feminismo, operaísmo e autonomia italianos na década de 70

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Feminismo, operaísmo e autonomia italianos na década de 70 Patrick Cuninghame

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Patrick Cuninghame

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Feminismo, operaísmo e autonomia italianos na década de 70 Patrick Cuninghame

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Tradução pelo colectivo Book Bloc Feminista. O Book Bloc do RDA69 é um grupo de leitura informal

que reúne algumas vezes por mês e se debruça sobre vários textos pertinentes para a análise dos

tempos que correm.

http://bookbloc-feminista.tumblr.com/

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Feminismo, operaísmo e autonomia italianos nos anos 70

Um dos principais expoentes da autonomia tem sido o movimento feminista, cujas necessidades haviam sido historicamente adiadas pelo «partido revolucionário» até após a conquista do poder do Estado e o estabelecimento do socialismo, tendo a questão de género sido firmemente subordinada à da classe. Os movimentos feministas em particular tenderam a ser autónomos, considerando que as mulheres enquanto categoria social têm sofrido a opressão patriarcal em todas as suas relações sociais, incluindo dentro de partidos políticos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais e pelos próprios revolucionários. Estavam entre os primeiros em Itália e não só, após a experiência importante mas, no final, profundamente ambígua dos movimentos de 68, a desenvolver uma crítica fundamental das formas e práticas políticas da «Nova Esquerda», que, na prática, se não na teoria, minimizava as necessidades e as diferenças das mulheres, subordinando-as às exigências da luta de classes, de forma semelhante às organizações da antiga Esquerda Institucional. Esta crítica levou muitas mulheres a deixarem partidos ou grupos pertencentes à «Nova Esquerda» no início dos anos setenta para formarem as primeiras organizações feministas auto-organizadas, provocando assim, juntamente com o questionar da participação na «luta armada»1, a sua crise. Tal levou à dissolução e à criação, dos fragmentos restantes, da Autonomia, um movimento social radicalmente anti-capitalista, influenciado pela crítica feminista aos métodos organizacionais, mas no qual relativamente poucas feministas participaram.

O Operaismo (operaísmo), originalmente uma tendência dentro do sindicalismo e dos partidos integrantes da esquerda institucional, também influenciou profundamente o movimento feminista italiano, especialmente através do trabalho teórico e político de Mariarosa Dalla Costa e Leopoldina Fortunati e outras mulheres de Lotta Feminista (Luta Feminista). Esta organização fez campanha por um salário para o trabalho doméstico, dada a sua importância estratégica para a economia capitalista através da reprodução da próxima geração de trabalhadores e dos cuidados da geração actual, sem custo directo para o estado ou o capital. Ou como as autoras do panfleto “Novo Movimento Feminista” explicaram:

[...] e todo esse trabalho que a mulher faz, uma média de 99,6 horas semanais, sem a possibilidade de greves, nem absentismo, nem de fazer quaisquer exigências, é feito gratuitamente.2

Esta campanha, que rapidamente se espalhou pela Europa e América do Norte, resultou no aparecimento de um dos primeiros movimentos sociais transnacionais, Salários Para o Trabalho Doméstico3, encetando uma crítica do estado-social como protector e guardião da divisão sexual do trabalho e da reprodução da força de trabalho. Tal resultou na criação,

1 Prefiro não usar o termo «terrorismo», o qual é profundamente subjectivo e politizado, para não dizer demonizado, particularmente após os acontecimentos do 11 de setembro de 2001 e as subsequentes invasões do Afeganistão e do Iraque pelos EUA e aliados. 2

Vários autores, «Nuovo Movimento Femminista», Maio 1973. Movimento Femminista: Documenti Autonomi

[website]: http://www.nelvento.net/archivio/68/femm/nuovo.htm; acedido a 9 Janeiro de 2009. 3 «Salários Para o Trabalho Doméstico foi o nome adoptado pela parte da Lotta Feminista que queria lançar especificamente iniciativas para salários para o trabalho doméstico, a qual cresceu continuamente tendo a sua primeira grande manifestação em Mestre nos dias 8, 9 e 10 de março de 1974, embora já em 1973 o Comité Triveneto de STD tenha começado a agir autonomamente enquanto a Lotta Feminista ainda se encontrava activa. (Ver Collettivo Internazionale Femminista (ed. por), 8 Março 1974, Marselha, Veneza-Pádua, 1975» (de Dalla Costa, Mariarosa, mensagem de e-mail, 4 de dezembro de 2008).

