filosofia da tradução _ tradução de filosofia_ o princípio da intraduzibilidade

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FILOSOFIA DA TRADUÇÃO — TRADUÇÃO DE FILOSOFIA: O PRINCÍPIO DA INTRADUZIBILIDADE Márcio Seligmann UNICAMP O estilo da Filosofia Talvez o fato de eu estar apresentando esse trabalho sobre a rela- ção entre a filosofia e a tradução numa mesa dedicada à Tradução Literária 1 gere espécie entre alguns dos participantes deste encon- tro. Talvez alguns tenham até se perguntado não só por que tratar de filosofia numa mesa dedicada à “Literatura”, mas também por- que uma contribuição que verse sobre a “filosofia da tradução”. A resposta a estas hipotéticas questões esclarecem, na verdade, al- guns pontos básicos tanto da visão de literatura — e consequentemente de filosofia — como também da concepção de tradução que procurarei defender aqui. À primeira objeção eu responderia recorrendo a uma determinada tradição, para a qual o texto filosófico não se deixa separar do que costumamos compreender sob a rubrica de “Literatura”. Aristóteles, como é sabido, procurou na sua Arte Poética um denominador comum que abarcasse “aos mimos de Sófron e Xenarco ao mesmo tempo que aos diálogos socráticos e às obras de quem realiza a imitação por meio de trímetros, dísticos elegíacos ou versos semelhantes” (Aristóteles 1988: 19 s.). Aristóteles, como é sabido,

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Filosofia Da Tradução _ Tradução de Filosofia_ o Princípio Da Intraduzibilidade

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  • Filosofia da traduo: Traduo de filosofia... 11

    FILOSOFIA DA TRADUO TRADUO DEFILOSOFIA: O PRINCPIO DA INTRADUZIBILIDADE

    Mrcio SeligmannUNICAMP

    O estilo da Filosofia

    Talvez o fato de eu estar apresentando esse trabalho sobre a rela-o entre a filosofia e a traduo numa mesa dedicada TraduoLiterria1 gere espcie entre alguns dos participantes deste encon-tro. Talvez alguns tenham at se perguntado no s por que tratarde filosofia numa mesa dedicada Literatura, mas tambm por-que uma contribuio que verse sobre a filosofia da traduo. Aresposta a estas hipotticas questes esclarecem, na verdade, al-guns pontos bsicos tanto da viso de literatura econsequentemente de filosofia como tambm da concepo detraduo que procurarei defender aqui.

    primeira objeo eu responderia recorrendo a uma determinadatradio, para a qual o texto filosfico no se deixa separar do quecostumamos compreender sob a rubrica de Literatura. Aristteles,como sabido, procurou na sua Arte Potica um denominadorcomum que abarcasse aos mimos de Sfron e Xenarco ao mesmotempo que aos dilogos socrticos e s obras de quem realiza aimitao por meio de trmetros, dsticos elegacos ou versossemelhantes (Aristteles 1988: 19 s.). Aristteles, como sabido,

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    descarta a versificao como um critrio para se estabelecer o que um poema. A poesia didtica que constitui um gnero central naliteratura antiga mina qualquer tentativa formalista de tipologia(Fabian 1968). Na verdade, na Antigidade greco-romana houveuma expanso gradual do domnio do discurso epideitico que acabouapagando no apenas a distino entre os diversos gneros da oratriamas tambm entre esta e a poesia. No tratado Sobre o sublime,atribudo a Longino, escrito no primeiro sculo d.C., o autor sepergunta se teria sido Herdoto o nico grande imitador deHomero e ele mesmo responde afirmando que mais do que todosfoi Plato quem dirigiu para si inmeros regos derivados da fontehomrica (13,3). No caberia aqui traar as origens da divisoestanque entre o discurso filosfico (da verdade) e o da literatura(da fico). Mencionarei apenas alguns autores que procuraramresistir a essa diviso. Os romnticos alemes, dentre os quaisdestacaria sobretudo Friedrich Schlegel que era fillogo deformao, retomaram a tradio clssica da indeterminao dosgneros. Assim, lemos nos seus fragmentos da Athenum: Ofilsofo poetizante, o poeta filosofante um profeta. O poemadidtico deveria ser proftico e possui talento para assim tornar-se(Schlegel 1967: 207). E ainda: Tambm a filosofia o resultadode duas foras conflitantes, a poesia e a prtica. Onde ambas seinterpenetram totalmente e se fundem numa, a surge a filosofia(Schlegel 1967: 216). Schlegel era guiado pelo princpio segundo oqual : No existe nenhuma poesia ou filosofia totalmente puras(Schlegel 1963: 24); e ainda, para ele: Toda prosa potica(Schlegel 1981: 89). Deste modo ele se contraps retrica e potica do sculo XVIII, marcadas pela concepo p.ex. de umGottsched, que distinguia de modo ainda rgido a poesia da prosa evia no romance prosaico um subgnero de pouca importncia.2

    Schlegel e Novalis possuem inmeras anlises do estilo das obrasde Fichte, do filsofo holands Hemsterhuis, assim como de Hegel.3

    Tambm no nosso sculo, vrios pensadores colocaram em questoa separao entre a filosofia e a literatura. Eu recordaria aqui o

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    nome de Walter Benjamin com a sua Einbahnstrasse, com o seuPassagen-Werk; assim como os fragmentos, ensaios e dilogos dePaul Valry e mesmo a obra de Ludwig Wittgenstein que pe emquesto, no apenas tematicamente mas j na sua forma mesma, aviso tradicional da filosofia e a pretenso sistematizadora da mesma.Mais prximo de ns, Derrida desde o seu Glas apresentou diversasobras que, como ele mesmo afirma, esto na contramo do discursofilosfico. Ele nega de modo explcito a possibilidade de umalinguagem filosfica como meta-linguagem formalizvel, constativae objetiva. Os defensores da filosofia como construo de umdiscurso objetivo crem na possibilidade de eliminar a ambigidadeda linguagem e num modelo lingstico que reduz a linguagem aum sistema de signos que se limitam a denotar objetos: elesacreditam, em suma, na possibilidade de uma traduo integralentre as diversas lnguas.

    Filosofia da Traduo

    Com isso entro na resposta segunda hipottica questo e na pri-meira parte propriamente dita da minha exposio: por que filoso-fia da traduo? No se trata de desenvolver aqui uma filosofia apartir do trabalho ou ofcio da traduo: o que eu quero destacar como um determinado modelo de traduo, que em falta de outrotermo, eu denominaria de tradicional, est profundamente arti-culado a uma vertente da filosofia, que seria impossvel reunir sobum termo nico, mas que possui como a sua caracterstica bsicaessa viso representacionista da linguagem qual acabei de mereferir. Filosofia da traduo significa antes de mais nada a re-flexo crtica sobre esse modelo representacionista. Pretendo tam-bm discutir aqui um outro modelo de traduo, um modelo queleva em conta tanto a sua necessidade como tambm a sua impos-sibilidade. Grosso modo discutirei aqui: 1) O modelo de traduodo relativismo cultural do final do sc. XVIII; 2) que por sua vez

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    encontra-se na base da moderna Hermenutica; 3) o paradigma daintraduzibilidade do Esttico (Kant); 4) e algumas vertentes da cr-tica do representacionismo.

    Fao logo aqui um parnteses para esclarecer que meu objetivono o de criticar a hermenutica que representa sem dvidauma das verses modernas mais importantes do representacionismo do ponto de vista do dito desconstrutivismo. Estarei antespreocupado em mostrar como essas duas linhas, hoje em dia toinfluentes nos estudos literrios, e que normalmente so vistas comoopostas, compartilham de vrias idias, e eu explicaria isso entreoutros elementos destacando uma importante fonte que alimentou aambas, a saber: o romantismo de Iena, die Frhromantik.

    Voltemo-nos para a dita viso tradicional da traduo e dafilosofia. Voltemos a Aristteles. Para ele haveria uma relao detraduo ou de significao natural entre a alma e as coisas. Issose reproduziu na sua viso das palavras como signos arbitrrios dosafetos da alma. Nessa concepo, a lngua vista como um conjuntode nomes agregados a idias; ou seja, a lngua seria ela mesma juma traduo (Auroux 1990: 2628). Mesmo o sistema platnicopode ser visto como um modelo de conhecimento baseado napossibilidade dessa traduo integral e, desse modo, como o fundadordo modelo representacionista de conhecimento: a viso do mundodas idias constituiria no platonismo uma arch, um momento detransparncia absoluta entre as idias e a alma, transparnciaessa que depois teria sido perdida. A doutrina do mundo comotexto que impregnou o pensamento filosfico do Renascimento ato sc. XVIII, no mais do que a suma dessa viso da filosofiacomo traduo: representa a concepo do mundo como um textoarcaico redigido por Deus cuja chave de leitura foi perdida.Para essa concepo platonizante, conhecer no significaria maisdo que reencontrar a chave para a leitura-traduo do mundo; essabusca seria coroada pela confeco de um novo texto, ou seja, deum sistema filosfico ou de uma obra historiogrfica. Apesar dafilosofia racionalista do sc. XVIII, com a sua viso do signo como

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    uma criao arbitrria, ter dado incio crtica dessa concepo,ela manteve-se firme e ainda pode ser encontrada at hoje(Blumenberg 1981).

