquisa e Estudos Urbanos e Regionais (GEPEUR). E-mail: [email protected].

Redação final: Rosane Bernardete Brochier KistProdução de ilustrações e gráficos: Débora Cristiele KummerProjeto Gráfico e Diagramação: 3C arte design | Carlos TiburskiTiragem: 3 mil exemplares Impressão: EvangrafAno: 2016

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”3

Esta publicação refere-se ao Pro-jeto “Construindo o Futuro, Pre-servando a Criação”, realizado

pela Cáritas Regional do RS duran-te o período de 2015 e 2016. O re-ferido projeto foi desenvolvido com o objetivo de “Promover o empo-deramento individual e coletivo nas perspectivas social, cultural, econô-mico, político e ambiental, oportu-nizando a interação dos meios rural e urbano”.

Através deste projeto a Cáritas Re-gional RS pretende evidenciar a im-portância do trabalho que vem sen-do realizado em diferentes dioceses do Estado junto às bases comunitá-rias a partir da utilização de metodo-logias de planejamento descentraliza-do, de gestão compartilhada, de mo-bilização de recursos, de sistematiza-ção e de replicação das experiências (CÁRITAS BRASILEIRA REGIONAL DO RS). Nesta perspectiva, através desta publicação estão sendo sociali-zadas três experiências existentes no Rio Grande do Sul que comprovam que é possível garantir a sustentabi-lidade das pequenas propriedades ru-rais através de iniciativas solidárias de geração de trabalho e renda.

Desta forma, será apresentada ini-cialmente a experiência da Rede Lo-cal Joia, desenvolvida na Diocese de Cruz Alta, que evidencia a importância do trabalho da Cáritas na perspectiva do fortalecimento de iniciativas terri-toriais de desenvolvimento solidário e sustentável a partir de um conjun-to de vinte grupos de geração de tra-balho e renda organizados em rede. Na sequência, apresenta-se a tradição

milenar dos agricultores e agriculto-ras da Diocese de Santa Cruz do Sul que mantém viva a prática de guardar as sementes crioulas herdada dos an-tepassados através do Banco de Se-mentes Crioulas, que se tornou uma referência em nível nacional a partir iniciativas que valorizam a agroeco-logia e contribuem para a garantia da renda, da autonomia e da sustentabi-lidade de famílias gaúchas que vivem no meio rural. Por fim, mas sem me-nor importância, apresenta-se a expe-riência do Grupo Delícias Camponesas que põe em evidência o protagonismo de mulheres camponesas organizadas de forma coletiva há mais de quinze anos produzindo panificados na pers-pectiva da soberania alimentar.

No que se refere aos procedimen-tos metodológicos, a partir desta pes-quisa utilizou-se uma abordagem qua-litativa que, de acordo com Minayo (1999, p. 57), “[...] se aplica ao estu-do da história, das relações, das re-presentações, das crenças, das per-cepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam”.

Para realização da coleta de dados utilizou-se as técnicas de pesquisa do-cumental e entrevista. A pesquisa do-cumental consistiu na coleta e siste-matização de dados secundários, es-pecialmente a partir do IBGE (2010; 2011), relacionados com os municí-pios que compõem as dioceses de Cruz Alta, Santa Cruz do Sul e Vacaria. Optou-se pela realização da entrevista semiestruturada, que permitiu, com

base em Marconi e Lakatos (2006), a liberdade para que o pesquisador de-senvolvesse cada situação na direção que julgasse adequada, e a utilização de perguntas abertas que foram res-pondidas a partir de uma conversa-ção informal.

Os sujeitos da pesquisa foram in-tegrantes dos grupos da Rede Local Joia, da Diocese de Cruz Alta; agricul-tores e apoiadores do Banco de Se-mentes Crioulas da Diocese de Santa Cruz do Sul; e mulheres que integram o Grupo Delícias Camponesas da Dio-cese de Vacaria.

A análise dos dados qualitativos ocorreu a partir da técnica de análi-se de conteúdo com base em Bardin (1977), constituída por três fases dis-tintas: a organização da análise ou pré--análise, a exploração ou codificação e o tratamento dos dados e/resultados. Foram utilizadas, também, técnicas de tratamento estatístico simples (MAR-CONI; LAKATOS, 2006) para a análi-se de dados quantitativos, expressos através de figuras como gráficos, ta-belas e mapas.

Espera-se que estas experiências exitosas desenvolvidas no Estado do RS que estão sendo socializadas atra-vés desta publicação possam contri-buir para o fortalecimento de outras iniciativas já existentes no território brasileiro e que elas sirvam de inspi-ração para outras organizações, movi-mentos sociais e instâncias de consti-tuição de políticas públicas a partir da valorização das pessoas, dos coleti-vos, das culturas, dos conhecimentos e das metodologias que contribuem para uma vida mais digna.

Apresentação

Sistematização de Experiências do Projeto 4

1. A Cáritas Diocesana de Cruz Alta e a rede local Joia: fortalecendo iniciativas territoriais de desenvolvimento solidário e sustentável• A Cáritas Diocesana de Cruz Alta e a Rede Local Joia ........................................ 6• Os grupos e instituições da Rede Local Joia ...................................................... 8• A atuação da Cáritas e o fortalecimento das iniciativas ..................................... 11

territoriais de desenvolvimento solidário e sustentável• O apoio da Cáritas Diocesana a partir ............................................................... 12

do Fundo Diocesano de Solidariedade• O apoio da Cáritas Regional do RS ................................................................... 15

através do Fundo Rotativo Solidário• Alguns resultados obtidos na caminhada .......................................................... 16

2. A Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul e o resgate da prática milenar de guardar as sementes crioulas • Os municípios de Cruzeiro do Sul, Encruzilhada do Sul, ................................... 19

Passo do Sobrado e Rio Pardo e as famílias guardiãs das sementes crioulas• A Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul ........................................................ 19

e o banco de sementes crioulas• Encontros diocesanos de sementes crioulas .................................................... 21• Características socioeconômicas ...................................................................... 24

dos agricultores e das propriedades• A Cáritas Siocesana de Santa Cruz do Sul e a importância da .......................... 27

preservação das sementes crioulas para a vida dos agricultores• Resultados do banco de sementes crioulas ...................................................... 30

3. A Cáritas Diocesana de Vacaria e o “Grupo Delícias Camponesas”: o protagonismo das mulheres na perspectiva da soberania alimentar • A Cáritas Diocesana de Vacaria ......................................................................... 35• A atuação da Cáritas junto à agroindústria ........................................................ 36

“Delícias Camponesas” na perspectiva da segurança alimentar• O “Grupo Delícias Camponesas” e o protagonismo das mulheres .................. 41• Alguns resultados evidenciados ........................................................................ 44

4. Considerações sobre os processos vivenciados • Referências ..................................................................................................................... 47

Sumário

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”5

A Diocese de Cruz Alta é compos-ta por um total de 33 municípios divididos a partir de cinco regiões

Pastorais: Região de Cruz Alta; Região de Ijuí; Região de Panambi; Região de Espumoso e Região de Soledade. A área total dos municípios da Diocese é de 16.284,1 km² (FEE, 2015) e a po-pulação total é de 387.184 habitantes (IBGE, 2010).

A maior concentração de popula-ção encontra-se no meio urbano com um total de 286.538 habitantes, o que corresponde a 76% da população total da Diocese que é de 384.187 habitan-tes, conforme dados do IBGE (2010). A Diocese de Cruz Alta possui um to-

tal de oito assentamentos da Refor-ma Agrária localizados nos municípios de Cruz Alta (Assentamento Seival e Assentamento Cotiçeira); Salto do Jacuí (Assentamento Capão Bonito); Ijuí (Assentamento localizado no Dis-trito de Mauá) e Joia (Assentamento Ceres, Assentamento Rondinha, As-sentamento Simon Bolívar e Assen-tamento Barroca), conforme consta na Figura 1.

Existem ainda cinco reassenta-mentos ligados ao Movimento de Atin-gidos por Barragens (MAB), são eles: Novo Amanhecer, 31 de Maio e Bo-tão de Ouro, localizados no município de Joia; Reassentamento da Fazenda

Itaiba, em Ibirubá; e Reassentamento Fazenda Colorado, em Fortaleza dos Valos. No que se refere às Comunida-des Tradicionais e Específicas, na Dio-cese de Cruz Alta há três Quilombos localizados nos municípios de Salto do Jacuí, de Jacuizinho e de Fortaleza dos Valos. Existem ainda duas Comunida-des Indígenas localizadas nos municí-pios de Estrela Velha e Salto do Jacuí.

Ressalta-se que a Cáritas Diocesa-na de Cruz Alta tem desenvolvido um trabalho importante junto às comuni-dades que vivem nos assentamentos da Diocese, especialmente naqueles localizados no município de Joia, con-forme será destacado no próximo item.

Figura 1: Mapa da Diocese de Cruz Alta

1. A Cáritas Diocesana de Cruz Alta e a Rede Local Joia: fortalecendo iniciativas territoriais de desenvolvimento solidário e sustentável

Fonte: Mapa elaborado por Débora Cristiele Kummer (2016).

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

Sistematização de Experiências do Projeto 6

O trabalho da Cáritas Diocesana de Cruz Alta iniciou desde o pro-cesso de instalação da Dioce-

se da qual, inicialmente, havia o foco na “Promoção Humana”, privilegiando ações relacionadas com a formação de lideranças, com o apoio aos assenta-mentos, à pastoral rural, à organização da paróquia missionária dos assenta-dos e à assistência às emergências. No período de 1986 a 1987 houve o fortalecimento da ação organizadora de projetos alternativos comunitários, da qual a parceria com a Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ) foi muito im-portante no processo. No ano de 1998 houve mudanças na coordenação e passou a haver uma equipe especifi-ca para atuar a partir da Cáritas Dio-cesana (PARISOTTO; ADAMS, 2001).

Criado no ano de 1982 o município de Joia possui área total de 1.235,9 km² (FEE, 2015) e uma população equi-valente a 8.331 habitantes, sendo o quarto da Diocese de Cruz Alta que possui a maior concentração de po-pulação no meio rural (IBGE, 2011). Conforme já referido, somente no mu-nicípio de Joia há um total de quatro assentamentos da Reforma Agrária (Assentamento Ceres, Assentamento Rondinha, Assentamento Simon Bolí-var e Assentamento Barroca) e três re-assentamentos ligados ao Movimen-to de Atingidos por Barragens (Novo Amanhecer, 31 de Maio e Botão de Ouro), criados entre os anos de 1990 e 20009 que abrigam 700 famílias as-sentadas que, em sua maioria, são compostas por agricultores familiares.

A Cáritas Diocesana de Cruz Alta teve importante participação no pro-

cesso de desenvolvimento do muni-cípio de Joia, especialmente a partir dos anos 1999 e 2000. No final dos anos de 1990 foram iniciadas de for-ma mais efetiva ações de apoio a pe-quenos projetos a partir do Bispo Dio-cesano Dom Jacó, do Pe. José Jun-glubt e da Irmã Joana Cuminiki. Entre as atividades realizadas destaca-se o trabalho que iniciou com as Missões Populares no ano de 1998, da qual muitas lideranças passaram uma se-mana visitando as famílias juntamen-te com as mulheres da comunidade, conforme pode se identificar através do relato da Irmã Joana:

Passei uma semana de domingo a

domingo caminhando com estas mu-

lheres, levando a mensagem religio-

sa cristã das missões, mas partilhan-

do a vida e os sonhos, e também a

vontade que elas sentiam para orga-

nizar a questão da comunidade, que

fosse também participativa, participa-

da com os maridos, companheiros, e

o futuro dos filhos. A educação dos

filhos, a orientação. Elas buscavam

esta mística religiosa, pois traziam

das comunidades de onde vieram,

dos municípios diversos (IRMÁ JO-

ANA CUMINIKI, 2015).

Neste período a Irmã Joana per-cebeu que havia a possibilidade de obter apoio da Cáritas RS a partir da organização do coletivo das famílias, pois na época não havia um reconhe-cimento dos assentados perante os municípios:

Quando vi toda aquela região desocu-

pada, não tinha estradas, só atalhos,

percebi que tínhamos que usá-la. Elas

iriam comemorar três anos de con-

quista da terra. Visitamos algumas

famílias para conhecer como eram.

Estas mulheres que me acompanha-

ram no grupo, ficaram com vonta-

de de ter algo mais. Então criamos

o Coletivo Solidário (IRMÃ JOANA

CUMINIKI, 2015).

Assim, o primeiro projeto foi apoia-do em 1999 possibilitando recursos para a construção de uma horta de plantas fitoterápicas e para a produ-ção de alimentos saudáveis para as famílias. Depois das hortas foi inicia-do o trabalho com as vacas leiteiras, que ocorreu até o mês de agosto de 1999, período em que surgiu a Epide-mia da Aftosa, na qual foram mortos e enterrados rebanhos das vacas que produziam leite e que pertenciam aos assentamentos.

O advento da Febre Aftosa pro-vocou grande impacto econômico e emocional à população rural do mu-nicípio. Conforme destacado pela Ir-mã Joana, ao todo foram sacrificados 10.393 animais, comprometendo a renda familiar de muitos agricultores na época e fazendo com que muitas famílias ficassem na dependência do pagamento de indenizações e de ces-tas básicas, principalmente durante o período em que estavam impossibi-litadas de exercer atividades ligadas à pecuária.

Por outro lado, foram notórias as ações de solidariedade advindas das famílias e da comunidade, na qual a Cáritas Diocesana de Cruz Alta, jun-

A Cáritas Diocesana de Cruz Alta e a Rede Local Joia

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

9 No ano de 1995 efetivaram-se os Assentamentos Rondinha e Ceres e entre 1997-2000, os Assentamentos Maravilha da Terra, Tabuleiro, 31 de Maio, Novo Amanhecer. Destes, dois são assentamentos pelo INCRA (Rondinha e Ceres) e os demais pelo Movimento de Atingidos por Barragens (MAB).

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”7

tamente com as Pastorais Sociais, celebrou no dia 19 de dezembro de 1999 o “Natal da Esperança” na Co-munidade de São José. Na ocasião, o Pe. José Jumgblut, que na época era coordenador de Pastoral, escreveu inclusive uma peça de teatro com o objetivo de levar ânimo e esperança para as famílias atingidas, conforme pode ser observado através do relato que segue: “Todas as comunidades do assentamento participaram, bem como paróquias de Joia, Ijuí, Augusto Pestana, entre outras da região, e a coordenação pastoral da diocese. Le-vando mensagem do Bispo e um pão da partilha, na tentativa de renovar a esperança” (IRMÃ JOANA CUMINI-KI, 2015).

A partir do contato com os inte-grantes dos grupos se percebe que há um reconhecimento com relação à importância da Cártitas no processo de revitalização das comunidades em decorrência da Febre Aftosa, confor-me pode ser identificado através da narrativa de um dos integrantes da Floricultura Raízes: “A Cáritas Dioce-sana acompanhou a família no período da febre aftosa dando apoio moral e também financeiro através do apoio a projetos”.

Com o tempo, foram criadas no-vas alternativas de geração de renda como a produção de mel, de abelha, de frango, de hortas, de frutas, entre outras. Além disso, muitos outros par-ceiros foram se somando na luta co-mo as paróquias, a Pastoral da Saúde, o Sindicato de Trabalhadores Rurais, a Emater e, especialmente, as esco-las do município de Joia que passa-ram a criar hortas escolares visando ao enriquecimento da merenda esco-lar. No ano de 2001 uma intensifica-ção no processo de formação da Cá-ritas Diocesana junto aos grupos da

região possibilitou um despertar es-pecialmente das mulheres com rela-ção à possibilidade de acessar recur-sos para apoio aos projetos a partir do Fundo Diocesano de Solidariedade e do Fundo Rotativo Solidário.

Foi neste período também que as escolas passaram a elaborar projetos para desenvolver junto com os alu-nos, privilegiando práticas voltadas à agricultura familiar e à produção de alimentos. Também foram desenvol-vidos, a partir desta data, projetos de geração de renda como floricultura, fruticultura, aviário, hortifrutigranjei-ros e bacia leiteira, atividades que se mantém na atualidade.

Através deste trabalho pretendia--se promover o resgate de valores e a formação de consciência ecológi-ca, hábitos de alimentação saudável, o gosto pela propriedade rural e pelo trabalho na terra, com geração de ren-da para as famílias. Os grupos busca-ram apoio para realizar projetos alter-nativos que contribuíssem para a for-mação de uma cultura mais solidária. No processo de organização das co-munidades foram elaborados projetos encaminhados à Cáritas Diocesana, e após a aprovação e o recebimen-to dos recursos foram construídas as estufas nas hortas escolares. A partir deste projeto são realizados trabalhos práticos na horta e atividades teóricas a fim de aprimorar os conhecimentos dos alunos, além de palestras, semi-nários, excursões e dias de campo com visitas às propriedades.

Entre os métodos pedagógicos aplicados destacam-se as ações que buscam promover ao longo do proje-to uma formação ampla e contextua-lizada do educando através de ações integradas aos objetivos da escola, va-lorizando o trabalho em equipe e es-timulando a organização, a coopera-

ção e o respeito. Também se busca a interação do projeto com as demais ações da escola, bem como a troca de experiências com as outras esco-las participantes da Rede Local Joia.

No que se refere ao processo de envolvimento da comunidade desta-ca-se que desde a implantação do pro-jeto as famílias dos alunos iniciaram sua participação através do trabalho voluntário na construção das estufas, com a troca de mudas, sementes e receitas de pratos alternativos. A co-munidade também se faz presente através dos saberes populares trazi-dos pelos filhos e através dos rela-tos realizados aos alunos e em dias de campo. Além disso, são realizados anualmente os Encontros de Segu-rança Alimentar, que possuem ampla participação da comunidade.

Com base nos elementos aponta-dos acredita-se que existe a perspec-tiva de continuidade deste trabalho, pois as ações que são desenvolvidas possibilitam benefícios ao aprendiza-do dos educandos, para a produção de alimentos agroecológicos, para a me-lhoria da merenda escolar, bem como, para a qualificação da relação da es-cola com a comunidade. Ressalta-se que durante todo este processo sem-pre foi privilegiada a participação das mulheres através do incentivo para a construção de hortas caseiras, de en-contros com preparação de alimentos com aproveitamento integral das plan-tas e de oficinas de preparo de sabão caseiro, de caldas para árvores frutífe-ras e para a construção da horta. Atu-almente o projeto envolve três escolas da rede estadual e da rede municipal de ensino, são elas: E.E.E.F. Dr. Edmar Kruel, E.E.E.F. Cacique Sepé, Colégio Estadual Antônio Mastella, Escola Mu-nicipal de Ensino Fundamental João Antônio da Conceição e Escola Mu-

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

Sistematização de Experiências do Projeto 8

nicipal de Ensino Fundamental Con-quista Dezesseis de Outubro.

