freud e a atualidade do mal-estar na cultura

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45 Freud e a atualidade de O mal-estar na cultura Magali Milene Silva Resumo Na atualidade, as manifestações clínicas do sofrimento psíquico são bem diferentes das paralisias e nevralgias com que se deparou Freud no tratamento das histéricas. As apresentações clínicas mais comuns na queixa dos pacientes englobam os distúrbios alimentares (anorexia e bulimia), a dependência química e de álcool, as manifestações psicossomáticas e o consumo excessivo de medicamentos, dentre outros. Esse contraste nos leva a perguntar se essas mudanças nos modos de expressão do sofrimento psíquico apontam que a psicanálise, tal como propôs Freud, está ultrapassada, sendo inadequada para abordar as questões clínicas atuais. Na verdade, pretendemos nesse estudo desenvolver a ideia contrária. O objetivo do artigo é defender especificamente a atualidade da proposta freudiana apresentada no livro Mal-estar na cultura, de 1929-1930, buscando situar o mal-estar como inerente à cultura em suas diversas épocas, embora com diferentes formas de expressão. Bauman, autor que se dedica a estudar a contemporaneidade, considerando-a uma nova época - a pós-modernidade -, tece em um de seus trabalhos um diálogo com o texto de Freud, situando a sociedade atual como bastante diversa daquela da época de Freud. Na obra, Mal-estar na pós-modernidade, Bauman fala de um imperativo de consumo e exigência de satisfação como ordem implícita em nossa sociedade contemporânea, propondo-se a discutir os efeitos desse imperativo para o homem pós-moderno; contrastando com o imperativo de renúncia e moderação, lema social da modernidade. O que observamos, entretanto, é que o mal-estar persiste. A discussão do artigo aponta a radicalidade e atemporalidade do mal- estar apontado por Freud como inerente ao trabalho da cultura, defendendo a hipótese de que as especificidades do contexto contemporâneo que às vezes | Analytica | São João del-Rei | v. 1 | n. 1 | p. 45-72 | julho/dezembro de 2012 |

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    Freud e a atualidade deO mal-estar na cultura

    Magali Milene Silva

    Resumo

    Na atualidade, as manifestaes clnicas do sofrimento psquico so bem

    diferentes das paralisias e nevralgias com que se deparou Freud no tratamento

    das histricas. As apresentaes clnicas mais comuns na queixa dos pacientes

    englobam os distrbios alimentares (anorexia e bulimia), a dependncia

    qumica e de lcool, as manifestaes psicossomticas e o consumo excessivo

    de medicamentos, dentre outros. Esse contraste nos leva a perguntar se essas

    mudanas nos modos de expresso do sofrimento psquico apontam que a

    psicanlise, tal como props Freud, est ultrapassada, sendo inadequada para

    abordar as questes clnicas atuais. Na verdade, pretendemos nesse estudo

    desenvolver a ideia contrria. O objetivo do artigo defender especificamente

    a atualidade da proposta freudiana apresentada no livro Mal-estar na cultura,

    de 1929-1930, buscando situar o mal-estar como inerente cultura em suas

    diversas pocas, embora com diferentes formas de expresso. Bauman, autor

    que se dedica a estudar a contemporaneidade, considerando-a uma nova poca

    - a ps-modernidade -, tece em um de seus trabalhos um dilogo com o texto de

    Freud, situando a sociedade atual como bastante diversa daquela da poca de

    Freud. Na obra, Mal-estar na ps-modernidade, Bauman fala de um imperativo

    de consumo e exigncia de satisfao como ordem implcita em nossa sociedade

    contempornea, propondo-se a discutir os efeitos desse imperativo para o

    homem ps-moderno; contrastando com o imperativo de renncia e moderao,

    lema social da modernidade. O que observamos, entretanto, que o mal-estar

    persiste. A discusso do artigo aponta a radicalidade e atemporalidade do mal-

    estar apontado por Freud como inerente ao trabalho da cultura, defendendo a

    hiptese de que as especificidades do contexto contemporneo que s vezes

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    aparecem sob o nome de ps-modernidade expressam respostas de nossa

    cultura ao mal-estar e no mudanas na forma como o mal-estar se configura

    para os seres de cultura. Permanece a inadequao do homem no mundo,

    como descrito por Freud.

    Palavras-chave: Atualidade; mal-estar; desamparo; psicanlise; Freud.

    Introduo

    Atualmente, alguns fenmenos se destacam no campo clnico, como as

    patologias alimentares (anorexia, bulimia), a excessiva manipulao cirrgica do

    corpo e a dependncia de lcool, drogas e medicamentos. So manifestaes

    clnicas bem diferentes das paralisias e nevralgias com que se deparou Freud

    no tratamento das histricas. Podemos mesmo dizer que a manifestao do

    sofrimento psquico mudou desde os trabalhos primordiais de Freud.

    Seguindo uma corrente de estudos que se prope a declarar a novidade

    absoluta de nosso tempo, extraindo suas consequncias, em geral negativas,

    para a clnica, para a qual tambm situam grandes novidades, alguns

    psicanalistas defendem a ideia de que a configurao social atual coloca o

    problema do mal-estar na cultura de maneira radicalmente diferente daquela

    proposta por Freud.

    O contexto sociocultural de que Freud partiu para sua anlise mudou

    consideravelmente. Alguns autores1 chegam inclusive a falar de um novo

    tempo do pensamento, a ps-modernidade. O trabalho de Bauman (1998)

    interessa particularmente, pois ele tece em um de seus livros um dilogo

    direto com o texto de Freud, situando a sociedade atual como bastante

    diversa daquela. Na obra, Mal-estar na ps-modernidade, Bauman fala de

    um imperativo de consumo e exigncia de satisfao como ordem implcita

    em nossa sociedade contempornea, propondo-se a discutir os efeitos

    desse imperativo para o homem ps-moderno. Segundo esse autor, quando

    1 Podemos destacar Jean Franois Lyotard (2004), Frederic Jameson (2006), Zgmunt Bauman (1998) e Gilles Lypovetsky (2005).

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    Freud refletiu sobre a relao do homem com a civilizao, considerou que

    esta exigia moderao e renncia para regular a vida comum, tendo como

    efeito o mal-estar. A proposta do autor que na atualidade se trata de um

    panorama bastante diverso, cujo lema a satisfao e no a renncia, com

    consequncias individuais diferentes daquelas discutidas por Freud.