    No relativismo cultural que se estabeleceu sobretudo a partir dasegunda metade do sc. XVIII desenvolveu-se a conscincia daimpossibilidade da traduo de uma cultura ou discurso para outracultura ou lngua. Essa postura ia contra a concepo de traduovigente ainda no sc. XVIII, praticada sobretudo na Frana, que sedeixa resumir no termo belle infidle e que se baseava numasubmisso absoluta no ato da traduo batuta da lngua de chegada.Nesse modelo da belle infidle parte-se do pressuposto metafsico que afirma a separao entre os significantes e os significados. Ainfidelidade diz respeito apenas forma i. e. ao significante dotexto de partida pois acredita-se na possibilidade da passagemtotal da mensagem para a lngua de chegada.

    J para Herder, por sua vez, a poesia grega era unbersetzbar,intraduzvel. Segundo esse autor chave no relativismo cultural nasua vertente germnica, toda leitura da poesia grega era acompanhadaao menos por uma geheime Gedankenbersetzung, traduo empensamento oculta (Herder 1990: 122). W. Humboldt desenvolveuessa concepo com o seu conceito de forma interna das lnguas,que acentuava a relao perspectivista que cada lngua estabelececom a realidade; ele percebia cada lngua como uma leitura, umainterpretao, vale dizer: uma construo do mundo. A conseqnciadessa concepo foi uma viso da traduo como lpreuve deltranger, na bela expresso de Antoine Berman (Berman 1984).No final do sc. XVIII, v-se a Bildung (formao-cultura) de umanao como dependente da sua capacidade no tanto de abrir-seao Outro, ao estrangeiro, mas sobretudo como a capacidade desada de si, de passar para o estrangeiro, de ber-setzung.

    Nesse contexto Goethe desenvolveu o seu famoso conceito deWeltliteratur (literatura universal), que vincula-se estreitamente prtica da traduo. Alm disso a suma da literatura universal seriano por acaso o romance, o gnero que levou a prosa ao seu

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    triunfo, forma essa que era utilizada j h muito na traduo daspoesias da Antigidade greco-romana. Goethe, no seu WeststlicherDivan, estabeleceu uma tipologia das tradues que se tornouparadigmtica para toda teoria da traduo feita desde ento. Lpodemos ler:

    Existem trs gneros de traduo. O primeiro nos torna fa-miliar com o estrangeiro dentro do nosso esprito [Sinne]prprio; para tanto uma traduo despretensiosa em prosa o melhor. [...] Segue-se depois uma segunda poca na qualest-se em condies de se transpor [versetzen] para oestrangeiro mas s h propriamente esforo em se apropriar[aneignen] do esprito estranho e em reapresent-lo com o[nosso] esprito prprio. Esta poca eu gostaria de denominarde pardica, no sentido mais puro dessa palavra. [...] Osfranceses utilizam esse gnero na traduo de todas obraspoticas [...].Por que no podemos estancar nem na perfeio nem naimperfeio, mas antes sempre deve ocorrer uma mudanaaps a outra, assim vivenciamos o terceiro perodo que podeser denominado de o ltimo e o mais elevado, a saber aqueleno qual procura-se fazer da traduo algo idntico ao origi-nal, de modo que um no apenas deva valer ao invs dooutro, mas sim ocupar o seu lugar [an der Stelle des anderngelten solle].Esse gnero sofre a princpio a maior resistncia; pois otradutor que se agarra firmemente ao original como queabandona [aufgibt] a originalidade da sua nao e assimsurge um terceiro para o qual o gosto da multido aindatem que se adaptar.

    Nesse terceiro modo da traduo, portanto, Goethe destacou aambigidade da tarefa (Aufgabe) da traduo, a saber: ela incluium abandono (Aufgeben) tanto da sua prpria ptria, como tambmda possibilidade de se traduzir de modo integral. Como veremos na

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    segunda parte desta exposio, esse modelo de traduo que serevela mais produtivo para a traduo de um modo geral, mas so-bretudo na de textos ditos filosficos.

    Para Friedrich Schlegel, deveria ser possvel uma traduo douniverso, ou ainda, a assim chamada Histria Universal apenasuma traduo (1963: 235, 261); para ele: A viso da naturezamais importante e elevada equivale aos fragmentos de um grandepoeta decado. Esse poeta Deus (1963: 156). Ou seja, ele tambmcompartilhou claramente da viso representacionista de traduoimplicada na viso do mundo como texto. Mas o teor metafsicodessa postura amplamente relativizado pela sua teoria doconhecimento desenvolvida a partir de Fichte (e que comentaremosna segunda metade deste trabalho). Falando em termos da traduostricto sensu, Schlegel, tambm vai mais alm dessa postura, edesdobrou de um modo conseqente a sua concepo relativista:Para se poder traduzir perfeitamente dos antigos para a Modernidadeo tradutor deveria dominar essa ltima a ponto de poder, por ventura,fazer toda a Modernidade; mas ao mesmo tempo entender aAntigidade de tal modo que ele no simplesmente a imitasse masantes pudesse, por ventura, recria-la [Wiederschaffen] (1967: 239;grifos meus). Essa noo de entendimento, verstehen, queencontramos aqui, pode ser reencontrada entre os principais tericosda hermenutica que vieram depois de Schlegel, ou seja, emSchleiermacher, Heidegger e Gadamer. Tambm importante nessecontexto a sua noo de traduo como recriao. Nesse pontotambm comeamos a nos distanciar da postura que acredita napossibilidade de uma traduo integral no sentido de uma cpia,mimesis.

    A teoria do conhecimento de Kant deixa-se reduzir ao modelotradicional de traduo; ou seja, ele acreditava que desde que serespeitasse os limites do mundo fenomnico, este poderia sertraduzido em conceitos. Mas no menos verdade que tambmKant via um limite nessa traduo integral: para ele as idiasestticas no poderiam ser traduzidas para as da razo, Vernunft.

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    Na sua terceira Crtica, reformulando a noo baumgarteana daarte como sendo restrita ao campo das idias claras e confusas, eleescreveu:

    por uma idia esttica [sthetische Idee] entendo [...] aquelarepresentao [Vorstellung] da faculdade da imaginao qued muito que pensar, sem que contudo qualquer pensamentodeterminado, isto conceito, possa ser-lhe adequado,representao que consequentemente nenhuma linguagemalcana inteiramente nem pode tornar compreensvel ( 49,Kant 1992: 219).

    Ou seja, transpondo esse teorema em termos de uma teoria datraduo: a traduo de obras poticas deveria limitar-se a umadeterminada faculdade, a saber, imaginao. Entendimento erazo no podem atuar aqui: logo a traduo (de poesia) deve sereminentemente criativa, poiesis. Nessa Crtica, Kant pretendiajustamente superar a separao estabelecida nas duas crticasanteriores, entre o mundo da liberdade e o da necessidade mas asuperao de uma intraduzibilidade desaguou numa novaintraduzibilidade. Esse limite da traduo foi quase semprerespeitado pelos filsofos e tericos da esttica, com exceo talvezde Schiller, que nos seus escritos de esttica ainda persegue o sonhode uma reduo objetiva do mbito esttico. J os primeirosromnticos Novalis e Schlegel justamente na medida em quecolocaram a reflexo sobre a poesia no centro das suas preocupaese expandiram o campo do potico para toda a economia simblica(numa paradoxal contaminao do prosaico pelo potico ao lado daafirmao do potico puro), realizaram o linguistic turn na histriado pensamento, que foi antes de tudo um aesthetic turn: umaentronizao da imaginao como rainha das faculdades.

