fava mestrado

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1 INTRODUO

Os agentes formuladores de polticas de desenvolvimento no Brasil elaboraram propostas no perodo conhecido como milagre econmico com caractersticas marcantes assentadas no crescimento econmico. O modelo da resultante baseou-se no aproveitamento dos recursos naturais, sem preocupao com o aspecto da ocupao humana e muito menos com a conservao do meio ambiente. Neste perodo, cujo incio deu-se na dcada de 60 atingindo o auge nas dcadas de 70 e 80, o Cerrado tornou-se um dos principais focos para a implementao de tais polticas cujas metas eram o estabelecimento da

agropecuria moderna no pas. Esta modernizao foi marcada pela instalao de algumas monoculturas. Contudo, desde os anos 1940, o potencial agrcola do Cerrado vinha sendo pesquisado por tcnicos do Ministrio da Agricultura com o objetivo de criar condies de explorao econmica dos solos cidos e pobres atravs da aplicao de calagem e adubao verde (Rizzini,1964). As propostas de plantio desencadearam a escolha de algumas culturas, sem a previsibilidade de qualquer associao com a vegetao nativa. A preocupao com a implantao de monoculturas est presente em trabalhos de pesquisadores da poca, como Rizzini (1964), que referiu-se ao

reflorestamento de Pinus e Eucalyptus da seguinte forma: De fato, estas espcies atendem s necessidades industriais imediatas, mais prementes, havendo ainda a considerar os perigos, felizmente no obrigatrios, da monocultura. Por isso os silvicultores aconselham que pelo menos 40% das terras fiquem reservadas s essncias nativas. Rizzini apontou ainda os benefcios trazidos pela manuteno destas reas intactas de Cerrado. Infelizmente, o que temiam os cientistas tornou-se realidade, pois a distncia entre a cincia e as polticas de implantao foi maior, considerando-se ainda as questes sociais e ambientais. Hoje, o Cerrado vem sendo devastado a uma velocidade assustadora, com poucos estudos profundos sobre sua composio florstica, dinmica de crescimento e regenerao. Ainda em nmero menor so os estudos mais aplicados na tentativa de se fazer uma explorao racional e sustentada. So centenas de espcies de plantas potencialmente teis e viveis para explorao econmica: alimentcias, oleaginosas, fibrosas, forrageiras, frutferas muito apreciadas, como o pequi (Caryocar brasiliense Camb.), araticum (Annona crassiflora Mart.), ara (Psidium sp.), mangaba (Hancornia speciosa Gomez), murici (Byrsonisa verbascifolia Rich.), coco buriti (Mauritia vinifera Mart.), macaba (Acrocomia aculeata Mart.) e centenas de espcies medicinais, das quais as populaes locais fazem uso e que contm elevado potencial de cura das mais variadas doenas, dezenas delas j sendo extradas em larga escala para suprir a demanda de laboratrios farmacuticos internacionais, como o caso da fava-danta (Dimorphandra sp.). Em contraposio ao modelo de desenvolvimento econmico vigente, surge um novo conceito: o de desenvolvimento sustentvel. E baseado nesse novo conceito, que sugerimos a seguinte hiptese: o Cerrado um ecossistema com grande disponibilidade de recursos naturais renovveis os quais, se manejados adequadamente, podem gerar ocupao permanente para um grande

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nmero de pessoas, fornecer matria-prima para a indstria, alm de preservar a biodiversidade, garantindo a conservao da fauna e flora nativas, bem como a manuteno da qualidade da gua e oferecendo outros benefcios de valor social. Esta hiptese servir apenas como parmetro para o desenvolvimento deste estudo, pois sero necessrias vrias frentes de pesquisa para que ela possa ser constatada em todo o seu conjunto. Esta pesquisa mostra a importncia, sob o aspecto scio-econmico, do extrativismo da fava-danta para as populaes do Cerrado do norte de Minas Gerais1, bem como a importncia comercial de seus princpios ativos. Para isso fez-se um resgate histrico da relao entre o homem, os recursos naturais e os sistemas de produo agrcola, desde os perodos pr e ps-colonizao at os dias atuais no Brasil. Faz tambm uma anlise dos impactos da modernizao da agricultura ocorridos no Cerrado, para que seja possvel entendermos a relao homem x extrativismo nos dias atuais. O referencial terico ainda trata da dinmica extrativista e a forma como ela integra o contexto scio-econmico do Brasil at os dias de hoje, descrevando a forma como tem sido feito o extrativismo da fava-danta na rea de estudo e as atuais tendncias, sob a tica da teoria extrativista desenvolvida para a Amaznia. Num segundo momento este estudo procura contextualizar os Complexos Agroindustriais no Brasil, abordando as limitaes impostas s espcies nativas em relao formao destes complexos, descrevendo tambm os diferentes atores envolvidos na cadeia de comercializao da fava-danta. Para contribuir com esta anlise, foram estimadas as rendas, as margens de comercializao e as relaes contratuais de seus compontes.

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Neste estudo, chama-se norte de Minas Gerais s microregies de Montes Claros e Serra Geral de Minas que, segundo o Censo Agropecurio de Minas Gerais (1985), pertencem s mesoregies do nordeste e noroeste mineiro, respectivamente.

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1.1 O problema e sua importncia Este estudo de caso tem como objeto de pesquisa a anlise da dinmica extrativista da fava-danta (Dimorphandra sp.) no Cerrado do norte de Minas Gerais como uma alternativa scio-econmica. Ela uma das espcies nativas fornecedoras de matria-prima que, saindo do Cerrado brasileiro, encontra lugar garantido no mercado mundial de produtos cosmticos e farmacuticos. O presente trabalho volta-se para o problema do aproveitamento da diversidade biolgica pelo homem onde observa-se que a atividade extrativista mais complexa que seu prprio conceito, pois abrange fatores de ordem econmica, social, cultural e ecolgica amplamente interligados. De norte a sul do Brasil, existe uma infinidade de espcies vegetais nativas obtidas de forma extrativista que, de um modo ou de outro, trazem benefcios para as populaes locais, sejam eles monetrios ou de subsistncia, alm de gerar lucros altamente significativos para as indstrias processadoras de princpios ativos e outros produtos. neste contexto de negcio extrativista que se encontra o mercado dos produtos naturais para finalidades farmacuticas, envolvendo significativo volume econmico e distribudo por todo o pas. Em 1996, o Sindicato das Indstrias de Produtos Farmacuticos no Estado de So Paulo (SINDIFARM-SP) divulgou uma lista com o nome de 102 espcies vegetais sobre as quais considera prioritria a elaborao de monografias. Deste total, cerca de 30 so espcies nativas brasileiras, entre elas ip roxo (Tabebuia avellanedae), barbatimo (Stripnodendron barbatimam), mama-cadela (Brosimum gaudichumdii), guaran (Paullinia cupana), assa-peixe (Vernonia poliantes), e leo de copaba (Copaifera sp). Apesar disso, observouse pouqussima movimentao de investimento em cincia e tecnologia,

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principalmente no que se refere manuteno das espcies de seu interesse. Parece que as indstrias esto preocupadas com os produtos obtidos das espcies vegetais, mas no assumem nenhuma responsabilidade quanto a forma de obteno das matrias-primas necessrias. De quem , ento, a responsabilidade de estabelecer pesquisas sobre a biologia, propagao e domesticao destas espcies? Instituies

governamentais de pesquisa e at mesmo algumas poucas empresas vm fazendo estudos neste sentido, mas o que se tem notado, entre outras consequncias, que a falta de uma ao interdisciplinar, aliada falta de comunicao entre as instituies, determina o isolamento destes estudos, sem o necessrio envolvimento de outros segmentos que esto ligados atividade . A falta de polticas pblicas visando um aproveitamento racional da biodiversidade , nesta situao, um fator importante e agravante. Exemplo tpico foi a imposio do pacote sobre expanso da fronteira agrcola que deu prioridade produo de alimentos e ao fornecimento de matria-prima para produo de celulose e atendimento ao parque siderrgico, atravs da implantao de extensas monoculturas de espcies exticas. Este pacote no levou em conta as potencialidades da biodiversidade e o modo de vida das populaes locais, estando ainda relacionado, coincidentemente ou no, a um momento em que ocorreu um predomnio de investimentos no desenvolvimento de produtos sintticos, acreditando-se que estes poderiam substituir a quase todos os produtos naturais com potenciais farmacuticos. Mesmo com a ausncia de polticas prprias, a comunidade cientfica vem criando espaos para gerao de conhecimentos sobre a biodiversidade. Algumas linhas de pesquisa, sensveis, por um lado, s crticas de ONGs e de ambientalistas e, por outro, procurando responder s demandas de atores sociais e econmicos quanto perspectiva de sustentabilidade do desenvolvimento, fazem surgir pesquisas em diversas instituies e programas de financiamento

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dentro deste campo do conhecimento. A ttulo de contribuio com subsdios cientficos, foi concebido o Projeto Manejo Sustentado do Cerrado para Usos Mltiplos conduzido pelo Departamento de Cincias Florestais da Universidade Federal de Lavras, cujo objetivo central gerar conhecimentos

multidisciplinares sobre o Cerrado, a partir dos quais seja possvel a elaborao de planos de manejo sustentvel para o uso mltiplo de seus recursos naturais. Para isso, foi necessrio inicialmente conhecer exploratoriamente a cultura regional e aspectos do aproveitamento da fauna e da flora, de forma a subsidiar, com informaes gerais, sub-projetos de pesquisa mais especficos como, por exemplo, o melhoramento gentico, propagao de espcies florestais, manejo de fauna, entre outros. Atravs da metodologia conhecida como Diagnstico Rpido Participativo de Agroecossistemas (DRPA), procurou-se investigar, as condies agroecolgicas nas quais est inserida a agricultura do tipo familiar do norte do Estado de Minas Gerais. Os resultados deste levantamento exploratrio mostraram que a pequena produo familiar, alm de acuada em reas de uso limitado do solo, pois esto cercadas, na maior parte, por extensos eucaliptais, enfrentava a falta de servios bsicos (energia eltrica, gua para consumo, servios de sade, educao, crditos, assistncia tcnica). A baixa fertilidade dos solos e a escassez de gua limitam ainda mais seu sistema de produo, que est baseado, principalmente, na adoo de processos tradicionais de trabalho orientados para a produo de subsistncia, como o feijo, milho, arroz, etc. Diante desta situao, as famlias rurais procuram outras alternativas de ganhos para a sobrevivncia, principalmente na venda de trabalho para terceiros ou na explorao extrativista da vegetao do Cerrado existente nas proximidades das comunidades. Do Cerrado extrai-se diferentes tipos de produtos animais e vegetais, sendo que de mais de 200 espcies de plantas potencialmente teis ainda no

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foram exploradas devidamente, cerca de 50 so pouco exploradas e apenas algumas dezenas de espcies so exploradas comercialmente. A populao rural, apesar de possuir um vasto conhecimento sobre as diferentes paisagens, hbitos e usos da fauna e flora, no detm quase nenhum conhecimento sobre a produo de mudas das espcies nativas (Gomes e Amncio, 1995). Estava previsto no cronograma do projeto Manejo Sustentado e o levantamento feito confirmou o fato de que existem demandas por pesquisas a serem aprofundadas no caso de cada espcie nativa. O foco do projeto dirigiu-se, entre outras, para aquelas espcies que antes eram usadas pelos agricultores na sua subsistncia e, prontamente, passaram a ser comercializadas em volumes crescentes. De acordo com as informaes, foram comercializadas toneladas de frutos da rvore conhecida na regio como a fava-danta, da qual so extrados os princpos ativos utilizados na fabricao de medicamentos e produtos cosmticos no exterior. Na Figura 1 encontram-se os dados referentes exportao de um destes trs princpios ativos, o rutosdio (rutina). So dezoito os pases compradores que, juntos, consomem 95% do total da rutina oriunda da fava-danta que, por sua vez, responsvel pela metade da produo mundial. Estas exportaes tem movimentado, nos ltimos 5 anos, em mdia doze milhes de dlares anuais e os maiores compradores so a Blgica, Alemanha, Japo e Estados Unidos, embora a demanda destes pases possa apresentar oscilaes considerveis de ano para ano. Como se pode observar na mesma Figura, nos anos de 1994 a 96 ocorreu um considervel predomnio das

exportaes de rutosdio (rutina) para a Blgica que, em 1994, chegou a comprar 80% da produo exportada pelo Brasil. Diante da importncia no mercado mundial, este trabalho transportou seu ponto de partida para a compreenso da dinmica extrativista da espcie, procurando associ-la a alguns aspectos scio-econmicos. Faz tambm uma anlise sobre o aspecto da formao dos Complexos Agroindustriais partir de

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um produto extrativo, j que a fava-danta apresenta o setor agroindustrial totalmente consolidado. Mostra, consequentemente, o potencial desperdiado pela falta de um sistemtico e adequado aproveitamento da biodiversidade2 do ecossistema em questo.