    Seriam essas discusses indicativas de que a proposta de Freud sobre o mal-

    estar na cultura deve ser repensada? Este artigo prope uma reflexo sobre

    essas mudanas luz do texto O mal-estar na civilizao, de 1930. Defende a

    hiptese de que a anlise de Freud, ao abordar a radicalidade do mal-estar e sua

    relao constitutiva para o homem, continua extremamente pertinente para a

    clnica, embora as mudanas culturais tenham proporcionado alteraes nas

    formas de expresso do mal-estar. Assim, no percurso deste artigo procuramos

    retomar o texto de Freud, demonstrando sua abrangncia e atualidade.

    Civilizao e cultura

    O mal-estar na civilizao (Das unbehagen in der cultur), escrito em 1929-

    1930, traz reflexes importantes de Freud acerca do papel da cultura na

    conduo do mal-estar, sendo um trabalho de fundamental importncia em

    sua obra. A traduo para o portugus traz no ttulo o termo civilizao, nos

    levando a questionar se haveria uma diferena entre cultura e civilizao, ou

    mais especificamente, a que Freud se refere quando utiliza o termo kultur.

    O prprio Freud, em outro trabalho, nos indica um caminho de leitura. Em

    1928, em O futuro de uma iluso, Freud afirma que no iria distinguir entre

    cultura e civilizao, propondo que ao usar o termo kultur queria destacar

    dois aspectos:

    Por um lado, inclui todo o conhecimento e capacidade que o homem adquiriu com o fim de controlar as foras da natureza e extrair a riqueza desta para a satisfao das necessidades humanas; por outro, inclui todos os regulamentos necessrios para ajustar as relaes dos homens uns com os outros e, especialmente a distribuio da riqueza disponvel (Freud, 1928/1996h, p. 16).

    No corpo do texto de 1930, na mesma linha de ideias, prope-se a

    considerar kultur (civilizao no texto em portugus) como

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    a soma integral das realizaes e regulamentos que distinguem nossas vidas das de nossos antepassados animais, e que servem a dois intuitos, a saber: o de proteger os homens contra a natureza e o de ajustar os seus relacionamentos mtuos (Freud, 1930/1996i, p. 96).

    A definio de Freud bastante abrangente, englobando todas as

    construes simblicas e materiais que viriam oferecer direcionamentos

    para a vida dos homens, uma vez que esses no so animais orientados

    por instintos. Desse modo, a kultur se apresentaria como tentativa de forjar

    aquilo que, a princpio, o homem, por sua condio humana, no tem: uma

    orientao natural.

    A publicao brasileira da obra de Freud, utilizada neste estudo, opta na

    maior parte do texto pela utilizao do termo civilizao. Levando em conta

    a considerao de Freud e a possibilidade de coincidncia entre os termos

    no uso da lngua portuguesa, no preocuparemos em distingu-los, mas

    verificarmos qual o sentido de seu uso para a anlise freudiana do mal-estar.

    Como indica o dicionrio de lngua portuguesa em uma de suas definies,

    civilizao aparece como acumulao e aumento de habilidades manuais

    e de conhecimentos intelectuais e a aplicao destes (Michaelis, 1998, p.

    513). O termo cultura tambm pode ser definido como civilizao, ou ainda

    como sistema de idias, conhecimentos, tcnicas e artefatos, padres

    de comportamento que caracterizam uma sociedade; contedo social

    (Michaelis, 1998, p. 623).

    Podemos perceber que a definio apresentada por Freud aproxima-se de

    ambos os termos, que sero utilizados neste estudo como sinnimos, tendo

    sempre em vista a discusso precedente, que ressalta a preocupao de

    Freud em destacar o aspecto de construo e regulao inerente a qualquer

    sociedade humana, trabalho de inveno de um modo de vida humano, uma

    vez que a orientao natural lhe falta estruturalmente.

    Zaltzman (2010), a fim de abordar a peculiaridade do uso freudiano do

    termo kultur, recorre a uma produo freudiana posterior, de 1933, a 31

    Conferncia, intitulada A dissecao da personalidade psquica, em que

    aparece a expresso kulturarbeit, que a autora prope traduzir como trabalho

    da cultura. O trabalho da cultura tem ao mesmo tempo um aspecto coletivo

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    e individual, derivado do fato de a constituio psquica s se dar na relao

    com outros. Assim, o trabalho da cultura solicitado pelo inacabamento

    inaugural do beb humano (desamparo), que o constitui em sua dependncia

    e relao, que o constitui atravessado pela linguagem. O desamparo indica

    que a estrutura mesma da atividade psquica marcada pela alteridade,

    quer dizer, por uma irrupo da interpretao cultural, contempornea ao

    nascimento da vida psquica (Zaltzman, 2010, p. 49). O trabalho da cultura

    ento o enlace entre a singularidade e a herana cultural, em que ambos

    se influenciam - dependncia constitutiva entre indivduo e espcie (onto e

    filogentica). Enlace em que a histria individual se enoda de maneira nica

    com a histria comum, produzindo o campo da realidade psquica. Essa

    relao no se faz, entretanto, sem um resto, um resto pulsional, que insiste

    para alm da organizao da realidade psquica. Desse modo, o trabalho de

    cultura permanentemente solicitado para dar conta desse resto, sem que,

    no entanto, seja possvel elimin-lo.

    A proposta dessa autora interessante, pois reala o carter estrutural

    de constante trabalho que marca a cultura, conforme discutiremos

    posteriormente ao percorrer as formulaes freudianas acerca do mal-estar.

    Nesse percurso, o uso dos termos civilizao e cultura, tal como aparecem na

    edio consultada, dever nos remeter a esse trabalho constante e incompleto

    de produo de significaes que caracteriza a atividade humana.

    O desamparo radical

    No percurso escolhido por Freud para analisar a radicalidade do mal-estar,

    algumas ideias j desenvolvidas anteriormente em sua obra so fundamentais.

    A noo de desamparo (hilflosigkeit), apresentada no Projeto (1895),

    importante para entender algumas articulaes dessa produo de 1930.

    No contexto do Projeto, Freud procura descrever o funcionamento do

    aparelho psquico em termos de movimentao energtica e de registros

    dessa movimentao. Utiliza nomenclaturas biolgicas, referindo-se a grupos

    de neurnios, mas o aparelho que descreve se refere ao homem enquanto ser

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    de linguagem, que precisa construir uma orientao para sua ao no mundo,

    e no a um ser biolgico orientado por instintos. Conforme sustenta Lacan

    (1959 [60]/1997), trata-se na verdade de uma topologia da subjetividade. a

    partir dessas consideraes que podemos pensar o desamparo.