Merece destaque também a ar-ticulação dos grupos com entidades

governamentais através das Secre-tarias Municipais de Agricultura e do Meio Ambiente e de Educação, além de entidades não governamentais, co-

mo a EMATER, a Cooperativa Rural, a Pastoral da Saúde e a Incubadora da Economia Solidária da Universidade de Ijuí (UNIJUI).

Figura 2: Grupos integrantes da Rede Local Joia

Fonte: Mapa elaborado por Débora Cristiele Kummer (2016)

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

10 São eles: Grupo Crescer e Viver em Solidariedade (Escola de Ensino Fundamental Dr. Edmar Kruel), Comunidade São José; Grupo Cisterna de captação de água (Escola Estadual de Ensino Medio Joceli Correia, Assentamento Rodinha), Localidade de Rondinha; Grupo Mesa Farta (E.E.E.F. Conquista 16 de Outubro, Assentamento Ceres), Localidade de Céres; Grupo Coletivo Mae Terra – Panificados, Assentamento Rodinha), Localidade de Rondinha; Grupo Coletivo Mae Terra – Agroindústria (compotas e conservas de frutas e legumes, Assentamento Rodinha), Localidade de Ron-dinha; Grupo Aviário Pena Branca, Assentamento Rondinha), Localidade de Rondinha; Grupo Mãos da Terra – Viveiro Mãos da Terra, Localidade São José; Grupo Pingo de Orvalho – Agroindústria de Frutas, Localidade: Esquina 21 de Abril; Grupo Cantinho do Artesanato, Assentamento Rondinha), Localidade de Rondinha; Grupo Conquista da Terra – Hortifrutigranjeiros, Assentamento Rondinha), Localidade de Rondinha; Grupo Companhia do Melado - Produção de Cana e Melado, Localidade São João da Bela Vista; Grupo Aviário Bela Vista, Localidade São João da Bela Vista; Grupo Coletivo Mae Terra – Fitoterápicos, Assentamento Rondinha), Localidade de Rondinha; Floricultura Raízes, Localidade São Roque; Fruticultura São José, Localidade: São José; Grupo Herdeiros na Luta - Hortigranjeiros, Assentamento Rondinha), Localidade de Rondinha; Escola Municipal de Ensino Fundamental João Antônio da Conceição (Horta escolar para alimentação escolar), Localidade Esquina 21 de Abril; Grupo Pastoral da Saúde, Localidade São José; Grupo Pastoral da Saúde, Localidade: São Roque; Grupo Pastoral da Saúde, Localidade São João da Bela Vista.

Os grupos e instituições da Rede Local Joia

Atualmente a Rede Local Joia é constituída por um total de vinte grupos e/ou instituições10, entre-

tanto, ressalta-se que nesta sistema-tização serão considerados 14 grupos que atualmente estão mais consoli-dados, são eles: Crescer e Viver em Solidariedade; E.E.E.M. Joceli Corrêa, Mesa Farta, Coletivo Mae Terra – Fito-terápicos; Coletivo Mae Terra – Agroin-dústria; Coletivo Mae Terra – Panifi-cados; Aviário Pena Branca; Mãos na Terra – Viveiro Mãos na Terra; Pingo de Orvalho – Agroindústria de Frutas; Cantinho do Artesanato; Conquista da Terra - Hortifrutigranjeiros; Companhia do Melado; Aviário Bela Vista e Flori-cultura Raízes, conforma pode ser evi-denciado através da Figura 1.

A análise sobre as formas de or-ganização dos integrantes da Rede Local Joia evidencia que prevalece a organização grupal, pois 57% dos componentes da rede são constituí-dos por grupos, seguidos de associa-ções e das escolas estaduais e mu-nicipais. Por último aparece o Viveiro Mãos na Terra, que embora não tenha

sido reconhecido desta forma pelos integrantes, também se constitui co-mo um grupo.

Entre as atividades que são reali-zadas a partir dos grupos e das orga-nizações destacam-se: plantio e co-mercialização de mudas e de flores; fruticultura; plantio de cana de açúcar, produção e comercialização do mela-do; criação e comercialização de gali-

nhas e de ovos; produção de conser-vas, panificados, doces, salgados e fitoterápicos; produção de hortaliças; hortifrutigranjeiros; construção de cis-ternas; produção de hortas e hortos medicinais; produção de artesanatos.

Quando questionados sobre os motivos que levaram os integran-tes a criarem os grupos foram apon-tados variados aspectos, dentre os

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”9

quais apareceram com mais ênfase elementos como a identificação de novas alternativas de produção, traba-lho e renda; a possibilidade de manter os agricultores e agricultoras no meio rural, de garantir a sustentabilidade, a autonomia e melhorar a qualidade de vida das famílias.

Fica evidenciado também o reco-nhecimento que os integrantes dos grupos possuem com relação às pos-sibilidades que surgem quando as pessoas se unem de forma coletiva, gerando novas oportunidades através do trabalho em grupo, conforme re-velado por integrantes de alguns dos grupos:

Desde a época do Acampamento

(MST) fomos incentivados a traba-

lhar em conjunto e agora que tive-

mos a chance de concretizar essa

ideia e nos empenhamos muito para

por em prática (GRUPO CONQUISTA

DA TERRA - PRODUÇÃO DE HORTI-

FRUTIGRANJEIROS, 2015).

A gente quis fazer uma tentativa pa-

ra trabalharmos juntas devido a ge-

rar uma renda, pois ainda que pe-

quena, iria ajudar nas despesas de

casa, enfim comprar coisas neces-

sárias (GRUPO CANTINHO DO AR-

TESANATO, 2015).

Constata-se, também, que existe uma consciência com relação à pre-servação da água e à importância de serem qualificadas as ações realizadas a partir das escolas que envolvem as famílias e a comunidade:

Com o objetivo de dinamizar a expe-

riência da captação de água das chu-

vas, reaproveitando assim para a irri-

gação da horta e pomar, bem como

a limpeza da escola, sendo a escola

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

um ponto de ligação entre os grupos

e a comunidade (E. E. E. MÉDIO JO-

CELI CORRÊA, 2015).

Observou-se a necessidade da pro-

dução de legumes e verduras para ali-

mentação escolar. E principalmente

visando o incentivo da permanência

do jovem no campo (GRUPO CRES-

CER E VIVER EM SOLIDARIEDADE,

2015).

Entre as pessoas beneficiadas através dos grupos e instituições cons-ta-se que as crianças são as que pos-suem maior quantidade, prevalecen-do a E.E.E. Médio Joceli Corrêa (300 crianças), seguida do Coletivo Mae Terra – Fitoterápicos (120 crianças) e do Grupo Crescer e Viver em So-lidariedade (100 crianças), conforme pode ser observado através da figura que segue.

Entre os homens e as mulheres, estas apresentam o maior número de beneficiadas, 320 mulheres, ao pas-so que os homens totalizam 311 be-neficiados. Os grupos que possuem maior quantidade de mulheres bene-ficiadas são o Coletivo Mae Terra – Fi-

toterápicos (130 mulheres), seguido do Grupo Mesa Farta (68 mulheres) e do Grupo Crescer e Viver em Soli-dariedade (40 mulheres). Entre os ho-mens constata-se que o Coletivo Mae Terra – Fitoterápicos possui a maior quantidade de beneficiados (100 ho-mens), seguido do Grupo Mesa Farta (68 homens) e da E.E.E. Médio Joceli Corrêa (50 homens).

Constata-se que os integrantes dos grupos reconhecem que através destas iniciativas são geradas novas alternativas de geração de produção e de renda no meio rural, conforme destacado por um dos integrantes do Coletivo Mae Terra: “Por ter uma vi-são de produção de campo diferen-te, onde com a agroindústria se pode agregar valor aos produtos melhoran-do as condições de vida e venda para as famílias” (COLETIVO MAE TERRA – AGROINDÚSTRIA, 2015).

Quando questionados sobre a co-ordenação dos grupos foi revelado que doze grupos possuem coordenação, embora ao especificarem os coorde-nadores, foi ressaltado pela maioria deles (10 grupos) que a coordenação é feita por um dos integrantes e por

Figura 3: Total de Beneficiados

Sistematização de Experiências do Projeto 10

todos os membros dos grupos. Preva-lece entre os grupos que a periodicida-de das reuniões é quinzenal (três gru-pos), seguida de mensal (dois grupos) e semanal (dois grupos), todavia um total de cinco grupos revelou que os encontros não ocorrem de nenhuma das formas já referidas, sem, porém, especificar qual é a periodicidade.

Constata-se que o tempo de du-ração dos encontros dos integrantes dos grupos é significativo, tendo si-do revelado por sete grupos que as reuniões duram três horas. Três de-les evidenciaram que se reúnem por uma hora e quatro deles destacaram que estes encontros variam de duas a mais de três horas. Houve ainda dois grupos que não especificaram o tem-po de duração dos encontros.

Quando questionados sobre o local onde são realizados os encontros foi revelado pelos grupos que os mesmos realizam, em sua maioria (43%) nas

Jovens mostram produtos resultado do Projeto Crescer e Viver em Solidariedade na Escola Dr. Edmar Kruel de São José

Figura 4: Local das Reuniões

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

casas dos integrantes, o que pode re-velar que existem laços fortes de ami-zade entre eles. Além disso, 14% dos grupos evidenciaram que as reuniões ocorrem em locais do poder público e 14% deles em locais alugados. Há ainda um total de 7% dos grupos que realizam os encontros nas escolas, o que evidencia a relação próxima que as mesmas possuem nas comunida-des onde os grupos estão inseridos.

No que se refere ao acompa-nhamento prestado por profissio-

nais aos grupos constata-se que on-ze deles revelaram que possuem acompanhamento de técnicos da Emater e nove possuem de agentes da Cáritas Diocesana. Seis grupos revelaram receber acompanhamen-to de Técnico e de Agrônomo e três evidenciaram receber acompanha-mento de profissionais da Prefei-tura e da Assistência Social, sen-do que somente um deles possui acompanhamento técnico de um professor.

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”11Cáritas Diocesana de Cruz Alta

A atuação da Cáritas e o fortalecimento das iniciativas territoriais de desenvolvimento solidário e sustentável

Figura 5: Encontro Rede Local Joia, janeiro 2016 Fonte: Elaine Cristina Libardi Andreatta (2014)

O Projeto “Construindo o Futuro, Preservando a Criação” previa a realização de atividades de for-

talecimento do trabalho de base co-munitária para a promoção do empo-deramento individual e coletivo e a in-teração entre o meio urbano e rural. Nesta perspectiva, foram realizados no ano de 2015 dois eventos na Diocese de Cruz Alta nos meses de junho e ju-lho, e um no mês de janeiro de 2016.

Nos dois primeiros encontros fo-ram criadas ferramentas de planeja-mento e monitoramento, com foco na perspectiva de mobilização de re-cursos e desenvolvimento regional. Desta forma, a partir de um resgate histórico da Rede Local Joia foi cons-truída a Matriz FOFA apontando For-talezas, Oportunidades, Fraquezas e

Ameaças. Entre os aspectos eviden-ciados a partir das “Fortalezas” foram destacadas as fortes parcerias da Re-de Local Joia, especialmente com a Prefeitura Municipal; a Emater; as Igre-jas Católica e Evangélica; as Pasto-rais Sociais, em especial a Pastoral da Saúde; a diversificação da produção existente a partir da Rede e a partici-pação e ajuda mutua presentes entre os integrantes dos grupos.

No que se refere às “Oportunida-des” foram evidenciadas novamen-te as parcerias com destaque para a Emater e ao apoio recebido através da Cáritas, tanto técnico, pastoral, como financeiro; o acesso aos conhecimen-tos e à informação; as associações, as feiras e a comercialização. Entre as “Fraquezas” apontadas foram eviden-

ciados vários elementos, dos quais se destacam especialmente a necessida-de de formação e de capacitação. Já as “Ameaças” apontadas estão rela-cionadas com o clima desfavorável, o difícil acesso ao meio rural, a falta de recursos, a falta de políticas públicas de Saúde, o excesso de produção com expectativa de participar do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a pouca participação de alguns grupos.

Com base nestas questões e nos objetivos do projeto, no mês de janei-ro de 2016 foi realizado um novo en-contro de formação no município de Joia da qual foram trabalhados espe-cificamente os temas “Rede” e “Gru-pos”, em que estiveram presentes 52 pessoas e representantes de dezoito grupos da Rede Local Joia.

Sistematização de Experiências do Projeto 12

Na ocasião, os participantes do en-contro apontaram os Valores da Rede Local Joia, dos quais foram destaca-dos a união; a qualidade de vida; a sustentabilidade; o alimento saudável (o que está sendo trabalhado nas es-colas); a inter-cooperação; a sucessão familiar e fixação do jovem no meio rural; a valorização do conhecimento popular e a valorização do trabalho. Os participantes evidenciaram ainda quais as ações que necessitam ser realizadas para que a Rede Local Joia seja fortalecida, tendo sido apontados os seguintes aspectos: a necessidade de comprometimento para a execução do Projeto Cine Rural, recentemente aprovado pela Cáritas Regional RS; a participação dos Grupos na Expojoia; a criação de um grupo de idosos; a elaboração de um documentário com a história dos grupos e da Rede Lo-cal Joia; a criação de um símbolo da Rede Local Joia da qual seja possível evidenciar o logotipo da Cáritas e das entidades parceiras como a EMATER e utilizá-lo em todos os eventos onde a Rede estiver presente; mobilizar a participação dos integrantes no Con-selho Municipal de Saúde.

A partir deste evento foi possível identificar entre os integrantes a im-portância que a Cáritas possui desde a constituição da Rede Local Joia e nos dias atuais. Ao serem questionados sobre o trabalho realizado pela Cáritas na perspectiva do fortalecimento da dimensão do coletivo entre os grupos e do fortalecimento da Rede Local Joia ficou evidenciado o reconhecimento que os integrantes dos grupos e das instituições possuem com relação à atuação da Cáritas na região, confor-me pode ser observado a partir de algumas narrativas que evidenciam a

síntese dos elementos apontados pe-los grupos:

• Através da Cáritas houve um “pon-tapé” inicial para o projeto, permi-tindo uma diversificação da ativida-de e a geração de renda. Significa uma força a mais entre os grupos, mais animação, coragem e persis-tência; mais união entre os grupos, integração e diálogo; acessibilidade e informação – “Guarda-chuva”.

• Através destes projetos é possível a produção de alimentos saudáveis, a valorização e a participação das famí-lias. Com isso, se busca a sustenta-bilidade e a saúde humana.

• Presença efetiva da Cáritas Dioce-sana: acompanhamentos aos gru-pos através de visitas, reuniões, in-tercâmbio, formação e apoio finan-ceiro.

• O fortalecimento da Rede Local Joia se dá pela presença efetiva da Cári-tas Diocesana através do acompa-nhamento aos grupos já formados incentivando a continuidade e opor-tunizando a participação dos mes-mos em reuniões, visitas, intercâm-bios, formação e apoio financeiro.

O Fundo Diocesano de Solidarie-dade da Cáritas de Cruz Alta tem be-neficiado várias famílias através de diversos projetos de geração de ren-da que começaram a ser aprovados no início dos anos 2000, sendo que, muitos deles atualmente estão em andamento. Os projetos aprovados integram três eixos específicos: pro-jetos na linha da Agricultora Familiar (que envolvem três ou mais famílias);

Projetos que envolvem as comunida-des e Projetos envolvendo as Esco-las do município de Joia, conforme pode ser observado através das Fi-guras 6, 7 e 8.

Através Figura 6 pode-se obser-var que do total de nove projetos que integram o eixo agricultura fami-liar sete deles são relacionados com grupos que atualmente integram a Rede Local Joia, são eles: Projeto Mãos na Terra; Floricultura Raízes; Coletivo Mae Terra; Francos Pena Branca; Aviário Bela Vista; Melado e Companhia e Hortifrutigranjeiros.

Entre os projetos que integram o eixo “comunidades” constata-se que os três permanecem em atividade e integram a Rede Local Joia, embora não tenham sido considerados para fins de análise neste trabalho.

No eixo Escolas Municipais e Es-taduais, constata-se que apenas a Es-cola Estadual Edmar Kruel (Localidade São José) e a Escola Municipal Con-quista Dezesseis de Outubro (Assen-tamento Céres) permanecem entre os projetos que integram a Rede Local Joia, conforme pode ser observado através da Figura 8.

Somente no ano de 2015 foi apro-vado um total de cinco projetos atra-vés do Fundo Diocesano de Solida-riedade beneficiando grupos que in-tegram a Rede Local Joia, conforme consta na Figura 9. Constata-se que embora os valores repassados não te-nham sido superiores a R$ 3.000,00 eles são significativos para a realização dos trabalhos e para o fortalecimento dos grupos. Da mesma forma, identi-fica-se que estes projetos possuem uma abrangência importante, na me-dida em que beneficiam um total de 63 famílias, o que corresponde a uma

O apoio da Cáritas Diocesana a partir do Fundo Diocesano de Solidariedade

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”13Cáritas Diocesana de Cruz Alta

Figura 6: Projetos FDS – Agricultura Familiar

Nome do Projeto Atividade Localidade

Mãos Unidas Padaria São José

Mãos na Terra Hortigranjeiros São José

Floricultura Raízes Floricultura São Roque

Coletivo Mãe Terra Padaria, conservas e Plantas medicinais Assentamento Rondinha

Frangos Pena Branca Frango para abate Assentamento Rondinha

Aviário Bela vista Aves de postura São João da B. Vista

Sementes e Liberdade Bacia leiteira Assentamento Céres

Melado e Companhia Melado São João da B. Vista

Hortigranjeiros Hortigranjeiros Assentamento Rondinha

Figura 7: Projetos FDS - Comunidades

Nome do Projeto Atividades Localidade

Pastoral da Saúde São José Preparação de pomadas, chás, tinturas, palestras e alimentação alternativa São José

Pastoral da Saúde São João Preparação de pomadas, chás, tinturas, palestras e alimentação alternativa São João B. Vista

Pastoral da Saúde São Roque Preparação de pomadas, chás, tinturas, palestras e alimentação alternativa São Roque

Fonte: Dados organizados pelos autores (2015)

Figura 8: Projetos FDS – Escolas Municipais e Estaduais

Nome do Projeto Atividades Localidade

E. Estadual Edmar Kruel Horta Escolar Crescer e Viver em Solidariedade São José

E. Estadual Cacique Sepé Horta Escolar de Bem com a Vida São Pedro

E. Municipal João Antônio da Conceição Cultivo Solidário da Horta Escolar Esquina 21 de Abril

E. Municipal Conquista Dezesseis de Outubro Horta Escolar Mesa Farta Assentamento Ceres

Figura 9: Projetos Aprovados pelo FRS em 2015

Data Nome do Projeto Valor recebido R$ Famílias Beneficiadas

17/06/2015 Grupo Cantinho do Artesanato R$ 2.950,00 03

17/06/2015 Pomar Doméstico R$ 3.000,00 05

08/09/2015 Assentamento Rondinha R$ 3.000,00 03

08/09/2015 Galinhas Poedeiras R$ 2.000,00 36

09/09/2015 Coletivo Mae Terra R$ 1.500,00 16

Fonte: Dados organizados pelos autores (2015)

media de 252 pessoas que vivem nas comunidades do município de Joia.