700 600 500 400 300 toneladas 200 Blgica 100 0 1992 1993 1994 Anos 1995 1996 Alemanha Japo EUA

FIGURA 1. Exportao brasileira de rutosdio (rutina) em t./ ano, 1992 - 1996. FONTE: Ncleo de Cmbio e Comrcio Exterior do Banco do Brasil, 1997.

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De maneira geral, refere-se variabilidade encontrada em todas as espcies de plantas, animais e microorganismos, sejam elas de genes, espcies, ecossistemas e mesmo nos processos envolvidos em cada nvel.

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1.2 Objetivos 1.2.1 Objetivo geral Analisar e compreender e a dinmica scio-econmica do sistema extrativista da fava-danta, Dimorphandra sp., nas populaes do Cerrado do norte de Minas Gerais, a fim de dar suporte para alternativas econmicas e ecolgicas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentado da regio.

1.2.2 Objetivos especficos Descrever o sistema extrativista da fava-danta preponderante na regio; Analisar o extrativismo da fava-danta sob o aspecto da formao dos Complexos Agroindustriais. Descrever a cadeia de comercializao da fava-danta e estimar a renda obtida e a margem de comercializao dos agricultores, trabalhadores rurais e dos atacadistas locais e regionais.

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2 REFERENCIAL TERICO 2.1 Colonizao e recursos naturais Antigos escritores observaram que as florestas sempre retrocedem medida que as civilizaes desenvolvem e crescem. O grande poeta romano Ovdio escreveu que durante a Idade do Ouro, antes da origem da civilizao, at mesmo o pinheiro se elevava em sua prpria montanha, mas quando chegou a Idade do Ferro, o carvalho da montanha e o pinheiro foram derrubados. Isso ocorreu por uma razo simples: a madeira foi o principal combustvel e material de construo de quase todas as sociedades por mais de cinco mil anos, desde a Idade do Bronze at meados do sculo XIX (Perlin, 1992) quando as rvores ainda cumpriam essas funes para a maioria das pessoas que habitavam o planeta. Sem amplos suprimentos da madeira extrada das florestas, as grandes civilizaes da Sumria, Assria, Egito, China, Cnossos, Micenas, Grcia clssica e Roma, Leste Europeu e Amrica do Norte nunca teriam surgido. A madeira, na verdade, o heri no reconhecido da revoluo tecnolgica que nos impulsionou da cultura da pedra e do osso para a poca presente (Perlin,1992). Mas foi no incio da Idade Moderna, no sculo XVI, perodo das grandes navegaes, que o esprito que marcou a nossa poca foi anunciado, dadas suas

caractersticas principais que so a expanso e colonizao. A descoberta do Novo Mundo trouxe uma concepo de natureza como o algo selvagem, que precisava ser domado, civilizado. Assim, os indgenas e os negros puderam ser expropriados e dizimados da mesma forma que os meios naturais e culturais a que pertenciam, classificados como pouco humanos ou no humanos (Carvalho, 1991). Segundo Holanda (1984), so inumerveis as plantas que ajudam e ajudaram a matar a sede, a fome e a curar doenas durante a colonizao. A essas plantas providenciais deve-se, em parte, a travessia e explorao de muitos territrios intransponveis sem tal recurso, contribuindo assim para o conhecimento e a explorao de extensas zonas do territrio brasileiro. Entre os produtos consumidos durante esta poca estavam o palmito (Euterpe sp.) e os pinhes de araucria (Araucaria angustifolia (Bert.) Kuntze) que davam excelente farinha e, abundantes no planalto, chegaram a substituir, em certos casos, a mandioca. Um papel semelhante tinha a castanha-do-par nas capitanias do norte e o caju no nordeste (Holanda, 1984). Com a reduo progressiva das reas povoadas de pinheiros, o mesmo privilgio ficou reservado mais tarde Jabuticaba (Myrciaria trunciflora Berg ) e outras mirtceas como os aras (Psidium spp.), as cambuais (Myrciaria tenella (DC.) Berg), as guabirobas (Campomanesia spp.), as grumixanas (Eugenia brasiliensis Lam.), as pitangas (Eugenia calycina Camb.), os ananases (Ananas ananassoides L. B. Smith), os araticuns (Annona crassiflora Mart.) e o juta (Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne), que pertenciam dieta habitual dos que se entranhavam e moravam na selva. Posio de destaque ocupou tambm a explorao do mel de abelha, que tinha uma importncia considervel no regime alimentar e medicinal dos ndios. Sabe-se, por exemplo, que os ndios caigus no s costumavam ter cautela de deixar sempre um pouco de mel nas abelheiras como, at terminada a colheita,

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fechavam com pedaos de madeira a abertura feita, podendo, dessa forma, prosseguir as abelhas em sua faina. A preocupao com o uso racional deste recurso levou os ndios a desenvolverem formas de apicultura mesmo que primitivas. Acrescenta Holanda (1984) que pouco provvel que tal preocupao tivesse sido aprendida com os brancos. Quanto cera, outro produto das abelheiras, suas aplicaes ultrapassaram ainda em variedades de uso em comparao aos usos do mel, chegando sua extrao a constituir indstria de relativa importncia nos primeiros tempos da era colonial. Tradicionalmente associada a cerimnias religiosas e ocasies funestas, era usada em forma de velas simples, crios de confraria, brandes, candeias de luminrias ou techas de enterramento, servindo tambm como instrumento de permuta ( moeda da terra). Da fauna tambm obtinha-se produtos para alimentao, produtos fabricados a partir das peles e produtos medicinais, no sendo difcil suspeitar, ainda de acordo com Holanda (1984), que, na procura de substncias para curar doenas, muitos povoadores chegaram a estas terras animados certamente de tais ambies. Com relao agricultura, as ferramentas trazidas pelos colonizadores no chegaram a alterar de modo substancial o uso da terra. O sistema de lavouras dos ndios revelou quase sempre singular perseverana, a ponto de ser adotado pelos forasteiros. A raa subjugada mostrou sempre um conservantismo e misonesmo a toda prova, negando-se a entrar na lgica da explorao intensiva dos recursos naturais e a aceitao de um elemento importado no correspondeu entre eles. Dois exemplos bastante significativos do

conservantismo so os produtos vegetais importados que no se trocava pelos produtos vegetais nativos e os mtodos de tecelagem de redes, os quais so os mesmos de que ainda se servem hoje as tecedeiras de Sorocaba (Holanda, 1984).

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Isto explica porque no Brasil os grupos indgenas constituem hoje os ltimos repositrios vivos de um saber acumulado durante milnios para a sobrevivncia humana na floresta tropical mida, nos campos e Cerrados. Parte deste conhecimento foi herdada pelas populaes rurais - caboclos, sertanejos, caipiras, caiaras - encontrando-se, em graus diversos, codificados nas culturas de folclore. Os povos que dominam tais conhecimentos so chamados de populaes tradicionais (Diegues, 1994). Com a introduo cada vez maior dos mtodos europeus, aos poucos os meios prprios das sociedades daquela poca tenderam normalmente a desaparecer (Holanda, 1994).

2.2 Estrutura agrria na colonizao Os nativos da Amrica, no momento da colonizao, se alimentavam fundamentalmente de vegetais cultivados em sistemas agrcolas aos quais agregavam um complemento de produtos da caa e da pesca. Sobre estes sistemas, autores como Boserup (1987), Chonchol (1994) e Dean (1996) nos mostram as diferentes formas de uso da terra que as populaes fizeram e algumas ainda fazem at os dias de hoje. Havendo, nesta poca, abundncia de terras apropriveis e pouca populao, os moradores nativos estabeleciam suas culturas nas terras mais frteis. Para isto, clareiras eram abertas nas florestas, onde semeavam ou plantavam por um ou dois anos, ao final dos quais a fertilidade natural do solo tinha diminudo e, consequentemente, a produtividade das culturas estabelecida. Quando isto acontecia, novas clareiras eram abertas, deixando as anteriores em descanso por alguns anos, perodo durante o qual a rebrota da mata secundria repe a fertilidade natural do solo pela decomposio de folhas e galhos. Assim, a nova mata derrubada e, novamente, uma cultura estabelecida. Esse tipo de agricultura conhecido como agricultura de coivara ou simplesmente coivara

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(terminologia indgena), ou ainda como sistema de roa e queima, sendo considerado menos invasivo porque imita a escala natural de perturbao e, em vez de congelar permanentemente o processo de sucesso, apenas o explora de forma temporria. Segundo Dean (1996), este sistema agrcola era praticado pelos indgenas na mata atlntica, pois eles haviam descoberto que os solos saturados de alumnio do Cerrado eram demasiado arenosos, secos, cidos e imprprios para o cultivo. Chonchol (1994) afirma que, na maior parte das regies selvagens, tropicais ou temperadas que caracterizavam o continente americano, os nativos aplicavam este tipo de sistema e um dos principais obstculos aplicao desta tcnica era o tempo de recuperao dado aos terrenos cultivados, em funo do tamanho da populao e densidade demogrfica dependentes destes alimentos. Mas foi colonizao portuguesa e, em menor grau, espanhola, que atribuiu-se a primazia no emprego do regime que iria servir de modelo explorao latifundiria e monocultural adotada depois por outros povos. Numa produo de ndole pr-capitalista orientada sobretudo para o comrcio externo onde prevaleciam critrios quantitativos, as tcnicas europias serviram apenas para fazer desvastadadores os sistemas de uso da terra em contraposio ao sistema utilizado pelos indgenas em suas plantaes (Chonchol, 1994). Neste sentido, Holanda (1984) escreve: O Latifndio Agrrio, fruto da vontade criadora um pouco arbitrria dos colonos portugueses, surgiu em grande parte, de elementos adventcios e ao sabor das convenincias da produo e do mercado. O sistema de lavoura estabelecido durante a poca da colnia, com estranha uniformidade de organizao, em quase todos os territrios tropicais e subtropicais da Amrica no resultado de condies intrnsecas especficas do meio. Segundo Novais, citado por Cardoso de Melo (1975), a Europa colonizadora no tempo dos descobrimentos vivia uma fase de tenses geradas pela desintegrao do feudalismo para a constituio do modo

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de produo capitalista. Enquanto a expanso das relaes mercantis promovia a superao do regime servil para o assalariado, o capital mercantil encontrava obstculos de toda ordem para manter o ritmo de expanso das atividades e ascenso social. Desta forma, no plano econmico havia a necessidade do apoio externo das economias coloniais, fundamental para fomentar a acumulao de capital enquanto que no plano poltico a centralizao do poder voltava-se para a unificao do mercado nacional e mobilizao de recursos para o desenvolvimento. Esta forma de organizao agrria e monocultural, que mais tarde caracterizaria as colnias europias situadas nas zonas quentes, iniciou-se nas terras do nordeste brasileiro com a lavoura da cana de acar, depois o algodo, de acentuada procura internacional e, por conseguinte, com perspectivas de fortes lucros. Estas formas de explorao nos trs sculos de regime colonial se acentuaram e consolidaram-se durante o Brasil Imprio e o Brasil Repblica (Pinto, 1984).