    Como j afirmei acima, a concepo representacionista dafilosofia como traduo, como transporte de um sentido de umalngua para a outra, uma marca da hermenutica e sobretudo da

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    sua vertente filosfica em Gadamer. A hermenutica, tal como foicaracterizada desde Schleiermacher, a arte (tcnica) decompreenso (Verstehen) do sentido (Sinn) de um discurso (Rede).Ela evidentemente incorporou as lies do relativismo cultural eno apenas levou em conta as dificuldades da traduo, como uma cincia que lida e nasce dessa dificuldade. Nas palavras deGadamer:

    As condies sob as quais qualquer entendimento se encontratornam-se o mais facilmente conscientes nas situaesperturbadas e difceis de entendimento. Assim o processolingstico torna-se especialmente elucidativo na medida emque uma conversa em duas lnguas estranhas entre si possibilitada por meio da traduo e da verso[bertragung]. O tradutor deve verter aqui o sentido a serentendido para o contexto no qual o parceiro da conversavive. Reconhecidamente, isso no significa que ele possafalsificar o sentido que o outro quer dizer. Antes, o sentidodeve ser mantido, mas, uma vez que ele deve ser entendidoem um outro mundo lingstico, ele deve se impor a de ummodo novo. Portanto, toda traduo j interpretao [...].5

    E mais adiante no mesmo texto, Gadamer afirma: A tarefa dereformulao [Die Nachbildungsaufgabe] do tradutor difere da ta-refa geral hermenutica que todo texto apresenta de modo apenasgradual e no qualitativo.6 Do Historicismo do sculo XIX encon-tra-se nas obras de Gadamer tanto uma concepo linear da hist-ria7 , como uma conscincia da necessidade da transferncia (sichversetzen) para o lugar do outro para se poder compreender asua posio. Como no terceiro modelo de traduo de Goethe, paraGadamer a traduo envolveria portanto um se traduzir, (sich) ber-setzen, do tradutor mesmo para fora de si (Cf. Gadamer 1990:390). Na sua feliz formulao: Man gibt sich auf, um sich zufinden, abandonamo-nos para nos encontrar.8

    Com relao aos resultados da compreenso/ traduo Gadamer

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    permanece dividido entre afirmar que o texto de chegada representauma sobre-exposio (ou sobre-iluminao), berhellung, ou seja,nas suas palavras, toda traduo que toma a sua tarefa a srio mais clara e plana que o original9 e, por outro lado, defender aintraduzibilidade do texto estrangeiro, o que o coloca como umopositor da teoria da traduo integral. Assim, em Mensch undSprache (1966), lemos:

    Todo mundo sabe como a traduo deixa como que cair noplano o que dito na lngua estrangeira. Este ltimo sereproduz num plano de tal modo que o sentido literal e aforma da orao copiam o original mas a traduo comoque no possui espao. Falta a ela aquela terceira dimensoa partir da qual o dito originalmente (no original) se construano seu mbito semntico [Sinnbereich]. Este um limiteinevitvel de toda traduo. Nenhuma pode substituir o origi-nal. Mas se se quiser acreditar que a afirmao do originalprojetada no plano deveria como que se tornar maisfacilmente compreensvel na traduo, uma vez que nopode ser traduzido muito do que no original evocava umfundo e o entre as linhas se se quiser acreditar que essareduo a um sentido simples deveria facilitar oentendimento, ento nos equivocamos. Nenhuma traduo to compreensvel quanto o seu original. justamenteesse sentido que abarca muito caracterstico do dito esentido sempre sentido de direo [Richtungssinn] ques vem lngua na originalidade do dizer e que foge a todoredizer e repetir. A tarefa do tradutor deve, portanto, sempreconsistir no em copiar o dito, mas antes em se colocar nadireo do dito, i.e. no seu sentido, para verter o a ser dito nadireo do seu prprio dizer. (Eu grifo; Gadamer 1993: 153)

    Em passagens como essa, portanto, percebemos em que medidaGadamer consegue algumas vezes superar (ainda que de modo li-mitado) a concepo restrita da traduo como mero transporte de

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    sentido de uma lngua para outra, e compreender a traduo comoa passagem para um novo sentido compreendido como dire-o (Richtung) e mudana no sentido da sua prpria lngua.Aqui ele consegue ver a traduo, assim como Goethe, como umatarefa (Aufgabe) impossvel e necessria apesar de descordardo poeta de Weimar quanto possibilidade da traduo substituir ooriginal, o que implicaria evidentemente em abdicar do conceito(estanque) de original (como modelo fechado em si), passo esseque a hermenutica no capaz de dar e que exige uma visointertextual da literatura.

    Para Gadamer seguindo aqui a mxima kantiana que vimos apouco na traduo de textos da Literatura que se percebe demodo cristalino a impossibilidade da traduo: da ist nicht genug,verstanden zu werden (a no suficiente ser compreendido),ele afirmou, destacando nesse contexto dois conceitos chaves para ateoria da traduo, o de estilo e de ps-poesia ou re-poetar,Nachdichtung. Para ele o estilo muito mais do que mera decorao parergon, algo paralelo obra , ele um fator que constituia legibilidade a desse modo sem dvida implica para a traduonuma tarefa infinita de aproximao. A traduo de obras poticas nas quais o trabalho do estilo desempenharia uma papel aindamaior implica numa intensificao da tarefa tradutria. Aqui atraduo deve ficar entre traduzir e re-poetar (Gadamer 1993b:282). A noo de Nachdichten proposta aqui por Gadamer ecoa ade Wiederschaffen de Friedrich Schlegel que vimos acima. DeGadamer tambm a formulao absolutamente clara no contexto:es gibt nicht so sehr Grade der bersetzbarkeit von Sprache zuSprache als Grade der Unbersetzbarkeit, no existem tanto grausde traduzibilidade de uma lngua para outra, mas antes graus deintraduzibilidade (Gadamer 1993b: 360). Gadamer, portanto,move-se dentro da tradio que v a filosofia como traduo (i.e.que v o saber como mimesis ou representao de um mundo ex-terior), mas no que tange tanto traduo como hermenutica(i.e. como arte de interpretao), como traduo strito sensu

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    possui uma viso clara dos limites da mesma. J em outros autores,como Davidson, Quine, Wittgenstein e Derrida encontramos umacrtica radical do prprio modelo da filosofia como traduo doqual Gadamer no se libertou.

    Wittgenstein, p. ex., parte de uma crtica da noo dalinguagem como representao de um mundo objetivo: Nas suasPhilosophische Untersuchungen lemos: Quando eu penso com alinguagem no flutuam ao lado da expresso lingstica aindasignificados; antes a linguagem mesma o veculo do pensamento(Wittgenstein 1990: 384). Nas suas Vorlesungen Wittgenstein voltoudiversas vezes a insistir nesse ponto, tratando de explicitar a relaoevidente entre o modelo representacionista da linguagem e a visotradicional de traduo esse ponto essencial para a nossafilosofia da traduo. Eu cito:

    A lngua no um meio indireto de comunicao daquilo quese poderia comunicar diretamente por meio da leitura depensamento. O mesmo vale para as imagens visuais darepresentao [na nossa mente]. [...] No pensamento no ocorrecomo se de primeiro surgisse o pensamento para depois, atocontnuo, ser traduzido em palavras ou em outros smbolos.No existe aqui algo que exista antes de ser abarcado em palavrasou em imagens da representao (Wittgenstein 1984: 105).

    Como Novalis j havia afirmado: Ein Gedanke ist nothwendigwrtlich, um pensamento necessariamente lingual (Novalis1978: 705).10

    Partindo de pressupostos bem distintos, tambm Paul de Mandesenvolveu um modelo de leitura do texto que procura destacar aimpossibilidade da sua compreenso, ou ainda, da sua traduo. Oseu conhecido conceito de aesthetic ideology foi desenvolvido comouma crtica da leitura homogeneizadora que costuma-se fazer dostextos de um modo geral, na qual tenta-se reduzir o texto a umamensagem semntico-esttica. De Man contrape a esta viso

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    tradicional de leitura, uma noo de leitura alegrica, que aoinvs de entrar no jogo do jargo da esttica organizado entreinmeros plos, tais como forma versus contedo, barroco versusclassicismo, apolneo versus dionisaco , tenta destacar ailegibilidade do texto, vale dizer, a impossibilidade da suatraduo. De Man recusa a possibilidade de se organizar o textonuma srie lgica, ele revela o jogo de analogias que tenta sustentarqualquer texto. Ele percebe uma contradio bsica que abala aestrutura de qualquer texto (e no apenas os ditos poticos): adivergncia entre a gramtica, que funciona como uma mquinaprodutora de texto independentemente da sua referencia, e o momentofigurativo. Nas palavras do prprio de Man:

    We call text any entity that can be considered from such adouble perspective; as a generative, open-ended, non-referen-tial grammatical system and as a figural system closed off bya transcendental signification that subverts the grammaticalcode to which the text owes its existence. The definition oftext also states the impossibility of its existence and prefig-ures the allegorical narratives of this impossibility (Paul deMan 1980: 270; Cf. Gasch 1989).