    Devido dependncia do beb humano, um outro que lhe proporciona

    satisfao, uma vez que o beb incapaz de levar a cabo uma ao especfica

    (alterao no mundo externo que fornea satisfao). O desamparo

    refere-se dependncia do outro para sua autopreservao, mas essa

    ajuda externa no se reduz satisfao da necessidade, introduzindo a

    criana na ordem simblica: ao exigir a mediao do outro para obteno

    da satisfao, acaba por exigir a funo de comunicao, como bem

    aponta Freud: Essa via de descarga [por ajuda alheia] adquire, assim, a

    importantssima funo secundria de comunicao e o desamparo inicial

    dos seres humanos a fonte primordial de todos os motivos morais

    (Freud, 1895/1996a, p. 370, grifos nossos). Podemos inferir a partir dessas

    articulaes freudianas que a experincia de satisfao acompanhada no

    homem de uma mediao, a linguagem, que vem atravs do outro humano

    de quem a criana depende. Freud trata, portanto, de um aparelho que

    se constitui em torno do problema da satisfao. Podemos dizer que uma

    vez que o homem no um animal natural orientado por instintos, precisa

    forjar formas de orientao para a satisfao. O problema que essas

    formas sero sempre vividas como forjadas, colocando um hiato estrutural

    entre a excitao e a satisfao.

    O aparelho psquico proposto por Freud no Projeto (1895) visaria

    manuteno das excitaes em um nvel mnimo (o mais baixo possvel, mas no

    nulo), considerando a excitao como desprazer. Assim, a excitao (energia)

    dos estmulos externos, provenientes das percepes, deve ser descarregada

    em aes musculares. A excitao interna, no entanto, nem sempre chega at

    a descarga motora, devendo ser mantida em nveis constantes e controlveis.

    Vale destacar que para que esse processo de movimentao energtica possa

    acontecer, a mediao necessria.

    Freud nos fornece, posteriormente, 1900, um esquema que elucida

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    o problema da circulao de energia no aparelho e da experincia da

    satisfao. Esse esquema, semelhante ao desenho de um pente, apresenta

    duas extremidades, uma perceptiva e uma motora. Em geral, os processos

    psquicos possuem uma direo que vai da percepo descarga motora. Ao

    percorrer o aparelho, entretanto, a energia deixa registros de sua passagem,

    traos das percepes que incidem sobre ele - traos mnmicos.

    As primeiras experincias de satisfao, cuja imagem exemplar a

    criana diante do seio materno, em que a energia atravessa o aparelho do

    plo perceptivo ao plo motor, deixaria registros mnmicos, inscrevendo

    representantes dessa satisfao. Ao mesmo tempo em que essa experincia

    registrada (representada), ela perdida como natural (Elia, 2007). Na

    verdade, o que se inscreve da satisfao no a satisfao mesma, mas um

    representante dessa experincia. Diante de outra excitao, o aparelho psquico

    tenderia a buscar no registro (trao mnmico) o caminho para a satisfao,

    o que pode levar at mesmo a alucinar o objeto, percorrendo o caminho

    inverso do aparelho (regresso). No entanto, o que ficou registrado no a

    experincia de satisfao, mas um trao que a representa. A experincia de

    satisfao sentida ento como perdida, como deslocada num tempo sempre

    anterior. Gradativamente, os registros vo se tornando mais complexos, e

    novas representaes se associam, formando uma rede que se coloca diante

    da excitao, mediando e modelando a satisfao. Podemos mesmo inferir

    que neste aparelho no pode haver ao mesmo tempo satisfao e saber:

    para poder reconhecer uma experincia de satisfao como tal preciso que

    o aparelho recorra ao registro, mas se h um registro j se trata de outra

    ordem que imprime mediao satisfao, fazendo com que ela no possa

    mais ser reconhecida. Isso quer dizer que quando a criana procura repetir a

    experincia de satisfao, j o faz orientada por um princpio organizador, o

    princpio do prazer, e no por instintos que conduzem satisfao. Assim, ao

    se dirigir aos objetos, busca-se reencontrar um objeto supostamente perdido,

    de que seramos nostlgicos, mas que na verdade no foi anteriormente

    encontrado e perdido, pois falta estruturalmente. Lacan (1959 [60]/1997), ao

    discutir a tica da psicanlise, nos ajuda nesse ponto:

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    Da mesma forma, esse objeto, pois trata-se de o reencontrar, ns o qualificamos igualmente de objeto perdido, apesar de tratar-se essencialmente de reencontr-lo. Nessa orientao em direo ao objeto, a regulao da trama, as Vorstellungen [representaes] atraem-se uma outra segundo as leis de uma organizao de memria, de um complexo de memria, de uma Bahnung [facilitao], - ou seja, de um trilhamento, mas tambm de uma concatenao, diramos mais firmemente, cujo jogo o aparelho neurnico nos deixa talvez entrever sob uma forma material e cujo funcionamento regulado pela lei do princpio do prazer (p. 76).

    Ao submeter a satisfao a um princpio, o aparelho psquico organiza

    um hiato intransponvel entre presso e satisfao e promove uma disjuno

    entre prazer e satisfao. A funo do princpio do prazer criar um engodo

    que torne a ao possvel, ao fazer com que o sujeito busque aquilo que deve

    reencontrar, mas que no poder atingir (Lacan, 1959 [60]/1997).

    Em um texto de 1925, Inibio, sintoma e angstia2, Freud retoma a noo

    de desamparo ao tratar da angstia, situando a angstia como produto do

    desamparo mental3. Nesse ponto, o desamparo aparece como a falta radical

    do objeto capaz de satisfazer, falta que s se apresenta porque a questo da

    mediao para a satisfao se coloca. Assim, no campo humano, no podemos

    falar de instinto para o qual haveria um objeto natural que possa satisfazer, mas

    de pulso (trieb), cujo objeto, conforme articulou Freud, apresenta-se da forma

    mais variada. Na verdade, como visto anteriormente, a insero do homem na

    linguagem que nos permite pensar o desamparo. s de um lugar j inserido no

    campo da representao que podemos tratar a ausncia de objeto.

    Em suma, podemos dizer que o desamparo marca esse hiato entre a

    exigncia de satisfao e a possibilidade de alcanar a satisfao e reconhec-

    la como tal. Freud apresenta o desamparo como estrutural, no podendo

    ser ultrapassado, apenas contornado. Os modos singulares de construo

    desse contorno expressam a construo singular do aparelho psquico, cujos

    processos Freud procurou investigar.