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juntamente com outros grupos feministas ― então no processo de desmobilização após um ciclo de enormes protestos públicos e manifestações em meados dos anos 70 pelo direito ao divórcio e aborto ― de serviços sociais alternativos, nomeadamente nos domínios da saúde, controlo de natalidade, aborto e prevenção da violência doméstica. Desde a crise destes movimentos na década de oitenta, as feministas têm realizado muita pesquisa e análise teórica, frequentemente em meios académicos, sobre o estatuto social das mulheres e as suas lutas dentro do capitalismo pós-keynesiano, fazendo análises comparativas com as condições e formas de luta dos movimentos indígenas contemporâneos, ambientalistas e contra a guerra.

A relativa ausência de uma «memória feminina» da Autonomia enquanto movimento social reflete uma tendência histórica em todas as sociedades para que essa voz seja silenciada ou ignorada, alienada ou tão só aglutinada (ao longo de linhas de classe social) com o discurso masculino, inclusive dentro da esquerda autónoma ou libertária. As metodologias feministas geralmente criticam o mito do «desinteresse académico», apresentando a pesquisa social como um processo de diálogo no qual, necessariamente, as experiências passadas do/a investigador/a motivam e afectam tanto quanto as do/a pesquisado/a4. Ao aceitar essas considerações metodológicas e no intuito de delinear o desenvolvimento histórico do feminismo italiano durante a década de 1970, este ensaio tentará identificar e discutir algumas das principais diferenças entre o feminismo operaísta italiano e o feminismo liberal, socialista e separatista, nomeadamente sobre as questões do trabalho reprodutivo e o papel do trabalho remunerado fora de casa na promoção (ou não) da independência económica e na emancipação social das mulheres. Primeiramente, delineará o surgimento das duas principais organizações feministas operaístas, Lotta Feminista e Salários Para o Trabalho Doméstico, em torno das questões de trabalho doméstico e reprodutivo não remunerado e da utilização capitalista da violência física e sexual contra as mulheres. Em segundo lugar, alguns dos problemas ligados às relações entre o feminismo e o movimento social Autonomia será explorado. O artigo termina debruçando-se sobre a continuidade entre o feminismo de influência operaísta, quando comparado com outros feminismos italianos.

Relações entre o feminismo e Autonomia

Enquanto o activismo das militantes feministas estava cada vez mais exigente para a sua saúde e vida privada, a situação para aquelas que decidiram manter um pé no movimento feminista e outro nas organizações da «Nova Esquerda» e nos movimentos sociais através de uma exasperante «dupla militância» fez as suas próprias exigências. Entretanto, as relações entre o movimento feminista (incluindo os grupos que gravitavam à volta de Potere Operaio e do Operaismo) e a Autonomia foram tão tensas quanto tinham sido com os grupos da «Nova Esquerda».

Colectivos de mulheres autonomistas foram críticos do perpetuar de algumas formas desacreditadas de prática política herdadas dos grupos da «Nova Esquerda» por parte da Autonomia, particularmente uma predisposição machista para o uso da violência (às vezes

4 May, Tim, Social Research, Issues, Methods and Process, Buckingham, Open University Press, 1997.

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armada), embora o feminismo em si fosse de modo algum sinónimo de pacifismo5. Por outro lado, algumas mulheres operaístas e autonomistas foram acusadas de serem revolucionárias marxistas tradicionais pelo feminismo «de consciências», encontrando-se muitas vezes isoladas do resto do movimento feminista.