    Mas mesmo autores como de Man no deixam de perceber queexiste de fato, parafraseando as palavras de Gadamer acima citadas,no tanto graus de traduzibilidade, mas sem dvidas existem grausde no-traduzibilidade. Existe quase uma unanimidade quanto aofato de que quanto mais o texto se aproxima do paradigma tradicionaldo texto literrio com o poema lrico representando a suma dopotico cada vez mais a traduo vista como menos possvel dese concretizar. Para Jakobson isso no muda de figura. No seufamoso texto dedicado traduo (Aspectos lingsticos datraduo), aps distinguir trs tipos de traduo, a saber: aintralingual ou reformulao (rewording); a interlingual outraduo propriamente dita; e a inter-semitica ou transmutao,

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    que consiste na interpretao dos signos verbais por meio de sistemasde signos no-verbais, Jakobson nota com relao traduo detextos ditos poticos:

    Em poesia, as equaes verbais so elevadas categoria deprincpio construtivo do texto. As categorias sintticas emorfolgicas, as razes, os afixos, os fonemas e seuscomponentes (traos distintivos) em suma, todos osconstituintes do cdigo verbal so confrontados, justapostos,colocados em relao de contiguidade de acordo com oprincpio de similaridade e de contraste, e transmitem assimuma significao prpria. A semelhana fonolgica sentidacomo um parentesco semntico. O trocadilho, ou, paraempregar um termo mais erudito e talvez mais preciso, aparonomsia, reina na arte potica; quer esta dominao sejaabsoluta ou limitada, a poesia, por definio, intraduzvel.S possvel a transposio criativa: transposio intralingual de uma forma potica a outra , transposio interlingualou, finalmente, transposio inter-semitica de um sistemade signos para outro, por exemplo da arte verbal para a msica,a dana, o cinema ou a pintura.11

    Antes de passar para a segunda parte desta exposio gostaria ain-da de recordar a presena importante que a crtica da traduo, noseu sentido de transporte de sentido, ocupa na obra de JacquesDerrida, bem como a sua noo de intraduzibilidade do texto po-tico. A sua teoria da traduo, eu lembro apenas en passant, naverdade uma tentativa de desdobrar um texto central dentro da his-tria da reflexo sobre a traduo, a saber, o Die Aufgabe desbersetzers de Walter Benjamin, que este publicara como introdu-o s suas tradues das Flores do Mal em 1921. Vejamos o queDerrida diz com relao filosofia como traduo. Num longodebate dedicado teoria da traduo e posteriormente publicadonum volume intitulado sugestivamente de Loreille de lautre,Derrida resumiu a sua crtica da traduo com essas palavras:

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    Que dit un philosophe quand il est philosophe? Il dit: ce quicompte, cest la vrit ou cest le sens, et le sens est avantou au-del de la langue, par consquent il est traductible.Ce qui commande, cest le sens et par consquent, on doitpouvoir fixer lunivocit du sens ou en tout cas la plurivocitdoit tre matrisable, et si cette plurivocit est matrisable,la traduction comme transport dun contenu smantique dansune autre forme signifiante, dans une autre langue, est pos-sible. Il ny a de philosophie que si la traduction en ce sens-l est possible, donc la thse de la philosophie cest latraductibilit, la traductibilit en ce sens courant, transportdun sens, d une valeur de vrit, dune langue dans uneautre, sans dommage essentiel. Et ce projet l, ou cettethse-l, videmment, a pris tout au long de lhistoire de laphilosophie un certain nombre de formes que lon pourraitreprer de Platon Hegel en passant par Leibniz. Donc lepassage, le programme de traduction, le passage laphilosophie, dans mon esprit ctait cela: Lorigine de laphilosophies cest la traduction, la thse de la traductibilit,et partout o la traduction dans ce sens-l est en chec, cenest rien de moins que la philosophie qui se trouve mise enchec (eu grifo; Derrida 1982: 159 s.).

    O projeto filosfico de Derrida pode, portanto, ser observado comouma tentativa de mostrar a inconsistncia da tese da traduzibilidade:como Wittgenstein ou Saussure, ele condena a viso da linguagemcomo mera nomenclatura. Alm disso, tratando da traduo strictosensu, ou seja, no seu caso, da intraduzibilidade, ele tenta mostrarcomo conceitos que desempenharam um papel chave na histria dafilosofia, como pharmakon, ou Aufhebung, possuem umaindcidabilit que se perde se traduzidos. Derrida pe em questoa possibilidade de existir a traduo denominada por Jakobson comotraduo no sentido prprio. Como ele mesmo afirmou, isto pres-suporia quil existe une langue, quil existe une traduction au senspropre, cest--dire comme passage dune langue dans une autre;

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    et si lunit du systme linguistique nest pas assure, toute cetteconceptualit autour de la traduction (au sens dit propre de latraduction) est menace (Derrida 1982: 134). Derrida tambmcompartilha do topos clssico que v na literatura o intraduzvelpar excellence. A literatura para ele um vnement, a criao dombito sagrado na linguagem. Le texte sacr arrive, ele afir-mou cest un vnement, [...] (la littrature cest lintraductibledune certaine manire) la littrature est sacre; sil y a de lalitterature, elle est sacre [...] (Derrida 1982: 195 s.). A no-traduzibilidade gera para ele tanto a literatura, como o sagrado. Aconseqncia dessa intraduzibilidade tambm para Derrida umaviso da traduo como presa a uma double bind. Analisando adescrio bblica do evento da torre de Babel, ele nota que Babel o mito da origem do mito: origem da necessidade de traduo, desuplementao. a metfora da metfora. E ele conclui: Cettehistoire raconte, entre autres choses, lorigine de la confusion deslangues, la multiplicit des idiomes, la tche ncessaire et impossiblede la traduction, sa ncessit comme impossibilit (Derrida 1987:203). Novamente voltamos a viso da traduo como tarefa,Aufgabe.

    Terminado esse pequeno priplo pela filosofia da traduopodemos concluir que a traduo no seu sentido anti-representacionista e, portanto, criativo, est intimamente conectadaao duplo mandamento contraditrio de toda equao da identidade:o ser (da traduo) s existe graas sua relao com o se no-ser,ou seja, com a sua impossibilidade. Reencontraremos logo maisessa equao ao tratar da traduo de textos filosficos. No entantovale a pena deixar claro uma tenso inerente a essa filosofia datraduo. Ela foi iniciada com uma defesa da no diferena qualitativaentre o discurso dito literrio e o dito filosfico. Diversos autores,como vimos, desenvolveram as suas respectivas filosofias da traduocom base nesse axioma. No obstante, mesmo num autor comoDerrida, que defende uma intraduzibilidade radical que na verdadeno abre sequer para os Grade der Unbersetzbarkeit (graus da

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    intraduzibilidade) mencionados por Gadamer, pois bem, mesmoDerrida toma a literatura como o discurso mais intraduzvel.Tentemos agora ver de perto um caso particular de traduo paranotar em que medida a filosofia da traduo conecta-se traduode filosofia (uma no deveria viver sem a outra). Minha tese quea filosofia mais potica do que se costuma crer e portanto, elatambm radicalmente intraduzvel e, por isso mesmo, deveser traduzida.

    Traduo de Filosofia

    Como a prtica da traduo incorpora a noo de traduo comoAufgabe, ou seja como double bind? Como isso se d ao se traduzirtextos ditos filosficos? Apesar da filosofia no se deixar diferen-ciar da literatura quanto sua escritura, mesmo assim eu acreditoque a traduo de textos explicitamente conectados tradio deescritos filosficos apresenta um caso especial para a teoria e pr-tica da traduo. O mesmo motivo que nos leva a afirmar que afilosofia no essencialmente diferente da literatura, exige ao mesmo tempo: double bind a necessria diferenciao entrea filosofia e a poesia: i.e. se tudo diferena no existe identida-de positiva, tudo diferena! O relativismo, portanto, no implicade modo algum no abandono do rigor do pensamento. Assim, domesmo modo que se pode distinguir graus de no-traduzibilidade,tambm pode-se dizer que a tarefa tradutora marcada por dife-rentes peculiaridades conforme se esteja traduzindo a Commediadantesca, Don Quijote, Der Messias ou a Kritik der reinen Vernunft.No que com essa afirmao eu esteja negando a pertena do textofilosfico literatura, muito pelo contrrio. Como veremos, o tra-dutor de filosofia tem que levar em conta no apenas o aparatoconceitual que ele deve tentar verter para a lngua de chegada, mastambm, como falava Jakobson com relao ao texto potico, o

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    jogo paranomsico que permeia o texto original, o trabalho execu-tado pelo princpio de similaridade e de contraste, ou ainda aindcidabilit de que fala Derrida. Para apontar como a filoso-fia da traduo conecta-se prtica tradutria como uma nodeveria existir sem a outra escolhi como exemplo as traduesque Rubens Rodrigues Torres Filho fez de alguns textos centrais deNovalis, sendo que tambm comentarei aqui e ali a sua traduo deFichte para o portugus. Gostaria de destacar, que essas traduesserviro apenas de material para expor algumas peculiaridadesimportantes da traduo de textos filosficos; no estou, portanto,nem preocupado com uma anlise dessas tradues em si, nem emdestacar a sua originalidade; elas apenas representam exemplosmximos no seu gnero.

    Gostaria ainda de poder sugerir com essa anlise, em que medidao estudo de tradues constitui um importante tema para a LiteraturaComparada. A histria das tradues de um pas aponta para ahistria da sua Bildung; indica a sua capacidade de sada de si,sendo que a volta a si implica na construo do vocabulrio comumque est na base de toda cultura. O prprio ser da cultura sexiste dentro desse movimento pendular no existe nada almdesse eterno oscilar que a marca da traduo. No caso especficodo estudo da histria da traduo de textos filosficos, isto significaacompanhar a construo de todo um aparato conceitual.

    No momento em que o terico da literatura estuda uma traduo,ele est de certo modo violando a lei da no-traduzibilidade dastradues, formulada por Benjamin (Benjamin 1972: 20); ele estfazendo a traduo de uma traduo. Esse aspecto da anlise datraduo no deixa de ter uma faceta desestruturadora. Na medidaem que ela pe a traduo como um original, ela inverte a hierarquiatradicional, e permite desse modo que se vislumbre do texto dechegada sob uma nova perspectiva. Assim, o terico da literaturaentra no crculo da Bildung que envolve a traduo como um doseixos que coordenam o movimento de sada e volta a cultura namedida em que ele ativa uma grau acima na auto-reflexo.