Entre os objetivos apontados pelos grupos para a realização dos projetos aprovados destacam-se:

a) “Cantinho do Artesanato”: produ-

zir mais peças de artesanato em menos tempo e com menos pes-soas; incentivar para que os filhos trabalhem junto com os pais e se-jam valorizados pelo seu potencial; dar continuidade ao trabalho e au-mentar a renda.

b) “Pomar Doméstico”: contribuir para que as famílias da Comunidade Qui-lombola Julio Borges, localizada em Salto do Jacuí, tenham condições de produzir alimentos para subsis-tência, valorizando a conquista da luta pela terra e melhorando a quali-

Sistematização de Experiências do Projeto 14

dade de vida das pessoas; contribuir para a inserção e a socialização das famílias na comunidade e na região.

c) “Aviário Pena Branca”: sair do sis-tema de confinamento e poder criar as aves ao ar livre e com ali-mentação vegetal, proporcionan-do um alimento saudável e com baixo custo.

d) “Galinhas Poedeiras”: contribuir pa-ra que as famílias da Comunidade Quilombola Júlio Borges, localiza-da em Salto do Jacuí, possam pro-duzir ovos para sua subsistência e, caso haja excedente, possam gerar renda e melhorar suas condições de vida.

e) “Coletivo Mae Terra”: contribuir para que as famílias do Assenta-mento Rondinha possam produzir alimentos alternativos e naturais (bolachas, biscoitos, pães, massas, salgados, sucos, etc); incentivar a criação de novas linhas de produ-ção dentro do assentamento; gerar renda para as mulheres, valorizando a agricultura familiar através da re-alização de vendas diretas nas fei-ras, na comunidade e nas escolas; obter um local para a realização dos encontros de formação e das ativi-dades do grupo; incentivar a utili-zação de fitoterápicos e de ervas naturais tendo em vista a preser-vação da saúde das famílias e da comunidade.

Pode-se identificar através das nar-rativas dos integrantes dos grupos um reconhecimento com relação à impor-

tância que a Cáritas possui para as comunidades e para a região desde o inicio do trabalho que vem sendo realizado com os grupos:

Desde o início do grupo – setembro

de 2003 havia uma integração nas

reuniões e encontros da Cáritas e

depois veio o apoio econômico, as

feiras. A Cáritas é o “Porto Seguro

da Mãe Terra” (GRUPO COLETIVO

MAE TERRA – PANIFICADOS, 2015).

A Cáritas (Coordenação Diocesana)

visitou a escola e incentivou (finan-

ciou) a elaboração e execução do pro-

jeto (GRUPO CRESCER E VIVER EM

SOLIDARIEDADE, 2015).

Foi o apoio, incentivador da organi-

zação, o apoio financeiro das primei-

ras pessoas e o espaço de formação

que tínhamos para a realização do

trabalho (COLETIVO MAE TERRA –

AGROINDÚSTRIA, 2015).

Através da Cáritas Regional do RS são aprovados inúmeros projetos que beneficiam as distintas dioceses do estado, entre elas a Cáritas Diocesana de Cruz Alta. Entre os projetos desta-cam-se especialmente dois deles, o “Cine Rural” e o “Apoio para o fortale-cimento da Infraestrutura das Feiras”, aprovados no ano de 2015, com o ob-jetivo de qualificar a Rede Local Joia.

O Cine Rural é um projeto que be-neficia os grupos integrantes da Rede Local Joia e outros segmentos das comunidades e da região. O objeti-vo principal deste projeto é contribuir para que os jovens que vivem nestas comunidades permaneçam no meio

rural produzindo e convivendo em co-munidade, porém, vivendo de forma confortável e com acesso ao lazer. Através dele pretende-se criar novos grupos de jovens, ampliar e fortalecer os já existentes nas comunidades ru-rais do município de Joia, de forma in-tegrada com a Cáritas Diocesana de Cruz Alta. Desta forma, pretende-se beneficiar um total de 2.000 pesso-as ligadas às comunidades que inte-gram a Rede Local Joia. A motivação principal para a criação do projeto foi a falta de equipamentos de multimí-dia nas comunidades, o que dificul-ta a realização de atividades de lazer especialmente para o jovens, fazendo com que uma quantidade expressiva deles se desloque para as cidades vi-zinhas, deixando de ser agentes em suas próprias comunidades.

Ressalta-se que todo o material que será adquirido com o projeto se-rá guardado na Paróquia Divino Espírito Santo, no município de Joia. Porém, as atividades realizadas a partir do Cine Rural serão itinerantes. Pretende-se criar uma comissão formada por lide-ranças, jovens rurais, profissionais das escolas e representantes dos grupos ligados à Cáritas Diocesana e à Rede Local Joia, pertencentes a todas as comunidades do município, que ela-borará um calendário com as datas, os locais e as atividades que serão de-senvolvidas ao longo do ano de 2016. Para a execução do projeto serão rea-lizadas atividades envolvendo parcei-ros como a Emater e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais tendo-se em vis-ta a viabilização e a permanência dos jovens no meio rural, se assim eles o desejarem.

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”15Cáritas Diocesana de Cruz Alta

Hora da prática no Projeto Crescer e Viver em Solidariedade em São José

O apoio da Cáritas Regional do RS através do Fundo Rotativo Solidário

O segundo projeto aprovado em 2015 irá contribuir para o forta-lecimento da Rede Local Joia

através da viabilização de recursos fi-nanceiros para a aquisição de equipa-mentos para a infraestrutura das Fei-ras, como toldos, estantes, mesas, ca-deiras, entre outros. Os vinte grupos que integram a Rede Local Joia que possuem ações voltadas para a gera-ção de trabalho e renda participam de diversas feiras municipais, como a Fei-ra do Produtor Rural do Município de Joia, a Feira de Solidariedade, a Roma-ria de Nossa Senhora de Fátima, além das Festas dos Padroeiros realizadas

nas comunidades. Nesse sentido, a aquisição de materiais irá contribuir para que seja qualificado o processo de exposição dos produtos garantin-do uma maior participação dos grupos em eventos locais e regionais, além de possibilitar o aumento da renda das famílias a partir da comercialização do que é produzido nas comunidades.

Da mesma forma como ocorrerá com o Cine Rural, será eleita uma co-missão envolvendo representantes de todos os grupos da Rede Local Joia e a Cáritas Diocesana, que ficará res-ponsável por guardar os materiais e disponibilizá-los aos grupos na medi-

da em que forem sendo solicitados. Haverá um total de trinta pessoas que trabalharão diretamente no projeto da qual se pretende beneficiar cento e sessenta e duas pessoas.

Ressalta-se que a responsabilidade pela manutenção dos equipamentos se-rá de todos aqueles que os utilizarem, sendo que os mesmos deverão ser de-volvidos nas mesmas condições em que forem retirados. Além disso, será definido um pequeno valor pela Comis-são que será ofertado por cada grupo que utilizar os equipamentos para que seja constituído um fundo comum que garanta a sustentabilidade do projeto.

Sistematização de Experiências do Projeto 16

Identificam-se muitas conquistas oriundas do processo de organiza-ção dos grupos e instituições que

compõem a Rede Local Joia, o que evi-dencia o comprometimento da Cáritas através do apoio à iniciativas que pro-movam o desenvolvimento de forma solidária e sustentável. As iniciativas desenvolvidas a partir da Rede Local Joia privilegiam o fortalecimento das comunidades especialmente através de apoio a projetos de autogestão e de economia solidária, respeitando a diversidade étnica, cultural e religiosa.

Destaca-se especialmente a rea-lização do Intercâmbio Nacional de Fundos Solidários realizado em julho de 2014 no município de Joia, sob a coordenação de agentes da Cáritas Diocesana, da professora Elaine Li-bardi Andreata e de integrantes da EMATER, da qual a Rede Local Joia foi considerada como referência para a região e para o país, evidenciando que este tipo de organização coleti-va pode dar certo.

Estiveram presentes no evento cento e dez pessoas entre elas o Vice Prefeito municipal de Joia, o Secretário de Educação e Cultura, a Secretária de Saúde, representantes do Conselho Tutelar, diversos grupos da Cáritas e Pastorais Sociais, diretores, professo-res e alunos das escolas, além da co-munidade. O evento ocorreu durante a Feira Internacional de Economia So-lidária que estava sendo realizada na Arquidiocese de Santa Maria, da qual uma caravana integrada por 40 pesso-as oriundas de vários estados do pa-ís como o Amazonas, o Espírito San-to, o Maranhão, Tocantins, Ceará, São Paulo, Cuiabá e Goiás, além de pes-soas vindas do Haiti, deslocou-se para a Diocese de Cruz Alta para conhecer as experiências da Rede Local Joia.

Após o café colonial, que foi servi-do no Salão Paroquial da Paróquia Di-vino Espírito Santo, ocorreu o relato do Histórico da Cáritas Diocesana. Na sequência, o grupo se deslocou para a Comunidade de São José onde es-

tava sendo aguardado pela Comissão da Capela São José e por integrantes da comunidade que haviam preparado um delicioso almoço. A E.E.E.F. Dr. Ed-mar Kruel foi responsável pelas apre-sentações culturais, que foram segui-das do relato de experiências da “Re-de Mandioca”, do Maranhão, e da Re-de Local Joia.

Na parte da tarde o grupo visitou também o Assentamento Rondinha visando à troca de experiências com o Grupo Coletivo Mãe Terra, também apoiado pela Cáritas Estadual e Dioce-sana. No Assentamento a Escola Es-tadual de Ensino Médio Joceli Correa, juntamente com a comunidade e o Grupo do Coletivo Mãe Terra organiza-ram uma Feira de Economia Solidária que possibilitou a exposição dos pro-dutos por eles fabricados, a partir de três áreas de atuação: Agroindústria de Panificados, Conservas e Compo-tas; Fitoterápicos e Artesanato.

Durante as atividades uma das integrantes do Grupo Coletivo Mãe

Alguns resultados obtidos na caminhada

Intercâmbio Nacional dos Fundos Solidários Fonte: Elaine Cristina Libardi Andreatta (2014)

Cáritas Diocesana de Cruz Alta

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”17Cáritas Diocesana de Cruz Alta

Terra fez um relato e ressaltou que a comunidade é composta por apro-ximadamente 350 famílias oriundas do Assentamento Rondinha, Tarumã, Barroca e 31 de Maio (assentamentos ligados ao Movimento de Atingidos por Barragens). A integrante ressaltou a importância de “Fazer do Assenta-mento um lugar melhor de viver” (RO-SE FÁTIMA DA ROSA, 2014), além da preocupação das lideranças com rela-ção à permanência dos jovens no meio rural. Foi apresentado, também, um apanhado histórico do Grupo Coletivo Mãe Terra apontando as dificuldades e as conquistas do mesmo, com desta-que para o Prêmio Nacional recebido em 2013 a partir de um projeto reali-zado com o apoio da Secretaria Na-cional das Mulheres.

Foi realizado, ainda, um relato da “Associação das Mulheres em Ação” do Ceará, seguido de uma reflexão e da constatação de que através da Economia Solidária está sendo criada uma Rede em que as mulheres come-çam a se organizar, voltam a estudar, aumentam a auto estima e resgatam sua dignidade.

O evento foi encerrado com um café servido pela comunidade da qual foram partilhados produtos da pada-ria do Grupo Coletivo Mãe, seguido da visita à Agroindústria de panifica-dos Coletivo Mãe Terra. Nesse senti-do, conforme destacado pela Profes-sora Elaine Cristina Libardi Andreatta, da Escola Estadual de Ensino Funda-mental Doutor Edmar Kruel,

Após um dia de intensas atividades e

trocas de experiências, percebemos

que de norte a sul do país existem

pessoas com as mesmas dificuldades,

com os mesmos interesses e com os

mesmos sonhos. Acreditamos que es-

sas atividades são de grande importân-

Formação Assentamento Rondinha

cia na medida em que a caminhada da

Rede Cáritas vai tornando suas dire-

trizes e prioridades vinculadas ao de-

senvolvimento sustentável Solidário e

Territorial, rumo a um projeto de socie-

dade justa e igualitária (ELAINE CRIS-

TINA LIBARDI ANDREATTA, 2014).

As iniciativas desenvolvidas a partir da Rede Local Joia contribuem para a organização das famílias e para a produ-ção com foco na sustentabilidade atra-vés de ações que incentivem o cultivo de hortas caseiras e viabilizem a produ-ção de alimentos na própria comunida-de. As oficinas de preparo de sabão, de conservas, de compotas, de artesanato e de caldas para pomar e horta também

contribuem para a viabilização de renda nas propriedades. Além disso, as Fei-ras de Economia Solidaria oportunizam a comercialização de produtos cultiva-dos na escola e nas famílias.

Por fim, com base em todos os ele-mentos já referidos constata-se que o trabalho de assessoria, apoio finan-ceiro e técnico realizado pela Cáritas junto à Rede Local Joia contribui pa-ra que haja mudanças significativas no território através do aumento da sensibilização agroecológica, da pro-dução de alimentos agroecológicos, da comercialização do excedente de produção, da formação de pequenas agroindústrias e do desenvolvimento da cultura de solidariedade.

Alunos da Escola Dr. Edmar Kruel participam do Encontro de Segurança Alimentar

Sistematização de Experiências do Projeto 18

A Diocese de Santa Cruz do Sul possui uma área total de 15.998,3 km² (FEE, 2015) e um total de 40

municípios localizados nos Vales do Taquari e Rio Pardo. A maior concen-tração da população está no meio ur-bano, com um total de 382.679 pes-soas (67%) enquanto que a população que vive no meio rural é de 190.000 pessoas (33%) (IBGE, 2010).

Existe atualmente um total de seis Assentamentos da Reforma Agrária (Movimento dos Sem Terra) na Dio-cese de Santa Cruz do Sul que são acompanhados pela equipe da Comis-são Pastoral da Terra e da Cáritas Dio-cesana, são eles: Segredo Farroupilha, Pe. Réus, Vassoral, Guará, Elton Brum

da Silva e São Pedro (Assentamento da Quinta), todos localizados no mu-nicípio de Encruzilhada do Sul. Exis-tem também dois acampamentos de Sem Terras, também localizados em Encruzilhada do Sul.

No que se refere às Comunidades Tradicionais e Específicas, na Diocese de Santa Cruz do Sul há um total de quatro Quilombos, sendo que apenas dois deles são acompanhados atual-mente pela equipe diocesana da CPT e da Cáritas: o Quilombo Rincão dos Negros (Rio Pardo) e o Quilombo São Roque (Arroio do Meio). Há ainda ou-tros dois Quilombos localizados nos municípios de Encruzilhada do Sul e Vale Verde, dos quais a equipe dioce-

sana pretende iniciar o acompanha-mento a partir do ano de 2016.

Há somente uma Comunidade In-dígena de etnia Kaingang localizada no município de Lajeado, da qual há um acompanhamento sistemático da equipe da Cáritas e da CPT diocesana a vinte e seis famílias. Entre as ativida-des que são desenvolvidas junto à co-munidade destacam-se o fornecimen-to de sementes crioulas, o apoio na organização da horta e a realização de encontros de formação. Além disso, sempre é priorizada a participação das famílias indígenas nos encontros Dio-cesanos de Sementes Crioulas oportu-nizando a divulgação de sua cultura e a comercialização de seus artesanatos.

2. A Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul e o resgate da prática milenar de guardar as sementes crioulas

Figura 1: O trabalho das Sementes Crioulas na Diocese de Santa Cruz de SulFonte: Mapa elaborado por

Débora Cristiele Kummer (2016)

Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”19Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

O trabalho desenvolvido pela Co-missão Pastoral da Terra e pela Cáritas Diocesana abrange um

total de vinte e seis municípios, den-tre os quais se destacam Santa Cruz do Sul, Rio Pardo, Encruzilhada do Sul e Passo do Sobrado, devido ao im-portante trabalho desenvolvido junto a agricultores e agricultoras, à popu-lações quilombolas e os assentados do Movimento dos Sem Terra.

O município de Cruzeiro do Sul está localizado no Vale do Taquari, foi cria-do no ano de 1963 e possui uma área territorial de 156,5 km² e 80,2 hab/km² (FEE, 2015). A população total do muni-cípio é de 12.320 habitantes, dos quais 7.476 vivem no meio urbano e 4.844 vivem no meio rural (IBGE, 2010).

Os municípios de Encruzilhada do Sul, Rio Pardo e Passo do Sobrado pertencem ao Vale do Rio Pardo. En-cruzilhada do Sul foi criada no ano de 1849, possui uma área territorial de 3.348 km² e 7,4 hab/km² (FEE, 2015).

Sua população total é de 24.534 habi-tantes, sendo que 17.119 pessoas vi-vem no meio urbano e 7.415 no meio rural (IBGE, 2010).

Rio Pardo é o mais antigo dos quatro municípios, foi criado no ano de 1809 e possui uma área territorial de 2.050,6 km² e 18,3 hab/km² (FEE, 2015). Sua população total é de 37.591 habitantes, sendo que 25.614 pessoas vivem no meio urbano e 11.977 vivem no meio rural (IBGE, 2010). Já o muni-cípio de Passo do Sobrado, mais no-vo dos quatro, criado no ano de 1992, possui uma área territorial de 265,1 km² e 23,1 hab/km² (FEE, 2015). Sua população total é de 6.011 pessoas, das quais 1.429 vivem no meio urba-no e 4.582 vivem no meio rural (IB-GE, 2010).

A Diocese de Santa Cruz do Sul possui muitas famílias consideradas como “Famílias Históricas Guardiãs” que vivem especialmente nos muni-cípios de Rio Pardo, Encruzilhada do

Sul, Passo do Sobrado e Cruzeiro do Sul. Estas famílias são compostas por pessoas que sempre realizaram a prá-tica de guardar e de multiplicar as se-mentes crioulas, mantendo viva uma tradição que vem de geração em gera-ção. Em geral, são compostas por agri-cultores e agricultoras de idades mais avançadas que possuem um grande conhecimento na área da agricultura recebido de seus antepassados. De uma forma ou de outra, constata-se que todos eles já tiveram perdas em decorrência do processo de desvalo-rização da agricultura, entretanto, eles preservam o mais essencial que são as sementes crioulas. Existem, ainda, muitos jovens que através do conta-to com o trabalho desenvolvido pelos agentes da Comissao Pastoral da Ter-ra (CPT), da Escola de Jovens Rurais (EJR) e da Cáritas descobrem as van-tagens da produção agroecológica e tornam-se apoiadores e integrantes do Banco de Sementes Crioulas.