Estas mulheres contribuíram para o debate sobre violência e subjetividade, tanto no interior do feminismo como da Autonomia, sustendo a posição que a «violência [entendida como auto-afirmação agressiva como antídoto para representações patriarcais de passividade feminina e subordinação] pode ser uma base para a subjetividade»6. As principais áreas de intervenção do coletivo feminino de Lotta Continua foram a fábrica e a prática da recusa do trabalho, juntamente com os problemas de discriminação no local de trabalho, trabalho sem contrato (lavoro nero), prisões, violência sexual e o machismo dentro do movimento em geral e as lutas em torno do corpo e da saúde. Foram assim levadas a cabo acções em hospitais, debruçando-se sobre a relação desigual médico-paciente e a denúncia de centros médicos que se recusavam a realizar abortos e contra o serviço de saúde em geral que vitimizava as mulheres e não satisfazia as suas necessidades de saúde particulares. Outra área de intervenção for o «internacionalismo solidário ao invés de solidariedade», que se baseia na prática feminista de «a partir de si mesma». Estavam também em contacto com feministas radicais separatistas, que usavam a psicanálise como forma de consciencialização, as quais eram próximas do Partido Radical7, embora as relações com o movimento feminista mais alargado, com a sua ênfase na esfera privada, consciencialização e não-violência, fossem conflituosos. Uma das raras acções comuns, que visava denunciar o impacto negativo da Igreja Católica no controlo da mulher sobre o seu próprio corpo e vida, foi a ocupação em 1975 do Duomo, a principal catedral da cidade e símbolo da sua identidade oficial. Outras acções foram levadas a cabo para contestar os estereótipos das mulheres na sociedade capitalista patriarcal como passivos objetos sexuais de consumo, inclusive contra lojas de vestidos de noiva e agências de encontros amorosos. Também participaram na «Universidade de Mulheres Livres» de Lea Melandrí8, na qual donas de casa e intelectuais se debruçavam de uma forma interclassista sobre a representação das mulheres na sociedade capitalista. O intercâmbio entre Rosso e o feminismo radical produziu ainda duas revistas, Malafemmina e Noi Testarde [Nós teimosas], tornando a «política do pessoal» e o

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Entre os cerca de 200 grupos armados que proliferaram durante a «segunda vaga» do conflito armado na

década de setenta, houve também várias organizações feministas que levaram a cabo actos de violência contra fábricas onde eram exploradas maioritariamente mulheres trabalhadoras e contra médicos que, afirmando ser «objectores de consciência», se recusavam a realizar abortos no sector público enquanto os executavam nas suas clínicas privadas. Ver Ruggiero, Vincenzo, «Sentenced to Normality, The Italian Political Refugees in Paris», Crime, Law and Social Change, n. 19, 1993, pp. 33-50. 6 Entrevista semiestruturada com Laura Corradi. Durban, África do Sul, 27 de julho de 2006. 7 Uma cisão de cariz libertário do Partido Liberal Italiano e um dos poucos partidos parlamentares que se opunha às leis de emergência, detenções em massa e aumento drástico do abuso dos direitos humanos, entre 1979 e 1983. Uma mulher membro deste partido, Giogiana Masi, foi baleada em Roma em maio de 1977 por polícias disfarçados de militantes autonomistas durante um protesto pacífico contra a decisão do governo de proibir todas as marchas durante três meses. 8 Uma das mais importantes intelectuais feministas, co-fundadora na década de 1960 da revista contra-cultural L'Erba Voglio e autora de L’Infamia Originaria.

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questionar dos papéis de género parte da identidade coletiva da Autonomia, embora o conflito com a posição da centralidade dos trabalhadores na Autonomia fosse permanente9.