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    Uma das peculiaridades principais da traduo de textos ligados tradio filosfica o papel central que as notas explicativasdesempenham. difcil se conceber em que medida a paronomsiacontida num poema de Paul Celan poderia passar para uma outralngua com a ajuda de uma nota de rodap. O prprio termo rodapremete prosa que vem de prosa oratio, provorsa, ou seja,caminhar para frente, em oposio ao verso, que implica navolta ritmada. No um acaso, que a terminologia da retricalatina clssica tambm tenha reservado para o texto prosaico otermo pedester. H uma relao direta entre o discurso filosfico-prosaico e o uso das notas. A filosofia se constitui, antes de tudo,como histria da filosofia; nela, portanto, a intertextualidade noapenas uma constante, mas, pode-se dizer, constitui o seu cerne(como se passa, alis, em qualquer gnero literrio). Um textofilosfico est sempre em dilogo com a tradio; as notas so umdos modos de explicitar esse dilogo tpicos dessa forma. Ao menosdesde o sc. XVIII, o uso de notas tornou-se um hbito amplamentedifundido tanto entre os historiadores como tambm entre osfilsofos. Portanto incompreensvel que alguns tericos datraduo afirmem que as notas devam ser no apenas evitadas,como alguns chegam a conden-las totalmente. Assim, p.ex.Derrida fala do ideal de uma traduo (evidentemente teolgico)que deveria ser exata, palavra a palavra, e dispensar o uso dasnotas, o que, de resto, vai totalmente contra as suas reflexes sobrea pluralidade de sentidos que habita qualquer texto, qualquer lngua.12

    Istvan Fher, num artigo dedicado especificamente questo datraduo de textos filosficos, tambm defendeu a tese claramenteinsustentvel, de que o tradutor deve evitar a interpretao, ocomentrio e o esclarecimento. Como poderia um tradutor evitar ainterpretao se como, contraditoriamente, o prprio Fehr afirmano mesmo texto toda traduo ela mesma interpretao?13

    Walter Benjamin, que era familiarizado com a tradio teolgica-tratadstica medieval que cultivava a introduo de glosas, que eramreservadas como se sabe para as passagens difceis e obscuras do

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    texto sagrado, alm de ter valorizado tambm a prpria tradiojudaica midrachista de comentrio contnuo da Tora, sabia que aintroduo de adendos e notas num texto filosfico por parte do seutradutor era parte da sua tarefa.14 Numa carta de outubro de 1935ao estudioso da cabala e tradutor do hebraico Gershom Scholem,Benjamin elogiou a sua traduo de um captulo do Sohar com asseguintes palavras: A traduo do presente texto certamente nofoi mais fcil que a de um poema perfeito. No entanto, os tradutoresde poesia no dispem via de regra sobre a renncia [Entsagung]que constitui aqui a condio do sucesso e que fornece ao mesmotempo a regra do mtodo: conectar a traduo ao comentrio (Ben-jamin 1978: 694). O fato de Benjamin ligar aqui o comentrio dotradutor renncia, no deixa de remeter sua noo de traduocomo Aufgabe, a saber como Aufgeben, renunciar, abandonar (Ben-jamin 1972).

    As tradues de Torres Filho nasceram de uma necessidadeprtica, didtica: como professor de histria da filosofia especializadono idealismo alemo, devido ausncia de tradues para o portugusde vrios textos bsicos desse perodo, ele viu-se obrigado a lanar-se na empreitada tradutria de alguns dos textos mais hermticos dafilosofia ocidental: a saber, da doutrina-da-cincia de Fichte, deve-se acrescentar, em vrias das suas verses15 , assim como de Schellinge ainda de muitos dos principais fragmentos de Novalis (eles mesmosoriginados por sua vez de um exaustivo estudo da filosofia fichteana).Isto sem contar as suas tradues de textos de autores centrais nahistria da filosofia, como de Kant, Schopenhauer, Nietzsche eWalter Benjamin. Ele enfrentou a tarefa da traduo, a suanecessidade e impossibilidade, lanando mo de um princpio demxima literalidade, contrabalanado por perfrases ou traduesanalticas, alm da introduo de inmeros comentrios nas suasnotas. Torres Filho no seu trabalho est atento tanto para o fato datraduo, ber-setzung, ser em si mesma uma peri-frase,circumlocutio, ou ainda ser uma metaphora, trans-posio(bertragung), que na verdade apenas repete o princpio analgico

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    que impera na lngua de partida. (Eu remeteria nesse ponto sanlises de de Man.), Seguindo essa viso, Torres Filho procuraproblematizar a existncia de um texto original nico, fechado,com uma mensagem clara e singular passvel de ser recodificada.Desse modo ele tenta, sempre que possvel, manter no textotraduzido as ambigidades do texto de partida, quer repetindo a suaestrutura ambgua, ou, quando isso no praticvel, indicando numanota a no-univocidade de sentido. evidente que ele no conseguese furtar simplificao que muitas vezes o ato tradutrio envolve,e que, como vimos a pouco, entre outros, Gadamer procuroudestacar. Por outro lado, a sua enorme experincia como tradutorde filosofia alem para o portugus faz com que romanticamente em alguns momentos a sua traduo represente um ganho comrelao ao original. Esse ganho, seguindo a viso do texto originalcomo um texto aberto que incorpora as suas leituras, na verdadealgo evidente e desejvel dentro de uma filosofia da traduo.

    Como bom intrprete e comentador pressupostos de um bomtradutor Torres Filho revela o texto original como ele mesmo jsendo um emaranhado de citaes, aluses e tradues, e a lngua,quer de Fichte ou de Novalis, como penetrada de inmerosestrangeirismos. Muitos dos conceitos utilizados por essesfilsofos so traduzidos a partir de palavras latinas ou francesas queestavam na origem do termo empregado em alemo. Vale lembrarque Kant, p. ex. costumava dar entre parntesis a origem latina devrios de seus conceitos; assim a Anschauung ele fazia seguir intuitio,a Vorstellung, repraesentatio, a Deduktion, deductio. Ele haviadesenvolvido o seu aparato conceitual a partir da leitura no s deBaumgarten que redigira a sua obra em latim , e Leibniz com seus textos em francs mas tambm a partir de autoresingleses que ele lia apenas nas tradues normalmente para ofrancs quando os originais no eram em latim tais como Bacon,Locke, Berkeley e Hume. Tambm no se pode negligenciar ainfluncia de Hobbes, Hucheson e Shaftesbury na sua teoria esttica(cf. Dostal 1993). Isso apenas para indicar o seu dilogo com a

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    tradio inglesa.Mas voltemos a Torres Filho. Como tradutor-fillogo, ele ressalta

    detalhes dos manuscritos e das diferenas entre as diversas edies,trazendo desse modo luz do dia a vida do texto original elemostra o texto em movimento, i. e. como ao. As suas notas surgemcomo mais uma etapa na histria do texto. Assim como ele incorporanas suas tradues o material acumulado por uma j longa histriada recepo desses textos as diversas tradues para outrosidiomas, com as suas respectivas notas, as anlises realizadas emmonografias e artigos, o aparato que acompanha as boas ediescrticas , do mesmo modo, a sua leitura-traduo-interpretaopassa a fazer parte do original. Como vimos acima, a linguagemno existe enquanto ela s gramtica e dados lexicais, ou seja,apenas um conjunto de elementos estruturais; somente com aapropriao que cada indivduo faz dessa estrutura que ela passa ater vida. Do mesmo modo o texto, no caso o texto dito filosfico,s existe na sua recepo, e a histria dessa recepo constri ereconstri constantemente o texto original.

    A tentativa de se manter dentro de uma mxima literalidade, aque me referi h pouco, pode ser notada em muitos casos nos quaisTorres Filho procura transpor para o portugus a sintaxe alem, etambm, na medida em que ele forja novos termos no portugus sem, no entanto incorrer em preciosismo. Eis alguns exemplos:

    Na sua traduo de Fichte, Torres Filho verteu algunsconceitos chaves da filosofia do idealismo alemo para o portugus,que foram posteriormente incorporados pelos tradutores de obrassobre a filosofia desse perodo, e que tambm passaram a serempregados nos trabalhos sobre Fichte redigidos no Brasil. Eudestacaria aqui a sua traduo do neologismo fichteano Tathandlungpor estado-de-ao. Numa nota, o tradutor esclarece: A palavraTathandlung exclusividade de Fichte; no consta dos dicionrios. um termo forjado por analogia, provavelmente por ele mesmo,como oposto a Tatsache (estado-de-coisa, fato), que por sua vez atraduo literal do latim res facti. No restante da nota, lemos

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    ainda uma outra passagem de Fichte que deixa mais claro o sentidodo conceito. Ou seja, o tradutor, no apenas mostra a relao decontaminao entre as lnguas revelando a traduo como um atode re-traduo como trata de levar em conta o que eu gostariade denominar de paronomsia filosfica, ou seja, o jogo deespelhamento e eco que existe entre os conceitos utilizados porqualquer filsofo, que deve ser lido no apenas dentro do contextoimediato em que ele aparece, como tambm na uvre do autorcomo um todo, e ainda envolve a importao de conceitos e famliasconceituais de outros autores e tradies filosficas. Como aindaveremos mais de perto, como na figura de retrica, aqui tambm assimilaridades fnicas e os parentescos etimolgicos desempenhamum importante papel. Tendo-se esse conceito em mente fica claroporque na traduo de um texto filosfico as exigncias so nomnimo to grandes quanto na de um poema lrico.