Os municípios de Cruzeiro do Sul, Encruzilhada do Sul, Passo do Sobrado e Rio Pardo e as famílias guardiãs das sementes crioulas

A Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul, denominada de Ação Social Diocesana de Santa Cruz do Sul (ASDISC), foi criada no ano de 1972 (PARISOTTO; ADAMS, 2001) e especialmente a partir dos anos de 1990 passou a se organi-zar de forma mais sistemática através de diferentes Pastorais Sociais e Serviços. Conforme dados sistematizados e

apresentados na 45ª Assembleia Anual de 2015, atualmente a Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul possui um trabalho em nível de diocese da qual são desenvolvidas ações que envolvem o Colégio Medianeira (Candelária), a Escola Anchieta (Vera Cruz)11 e as seguintes Pastorais Sociais e Serviços: Comissão Pastoral da Terra, Projetos Alternativos Comunitários,

A Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul e o banco de sementes crioulas

11 Ressalta-se que a Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul (ASDISC) é a entidade mantenedora destas duas escolas. Neste sentido, são desenvol-vidos projetos assistenciais a partir de cada uma delas que envolvem crianças e adolescentes (7.851 registros), familiares e a comunidade. Entre eles destacam-se os seguintes projetos: Ciranda da Leitura e Mãos Solidárias (Escola Anchieta); “A Escola na Vida e a Vida Na Escola” (dividida em seis sub-projetos: Solidariedade em Nossas Mãos; Pintando o Sete; Inclusão Digital; Oficina de Profissões; Música na Escola; Resgatando Valores – Bo-as Ações) e “Ação e Emoção – Meio Ambiente” (dividido em quatro sub-projetos: Planeta Sustentável; Pedalar para Transformar; Ginástica Laboral e Arqueologia (Colégio Medianeira).

Sistematização de Experiências do Projeto 20 Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

Escola de Jovens Rurais, Serviço de Caridade, Pastoral da Saúde, Comuni-dades Quilombolas, Pastoral Carcerá-ria, Pastoral do Menor, Escola Cristã de Educação Política, Pastoral da AIDs e Pastoral do Idoso.

Especialmente a partir da Comis-são Pastoral da Terra (CPT) e da Cári-tas Diocesana de Santa Cruz do Sul algumas lideranças iniciaram nos anos 2000 o trabalho de resgate das sementes crioulas e de incentivo à agroecologia que resultou na criação do “Banco de Sementes Crioulas”. O acompanhamento técnico realizado pelos agentes da Comissão Pastoral da Terra através de encontros de for-mação, de experiências de produção ecológica e de produção de lavouras de cultivo de sementes crioulas, em parceria com as atividades de moti-vação e mística da Cáritas Diocesana foram fundamentais para a criação do Banco de Sementes na Diocese de Santa Cruz do Sul.

Conforme ressaltado pelo agen-te de Cáritas Maurício Queiróz, no

inicio deste trabalho se observava que os agricultores e agricultoras que cultivavam suas próprias sementes crioulas tinham receio ou vergonha de falar sobre elas. Entretanto, atual-mente é visível o orgulho que estes homens e mulheres possuem dessa prática, o que significa uma conquis-ta de todo o trabalho realizado pe-los agentes diocesanos da CPT e da Cáritas, especialmente através dos Encontros Diocesanos de Semen-tes Crioulas que proporcionam uma motivação para estes agricultores e agricultoras, e têm incentivado para que pessoas que vivem no meio ur-bano também passem a se engajar nesta corrente.

Estes resultados foram obtidos especialmente devido à sensibilida-de e ao comprometimento do Bispo Dom Aloísio Sinésio Bohn, atualmen-te Bispo Emérito da Diocese de Santa Cruz do Sul, que sempre foi um gran-de apoiador do trabalho com os excluí-dos, com os jovens, com os sem terra e com os agricultores e agricultoras.

“Logo me vem à memória o muni-cípio de Encruzilhada do Sul onde se instalou o primeiro assentamento, o Segredo Farroupilha, lá por 1994, ini-cialmente acampamento. Em uma vi-sita que fiz com minha batina preta em meio aos espinhos chamei a atenção dos acampados e também dos fazen-deiros, lógico que recebi críticas por ser solidário às famílias acampadas”, ressaltou Dom Sinésio Aloísio Bohn quando relatou o processo de criação destas iniciativas na Diocese.

Dom Sinésio relatou ainda que no ano de 1999 um acampamento de fa-mílias Sem Terra ligadas ao MST final-mente se tornara assentamento, o As-sentamento Padre Réus. Com apoio do Agente de Cáritas Maurício Queiroz e da coordenadora da CPT Diocesa-na Oldi H. Jantsch organizaram uma coleta de sementes e mudas para as famílias assentadas, e Dom Sinésio proporcionou R$ 2.300,00 para aqui-sição de sementes crioulas e mudas para doar para as famílias. Conforme ressaltado pelo Bispo,

A ideia foi boa, doar sementes que cultivadas na terra recém-conquistada iria produzir os alimentos

para as famílias e estas não ficariam dependentes de sementes e teriam comida em abundância.

As famílias têm até hoje sementes que receberam e também doaram para outras comunidades

e grupos (DOM ALOÍSIO SINÉSIO BOHN, 2015).

Através do Banco de Sementes é realizado um trabalho diretamen-te com os agricultores e agricultu-ras, com os guardiões e com aque-les agricultores que perderam suas sementes, a partir de um processo educativo da qual se estimula a rea-lização de práticas que privilegiem o resgate, o cultivo e a multiplicação de sementes crioulas.

Assim, através do Banco de Se-mentes Crioulas são desenvolvidas atividades de formação que contri-buem para que os agricultores e as

agricultoras que têm acesso às se-mentes passem a cultivá-las tornan-do-se multiplicadores, na medida em que sua propriedade também se cons-titui em um pequeno “Banco”, o que evidencia a relação direta que estas ações possuem com a prática milenar de resgatar sementes crioulas.

Atualmente são beneficiadas atra-vés deste trabalho 345 famílias distri-buídas em vinte e seis dos quarenta municípios da Diocese de Santa Cruz do Sul, conforme pode ser identifica-do através da Figura 2. Ressalta-se

especialmente o trabalho desenvol-vido nos municípios de Cruzeiro do Sul, Rio Pardo, Encruzilhada do Sul e Passo do Sobrado junto a agricultores e agricultoras, populações quilombo-las e assentados do Movimento dos Sem Terra.

O depoimento que segue de José Antônio Kroeff Schmitz, professor nos cursos de Tecnologia em Horticultura e de Agronomia da Universidade Es-tadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Santa Cruz do Sul, um dos apoiado-res do Banco de Sementes Crioulas,

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”21Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

é revelador sobre o que representa esta iniciativa atualmente para a vida dos agricultores e agricultoras, para a comu-nidade e para a região.

O Banco de Sementes Crioulas, organizado pela CPT e Cáritas diocesana é uma das atividades

mais significativas para a preservação da agrobiodiversidade regional e para a garantia das pos-

sibilidades de transição agroecológica que vem sendo realizada em nossa região atualmente. O

trabalho incansável e persistente dos agentes para a implantação e continuidade da existência do

banco de sementes in vivo junto aos agricultores familiares é inspirador, tanto para estes e seus

filhos, quanto para técnicos e profissionais da área agrícola, e faz com que o tema das sementes

crioulas esteja sempre em pauta em nossa região (JOSÉ ANTÔNIO KROEFF SCHMITZ, SANTA

CRUZ DO SUL, 2015).

André Michel Müller, Extensionista Rural da EMATER RS/ASCAR ressaltou que através deste trabalho é possível con-tribuir para que os agricultores e agricultoras possam valorizar os conhecimentos que trazem de seus antepassados, darem visibilidade para as suas práticas agroecológicas e descobrirem novas formas de produção e comercialização.

De grande importância pelos seguintes motivos: é um apoio na conservação de sementes contra

a preocupante erosão genética; possibilita o resgate de tecnologias úteis à agricultura familiar, co-

mo adubação verde, produção de forrageiras, plantas medicinais, etc; além de conservar a cultura

alimentar e possibilitar a ocupação de nichos de mercado de comercialização de gêneros alimen-

tícios e na gastronomia (ANDRÉ MICHEL MÜLLER, ARROIO DO MEIO, 2015).

Ressalta-se que no início deste trabalho na Diocese de Santa Cruz do Sul não havia tantas entidades engajadas, prova disso foi que na realização do 1º Encontro Diocesano de Sementes Crioulas que ocorreu no ano de 2001 foram parceiros a Pastoral da Juventude (PJR), a ECOCITRUS, a Coordenadoria Regional da EMATER e alguns Movimentos Sociais. No ano de 2015, quando foi realizado o 15º Encontro no município de Progresso havia várias outras parcerias como a Cári-tas Regional do RS; o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) de Progresso e Regional; a EMATER de Progresso; a Articulação de Agroecologia do Vale do Taquari (AAVT) que engloba várias entidades; a Paróquia Nossa Senhora Auxi-liadora e o Grupo de Ecologistas de Forqueta.

Encontros diocesanos de sementes crioulas

Os Encontros Diocesanos de Se-mentes Crioulas representam “Um momento de troca, onde

as pessoas podem falar das neces-sidades do povo e sobre o que está sendo realizado no cotidiano envol-vendo as sementes”, conforme des-tacado pela apoiadora Sirlei da Silva Nunes, Pedagoga, Professora e co-ordenadora de Projetos de Educação Ambiental em duas Escolas Munici-pais de Dom Feliciano. Dom Sinésio também sempre foi um dos grandes apoiadoras dos Encontros Diocesanos

de Sementes Crioulas e ressalta ter aprendido que a bênção das sementes é muito importante para os agriculto-res e agricultoras, pois, segundo ele, “Estas iniciativas valorizam a troca de sementes entre os camponeses e as camponesas” (DOM ALOÍSIO SINÉ-SIO BOHN, 2015).

A primeira edição do evento ocor-reu no ano de 2001 e reuniu 167 parti-cipantes, público que foi aumentando ao longo dos quinze anos totalizando 5.480 pessoas. Somente no último encontro realizado em Progresso no

ano de 2015 estiveram presentes 700 participantes de várias regiões do Es-tado do RS que, além de partilharem suas sementes, debateram sobre o tema “Sementes Crioulas: Saúde a partir do Alimento Saudável”, confor-me pode ser observado através da Figura 2.

A cada ano o evento foi realizado em locais diferentes da Diocese pa-ra contemplar o número máximo de municípios, além de que, o sexto en-contro, ocorrido no ano de 2006, foi realizado dentro do Assentamento Se-

Sistematização de Experiências do Projeto 22

gredo Farroupilha, no município de Encruzilhada do Sul. O relato de um dos agricultores entrevistados evidencia a im-portância que estes encontros sempre tiveram ao longo de sua realização para a vida dos agricultores e agricultoras:

No ano de 2001 participei do primeiro encontro de sementes crioulas em Santa Cruz do Sul, lá con-

segui sementes de arroz do tipo sequeiro, plantei e desde então sempre tenho o meu arroz, têm

anos que também comercializo arroz descascado e sementes, mas mantenho a prática do cuidado

com a semente e também a solidariedade com outras famílias, doando sementes para o Banco

de Sementes levar a outros agricultores (DANIEL JASNIEWCZ, ENCRUZILHADA DO SUL, 2015).

Além disso, estes eventos representam um momento de “valorização da vida”, conforme destacado pela agricultora Reinilda Martin, de Passo do Sobrado. Estes encontros são também momentos festivos e de partilha de conhecimen-tos, de sonhos, de alegrias e de buscas coletivas para superar os desafios enfrentados pelos agricultores e agricultoras, em que, a cada encontro, mais pessoas se somam à rede mudando a paisagem da região e a vida das pessoas direta-mente envolvidas, conforme ressaltado por um dos agricultores entrevistados:

Os Encontros são fundamentais para a divulgação da necessidade de preservação e de cuidado

dos agricultores para com as sementes crioulas que ainda restam entre nós. Os encontros têm

servido para a ocorrência de trocas e de doações de sementes crioulas entre os agricultores fa-

miliares regionais, permitindo que mais e mais agricultores continuem mantendo-as e cultivando-

-as em suas propriedades, impedindo seu desaparecimento e garantindo sua preservação e seu

fortalecimento a partir destas trocas. Além disso, os encontros são importantes momentos de

alegria, de congraçamento e de novos aprendizados entre todos os agricultores guardiões que lu-

tam pela preservação das sementes crioulas em nossa região e no Estado (PAULO JÚNIOR DA

SILVA, AGRICULTOR DE RIO PARDO, 2015).

Os agricultores e agricultoras evidenciaram a importância da realização dos Encontros Diocesanos de Sementes Crioulas especialmente no que refere à conscientização sobre a preservação das sementes e à produção agroecológi-ca, conforme pode ser observado através da narrativa que segue: “Possibilitam a consciência da preservação das se-mentes crioulas e da importância da agroecologia. Participei de três encontros diocesanos de sementes crioulas e acho um trabalho excelente. A CPT está sempre junto apoiando a causa da agroecologia e a luta dos agricultores” (PAULO JÚNIOR DA SILVA, AGRICULTOR DE RIO PARDO, 2015).

Jovens da Escola de Jovens Rurais no 15º Encontro Diocesano de Sementes Crioulas Fonte: acervo da Cáritas RS

Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”23Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

Figura 2: Encontros Diocesanos de Sementes Crioulas

Data Local Temas Nº Participantes

1º 29/08/2001 Santa Cruz do Sul “Banco de Sementes Crioulas X Riscos dos transgênicos” 167

2º 10/07/2002 Venâncio Aires “A importância das Sementes Crioulas para os pequenos agricultores e agricultoras” 322

3º 26/08/2003 Venâncio Aires12 “Sementes patrimônio da humanidade” 300

4º 14/08/2004 Santa Cruz do Sul13 “Roça e Cidade semeando Vida na Comunidade” 220

5º 18/08/2005 Arroio do Meio14 “Debater sobre as sementes crioulas patrimônio dos camponeses e a situação da agricultura e da agroecologia” 315

6º 08/08/2006 Assentamento Segredo FarroupilhaEncruzilhada do Sul “A agroecologia e a Soberania das Sementes” 412

7º 27/09/2007 Rio Pardo “Agricultura Camponesa e Sementes Crioulas: Importância e Resgate” 140

8º 06/08/2008 Pouso Novo “As Sementes Crioulas e a Agroecologia” 380

9º 23/09/2009 Herveiras “Sementes: A base da Produção dos Alimentos do mundo” 320

10º 09/06/2010 Candelária15 “A Importância da Agroecologia e do Resgate das Sementes Crioulas” 435

11º 15/06/2011 Passo do Sobrado “As Sementes Crioulas e as Alternativas de Produção de Alimentos” 319

12º 13/06/2012 Vale do Sol “Transgênicos: ameaça aos agricultores, à produção de alimentos e às Sementes Crioulas” 345

13º 21 e 22/08/2013 Cruzeiro do Sul16 “Festa da Biodiversidade” 540

14º 27/08/2014 Santa Cruz do Sul “Intercâmbio entre Bancos de Sementes Crioulas do RS” 565

15º 29/07/2015 Progresso17 “Sementes Crioulas: Saúde a partir do Alimento Saudável” 700

Fonte: Dados organizados pelos autores (2015)

12 Neste ano aconteceu a 1ª Feira Diocesana de Economia Popular Solidária. Como resultado deste evento houve um manifesto assinado dos parti-cipantes em defesa preservação das Sementes Crioulas.

13 O encontro ocorreu junto com a 2ª Feira Diocesana de Economia Popular Solidária e o 22º Encontro Diocesano de CEBS, em Santa Cruz do Sul.

14 Junto com o encontro foram realizadas também práticas de Agroecologia.

15 Este Encontro foi realizado juntamente com o 10º Encontro Municipal de Sementes Crioulas de Candelária, organizado por agricultores da Pasto-ral da Terra local.

16 Ressalta-se que a atividade realizada no dia 21 de agosto foi direcionada para estudantes.

17 Salienta-se que para este encontro foi cultivada uma lavoura de milho ecológico que foi aberta para visitação aos participantes durante o evento.

Sistematização de Experiências do Projeto 24

Durante a realização do 15º Encon-tro Diocesano de Sementes Crioulas houve um total de cento e quinze par-ticipantes que realizaram a avaliação por escrito, das quais se destacam alguns elementos referentes a vinte e oito avaliações. No que se refere às sementes que foram partilhadas du-rante o encontro constata-se que as variedades que mais foram levadas pe-los participantes para o “troca-troca” de sementes foram o feijão, o milho, o arroz e a pipoca. Percebe-se, tam-

bém, que embora algumas pessoas não tenham levado nenhuma semente para a partilha, foram partilhadas tam-bém plantas frutíferas, chás, mudas e sementes de hortaliças.

Os participantes do 15º Encontro de Sementes Crioulas evidenciaram, em sua maioria, que os motivos para participarem do evento estão relacio-nados especialmente com a impor-tância da partilha das sementes para os agricultores e agricultoras, a pos-sibilidade de aprendizado e a diversi-

ficação das sementes. Além disso, foram evidenciadas outras justifica-tivas, das quais se destacam: “Por-que acho muito importante preservar a natureza e o meio ambiente”; “Para cuidar da vida”; “Porque são semen-tes de vida nas mãos do agricultor e da agricultura”; “Porque acredito que um mundo novo só é possível com alternativas, comida e saúde”; “Por ser natural, sem agrotóxico”; “Para apoiar com a experiência dos Guar-diões Mirins”.

As características que seguem re-ferem-se as entrevistas de vinte e quatro agricultores dos muni-

cípios de Cruzeiro do Sul, Rio Pardo, Encruzilhada do Sul e Passo do Sobra-do que foram selecionados para esta análise. Entre o total de agricultores dez são mulheres e quatorze são ho-mens, havendo uma prevalência da et-nia germânica (63%), seguida da brasi-leira (13%) e da afro-descente (12%). Os municípios onde houve um maior número de entrevistados foram Pas-so do Sobrado (sete entrevistados), Cruzeiro do Sul (sete entrevistados) e Encruzilhada do Sul (sete entrevis-tados). Ressalta-se que entre estes entrevistados havia dois integrantes do Assentamento Farroupilha e dois do Assentamento São Pedro (Encru-zilhada do Sul). Foram entrevistadas ainda, duas pessoas de Rio Pardo, sen-do uma delas integrante do Quilombo Rincão dos Negros.

Entre os agricultores e agriculto-ras entrevistados quatorze deles re-velaram serem casados; seis são sol-teiros; dois viúvos, um separado e um com união estável. No que se refere

Características socioeconômicas dos agricultores e das propriedades

Figura 3: Idade dos Agricultores e Agricultoras

à idade, constata-se que a maioria dos entrevistados possui idades en-tre cinquenta e um e setenta anos, conforme pode ser analisado a par-tir da Figura 3. Entre eles, dez entre-vistados possuem idades entre ses-senta e um e setenta anos. Ressalta--se que existe entre os entrevistados também um total de três pessoas com idades avançadas, entre seten-

ta e um e oitenta anos. Por outro lado, se observa que a

quantidade de agricultores e agricul-toras com idades mais jovens é bas-tante reduzida, correspondendo a um total de três pessoas que revelaram possuir entre 16 e 30 anos. Esta rea-lidade é preocupante devido ao fato que há entre estes agricultores uma presença significativa de pessoas com

Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”25Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

idades avançadas, ao mesmo tempo em que há um número reduzido de jovens no meio rural, evidenciando um grande desafio no que se refere à su-cessão familiar no meio rural.