2.3 Modernizao da agricultura Por modernizao da agricultura entende-se basicamente a mudana na base tcnica da produo agrcola. um processo que no Brasil ganhou dimenso social a partir da dcada de 60, com a introduo de mquinas na agricultura (tratores importados), uso de elementos qumicos (fertilizantes, defensivos, etc), mudanas de ferramentas e mudanas de culturas ou novas variedades. Trata-se de uma mudana na base tcnica da produo que transforma a produo artesanal numa agricultura moderna, intensiva, mecanizada, com substituio de determinadas culturas por outras (Kageyama, 1990).

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Com o incio da modernizao, o significado de desenvolvimento, que a princpio se referia a um processo de revoluo, de esclarecimento, de descoberta, passou a ser acrescido de uma dimenso de valor, onde o objetivo era o progresso, o domnio das foras secretas - a fsica de Newton, a dialtica de Hegel, a mo oculta do mercado de Smith - para o benefcio da humanidade (Caiden e Caravantes, 1982). O predomnio de uma viso reducionista deste modelo (paradigma) tende a dirigir sua ateno apenas ao fenmeno em si, subestimando suas interaes com o ambiente (Testa et al., 1995). Benneviale et al. (1989), citados por Testa et al. (1995), consideram como marco do reducionismo, a filosofia positivista que teve em Auguste Comte o principal expoente. No setor agrcola, cita-se como exemplo dessa viso a Revoluo Verde. A introduo da modernizao tornava inconcebvel para os imperialistas culturais do ocidente que os povos autctones pudessem ver o desenvolvimento sob qualquer outra forma. A aculturao era o que havia de melhor para eles, e se recusassem isso, seriam os principais perdedores (Caiden e Caravantes, 1982). Infelizmente para todos, as expectativas de produo farta criadas em torno da Revoluo Verde, entre outras, foram minguando diante da realidade concreta dos quinze ou vinte anos subsequentes. Do ponto de vista de Martine e Coutinho (1987), o modelo tecnolgico mundial est em crise e, pelo menos no Brasil, o custo social das mudanas ocorridas agudiza o questionamento das suas vantagens econmicas. Sem dvida, a povoao e a produtividade aumentaram, mas no no ritmo esperado. A agroindstria se expandiu rapidamente, mas a produo per capita de alimentos bsicos menor do que no incio da modernizao. O nmero de postos de trabalho no campo aparentemente aumentou, mas grande parte deles de natureza instvel e mal remunerados. O campo se industrializou, se eletrificou e se urbanizou parcialmente, entretanto o

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xodo rural tambm se multiplicou, levando ao inchamento das cidades. Em suma, as transformaes rpidas e complexas da produo agrcola provocaram resultados sociais igualmente intrincados e abrangentes. Por outro lado, os impactos ambientais negativos desta agricultura baseada no consumo de grandes quantidades de formas no renovveis de energia tm se tornado cada vez mais bvios: contaminao de fontes de gua, envenenamento de pessoas e eliminao da fauna por uso de pesticidas, compactao dos solos pelo uso de maquinaria, diminuio das reservas de gua, a salinizao dos solos pelo uso ineficiente de irrigao e a desflorestao, etc. Diante dos impactos negativos nos campos social e econmico e da destruio dos recursos naturais, buscam-se alternativas para viabilizar um outro modelo de desenvolvimento que garanta o respeito ao meio ambiente e a sustentabilidade da agricultura.

2.4 Agricultura sustentvel O desenvolvimento do conceito de agricultura sustentvel uma resposta relativamente recente preocupao com a degradao dos recursos naturais associada agricultura moderna. Este conceito tem provocado muita discusso e a necessidade de realizar ajustes na agricultura convencional para que esta se torne ambiental, social e economicamente vivel e compatvel (Altieri, 1995). Surge a partir da o conceito de desenvolvimento sustentvel que tem origem mais remota no debate internacional iniciado na conferncia de Estocolmo, em 1972. No obstante, o conceito mais importante referente ao desenvolvimento sustentvel foi escrito em 1987 e conhecido como Relatrio Brundtland, segundo o qual O desenvolvimento sustentvel o que satisfaz as necessidades do presente sem prejudicar a capacidade das futuras geraes na satisfao de suas prprias necessidades.

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Para Brooks (1992), sem dvida o Relatrio Brundtland alcanou seu propsito, pois fez com que pessoas comeassem a falar sobre desenvolvimento sustentvel. Como resultado, temos uma abundncia de anlises e artigos sobre o que estamos fazendo e para onde dirigimos nossos passos, tanto nos pases desenvolvidos como nos pases em via de desenvolvimento. Certamente, o desenvolvimento sustentvel se converteu na poltica oficial de dezenas de organizaes ao redor do mundo, sendo o caso mais notvel o Banco Mundial. Na agricultura, a sustentabilidade, segundo o Comit de

Aconselhamento do Grupo Consultivo de Pesquisa Agrcola Internacional, citado por Reijntjes, Haverkort e Waters-Bayer (1994), significa o manejo bem sucedido de recursos para a agricultura de modo a satisfazer as necessidades humanas em transformao, mantendo ou melhorando ao mesmo tempo a qualidade do ambiente e conservando os recursos naturais. Para Reijntjes, Haverkort e Waters-Bayer (1994), muitas pessoas usam uma definio mais ampla e julgam que a agricultura sustentvel sempre que seja: ecologicamente correta, o que significa que a qualidade dos

recursos naturais mantida e a vitalidade do agroecossitema inteiro incluindo-se a desde os seres humanos, as lavouras e os animais, at os microorganismos do solo - melhorada. Isso mais eficazmente garantido quando a sade das lavouras, dos animais e das pessoas mantida atravs de processos biolgicos. Os recursos locais so usados de modo a minimizar as perdas de nutrientes, biomassa, energia e a evitar a poluio. A nfase recai sobre o uso de recursos naturais renovveis; economicamente vivel, o que significa que os agricultores podem produzir o bastante para garantir sua auto-suficincia e/ou renda suficiente e conseguem obter os retornos necessrios para garantir a remunerao do trabalho e cobrir os custos envolvidos. A viabilidade econmica medida no

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apenas em termos de produto agrcola direto (colheita), mas tambm em termos do produto de funes, tais como a conservao dos recursos e a minimizao dos riscos; adaptvel, o que significa que as comunidades rurais so capazes de se ajustar s condies da agricultura que sempre esto em transformao: h crescimento populacional, mudanas nas polticas governamentais, nas

demandas de mercado, etc. Isso envolve no apenas o desenvolvimento de tecnologias novas e apropriadas, como tambm inovaes em termos sociais e culturais; socialmente justa, o que significa que os recursos e o poder so distribudos de modo a assegurar que as necessidades bsicas de todos os membros da sociedade sejam atendidas e a garantir que sejam respeitados os direitos dos agricultores em relao ao uso da terra e ao acesso a capital, assistncia tcnica e oportunidades de mercado adequadas. Todas as pessoas devem ter a oportunidade de participar na tomada de decises, tanto na atividade rural quanto na sociedade como um todo... A idia deste tipo de agricultura desenvolver agroecossistemas com mnima dependncia de insumos agroqumicos e energticos e que sejam enfatizadas as interaes e sinergismos entre os seus vrios componentes biolgicos, melhorando assim a eficincia biolgica, econmica e a produo do meio ambiente (Altieri, 1995). O que ocorre, na realidade, que os programas tradicionais de desenvolvimento frequentemente tm colocado como objetivo somente um produto agrcola bsico. Um exemplo citado por Sawer (1995), o do meio ambiente amaznico, onde a experincia dos ltimos 20 anos deixou claro que a agricultura capitalista baseada na monocultura, na alta tecnologia e nos altos investimentos dificilmente funciona neste bioma e sugere que a policultura familiar, combinada at certo ponto com o extrativismo e com a pecuria, venha

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a tornar-se um imperativo, por ser uma combinao de vantagens de ordem ecolgica e econmica. O que pior, e at paradoxal, que justamente agora que se comea a falar massivamente em desenvolvimento sustentvel, fala-se tambm em falncia do Estado como motor do desenvolvimento e da falncia da regulao do planejamento governamental, propondo-se como soluo a sua substituio pelo mercado (Guimares, 1997). Analisando as diversas definies sobre sustentabilidade, encontra-se que a maioria delas tem em comum a manuteno do estoque de recursos e da qualidade ambiental para as geraes atuais e futuras. Constata-se, ento, que a sustentabilidade do desenvolvimento requer um mercado regulado e um horizonte de longo prazo, atividade que s poder ser realizada pelo Estado, pois, expresses como geraes futuras ou longo prazo so estranhas ao mercado e cujos sinais respondem alocao tima dos recursos no curto prazo e porque, como diria o cientista poltico Atlio Born, nesse reino privilegiado de interesses privados no cabem os argumentos da justia distributiva (Guimares, 1997). De qualquer forma, a sustentabilidade do desenvolvimento exige a democratizao do Estado e no seu abandono e substituio pelo mercado, alm de uma democratizao onde sejam considerados os interesses da sociedade civil, j que as dificuldades provocadas por situaes de extrema desigualdade social no acesso e distribuio dos recursos naturais, econmicos e polticos no podem ser definidas como problemas individuais, constituindo, de fato, problemas sociais (Chvez, 1997).