    Passemos a outros exemplos. Na sua traduo de Novalis, TorresFilho traduz Selbstusserung por auto-exteriorizao (Novalis 1988:51). Numa nota, ele apresenta o termo empregado no original ecomenta que ele tem o sentido de exteriorizar-se de si mesmo,ou seja, d uma traduo analtica da expresso. Alm disso lemosainda uma outra traduo possvel, alienar, e Torres Filho aindarecorda que, na Doutrina-da-cincia de Fichte, [alienar] aatividade caracterstica da sntese da substancialidade, por oposioao bertragen (transferir), que caracterstica da causalidade (p.209). Ou seja, ele fornece no apenas trs tradues de uma mesmapalavra, como tambm indica de onde o conceito havia sido retirado.Na mesma passagem encontra-se um outro neologismo na expresso:observao auto-ativa (p. 53). Na nota, ficamos sabendo qual oadjetivo do texto original selbstttig e o autor justifica a suatraduo: A introduo do neologismo, em portugus, visa a evitaras palavras espontnea ou autnoma, que no contexto da filosofiatranscendental tm um significado tcnico muito especfico (p.209). Outro neologismo o termo indivduos-de-arte (p. 65),que traduz Kunstindividuen em alemo. No caso a traduo para o

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    portugus j estava pr-cunhada devido incidncia de um termolatino no original. Antropognosta , sem dvidas, um termoforjado por Torres Filho que a princpio causa espcie. Nossaestranheza , no entanto, superada quando lemos a nota: o prprioNovalis formara esta palavra seguindo o modelo de geognosta,designao desusada para gelogo (p. 221). Da mesma ordemde neologismos o termo socrcia (p. 141), que traduz Sokratieinventado por Novalis. Torres Filho na nota indica o termo utilizadono original e tambm o contexto em que ele deve ser lido na obrade Novalis e F. Schlegel (p. 239).

    Especifiquemos mais detalhadamente o emprego das notas nastradues de Torres Filho. Elas podem ser classificadas do seguintemodo: 1) notas ou, em alguns casos na traduo de Fichte,parntesis que indicam o termo ou a frase no original; 2) notasque visam esclarecer determinados conceitos. Estas se subdividem,por sua vez em quatro subgrupos, 2.1) as que retraam a relaovertical do conceito com a tradio filosfica anterior a obra; 2.2)as que indicam elementos da histria da recepo e transformaodesse conceito; 2.3) as que analisam a relao vertical do conceitodentro da obra do autor como um todo, e 2.4) as que estudam arelao do conceito dentro do seu contexto mais restrito, i. e. dentrodo prprio texto traduzido; alm disso encontramos ainda: 3) notasque procuram destacar as relaes de assonncia e eufonia do termooriginal; 4) notas que indicam detalhes, correes, adendos ou rasurasdo manuscrito, ou que apontam para erros ou variantes das diferentesreedies; 5) notas que ressaltam o uso de estrangeirismos no origi-nal; 6) notas que esclarecem quem so as pessoas, autores e obrasmencionados; 7) notas que indicam que o texto j aparecia no origi-nal em determinada lngua estrangeira; 8) notas que fornecemvariantes de traduo e/ ou de interpretao; e finalmente 9) notassimplesmente irnicas.

    Vejamos agora alguns exemplos que logo deixaro claro queevidentemente essa tipologia apresenta apenas tipos puros, quena prtica raramente aparecem como tais. Na traduo de

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    Novalis, Torres Filho introduziu depois do termo exaltao (p.39) a seguinte nota: Traduo convencional de Schwrmerei, defato intraduzvel [grifo meu] por referir-se muito intrinsecamenteao debate de idias da poca. Obscurantismo, misticismo, delrio,era o negativo da Ilustrao (p. 203). A nota ainda continua dandoexemplos de outras passagens nas quais Novalis j havia empregadoo mesmo conceito. A nota que se segue palavra exposio (p.49), no menos importante: Em alemo Darstellung, que Kantna Crtica do Juzo d como equivalente de exhibitio e em francspode ocasionalmente ser traduzida por mise en scne (p. 207). Anota continua mostrando outras ocorrncias do mesmo termo emFichte e em Novalis. Ou seja, aqui encontramos um dos casos denotas que apontam para o original como j sendo ele mesmolocalizado numa cadeia de tradues: Novalis, que lera em Fichte,que lera em Kant, que por sua vez vertera exhibitio em Darstellung. Na mesma pgina uma outra nota chama a ateno para um jogode eufonia do texto alemo. Na verso em lngua portuguesa l-se:Assim , portanto, o gnio, a faculdade de tratar de objetosimaginados como se se tratasse de objetos efetivos, e tambm detrat-los como a estes (p.49). E a nota esclarece: O texto alemo,que joga com os verbos handeln von (tratar de) e behandeln (tratar), o seguinte: So ist also das Genie, das Vermgen von eingebildetenGegenstnden, wie von Wirklichen zu handeln, und sie auch, wiediese, zu behandeln [...] (p. 208). Ainda na mesma pgina, TorresFilho anota com relao ao conceito clareza de conscincia (p. 49):A locuo clareza de conscincia [...] procura suprir, porperfrase, a intraduzvel [grifo meu] palavra Besonnenheit umtermo-chave, que Hardenberg herdou, da filosofia de Fichte. Aliela designa a nica postura genuinamente filosfica, de lucidez,viglia, autoconscincia. Formada a partir do verbo reflexivo sichbesinnen (que pode tambm significar voltar a si, recobrar ossentidos), beneficia-se ainda da homofonia com o verbo besonnen,que significa iluminar, ensolarar (p. 208). Ou seja, com a notao tradutor tenta suprir as carncias da traduo, tenta apontar para

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    a rede de associaes que a leitura do texto original abre: com atradio filosfica e com o eixo paradigmtico da lngua de partida. Uma nota do mesmo teor inserida aps a seguinte passagem datraduo das Observaes entremescladas de Novalis: Procuramospor toda parte o incondicionado e encontramos sempre apenascoisas (p. 37). Nela pode-se ler: O texto alemo maisexpressivo, pois joga [grifo meu] com a contraposio dos cognatosDing (coisa) e un-be-dingt (incondicionado) (pp. 200 s.). Na nota,o tradutor ainda comenta os conceitos de Ding e Unbedingt emSchelling, Kant e noutras passagens de Novalis. Outra nota quetambm procura recuperar as analogias acstico-conceituais dotermo original, refere-se expresso tonalidades afetivas (p.51). Na nota l-se: Em alemo: Stimmungen. Esta palavra,formada a partir do radical Stimme (voz) e considerada peloscomentadores como essencial em Novalis, no pode sersimplesmente traduzida por estados de alma. Ele prprio chamaa ateno para a referncia diretamente musical (a acstica daalma um domnio ainda obscuro [Novalis]), para o parentescocom a idia de acordo ou harmonia (Einstimmung) e para suapresena no conceito de determinao (Bestimung). Confira-se on. 534 dos Estudos de Fichte, onde aflora essa preocupaoterminolgica: Stimme Stimmung stimmen bestimmen einstimmen. Stimme exprime algo que constitui a si mesmo.Stimmung nasce de dois ativos e dois passivos (p. 209). TorresFilho reinstaura aqui no apenas o contexto paronomsico doconceito, revelando como as suas camadas semnticas no podemser despregadas da sua textura sonora, como, para tanto, cita umtexto de Novalis, sendo que metade em alemo, metade emportugus, ou seja, ele transplanta o jogo de homofonias de formaintacta. Este recurso de traduzir via no-traduo, para revelar aimportncia do conceito original totalmente legtimo; desde que,evidentemente, venha, como o caso, sustentado por comentriose glosas. Na sua traduo da Doutrina-da-cincia de Fichte, TorresFilho lanou mo do mesmo recurso. Assim, aps termos lido na