    2 Embora a obra em portugus utilizada neste estudo traga o termo ansiedade, optamos por adotar o termo angstia como traduo mais adequada para o termo alemo angst, utilizado por Freud.3 Lacan (1962 [63]), no seminrio dedicado angstia, realiza uma toro interessante em relao a essa colocao freudiana. A angstia, nico afeto que no engana, emergiria no quando algo dessa falta radical aparece, mas quando essa falta estruturante para o sujeito no se apresenta.

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    A falha essencial ao aparelho

    Em 1911, no artigo Formulaes sobre os dois princpios que regem

    o funcionamento mental, Freud sistematiza a hiptese (j presente em

    grmen no Projeto) de que o aparelho psquico funciona segundo princpios

    organizadores, em relao aos quais a questo da satisfao se colocaria4.

    Diante do desamparo humano original que subordina a satisfao a um outro,

    um aparelho psquico se constri orientado por um princpio de organizao,

    desse modo, contornando o insuportvel que o desamparo apresenta. O

    princpio uma estratgia para lidar com aquilo que no tem soluo natural:

    o desamparo e o atravessamento pela linguagem.

    O princpio do prazer trabalha com a lgica da menor excitao possvel:

    quanto mais baixo (mas no nulo, o que seria a morte) o limiar de excitao

    (presso para satisfao), menor ser o desprazer. Trata-se, portanto, de um

    princpio de inrcia. Como o beb, em sua dependncia radical do outro para

    obter a satisfao, no pode controlar os objetos do mundo que lhe trariam

    a satisfao, diminuindo a excitao, preciso criar alternativas que possam

    auxiliar no manejo do contingente de excitao. O princpio do prazer forja a

    equivalncia: excitao igual a desprazer. Assim, o aparelho psquico passa a

    funcionar segundo uma lgica de gerncia do desprazer. Na busca de evitar

    o desprazer e na ausncia do objeto, essa lgica de organizao do campo

    psquico pode recorrer alucinao do objeto, fazendo existir no aparelho

    o objeto suposto satisfazer. Porm, esse princpio no d conta do que se

    prope, pois a insatisfao continua mesmo diante do objeto alucinado.

    Como uma espcie de continuao desse, um outro princpio se constitui:

    o princpio de realidade, cujo objetivo discriminar a presena do objeto

    na realidade e adiar ou transferir a satisfao caso o objeto esteja ausente.

    Assim, o princpio da realidade procura modelar a excitao para que ela s

    advenha em situaes determinadas, na qual poder encontrar algo da ordem

    4 Segundo Brodsky (2004), o uso do termo princpio por Freud remete a uma lei geral no demonstrada, mas cujas conseqncias podem ser verificadas (Brodsky, 2004, p. 195). No da ordem da deduo, mas da induo: somos induzidos a tal formulao atravs da observao de alguns aspectos. Merece destaque ainda o fato de que um princpio uma tentativa de forjar uma orientao, uma regulao que a princpio no h.

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    da satisfao. A funo do princpio de realidade no perceber o mundo

    exterior, mas signos indicativos dele, atravs da construo de uma rede de

    relaes. Diante desses signos, a excitao contida, adiada, modelada, pode

    ser adequadamente liberada.

    O princpio de realidade atesta a verdade de uma percepo atravs da

    comparao com traos de memria, estabelecendo a conscincia do mundo

    externo. Uma vez que o objeto seja considerado como realmente presente,

    o princpio de realidade libera a ao do eu, propiciando descarga da energia

    pulsional. O princpio da realidade, na verdade, auxilia na evitao do

    desprazer, sendo, nesse sentido, uma continuidade do princpio de prazer: a

    substituio do princpio de prazer pelo princpio de realidade no implica a

    deposio daquele, mas apenas sua proteo (Freud, 1911/1996d, p. 242).

    Esse princpio opera pela via do rodeio, da precauo, do retoque e reteno,

    devendo guiar o sujeito para que ele chegue a uma ao possvel (Lacan, 1959

    [60]/1997). No entanto, apesar do funcionamento do princpio de realidade,

    algo do pulsional permanece sob a organizao do princpio do prazer, como

    nos mostram o carter alucinatrio dos sonhos, as fantasias e os devaneios.

    A partir de 1920, Freud formula um novo dualismo pulsional: pulso de vida

    versus pulso de morte. A pulso de vida, Eros, visaria ligao e unidade.

    A pulso de morte, Thnatos, visaria diviso, destruio, restaurao do

    estado inorgnico5. A pulso de morte seria silenciosa, mais que isso, indizvel,

    uma vez que no se liga a representaes de palavra (Garcia-Roza, 2005).

    Por outro lado, a pulso de morte, por se opor totalizao objetivada pela

    pulso de vida, atua, por seu princpio destrutivo, na instaurao do novo,

    provocando a emergncia de novas formas. Na verdade, na prtica, pulso de

    vida e pulso de morte no atuam separadamente, elas se conjugam, como

    fica claro no caso do par sadismo/masoquismo. Desse modo, embora a pulso

    de morte seja desvinculada, pode se ligar a objetos, inclusive ao prprio eu,

    atravs da pulso de vida.

    A funo dos princpios (do prazer, da realidade) reguladora. Seu objetivo

    5 A articulao entre pulso do eu e pulso sexual permanece, entretanto, se torna um problema secundrio, uma vez que ambas so modos de expresso da pulso de vida.

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    regular a satisfao pulsional em funo da relao prazer/desprazer,

    buscando a satisfao atravs da alucinao do objeto ou atravs do adiamento

    e do deslocamento para objetos adequados s normas sociais - o princpio

    constitui o funcionamento de um campo. Submetem, portanto, os impulsos

    para a satisfao, a uma regra de evitao do desprazer. Com isso o aparelho

    psquico capaz de julgar o prazer e o desprazer e deve optar pelo primeiro.

    Porm, o princpio no consegue subjugar toda a energia pulsional. Um resto

    pulsional resiste, alheio a toda tentativa de organizao e se satisfaz para

    alm de qualquer formato, porque simplesmente no toma conhecimento

    dele. Trata-se de um resto pulsional que no se fixa a qualidades e se satisfaz

    em estado bruto. Se o princpio do prazer objetiva controlar a precariedade

    da condio humana no mundo, a resistncia expressa na pulso de morte

    mostra que o desamparo pode at ser contornado, mas no de todo, condio

    que estrutural ao aparelho psquico.

    Na verdade, Freud descreve a construo de um aparelho psquico

    atravs de princpios que no podem funcionar perfeitamente, exatamente

    por serem princpios e como tais, um foramento. Um aparelho cuja falha

    inerente tentativa de organizao, no podendo ser de outro modo seno

    simultaneamente falha e organizao.