2.5 Sistemas Agroflorestais Relacionada discusso de sustentabilidade se encontra a questo, em diversas regies, dos usos que as populaes fazem de remanescentes florestais

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vinculados explorao agropecuria propriamente dita. Mesmo que sua constituio no seja fruto de uma reflexo racional, mas muito mais um resultado do modo de ocupao local, formam-se sistemas agroflorestais. Assim, esta parte do referencial terico justifica-se tambm pelo fato de que, adiante, os sistemas agroflorestais sero proprostos como uma forma de manejo vivel para a rea estudada . Este manejo, respaldado por pesquisas, pode vir a ser a racionalizao de processos de relacionamento entre homem e natureza j estabelecidos pela prtica local. Sabe-se que, em contraste com os modelos de produo mais intensivos, a agricultura tradicional depende quase que exclusivamente de recursos naturais renovveis. Segundo Altieri (1989), aproximadamente 60% das terras cultivadas no mundo so administradas com mtodos tradicionais e de subsistncia. Os produtores que desenvolveram ou adaptaram estes complexos sistemas de produo tm suprido suas necessidades de subsistncia por sculos, mesmo sob condies ambientais adversas (solos deficientes, reas secas ou propensas a inundaes, com recursos escassos ), sem depender de insumos externos. A maioria destes produtores empregam prticas destinadas a otimizar a produtividade a longo prazo, em vez de maximiz-la a curto prazo (Altieri, 1989). Nesse sentido, o desenvolvimento e a difuso de formas de agricultura alternativa que se apiam na produo e no aproveitamento eficiente da matria orgnica podem contribuir para o desenvolvimento de sistemas semi-intensivos, porm sustentveis a longo prazo, que no dependam demais do uso de insumos derivados de recursos naturais no renovveis e que ajudem a preservar os recursos naturais. Um exemplo de agricultura sustentvel so os Sistemas Agroflorestais, um nome genrico para descrever sistemas antigos e amplamente praticados de uso da terra. Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) so formas de uso e manejo

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da terra, nas quais rvores ou arbustos so utilizados em associao com cultivos agrcolas e/ou com animais, numa mesma rea de maneira simultnea ou numa seqncia temporal (Farrell, 1989). Vrios so os critrios para classificar os sistemas e prticas agroflorestais (Farrell, 1989), sendo que os mais usados so a estrutura do sistema (composio e arranjo dos componentes), funo, escala scioeconmica e nvel de manejo e extenso ecolgica. Estruturalmente, os sistemas podem ser agrupados em agrossilvicultura (plantaes, incluindo culturas de rvores/arbustos), silvipastoris (pasto/animais e rvores) e agrossilvipastoris (culturas, pasto/animais e rvores). Os componentes podem ser dispostos no tempo e no espao e vrios termos so usados para diferenciar os vrios arranjos. A base funcional refere-se aos produtos principais e ao papel dos componentes, especialmente daqueles relativos s rvores. Podem ter funes produtivas (produo das necessidades bsicas como alimentos, forrageiras, lenha e outras) e funes protecionistas (conservao do solo, melhoria da fertilidade do solo). A escala scioeconmica de produo e o nvel de manejo dos sistemas podem ser utilizados como critrios para distribuir os sistemas em comerciais, intermedirios ou de subsistncia. Numa referncia ecolgica, os sistemas podem ser agrupados de acordo com zonas agroecolgicas definidas, como plancies dos trpicos midos, trpicos ridos e semiridos, planaltos tropicais, Cerrados e assim por diante. Nos SAFs, as espcies florestais preenchem um importante papel na fertilidade dos solos, na reduo da eroso e na conservao das guas, possibilitando criar condies de microclima que favoream o melhor desenvolvimento de plantas e animais, assegurando maior sustentabilidade da produo e liberando os pequenos produtores da necessidade de buscar novas reas de mata alta para abrirem novos roados (Farrell, 1989).

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Essas funes de servio complementam as funes de produo direta que as rvores tambm desempenham ao fornecer produtos teis para o agricultor como alimentao, forragem para os animais, lenha, materiais de construo e matrias-primas para indstria rural, entre outras. Os SAFs, ao gerar estes produtos nas terras agrcolas, podem evitar a invaso de reservas florestais pelo avano da agricultura e reduzir consideravelmente as exigncias a que so submetidas estas reas naturais, contribuindo para sua conservao (Raintre, 1986). Os SAFs tambm so importantes nas prticas tradicionais de aproveitamento das terras ao maximizar e diversificar a produtividade, independente de tratar-se de terras marginais ou de solos com grande potencial produtivo. Os SAFs diversificados podem ser a forma mais apropriada de utilizao do solo quando as limitaes impostas pelo regime de tenncia, a falta de infraestrutura de comercializao ou uma poltica econmica desfavorvel exigem que a agricultura familiar, ao tratar de reduzir riscos, se esforce por satisfazer a maioria de suas necessidades bsicas diretamente com os recursos da terra sua disposio (Raintre, 1986). Este sistema, alm de contribuir para a melhoria da qualidade da alimentao das populaes rurais na sua fase de plena produo, pode tambm aumentar a renda familiar. Um consrcio agroflorestal pode gerar uma renda maior que a de pastagens ou roados com culturas anuais. Para Altieri (1989), os hortos caseiros nos trpicos so exemplos de sistemas agroflorestais. uma forma altamente eficiente de uso da terra, incorporando uma variedade de culturas com diferentes hbitos de crescimento, cujo resultado uma estrutura semelhante a uma floresta tropical com diversas espcies e uma configurao em camadas. Bezerra (1995) define quintal agroflorestal como uma unidade de sistema onde as reas de estudo de manejo do solo, agrcola, zootcnico e florestal esto em ntimo entrelaamento. Isto implica em uma grande interao

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entre o homem e o ambiente e demanda e oferta de recursos o que, sob determinadas condies, requer uma otimizao do uso atravs do manejo sustentado e no de uma simples e crescente explorao, podendo ser a melhor resposta para resolver problemas de desenvolvimento rural em regies ou em stios especficos. Na regio de Cerrado de Minas Gerais comum observarmos a formao do sistema silvo-pastoril e o uso intensivo dos quintais. Este ltimo altamente dependente de gua, o que garante uma maior diversidade de produtos que so utilizados tanto para subsistncia como para comercializao.

2.6 O Cerrado No globo, as savanas so encontradas nos quatro continentes tropicais (Young et al., 1993). No Brasil, chamadas de Cerrado, as savanas ocupam uma rea heterognea descontnua de aproximadamente 2 milhes de km2 de extenso em mais de dez estados, o que representa cerca de 23% da rea do territrio brasileiro (Almeida, 1993). Por Cerrado, entende-se um tipo bastante caracterstico de cobertura vegetal. Trata-se de uma savana tropical na qual uma vegetao rasteira, formada principalmente por gramneas, coexiste com rvores e arbustos esparsos, baixos, tortuosos, de casca grossa, folhas largas e sistema radicular profundo (Novaes, 1993). tambm caracterizado por uma vegetao xeromorfa, preferencialmente em clima estacional (mais ou menos seis meses secos), podendo, no obstante, ser encontrada tambm em clima ombrfilo. Reveste solos lixiviados aluminizados apresentando sinsias de hemicriptfitos, gefitos, camfitos e facrfitos oligotrficos de pequeno porte, com ocorrncia por toda a Zona Neotropical (Veloso, Loureno Filho e Lima, 1991).

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O Cerrado ocupa a maior parte do Brasil Central (sul de Mato Grosso, Gois, Tocantins, Mato Grosso do Sul, oeste de Bahia, oeste de Minas Gerais e o Distrito Federal), sobretudo na regio centro-oeste, no sul do Maranho, norte de Piau, oeste de Rondnia, reas disjuntas do estado de So Paulo e certas partes do nordeste. Limita-se com todos os outros complexos ecossistemas das demais regies do pas: floresta amaznica, caatinga, floresta atlntica, pradarias de campo limpo e pantanal mato-grossense, e contm trechos das trs maiores bacias hidrogrficas da Amrica do Sul. Nesta vasta e heterognea regio encontra-se uma grande variedade de sistemas ecolgicos, inclusive manchas de floresta, variados tipos de solos, clima, relevo e altitude, prevalecendo em quase toda sua extenso uma combinao peculiar de condies edficas e climticas, que deu origem vegetao que a caracteriza. O clima tropical, com duas estaes bem definidas: seca (abril a setembro) e chuvosa (outubro a maro) com precipitaes que variam de 750 mm a 2000 mm, em mdia. Na maior parte do Cerrado, a ocorrncia de chuvas encontra-se na faixa entre 1100 e 1600mm/ano (Eiten, 1993). comum, durante a estao chuvosa, a ocorrncia de estiagens de durao e intensidade variveis, provocando srios prejuzos s lavouras (Cunha, 1994). As rochas que do origem aos solos do Cerrado so antigas, com idades que variam de 570 milhes a 4,7 bilhes de anos. A maioria de seus solos so ricos em argila e xidos de ferro (uma mistura de argila com minerais) que lhes do a cor avermelhada caracterstica. Aproximadamente 90% dos solos so distrficos (cidos, de baixa fertilidade, baixa concentrao de matria orgnica e nutrientes como clcio, magnsio, fsforo e potssio e alta concentrao de ferro e alumnio) (Alho e Martins, 1995). A alta concentrao de alumnio nos solos pode inibir a absoro de nutrientes pelas razes ou mesmo causar toxidez s plantas, na medida em que o

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alumnio combina com o fsforo e produz fosfato de alumnio, que precipita-se no solo e no pode ser absorvido pelas razes das plantas, fazendo com que a concentrao de fsforo nos solos seja diminuda (Alho e Martins, 1995). Sabe-se que a flora nativa dos Cerrados est adaptada a esses solos, pois suas plantas no apresentam, tanto quanto se perceba, sinais de deficincias nutricionais. Algumas anlises do teor mineral de seus rgos no indicaram valores muito abaixo do normal nas plantas em geral. As espcies de Cerrado certamente dispem de mecanismos eficientes que lhes permitam sobrepujar as dificuldades nutricionais do solo e absorver o que essencial sua sobrevivncia (Coutinho, 1992). Haridasan (1982), salienta que algumas rvores nativas do Cerrado so capazes de acumular alumnio nas folhas em quantidades at 700 vezes maiores que a maioria das plantas. O problema do aproveitamento dos solos sob Cerrado reside muito mais em suas propriedades qumicas do que em sua natureza fsica, pois o relevo , em sua maioria, plano ou suavemente ondulado, o que associa-se s boas

propriedades fsicas do solo possibilitando a mecanizao agrcola em larga escala. Aproximadamente 100 milhes de hectares (metade da rea total do Cerrado) apresentam estas caractersticas (Goedert, 1989). A heterogeneidade da regio tambm se manifesta na altimetria, com a predominncia de reas de maior altitude nas partes central e sudeste, situandose ao norte as reas mais baixas. Abaixo de 300 m esto 22% da superfcie, 73% entre 300 e 900 m e 5% acima de 900 m (Admoli et al., 1986). A ao do fogo como agente natural ou antrpico bastante comum no Cerrado, fazendo com que o ambiente seja constantemente transformado, pois atua diretamente sobre diversos aspectos ecolgicos deste ecossistema. Apesar de bastante citado por diversos autores, o estudo do fogo no Cerrado necessita ainda de um maior embasamento cientfico para comprovar a sua atuao (Coutinho, 1992).