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    verso portuguesa: O eu [...] ao mesmo tempo o agente e oproduto da ao; o ativo e aquilo que produzido pela atividade;ao e feito so um e o mesmo; e por isso o eu sou expresso deum estado-de-ao (Fichte 1980: 46), l-se na nota: Este trecho fundamental para esclarecer a gnese conceitual da noo deTathandlung, assim como a formao da palavra. Para maiorclareza, interessante l-lo com os termos alemes no lugar: Oeu ao mesmo tempo o Handelnde e o produto da Handlung; oTtige e aquilo que produzido pela Ttigkeit; Handlung e Tat soum e o mesmo; por isso o eu sou a expresso de uma Tathandlung.Temos aqui a primeira expresso da identidade do sujeito e objeto,que inspirou todo o idealismo alemo (p. 46). Com essa montagemde lnguas, Torres Filho no s chama a ateno para aimpossibilidade da traduo do original de dentro de uma traduo,vale acentuar como tambm gera um estranhamento, umdistanciamento, tanto da lngua do original, deslocada para um textoem portugus, como tambm da lngua de chegada, que setransforma, na medida em que incorpora palavras estrangeiras, emum jogo de sons por assim dizer puros, tendencialmente sem sentidoalgum. Em momentos como esses, a traduo de Torres Filho deixaclaro tanto a importncia da eufonia no discurso filosfico, e portantoo fato da intraduzibilidade no ser um apangio restrito poesia,como tambm a relao estreita entre o modelo da traduo e o daBildung. No s no ato da traduo ocorre a sada da sua lngua,mas tambm a leitura da traduo exige um abandono da mesma. Atraduo, pode-se concluir, radicaliza determinados elementosambguos da nossa linguagem, revela a ausncia de um ncleo fixona nossa lngua (e no nosso saber), de uma arch, e ela faz isso namedida em que nos distancia da nossa prpria linguagem cotidiana.Ela revela que no h uma linguagem fixa, ordinria, uma prosapura, como alguns filsofos da linguagem procuram defender,que seria constativa e enunciada por um sujeito presente a si mesmo.E ela realiza isso, paradoxalmente, na medida em que ela radicalizao carter que normalmente se atribui justamente linguagem da

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    prosa, ou seja a intercambialidade das palavras.16

    No de modo algum indiferente o fato de estarmos analisandoeste aspecto central, do meu ponto de vista, da atividade tradutria,a partir das tradues de textos de Novalis e Fichte. O Romantismoalemo, com as tradues de Shakespeare, Cames, Caldern,Cervantes e Plato, entre outros, foi no s uma pocaparticularmente importante da traduo alem, como tambm dasua teorizao. A Doutrina-da-cincia de Fichte descreve aformao do Eu, como se l na traduo de Torres Filho, como umeu [que] pe originariamente, pura e simplesmente o seu ser (p.47); ou seja, o eu pe a si mesmo e , em virtude desse mero pr-se a si mesmo (p. 46). O eu, pode-se dizer, para Fichte, umatraduo (bersetzung) de si mesmo: o Eu existe apenas na medidaem que se desdobra, re-flete, que tenta sair de si, mas esse si, poroutro lado, sempre se revela, ele mesmo, como um desdobramentode um outro eu. Nas palavras de Novalis: Der Act des sich selbstberspringens ist berall der hchste der Urpunct die Gen-esis des Lebens (Novalis 1978: 345) O ato do saltar-por-sobre-si-mesmo por toda parte o mais alto o ponto originrio agnese da vida (Novalis 1988: 152). O modelo do Eu como aqueleque pe a si mesmo, que traduz a si mesmo, a partir de si mesmo a partir do desdobramento do Eu num No-Eu , corresponde aomodelo da traduo e da literatura de um modo geral, como umacadeia infinita de textos, leituras, tradues, reescrituras e releituras.No existe o ponto de Arquimedes para sustentar o mundo: Otodo consiste aproximadamente como as pessoas jogando que,sem cadeiras, sentam-se num crculo uma no joelho da outra(Novalis 1978: 152). A Tarefa, para voltar mais uma vez ao conceitobenjaminiano central de Aufgabe, infinita: no sentido de que oabandono de si infinito, no sentido de que nunca se atinge o Euoriginrio, o texto original, que sustentaria os demais eus e as demaistradues. No existe uma traduo per-feita, ela permanece sempreuma estrutura da traduo, uma re-flexo, um essai. O princpio daintraduzibilidade s funciona como par alternante com essa noo

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    de Ser como traduo: s h, eu repito, diferena (i. e.intraduzibilidade), onde h diferena (i.e. o Ser como jogo dediferenas).

    Tratemos por ltimo de uma das notas de Torres Filho que euclassificaria como pertencendo ao grupo das irnicas. Nos Dilogosde Novalis encontra-se uma meno passageira ao Brasil comopossuidor de grandes minas. Novalis, como conhecido, eraengenheiro de minas. Torres Filho acrescenta a seguinte nota ao sedefrontar com o nome prprio por demais familiar: Colniaportuguesa na Amrica do Sul, cuja evocao estimulava aimaginao romntica. A meno mais importante na filosofia alemest nos Novos ensaios sobre o entendimento humano, de Leibniz,onde o empirista Filaleto refere, como argumento contra o carterinato da idia de Deus, a existncia de naes inteiras desprovidasdessa idia, comme la Baie de Soldanie, dans le Brsil, dans lesles Caribes, dans le Paraguay (Novalis 1988: 254). Ora, a ironiaque brotou aqui nessa nota de Torres Filho de um modo quaseespontneo, no de modo algum estranha ao esprito da traduo.Como vimos, esta est intimamente conectada necessidade e impossibilidade; liga-se no s destruio da sua prpria lngua, eda lngua estrangeira, mas tambm tentativa de criar uma novalngua, ou melhor: a traduo revela a lngua como um ente vivoem constante criao. Alm da traduo, como se sabe, a ironia eraum conceito central para os romnticos alemes. Ela representavapara eles uma das formas da reflexo, do movimento de sada ede volta a si. A ironia , para Schlegel, Wechsel vonSelbstschpfung und Selbstvernichtung, alternncia entreautocriao e autoaniquilamento (Schlegel 1967: 172). Nada,portanto, mais prximo da traduo. Num fragmento tambm seupublicado na revista Lyceum der schnen Knste, pode-se ler umadefinio de ironia que revela a proximidade que havia para osromnticos entre este conceito e o de traduo, em que medidaironia e traduo implicavam para eles numa tarefa necessria eimpossvel de abandono e construo de si mesmo: Ela [sc. a

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    ironia] contm e estimula um sentimento da insolvel luta doincondicionado e do condicionado, da impossibilidade e necessidadede uma comunicao perfeita. Ela a licena mais livre de todas,pois atravs dela o homem pem-se para alm de si mesmo [durchsie setzt man sich ber sich selbst weg]; e ainda assim, a maisregulamentada de todas, pois ela incondicionalmente necessria(grifo meu; Schlegel 1967: 160). Que a ironia na nota de TorresFilho tenha sido deslanchada quando ele se deparou com o nome dasua ptria, Heimat, creio no precisa ser comentado aqui. Gostariade concluir a minha contribuio a esse encontro com essaaproximao entre a traduo irnica e a ironia da traduo.

    Notas

    1. Este trabalho foi primeiramente apresentado na seo Literarische bersetzung(Traduo Literria) do Deutschen Lusitanistentag 1995 em setembro de 1995que se realizou no Ibero-amerikanischen Institut-Berlin. Uma verso em alemo domesmo est publicada em: Ray-Gde Mertin (org.), Von Jesuiten, Trken, Deutschenund anderen Fremden, Frankfurt a. M., TFM, 1996, pp.165-185.

    2. Vale ressaltar os esforos de Johann A. Schlegel no que toca valorizao deuma prosaischen Dichtkunst, no seu trabalho Von der Einteilung der schnenKnste (1770). Nessa obra ele foi alm das concepes no apenas de CharlesBatteux, mas tambm das de Bodmer, Breitinger e Baumgarten.

    3. Para Schlegel Hegel um escritor ruim, enquanto ele achava que as obrasde Kant deveriam ser traduzidas para o alemo.

    4. Goethe 1989: vol. II 255 s. Goethe desenvolveu a sua noo de traduo aindaem Dichtung und Wahrheit (1989 vol. IX 493 s.), que ainda discutirei a seguir, eem outros textos como Germane Romance (1989: vol. XII 353) alm de alguns

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    aforismos das suas Maximen und Reflexionen, como por exemplo: A fora eviolncia de uma lngua no consiste no fato dela repelir o estranho, mas sim nofato dela devor-lo. (Die Gewalt einer Sprache ist nicht, da sie das Fremdeabweist, sondern da sie es verschlingt. E: Quem no conhece lnguasestrangeiras no sabe nada da sua prpria (1989: vol. XII 508). Ou seja, apenasao sair da nossa lngua que podemos v-la de fora; temos aqui evidentemente omodelo da Bildung aplicado linguagem.