A análise sobre a composição fa-miliar dos agricultores evidencia que oito deles vivem com seus cônjuges e apenas quatro revelaram viver com os cônjuges e os filhos. Somente dois de-les vivem com seus pais, dois apenas com os filhos e dois com a mãe. Os demais ressaltaram que vivem com cônjuge e filhos, com irmãos, com ou-tros familiares e sozinhos. Entre os entrevistados que revelaram possuir filhos há um total de sete pessoas que possuem dois filhos (29%); cinco deles (21%) possuem três filhos; dois possuem quatro filhos (8%) e apenas um deles revelou ter cinco filhos (4%). Constata-se ainda, que sete deles re-velaram não possuir filhos (29%).

Identifica-se que 71% dos entre-vistados possuem Ensino Fundamen-tal Incompleto, ao passo que somente 13% deles têm Ensino Médio Comple-to e 12% Ensino Médio Incompleto. Somente 4% possuem menos de um ano de estudo ou não possuem ins-trução, conforme consta na Figura 4.

A análise sobre a renda evidencia que entre os agricultores entrevista-dos a maioria deles, quatorze pessoas, recebem dois salários mínimos; sete deles recebem um salário mínimo e apenas três recebem três salários mí-nimos, conforme se observa através da Figura 5.

Dezenove dos vinte e quatro agri-cultores entrevistados revelaram pos-suir propriedade própria, quatro ma-nifestaram que vivem na propriedade dos pais e apenas um deles ressaltou que não possui propriedade.

De acordo com a Figura 6, a maior parte das propriedades dos agriculto-

Figura 4: Escolaridade dos Agricultores e Agricultoras

Figura 5: Renda dos Agricultores e Agricultoras

Figura 6: Tamanho da Propriedade

Sistematização de Experiências do Projeto 26

res e agricultoras entrevistadas possui de uma a vinte hectares, sendo que, entre elas, a maior concentração está entre as que possuem de uma a cinco hectares (quatro entrevistados); cinco a dez hectares (quatro entrevistados) e 15 a vinte hectares (quatro entrevis-tados). Somente cinco entrevistados possuem propriedades com vinte a sessenta hectares e apenas um de-les revelou que não possui proprieda-

de própria, embora viva com os pais.A análise sobre a quantidade e

os tipos de produtos que são pro-duzidas nas propriedades dos sujei-tos analisados revela que as culturas que mais aparecem entre eles são o feijão (22 entrevistados), o milho (18 entrevistados) e a mandioca (15 entrevistados). Na sequência apare-cem outras culturas como a batata (10 entrevistados) e a “batatinha” (10

entrevistados), seguidos da abóbo-ra (9 entrevistados). Foram destaca-dos também outros produtos entre os entrevistados, como a ervilha, o amendoim e o alho, apontados por oito deles. Em menos quantidade, aparecem ainda outras culturas co-mo a vassoura, a melancia, o feijão de vagem, a cebola e o arroz, segui-dos de tomate, moranga, flores, ca-na de açúcar, entre outros.

Semente crioula de feijão vagem amarela Fonte: acervo da Cáritas RS

Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”27Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

O trabalho de conscientização e de apoio na realização de ações que privilegiem o resgate, o cultivo, a guarda e a partilha das sementes crioulas desenvolvidas pela equipe diocesana da CPT e da Cáritas têm

proporcionado novas alternativas de produção, de consumo e de comercia-lização aos agricultores e agricultoras, conforme pode ser observado atra-vés do relato de um agricultor integrante do Quilombo Rincão dos Negros, de Rio Pardo:

Semente é vida, eu digo para quem não planta, para experimentar

a plantar milho crioulo ou outra semente, isso renova e dá sentido

à vida. Não plante transgênicos. No ano passado recebi do Banco

Sementes de melancia crioula, plantei e colhi 112 melancias, 100

eu vendi a R$ 2,50 a unidade, as outras serviram de alimento para

minha família. Colhi as sementes e devolvi ao Banco 350 gramas

de sementes para beneficiar outras famílias (ADAIR MACHADO,

RIO PARDO, 2015).  

Quando questionados sobre o acompanhamento dos agentes da CPT e da Cáritas todos os entrevistados revelaram aspectos que comprovam a importân-cia deste trabalho na Diocese, especialmente pelo apoio e incentivo aos agricul-tores e agricultoras na perspectiva da produção de sementes crioulas e na linha da agroecologia, conforme o relato da agricultora Lígia Delavy, de Cruzeiro do Sul: “A principal importância é por não deixar morrer esta ideia dos alimentos saudáveis, da agricultura ecológica, da força dos agricultores(as) e da necessi-dade de se trabalhar em grupo e cuidar das sementes crioulas”.

Uma das entrevistadas destacou também que obteve as sementes crioulas a partir de um Encontro Diocesano de Sementes que participou, pois, segun-do ela, “É fundamental, pois a CPT há muitos anos estimula a agroecologia e a preservação das sementes crioulas e todos os anos realiza o Encontro Dioce-sano de Sementes Crioulas, pois é a única forma de contrapor o agronegócio” (OLDI HELENA JANTSCH, CRUZEIRO DO SUL, 2015). Nesse sentido, outra agricultora revelou que, embora tenha herdado a prática de guardar as semen-tes de geração em geração, a aquisição do “Feijão de Porco”, plantado na pro-priedade para a adubação verde, somente foi possível através da participação do filho na Escola de Jovens Rurais e do acesso ao Banco de Sementes Criou-las (REINILDA MARTIN, PASSO DO SOBRADO, 2015).

Como resultado deste trabalho destaca-se em especial a construção de um Biodigestor na propriedade de uma das famílias do município de Passo do So-brado, o que irá contribuir para a produção de gás e biofertizantes, garantindo, desta forma, a sustentabilidade e a redução de danos à natureza. Este trabalho somente foi possível devido ao acompanhamento sistemático recebido através da equipe diocesana, conforme destacado pelo agricultor:

A Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul e a importância da preservação das sementes crioulas para a vida dos agricultores

Visita a propriedade dos guardiões de sementes crioulas em Passo do Sobrado durante a 35ª Assembleia Estadual da Cáritas RS

Fonte: acervo da Cáritas R

S

Sistematização de Experiências do Projeto 28

Quem sabe se não tivesse este acompanhamento e apoio talvez a gente nem estivesse mais tra-

balhando com nossas sementes e nem pensando em aprofundar a agroecologia. Com este apoio

vamos construir em janeiro de 2016 um Biodigestor que vai ser muito importante para melhorar

nossa propriedade e melhor aproveitar o esterco (PAULO MARTIN, PASSO DO SOBRADO, 2015).

Nesse sentido, entre os vinte e quatro agricultores e agricultoras entrevistados se observa que foi revelado que o tempo de acompanhamento realizado pelos agentes da CPT e da Cáritas Diocesana varia de um ano há mais de vinte anos, sendo que, um deles revelou que é acompanhado desde o início deste trabalho na diocese de Santa Cruz do Sul. Entre os entrevistados prevalecem aqueles que revelaram possuir o acompanhamento desde os anos de 1990. Dez agricultores ressaltaram que recebem acompanhamento da equipe diocesana desde os anos 2000 através do trabalho realizado pelos agentes da CPT e da Cáritas Diocesana, conforme pode se observar através do relato de um ex-aluno da EJR: “Desde 2000 quando participei da Escola de Jovens Rurais” (FERNANDO MARTIN, PASSO DO SOBRADO, 2015).

No que se refere ao tempo em que os agricultores analisados guardam as sementes crioulas constata-se que do to-tal de vinte e quatro entrevistados há doze pessoas (50%) que revelaram que esta prática vem de geração em geração, conforme pode ser observado através de alguns relatos que seguem:

Aprendi com meu pai e minha mãe e faço a prática até hoje. Meus pais e avós eram guardiães e

produziam das sementes crioulas todos os alimentos que necessitavam para viver, os que não

produziam conseguiam com vizinhos ou amigos por meio de trocas (OLDI HELENA JANTSCH,

CRUZEIRO DO SUL, 2015).

Isso vem de família. Tenho uma variedade de alface que peguei participando dos Encontros Dio-

cesanos de Sementes Crioulas (JENI MÜLLER, CRUZEIRO DO SUL, 2015).

Desde criança, pois vem de família, mas nos últimos anos me conscientizei da importância, tam-

bém por participar dos encontros de trocas de sementes crioulas (ANTONINHO FLORES MEN-

DONÇA, ASSENTAMENTO SÃO PEDRO, ENCRUZILHADA DO SUL, 2015).

Há muitos anos, não lembro! Mas meus pais sempre plantavam suas sementes como todos os

agricultores de antigamente (OSVALDO HERMES, PASSO DO SOBRADO, 2015).

Entre os entrevistados observa-se que há um agricultor morador do Assentamento São Pedro que pratica a preser-vação e a guarda das sementes crioulas há mais de quarenta anos. Através do relato deste agricultor é possível cons-tatar a convicção que ele possui com relação à importância deste processo para a vida das pessoas, para a natureza e para os animais:

Faz 40 anos que tenho esta variedade de melancia. É muito importante cuidar destas sementes

crioulas, futuramente quem têm suas próprias sementes têm garantia de comida. Meu medo é

que todos passem a plantar somente milhos transgênicos. Pode observar quando um animal es-

capa e tiver milho transgênico e convencional, ele vai na lavoura de milho convencional porque

nem os bichos querem comer milho transgênico (ANTONINHO FLORES MENDONÇA, ENCRU-

ZILHADA DO SUL, 2015).

Há dois entrevistados que praticam a guarda das sementes há mais de trinta anos, conforme pode ser identificado através de uma das narrativas: “Temos a batata inglesa (batatinha) há uns 30 anos eu acho, mas muitas das semen-tes que temos conseguimos com outros agricultores vizinhos e nos encontros de sementes crioulas” (PAULO RENY WORM, CRUZEIRO DO SUL). Há, ainda, dois entrevistados que ressaltaram que guardam as sementes há mais de vin-

Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”29Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

te anos, pois, segundo revelado por um deles, esta prática “Vem de muitos anos, por exemplo, a batatinha já faz uns 28 anos. Nosso filho mais velho não tinha nem nascido ainda. Algumas vêm de geração em geração” (TEREZINHA WORM, CRUZEIRO DO SUL, 2015).

Três entrevistados revelaram que guardam as sementes há mais de dez anos e um deles há mais de três anos. Há ainda um deles que, embora esteja guardando as sementes há um ano, esse processo ocorreu em decorrência de sua participação na Escola de Jovens Rurais da diocese. Os motivos apresentados pelos agricultores para realização da prá-tica de guardar sementes crioulas foram os mais variados, tendo se destacado aqueles que evidenciam um reconheci-mento dos mesmos com relação à preservação das sementes e a produção de alimentos saudáveis na perspectiva da segurança alimentar, conforme pode se observar através de algumas narrativas.

Por ter a consciência de que são melhores para produzir nossa comida. Nunca deixei de plantar

minha semente própria, às vezes trocávamos com os vizinhos (REINALDO RODRIGUES, PASSO

DO SOBRADO, 2015).

Para manter as sementes, preservar as sementes para não terminar, se não fizermos isso vai ficar

somente transgênicos. Também por questões econômicas e para produzir alimentos saudáveis

(DANIEL JASNIEWCZ, ENCRUZILHADA DO SUL, 2015).

Porque gostamos de plantar e também porque são alimentos muito saborosos, o tomate, por

exemplo, o gosto incomparável com tomate comprado que é cheio de venenos. O alimento é

bom. Quem preserva suas sementes tem comida garantida, é só saber cultivar (REINILDA MAR-

TIN, PASSO DO SOBRADO, 2015).

Outros ainda ressaltaram a importância de conservação das sementes para o consumo da família e dos animais da propriedade, conforme evidenciado pelo Sr. Licínio João Müller, de Cruzeiro do Sul: “Por que gosto de plantar da minha semente que é muito boa para tratar os animais e também para comer verde. Uso somente este milho para tratar das galinhas, porcos e o gado”.

Há agricultores que evidenciaram que continuam guardando as sementes crioulas porque querem seguir uma tradi-ção herdada de seus antepassados: “Pela consciência que temos da importância de ter nossas próprias sementes para a produção dos alimentos da família. Porque aprendemos com os antepassados” (OSVALDO HERMES, PASSO DO SO-BRADO, 2015). Outros entrevistados que reconhecem também que guardar as sementes significa autonomia, sobera-nia e sustentabilidade para os agricultores, conforme pode ser observado através de algumas narrativas que seguem.

A importância para o barateamento, pois não precisa comprar sementes, a gente precisa plantar

e cuidar bem e depois deixar um pouco de sementes para plantar no próximo ano. Barateamen-

to e para não enriquecer as multinacionais. Cuidado com a terra (PAULO RENY WORM, CRUZEI-

RO DO SUL, 2015).

Fundamental, é muito importante para incentivar uma agricultura sustentável. Muitas vezes eles

nos visitam ajudam com ideias e apoio para melhorar a prática de cuidado com as sementes criou-

las (OSVALDO HERMES, PASSO DO SOBRADO, 2015).

Quando questionados sobre o sentido das sementes para os agricultores e agricultoras foi ressaltado que através delas é possível produzir alimentos saudáveis e sem agrotóxicos; reservar os conhecimentos, ensinamentos e a cultura aprendidos e manter viva a memória dos antepassados; a autonomia e o sustento; a confiança no alimento que é produ-zido; entre outros elementos. Foi ressaltado, ainda, que as sementes crioulas significam a possibilidade de alternativas de produção que se contraponham à monocultura do fumo predominante na região, conforme destacado pela agricul-

Sistematização de Experiências do Projeto 30

tora Jeni Müller, de Cruzeiro do Sul: “Eu e o meu falecido marido plantávamos fumo e há dezoito anos não plantamos mais, daí ele passou a plantar sem usar venenos, que é bom para a natureza e para a nossa saúde. Não lembro bem o ano, mas nós doamos sementes, mudas de cana, e ramas de aipim para um dos assentamentos de Encruzilhada do Sul. O meu marido sempre dizia, ‘se tu tem milho na propriedade tu tem tudo, tu tem o porquinho, a galinha, o leite, a carne, a farinha, mas se tu não tem e tem que comprar, daí tu tá perdido’”.

Conforme já evidenciado são inúmeros os resultados obtidos a partir do Banco de Sementes Crioulas, especialmen-te no que se refere à criação de uma consciência por parte dos agricultores e agricultoras sobre a importância de cultivar, partilhar e guardar as sementes, conforme destacado por uma das apoiadoras do trabalho que é realizado

a partir da CPT, da Escola de Jovens Rurais e da Cáritas Diocesena:

Um trabalho muito rico que busca resgatar variedades de sementes. Aqui em nosso município,

por exemplo, já haviam se perdido muitas espécies e hoje quando oferecemos para as pessoas

elas se sentem felizes, fazem comentários interessantes e logo plantam em hortas, pequenos

espaços para terem novamente a semente que havia se perdido (SIRLEI DA SILVA NUNES, DOM

FELICIANO, 2015).

Há que destacar, ainda, que atualmente o Banco de Sementes integra uma grande Rede composta por diversas entida-des, além da Cáritas e da Comissão Pastoral da Terra, conforme pode ser observado através do relato de um dos apoiadores:

Fazemos parte da mesma rede de entidades de apoio à Agroecologia - a Articulação de Agroeco-

logia do Vale do Taquari - AAVT, em nível regional, e, em nível municipal, da rede de entidades que

promovem o Encontro Municipal de Sementes Crioulas de Arroio do Meio que já ocorreu em 8

edições (ANDRÉ MICHEL MÜLLER, EXTENSIONISTA RURAL OFICIAL DA EMATER RS/ASCAR,

ARROIO DO MEIO, 2015).

A partir do relato de outro apoiador entrevistado identifica-se o comprometimento e o engajamento destes profissio-nais que atuam como parceiros, especialmente professores de Escolas de Ensino Médio e de Universidades, que mani-festam a existência de uma consciência sobre a importância de se produzir de forma agroecológica respeitando a vida e a natureza, como pode ser evidenciado na narrativa de um deles:

Sou apoiador constante das atividades da CPT diocesana, tendo já auxiliado na organização de

um Encontro Diocesano de Sementes Crioulas (Santa Cruz do Sul - 2014) e participado com pa-

lestrante em outro (Cruzeiro do Sul - 2013). Participo das atividades conjuntas organizadas pela

Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo (AAVRP), da qual ambas as entidades (CPT e

UERGS) são participantes e co-fundadoras, e estou participando como organizador e ministran-

te do Curso de Formação em Agroecologia para Jovens Rurais (EJR), organizado conjuntamente

pela CPT e pela UERGS – Unidade em Santa Cruz do Sul (JOSÉ ANTÔNIO KROEFF SCHMITZ,

UERGS, SANTA CRUZ DO SUL, 2015).

Conforme já destacado, o trabalho realizado a partir do Banco de Sementes Crioulas possui relação direta com a Cá-ritas, com a CPT e, especialmente, com a Escola de Jovens Rurais (EJR), conforme destacado por uma das apoiadoras:

Resultados do banco de sementes crioulas

Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”31Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

Estou participando do projeto do Banco das Sementes Crioulas des-

de 2010 junto às escolas do município de Dom Feliciano e à escola

de Jovens Rurais. Vejo que em nosso município as pessoas estão co-

meçando a se integrar e a sentir gosto pelas sementes crioulas. Aqui

oferecemos algumas sementes aos agricultores e jovens em eventos

do município e na escola e já tivemos retorno, algumas pessoas já re-

tornaram algumas sementes e continuamos a passar adiante (SIRLEI

DA SILVA NUNES, DOM FELICIANO, 2015).

A Escola de Jovens Rurais18 existe na Diocese de Santa Cruz do Sul desde o ano de 1992 e desde sua criação já formou um total de 935 jovens agriculto-res. A partir de uma metodologia de alternância, são realizadas cinco etapas de cinco dias cada, divididas em dois momentos: a) Tempo integração (3 etapas): momento de estudo e de troca de experiências entre os jovens inscritos, reali-zado nos meses de maio, julho e novembro; b) Tempo comunidade (2 etapas): formação específica por regional, abordando as realidades locais nas comunida-des e envolvendo as famílias. Normalmente ocorre nos meses de abril e outubro.

Constata-se que a partir do trabalho da CPT e da Cáritas Diocesana articu-lado com o EJR foram obtidos resultados significativos na Diocese de Santa Cruz do Sul, dos quais se destacam: processo de organização grupal dos jo-vens que possibilita a multiplicação das sementes e a produção de alimentos; a formação de lideranças que retornam para suas comunidades e contribuem no processo de debates e de discussões sobre a agricultura e a realidade atu-al; a criação de lavouras específicas para a multiplicação de sementes crioulas; a constituição de hortas comunitárias, de cisternas de placas, de feiras locais de produtos coloniais e ecológicos, proporcionando renda aos jovens e às su-as famílias; várias lideranças que anteriormente estudaram na EJR e que pas-sam a assumir papeis comunitárias, políticos, junto aos movimentos sociais e como agentes de saúde, contribuindo para a garantia de direitos da população que vive no meio rural; entre outros.