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Quanto fauna, ocorre um baixo endemismo de vertebrados, o mesmo no acontecendo com invertebrados, que participam fundamentalmente nas relaes de herbivoria, predao, parasitismo e decomposio, e servem como fonte de alimento a inmeras outras espcies, tendo, portanto, funo vital nos ecossistemas do Cerrado (Alho e Martins, 1995). A polinizao tambm uma importante funo desempenhada pelos invertebrados no Cerrado. Estes fatores em conjunto mostram que o Cerrado um bioma enormemente heterogneo, apresentando um gradiente variado de habitats naturais que abrigam inmeras comunidades de flora e fauna em diversidade de espcies e em abundncia de indivduos, os quais vivem em estreita associao pluriespecfica no espao. Esta complexa associao chamada de comunidade ecolgica dinmica em funo do tempo. Assim, a histria evolutiva do Cerrado influencia a presente distribuio da fauna e seus habitats (Alho, 1993). Embora j comprovada a sua importncia em termos de biodiversidade, a proteo legal deste ecossistema resume-se ao disposto no Cdigo Florestal e s reas designadas como Unidades de Conservao que equivalem a 1% da extenso territorial do pas (Feldmann, 1997).

2.6.1 Tipos de Cerrado Por tratar-se de um Complexo vegetacional, no Cerrado pode-se encontrar desde formao campestre at florestas, passando gradualmente ou mesmo bruscamente de uma formao outra. Entende-se por formao

campestre a que tem um estrato contnuo de herbceas revestindo o solo e como estrato descontnuo outro formado por arbustos e rvores. Ao contrrio das campestres, as formaes florestais tm como estrato contnuo rvores e como descontnuo formaes herbceas (Ferri, 1997). Segundo o mesmo autor, os Cerrados, de acordo com o seu complexo habitacional, podem ser classificados

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em: Cerrado propriamente dito, campo limpo, campo sujo e Cerrado. Brando e Carvalho (1992), incluem ainda: mata ciliar ou de galeria, mata seca, vereda ou buritizal e campo rupestre. Cerrado propriamente dito: Conformado por rvores e arbustos tortuosos, de cascas grossas e gretadas, folhas grandes e grossas, interrompoidas de longe por uma ou outra rvore de porte mais ereto, emergente. Frequentemente, o Cerrado composto por trs estratos: o arbreo, que aberto e mais ou menos contnuo: o arbustivo e o subarbustivo, que se mostra denso e de composio florstica varivel e estrato herbceo, constitudo principalmente por gramneas (Brando e Carvalho, 1992). Campo sujo: Denominao dada vegetao de arbustos baixos e espaados entremeados de gramneas (Ferri, 1997). Campo limpo: Formao vegetal caracterizada por campos revestidos maciamente por gramneas, apresentando, s vezes, arvoretas muito afastadas entre si (Ferri, 1997). Cerrado: Tipo intermedirio entre o Cerrado e a floresta, possuindo no entanto, vegetao menor e menos densa que esta. H trs estratos de vegetao no cerrado: formaes arbreas de 8-10 metros de altura, formao arbustiva mais densa de 3 metros de altura e formao herbcea, constituda por algumas poucas gramneas (Ferri, 1977).

2.7 A ocupao do Cerrado

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A ocupao do ncleo central dos Cerrados teve seu incio no sculo XVIII com as descobertas de ouro e pedras preciosas na regio de Mato Grosso. Tais descobertas atraram os primeiros exploradores, iniciando o povoamento e a explorao de outras partes das regies norte e centro-oeste. reas como o Tringulo Mineiro e sul de Gois foram povoadas mais intensamente aps a construo da ferrovia na dcada de 1930, ligando So Paulo cidade de Anpolis, em Gois. Foi a partir do funcionamento desta ferrovia que se iniciou a expanso agrcola nos Cerrados. At o final da dcada de 60 no se sabia como cultivar nas reas dos Cerrados. A pressuposio generalizadamente aceita era de que as terras de Cerrado eram imprprias para o cultivo, sendo o extrativismo vegetal, em especial o carvo e a pecuria extensiva de baixssima intensidade, as atividades agropecurias desenvolvidas na regio (Cunha, 1994), alm da explorao do garimpo e comrcio de tropas. O desconhecimento da forma de aproveitamento da agricultura no Cerrado permitiu que subsistisse praticamente, em seu estado natural, uma regio equivalente a um quarto do territrio nacional, estrategicamente localizada no centro do pas (Cunha, 1994). No entanto, a expanso s se intensificou com a construo de Braslia (Cunha, 1994), dando incio a um novo modelo regional no que concerne ao processo produtivo, ao sistema de relaes e aos valores (Arago,1993). O setor florestal, por sua vez teve sua expanso garantida ainda na dcada de 60, quando foram criados vrios rgos governamentais que de imediato comearam a trabalhar em programas de reflorestamento com Pinus e Eucaliptos. Em 1966, j havia cerca de 400.000 hectares de florestas plantados, e em 1990 esta rea encontrava-se em torno de 6.500.000 hectares (FAO, 1981; ABRACAVE, 1990; ANPC,1991; Salomo, 1993, citado por Guerra, 1995). A partir dos anos 70, com a implementao do denominado pacote da Revoluo Verde, iniciou-se na regio uma exploso das atividades

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agropecurias. Foram introduzidos 22 milhes de hectares

de gramneas

exticas e o Cerrado passou a ter o maior rebanho bovino do pas. Situao similar aconteceu com as culturas do milho, soja, caf, seringueira, hortalias, a fruticultura e a produo de sementes (Cunha, 1994). Segundo Verdsio (1993), uma srie de fatores como a gerao de tecnologia para cultivar os solos cidos dos Cerrados, as proximidades dos grandes centros de consumo, os preos das terras mais baixos que nas regies sul e sudeste do pas, a boa aptido fsica e topogrfica das terras, um clima monnico com excelentes condies de pluviosidade e luminosidade, polticas agrcolas gerais e de desenvolvimento regional fizeram com que a rea

agricultvel se expandisse rapidamente. No Cerrado, foi amplo o domnio da grande propriedade. Vrios fatores contriburam para que os pequenos estabelecimentos com menos de 50 ha fossem direcionados para a produo de subsistncia e hoje podem ser encontrados em reas prximas a ncleos urbanos, produzindo para o mercado local. A agropecuria empresarial voltada para a produo de gros e carnes para mercados nacionais e exportao concentra-se nos estratos de rea superiores a 200 hectares, no sendo raros os estabelecimentos com rea superior a dez mil hectares (Cunha, 1994).

2.8 Os impactos da ocupao do Cerrado O crdito agrcola subsidiado, entre os anos de 1970 e 1980, constituiuse no pilar da poltica agrcola no Brasil, influenciando a expanso da agropecuria, inclusive no Cerrado, que segundo Alho e Martins (1995) ocasionou dois impactos: um direto, relativo s expectativas de rentabilidade dos agricultores com acesso ao crdito; outro, indireto, que levou reduo na disponibilidade real do crdito rural, bem como a eliminao gradual dos seus

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subsdios implcitos. Estes fatores contriburam para o amortecimento da tendncia ascendente do preo real da terra, transformando-a em importante reserva de valor. Determinadas reas do Cerrado foram, em maior ou menor grau, atingidas por polticas e programas governamentais de ao direta sobre a regio ou sobre algumas de suas reas. Dentre estes programas destacam-se, segundo Alho e Martins (1995): - POLOCENTRO (Programa para o Desenvolvimento do Cerrado), de maior impacto direto sobre a agricultura neste bioma; - PRODECER (Programa Cooperativo Nipo-Brasileiro para o

Desenvolvimento do Cerrado) que promoveu o assentamento de agricultores experientes do sudeste e sul do pas em reas do Cerrado; - SUDENE (Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste) que, segundo Ribeiro (1996), constituiu a segunda interveno decisiva do Estado no norte de Minas Gerais; - poltica de preos mnimos, que consistiu em dar suporte aos produtos cobertos pelo programa. Estas polticas geraram impactos ambientais e sociais, pois estimularam a abertura de terras para o cultivo de extensas reas, alm do qu, nem sempre foram alcanados os resultados esperados. O POLOCENTRO, por exemplo, que beneficiou principalmente proprietrios de mdios (acima de 200 ha) e grandes (acima de 1000 ha) estabelecimentos agrcolas, aprovou 3.373 projetos durante o perodo de 1975 a 1982, tendo, para isso, desembolsado um montante total equivalente a cerca de US$ 577 milhes. Este programa havia fixado como meta o cultivo com lavouras de alimentos em 60% da rea explorada, sendo que o restante deveria ser destinado a pastagens cultivadas. O que ocorreu foi o inverso, pois foram fixados 60% de pastagens e 40% foram para lavouras, principalmente de soja. O Cerrado alcanou a dcada de 90 com 6 produtos

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agrcolas de maior importncia: soja, milho, arroz, feijo, caf e mandioca, cujas participaes em relao produo nacional constam da Tabela 1 (Alho e Martins, 1995). Como se pode observar, a soja e o milho respondem respectivamente, por 25,4% e 16% de toda a produo agrcola nacional. Em 1990, o total de soja e arroz produzidos no Cerrado foi menor que a mdia nacional, devido ao efeito da estiagem e dos tratos culturais menos intensos que os habituais, ocasionados pelas mudanas na poltica agrcola. Em 1985, por exemplo, a soja do Cerrado teve um rendimento mdio de 1900 kg/ha, portanto maior que o nacional e, em 1990, o rendimento mdio do arroz correspondeu metade da mdia nacional, tendo sido fortemente afetado pela elevada produtividade de arroz irrigado do Rio Grande do Sul. No mesmo ano a produtividade do feijo e a do caf excederam consideravelmente a mdia nacional, pois so lavouras relativamente tecnificadas, enquanto que as mdias nacionais so fortemente influenciadas por rendimentos mdios muito baixos em reas decadentes (caf) ou de produo de subsistncia com mtodos rudimentares (feijo). No caso da mandioca, uma lavoura de subsistncia em quase todo o pas, a diferena entre as mdias regional e nacional no significativa.

TABELA 1 . Produo e rendimento mdios das principais lavouras no Cerrado e Brasil (1990).LAVOURAS PRODUO (1000 t.) CERRADO BRASIL 5.048 19.888 3.403 980 244 21.341 7.419 2.230 CERRADO % 25,4 16,0 13,2 10,9 PRODUTIVIDADE MDIA (kg/h) CERRADO BRASIL 1.500 1.732 1.950 930 690 1.873 1.881 477

SOJA MILHO ARROZ FEIJO

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CAF MANDIOCA

246 1.259

2.926 24.311

8,4 5,2

1.440 2.700

1.007 2.564

FONTE: Alho e Martins, 1995.