    5. Gadamer 1990: 387 s. Com relao ao elemento historicista da filosofia deGadamer e que remonta ao relativismo histrico do sc. XVIII cf. a seguintepassagem extrada do seu texto Grenze der Sprache (1985): para ns, a lnguaestrangeira permanece uma singular experincia de fronteira. Nas profundezasda alma daquele que fala nunca torna-se totalmente convincente que outras lnguasdenominem coisas que lhe so muito familiares de outro modo, como por exemplo,para um alemo, que aquilo que um Pferd tambm possa ser chamado de horse.Decerto algo no lhe parece correto a (Gadamer 1993b: 359). Compara-seainda esse texto com a seguinte passagem de Wilhelm von Humboldt: Opensamento nunca trata de um objeto de modo isolado e nunca necessita dele dentrode toda realidade. Ele apenas corta ligaes, relaes, pontos de vista e os conecta.[...] tambm no caso de objetos completamente sensveis, as palavras de lnguasdiferentes no so sinnimos perfeitos [...] e quem diz hyppos, equus e Pferd nodiz perfeitamente a mesma coisa (Latium und Hellas, Humboldt 1986: 63).

    6. Gadamer 1990: 391. Cf. tambm de Gadamer, Klassische und philosophischeHermeneutik (1965) e Hermeneutik (1969) in: Gadamer 1993: 92, 436.

    7. Cf. Gadamer 1990: 394, que fala de continuidade da memria, Kontinuittdes Gedchtnisses, vinculada a uma valorizao do texto escrito em detrimentodos monumentos mudos que permaneceriam presos na sua alteridadeinsupervel.

    8. Cf. tambm: Genauso mu der bersetzer das Recht seiner eigenenMuttersprache, in die er bersetzt, selber festhalten und doch das Fremde, jaselbst Gegnerische des Textes und seiner Ausdruckgebung bei sich gelten lassen.Id., p.390. Essa passagem lembra a mxima de Franz Rosenzweig (inspirada,por sua vez, em Schleiermacher): bersetzen heit zwei Herren dienen. Alsokann es niemand. (Traduzir significa servir a dois senhores. Portanto, ningumo pode.) Permanece problemtica, nesse contexto, a viso de sujeito deGadamer, que nesse ponto fica aqum das reflexes de Fichte e de Novalis. O

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    sujeito da sua teoria aquele indivduo presente a si mesmo, sem ambigidades. Domesmo modo, para Gadamer a Verstndigung se d entre dois elementos die diegleiche Sprache sprechen (idem, p.387), como se fosse possvel uma traduzibilidadeabsoluta da linguagem de um indivduo para outro, mesmo dentro de uma mesmalngua. Tambm nesse ponto Gadamer no se despede da tradio da metafsica dapresena.

    9. Gadamer 1990: 390. Cf. tambm Selbst bei dem hoffnungslos scheinendenVerlustgeschft des bersetzens gibt es nicht nur ein Mehr oder Weniger an Verlust,es gibt auch mitunter so etwas wie Gewinn, mindestens einen Interpretationsgewinn,einen Zuwachs an Deutlichkeit und mitunter auch an Eindeutigkeit, wo dies einGewinn ist. Lesen ist wie bersetzen (1989), in: Gadamer 1993b: 279.

    10. Manfred Frank, no seu Stil in der Philosophie, parte dessa mesma crticawittgensteiniana para defender a impossibilidade de se separar a filosofia daliteratura. Ele nega que haja um Gattungsunterschied (diferena de gnero) entreambas. Para ele toda escrita est marcada pela questo do estilo, que o elementoirredutvel da linguagem, que vai alm da sintaxe. Parafraseando Gilles-GastonGranger, ele afirma: Der Stil ist selbst-nicht-seiender-Grund-der-Struktur (Frank1992: 51). Seguindo a lio de Peirce, para quem os signos tomados em si no temnenhum valor, Frank destaca que apenas atravs da apropriao e utilizao daestrutura cannica ou seja do nosso patrimnio gramatical e lexical por parte deum indivduo que nasce o discurso: esse elemento individual que corresponde aoestilo; graas ao cimento do estilo que se constri o discurso. Ora, se, como jvimos, desde o relativismo cultural, i.e. desde de Herder e sobretudo de Humboldt,at Gadamer, insistiu-se na no traduzibilidade das palavras isoladas, a matriacomum da linguagem, j o estilo, que constitui uma instncia ainda mais tnue damesma, ou mais densa gedichtet estaria ainda com mais razo dentro doparadigma do intraduzvel. Argumentando a favor da polisemia intrnseca linguagem,Frank lana mo tambm da teoria quineana da indeterminao da traduo. Quineconstruiu essa teoria no para provar a no-traduzibilidade entre as diversas lnguas,mas apenas achou na traduo um modelo radicalizado do nosso modo deconhecimento. A indeterminao ocorre para Quine j dentro da nossa prprialngua. Partindo de uma abordagem behaviorista, ele afirma que a traduo de Apara B e de B para C no implica num mapeamento de A por C, assim como se teriacom uma passagem direta de A para C. Tambm o mapeamento de A por B edepois de B por A no coincide com o A inicial (Frank 1992: 33). Para Quinecomo para Wittgenstein (alis tambm para Saussure): Eine Satz verstehen, heit,eine Sprache verstehen, compreender uma assero significa compreender umalngua (Wittgenstein cit. in Quine 1980: 143). O conceito de estilo e a valorizaoda linguagem como ao constituem noes centrais para a filosofia da traduo.

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    11. Jakobson 1988: 71. Vale notar que essa noo pode ser facilmente aproximadado conceito de hierglifo de Diderot. Diderot, apesar de evidentemente se manterdentro de uma viso representacionista da linguagem, j adiantara uma ordem deidias semelhantes, na medida em que para ele, graas ao seu conceito do hierglifoartstico, a poesia seria intraduzvel. Veja-se p. ex. a sua Lettre sur les surds etmuets [ lusage de ceux qui entendent et qui parlent], p.70. Cf. tambm OctavioPaz para uma defesa da intraduzibilidade da poesia: La poesa transformaradicalmente al lenguaje y en direccin contraria a la de la prosa. [...] Pues bien,apenas nos internamos en los dominios de la poesa, las palabras pierden su movilidady su intercanjeabilidad. Los sentidos del poema son mltiples y cambiantes; laspalabras del mismo poema son nicas e insustituibles. Cambiarlas sera destruir alpoema. La poesa, sin cesar de ser lenguaje, es un ms all del lenguaje (Paz1973: 64).

    12. Nas suas palavras: Quand le traducteur, qui na pas t sans sen apercevoir,peut ajouter une note, ou bien mettre des mots entre crochets, videmment, cequil fait nest pas une opration de traduction ce moment-l; commenter,analyser, mettre en garde, ce nest pas traduire, do le problme conomique dela traduction. Au fond, lidal dune traduction qui ne serait que traduction, cest detraduire un mot par un mot, ds que lon met deux mots ou trois pour un, et que latraduction devient explicitation analytique, ce nest plus une traduction au sensstrict. Derrida 1982: 204.

    13. Fehr 1993: 284. Fehr defende outras idias discutveis e heideggerianas como ao afirmar que para se compreender Heidegger deve-se ser alemo (p.276)! Na mesma coletnea de textos, Marina Bykova defendeu corretamente ocomentrio como uma parte integrante da traduo filosfica: Nur diebersetzerkommentare mssen und knnen klar machen und erzhlen, in welcherBedeutung ein konkreter Terminus in einem bestimmten Kontext benutzt wurde(Bykova 1993: 255).

    14. Benjamin tambm soube defender como depois dele Derrida a traduoabsolutamente literal: na verdade a tradio judaica encerra lado a lado essesdois modelos de traduo, o literal e o explicativo. O texto bblico s podeexistir enquanto uma escritura imvel, intraduzvel, mas tambm na medida emque lido e compreendido (da a proliferao de parfrases, glosas, comentrios,tradues, etc.).

    15. Rubens R. Torres Filho traduziu as seguintes obras de Fichte: ber den

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    Begriff der Wissenschaftslehre oder der sogenannten Philosophie, Grundlage dergesammten Wissenschaftslehre, Versuch einer neuren Darstellung derWissenschaftslehre, Sonnenklarer Bericht an das grssere Publikum ber daseigentliche Wesen der neuesten Philosophie, Darstellung der Wissenschaftslehre eDie Staatslehre, oder ber das Verhltniss des Urstaates zum Vernunftreichen.

    16. Como Paul Valry afirmou: Est prose lcrit qui a un but exprimable par unautre crit (Valry 1960: 555). Mas a filosofia da traduo, como vimos, noadmite se falar dessa linguagem prosa pura que seria oposta da poesia pura. verdade que a traduo, na medida em que ela obrigada a multiplicar asubstituio das palavras umas pelas outras, a ponto de estranh-las, possui umprincpio oposto ao da linguagem da poesia, sobretudo se a tomarmos nos termosanalisados por Octavio Paz. Mas ela enquanto princpio, enquanto fruto de umafilosofia da traduo, tambm crtica da prosa, da possibilidade de uma prosapura, da afirmao da possibilidade de intercambialidade entre os termos de umalinguagem (tpica da traduo na linha das belles infidles) crtica da recodificao,rewording nos termos de Jakobson ou ainda da possibilidade mesma de umatraduo absoluta entre diferentes lnguas da traduo no sentido prprio dotermo. A sua caracterstica est em afirmar a no-traduzibilidade da linguagem dedentro da necessidade da traduo: necessidade de Bildung, de sada e de volta asi que cria esse si mesmo.

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