Nesse sentido, algumas narrativas evidenciam que o inicio da adesão a es-ta prática por várias famílias da região ocorreu em função da participação na Escola de Jovens Rurais, conforme evidenciado por um dos entrevistados: “A Escola de Jovens Rurais me ajudou com ideias, e por isso fiquei na roça, tam-bém porque gosto do que faço. Temos que tentar usar o que a gente tem na propriedade. A EJR forma lideranças para continuar a prática das sementes crioulas e tem que trabalhar com os pequenos a união e focar na produção de alimentos” (FERNANDO MARTIN, PASSO DO SOBRADO, 2015).

O relato de outro apoiador evidencia a importância do trabalho realizado na

Feira ecológica dos grupos apoiados pela Cáritas em Santa Cruz do Sul

Fonte: acervo da Cáritas R

S

18 Os conteúdos trabalhados na EJR integram três eixos específicos: a) Pastoral: A vida no plano de Deus (criação), sua dimensão bíblica, a vivência da fé e a ação pastoral; Valores, Mística e Es-piritualidade; b) Agroecológico: a importância da construção de um novo modelo de produção que respeite a terra, a água, as plantas, os animais e os seres humanos. Envolve atividades práticas junto às comunidades; c) Político: trabalha-se na perspectiva de que não basta apenas a formação, pois é preciso organização na perspectiva do associativismo, do cooperativismo, da luta dos movi-mentos sociais, das pastorais sociais, da economia popular solidária, da vivência de novas relações e da organização da comunidade. Procura-se forma lideranças conscientes.

Sistematização de Experiências do Projeto 32

diocese envolvendo a CPT, a Cáritas Diocesana e a Escola de Jovens Rurais, pois os resultados deste processo são vi-síveis e tem colocado em evidência a região devido ao trabalho que é realizado junto à juventude, tanto no meio rural como no urbano, pois, segundo ele,

O trabalho com a juventude rural, realizado na Escola de Jovens Rurais (EJR), há vários anos, tem

marcado presença na região como um espaço de formação de lideranças e de conscientização da

juventude sobre a realidade do meio rural e também do meio urbano. É possível dizer que o traba-

lho da CPT diocesana, ao longo do tempo, tem construído um processo de avanço na consciência

da Agricultura Familiar Camponesa que é nitidamente diferenciado, e que, com o apoio de enti-

dades como a UERGS, a EMBRAPA, a EMATER e o MPA, poderá propiciar, tanto a permanência

maior da juventude rural em seu meio, quanto a efetivação de novos projetos de diversificação nas

propriedades, possibilitando, em pouco tempo, a implantação de agriculturas mais sustentáveis

e de base agroecológica, que servirão de exemplo para todas as demais na região e no Estado.

A publicação Livro “Conhecendo e Resgatando Sementes Crioulas” ocorrida no ano de 2006 também é um dos resultados do trabalho de res-gate de sementes crioulas que vem sendo realizado na Diocese de San-ta Cruz do Sul. O livro surgiu como uma iniciativa da Comissão Pastoral da Terra do Estado do Rio Grande do Sul e contou com o apoio da Cári-tas Regional do RS, de agentes da CPT e das Cáritas Diocesanas, de homens e mulheres camponesas, de integrantes de comunidades in-dígenas e quilombolas. Esta publica-ção representou um esforço conjun-to para registrar as distintas varieda-des existentes, da qual, com muito respeito foram mantidos os nomes que os agricultores e agricultoras ao longo da história foram “batizando” as sementes crioulas. Ressalta-se que os registos são acompanhados de fotos para facilitar a identificação das espécies, tornando-se um impor-tante instrumento de consulta e de conhecimento para os agricultores e

agricultoras que contribuem para que seja mantido e multiplicado o Banco de Sementes Crioulas.

No ano de 2011 foi criada uma Re-de de Sementes Crioulas que contou com o apoio da Cáritas Regional do RS e mantém conectadas virtualmen-te uma diversidade de experiências e uma quantidade expressiva de agen-tes e lideranças de várias regiões do Estado do RS e de outros países co-mo a Argentina, o Chile e a Alemanha. Através desta rede está sendo pos-sibilitada uma articulação importante que garante a troca de informações e de saberes e o intercambio de se-mentes crioulas.

Em 2013 o Banco de Sementes Crioulas recebeu o 2º Lugar no IV Prê-mio Odair Firmino de Solidariedade, promovido pela Cáritas Brasileira, que teve como tema “Soberania Alimentar e Solidariedade”. Esta classificação foi possível devido às experiências exito-sas que são realizadas a partir do Ban-co de Sementes, da qual se procura resgatar sementes crioulas e leva-las

até comunidades de pequenos agri-cultores e agricultoras. Com certeza este premio representou um reconhe-cimento importante em nível nacional, prova disso é que no ano de 2015 a experiência do Banco de Sementes Crioulas foi reconhecida como “Tec-nologia Social” pela Fundação Banco do Brasil.

Por fim, a partir da Prática Milenar de Guardar as Sementes e do Banco de Sementes Crioulas são proporcio-nados benefícios que contribuem para mudar a vida da população envolvida da qual se percebe a existência de um reconhecimento sobre a necessidade de preservação ambiental, da redução do uso de agrotóxicos, da produção de alimentos agroecológicos e da mu-dança dos hábitos alimentares. Estas ações têm contribuído também para a preservação ambiental através do in-centivo à permanência do homem no campo, ao cultivo de alimentos orgâ-nicos e ao cuidado com a água espe-cialmente a partir da reciclagem dos resíduos.

Cáritas Diocesana de Santa Cruz do Sul

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”33Cáritas Diocesana de Vacaria

A Diocese de Vacaria está situada na região nordeste do estado do Rio Grande do Sul, também cha-

mada “Região Altos de Cima da Serra”. Sua área territorial é de 15.793,4 km² (FEE, 2015), a população atual é de 191.111 habitantes (IBGE, 2010; 2011) e a mesma é composta por um total de 25 municípios.

Na Diocese de Vacaria não existe nenhuma população quilombola, en-tretanto, há uma Comunidade Indíge-na localizada no município de Caci-que Doble. Existem também quatro assentamentos de Reforma Agrária, são eles: “Assentamento Três Pinhei-ros” em Sananduva; “Assentamento 25 de Novembro” em Lagoa Verme-lha; “Assentamento Batalha” em Va-caria e “Assentamento Nova Estrela”, também em Vacaria. Nos municípios de Esmeralda e de Pinhal da Serra há um Reassentamento do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) de-nominado “São Francisco de Assis” e no município de Barracão há o Re-assentamento chamado de “Primei-ra Conquista” (MAB), conforme pode ser evidenciado através da Figura 1.

Com base em dados do Censo do IBGE (2011) constata-se que a maior concentração da população na Dio-cese de Vacaria está no meio urbano (141.677 pessoas) o que corresponde a 72% da população total (198.111 ha-bitantes), enquanto que, a população rural corresponde à 28% (56.434 habi-tantes), conforme se observa através da Figura 2. Entre os cinco municípios

3. A Cáritas Diocesana de Vacaria e o grupo Delícias Camponesas: o protagonismo das mulheres na perspectiva da soberania alimentar

que possuem maior população concen-trada no meio urbano há quatro deles que são, também, os municípios mais populosos da diocese, são eles: Vaca-ria (57.339 habitantes no meio urbano); Lagoa Vermelha (24.136 habitantes no meio urbano); Sananduva (10.697 ha-bitantes no meio urbano) e Bom Je-sus (8.593 habitantes no meio urbano).

A análise sobre a população rural evidencia que os quatro municípios que possuem a maior concentração de população que vive no meio ru-ral são aqueles que possuem tam-bém o maior número de habitantes, a maior extensão territorial, além de serem também os mais expressivos em população que vive no meio ur-bano, são eles: Sananduva (4.676 ha-bitantes), Vacaria (4.003 habitantes),

Lagoa Vermelha (3.389 habitantes) e Ibiraiaras (3.354 habitantes). Por ou-tro lado, se observa que Cacique Do-ble, o quinto município que apresen-ta a maior concentração de popula-ção no meio rural (3.240 pessoas) é um dos que possui uma quantidade total de habitantes correspondente à 4.868 pessoas e uma área territorial de 203,9 km², embora possua um total de 24,1 habitantes/km², estando en-tre os cinco mais expressivos neste quesito na Diocese.

Os dados apresentados na Figura 3 evidenciam que, assim como ocorre em nível nacional e no Estado do RS, os municípios que integram a Diocese de Vacaria apresentam um aumento uma redução nos índices de mortalida-de, fator que, associado aos avanços

Figura 1: Mapa dos municípios da Diocese de Vacaria Fonte: Mapa elaborado por

Débora Cristiele Kummer (2016)

Sistematização de Experiências do Projeto 34 Cáritas Diocesana de Vacaria

obtidos especialmente nas áreas da saúde e da assistência social, têm con-tribuído para que haja um aumento na expectativa de vida das populações.

Destacam-se, especialmente, os dados referentes à expectativa de vida das populações, dos quais se constata que do total de 25 municípios 12 deles (52%) possuem uma expectativa de vida acima de 75 anos, ultrapassan-do a média nacional que é de 73,76 anos (IBGE, 2010). Entre estes mu-nicípios citados, encontram-se onze municípios que apresentam uma ex-pectativa de vida superior à do Esta-do do Rio Grande do Sul, que corres-ponde a 75,9 anos (IBGE, 2010), são eles: Barracão (78,12 anos); Campes-tre da Serra (78,13 anos); Lagoa Ver-melha (78,10 anos); Muitos Capões (77,39 anos); Paim Filho (77,17 anos); Pinhal da Serra (75,10 anos); Sanan-duva (75,55 anos); Santo Expedito do Sul (76,15 anos); São José do Ouro (75,73 anos); Vacaria (75,25 anos) e Ibiaçá (78,28 anos), conforme se ob-serva através da Figura 3.

Considerando-se as idades avança-das da população que vive nos muni-cípios analisados, preocupa o fato de se identificar a existência de índices elevados de analfabetismo, o que evi-dencia, também, que muitas destas pessoas podem apresentar condições socioeconômicas menos favorecidas, pois o nível de escolaridade, em ge-ral, possui relação direta com a renda.

Entre os 25 municípios da Diocese de Vacaria constata-se que os cinco que apresentam os índices mais ele-vados de analfabetismo não estão en-tre os que possuem os índices mais altos de expectativa de vida, são eles: Monte Alegre dos Campos (10,71%); Machadinho (10,55%); Tupanci do Sul (10,20%); Cacique Doble (10,13%) e Caseiros (10,11%) (FEE, 2015).

Figura 2: Municípios, população total, população urbana e rural

Figura 3: Municípios, coeficiente de mortalidade, expectativa de vida e analfabetismo

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”35Cáritas Diocesana de Vacaria

A Cáritas Diocesana de Vacaria foi fundada em 15 de maio de 1961 (PARISOTTO; ADAMS, 2001),

conta atualmente com 80 agentes que desenvolvem trabalho voluntário e está presente nos 18 municípios Diocese, são eles: Maximiliano de Almeida, São José do Ouro, Tupanci do Sul, Cacique Doble, Santo Expedito do Sul, Paim Filho, São João da Urtiga, Sananduva, Ibiaçá, Caseiros, Ibiraia-ras, Lagoa Vermelha, Muitos Capões, Esmeralda, Pinhal da Serra, Vacaria, Bom Jesus e São José dos Ausentes.

Entre as ações desenvolvidas me-rece destaque o trabalho realizado pe-la Cáritas a partir da Pastoral do Pão, do Projeto de Prevenção de Emergên-cias, do Apoio e Acompanhamento às Agroindústrias Familiares e da Forma-ção com a Juventude. A Pastoral do Pão é composta por nove grupos de famílias carentes que produzem de forma comunitária o pão para o sus-tento familiar. Percebe-se, através da Cáritas, a importância de concretizar o trabalho desta pastoral numa lingua-gem adaptada à realidade social das famílias, envolvendo-as no processo de construção coletiva de novas alter-nativas de geração de trabalho e renda.

O Projeto de Prevenção de Emer-gências é desenvolvido na Diocese de Vacaria desde o ano de 2011 e está cada vez mais consolidado. Até o momen-to foram mais de 100 fontes de água recuperadas e protegidas nos municí-pios de Paim Filho, São João da Urti-ga, Maximiliano de Almeida, Cacique Doble e Sananduva. Evidencia-se que muitas destas nascentes recuperadas receberam o apoio da Cáritas Alemã e

A Cáritas Diocesana de Vacaria

outras foram recuperadas através de iniciativa dos próprios usuários na qual foram partilhadas e reproduzidas expe-riências exitosas neste âmbito.

As agroindústrias familiares são projetos de destaque nas ações da Cáritas diocesana em virtude do apoio realizado e dos resultados identifica-dos que evidenciam que é possível produzir alimentos saudáveis, gerar renda para os grupos envolvidos e garantir melhor qualidade de vida pa-ra as pessoas beneficiadas.

A preocupação com o meio ambien-te e com as gerações futuras tem sido motivações importantes para que a Cá-ritas Diocesana de Vacaria desenvolva um processo de formação que envol-va a juventude, de modo especial os estudantes, buscando um maior com-prometimento dos jovens para com as ações sustentáveis e à vida do planeta.

Em consonância com as prioridades da Cáritas Brasileira a Cáritas Diocesa-

na de Vacaria tem primado pela “de-fesa e promoção de direitos e o con-trole social de políticas públicas”. Nes-se sentido, têm sido priorizadas ações relacionadas com representação em espaços como os Conselhos de Direi-tos, especialmente o da Mulher, e no Fórum Dom Orlando Dotti, dos Movi-mentos Sociais Populares, integrante do Programa “Território da Cidadania”.19

No ano de 2015 foi realizada a XIV Assembleia Diocesana que refletiu sobre o tema da Campanha Mundial da Cáritas denominada “Uma Família Humana – Pão e Justiça para Todas as Pessoas” e da Campanha da Frater-nidade 2015 cujo tema foi “Fraterni-dade: Igreja e Sociedade” e lema “Eu vim para servir”. Para o ano de 2016 há um empenho da Cáritas Diocesana na busca de alternativas locais e regio-nais de captação de recursos, tendo em vista o fortalecimento e a garantia de sua sustentabilidade.

19 Este programa foi criado pelo Governo Federal no ano de 2008 e visa a universalização dos programas básicos de cidadania através de estratégias de desenvolvimento territorial sustentável.

Em 1992, quando o grupo estava começando suas atividades. Na foto as mulheres do grupo colocam os rótulos nos medicamentos fitoterápicos

Sistematização de Experiências do Projeto 36 Cáritas Diocesana de Vacaria

A Cáritas Diocesana de Vacaria foi criada no ano de 1961 e esteve inativa por mais de dez anos, ten-

do retomado suas atividade no período de 1989-1991, quando a sede passou a ser localizada na cidade de Lagoa Vermelha e a mesma recebeu apoio fi-nanceiro da MISEREOR. Nesta época, a Cáritas de Vacaria passou a integrar o Plano da Cáritas Regional do RS e muitas ações foram iniciadas, especial-mente a formação de projetos alterna-tivos comunitários e o incentivo a gru-

pos de iniciativas rurais incentivando a permanência dos sujeitos no meio rural, a conscientização sobre a impor-tância da agroecologia e do fortaleci-mento da articulação com as pastorais sociais e com os movimentos sociais, especialmente das Mulheres Campo-nesas (PARISOTTO; ADAMS, 2001).

O processo de criação do Grupo Delícias Camponesas foi desde o iní-cio acompanhado pela Cáritas dioce-sana através de atividades de forma-ção e do repasse de recursos finan-

ceiros para a compra dos primeiros equipamentos. A luta pela igualdade de gênero e pela soberania alimen-tar foram elementos importantes pa-ra que a Cáritas continuasse apostan-do no grupo, além da determinação e do protagonismo das integrantes. Conforme ressaltado pelo coordena-dor da Cáritas Diocesana de Vacaria, a entidade teve um papel importante tanto no processo de constituição do grupo como em momentos de fragili-dades, por ser, segundo ele,

A atuação da Cáritas junto à agroindústria “Delícias Camponesas” na perspectiva da segurança alimentar

A presença da Igreja neste processo. Devemos ressaltar que este grupo possibilitou à Cáritas

defender a sua missão de lutar pela construção de uma sociedade mais justa, igualitária e plural,

junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade social (ORILDO CARLOS BASSOLI, COR-

DENADOR DA CÁRITAS DIOCESANA DE VACARIA, 2015).

O Grupo Delícias Camponesas foi criado no ano de 1992 e passou por vá-rias fases até se constituir em Agroin-dústria, no ano de 2013, conforme se-rá relatado a seguir. No processo de criação da Agroindústria houve uma reunião inicial envolvendo o Grupo “Delícias Camponesas” e a comuni-dade, da qual foi realizada uma con-sulta e a inscrição das pessoas que tiveram interesse em contribuir com o grupo. Assim, todos tiveram oportuni-dade de participar do processo inicial e optaram pela forma de participação na agroindústria, tanto direta, a partir de cinco mulheres integrantes, como indiretamente, da qual as demais mu-lheres da comunidade se comprome-

teram a garantir a matéria prima pa-ra os produtos fabricados pelo grupo.

Na sequência, houve um proces-so de articulação com a Cáritas Dio-cesana da qual foi elaborado um pro-jeto para a aquisição de equipamen-tos necessários para a constituição da agroindústria. Desta forma, o grupo de mulheres aproveitou a estrutura da es-cola da comunidade onde inicialmen-te eram desenvolvidas atividades do Movimento de Alfabetização de Adul-tos (MOVA) e, posteriormente, o pro-jeto das Plantas Medicinais. Com a ajuda da Cáritas através do repasse de recursos via Fundo Rotativo So-lidário (FRS)20 em 2011 foi possível a obtenção de um forno, uma sovadeira

e uma mesa, sendo que, os demais utensílios e equipamentos necessá-rios para a produção foram fornecidos pelas próprias integrantes.

Posteriormente, em 2012, quan-do o grupo estava bem consolidado e já possuía uma caminhada significa-tiva, foi possível acessar o “Programa Camponês”, uma iniciativa do Governo do Estado na gestão do Governador Tarso Genro, da qual, através da Se-cretaria Estadual de Desenvolvimento Rural e, a partir da Consulta Popular, havia a possibilidade de destinação de recursos para que os municípios be-neficiassem projetos de distintas áre-as21. No caso do município de Ibiaçá foi priorizado o apoio às agroindústrias, e

20 Ressalta-se que o valor recebido pela Cáritas Brasileira Regional do RS ocorreu mediante o comprometimento do grupo para com a devolução cor-respondente a 30% do valor recebido. Estes recursos, por sua vez, são utilizados pela Cáritas para beneficiar projetos de outras dioceses do Estado do Rio Grande do Sul, motivo pelo qual os recursos provêm de um Fundo que é “rotativo” e “solidário”.