    A insistncia do mal-estar

    A felicidade, construo ideativa valorizada pelo humano como objetivo da

    vida, se pensada sob a gide dos princpios, passa a ser buscada atravs de uma

    negativa: evitar o desprazer, embora Freud afirme que no h nada preparado

    para que ela seja alcanada nem no microcosmo, nem no macrocosmo. Diante

    desse quadro, fazem-se necessrias construes de alternativas para contornar

    o desprazer da no satisfao direta das pulses, pois A vida, tal como a

    encontramos, rdua demais para ns, proporciona-nos muitos sofrimentos,

    decepes e tarefas impossveis. A fim de suport-la, no podemos dispensar

    as medidas paliativas (Freud, 1930/1996i, p. 83). As construes da civilizao

    viriam auxiliar a organizao dessas possibilidades alternativas, fornecendo

    Magali Milene Silva

    | Analytica | So Joo del-Rei | v. 1 | n. 1 | p. 45-72 | julho/dezembro de 2012 |

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    formas de satisfao adequadas ao projeto de cultura.

    O programa do princpio do prazer oferece uma orientao, visando

    diminuio da tenso, funcionando, consequentemente, por contraste

    - a satisfao possvel devido a uma insatisfao anterior. Desse modo, a

    satisfao obtida logo deixa de satisfazer, pois sua permanncia a faz perder

    o efeito de contraste (Freud, 1930/1996i). As possibilidades de felicidade

    so, portanto, restringidas por sua prpria constituio. O sentimento de

    infelicidade, entretanto, parece mais corriqueiro:

    O sofrimento nos ameaa a partir de trs direes: de nosso prprio corpo, condenado decadncia e dissoluo, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertncia; do mundo externo, que pode voltar-se contra ns com foras de destruio esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens (Freud, 1930/1996i, p. 85).

    O princpio da realidade vem em auxlio ao princpio do prazer para lidar

    com essas adversidades. O princpio de realidade modera a insatisfao, mas

    tambm a satisfao, buscando chegar a uma ao possvel. No entanto, sua

    ao nunca completamente satisfatria. Trata-se de um crculo inquietante,

    que exige constante movimentao das energias psquicas.

    O programa de tornar-se feliz que o princpio de prazer nos impe no pode ser realizado; contudo no devemos - na verdade, no podemos - abandonar nossos esforos de aproxim-los da consecuo, de uma maneira ou de outra (Freud, 1930/1996i, pp. 90-91).

    A dificuldade no relacionamento entre os homens, destacada por Freud

    como fonte de infelicidade de que mais nos queixamos, mostra o fracasso

    de nosso projeto social, uma vez que esse visaria regular de forma cada vez

    mais harmnica a vida conjunta. Freud, ento, comenta sobre os progressos

    da civilizao, mostrando como eles trazem ao mesmo tempo consequncias

    positivas e negativas, e como essas no so necessariamente acompanhadas

    de maior felicidade, o que o conduz a refletir sobre a natureza da civilizao.

    Uma vez que o homem no naturalmente orientado, algo sentido

    como perdido, mesmo que nunca tenha sido alcanado. A cultura, enquanto

    mediao simblica, configura o problema que no pode, na verdade, ser

    Freud e a atualidade de O mal-estar na cultura

    | Analytica | So Joo del-Rei | v. 1 | n. 1 | p. 45-72 | julho/dezembro de 2012 |

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    superado, mas para o qual ela insistentemente convocada a apresentar

    respostas. Essas respostas, sempre insuficientes e provisrias, variam ao

    longo do tempo e espao, embora a condio de mal-estar permanea.

    Em Totem e tabu (1913/1996e), Freud formulou, atravs do mito do

    assassinato do pai da horda primitiva, a necessidade de restries sexualidade

    e agressividade como inerentes cultura. A horda primitiva era formada

    por um chefe (pai) que tinha acesso a todas as fmeas e que expulsava

    do grupo aquele membro que o desafiasse, guardando para si sexualidade e

    agressividade irrestritas. Certo dia, os irmos (membros do cl) se reuniram

    e se voltaram contra o pai, o assassinaram e o devoraram. Nesse ato, foi

    possvel expressar o dio pelas restries que lhe eram impostas, e tambm

    o amor, buscando identificar-se com o poder do pai ao incorporar sua

    carne. Aps o assassinato, o sentimento foi igualmente ambguo: satisfao

    e culpa. O cl teve de enfrentar um novo problema a respeito da organizao

    do grupo, pois nenhum irmo poderia ocupar o lugar do pai, sob pena de

    ter o mesmo destino. O sistema totmico surge como uma alternativa que

    institui as mesmas proibies da horda primitiva de forma simblica. O totem

    estabelece basicamente duas regras: no matar o animal totmico e no

    ter relaes sexuais com as mulheres do mesmo cl (proibio do incesto),

    regulando assim a agressividade e a sexualidade. A regulao totmica ao

    mesmo tempo em que preserva a formao do cl, fornecendo regras para a

    vida conjunta, conduz ao afastamento do cl, promovendo o encontro sexual

    com membros de outro cl.

    Essa narrativa mtica funda a sociedade humana no sentimento de culpa

    do grupo, colocando o mal-estar no corao de qualquer organizao humana.

    Desse modo, coloca-se para qualquer projeto de cultura a delicada tarefa de

    regular e modelar a satisfao, oferecendo satisfaes substitutivas no lugar

    daquelas a que constitutivamente os homens renunciaram. Satisfaes que

    sero sempre vividas como substitutivas, embora a satisfao direta nunca

    tenha sido vivida seno pelo pai da horda nessa suposio mtica6. Aqui,

    6 Mais frente, o problema colocado pela satisfao e os registros psquicos ser melhor discutido, procurando esclarecer como, para Freud, o aparelho psquico se constri como contorno possvel impossibilidade de satisfao, no como sua superao.

    Magali Milene Silva

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    convm repetir a expresso suposio mtica, pois o pai da horda primitiva

    uma construo dos membros do grupo humano, que tm necessidade de

    supor a existncia, mesmo que mtica, do gozo pleno.