Quanto ao rebanho bovino do Cerrado, analisando dados do IBGE referentes dcada de 80, pode-se dizer que houve um incremento de 21,4 milhes de cabeas entre 1970 e 1985, passando de 16,6 milhes a quase 38 milhes de animais. As pastagens plantadas tiveram notvel expanso entre 1970 e 1985, passando de 8,7 milhes a 31 milhes de hectares, enquanto que a densidade de bovinos da regio mais que dobrou no perodo, passando de 10,7 cabeas/km2 em 1970 a 24,5 cabeas/km2 em 1985 (Alho e Martins,1995). O padro tecnolgico outro indicador do impacto da ocupao do Cerrado. O estoque de tratores agrcolas cresceu impressionante taxa de 13,6% ao ano, passando de 12.282 unidades em 1970 para 94.345 unidades em 1985. Enquanto o estoque de tratores aumentava, no mesmo perodo a mo-de-obra diminua, tanto no espao como no tempo, passando a razo de trabalhadores por rea em lavouras, de 44,7 a 24,5 trabalhadores por 100 ha (Alho e Martins, 1995). Quanto estrutura fundiria, os impactos da expanso e modernizao foram modestos, mantendo-se uma estrutura fortemente concentrada. Para o Cerrado como um todo, os estabelecimentos com menos de 50 ha compreendiam, tanto em 1970 como em 1985, mais de 50% do nmero de unidades, correspondendo a 0,2% da rea total. O nmero de estabelecimentos com mais de 1.000 ha representava um pouco mais que 4% os quais ocupavam 60% da rea total (Alho e Martins, 1995). A densidade demogrfica do Cerrado evoluiu de 4,2 habitantes por km2 em 1970, para 8,2 habitantes por km2 em 1991, nmeros bem abaixo da mdia nacional. Este incremento deve-se principalmente aos processos de urbanizao

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em andamento na regio (Alho e Martins, 1995). Do ponto de vista ecolgico, o modo desordenado de ocupao das terras do Cerrado no difere de outras regies. Esta forma de ocupao desorganizada e acelerada parece ir muito alm da capacidade de resilincia de seus ecossistemas naturais e artificiais porque toda a tecnologia agrcola que est sendo adotada responde a um modelo de agricultura voltado para o lucro imediato, com pouca ou quase nenhuma preocupao conservacionista a longo prazo (Pinto, 1993b). O manejo inadequado dos solos tem acarretado uma srie de conseqncias. A eroso e a compactao constituem as principais formas de degradao dos solo do Cerrado, chegando-se a perder mais de 50 t./ano/hectare de terra frtil em conseqncia da eroso (Novaes, 1993). A contaminao das fontes de gua pelo uso intensivo de agrotxicos tambm ocupa um lugar relevante. Segundo Resck (1996), no Brasil, das 3.186.276 toneladas de defensivos aplicados, apenas 300 mil toneladas cumpriram a sua funo, sendo que o restante contaminou o solo e a gua. De 1.832.658 toneladas de fertilizantes aplicados, estima-se que 750 mil toneladas foram aproveitadas, e o restante levado pela enxurrada ou transportado at os lenis freticos. A forma de ocupao e explorao predatria que no levou em conta as peculiaridades e fragilidades do Cerrado no deixou sequer reservas de amostras dos ecossistemas naturais que pudessem funcionar como banco gentico e refgio da fauna e da flora. At mesmo as veredas e matas ciliares vm sendo objeto de severas agresses tornando incerto o futuro deste bioma (Pinto, 1993a). Esta riqueza de diversidade de espcies nunca foi to importante quanto agora, em virtude da ameaa ao meio ambiente e da rpida modificao dos habitats naturais pela ao do homem (Alho, 1993). A reduo da diversidade biolgica, ocasionada pela perda de habitat natural de espcies vegetais e

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animais, arrisca a sobrevivncia destas, ocasionando conseqente destruio do germoplasma, cujo valor econmico incalculvel (Cunha, 1994).

2.9 A ocupao do Cerrado no norte de Minas Gerais Registros histricos nos informam que mais de dez naes indgenas viveram no norte de Minas em diferentes pocas, at os primrdios da colonizao portuguesa. Entre elas, os cururus, na regio do rio Carinhanha; os caiaps e os abatirs, nas regies dos rios Pandeiros, Pardo e Urucuia; os chacriabs, entre os rios Urucuia e Paracatu; os catagus e os goianases nas confluncias do Rio das Velhas e os catols, na regio entre os rios Verde Grande e Pardo. Estas tribos viviam da pesca, da caa, da coleta de produtos vegetais e da agricultura (Dayrell, 1993). Os colonizadores europeus, aps a destruio da mata atlntica onde estavam presentes as reservas de pau-brasil, implantaram monocultura de cana, nos idos do sculo XVI, adentraram no serto, seja subindo o Rio So Francisco, seja pelo litoral paulista, exterminando as centenas de tribos indgenas e colocando o serto sob o jugo do mercantilismo europeu (Dayrell, 1993). Constatada a existncia de ouro e diamante em alguns pontos do territrio nortemineiro, houve ocupao e conseqente povoamento em Gro Mogol, Itacambira e Jequita, onde se desenvolveu a atividade de minerao, paralelamente s fazendas de gado, o que possibilitou o abastecimento alimentcio para a mo-de-obra alocada na explorao de minrios. importante ressaltar que muitos senhores que possuam a concesso das minas exploradas por escravos eram grandes proprietrios de terra (Costa, Ferreira e Luz, 1990). Desta forma, o territrio norte mineiro foi ocupado por criatrio de extensas fazendas de gado localizadas nas margens frteis dos grandes rios, objetivando a sustentao das zonas mineiras, sobretudo Vila Rica, Diamantina e

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Sabar. Os camponeses, por sua vez, ficaram assentados em suas pequenas unidades produtivas localizadas entre essas grandes fazendas ou nas regies de encosta e chapadas (Cerrados), tambm conhecidas como gerais, s margens de pequenos cursos dgua (crregos e veredas) que so menos frteis. Estes ltimos tinham seus sistemas produtivos baseados na explorao de culturas alimentares e de fibras (algodo), na criao de pequenos animais e na utilizao coletiva das chapadas (Cerrados) para coleta, caa e criao de gado na solta (Costa, Ferreira e Luz, 1990; Dayrell, 1993). As chapadas eram verdadeiros bosques comunais, onde se coletava uma diversidade de frutas ricas em protenas e vitaminas, plantas medicinais, madeiras de lei, fibras para linhas de pesca, esteiras, cips, cobertura para casas, etc, alm da caa e da criao extensiva de gado nas pastagens naturais (Costa, Ferreira e Luz, 1990; Dayrell, 1993). Em decorrncia das relaes de poder que se estabeleceram no territrio, com a presena da figura de um coronel que submetia os camponeses (posseiros, mineiros, arrendatrios, pequenos proprietrios) atravs de relaes de compadrio, viabilizou-se, com a conjugao dos sistemas de produo existentes, a estruturao da organizao regional da produo, assentada em relaes pr-capitalistas de produo (Costa, Ferreira e Luz, 1990). Chegou-se, assim, aps trs sculos de colonizao (de 1650 a 1950), a uma regio que apresentava uma concentrao elevada de terras, sendo que apenas 6% dos proprietrios possuam estabelecimentos acima de 500 ha e ocupavam 64% da rea total. Se as terras representavam para os coronis reforo ao seu poder, para os camponeses o acesso ainda era relativamente facilitado, fosse atravs das terras devolutas das chapadas ou pelas relaes de parceria, o que representava a possibilidade concreta de sobrevivncia, alm do fato de essas unidades camponesas conseguirem atender demanda alimentar

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regional da crescente populao urbana (16% do total) com um impacto mnimo nos ecossistemas (Dayrell, 1993). At os anos 1960, o desmatamento atingia pouco mais de 15% dos 12 milhes de hectares do norte de Minas, dos quais cerca de 10 milhes de hectares eram cobertos por matas nativas, ou seja, os Cerrados permaneciam praticamente intactos (Machado, Ribeiro e Silva, 1987). A partir de 1964, diversas polticas estimularam o uso de tecnologias; o crdito rural foi orientado para produtos, produtores e regies selecionadas criando, desta forma, uma grande massa de excludos, pois a exigncia de capital para alcanar nveis de produtividade econmica transformou a tecnologia numa espcie de barreira entrada para maior parte dos agricultores (Costa, Ferreira e Luz, 1990). Dois fatores que contriburam para o processo foram a incluso da regio na rea da SUDENE e a poltica de estmulo ao reflorestamento. O primeiro contribuiu efetivamente na abertura de linhas especiais de crdito agropecurio na regio, principalmente quando o nvel do subsdio foi sendo gradativamente reduzido nas regies agrcolas mais dinmicas do Brasil; o segundo, atravs de incentivos, fez a rea reflorestada crescer 900% entre 1975 e 1980, atingindo 700 mil hectares. Apenas na regio de Montes Claros havia, em 1980, 56 mil hectares reflorestados, dos quais 85% instalados com recursos pblicos (Machado, Ribeiro e Silva, 1987). Antigos e novos latifundirios ampliaram as suas reas ou consolidaram seus limites imprecisos, num violento processo de concentrao fundiria e de expulso de parcela considervel da populao para as cidades, beneficiando-se dos incentivos fiscais e financeiros, bem como dos crditos subsidiados com juros negativos (Costa, Ferreira e Luz, 1990).

2.10 Agroecossistemas e pequena produo

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Se quisermos entender como funcionam os estabelecimentos agrcolas e como so tomadas as decises relativas agricultura, preciso abord-los de forma holstica e entender a definio de agroecossistemas. Conway (1987), prope:Os sistemas ecolgicos esto na base de todos os sistemas agrcolas. Os processos agrcolas so resultado de decises humanas que derivam de objetivos igualmente humanos. Esses processos so determinados pela dinmica da cooperao, da competio social e econmica, incorporadas por uma gama de instituies humanas. Assim, o sistema resultante tanto scio-econmico quanto ecolgico e tem limites tanto biofsicos quanto scio-econmicos. Esse novo complexo agro-scio-econmico-ecolgico com limites dispostos em diversas dimenses definido como agroecossistema. Entendido este conceito, Reijntjes, Haverkort e Waters-Bayer, (1994) afirmam que: A agricultura no simplesmente uma coleo de culturas agrcolas e animais, aos quais se pode aplicar esse ou aquele insumo e esperar resultados imediatos. Ela mais como um complicado novelo entretecido, cujos fios so solos, plantas, animais, implementos, trabalhadores, outros insumos e influncias ambientais. Fios esses sustentados e manipulados por uma pessoa chamada agricultor (ou agricultora) que dadas as suas preferncias e aspiraes, procura obter um produto a partir dos insumos e das tecnologias disponveis. A agricultura est inextrincavelmente ligada cultura e histria. As oportunidades e as restries geogrficas e ecolgicas (localizao, clima, solos, plantas e animais nativos) tm reflexos sobre a cultura local e esta, por sua vez, est refletida na agricultura local, que o resultado de um processo histrico contnuo de interaes entre os seres humanos e os recursos da regio. Os valores, os conhecimentos, as habilidades, as tecnologias e as instituies da sociedade rural influenciam grandemente o tipo de cultura agrria (agricultura) que se desenvolveu e que continua sempre a se desenvolver. A caa, a pesca, a

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coleta de mel e outros produtos no-lenhosos das reas de mata, bem como o pastejo extensivo de rebanhos nas pastagens naturais, podem todos ser considerados parte do sistema agrcola. Um estabelecimento agrcola um agroecossistema singular: uma combinao de recursos fsicos e biolgicos tais como relevo, solo, gua, plantas (plantas no domsticas, rvores, plantas agrcolas) e animais (selvagens e domsticos). Ao influenciar os componentes desse agroecossistema e suas interaes, a famlia de agricultores obtm certos produtos, entre os quais produtos agrcolas, madeira e animais. Para manter o processo produtivo em funcionamento, a famlia precisa de insumos como sementes, energia, nutrientes e gua. Os insumos internos so aqueles obtidos no prprio estabelecimento, como energia solar, gua da chuva, sedimentos, nitrognio atmosfrico fixado, ou os que so nele produzidos como animais de trao, madeira, esterco, restos de cultura, adubos verdes, forragens, trabalho familiar e aprendizado atravs de experincias. J os externos so aqueles obtidos fora do estabelecimento agrcola como informao, trabalho assalariado, combustvel fssil, fertilizantes minerais, biocidas qumicos, sementes e roas melhoradas, gua para irrigao, ferramentas, mquinas e servios. Os produtos agrcolas podem ser usados como insumos internos consumidos pela famlia de agricultores (reproduzindo, assim, a fora de trabalho do estabelecimento agrcola) ou ento vendidos, trocados ou doados. Durante o processo produtivo ocorrem algumas perdas resultantes, por exemplo, da lixiviao ou da volatilizao de nutrientes ou da eroso do solo. As vendas possibilitam a obteno de dinheiro que pode ser usado para comprar diferentes bens ou servios (comida, roupas, educao, transporte) ou para pagar impostos e/ou obter insumos, tambm atravs da troca direta por produtos (Figura 2).