Del Re, feminista e antiga membro de Potere Operario, cuja prática teórica e política levou a discordar de Mariarosa Dalla Costa e do movimento Salários Para o Trabalho Doméstico apesar das suas raízes comuns no operaísmo, não se juntou à Autonomia mas aceita que o seu activismo autónomo a levou a uma posição convergente. Aqui, ela contorna a questão delicada da «dupla militância» ao considerar a posição fortemente contraditória das feministas dentro do PCI10:

[Esta] é uma questão difícil porque divide pertenças: por exemplo, conheci mulheres activas em grupos políticos extra-parlamentares que eram, também, feministas e que se confrontavam com decisões dramáticas, porque o feminismo forçava as mulheres a tomarem decisões pessoais dramáticas. Muitas vezes o inimigo encontrava-se dentro de casa: se a mulher conquistasse um tipo de autonomia pessoal e, ao mesmo tempo, mantivesse relações com amantes, amigos, maridos, pais e homens da Esquerda com quem partilhasse muitas das ideias de mudança de sociedade, ela iria sentir um grande desconforto. […]Era um assunto bastante complexo ligado a uma identidade muito pessoal e a uma escolha de vida; nem sempre era possível deixar o marido de fora porque algumas das suas posições estavam certas, mesmo que alguns casamentos falhassem. As decisões eram tão drásticas e violentas que consigo compreender porque é que algumas eram feministas escondidas embora camaradas publicamente. Dentro [do PCI] as coisas tornavam-se mais complicadas já que algumas mulheres sempre [o] consideraram como uma espécie de pai benevolente que, de certa forma, teria aceite as exigências das suas «pequenas» mas, apesar disso, não havia em Itália qualquer partido que tomasse as questões dos grupos feministas como suas, pelo menos até ao final dos anos 70. A militância [dentro do PCI] era, em grande medida, uma questão de tradição familiar; conheci muitas famílias (mães, avós e filhas) que eram membros do PCI, e era dilacerante, já que era uma afectividade histórica difícil de quebrar. O UDI11 era ferozmente hostil dentro dos movimentos feministas e pelo divórcio. O UDI desvinculou-se do Partido Comunista quando, em 1976, o PCI recusou aos seus membros a possibilidade destes protestarem nas ruas a favor do direito ao aborto após o caso de Seveso (o caso da dioxina e de mulheres grávidas que queriam realizar abortos por temerem dar à luz monstros). À época da saída do UDI do PCI, muitas militantes deixaram o partido para se juntarem a movimentos feministas12.

Uma perspectiva diferente sobre o activismo feminino é dado por uma fonte de Milão que era membro da Lotta Continua [LC], antes de se juntar à Autonomia no final dos anos 70, tendo-se tornado feminista apenas nos anos 80. Ela conta como foi agredida, primeiro pelo pai, que se opunha ao seu activismo político e, depois, pelo seu companheiro, também ele membro da LC, tendo-se sentido pressionada a negar pela atitude de uma outra mulher militante:

Juntei-me [à LC] quando tinha 14, porque pareciam ser o grupo de Esquerda mais animado […] o meu pai era violento e batia-me regularmente, para «proteger-me» daquilo que considerava ser a «actividade política perigosa», pelo que tive de fugir de casa quando tinha 16. […] Também era

9 As informações neste parágrafo baseiam-se numa entrevista semiestruturada em italiano com três mulheres envolvidas na Autonomia, Milão, agosto de 1998 e um artigo de Rosso (14 de fevereiro de 1976, p. 9). 10 Partido Comunista Italiano 11 Unione Donne Italiane (União de mulheres italianas) 12 Entrevista com Alisa Del Re – 26 de Julho, 2000, Hwiki Political [web site]: http://hwi.ath.cx/twiki/bin/view/Political/ALISADELRE26LUGLIO2000.

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espancada várias vezes pelo meu namorado, que também estava na LC, no «serviço de ordem»13, a fazer coisas perigosas. Mais tarde bateu noutra mulher e teve de ir para a terapia […] Ele foi protegido por várias mulheres que eu conhecia, incluindo a minha melhor amiga, uma mulher que tinha estado envolvida na luta armada na Argentina e que me disse, quando lhe pedi ajuda depois de ter sido espancada: «Bem, caíste pelas escadas, não foi?» Todos nós o protegemos da polícia ao dizer que eu tinha tido um acidente de viação para que ele não se metesse em problemas […] Nem todos os homens na luta armada eram heróis, alguns eram gente pequena […] Nesse momento [apesar do ataque à Marcha das Mulheres em Roma, em 1975] eu não queria que as mulheres partissem a organização […] algumas de nós pintámos numa parede «Uomo donna uniti nella lotta»14 […] Em geral, as mulheres na LC diziam que esta não se devia deitar abaixo por questões feministas15.

