financiamento da assistência médico-hospitalar no brasil

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ARTIGO ARTICLE 879 Financiamento da assistência médico-hospitalar no Brasil Hospital care financing in Brazil Resumo O presente artigo analisa as caracterís- ticas gerais do financiamento do setor saúde no Brasil e as principais mudanças ocorridas na ul- tima década no âmbito do SUS e da assistência suplementar, abordando as especificidades da aten- ção médico-hospitalar nesses dois segmentos, com ênfase no primeiro, em relação ao financiamento e às normas que os regem. O artigo apresenta as inovações nas modalidades de remuneração/con- tratação dos serviços hospitalares e outros fatores que vêm induzindo mudanças no perfil da rede assistencial, e finaliza com breves considerações das iniciativas gerenciais e regulatórias relacio- nadas à sustentabilidade financeira do setor. Palavras-chave Sistema de saúde no Brasil, Fi- nanciamento, Assistência médico-hospitalar Abstract This paper analyses the general char- acteristics of the healthcare financing in Brazil, together with major changes during the past de- cade in terms of the National Health System and the private supplementary component, discuss- ing the specific characteristics of hospital care in both segments, emphasizing the former and con- sidering aspects of their funding and regulation. This paper presents innovations in reimburse- ment schemes and contracts for hospital services, in addition to other factors that have prompted changes in delivery networks, ending with some brief remarks on managerial and regulatory ini- tiatives related to the quest for sustainable health- care financing. Key words Brazilian health system, Healthcare financing, Hospital care financing Déa Mara Tarbes de Carvalho 1 1 Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS. Setor de Autarquias Sul, Quadra 1, Bloco N - Edifício Terra Brasilis, salas 1406 a 1410. 70070-010. Brasília DF. [email protected]

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Page 1: Financiamento da assistência médico-hospitalar no Brasil

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879

Financiamento da assistência médico-hospitalar no Brasil

Hospital care financing in Brazil

Resumo O presente artigo analisa as caracterís-ticas gerais do financiamento do setor saúde noBrasil e as principais mudanças ocorridas na ul-tima década no âmbito do SUS e da assistênciasuplementar, abordando as especificidades da aten-ção médico-hospitalar nesses dois segmentos, comênfase no primeiro, em relação ao financiamentoe às normas que os regem. O artigo apresenta asinovações nas modalidades de remuneração/con-tratação dos serviços hospitalares e outros fatoresque vêm induzindo mudanças no perfil da redeassistencial, e finaliza com breves consideraçõesdas iniciativas gerenciais e regulatórias relacio-nadas à sustentabilidade financeira do setor.Palavras-chave Sistema de saúde no Brasil, Fi-nanciamento, Assistência médico-hospitalar

Abstract This paper analyses the general char-acteristics of the healthcare financing in Brazil,together with major changes during the past de-cade in terms of the National Health System andthe private supplementary component, discuss-ing the specific characteristics of hospital care inboth segments, emphasizing the former and con-sidering aspects of their funding and regulation.This paper presents innovations in reimburse-ment schemes and contracts for hospital services,in addition to other factors that have promptedchanges in delivery networks, ending with somebrief remarks on managerial and regulatory ini-tiatives related to the quest for sustainable health-care financing.Key words Brazilian health system, Healthcarefinancing, Hospital care financing

Déa Mara Tarbes de Carvalho 1

1 Conselho Nacional deSecretários de Saúde -CONASS. Setor deAutarquias Sul, Quadra 1,Bloco N - Edifício TerraBrasilis, salas 1406 a 1410.70070-010. Brasília [email protected]

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Introdução

Segundo o Suplemento de Saúde da PesquisaNacional de Amostra por Domicílio - PNAD, re-alizada pelo IBGE em 2003 1, dos 176 milhões deresidentes estimados para aquele ano, cerca de12,3 milhões de pessoas tiveram uma ou mais in-ternações hospitalares nos 12 meses que antecede-ram a entrevista, correspondendo a um coeficientede internação hospitalar de 7,0 por 100 habitan-tes. [...] Considerando a última internação no ano,67,6% foram financiadas pelo SUS (Sistema Úni-co de Saúde) e 24,3% tiveram participação inte-gral ou parcial do plano de saúde no seu financia-mento. Não foi levantado o quantitativo de hos-pitalizações pagas diretamente (do bolso) pelousuário ou seus familiares, sendo possível suporque estejam contempladas nos 8,1% restantes.Sem dúvida, as informações aportadas pelaPNAD traçam um cenário fidedigno e bastanteatual da composição do financiamento da assis-tência médico-hospitalar no Brasil, na perspecti-va da utilização desses serviços. É inquestionávela importância do financiamento público dos ser-viços de saúde no Brasil, onde mais de 30% dapopulação vive em estado de pobreza (renda fa-miliar mensal per capita de até meio salário mí-nimo), e os gastos das famílias com habitação,alimentação e transportes têm, em média, umaparticipação superior a 82% no total das suasdespesas, não incluídos aí os gastos com saúde,equivalentes a 5,35% do total 2.

Assim é que os últimos vinte anos foram mar-cados pela luta dos profissionais da área, e devários grupos políticos ligados ao setor, por maisrecursos governamentais para a saúde. Piola &Biasoto3 destacaram três importantes iniciativasocorridas no período, voltadas a garantir quanti-tativos razoáveis e fontes estáveis de financiamen-to. A primeira foi a inclusão em 1988, no Ato dasDisposições Transitórias (ADCT) da Constitui-ção Federal, no seu Artigo 55, de que 30% no mí-nimo do Orçamento da Seguridade Social seriamdestinados ao setor saúde, até que as Leis de Dire-trizes Orçamentárias (LDO – do ano seguinte esubseqüentes) estabelecessem a partilha mais ade-quada. Em 1993, com a cessação das transferên-cias, originadas das contribuições sobre folha desalários, realizadas pelo Instituto Nacional de Se-guridade Social (INSS), em virtude do aumentoda despesa previdenciária, a saúde voltou a dis-putar maiores percentuais de participação de ou-tras fontes com as demais áreas de governo. Asegunda foi a criação da Contribuição Provisóriasobre a Movimentação Financeira (CPMF), como

fonte vinculada ao setor, em 1996 (Lei nº 9.311, de24 de outubro de 1996). Dois anos depois, elaperdeu a sua exclusividade para a saúde, emboratenha sido prorrogada “após intensos debates le-gislativos”. Finalmente, a terceira foi a aprovação,em agosto de 2000, da Emenda Constitucional29, que vinculou percentuais mínimos da receitadas três esferas de governo às despesas setoriais,como será comentado adiante.