    Humano, demasiado humano

    Podemos pensar o sofrimento psquico como efeito do impasse entre a

    exigncia de renncia imposta pela sociedade e o impulso para a satisfao,

    sendo o sintoma neurtico efeito das dificuldades dessa negociao. Trata-

    se nesse caso, de buscar modificaes tais na civilizao que permitam a

    moderao da satisfao sem excessos de proibio ou de permisso, tal

    como Freud chegou a articular em 1908, no artigo Moral sexual civilizada

    e doena nervosa moderna. Presenciamos atualmente um contexto de

    alta permissividade sexual, mas ser que podemos afirmar que ele

    acompanhado de diminuio do sofrimento? Na verdade, o prprio Freud,

    ao situar a satisfao como um problema ao homem, por esse no ser um

    animal natural, nos indica o equvoco da ideia de que boas normas sociais

    acarretariam o fim do sofrimento psquico. Veremos, ao considerar a

    radicalidade da proposta freudiana do mal-estar na civilizao, que no se

    trata de uma questo de proibio ou permisso, mas de impossibilidade.

    Proibir e permitir j seriam tentativas da cultura de dar um tratamento, um

    contorno ao mal-estar estrutural que a caracteriza.

    No trabalho de 1908, Freud cita um autor, Erb (1893), que vale a pena

    retomar pela semelhana das articulaes que esse autor traz com os textos

    atuais sobre as dificuldades clnicas dos analistas frente aos novos sintomas

    e a associao desses com os fenmenos sociais, que so vistos com espanto

    e pessimismo:

    O problema est em determinar se as causas da doena nervosa que lhes [aos pacientes] foram expostas esto presentes na vida moderna num grau suficientemente elevado para explicar o incremento dessa doena. A questo ser respondida afirmativamente, sem hesitaes, se fizermos um rpido exame de nossa vida moderna e de seus aspectos particulares. A simples enumerao de uma sria de fatos gerais j demonstra claramente a nossa proposio. As extraordinrias realizaes dos tempos modernos, as descobertas e as investigaes em todos os

    Freud e a atualidade de O mal-estar na cultura

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    setores e a manuteno do progresso, apesar de crescente competio, s foram alcanados e s podem ser conservados por meio de um grande esforo mental. Cresceram as exigncias impostas eficincia do indivduo, e s reunindo todos os seus poderes mentais ele pode atend-las. Simultaneamente, em todas as classes aumentam as necessidades individuais e a nsia de prazeres materiais; um luxo sem precedentes atingiu camadas da populao a que at ento era totalmente estranho; a irreligiosidade, o descontentamento e a cobia intensificam-se em amplas esferas sociais. O incremento das comunicaes resultante da rede telegrfica e telefnica que envolve o mundo auterou completamente as condies de comrcio. A noite aproveitada para viajar, o dia para os negcios, e at mesmo as viagens de lazer colocam em tenso o sistema nervoso. As crises polticas, industriais e financeiras atingem crculos muito mais amplos do que anteriormente. Quase toda a populao participa da vida poltica. Os conflitos religiosos, sociais e polticos, a atividade partidria, a agitao eleitoral e a grande expanso dos sindicalismos inflamam os espritos, exigindo violentos esforos da mente e roubando tempo recreao, ao sono e ao lazer. A vida urbana torna-se cada vez mais sofisticada e intranqila. Os nervos exaustos buscam refgio em maiores estmulos e em prazeres intensos, caindo ainda em maior exausto. A literatura moderna ocupa-se de questes controvertidas, que despertam paixes e encorajam a sensualidade, a fome de prazeres, o desprezo por todos os princpios ticos e por todos os ideais, apresentando mente do leitor personagens patolgicas, propondo-lhe problemas de sexualidade psicoptica, temas revolucionrios e outros. Nossa audio excitada e superestimada por grandes doses de msica ruidosa e insistente. As artes cnicas cativam nossos sentidos por suas representaes excitantes, enquanto as artes plsticas se voltam de preferncia para o repulsivo, o feio e o estimulante, no hesitando em apresentar aos nossos olhos, com nauseante realismo, as imagens mais horrveis que a vida pode oferecer. Esse quadro geral que nos indica os numerosos perigos inerentes evoluo da civilizao moderna pode ser completado com alguns detalhes (Erb 1893, citado por Freud, 1908/1996c, pp. 170-171).

    O autor desse texto de 1893 narra as modificaes de seu tempo,

    esperando delas o pior. O sofrimento neurtico de que Freud tratou chegou

    a ser considerado como causado pela rigidez das normas sociais em relao

    sexualidade, em especial feminina. Mas ser que poderamos pensar que

    deveramos buscar modificaes sociais para erradicar o sofrimento psquico?

    Na verdade, o prprio Freud, ao situar a satisfao como um problema ao

    homem por esse no ser um animal natural, nos indica o equvoco da aposta de

    que boas normas sociais acarretariam o fim do sofrimento psquico. Assim, por

    exemplo, embora a psicanlise tenha um importante papel na modificao da

    represso social da sexualidade, Freud chama nossa ateno para a persistncia

    do mal-estar na cultura, mesmo considerando suas mudanas.

    Magali Milene Silva

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    Em 1930, de posse do conceito de pulso de morte, Freud claro ao expor

    que no se trata de um problema da civilizao que precisa ser aprimorada,

    mas de uma questo estrutural ao homem, de algo da natureza da prpria

    funo que nos nega satisfao completa e nos incita a outros caminhos

    (Freud, 1930/1996i, pp.110-111). Para civilizar-se, o homem adiou e modelou

    a exigncia de satisfao (sexuais e agressivas), estabelecendo um controle

    pulsional, ou ao menos sua tentativa. Em troca de sua renncia, a cultura lhe

    ofereceria satisfaes substitutivas, encarnadas nos inmeros bens sociais.

    Nesse esquema, parece-nos que a infelicidade humana seria proveniente

    de falhas na cultura em oferecer o bem prometido como recompensa

    renncia. Porm, se a satisfao completa insiste em no se apresentar, Freud,

    ao invs de culpar (embora no desculpe) os atrasos civilizatrios, supe que

    o estado de insatisfao inerente ao humano:

    Podemos efetuar, gradativamente, em nossa civilizao, alteraes tais que satisfaam melhor nossas necessidades e escapem s nossas crticas. Mas talvez possamos tambm nos familiarizar com a idia de existirem dificuldades ligadas natureza da civilizao, que no se submetero a qualquer tentativa de reforma (Freud, 1930/1996i, p. 120).

    O homem renuncia para civilizar-se, mas essa civilizao que o ampara

    no impossvel de viver. A fim de justificar sua posio, Freud lana mo do

    conceito de pulso de morte. Parte da energia pulsional seria organizada

    pelo aparelho e vinculada a objetos, mas outra parte se encontraria fora da

    organizao dos princpios, satisfazendo-se alheia regra de evitar o desprazer.

    s voltas com a dificuldade em explicar a partir do princpio de prazer, a

    compulso repetio presente, por exemplo, nos sonhos recorrentes com

    um evento traumtico, Freud supe uma funo do aparelho mental que,

    embora no contradiga o princpio do prazer, sem embargo independente

    dele, parecendo ser mais primitiva do que o intuito de obter e evitar o

    desprazer (Freud, 1920/1996f, p. 43), a pulso de morte.