Sobre a identidade específica das mulheres que escolheram estar na Autonomia em vez de militarem nos movimentos feministas, a mesma fonte fala do caso das mulheres autonomistas em Bergamo, norte de Itália, nos anos 70:

O movimento era diferente em cada cidade e tinha a sua identidade peculiar […] em Bergamo tinha uma caracterização fortemente anti-Estado […] nunca aceitaram fundos do Estado para financiar as suas clínicas auto-gestionadas […] isto ainda hoje existe graças às mulheres da Autonomia […] elas auto-financiavam-se […] a liderança está ainda nas mesmas pessoas […] caracterizavam-se pela preocupação pela saúde feminina e por um forte antagonismo contra o Estado […] noutras cidades estavam mais preocupados em fechar os cinemas pornográficos […] Vinham da luta contra as violações [e] organizavam cursos de defesa-pessoal […] mais tarde tornaram-se uma vanguarda armada contra a pornografia e o proxenetismo […] não praticavam luta armada como um fim, mas usavam a acção directa violenta contra cinemas pornográficos, partiam janelas, etc […] outros grupos usavam métodos de luta mais violentos, acima de tudo aqueles que lutavam contra o Lavoro Nero16[…] eles incendiaram vários locais de trabalho clandestino, mas não estavam armados […] estas acções eram levadas a cabo, exclusivamente, por mulheres, nenhum homem estava presente17.

Relativamente às relações entre mulheres da Autonomia e os restantes movimentos feministas, a mesma fonte declarou:

A ala moderada [dentro dos movimentos feministas] era predominante […] e era composta por uma

série de diferentes grupos […] [eles] não estavam dentro das questões de classe […] os mais radicais,

o Movimento per la Liberazione della Donna18 não eram separatistas e não tinham em consideração,

de forma alguma, as questões de classe […] e era um movimento bastante grande […] eles pensavam

que nós [mulheres autonomistas] éramos muito submissas e estavam certas, éramos. Nós éramos

muito novas […] descobri o feminismo muito mais tarde […] ia a manifestações feministas pela

contracepção e contra a exploração das mulheres nas fábricas, mas não tinha uma consciência

feminista até muito mais tarde […] naquela altura tinha uma forte consciência de classe […] pensava

que as feministas estavam a dividir o movimento […] foi por isso que o LC e a Autonomia Operaria

13 Organização interna de auto-defesa, responsável por proteger as manifestações dos ataques da polícia e dos neo-fascistas mas, também, por vezes, de alguns grupos rivais de Esquerda. 14 «O homem e a mulher, unidos na luta.» 15 Entrevista semiestruturada com uma fonte de Milão. 16 Pequenas fábricas ilegais características do modo pós-fordista de produção descentralizado, que se tornou cada vez mais difundido na Itália desde meados dos anos setenta em diante, empregando principalmente jovens adultos não-sindicalizados. 17 Entrevista semiestruturada com uma fonte de Milão. 18 Movimento pela Libertação da Mulher.

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atacaram a Marcha das Mulheres em Roma, em dezembro 7519, porque era vista como uma força

divisionista.20

Conclusão

O feminismo, operaísmo e autonomismo italianos combinaram-se breve e

problematicamente nos anos 70 à volta de temas como o trabalho reprodutivo não

remunerado e a violência sexual e física. Desde 1990 que as mulheres ex-operaístas e

autónomas seguiram caminhos diferentes: Mariarosa Dalla Costa continuou a sua

investigação numa perspectiva ecofeminista, dando particular enfase aos movimentos de

camponeses e pescadores pela soberania alimentar; Giovanna F. Dalla Costa investiga agora

as experiências de microcréditos em diferentes países; Leopoldina Fortunati tornou-se uma

especialista de renome em teoria da comunicação; Laura Corradi tornou-se académica e está

envolvida no movimento ecofeminista global; já Alisa del Re tem sido uma conselheira local

para o partido I Verdi (Os Verdes) em Pádua.