Ao longo dessa história, a atenção médico-hospitalar esteve sempre em evidência, simulta-neamente como vilã, uma vez que é tida pormuitos como maior responsável pelo aumentodos custos, e como vítima, na medida em que osvalores de remuneração de serviços ficam geral-mente aquém dos custos reais estimados pelospróprios prestadores. Por sua vez, florescendo àsombra dessas dificuldades, o sistema privadode planos e seguros de saúde se expandiu, ali-mentado pela migração dos trabalhadores do mer-cado formal de trabalho, subvencionados pelosempregadores 4. Neste artigo, serão abordadosaspectos relativos a esses dois segmentos prepon-derantes no país, com ênfase no primeiro, noque se refere ao seu financiamento, às normasque os regem e à sua sustentabilidade, na pers-pectiva de gestores e de prestadores de serviços.

Financiamento global da saúde no Brasil

Dados da Organização Mundial da Saúde 5 indi-cam que o Brasil vem se colocando, nos últimoscinco anos, entre os dez países do continente ame-ricano com maiores gastos com saúde em valoresabsolutos, calculados, para 2003, em US$ 37,5 bi-lhões pela taxa média de câmbio ou US$ 105,6bilhões internacionais (convertidos em PPP - pur-chasing power parity ou “paridade de poder decompra”, unidade monetária hipotética que temo mesmo poder aquisitivo que o equivalente emdólares americanos nos Estados Unidos, para umamesma referência temporal). Aproximadamente45% do gasto total seriam provenientes de fontespúblicas e os 55% restantes de fontes privadas.Destes, quase dois terços (64,5%) teriam sidodespendidos diretamente do bolso pelos usuári-os para pagamento de bens – aí incluídos medi-camentos - e serviços de saúde. Gastos públicos,por sua vez, são aqueles realizados com receitaspróprias das três esferas de governo, para o pro-vimento gratuito destes bens e serviços de saúde àpopulação. O Quadro 1 mostra a evolução destesgastos, tal como registrados no país, nos últimosdez anos.

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Saúde Coletiva, 12(4):879-892, 2007

É importante atentar para o fato de que, alémdas metodologias, os conceitos utilizados paralevantamento dessas informações nos três pri-meiros anos considerados (1994 – 1996) diferembastante dos cinco últimos. Para o cálculo dasdespesas realizadas a partir do ano 2000, o Minis-tério da Saúde adotou o conceito de “ações e ser-viços públicos de saúde” expresso na Resoluçãonº 322 do Conselho Nacional de Saúde - CNS, de08 de maio de 2003, que exclui desse universo to-dos os gastos relativos a pagamento de aposenta-dorias e pensões; assistência à saúde que não aten-da ao princípio da universalidade (clientela fecha-da); merenda escolar; limpeza urbana e remoçãode resíduos sólidos (lixo); preservação e correçãodo meio ambiente, realizadas pelos órgãos de meio

ambiente dos entes federativos e por entidadesnão governamentais; e ações de saneamento bá-sico e de assistência social não motivadas direta-mente por questões relativas à saúde.

Sem qualquer implicação legal, a ResoluçãoCNS 322/2003 teve como finalidade uniformizaro entendimento sobre a matéria para efeito deaferimento do cumprimento da Emenda Consti-tucional 29 (EC 29) pelas três esferas de governo,até que fosse aprovada a Lei Complementar re-gulamentadora, ainda em tramitação no Con-gresso Nacional. Por força da EC 29, o mínimo aser aplicado pelos estados em ações e serviçospúblicos de saúde é de 12% das suas receitas pró-prias e pelos municípios 15% das receitas própri-as, com tolerância para o alcance progressivo des-

Quadro 1. Despesas com ações e serviços públicos de saúde por esfera de governo (1994 – 1996 e 2000 – 2003) – Em R$ nominais.

Fontes: 1994 a 1996 – IPEA / DISOC17. 2000 a 2003 – Departamento de Economia da Saúde/SCTIE / MS. 2004 – Dados estaduais – NT 49 deAgo 2006.

Federal

Estadual

Municipal

Total

Anos

Despesa

(R$ milhões)

Despesa por

hab (R$)

% do Total

% do PIB

Despesa

(R$ milhões)

Despesa por

hab (R$)

% do Total

% do PIB

Despesa

(R$ milhões)

Despesa por

hab (R$)

% do Total

% do PIB

Despesa

(R$ milhões)

Despesa por

hab (R$)

% do Total

% do PIB

1994

21.479,0

139,72

60,7

2,0

7.830,0

50,93

22,1

0,7

6.092,0

39,63

17,2

0,6

35.401,0

230,29

100,0

3,3

1995

25.472,0

163,47

63,8

2,2

7.494,0

48,09

18,8

0,6

6.959,0

44,66

17,4

0,6

39.925,0

256,22

100,0

3,4

1996

21.485,0

136,79

53,4

1,7

7.512,0

47,83

18,7

0,6

11.253,0

71,64

28,0

0,9

40.250,0

256,25

100,0

3,2

2000

20.351,0

119,86

59,7

1,9

6.313,0

37,18

18,5

0,6

7.404,0

44,14

21,7

0,7

34.069,0

200,64

100,0

3,1

2001

22.474,0

130,37

56,2

1,9

8.270,0

47,97

20,7

0,7

9.269,0

54,43

23,2

0,8

40.013,0

232,11

100,0

3,3

2002

24.737,0

141,65

52,9

1,8

10.309,0

59,03

22,0

0,8

11.759,0

68,17

25,1

0,9

46.805,0

268,02

100,0

3,5

2003

27.181,0

153,67

50,7

1,8

12.224,0

69,11

22,8

0,8

14.219,0

81,39

26,5

0,9

53.624,0

303,17

100,0

3,5

2004

32.703,5

182,60

50,1

1,9

16.544,8

92,37

25,3

0,9

16.055,0

89,64

24,6

0,9

65.555,6

364,61

100,0

3,7

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ses patamares do ano 2000 até o ano de 2004.Para a União, o limite mínimo de gastos foi esta-belecido como o valor empenhado em 1999acrescido de 5% e, nos anos subseqüentes, da va-riação nominal do Produto Interno Bruto - PIB 6.Como mostra o Gráfico 1, houve aumento doquantitativo total de recursos destinados ao se-tor, de 2000 a 2004, como conseqüência, princi-palmente, do incremento de inversões por partede estados e municípios. Embora tenha sido ob-servado certo crescimento em valores nominaistambém nos aportes federais, houve redução subs-tantiva da participação percentual da saúde nasreceitas correntes da União (Gráfico 1).