    Freud afirma que a civilizao se encontra a servio da pulso de vida, mas

    marcada por atravessamentos da pulso de morte. A civilizao expressaria,

    portanto, uma repetio do conflito psquico entre pulso de vida e pulso de

    morte, exigncias imperativas de satisfao que a cultura viria tentar regular.

    Freud e a atualidade de O mal-estar na cultura

    | Analytica | So Joo del-Rei | v. 1 | n. 1 | p. 45-72 | julho/dezembro de 2012 |

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    Na sequncia dessas consideraes sobre a pulso de morte, Freud nos

    conduz a pensar a civilizao como um mecanismo que impe ao homem

    limitaes tanto sexualidade quanto agressividade, em troca de regulaes

    para a vida comum. Uma vez que o homem carece de orientao natural

    que regule suas aes, a civilizao viria como a construo de regras que

    agiriam em especial regulando as relaes entre os homens - fonte de maior

    sofrimento, como Freud j havia destacado em sua reflexo. Pelo carter no

    natural da civilizao, quaisquer que sejam suas regras, sero sentidas como

    arbitrrias e restritivas, uma vez que colocam mediaes para a satisfao em

    especial de duas fortes expresses da pulso: a sexualidade e a agressividade.

    no contexto dessas reflexes que Freud afirma que o homem civilizado

    trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de

    segurana (Freud, 1930/1996i, p. 119).

    Algumas consideraes sobre a atualidade

    Bauman (1998), autor que se dedica a estudar as questes da

    contemporaneidade, propondo que estaramos diante de uma nova era

    - a ps-modernidade -, retoma essa citao de Freud na obra O mal-estar

    na ps-modernidade, mas opondo a contemporaneidade modernidade,

    caracterizada por Freud em sua discusso. Prope ento que o homem

    contemporneo trocou uma quota de segurana por um quinho de

    felicidade, o que traz um grande mal-estar. Estaramos, portanto, diante de

    um novo momento social que prega a satisfao individual, mas marcado

    por exigncias constantes de mudana que acabariam por gerar insegurana.

    Para Bauman (1998), desde o incio, os grupos humanos instituram

    organizaes no naturais em relao s quais poderiam julgar o organizado (o

    puro, o correto) e o desorganizado (diferente, impuro, errado), estabelecendo

    normas para o funcionamento adequado do grupo. No mundo ps-moderno,

    o critrio de adequao social a capacidade de participar do jogo do

    mercado. A ordem passa a ser cada vez mais o desmantelamento da ordem

    anterior e a instituio de uma nova, fatalmente temporria. No contexto

    Magali Milene Silva

    | Analytica | So Joo del-Rei | v. 1 | n. 1 | p. 45-72 | julho/dezembro de 2012 |

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    contemporneo, o homem tem que

    mostrar-se capaz de ser seduzido pela infinita possibilidade e constante renovao promovida pelo mercado consumidor, de se regozijar com a sorte de vestir e despir identidades, de passar a vida na caa interminvel de cada vez mais intensas sensaes e cada vez mais inebriante experincia (Bauman, 1998, p. 23).

    Os que no podem participar do jogo so consumidores falhos, um

    problema a ser resolvido. Para o autor, essa exigncia de constante modificao

    caracterstica geral da sociedade contempornea, o que ele nomeia como

    fluidez ps-moderna.

    Diante da ordem de fluidez, os homens e mulheres precisam mostrar-se

    hbeis para mudar constantemente, o que abrange tanto as relaes afetivas,

    como o trabalho, os valores, os gostos e preferncias etc. O homem deve

    construir sua identidade em movimento, impedindo que ela se fixe. O efeito

    desse imperativo de mudana a insegurana. Nessa lgica, toda demora

    entendida como uma demora de satisfao: o homem ps-moderno pode e

    deve satisfazer-se. Por isso, Bauman prope que a sociedade contempornea

    permite maior satisfao individual, mas marcada pela insegurana.

    Observando o cotidiano social contemporneo, temos que concordar

    com Bauman quanto ideia de que a fluidez, as mudanas constantes, so

    caractersticas marcantes de nosso tempo. Tambm podemos concordar que

    isso no se faz sem mal-estar, expresso, por exemplo, no enorme consumo de

    medicaes para o sofrimento psquico, como ansiolticos e antidepressivos.

    No entanto, preciso apontar que quando utiliza o texto de Freud, o autor

    o toma num sentido equivocado, porque aproxima dois pontos diferentes

    de anlise: a cultura como um projeto sempre incompleto, que responde ao

    desamparo estrutural e s diferentes modalidades de construo social. Ou

    seja, aproxima algo que da ordem de uma estrutura com algo da ordem da

    diversidade dos contedos sociolgicos.

    comum encontrarmos nas publicaes psicanalticas atuais a ideia de

    que a sociedade contempornea no funciona bem em seu papel de oferecer

    contornos possveis ao desamparo. Ou, dito em termos mais lacanianos,

    ao invs de oferecer regulao para a gesto subjetiva do gozo, impe o

    Freud e a atualidade de O mal-estar na cultura

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    gozo compulsivo. Primeiro, preciso lembrar, a partir da considerao da

    radicalidade do mal-estar situado por Freud, que a cultura um projeto

    incompleto: toda forma de expresso da cultura ser falha em seu papel

    de contornar o mal-estar, porque ele faz parte da noo mesma de cultura.

    Segundo, preciso lembrar que o gozo, como tal, o gozo pleno, est perdido

    para o ser falante. Esse gozo somente se apresenta na suposio mtica do pai

    da horda primitiva, do qual Lacan fez uma tirada jocosa, dizendo no ser um

    homem, mas um orangotango. Do mesmo modo que no existe imperativo

    de renncia que d conta de aplacar o mal-estar, no existe imperativo de

    gozo capaz de faz-lo. A Coisa, das Ding, falta desde sempre e renunciar aos

    pequenos prazeres ou se afundar em sua metonmia no vai promover seu

    encontro. Nesse sentido, uma cultura no pode no oferecer um contorno ao

    gozo sob pena de deixar de ser uma cultura!