21 Foi relatado pelo integrante da Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo que o grupo foi beneficiado com um total de R$ 100.000,00 através do programa de Fortalecimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (FEAPER) destinado ao apoio de agroindústrias, da qual foi repassado o valor através de financiamento e os beneficiários se comprometem em 20% do total, em parcelas anuais, durante um período de cinco anos.

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”37Cáritas Diocesana de Vacaria

como as integrantes do grupo possu-íam uma participação e atuação his-tórica neste processo, esta iniciativa foi escolhida para receber o benefício, conforme relatado pelo integrante da Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo:

A Secretaria de Desenvolvimento Ru-

ral, Pesca e Cooperativismo (SDR)

através de sua rede de parceiros lo-

cais (órgão públicos, ONGs, pastorais

sociais, sindicatos...) viu na experiên-

cia do grupo uma possibilidade de de-

senvolvimento social e econômico.

Procuramos apoiar, prioritariamente,

ações que já tivessem alguma ini-

ciativa em andamento. As mulheres

da Agroindústria Delícias Campone-

sas já se reuniam para fazer os pro-

dutos, organizar a comercialização e

estudar sobre assuntos de interesse

das envolvidas.

Assim, no ano de 2013 o grupo foi

contemplado com um projeto para a construção da sede própria e para a aquisição de outros equipamentos que possibilitaram a consolidação da “Agroindústria Delícias Campo-nesas”. Ressalta-se que a Prefeitu-ra Municipal de Ibiaçá também foi uma grande apoiadora neste proces-so através do fornecimento de mão de obra para a construção da sede da agroindústria.

Durante a trajetória do grupo houve muitas conquistas relacionadas espe-cialmente com o reconhecimento so-cial da agroindústria, tanto a partir da comunidade, do município de Ibiaçá, como em nível de estado a partir da Cáritas Regional do RS e do Governo do Estado, conforme destacado pe-lo integrante da Secretaria do Desen-volvimento Rural, Pesca e Cooperati-vismo: “É um ótimo exemplo de per-sistência e mostra as possibilidades que a agricultura, quando organizada, pode ter. Mostra para a comunidade

local que se pode pensar e fazer ou-tras coisas além daquelas que se está habituado a fazer”.

Entretanto, a história do grupo é feita também de dificuldades e de muitos desafios, conforme ressalta-do pelo coordenador da Cáritas Dio-cesana:

Às vezes, quando se consolidava uma

etapa, surgia outra que desmobilizava

e tornada difícil novamente a cami-

nhada, como, por exemplo, a perda

precoce de algumas integrantes do

grupo. Foram ausências dolorosas,

mas profundamente fortalecedoras

da união entre as que restaram. O

sentimento de perda às vezes serve

para unir ainda mais e fortalecer os

laços de fraternidade e ajuda mútua

(ORILDO CARLOS BASSOLI, COR-

DENADOR DA CÁRITAS DIOCESA-

NA DE VACARIA, 2015).

Foi revelado pelas mulheres o so-

Integrante do grupo, Izanete Maria Colla, colhendo ervas medicinais para produção de remédios fitoterápicos

Sistematização de Experiências do Projeto 38 Cáritas Diocesana de Vacaria

frimento decorrente da perda de algu-mas companheiras, o que gerou fra-gilidades emocionais em função da amizade e do companheirismo que sempre existiu entre as integrantes. Além disso, surgiram dificuldades de outras ordens, da qual merecem des-taque os desafios enfrentados pelo grupo decorrentes da possibilidade de perda do espaço físico da agroindús-tria. Ocorre que o grupo já ocupava uma antiga escola do município loca-lizada na comunidade, local onde in-cialmente eram desenvolvidas as ati-vidades do MOVA e posteriormente

foi desenvolvido o Projeto de Plantas Medicinais, conforme será explicita-do. Entretanto, com a constituição da agroindústria, o antigo dono do terre-no resolveu reavê-lo sob a alegação de que o mesmo não estaria sendo utilizado para o fim da qual inicialmen-te havia sido doado. Desta forma, em decorrência de um processo judicial do antigo proprietário para reaver o terreno foram realizadas diversas au-diências públicas, das quais o grupo contou com o apoio da Cáritas Dioce-sana de Vacaria e da Prefeitura Muni-cipal de Ibiaçá.

Por fim, devido a um documento da Prefeitura Municipal de Ibiaçá que comprovava que todo o estabeleci-mento, incluindo as antigas escolas do município que estivessem sendo utilizadas para fins educativos ou co-munitários, estaria sob a responsabili-dade da mesma, foi possível a cedên-cia do espaço pela prefeitura para o desenvolvimento da Agroindústria De-lícias Camponesas. O coordenador da Cáritas Diocesana ressaltou a impor-tância da conquista do espaço físico para o fortalecimento do grupo, pois, segundo ele,

A conquista da sede própria foi o diferencial que faltava para trazer novamente a estabilidade e a

dignidade para as integrantes do grupo. Muitas portas passaram a se abrir e o horizonte passou a

ser mais luminoso para o grupo. A produção aumentando em qualidade e quantidade fez brilhar o

sorriso dessas bravas guerreiras que passaram a fazer o seu dia a dia mais suave e mais alegre, mui-

to embora a jornada de trabalho tenha dobrado, mas o fardo se tornou mais leve, afinal, trabalhar e

gerar a própria renda sempre foi um desejo dessas batalhadoras. Hoje veem no seu esforço diário

a esperança renascendo, os sonhos se realizando e a vida se transformando. Uma transformação

desejada, lutada, sofrida, mas sem dúvida, portadora de um novo sentido para essas vidas. O gosto

de ver os sonhos se realizando naturalmente faz acontecer a dádiva da justiça e da igualdade, onde

homem e mulher passam juntos a ser protagonista de uma história de lutas conquistas e realiza-

ções (ORILDO CARLOS BASSOLI, CORDENADOR DA CÁRITAS DIOCESANA DE VACARIA, 2015).

Conforme destacado por uma das integrantes a criação da agroindústria ocorreu quando estas mulheres de-cidiram ter algo que fosse delas que lhes possibilitasse uma renda da qual elas não necessitassem mais depen-der de seus maridos. Desta forma, a Agroindústria Delícias Camponesas foi criada com o objetivo de produzir alimentos de qualidade preservando a cultura local e criando possibilida-des para garantir a permanência das famílias no campo gerando e o prota-gonismo feminino.

Atualmente a Agroindústria Delí-cias Camponesas é integrada por três mulheres que possuem residência própria e vivem na zona rural do mu-nicípio de Ibiaçá. No que se refere às

características socioeconômicas das integrantes destaca-se que uma de-las possui 36 anos de idade e as de-mais possuem 50 e 57 anos, sendo que a escolaridade de uma delas é o Ensino Médio Completo e duas pos-suem o Ensino Fundamental Incom-pleto; duas delas são casadas, uma é viúva e todas possuem filhos; apenas uma delas vive sozinha, uma vive com o marido e a outra vive com o marido e as filhas.

Identifica-se que uma das mulhe-res foi uma das fundadoras do gru-po e participa do mesmo desde sua criação, no ano de 1992, já as demais passaram a integrá-lo no ano de 2001. Quando questionadas sobre a forma como souberam da existência do gru-

po uma delas ressaltou que foi uma das batalhadoras para que ele fosse criado, sendo que, inclusive, as outras duas revelaram que foram convidadas por ela para integrar o grupo. Quanto aos motivos para iniciarem a participa-ção no grupo foram revelados vários aspectos, tais como: “Vi no grupo a possibilidade de geração de renda e luta pela soberania alimentar e defesa dos direitos da mulher” (IZANETE MA-RIA COLLA, 2015); “Me identifiquei com a proposta do grupo e também como uma forma de ocupação e ge-ração de renda” (ROSIMERI GOMES DA SILVA, 2015); “Para ter algo a fazer, uma ocupação” (SIRLEI DE FÁTIMA GOMES DA SILVA, 2015).

Uma das integrantes recebe entre

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”39Cáritas Diocesana de Vacaria

1 ½ salário mínimo e as outras duas recebem de 2 a 3 salários mínimos. As três mulheres relataram que re-cebem um bom rendimento, consi-derando que ainda estão em fase de estruturação da agroindústria e que está sendo possível efetuar os paga-mentos dos valores referentes aos fi-nanciamentos e à matéria prima ne-cessária para a produção, embora elas tenham desejo de aumentar os seus rendimentos. Inclusive, uma delas res-saltou seu desejo de que seja dada continuidade à proposta através dos filhos, pois segundo ela, o valor desta iniciativa extrapola a questão financei-ra e possui um sentido muito maior na medida em que, “[...] apesar de não gerar um volume muito alto de recur-sos, garante vida digna e uma relação muito boa com a comunidade e com o meio ambiente” (IZANETE MARIA COLLA, 2015).

Através do relato de um dos fami-liares é possível comprovar a impor-tância que os rendimentos da agroin-dústria representam para o grupo fa-

miliar na medida em que “O trabalho da agroindústria gera renda na venda dos produtos fabricados e envolve a família na produção da matéria prima utilizada na produção, como: banha, leite, ovos e outros” (FAMILIAR DE INTEGRANTE DO GRUPO DELÍCIAS CAMPONESAS, 2015).

As mulheres integrantes do gru-po têm primado pela qualificação, o que pode ser comprovado através de sua participação em cursos como o de “Boas Práticas”, promovido pela EMATER, realizado no município de Erechim, e o Curso sobre Gestão, re-alizado na cidade de Chapecó, SC. En-tretanto, elas reconhecem que neces-sitam aprimoramento no processo de gestão, o que também foi destacado por um dos familiares: “Nós da família damos a nossa contribuição estimu-lando o grupo a dar continuidade na sua caminhada, se capacitar, construir parcerias e continuar a luta por direi-tos, por uma sociedade justa através do processo e de momentos de for-mação” (FAMILIAR DE INTEGRAN-

TE DO GRUPO DELÍCIAS CAMPO-NESAS, 2015).

A partir da Agroindústria Delícias Camponesas são produzidos Panifica-dos (Farináceos), sendo que, o prin-cipal produto é a bolacha, mas tam-bém são confeccionados pães, cucas, lasanhas, massas, pasteis, agnolinis, tortéis, entre outros produtos. O gru-po produz basicamente sob encomen-das, o que o diferencia de uma pada-ria normal, da qual seria necessária uma produção maior para comercia-lização. Mensalmente são produzidos aproximadamente 80 kg de bolacha, 600 unidades de pasteis, 180 pães fatiados, 60 kg de massa, 150 cucas, sendo que, os demais produtos são elaborados conforme a quantidade de pedidos e encomendas.

Ressalta-se que grande parte da matéria prima utilizada na Agroindús-tria é proveniente da própria comunida-de, que fornece produtos com garantia de procedência, sem uso de agrotóxi-cos e de ótima qualidade, conforme ressaltado por uma das integrantes:

Conseguimos com a própria comunidade estabelecer uma rede de comercialização para obter

os produtos que são produzidos localmente. Às vezes quando recebemos um pedido grande e

que a matéria prima local não é suficiente nós então buscamos no mercado (SIRLEI DE FÁTIMA

GOMES DA SILVA, 2015).

Foi ressaltada pelas mulheres do grupo a importância de ser utilizado es-te tipo de matéria prima na agroindús-tria, tanto para a garantia da qualidade dos produtos como pelo estímulo para que as pessoas permaneçam viven-do e produzindo no meio rural, garan-tindo, desta forma, as condições ne-cessárias para gerar trabalho e renda.

Identifica-se a existência de uma consciência das mulheres com rela-

ção à preservação do meio ambiente, tendo sido revelado que as mesmas realizam a seleção do lixo reciclável e o encaminham para a coleta seletiva que ocorre semanalmente através de um caminhão da prefeitura. Todo o lixo orgânico é triturado e utilizado como alimento por uma das integrantes pa-ra a criação de galinhas.

No que se refere à comercializa-ção constata-se que a maior parte da

produção é destinada à Cooperativa de Produção Agropecuária Terra e Vi-da (COPPERVITA)22, intermediária no processo de repasse dos produtos pa-ra a merenda escolar do município de Ibiaçá e de outros municípios da re-gião. Atualmente a agroindústria es-tá fornecendo produtos para alguns mercados da cidade de Ibiaçá, atra-vés de um sistema de permutas na qual os produtos são repassados e o

22 Localizada no município de Tapejara, Diocese de Passo Fundo, RS, presta assessoria técnica à Agroindústria “Delícias Camponesas”.

Sistematização de Experiências do Projeto 40 Cáritas Diocesana de Vacaria

pagamento é efetuado com o forneci-mento da matéria prima industrializa-da, como o sal, o açúcar, o fermento, produtos que o grupo não tem con-dições de adquirir na comunidade. É realizada ainda a venda direta ao con-sumidor, na sede do empreendimento e em Feiras, Exposições e Romarias promovidas no município e na Dioce-se de Vacaria.

Quando questionadas sobre o es-tudo de viabilidade antes de iniciar a Agroindústrias as mulheres relataram que não o realizaram, pois, em função de seu engajamento na comunidade e da participação nas discussões so-bre as políticas públicas do município de Ibiaçá, elas possuíam um conheci-mento das demandas que havia pe-los produtos do ramo escolhido para a merenda escolar do município. Além disso, sua experiência através da atu-ação na Pastoral do Pão, desenvolvida pela Cáritas Diocesana, lhes possibi-litou uma maior segurança para op-tarem pela produção de panificados. Outrossim, uma das integrantes ha-via trabalhado vários anos na produ-ção de lanches que eram comercia-lizados em um bar da comunidade e outra possuía experiência na prepa-ração de almoços para trabalhadores de uma olaria existente na comunida-de, local onde trabalham os esposos de duas delas e outros moradores da comunidade.

O Grupo Delícias Camponesas conta com o apoio da Cáritas, da Co-ppervita, do Movimento das Mulheres Camponesas e de Movimentos da Via Campesina, da Comissão Pastoral da Terra, da EMATER, da Prefeitura Mu-nicipal de Ibiaçá através da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, da Paróquia de Ca-seiros e de lideranças do Partido dos Trabalhadores. O processo de apoio e

de articulação do grupo com todas as entidades parceiras é fundamental pa-ra a estruturação do empreendimento e para a certificação da agroindústria, da qual foi possível, entre outras con-quistas, a obtenção da licença muni-cipal para comercialização local atra-vés do Selo de Inspeção Municipal (SIM) e a busca pela garantia do selo “Sabor Gaúcho” junto à Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Co-operativismo, do município de Ibiaçá.

As integrantes do grupo possuem consciência da importância da obten-ção do Selo Sabor Gaúcho tendo em vista a sustentabilidade da Agroindús-tria, pois, desta forma, será possível diversificar a produção e comerciali-zar os produtos de forma direta com outros municípios e através das feiras municipais de comercialização local. Esse processo irá contribuir para o au-mento dos rendimentos das integran-tes e para a aquisição de equipamen-tos, bem como, para a compra de um veículo adequado para o transporte dos produtos.

Foi ressaltado também o acompa-nhamento técnico através da Copper-vita que contribui para o processo de qualificação do grupo e para a garantia da qualidade da produção. Da mesma forma, foi destacado o trabalho reali-zado pela Cáritas Diocesana, confor-me segue:

Porque nos dá segurança, é uma pre-

sença importante na tomada de deci-

sões e nos dá o norte para o grupo se-

guir (IZANETE MARIA COLLA, 2015).

Traz mais segurança e incentivo na

nossa luta diária (ROSIMERI GOMES

DA SILVA, 2015).

Traz momentos de mística importan-

te (SIRLEI DE FÁTIMA GOMES DA

SILVA, 2015).

Nessa perspectiva, o coordenador da Cáritas Diocesana de Vacaria sa-lientou que a evolução do grupo foi sendo percebida pela comunidade e por outras entidades que reconhece-ram a seriedade e o comprometimen-to das mulheres e tornaram-se parcei-ros do grupo:

Ao longo do processo houve também

muitas conquistas, pois outras enti-

dades começaram a perceber o es-

forço, a luta deste grupo e começa-

ram a apostar nele, essas conquistas

de apoio, seja ele institucional ou fi-

nanceiro foram o aporte que o grupo

necessitava para tocar adiante seu

projeto (ORILDO CARLOS BASSOLI,

CORDENADOR DA CÁRITAS DIOCE-

SANA DE VACARIA, 2015).

Quando questionadas sobre o pro-cesso de planejamento do grupo as integrantes revelaram que acreditam na necessidade de serem planejadas as atividades, mas embora não te-nham elaborado um planejamento por escrito, realizam combinações se-manais sobre as atividades que serão desenvolvidas. O grupo revelou ainda que a estrutura física que elas pos-suem é bastante ampla e adequada para as demandas que existem na atualidade, além de que, a quantida-de de mulheres que atua diretamente no grupo é suficiente para dar conta do trabalho.

No que se refere ao processo de gestão do grupo se identifica que, em-bora não haja uma coordenadora, cada uma sabe quais são suas obrigações e assume com presteza seus com-promissos e tarefas. Constata-se que existe de fato um espírito de coopera-ção entre as integrantes, da qual cada uma faz o seu trabalho, mas sempre tendo presente a dimensão do coleti-

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”41Cáritas Diocesana de Vacaria

vo, conforme pode ser observado atra-vés da narrativa que segue:

Aqui quem chega primeiro já come-

ça a fazer. Todas trabalham de forma

igualitária, uma ajuda a outra. Mas

temos, por exemplo, algumas divi-

sões, atualmente quem entrega os

produtos e faz as compras na cida-

de é a Izanete. Como a Sirlei mora

próximo da agroindústria ela acom-

panha mais as vendas diretas no es-

tabelecimento (ROSIMERI GOMES

DA SILVA, 2015).

Foi revelado que o processo de gestão contábil do grupo ocorre de forma partilhada, pois embora não tenha sido definida a figura de “te-soureira”, há muita transparência en-tre as integrantes e sistematicamen-te é realizado um processo de so-

cialização e de prestação de contas detalhando aquilo que foi vendido e o que foi comprado através de no-tas fiscais. Desta forma, são reali-zadas reuniões semanais entre as integrantes na qual são avaliadas as questões que envolvem as receitas e as despesas do grupo, são toma-das as decisões de forma coletiva e realizados os encaminhamentos necessários.

O Grupo Delícias Camponesas foi criado no ano de 1992 a partir de mulheres que viviam na zo-

na rural, na Comunidade São José, lo-calizada no município de Ibiaçá, que buscavam uma alternativa de renda e de autonomia, conforme pode ser evidenciado a partir da narrativa de uma delas:

Quando nós decidimos ter algo nos-

so, que pudéssemos ter a nossa pró-

pria renda e não apenas depender

dos nossos maridos. Vivíamos numa

cultura de supervalorização da figura

do homem na família e na sociedade.