Os recursos destinados às despesas do Mi-nistério da Saúde com essas ações derivam ma-joritariamente de receitas de contribuições soci-ais, principalmente da Contribuição sobre o Lu-cro Líquido das Empresas (CSLL), da Contri-buição Provisória sobre Movimentação Finan-ceira (CPMF) e da Contribuição para o Financi-amento Seguridade Social (COFINS). A execu-ção orçamentária do MS, em 2004, mostrou umaparticipação relativa destas fontes de, respectiva-mente, 32,3%, 29,4% e 25,2%.

O Quadro 2 mostra a evolução das despesasdo MS, nos últimos dez anos, com grandes cate-gorias de gastos, merecendo destaque o incre-mento de 479% para medicamentos de dispen-sação em caráter excepcional, em valores corrigi-dos pelo IPCA de dezembro de 2004, tendo au-mentado sua participação no gasto total commedicamentos (excepcionais, estratégicos e far-mácia básica) de 14% em 1995 para 34% em 2004.As despesas com pessoal ativo sofreram uma re-dução bastante expressiva no período, de 19,4%,tendo sua participação no total reduzida de 20%para 11,6%, reduções essas previsíveis como con-seqüência do processo de descentralização.

A atenção básica foi o segmento assistencialque teve maior aumento (134,5%), tendo sido de33,7% o da atenção de média e alta complexidade,responsável pelo financiamento da maior parteda assistência hospitalar (as exceções são algunshospitais federais com orçamento próprio, comoo Sarah Kubtscheck e o Grupo Hospitalar Con-ceição). Enquanto o primeiro teve sua participa-ção relativa no total de gastos incrementada de10,8% para 18,3%, o segundo teve a sua reduzidade 50% para 48%, refletindo a determinação dosgestores no sentido da mudança de modelo.

Gráfico 1. Despesas do Ministério da Saúde em percentual das Receitas Correntes da União.

Fonte: Departamento de Economia da Saúde/SCTIE/MS.

Despesas do MS com Ações e Serviços Públicos de Saúdeem % das Receitas Correntes da União

2000 a 2005

8,20

8,00

7,80

7,60

7,40

7,20

7,00

6,80

6,60

%

8,10

2000 2001 2002 2003 2004 2005

7,207,30

7,107,20

7,80

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Financiamento públicoda assistência médico-hospitalar

O perfil de gastos dentro da grande categoria da “aten-ção de média e alta complexidade” – MAC, que incluidespesas com assistência hospitalar e a média e altacomplexidade ambulatorial, também sofreu altera-ções nos últimos dez anos. Em 1995, a assistência hos-

pitalar respondia por 65,42% destes gastos;em 2005 este percentual caiu para 43,83%.Em grande parte, isso pode ser atribuído àspolíticas implementadas - amparadas pelaevolução de tecnologias e processos de tra-balho - de substituição da hospitalização pelaatenção ambulatorial, embora profissionaisde algumas áreas façam referência aos suces-

Quadro 2. Evolução das Despesas do Ministério da Saúde, 1995 a 2004 – R$ Milhões de Dezembro de2004 - IPCA.

Tipo de Gasto

1) Média e altacomplexidade - MAC

Serviços produzidos(AIH/SIA)

Fundo a fundoGestão plena (ou

semiplena)Medicamentos

excepcionais (1)

2) Atenção BásicaPAB FixoPAB VariávelEpidemiologia e

controle de doençasFarmácia básicaAções básicas

Vigilância SanitáriaPACS/PSFBolsa Família,

alimentação e comb.carências nutricionais

3) Medicamentosestratégicos (2)

4) Saneamento básico

5) Emendasparlamentares

6) Demais ações OCK

7) Pessoal ativo

Ações e Serviços deSaúde - Total

1995

11.819

10.5831.236

1.093

143

2.5572.152

405

- -

6152

249

875

125

0

3.530

4.726

23.632

1996

11.797

9.1592.638

2.515

123

2.2772.017

260

- -

9195

56

407

60

123

3.011

4.160

21.835

1997

13.685

9.5094.178

3.892

286

3.0352.358

677

202 -

35269

171

953

152

341

3.602

4.092

25.861

1998

12.501

6.9015.598

5.329

271

3.6622.833

829

20474

82372

97

864

235

408

3.710

3.702

25.082

1999

13.568

8.2715.296

5.011

285

3.9432.6831.259

281187

91489

211

1.262

304

535

4.327

3.777

27.715

2000

14.447

6.3048.142

7.632

512

4.3822.4601.922

482234

56935

217

1.178

227

546

4.473

3.749

29.001

2001

15.017

5.6319.386

8.792

596

4.8942.3692.525

708222

871.282

225

1.136

1.587

823

2.808

3.478

29.743

2002

14.358

6.1048.254

7.714

539

4.9722.1922.780

649195

881.550

299

1.349

670

516

3.728

3.498

29.091

2003

14.817

5.8708.947

8.392

555

5.1222.0363.086

662190

931.747

394

1.275

109

548

3.790

3.590

29.249

2004

15.807

1.29014.517

13.691

826

5.9972.0943.903

641186

832.163

830

1.418

471

753

4.447

3.810

32.703

Fonte: Departamento de Economia da Saúde/SCTIE/MS, cálculo de deflação pelo - IPCA realizado pelo IPEA.(1) Inclui os relacionados a procedimentos de alta complexidade/custo, como transplantes e câncer, p.ex.; (2) inclui os relacionados àhanseníase, TB e AIDS, entre outros.

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sos alcançados na redução de danos, resultantesda priorização e aumento de cobertura da aten-ção básica e de procedimentos preventivos.