Ao colocar, desde a década de 70, a questão do trabalho doméstico não remunerado no

centro das discussões tanto dos movimentos feministas mais alargados como dos

movimentos sociais autónomos, a corrente feminista italiana que foi fortemente

influenciada pelo operaísmo, enquanto manteve sempre distância de noções como

«centralidade de trabalhadores», identificou e fez campanha em torno de uma questão que

ainda hoje permanece por resolver mas que levou a importantes desenvolvimentos teóricos

e políticos, como a teoria do trabalho afectivo e a «Rede Internacional de Renda Básica»

enquanto solução «de base» para o desaparecimento gradual de Estado Social sob o

capitalismo neoliberal. Um recente avanço importante para o movimento WfH21 foi a

decisão do governo regional de Veneto, no nordeste italiano, de pagar o «trabalho de

cuidado» feito em casa, e que torna esta a primeira vez que tal trabalho é formalmente

reconhecido e pago enquanto um serviço social.22

Finalmente, para sintetizar as diferenças entre o feminismo de influência operaísta das

outras formas de feminismo presentes nos movimentos de mulheres na década de 70,

podemos dizer que o primeiro difere do feminismo liberal ao rejeitar exigências por

«igualdade» e «emancipação», não apenas como um obscurecimento das diferenças entre

mulheres e homens mas, acima de tudo, uma mistificação da relação de classe entre

homens remunerados e mulheres – trabalhadoras domésticas – não remuneradas. O 19 «Numa grande manifestação que exigia o direito ao aborto, a primeira expressão visível de uma cisão que já era uma prática política desde há vários anos, a 6 de dezembro de 1975, um expoente da Nova Esquerda recebeu uma bofetada por ter tentado forçar seu caminho através do servizio d'ordine que impedia a admissão de homens na manifestação. Este foi o primeiro símbolo mediatizado de um litígio não resolvido dentro da Nova Esquerda, e das dificuldades da esquerda, velha e nova, em gerir o que já não podia ser apresentado como apenas mais uma variável da contradição principal entre capital e trabalho» (Ballestrini Morôni, Op. cit., p. 499). 20 Entrevista semiestruturada com uma fonte de Milão. 21

Salários para o Trabalho Doméstico

22 Ver www.nodo50.org/redrentabasica/english/index.htm.

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principal desacordo entre feministas operaístas e feministas socialistas deu-se na questão do

emprego «fora» (não doméstico) enquanto forma de emancipação feminina e de

independência económica. Para a Lotta Feminista e Salários Para o Trabalho Doméstico, a

exploração generalizada de trabalho mal pago fora de casa não é uma solução para a

exploração da mulher dentro de casa.23

Enquanto a rede italiana de WfH concordava com o feminismo separatista na exclusão dos

homens das organizações e encontros feministas (excepto enquanto amas para as crianças),

a rede inglesa onde Selma James era uma figura proeminente permitia, eventualmente, que

os homens se tornassem membros da rede Payday, apesar de, à época, as duas redes se

terem cindido, a rede italiana dissolveu-se devido aos efeitos do aumento da repressão dos

movimentos sociais entre 1978 e 1983.24 Quanto a dúvidas sobre a relevância continuada do

feminismo operaísta e a campanha da WFH, desde 2001 que estão entre os organizadores da

Greve Mundial das Mulheres com a sua exigência de «reconhecimento e pagamento por

todo o trabalho de cuidar bem como o retorno para a comunidade dos gastos militares,

começando pelas mulheres, as principais responsáveis pelos cuidados», como uma resposta

ao terrorismo e guerra da dominação masculina.25

23

Dalla Costa, Mariarosa, «Autonomia della donna e retribuzione del lavoro di cura delle nuove emergenze »,

Foedus, No. 19, 2007.

24 Payday é uma rede de homens que se organizam na campanha de Salários Para o Trabalho Doméstico à volta

de temas como o trabalho doméstico não remunerado, cuidado das crianças, etc:

www.globalwomenstrike.net/English/menjoinwomen.htm.

25 Ver www.globalwomenstrike.net