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Muitas famlias que praticam agricultura de baixos insumos externos no dependem apenas da agricultura para ganhar a vida. Outras atividades geradoras de renda podem competir com as agrcolas por causa da limitada fora de trabalho da famlia (Chambers e Jiggins 1985).

Comunidade / Mercado

Insumos externos Insumos naturais Consumo domstico

Produto (vendido ou trocado) Insumos internos Perdas

Recursos do estabelecimento agrcola

FIGURA 2. Fluxo de bens e servios (indicado por setas) em um sistema de produo simplificado de um estabelecimento agrcola. FONTE: Reijntjes, Haverkort e Waters-Bayer, 1994.

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2.10.1 A agricultura familiar no norte de Minas Gerais O relatrio de Gomes e Amncio (1995), realizado para projeto Manejo Sustentado do Cerrado, atravs da Metodologia do Diagnstico Rpido Participativo de Agroecossistemas (DRPA), nos d uma viso geral do funcionamento do sistema de produo em funo dos recursos naturais disponveis e as necessidades dos pequenos produtores. Cabe aqui ressaltar que a caracterizao do sistema de produo familiar na regio estudada refere-se, principalmente, ao estrato que compreende propriedades entre 0 - 100 ha. Por ser uma agricultura de baixos insumos externos, suas atividades esto diretamente relacionadas sazonalidade e so distribudas em tarefas especficas ou conjuntas entre os componentes da famlia (Tabela 2 ).

TABELA 2 . Diagrama sazonal da produo familiar - Jequita, Minas GeraisATIVIDADES J F M A M J J A S O N D

Trabalham de empreitada (foice, machado, X X moto-serra, carvoaria) Colhem feijo, cana (trabalham como meeiros) Preparam farinha, goma de mandioca e comercializam no mercado (atividade feita em famlia) Moem cana e preparam rapadura que comercializada (atividade feita em famlia); roam terreno prprio para plantar. Preparam o solo para plantio (em suas propriedades e como meeiros); roam pasto, moem cana. Moem urucum (plantado no quintal) e X X

X

X

X

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comercializam na cidade (atividade em famlia); moem cana. Moem cana; comeam a plantar milho (na propriedade); plantam milho, feijo, feijoa (fava), arroz como meeiros. Roam a lavoura plantada e plantam mandioca, feijo de corda, gergelim, feijo guandu para subsistncia. Coletam pequi. X Preparam pasto para o gado

X

X X X

X X X X X

FONTE: Gomes e Amncio, 1995

A produo agrcola composta, quase que exclusivamente, de produtos para subsistncia. Oliveira e Antonialli (1995) apresentam as principais culturas e respectivas mdias de produtividade para a regio: milho, 809,5 kg/ha; feijo, 329 kg/ha e mandioca farinha, 2.040 kg/ha, alm de cana-de-aucar, arroz, feijo-de-fava. So inmeras as dificuldades encontradas pelos produtores, destacandose entre elas: queda de produtividade das lavouras de alguns anos para c, devido principalmente seca; esgotamento dos solos e o aumento da incidncia de pragas e doenas nas plantaes; falta de transporte dificultando a utilizao de calcrio e o escoamento da produo, obrigando-os a vender seus produtos a preos extremamente baixos para os atravessadores. De maneira geral, a agricultura na regio pouco desenvolvida, deixando, inclusive, de se utilizar prticas simples e baratas como a rotao de culturas, conservao, anlise qumica e calagem dos solos, o que poderia aumentar em muito a produo regional de alimentos. A prtica do fogo no preparo do solo para as culturas e pastagens muito utilizada, prejudicando a manuteno da fertilidade do solo.

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Quanto pecuria, a maioria dos produtores trabalha com pequenos rebanhos, sendo a produo de leite destinada para o consumo prprio e, eventualmente, para venda. O bezerro vendido ao grande pecuarista quando atinge um ano de idade e empregado, por diversas vezes, como reserva de valor. O uso dos quintais, em alguns locais dentro da regio estudada, feito desde a poca da escravido e atualmente mantm a mesma finalidade: proporcionar alimentos e/ou remdios, criar animais e transformar a propriedade em um ambiente agradvel atravs do cultivo de plantas ornamentais que tambm mais uma forma de obteno de renda na propriedade. No DRPA, foram detectadas oitenta diferentes espcies destas plantas, das quais cinquenta, aproximadamente, destinavam-se a alimentao, vinte para fins medicinais e quinze para usos diversos. A criao de sunos e galinhas comum nestes sistemas. A utilizao da fauna, apesar de ser proibido por lei, feita para alimentao ou para fins medicinais, havendo tambm um mercado de comercializao de animais silvestres, aparentando ser um negcio fixo e certo. Um bom exemplo encontrado durante a realizao do Diagnstico e que chama a ateno para as vantagens deste tipo de mercado, a comercializao do tatu. Vendido a R$ 3,00 o quilo chega um animal a custar cerca de R$10,00, o equivalente a trs dias de trabalho assalariado de um homem adulto. Da vegetao, so extrados recursos para consumo e mercado, sendo ainda fonte geradora de empregos. O extrativismo de produtos no lenhosos de espcies nativas significativo, envolvendo dezenas de espcies, contribuindo para a obteno de alimentos e remdios, alm da gerao de renda atravs da comercializao. A extrao de lenha continua sendo de primordial importncia para a manuteno do sistema de produo, pela gerao de energia, para o

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preparo dos alimentos e para a produo de melado, rapadura e farinha, que so produtos significativos na gerao de renda destas famlias. Outra forma de extrativismo que ocorre nesta regio o da madeira, tanto de espcies nativas como de extensas reas de florestas plantadas, fruto das polticas de crescimento econmico da regio e para o fornecimento de carvo s siderrgicas do Vale do Ao. A atividade chegou a gerar muitos empregos desde a sua implantao no anos 1960 at o incio da dcada de 1980, mas, com o avano tecnolgico, o melhoramento das florestas plantadas e o menor uso, devido legislao vigente, da vegetao do Cerrado para fins de carvoaria, a demanda por mo-de-obra tem diminudo significativamente. Esta era uma das poucas alternativas de atividade assalariada nesta regio e, desta forma, os pequenos produtores que vendem seu trabalho fora do sistema de produo para manter suas famlias, o fazem em outras cidades e at mesmo em outros estados. Geralmente, vo trabalhar na colheita do caf em Patrocnio (MG) e no Sul de Minas, ou trabalhar em carvoarias para empresas reflorestadoras no estado do Mato Grosso. Ainda no que se refere vegetao nativa, diversas espcies de valor econmico, como as consideradas madeiras de lei que a legislao no permite o corte, so encontradas nas pastagens e fornecem sombra para o gado, alm de alimentos tanto para o gado como para a fauna nativa e consumo humano. Algumas destas plantas so o pequi, o baru e o jatob. Como pudemos observar, os recursos naturais influenciam diretamente e indiretamente na qualidade de vida da pequena produo familiar, o que pode ser compreendido de forma sistmica atravs da Figura 3.

AGRICULTURA FAMILIAR

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FIGURA 3 . Relao entre sistema de recursos naturais e pequena produo familiar no Cerrado do norte de Minas Gerais. FONTE: Gomes e Amncio. Homens, mulheres e crianas que compem este sistema de produo fazem tambm uma diferenciao das tipologias do Cerrado em funo do solo, topografia, vegetao e proximidade de gua, indicando os diferentes usos destes agroecossistemas. Como, por exemplo, os tabuleiros, que so reas de encostas usadas geralmente como pastagens, ou ainda o carrasco, uma espcie de chapada utilizada para o plantio de mandioca e coleta de plantas. Atravs da Tabela 3, tem-se uma viso global da utilizao do sistema agroecolgico da regio pela produo familiar e como a fava-danta insere-se neste sistema, sendo que ela ocorre tanto no tabuleiro como na chapada.

TABELA 3 . Descrio do sistema agroecolgico realizado atravs da tcnica caminhada transversal, Jequita- MG.Unidade de paisagem Caractersticas Margens de rios e crregos Terra com mais Tabuleiro Terra mais Chapada Terra de Serra Muita pedra e

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dos solos

matria orgnica

Uso agrcola

Considerada a melhor para a agricultura. Planta-se feijo, arroz e milho pereiro, jatobda- vazante, ip-roxo, angico, jequitib, peroba-rosa, pereiro-branco, pau- preto, moreira, tamboril, cedro

Espcies teis

Pode-se Sem informaes plantar mandioca, pois a terra d condies para a raiz se desenvolver pau-terra, batevaqueta, Sem informaes caixa, mangaba, mamoninha, burl, pacari, pau-fede, mandapu, fava-danta pan, pinhado-mato, pausanto, favadanta (favela), ing

massuda (argilosa), considerada melhor que a da chapada Boa para plantar mandioca e abbora. Existncia de capim bezerro e capim espeto

colorao clara, fraca, arenosa e cida

cascalho, presena de jazidas de quartzo

FONTE: Gomes e Amncio (1995).