Outra alteração digna de nota é a que diz res-peito à distribuição desses recursos entre os pro-cedimentos de média e de alta complexidade (Grá-fico 2). Embora restrições próprias ao sistemade informações ambulatoriais só permitam aconstrução da série a partir de 1999, é fácil obser-var o aumento da participação daqueles de altacomplexidade em relação aos demais (de 21,5%do total em 1999 para 41% em 2005). No que serefere aos gastos exclusivamente hospitalares, estecrescimento foi de 13% para 22,4%. São muitasas possíveis explicações para este fato, podendoser listadas entre elas a pressão da classe médiabrasileira pela oferta de serviços não cobertospor seus planos de saúde; os lobbies de empresas- fabricantes ou importadoras de equipamentose insumos - e associações de especialistas que le-vam a aumentos diferenciados nos valores dastabelas; e a incorporação em ritmo crescente denovas (e caras) tecnologias. Nas palavras doConselheiro Evilázio Teubner Ferreira, do Con-selho Regional de Medicina de Minas Gerais, “há

algumas décadas, os gastos com transplantes,hemodiálises, tratamento com prematuros e ou-tros de grande complexidade não faziam parteda rotina da vida de pacientes nem das planilhasde gastos do setor como se vê hoje”7.

Contribui também para essa situação, a au-sência de caracterização clara e de parametriza-ção da atenção de média complexidade, definidapelos gestores como “tudo o que não está inclu-ído na atenção básica e na alta complexidade”,como reflexo da pouca importância que lhe édada. Os longos períodos de congelamento dosvalores atribuídos a tais procedimentos nas ta-belas de referência nacional e os reajustes insufi-cientes, quando ocorrem, têm levado ao seu subfi-nanciamento, demonstrado, por exemplo, emestudo realizado pela PLANISA, comparando osvalores estabelecidos nas Tabelas de Procedimen-tos do SUS e seu custo real (sic), como no Qua-dro 38. O resultado é o estrangulamento das açõesaí compreendidas, com insuficiência de oferta emmuitos municípios e estados da federação, quese vêem compelidos a complementar os valoresde remuneração aos prestadores com recursospróprios.

Fonte: SIA e SIH SUS – DATASUS/MS. [acessado 2006 Jun]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br

Gráfico 2. Gastos com procedimentos assistenciais de média e alta complexidades.

Gastos totais com procedimentos ambulatoriais e hospitalaresde média e alta complexidades

Brasil, 1999-2005

Média complexidade Alta complexidade

100%

2000 2001 2002 2003 2004 2005

90%80%70%60%50%40%30%20%10%0%

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Vale lembrar que a Tabela de Procedimentos,utilizada como referência para a remuneração deserviços hospitalares prestados ao SUS, foi im-plantada no início da década de 80, como inte-grante do então denominado Sistema de Assis-tência Médico-Hospitalar da Previdência Social– SAMHPS, que se caracterizava, segundo Le-vcovitz e Pereira9, como um sistema de remunera-ção fixa por procedimento, baseado no conceito devalores médios globais atribuídos [...] aos procedi-mentos aceitos normativamente como realizáveispela rede de assistência hospitalar. O valor finan-ceiro estabelecido para cada procedimento foicalculado, na época, a partir de análise das con-tas apresentadas pelos hospitais durante seismeses, enquanto a tabela de procedimentos tevecomo base a Classificação Internacional de Pro-cedimentos da Organização Mundial da Saúde.Com a implantação do Sistema Único de Saúde,o SAMHPS foi renomeado SIH – Sistema de In-formações Hospitalares (em 1991) e continua atéos dias de hoje sendo utilizado como base para opagamento de hospitais, embora os valores atu-almente constantes da tabela guardem pouca ounenhuma relação com os custos.

Na verdade, o fortalecimento dos processosde estruturação e regulação do sistema públicode saúde no Brasil, no contexto da descentraliza-ção da gestão para os municípios, teve como prin-cipal instrumento a indução através da criação ealteração dos mecanismos de transferência derecursos financeiros. Assim, o SIH passou a ser

utilizado como um destes mecanismos, sendofortemente afetado pelas políticas implantadas.Como exemplos destas políticas, podem ser ci-tadas as limitações estipuladas em relação ao nú-mero de internações passíveis de apresentaçãopelos estados e municípios, para pagamento comrecursos federais, pelo SIH (equivalente a 9% dapopulação residente ao ano) e em relação ao va-lor a ser com elas despendido, definido pelo tetofinanceiro atribuído por portarias do Ministérioda Saúde. Outro exemplo é a indução à reduçãoda proporção de partos cesáreos ocorridos nopaís, operada por meio da Portaria GM/MS nº2.816 de 1998, que limitou o número de partoscesáreos a serem remunerados, a partir de suaproporção no total de cada hospital, registradopelo sistema. Vale observar que, na mesma lógi-ca, antes e depois desta, outras portarias reduzi-ram o diferencial do valor de remuneração doparto cesáreo em relação ao parto normal. Comoconseqüência dessas políticas, as secretarias es-taduais e municipais de saúde passaram a arcarcom uma porção cada vez mais expressiva deinternações realizadas em hospitais públicos oumesmo por prestadores privados (situados emterritórios em gestão semiplena e depois plena desistema, segundo as NOB 93 e 96), que nuncaforam registradas pelo SIH nem tiveram seusquantitativos estimados.

Um dos principais resultados da desvincula-ção entre custos e valores de pagamento foi apenalização dos prestadores privados de servi-

Quadro 3. Comparação entre custos dos procedimentos hospitalares e valores de remuneração da tabela doSIH/SUS (em R$ 1,00) - 2002.

Procedimento

Transplante de fígado

Transplante renal - Receptor (Doador vivo)

Transplante de coração

Correção cirúrgica da cardiopatia congênita

Tratamento da AIDS

Apendicectomia

Colecistectomia

Crise hipertensiva

Custo

15.609,21

5.533,75

11.842,43

3.751,19

2.537,53

968,84

1.948,67

662,52

Tabela SIH/SUS

51.899,46

14.828,17

22.242,48

4.813,35

1.407,39

302,83

455,04

120,05

% Tabela/Custo

332,49

267,96

187,82

128,32

55,46

31,26

23,35

18,12

Fonte: Extraído de estudo da PLANISA (2002).