Muitas vezes a mulher por desem-

penhar funções no dia a dia que não

trazia muita renda familiar não era va-

lorizada. Sempre lutamos pelo nosso

reconhecimento e também para de-

monstrar que somos capazes de ter

a nossa autonomia (IZANETE MARIA

COLLA, 2015)

O município de Ibiaçá se localiza na “Região Altos de Cima da Serra”, pos-sui uma área de 348,8km² e 13,5 habi-tantes/km² (FEE, 2015). Criado em 22 de novembro de 1965 através da Lei Nº 5.102 (FEE, 2015), Ibiaçá integra os vinte

O “Grupo Delícias Camponesas” e o protagonismo das mulheres

Integrantes atuais do grupo (2015-2016), Izanete, Rose e Sirlei produzindo talharim, massa típica da região

e cinco municípios da Diocese de Vacaria e possui uma população total de 4.710 habitantes, sendo que, destes, 2.849 pessoas vivem no meio urbano (taxa de urbanização de 60,48%) e 1.861 pessoas vivem no meio rural (IBGE, 2011).

Constata-se que as integrantes do Grupo Delícias Camponesas sempre participaram de atividades de forma-ção e mantiveram uma significativa in-serção na comunidade de São Francis-co, no município de Ibiaçá. A inserção

das mulheres nas atividades do Mo-vimento de Alfabetização de Adultos (MOVA), no final dos anos de 1999, foi significativa e determinante para que as mesmas mantivessem acesa a chama e o desejo de permanecerem unidas. Quando foram finalizadas as atividades do MOVA, no ano de 2003, as mulheres decidiram aproveitar o espaço e a infraestrutura ociosa da escola da comunidade e buscaram, através do Movimento de Mulheres

Sistematização de Experiências do Projeto 42 Cáritas Diocesana de Vacaria

Camponesas (MMC), subsídios para continuarem a formação.

Desta forma, foi criado o Projeto de Formação de Ervas e de Plantas Medicinais envolvendo a escola da co-munidade, que ofertou o local para a produção de uma horta, através do apoio da Cáritas. Esta atividade per-maneceu até o ano de 2013, quando o grupo percebeu a necessidade de dar mais um passo na caminhada e criou a Agroindústria Delícias Camponesas.

Ressalta-se que este processo ocorreu em função de uma participa-ção ativa das integrantes na comuni-dade e, especialmente devido a sua inserção e atuação junto ao Movimen-to das Mulheres Camponesas. Con-forme relatado por uma das integran-tes do grupo, a ideia de criação da Agroindústria de Panificados ocorreu a partir de um curso de formação do MMC da qual as mesmas assistiram a um vídeo sobre uma experiência se-melhante que havia sido apoiada com recursos da Cáritas. Devido à inser-ção destas mulheres na comunidade elas tiveram conhecimento que o mu-nicípio de Joia possuía uma grande demanda de alimentos que fossem oriundos de grupos de camponeses para ofertar na merenda escolar. As-sim, foi possível garantir que a criação da agroindústria ocorresse a partir de um processo partilhado, consciente e valorizando as mulheres e os integran-tes da comunidade, conforme pode se identificar a partir da narrativa de uma das integrantes:

Em toda a nossa trajetória de forma-

ção, de inserção na vida social e po-

litica, bem como, de luta pela garan-

tia de direitos e de reconhecimen-

to de nosso protagonismo, sempre

buscamos valorizar as nossas raízes

e nossas culturas locais. Queríamos

resgatar as receitas antigas que fo-

ram transmitidas de geração em ge-

ração para que isso se mantivesse vi-

vo na nossa história e também para

as gerações futuras (IZANETE MA-

RIA COLLA, 2015).

A participação das mulheres no Movimento de Mulheres Campone-sas também foi decisiva neste proces-so, pois através dessa inserção foi pos-sível manter contato direto das inte-grantes do grupo com outros canais de controle social, como o “Fórum Dom Orlando Dotti”, espaço que discute temas relacionados com a Economia Solidária, a organização e o fortaleci-mento dos movimentos sociais. Es-ta consciência política é visível tanto no resultado das ações desenvolvidas pelo grupo como no discurso das mu-lheres, conforme pode ser observado a partir de algumas narrativas:

Somos um grupo de mulheres que

temos uma atuação e militância no

Movimento de Mulheres Campone-

sas. Participamos também de dis-

cussões políticas no município e na

região. Participamos do Território da

Cidadania da Região Nordeste e da

Consulta Popular. Aliás, foi por meio

da consulta popular que o município

de Ibiaçá optou por aplicar parte dos

recursos da Secretaria do Desenvol-

vimento Rural em agroindústrias fa-

miliares (IZANETE MARIA COLLA,

2015).

Ele nos faz sentir capazes de lutar pe-

los nossos direitos, pela valorização

da mulher, pela conquista de nossa

liberdade, é a luz que nos orienta,

nos forma e capacita para a vida, foi

aí que aprendemos a ser gente, a

ser altruísta (ROSIMERI GOMES DA

SILVA, 2015).

Percebe-se através destes relatos que a motivação inicial para a criação do grupo persiste entre as integrantes, motivo pelo qual o mesmo tem man-tido por quase quinze anos mulheres unidas em prol do desejo de garantir a igualdade de gênero e o protagonis-mo feminino no processo de preser-vação da soberania alimentar. Embora não tenham condições de manter uma atuação mais assídua nas atividades da comunidade como ocorria anterior-mente, em função das demandas da Agroindústria, as mulheres possuem consciência da importância desta re-lação e mantém vivos os laços com a comunidade, conforme pode ser ob-servar a partir do relato de uma delas:

Já tivemos em tempos anteriores

uma atuação maior. Mas isso não sig-

nifica que nós nos desvinculamos da

comunidade, pelo contrário, nós de-

pendemos da comunidade para ad-

quirir a matéria prima da nossa pro-

dução e é para a comunidade local

que vai boa parte da nossa produção

(IZANETE MARIA COLLA, 2015).

Além disso, as próprias integran-tes do grupo reconhecem a importân-cia que a Agroindústria possui para o fortalecimento do protagonismo das mulheres do grupo e da comunidade, o que, indiretamente, beneficia o mu-nicípio e a região na medida em que

O envolvimento de toda a comuni-

dade, direta ou indiretamente dá um

caráter importante e significativo pa-

ra nosso empreendimento solidário.

Além, disso soma-se a importância

do resgate de nossas culturas locais

e a valorização da alimentação saudá-

vel com produtos de qualidade. Tam-

bém gostaríamos de destacar a im-

portância da presença feminina tanto

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”43Cáritas Diocesana de Vacaria

nos aspectos de produção e geração

de renda como na conquista de nossa

independência financeira, mostrando

que somos capazes tanto na produ-

ção como na própria gestão (IZANE-

TE MARIA COLLA, 2015).

Esta compreensão com relação à importância do grupo para a comuni-dade também é evidenciada pelo Mo-vimento das Mulheres Camponesas, pois, segundo elas “A integração da agroindústria com as famílias da co-munidade gera a possibilidade da per-manência de mais pessoas no campo produzindo alimentos e gerando ren-da na oferta dos produtos cultivados localmente como: o queijo, banha, ovos etc” (INTEGRANTE DO MOVI-MENTO DAS MULHERES CAMPO-NESAS, 2015).

Identifica-se que há um reconhe-cimento dos familiares das mulheres com relação à importância do grupo Delícias Camponesas na perspectiva da garantia de sua autonomia, pois, conforme relatado por um dos fa-miliares, “O trabalho das mulheres na agroindústria é entendido como uma forma delas conquistarem sua independência financeira, sua auto-nomia dentro da família e na socie-dade” (FAMILIAR DE INTEGRANTE DO GRUPO DELÍCIAS CAMPONE-SAS, 2015).

Por outro lado, embora as mulhe-res tenham consciência do protago-nismo que conquistaram a partir do grupo, reconhecem a necessidade de sua participação em espaços de cons-tituição e deliberação das políticas pú-blicas de forma ativa, motivo pelo qual sempre participaram de conselhos e fóruns, tendo sido revelado pelas in-tegrantes que elas pretendem conti-nuar participando destas instâncias.

Ressalta-se que a Cáritas Diocesa-

Coordenadora do Grupo, Izanete Maria Colla, apresenta o novo rótulo dos produtos

na de Vacaria foi uma grande apoiadora destas mulheres e acompanhou a cria-ção do grupo e o processo de consti-tuição da Agroindústria, conforme po-de se observar através da narrativa do coordenador da Cáritas diocesana:

A experiência de acompanhar outros

empreendimentos solidários nos deu

a segurança de apostar neste grupo.

Percebemos nele a vontade de conti-

nuar e não desistir diante das dificul-

dades. Talvez o desejo de construir

algo novo para as famílias envolvidas,

para a comunidade e para a socieda-

de foram o diferencial que mante-

ve o grupo perseverante. A luta pela

igualdade de gênero sempre foi um

tema defendido pela Cáritas e pelo

Movimento de Mulheres Campone-

sas e desde o início percebemos nes-

te grupo a ousadia de levar este ideal

adiante (ORILDO CARLOS BASSOLI,

CORDENADOR DA CÁRITAS DIOCE-

SANA DE VACARIA, 2015).

Nesta mesma perspectiva, o co-ordenador da Cáritas reafirmou o ob-jetivo da criação do grupo por repre-sentar “Uma alternativa ao modelo atual de desenvolvimento e também para promover o protagonismo femi-nino na luta por segurança e sobera-nia alimentar gerando renda familiar” (ORILDO CARLOS BASSOLI, CORDE-NADOR DA CÁRITAS DIOCESANA DE VACARIA, 2015). O grupo, por sua vez, mantém relação direta com a Cáritas Diocesana de Vacaria a partir da repre-sentação de uma das integrantes no Conselho Diocesano de Projetos Al-ternativos Comunitários (PAC’s).

Sistematização de Experiências do Projeto 44 Cáritas Diocesana de Vacaria

Todas as mulheres ressaltaram que depois do início de sua participa-ção no grupo houve mudanças sig-

nificativas em suas vidas, das quais destacaram vários resultados positi-vos, tais como: “Renda financeira, au-toestima, reconhecimento na comu-nidade” (IZANETE MARIA COLLA, 2015); “Melhora na saúde e renda” (SIRLEI DE FÁTIMA GOMES DA SIL-VA, 2015); “Melhor qualidade de vida, mais disposição para desempenhar as tarefas e geração de renda extra” (RO-SIMERI GOMES DA SILVA, 2015).

Ao serem questionadas sobre a im-portância da participação no Grupo e na Agroindústria Delícias Camponesas as mulheres revelaram sentimentos de alegria, de realização, de fortaleci-mento da autoestima e de amizade entre as integrantes, conforme pode ser observado através de alguns re-latos que seguem.

Aprender a viver em grupo, a divi-

dir, a discutir como fazer e valorizar

as potencialidades de cada uma das

integrantes. Apreender a trabalhar

juntas. A lição e o aprendizado que

obtivemos com essa caminhada nos

fizeram perceber que não devemos

desistir nunca de nossos sonhos, e

se fosse para iniciar tudo de novo,

não hesitaríamos em fazê-lo! (IZA-

NETE MARIA COLLA, 2015)

Muito felizes! A relação que nós cria-

mos aqui nos realiza e nos enche de

alegria. Mesmo que a atividade não

seja tão rentável, mas trabalhar com

aquilo que a gente gosta de fazer nos

faz se sentir realizadas! (ROSIMERI

GOMES DA SILVA, 2015).

Valeu demais! Quando a gente olha

pra traz e vê as dificuldades e os ca-

minhos que percorremos para su-

perar os problemas vemos que is-

so nos fortaleceu e nos uniu ainda

mais. E, além disso, nos dá força e

esperança para enfrentar novos de-

safios (SIRLEI DE FÁTIMA GOMES

DA SILVA, 2015).

O relato do coordenador da Cáritas Diocesana de Vacaria é revelador e ex-pressa uma confiança e uma esperan-ça no grupo: “Somos sabedores que esta trajetória está longe de chegar ao final. Sabemos também que mui-tos desafios aparecerão pela frente, mas certamente, o que trouxe o grupo até aqui, o conduzirá até o caminho da vitória e da realização” (ORILDO CARLOS BASSOLI, CORDENADOR DA CÁRITAS DIOCESANA DE VACA-RIA, 2015).

As mulheres foram unânimes em afirmar a importância da manutenção dos encontros de mística e de forma-ção, conforme pode ser evidenciado nas narrativas: “Continuar perseveran-do, promovendo momentos de encon-tro e de formação” (IZANETE MARIA COLLA, 2015); “Ajudar na divulgação dos produtos” (ROSIMERI GOMES DA SILVA, 2015); “Continuar com a formação, encontros e retiros” (SIR-LEI DE FÁTIMA GOMES DA SILVA, 2015). Da mesma forma, foi ressalta-do pelo integrante da Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Co-operativismo a importância do grupo garantir sua sustentabilidade, inclusi-ve financeira, além de

Investir mais na produção da principal

matéria prima, a farinha. Hoje temos

a possibilidade de produção de trigo

orgânico com o mesmo resultado em

quantidade por área de terra do que

o trigo convencional. Buscar, se ain-

da não tem, a inspeção estadual pa-

ra ter a abrangência de comércio a

nível estadual, de forma legalizada.

Nesta perspectiva, foi ressaltado por um dos familiares entrevistados que uma sugestão para que haja o fortalecimento do grupo é “conquis-tar mais mulheres e formar uma rede de produção e comercialização” (FA-MILIAR DE INTEGRANTE DO GRU-PO DELÍCIAS CAMPONESAS, 2015). Conforme destacado, são inúmeras as comprovações de que esta iniciativa pode dar certo e que pode ser seguida por outros grupos em outras regiões do país, pois, conforme afirmou o in-tegrante da Secretaria do Desenvolvi-mento Rural, Pesca e Cooperativismo,

Não são necessários altos volumes

de recursos financeiros para organi-

zar um empreendimento sustentável

em seus vários aspectos. As politicas

públicas quando bem elaboradas e

conduzidas de maneira séria, fazen-

do chegar o recurso a quem preci-

sa, dão certo. Produzir e industriali-

zar alimentos são atividades nobres

e precisam cada vez mais ser valo-

rizadas, pois a força da organização

gera transformação.

Nessa perspectiva, as manifesta-ções de integrantes do Movimento de Mulheres Camponesas evidenciam o reconhecimento da importância do grupo para as mulheres, para suas famílias e para a comunidade: “Nós do MMC damos nossa contribuição estimulando o grupo a perseverar na sua caminhada, aprimorarem seus co-nhecimentos, fortalecer as parcerias

Alguns resultados evidenciados

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”45Cáritas Diocesana de Vacaria

e construir novas relações e continuar defendendo os direitos conquistados” (INTEGRANTE DO MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS, 2015).

Por outro lado, conforme salien-tado pela integrante do Movimento de Mulheres Camponesas, há que se ressaltar sim a importância deste em-preendimento devido às suas carac-terísticas agroecológicas e à valoriza-ção da mulher no campo, entretanto, há que se considerar ainda que “Se ela está dando certo é porque houve o comprometimento das integrantes e a perseverança de cada uma delas. Nosso desejo é que o grupo mante-nha essa coragem e dinamismo que fez com que elas chegassem até aqui e servissem de exemplo para outros empreendimentos que desejam ini-

ciar uma caminhada” (INTEGRANTE DO MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS, 2015).

Por fim, além de todos os elemen-tos já referidos, constata-se que as integrantes do Grupo Delícias Cam-ponesas são mulheres que residem no campo e sonham com sua auto-nomia e direitos perante à sociedade, são pequenas agricultoras que viram no trabalho de grupo a possibilidade de alcançar seus objetivos com mais facilidade e, especialmente, sempre estiveram unidas e presentes nas lu-tas sociais e na comunidade. Desta forma, está evidenciada a importância que este Grupo possui para as mulhe-res camponesas, para a comunidade e para a região através de uma inicia-tiva que representa o exemplo vivo

de que através da Cáritas é possível fortalecer iniciativas territoriais de so-berania alimentar, conforme ressalta-do pelo coordenador da Cáritas Dio-cesana de Vacaria: “Posso dizer que durante uma das visitas ao grupo tive uma experiência muito positiva, que foi recordar os tempos de infância: ao provar uma das delícias campone-sas lembrei do sabor dos quitutes da minha avó. Isso me fez ter a certeza que as receitas passadas de geração em geração devem ser preservadas e incentivadas. Isso nada mais é do que fortalecer as iniciativas de sobe-rania alimentar, além da preservação de nossas riquezas culturais (ORIL-DO CARLOS BASSOLI, CORDENA-DOR DA CÁRITAS DIOCESANA DE VACARIA, 2015).

Sistematização de Experiências do Projeto 46

As três iniciativas relatadas nesta publicação evidenciam o belo tra-balho realizado a partir de três Cáritas Diocesanas nos diversos recantos do Estado do RS. Resguardadas as particularidades

de cada experiência localizada em diferentes regiões do esta-do, identificam-se aspectos comuns que estão presentes em todas elas, dos quais se destacam:

• Iniciativas de geração de trabalho e renda a partir da organi-zação dos indivíduos de forma grupal e com importante atu-ação nas comunidades;

• Presença da mística e espiritualidade;

• Valorização dos indivíduos e da organização popular em detri-mento da dimensão financeira;

• Destaque para as questões de gênero e significativa atuação das mu-lheres;

• Atividades que envolvem os jovens e que evidenciam a importância de sua permanência no meio rural;

• Organização dos grupos e instituições em forma de rede;

• Importância das Feiras Diocesanas e Regionais como espaços de socializa-ção das iniciativas e de comercialização dos produtos;

• Possibilidade de acesso à Políticas Públicas e Programas que estimulem a união e a geração de renda;

• Forte presença e atuação das escolas públicas e privadas através de proces-sos educativos que envolvem as crianças, adolescentes, as famílias e as co-munidades;

• Reconhecimento das possibilidades de apoio técnico, financeiro e espiritual através de formas de organização coletivas.

Por fim constata-se que os objetivos do projeto “Construindo o futuro, preser-vando a criação” foram plenamente atingidos, pois através desta publicação foram sistematizadas as lições identificadas a partir de ações concretas realizadas nas dioceses de Cruz Alta, Santa Cruz do Sul e Vacaria. Desta forma conclui-se que essas experiências podem e devem ser inspiradoras para o trabalho que a Cári-tas desenvolve em todo o estado do Rio Grande do Sul, qualificando as ações a partir de intercâmbios e de trocas de experiências.

4. Considerações sobre os processos vivenciados

“Construindo o Futuro, Preservando a Criação”47

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PARISOTTO, Older Olívio; ADAMS, Telmo (Orgs.). Construindo solidariedade e cidadania nos pagos gaúchos. Uma caminhada aprendente. Porto Alegre: Cáritas Brasileira – Regional RS, 2001.

Sistematização de Experiências do Projeto

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