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2.11 Extrativismo no Brasil A histria da colonizao brasileira, inclusive o nome do pas, relacionase explorao extrativista de uma rvore que os portugueses chamavam de pau-brasil (Caesalpinia echinata). At a expanso martima, a grande e crescente demanda europia por corantes e tintas havia sido satisfeita por uma madeira asitica do mesmo gnero (Caesalpinia), que era precariamente comercializada atravs do Oriente prximo. Assim, o pau-brasil, que j era um nome utilizado no comrcio, teve lugar garantido e altamente promissor neste mercado (Dean, 1996). De acordo com Ferreira (1993), a palavra extrativismo significa explorao dos recursos naturais renovveis. Segundo Homma (1993), o extrativismo entendido como forma primria de explorao econmica, no qual a coleta de produtos existentes na natureza apresenta baixa produtividade ou produtividade declinante, decorrente do custo de oportunidade do trabalho prximo do zero ou devido a sua extino com o decorrer do tempo. Desde a colonizao, o interesse econmico pelo extrativismo j podia ser observado nas coletas das chamadas drogas do serto, quando alguns missionrios que tiveram a misso de catequizar a populao nativa acabavam mostrando um interesse maior pela atividade econmica do que pela obra religiosa. Entre outras causas, tambm foi por iniciativa deles que os indgenas tornaram-se mo-de-obra empregada na coleta do cacau, salsa, cravo, canela, castanha, razes aromticas, madeira, etc. Estes produtos utilizados na alimentao, condimentao, farmacopia e construes encontravam tambm consumo certo no mercado europeu, habituado s especiarias do oriente (Coelho e Rolim, 1985). A mxima expresso do extrativismo no Brasil ocorreu no caso da borracha cau-chu, nome dado pelos indgenas rvore de onde se extraa o

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ltex e tambm chamada de seringa, que a espcie Hevea brasilienses da Amaznia, a que produzia a melhor qualidade de borracha do mundo. O

aproveitamento industrial da borracha na Europa e nos Estados Unidos fez com que, na Amaznia, todo o interesse convergisse para a extrao do ltex das hveas. As florestas sofreram a grande ofensiva dos extratores que atiravam-se contra elas de forma predatria e os rios, onde os seringais foram sendo formados, tiveram suas margens quase inteiramente ocupadas. Nessa poca, a borracha no somente foi responsvel pela importncia econmica que a regio amaznica assumiu na economia brasileira, como tambm pela sua projeo internacional. A produo brasileira, durante alguns anos da metade do sculo XIX, representou 61% da produo mundial, sem concorrentes fortes vista e sem acreditar na possibilidade de qualquer concorrncia internacional, pois julgava-se que a Amaznia era o habitat natural da seringueira. As condies de adaptao a outras regies do mundo eram consideradas improvveis (Coelho e Rolim, 1985). Contudo, a Inglaterra, que era o principal importador de borracha, levou mudas de Hevea brasiliensis da Amaznia para plantar nas colnias inglesas e holandesas na sia. Os resultados nos primeiros anos no foram os esperados, mas depois de algum tempo prosperou a ponto de dominar a produo mundial ( Coelho e Rolim, 1985 ). Tomando-se o exemplo da borracha da Amaznia, as exploraes extrativistas no Cerrado apresentam uma particularidade, sendo a principal rea de expanso agrcola do pas, alguns recursos naturais (flora e fauna) que apresentam valor scio-econmico para as populaes locais so eliminados para dar lugar ao estabelecimento de extensas reas agropecurias. Desta forma, torna-se cada vez menos possvel a explorao destes recursos (Figura 4). Segundo Gomes e Amncio (1995), so vrias as espcies intensamente utilizadas pelas comunidades de pequenos agricultores da regio, sendo que

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algumas extraes de ervas utilizadas por raizeiros, sucupira, coco azedo, etc, parecem manter um equilbrio entre a explorao e a regenerao. Outras so depredadoras, como a extrao de madeiras para carvo e posterior formao de pastagens ou culturas, ou ainda a extrao de frutos, que merece um estudo mais aprofundado sobre possveis efeitos predatrios. Enfim, os produtos explorados de forma extrativista no Brasil so muitos e abrangem borrachas, gomas no elsticas, ceras, fibras, oleaginosas, tanantes, alimentcias, aromticas, corantes, medicinais, txicas, madeira, caa, pesca, entre outras. No caso de alguns destes produtos, j evidencia-se o esgotamento das reservas existentes (Homma, 1993), caracterizando o impacto predatrio e desordenado da atividade extrativista.

FIGURA 4 . Ilustrao do extrativismo da fauna e da flora, bases para a manuteno da produo familiar do Cerrado. FONTE: Dados desta pesquisa.

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A fronteira de conhecimentos sobre o extrativismo de carter descritivo, dizendo respeito aos aspectos econmicos e sociais, irracionalidade do sistema, sua baixa produtividade e necessidade de sua racionalizao (Mendes, 1971), sendo que Homma fez um grande esforo em pesquisar o extrativismo sob a tica econmica. A economia extrativa tem seu incio com a descoberta do recurso natural que apresenta possibilidade de ganhos monetrios. Segundo o modelo de Homma, o crescimento do mercado e o processo tecnolgico fazem com que seja iniciada a domesticao desses recursos extrativos e numa etapa posterior, a ampliao do mercado e o desenvolvimento tecnolgico levam busca e, criao de substitutos sintticos (Figura 5). Algumas vezes ocorre a quebra de uma dessa fases, como foi o caso da madeira conhecida como pau-rosa, que passou diretamente do extrativismo para a fabricao do sinttico (Homma, 1993).

RECURSO NATURAL

EXTRATIVISMO

DOMESTICAO

SINTTICO

FIGURA 5. Possveis formas de utilizao do recurso natural depois de sua transformao em recurso econmico. FONTE: Homma, 1993.

Como todo modelo terico tem seus limites, este no pode ser aplicado a todos os casos, pois entre outras variaes, existiram produtos

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oriundos do extrativismo que nem levaram extino da espcie, nem geraram derivados sintticos, pelo simples fato do interesse por eles se reduzir a ponto de sair do espao considerado econmico. Contudo, no caso da fava-danta, o modelo contribui na compreenso deste fenmeno mesmo que no possa ser quantificado neste trabalho (e no seu objetivo), qual a correlao exata entre fato e teoria.

2.11.1 Classificao do processo extrativista Segundo Homma (1993), os processos extrativistas na Amaznia, quanto a sua forma de explorao, podem ser classificados em dois grandes grupos: 1- extrativismo por aniquilamento ou depredao do recurso econmico, que implicaria na sua extino quando a velocidade de regenerao for inferior velocidade de explorao extrativa; 2- extrativismo de coleta, que fundamenta-se na coleta de produtos extrativos produzidos por determinada planta ou animal, sendo comum neste caso forar a obteno de uma produtividade imediata que levaria sua aniquilao a mdio e longo prazo. No caso em que a velocidade de extrao for igual velocidade de recuperao, o extrativismo permanecer em equilbrio.

2.11.2 Fases que caracterizam a evoluo da extrao de recursos vegetais Tomando como exemplo os recursos vegetais da regio Amaznica, Homma (1993) caracteriza a evoluo da extrao em quatro fases (Figura 6): 1. Fase de Expanso, na qual observa-se franco crescimento da extrao; 2. Fase de Estabilizao, que representa um equilbrio entre a oferta e a demanda, perto da capacidade mxima de extrao; nesta fase os extratores fazem todo o esforo para manter a produo atingida, a despeito da elevao

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dos custos unitrios, para atender aos compromissos do mercado criado. Dada a incapacidade do setor de aumentar a produo para atender o crescimento da demanda, os preos dos produtos tendem a elevar-se, caso a demanda tambm se eleve ou, pelo menos, se mantenha; 3. Fase de Declnio, causada pela reduo de recursos e pelos aumentos nos custos de extrao, leva queda paulatina de sua extrao. 4. Fase de Plantio Domesticado, que comea a se esboar durante a fase de estabilizao, desde que as disponibilidades tecnolgicas para a domesticao e a existncia de preos favorveis criem condies para o plantio.

Produo Fase de Fase de declnio Fase de expanso estabilizao

Fase de plantio racional

Tempo _ _ _ _ Processo de domesticao FIGURA 6. Ciclo do extrativismo vegetal. FONTE: Homma, 1993

2.12 Domesticao e/ou manejo de recursos extrativos? Segundo Acarini (1987), a domesticao dos recursos extrativos teve seu incio no perodo histrico neoltico, h cerca de dez mil anos. Desde essa poca, estima-se que das 300 mil espcies vegetais existentes na Terra, cerca de trs mil, encontradas primitivamente na natureza, foram progressivamente

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selecionadas, adaptadas e cultivadas. Dessas, apenas cem espcies so cultivadas em larga escala e apoiam a produo rural. Os amerndios, muito antes da conquista dos colonizadores, j haviam desenvolvido grandes capacidades agronmicas, tendo cultivado e domesticado diversas espcies. Um exemplo o milho (Zea mays), que comeou a ser domesticado cerca de 5.000 anos antes de Cristo no vale de Tehuacn (Mxico). Outras plantas de grande difuso na Amrica so os tubrculos, que contm grande parte de hidratos de carbono, como a batata-doce (Ipomea batatas) e o inhame (Dioscorea trifida) (Chonchol, 1994). Hoje, no Brasil e em outras reas tropicais, o processo de domesticao constitui fenmeno em curso. As razes que levam ao plantio domesticado apresentam caractersticas peculiares para cada produto extrativo, dentre as quais podemos enumerar: polticas governamentais que permitam a sua expanso em grande escala (por exemplo, a seringueira); aumento da demanda, como ocorreu com o guaran e a malva e a extrema inelasticidade da oferta extrativa que tende a decrescer pela depredao das fontes produtivas (Homma, 1993). No Cerrado, a domesticao de espcies nativas pode ser entendida como uma alternativa econmica vivel para os pequenos produtores, pois aumentaria a produo daquelas que j apresentam um mercado garantido, contribuindo, de certa forma, para o desenvolvimento sustentvel da regio, j que so ecologicamente compatveis com as caractersticas peculiares deste bioma. O manejo sustentado do Cerrado poderia ser uma outra forma de aproveitamento dos recursos naturais existentes sem ter que elimin-los para abrir espao s culturas ditas modernas. Este tipo de manejo tem como premissa bsica o controle sobre o processo procurando atender s necessidades sociais e econmicas, mas visa, sobretudo, a manuteno do ambiente para a continuidade de sua utilizao. Apresenta, como vantagem direta, a possibilidade de obteno continuada dos

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produtos (madeira, lenha, substncias medicinais, plantas ornamentais, alimentos, fauna etc.), trazendo benefcios ao manejador e ao setor industrial. Assim, alia os benefcios da manuteno da cobertura florestal s vantagens econmicas de sua explorao (Reis, 1996). Almeida Lima (1997), em seu estudo sobre o desenvolvimento de um modelo para manejo do Cerrado, afirma que a prtica do manejo florestal, utilizando-se o conceito de floresta balanceada, vem de encontro s necessidades dos pequenos produtores, possibilitando aumentar sua renda. Neste tipo de manejo, cada espcie analisada em particular dentro de cada classe diamtrica, permitindo escolher os objetivos que se deseja atingir (lenha, carvo, serraria, medicinal, frutferas). Segundo as informaes coletadas durante a presente pesquisa, as experincias de explorao extrativista dos frutos de vrias plantas do Cerrado evidenciam a falta de um manejo adequado, seja na conservao ou na explorao racional, para fins de suprir um mercado em expanso. Para Anderson (1989), as economias extrativas so notoriamente instveis e sujeitas a rupturas devido ao deslocamento competitivo do sistema de produo. Na Amaznia brasileira, dos 15 produtos de extrao vegetal mais importantes sobre os quais existem dados relativos aos anos entre 1974 e 1986, somente quatro tiveram aumento de produo. O fato que a viabilidade econmica, quando se trata das reservas extrativistas, marginal. Alm do mais, sem uma estrutura econmica e social forte, as atividades extrativistas podem -e frequentemente so - substitudas por outras formas de uso da terra, como a agricultura itinerante ou a pecuria. Nestas regies, os Sistemas Agroflorestais representam uma opo modelo de uso da terra conciliado s reservas extrativistas. O Cerrado, que est diminuindo de tamanho a cada ano devido a eliminao da vegetao nativa para dar lugar ao estabelecimento de

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monoculturas e reas de pastagens, pode ter como alternativa vivel a difuso dos Sistemas Agroflorestais, que podero contribuir para a proteo deste bioma. Sendo ou no os Sistemas Agroflorestais o melhor meio para o manejo dos solos e dos recursos do Cerrado pela produo familiar, o fato que a procura por modelos de uso da terra deveria fazer parte de um amplo programa de desenvolvimento que tenha o objetivo de melhorar as condies scioeconmicas de populaes ex