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ços, que não contavam com aportes suplemen-tares de recursos governamentais como os hos-pitais públicos. Dirigentes de instituições filan-trópicas estimavam que, em 2005, no mínimo60% (sessenta por cento) da assistência prestadapor seus hospitais era dirigida a usuários do sis-tema público de saúde, sendo que os valores re-passados pelo SUS a título de ressarcimento re-presentavam em torno de 30% (trinta por cento)de sua receita bruta10. Apesar disso, outras for-mas de subvenção estatal (renúncia de encargose impostos) e a diversificação – inclusive criaçãode planos de saúde próprios – possibilitou-oscontornar a situação, e mesmo crescer proporci-onalmente de forma significativa, como demons-tra o Quadro 4. Menos bem aquinhoados, mui-tos hospitais privados lucrativos deixaram de fir-mar contratos com o SUS e outros tantos fecha-ram as portas. Uma pesquisa realizada pela Fe-deração Brasileira de Hospitais – FBH em 2000,em uma amostra de 206 estabelecimentos priva-dos lucrativos, apontou um endividamento glo-bal equivalente a aproximadamente seis vezes oseu faturamento mensal, composto principal-mente por encargos trabalhistas e impostos ematraso (41,2%) e dívidas com bancos e fornece-dores (29,5%) 11.

No Quadro 4, é possível observar o encolhi-mento do setor privado lucrativo e aumento ex-pressivo da participação dos hospitais filantró-picos, particularmente no que se refere à dispo-nibilização de leitos e captação de recursos, emconformidade com a diretriz constitucional quedetermina a priorização dos segundos para par-ticipação na rede pública de serviços. Cabe desta-car que, neste período de 1995 a 2005, houve umaredução de aproximadamente 13% no quantita-tivo total de leitos e de 10% no número de inter-nações pagas pelo SUS, embora a população bra-sileira tenha tido um crescimento de 18%. Ainda,no processo de adaptação às políticas mencio-nadas, muitos estabelecimentos passaram a pri-vilegiar procedimentos de maior complexidade,comportamento este em boa parte responsávelpelo aumento do “valor médio” da internação.

Em 2004, em resposta à crise crônica dos hos-pitais de ensino, pertencentes às três categorias(pública, filantrópica e privada lucrativa), osMinistérios da Saúde e da Educação fizeram pu-blicar uma série de portarias (Portarias Intermi-nisteriais nº 1.000, 1.005, 1.006 e 1.007 de 2004)que alteraram a forma de certificação e de finan-ciamento desses estabelecimentos, reintroduzin-do a modalidade de orçamentação global. O de-nominado Programa de Reestruturação dos

Hospitais de Ensino previa a “contratualização”das unidades assistenciais – celebração de con-trato em que são incluídas cláusulas relaciona-das a metas e indicadores de qualidade e de pro-dução de serviços, bem como a definição clara desua inserção na rede –, definindo como base decálculo para o repasse fixo mensal a série históri-ca de serviços produzidos, acrescida dos valoresdo FIDEPS (Fator de Incentivo ao Desenvolvi-mento de Ensino e Pesquisa em Saúde), de novosincentivos e do impacto dos reajustes futuros dosvalores da remuneração de procedimentos am-bulatoriais e hospitalares, entre outros (PortariaInterministerial 1.006 de maio de 2004, art. 4º).

Essa medida teve o mérito de agradar tantoprestadores de serviços quanto os gestores. Osprimeiros, porque ela proporcionou um volumeadicional de recursos, além de viabilizar melhorplanejamento de gastos. Os segundos, porquepassaram a ter mais possibilidades de regulaçãode tais estabelecimentos, através das condições emetas acordadas. Assim, no final de 2005, foiproposto o Programa de Reestruturação e Con-tratualização dos Hospitais Filantrópicos no SUS,nos mesmos moldes, tendo como maior fator deatração o aporte extraordinário de recursos a tí-tulo de Incentivo de Adesão à Contratualização/IAC. Considerando que em junho de 2004 oshospitais de pequeno porte já haviam sido sub-metidos a processo semelhante (Portaria GM/MS nº 1.044, de 1º de junho de 2004) e que oshospitais psiquiátricos são objeto de políticasadequadas às suas especificidades, apenas os es-tabelecimentos privados lucrativos, não contem-plados em outras categorias, continuam a serremunerados por produção de serviços, semquaisquer recursos adicionais. Apesar disso, épossível que também estes venham a ser eventu-almente enquadrados por iniciativa dos gestoresmunicipais e estaduais, a julgar pelas novas nor-mas emitidas pelo Ministério da Saúde, notada-mente através da Portaria GM/MS nº 358/2006,que institui “Diretrizes para Contratação de Ser-viços Assistenciais no âmbito do Sistema Únicode Saúde – SUS”, e da Portaria GM/MS nº 399/2006, que estabelece a contratualização como umadas diretrizes do “Pacto pela Saúde” (comentadoadiante, no item “Considerações finais”).

Embora essas alterações na modalidade depagamento sejam ainda muito recentes para se-rem avaliadas, é possível que, na perspectiva doshospitais, passado o primeiro momento de “ex-pansão”, as dificuldades retornem, relacionadascomo estão à disponibilidade financeira dos ges-tores das três esferas de governo. Neste contexto,

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considerando que a pressão pelo aumento de re-cursos para a assistência médico-hospitalar ten-derá a se concentrar sobre os gestores estaduais emunicipais, as diferentes capacidades de gastodos diversos estados da federação poderão de-terminar o aumento das desigualdades regionais,já tão evidentes. Ainda, no que se refere aos ges-tores, o sucesso da iniciativa está fortemente re-lacionado à capacidade de avaliação, controle ecapacidade de intervenção oportuna sobre essesestabelecimentos.

Assistência suplementar

O sistema privado de planos e seguros de saúdecresceu e experimentou grande diversificação nasmodalidades empresariais que o compõem entreos anos de 1987 e 1998, sem que estivessem subme-tidas à regulação pública. Apenas em 1998 foi apro-vada legislação regulatória (Lei 9.656, de agostode 1998), que estabeleceu regras para os contratose coberturas, e em 2000 foi criada a Agência Naci-onal de Saúde Suplementar — ANS (Lei 9.961, de28 de janeiro de 2000), responsável pelo controledessa área”4.

Apesar de diversos autores correlacionaremas dificuldades enfrentadas pelo SUS com a ex-pansão da assistência suplementar, sugerindo umprocesso de compensação ou de substituição, osdados disponíveis sugerem uma correlação mai-

or da cobertura por planos e seguros privadoscom a concentração de renda e de oferta de servi-ços. Assim, a região sudeste apresenta maior co-bertura de planos privados de saúde e é a maisexpressiva na produção de serviços para o SUS,enquanto a região norte figura como a mais des-provida em relação aos dois setores (Quadro 5).

O Suplemento de Saúde da Pesquisa Nacio-nal de Amostra por Domicílio - PNAD, realizadapelo IBGE em 2003, já mencionado, aponta tam-bém uma forte associação positiva entre coberturade plano de saúde e rendimento familiar, isto é,quanto maior o rendimento, maior a coberturapor plano de saúde. Na classe de rendimento fami-liar inferior a 1 salário mínimo, a cobertura era de2,9%, enquanto na classe de 20 salários mínimosou mais atingia 83,8% das pessoas” 1. Ainda se-gundo este Suplemento, a cobertura era expres-sivamente maior nas populações urbanas do quenas rurais, um pouco maior entre as mulheres(25,9%) do que entre os homens (23,1%) e au-mentava de forma proporcional à idade. Estecenário parece ser estável, sendo bastante similarao apresentado no Suplemento de Saúde da PNADde 1998 e aos dados da ANS.

Tanto a PNAD quanto os dados disponibili-zados pela ANS situam a cobertura global dosplanos assistenciais privados entre 18% e 20% dapopulação nos últimos sete anos. De acordo coma ANS, dos cobertos, 90% são vinculados a 30%das operadoras registradas (399), principalmente

Quadro 4. Perfil da rede de assistência hospitalar do SUS.

Participação na composição da rede –Quantitativo de leitos (%)(* Último dado é de 2003)

Participação nos gastos do SUS cominternação (%)

Participação no quantitativo deinternações (%)

Valor médio da internação (R$ 1,00)

Hospitais por natureza

PúblicosPrivados sem fins lucrativosDemais privados

PúblicosPrivados sem fins lucrativosDemais privados

PúblicosPrivados sem fins lucrativosDemais privados

PúblicosPrivados sem fins lucrativosDemais privadosGeral

1995

30,5625,4643,99

37,2925,4937,22

31,1230,6238,26

302,51210,09245,62252,44

2000

32,4033,4634,14

36,8337,9725,20

37,1237,6425,24

406,20412,93408,74409,37

2005

34,52*35,90*29,59*

39,1043,3917,51

42,8039,7517,45

556,05664,45610,77608,68

Fonte: SIH / SUS – DATASUS/MS. [acessado 2006 Jun]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br

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de medicina de grupo e cooperativas médicas, eaproximadamente 70% possuem planos de saú-de que cobrem hospitalizações 12.

Ainda pelas informações disponibilizadas pelaPNAD, para aproximadamente metade dos be-neficiários, o pagamento da mensalidade dos pla-nos privados de saúde era efetuado pelo empre-gador do titular, sendo que destes, mais da meta-de previa alguma forma de participação do segu-rado. Para os empregadores, algumas das vanta-gens em oferecer tais benefícios são de naturezacontábil e de subsídio fiscal às empresas, uma vezque podem lançar essa despesa como gasto ope-racional e, assim, abatê-la do Imposto de Rendade Pessoa Jurídica. As informações disponíveis es-timam que os gastos das empresas com planos e se-guros saúde correspondem a proporções que vari-am entre 3,5% e 6% da folha salarial. Também aspessoas físicas podem deduzir integralmente o gastocom planos e seguros de saúde em seu imposto derenda 4. De acordo com as informações da ANS,relativas a março de 2006, 68% do total de benefi-ciários são vinculados a planos coletivos, não ha-vendo disponibilidade de dados que permitamcalcular quanto isso representa da receita total.

Entre as diferentes modalidades de operado-ras médico-hospitalares, as cooperativas médi-cas e medicina de grupo respondem por aproxi-madamente 70% da receita e 70% da despesa as-sistencial do setor. Consideradas todas as moda-lidades, tais despesas representam 80% do totaldas receitas, sendo os restantes 20% atribuídos adespesas administrativas. Existe, no entanto, umanotável variação entre elas, de 25% de despesasadministrativas das filantrópicas à 13% das em-presas de autogestão. Embora existam poucos

dados individualizados disponíveis sobre as in-ternações cobertas por essas empresas, suas des-pesas assistenciais totais por beneficiário equiva-lem aproximadamente ao dobro do gasto per ca-pita realizado pelo SUS, aí considerados os dastrês esferas de governo (Quadro 6). Quando con-sideradas somente as despesas do Ministério daSaúde com a assistência ambulatorial e hospita-lar, no entanto, a diferença aumenta, sendo a des-pesa das operadoras aproximadamente seis vezesmaior que a do MS. Uma vez que esses númerosnão incluem as despesas do MS com os hospitaisfederais de orçamento próprio nem os gastos deestados e municípios com essas ações, é lícito de-duzir que o dispêndio assistencial total, per capi-ta, do SUS se situa entre esses extremos.

Dados melhores para a análise comparativasão os de utilização e de valores médios dos ser-viços assistenciais prestados, embora com as res-trições já mencionadas. No que se refere às inter-nações hospitalares, as realizadas por planos in-dividuais ou coletivos sem patrocinador apre-sentam maior taxa de utilização e menor valormédio do que as realizadas por planos coletivoscom patrocinador (Quadro 7). No geral, as ta-xas de utilização e valores médios observadospara os planos de saúde são aproximadamentetrês vezes maiores do que os apurados para oSUS (hospitalizações registradas pelo SIH/SUS).A indisponibilidade de dados da ANS desagrega-dos inviabiliza a análise das variações regionais.

A partir de 1999, as hospitalizações de benefi-ciários de planos e seguros privados realizadaspela rede hospitalar do SUS passaram a ser ob-jeto de ressarcimento, das operadoras aos cofresdo governo, entre outros motivos, como forma

Quadro 5. Indicadores regionais selecionados - 2005.

Regiões

NorteNordesteSudesteSulCentro-OesteBrasil

Internações - SUS Gastos cominternações - SUS

Beneficiários de planos desaúde (assist. médica)

Quantidade

965.3283.280.2504.401.0871.834.243

948.22511.429.133

%

8,4528,7038,5116,05

8,30100,00

p/ 1000hab.65,6764,2956,0868,0072,8262,05

Gasto total R$

403.059.213,471.657.141.863,563.106.644.320,981.278.855.033,33

511.064.152,956.956.764.584,29

%

5,7923,8244,6618,38

7,35100,00

p/ hab.

27,4232,4839,5947,4139,2537,77

Total

1.041.6254.394.792

24.443.5524.652.1961.656.315

36.194.278

%

2,8812,1467,5312,85

4,58100,00

Cobertura(%)7,098,61

31,1517,2512,7219,65

Fonte: SIH / SUS – DATASUS/MS. [acessado 2006 Jun]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br; e ANS 2006.

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de coibir a prática da transferência, ao sistemapúblico de saúde, dos tratamentos mais comple-xos e custosos. Com a construção de melhoressistemas de informações e metodologias volta-das a essa finalidade, o volume de procedimen-tos identificados como passíveis de ressarcimen-to e efetivamente pagos aumenta a cada ano: de0,3% do total realizado pelo SUS em 1999 a 1,6%em 2004, resultando no recolhimento de R$ 10milhões ou 0,15% dos gastos públicos com in-ternações registrado naquele ano13. Procedimen-tos obstétricos – parto normal, cesáreo e cureta-gem pós-aborto – foram os mais freqüentes nosseis anos considerados, correspondendo a apro-ximadamente 19% do total.

Considerações finais

Sem dúvida o caminho para a sustentabilidadeda assistência médico-hospitalar pública passapela busca e adoção de diretrizes, metodologias einstrumentos voltados ao aumento da receita e àredução dos custos. O Secretário Municipal deSaúde de Belo Horizonte, Dr. Helvécio Magalhães,estimou em 10% o aumento anual do custo comsaúde, acima dos índices inflacionários gerais 7.Embora não comprovada por instituições depesquisa, essa percepção comum a todos os ges-tores tem motivado a busca constante por maisrecursos para o setor. O aumento da participa-ção dos estados e municípios no financiamento

Quadro 7. Utilização de serviços hospitalares e valores médios de internação – SIH/SUS e Operadoras dePlanos Privados de Saúde – 2002 a 2004 em R$ nominais.

Quadro 6. Despesa assistencial das operadoras privadas, despesa das três esferas de governo com ações eserviços públicos de saúde e despesas ambulatoriais e hospitalares do Ministério da Saúde (Total) - Valor percapita anual – 2000 a 2005.

Ano

Operadoras médico-hospitalares(R$1,00/beneficiário/ano)

Estado (total das três esferas de governo)(R$1,00/habitante/ano)

Despesas ambulatoriais e hospitalares doMinistério da Saúde (Total) (1)(R$1,00/habitante/ano)

2000

nd

200,64

80,45

2001

476,82

232,11

79,97

2002

543,27

268,02

87,89

2003

597,32

303,17

98,14

2004

638,48

366,03

114,15

2005

687,49

nd

118,73

Fonte: ANS 2006; Departamento de Economia da Saúde/ SCTIE/MS; e DATASUS/MS. [acessado 2006 Jun].Disponível em: http://www.datasus.gov.br(1) Inclui os valores do PAB (Piso da Atenção Básica) fixo e do PAB variável, frações relacionadas ao financiamento da atençãoambulatorial básica.

SUSPlanos de Saúde

Individual ou familiarColetivo com patrocinadorColetivo sem patrocinador

(Intern. p/hab/ano)

0,07

0,160,170,16

(Valormédio - R$)

461,54

1.142,711.431,791.177,55

2002

(Intern. p/hab/ano)

0,07

0,190,150,16

(Valormédio - R$)

503,66

1.330,85

1.509,701.361,42

2003

(Intern. p/hab/ano)

0,06

0,190,150,19

(Valormédio - R$)

572,63

1.502,79

1.761,831.468,16

2004

Fonte: ANS 2006; e DATASUS/MS. [acessado 2006 Jun]. Disponível em: http://www.datasus.gov.br

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tem sido um ganho inquestionável, apesar da re-tração observada em relação à União. SegundoBarros4, a participação das esferas subnacionais,[...] não permite a superação das desigualdades nofinanciamento, dadas as diferentes capacidades dearrecadação, associadas à desigual distribuiçãointer-regional da atividade econômica. Neste con-texto, assume relevância especial a aprovação doProjeto de Lei Complementar de regulamenta-ção da Emenda Constitucional 29, em trâmiteno Congresso Nacional, que vincula um percen-tual da receita federal a gastos com o setor.

É pouco provável, no entanto, que a suficiên-cia de recursos seja alcançada enquanto não hou-ver uma estimativa mais concreta do quantitati-vo global pretendido. Tentativas vêm sendo feitaspelo MS no sentido de parametrizar linhas de cui-dado que venham a conformar “redes de servi-ços”, entendidas como os conjuntos de estabeleci-mentos de saúde que, de forma articulada, devemprover o desenvolvimento de ações em saúde comvistas a garantir a integralidade da atenção (SE2006). Além da Portaria 1.101 de 12 de junho de2002, que fixou parâmetros assistenciais gerais,portarias mais recentes relacionadas a áreas tidascomo de alta complexidade (cardiologia, nefro-logia, oncologia, etc.) têm em comum o estabele-cimento de critérios para cadastramento de uni-dades, vinculado-as ainda a quantitativos popu-lacionais e de procedimentos a serem por elas re-alizados. Apesar disso, o potencial de utilizaçãodesses números, para o cálculo do montante ne-cessário, se perde na ausência de centros de apu-ração de custos, preferencialmente regionalizados,que pudessem informar a segunda parte da equa-ção. Na perspectiva dos prestadores de serviçoshospitalares ao Sistema Único de Saúde, em par-ticular, qualquer “incentivo” criado não passaráde medida paliativa, enquanto os valores de suaremuneração permanecerem desvinculados dassuas despesas reais.

Na vertente da redução de custos, algumasiniciativas podem ser também detectadas. No de-correr de 2004 e 2005, a ANS promoveu encon-tros regionais entre representantes do Ministérioda Saúde, dos Governos Estaduais e Municipais,do Ministério Público, dos Conselhos de Saúde edo Setor de Saúde Suplementar, voltados à cons-trução de uma agenda comum de modo a aperfei-çoar o sistema de saúde nacional13. Entre outrosacordos, houve consenso sobre a necessidadeurgente da construção de uma política de incor-poração tecnológica e da regulação da oferta e dademanda por serviços de saúde. Em relação aoprimeiro, o diagnóstico comum [...] é que o país

tem uma incorporação acrítica de tecnologias. Istotem concorrido para o aumento crescente nos gas-tos com assistência médica e é um desperdício derecursos ainda não totalmente dimensionado13. Naverdade, uma política nacional de gestão de tec-nologias, contemplando este problema, já se en-contra em elaboração, coordenada pelo Minis-tério da Saúde. Quanto ao segundo, foi aponta-da pelos dois segmentos, o público e o privado, aimportância do planejamento e da implantaçãode centrais de internação, de consultas e de exa-mes, com a utilização de protocolos e diretrizesclínicas balizadas por evidências científicas, de for-ma a evitar procedimentos desnecessários, equi-vocados ou duplicados, além de viabilizar a me-lhoria do acesso da população aos serviços. Nes-te caso, diretrizes relativas à regulação de acessoforam já pactuadas pelas três esferas de governoe incluídas no “Pacto pela Saúde” (Portaria GM/MS nº 399 de 2006). Antes mesmo disso, diver-sas Secretarias Estaduais e Municipais instalaramsuas “centrais de regulação”, a maioria voltada àorganização da atenção hospitalar.

Uma vez mencionados os aspectos relativosao aumento de receitas e à redução das despesas,cabe ainda abordar os relacionados à eficiênciana utilização dos recursos. As mudanças recen-tes na forma de remuneração dos hospitais têmsido vistas com ceticismo por alguns gestores eprofissionais do setor, mas abrigam tambémgrandes oportunidades. As preocupações dosprimeiros se referem à possibilidade de que osestabelecimentos “contratualizados”, tendo a suareceita mensal/anual assegurada pela via da or-çamentação global, passem a enxergar os paci-entes como itens de despesa e venham a priorizaraqueles a serem submetidos a procedimentosmenos custosos ou complexos, além de reduzi-rem sua produção global. Embora estes sejamperigos reais, passíveis de acontecer naqueles lo-cais mais carentes de mecanismos de avaliação,controle e intervenção sobre os prestadores deserviços, cenários mais otimistas podem ser tam-bém delineados. Se determinadas a partir de umplanejamento cuidadoso da rede assistencial, alémde acompanhadas de perto e cobradas pelos ges-tores, as cláusulas e condições dos novos contra-tos podem vir a se configurar como instrumen-tos de qualificação e racionalização do sistemapúblico de saúde.

Vale destacar que a responsabilização do ges-tor (e gerentes), pelo planejamento, regulação,controle e avaliação de ações e serviços, não estáacontecendo somente para a área hospitalar. Em2004, houve um consenso entre os gestores das

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três esferas de governo de que a antiga fórmuladas “normas operacionais” para a indução demudanças estava esgotada e era o momento deinovar. Foi assim concebido um “pacto” entre asinstâncias, em que fossem respeitadas as dife-renças regionais e a avaliação e cobrança se dessecom base em resultados. O novo “Pacto pela Saú-de”, publicado em 22 de fevereiro de 2006 pelaPortaria GM/MS nº 399, constitui-se como a so-matória de três outros, quais sejam, o “Pacto pelaVida”, o “Pacto pelo SUS” e o “Pacto de Gestão”.

O primeiro define as principais políticas emetas pactuadas pelas três esferas de governo parao território nacional, cabendo a cada ComissãoIntergestores Bipartite (CIB), a sua adaptação àscondições locais, visando a reforçar o movimen-to da gestão pública por resultados. O segundo éa reafirmação do SUS como uma política de Esta-do e do compromisso de todos com o seu finan-ciamento. O terceiro pode ser visto como o maispróximo das antigas normas por tratar dos mes-mos temas, embora incorporando mudanças ex-pressivas, entre as quais podem ser citadas: (i) odesaparecimento da figura da “habilitação” demunicípios e estados a alguma condição de ges-tão; (ii) o deslocamento do estabelecimento decritérios e regras do nível federal para as CIB emcada estado; e, (iii) as transferências de recursosfederais passaram a ser necessariamente automá-ticas, condicionadas somente à homologação daCIB de cada estado, e ordenadas em cinco gran-des blocos – atenção básica, atenção de média ealta complexidade, vigilância à saúde, assistênciafarmacêutica e gestão. Espera-se assim que, apósa sua regulamentação e implementação efetiva,aconteça o redirecionamento de gastos, de formaa possibilitar que as ações de saúde se mostremquantitativa e qualitativamente mais adequadasa cada realidade.

É inquestionável que ainda há muito a serfeito em relação à eficiência, apesar dessa buscajá se manifestar há muitos anos, em praticamen-te todos os instrumentos normativos com vistasà estruturação sistêmica do setor. Na Constitui-ção de 88, os dispositivos relacionados à descen-tralização de ações e serviços de saúde com dire-ção única em cada esfera de governo e controlesocial objetivavam a racionalização da rede e,conseqüentemente, otimização dos gastos. Em-bora sempre motivadas pelo ideal maior de ga-rantir acesso universal, integral e equânime comodireito de cidadania, também as leis (8.080 de1990 e 8.192 de 1991) e normas operacionais, quevieram a seguir, traziam em suas determinaçõeso mesmo potencial, tais como exigência de cria-ção de fundos, planos, programações e ações decontrole, avaliação e auditoria. A decisão de in-vestir recursos e esforços na vigilância à saúde ena atenção básica17 tem o mérito de perseguir aredução de riscos e preservação da saúde, mastem também, a mais longo prazo, o efeito de evi-tar gastos maiores com a recuperação e reabili-tação de pacientes.

Tendo em vista que a política de saúde noBrasil tem como diretriz maior a inclusão socialuniversal, é certo afirmar que as necessidades derecursos financeiros do setor tendem a ser sem-pre crescentes, ainda mais se considerarmos, aisso associados, o aumento e envelhecimento dapopulação, as características próprias do nossoprocesso de transição epidemiológica e a rapidezdo desenvolvimento e incorporação de tecnolo-gias, fatores estes amplamente conhecidos. Masé certo também que a situação poderia ser in-comparavelmente pior, não fossem as medidaspropostas e implementadas pelos gestores do sis-tema nas três esferas de governo.

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Artigo apresentado em 05/10/2006Aprovado em 23/10/2006Versão final apresentada em 05/02/2007

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