    Concordamos que h um manejo singular do mal-estar em nosso contexto

    - diferente de outras pocas - diferente daquele que se expressava na poca

    em que Freud criou a psicanlise e que esse manejo tem consequncias

    singulares. Mas no podemos concordar que no haja um manejo, ou que

    esse manejo consiga ultrapassar a falta radical em que o ser de linguagem

    se constitui. Assim, conclumos que no nesse ponto de formulao dos

    problemas que o espao para a discusso dos impasses clnicos atuais deva

    ser buscado.

    Na verdade, a partir da discusso que fizemos da proposta freudiana,

    podemos dizer que o mal-estar inerente civilizao, quaisquer que sejam

    os avanos que ela possa alcanar. Sendo assim, o papel da civilizao seria

    buscar constantemente formas de contorn-lo, mesmo sabendo de sada que

    o projeto ser incompleto. Cada cultura procuraria formas de conduo para

    o mal-estar inerente sua prpria constituio enquanto cultura. Ao abordar

    o mal-estar na cultura, Freud trata de uma condio inerente ao homem

    enquanto ser de cultura. Embora as mudanas na cultura possam conduzir

    a diferentes formas de expresso do mal-estar, este estrutural ao processo

    cultural. Podemos dizer ainda de outro modo. Como ser de linguagem,

    o homem carece de orientao natural, cabendo civilizao forjar-lhe

    Magali Milene Silva

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    possibilidades. Nenhuma construo cultural, entretanto, poder sanar a

    condio estrutural do desamparo humano.

    O termo kultur, no sentido utilizado por Freud, se apresenta mais como um

    princpio geral de regulao, que coloca a falta como inerente ao homem, uma

    vez que um ser de linguagem. esse carter estrutural e radical que Freud

    destaca em seu texto, em detrimento das diversas formas de composio

    social. Alis, o que ele trabalha exatamente o mal-estar estrutural inerente

    s mais diversas formas de apresentao social e persistente em face s mais

    inovadoras construes humanas.

    Podemos depreender dessas ideias de Freud que a civilizao se sustenta

    em relao economia psquica num lugar marcado por dois vieses: a

    impossibilidade de contornar o desamparo inerente construo humana

    e a impossibilidade de abandonar seus esforos nessa direo. O que se

    destaca a impossibilidade estrutural de satisfao. No entanto, no sem

    consequncias que uma sociedade que antes exigia fixidez passe a exigir

    fluidez, como apontam os estudiosos da contemporaneidade. Porm, a partir

    das construes freudianas sobre o mal-estar como parte da civilizao, essas

    consequncias devem ser situadas em outro nvel. Novas formas de expresso

    do mal-estar so inerentes ao movimento da cultura e tm consequncias para

    o trabalho clnico, mas este opera sobre o sujeito do inconsciente configurado

    pelo mal-estar. Isso quer dizer que as reflexes de Freud sobre o mal-estar so

    ainda atuais e fundamentais para a clnica.

    Poli (2004) trabalha essa diferena, utilizando os termos elemento

    cultural e lao social. O elemento cultural seria uma constante nas

    organizaes sociais humanas, essencialmente atravessadas pelo mal-estar,

    enquanto os laos sociais responderiam pelas diferentes respostas sociais ao

    mal-estar, historicamente situadas. O mito do pai da horda primitiva, trazido

    por Freud em Totem e tabu (1913) nos ajuda a compreender essa ideia. O

    tempo primeiro dessa narrativa mtica que traz o assassinato do pai da horda e

    sua incorporao pelos irmos que no podem, no entanto, ocupar seu lugar,

    responderia pelo elemento cultural. O segundo tempo, em que os irmos,

    no podendo ocupar o lugar do pai, sob o risco de sofrer o mesmo destino,

    Freud e a atualidade de O mal-estar na cultura

    | Analytica | So Joo del-Rei | v. 1 | n. 1 | p. 45-72 | julho/dezembro de 2012 |

  • 65

    culpados por seu ato, instituem o totem e com ele um conjunto de regras para

    a vida em comum, responderia pela tentativa de construo coletiva de laos

    sociais. Nas palavras da autora:

    apenas aps este segundo tempo que a distino entre o princpio da cultura - o elemento cultural - e os laos sociais - as relaes humanas historicamente circunscritas - se faz presente. A emergncia da cultura refere-se, pois, ao tempo mtico de assassinato e incorporao do pai da hora; ele funda o princpio de eqidade como regulador da relao entre os irmos; j o lao social, por sua vez, refere-se s diferentes formas que as fratrias tm de lidar, ao longo da histria, com as conseqncias e os retornos deste ato primitivo. O elemento cultural funda a humanidade; ele atemporal posto que mtico. J os laos sociais estabelecem a histria, eles inscrevem ao longo do tempo as formas de enlace que os humanos constituem entre si, o que implica tambm nas diferentes formas de representar esse ato primeiro (Poli, 2004, pp. 42-43).

    preciso reconhecer, assim, o sentido radical com que Freud aborda a

    cultura como essencialmente atravessada pelo mal-estar. A cultura se funda

    nesse mito que coloca o assassinato e a impossibilidade do gozo pleno na

    origem das formas propriamente humanas de organizao social. Cada

    sociedade, entretanto, teria de construir formas de lidar com esse hiato

    intransponvel em que o projeto humano se funda. Acreditamos, portanto,

    que em seu trabalho sobre o mal-estar na cultura, Freud traz implicitamente

    algo dessa diferenciao, especialmente ao afirmar que h algo da prpria

    estrutura da civilizao que insistentemente resistente aos nossos esforos

    de construo do bem comum. Assim, as caractersticas de nossa sociedade

    atual, trazidas por Bauman, dizem respeito a novas formas de manejo social do

    mal-estar inerente civilizao, a singularidades dos laos sociais agenciados

    por nossa cultura. A chamada ps-modernidade traria assim um manejo

    historicamente indito do hiato inerente ao homem como ser de cultura, ou,

    se dissermos com Lacan, como ser de linguagem, mas, como qualquer projeto

    de cultura, restaria ineficiente em sua operao, tendo como efeito o mal-

    estar a partir do qual a psicanlise opera. Eis que Freud, cujo discurso tanto

    incomodou a aurora do sculo XX, precisa ser escutado no sculo XXI.

    Magali Milene Silva

    | Analytica | So Joo del-Rei | v. 1 | n. 1 | p. 45-72 | julho/dezembro de 2012 |

  • 66

    Referncias

    Bauman, Z. (1998). O mal-estar na ps-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

    Brodsky, G. (2004). Short story: os princpios do ato analtico. Rio de Janeiro:

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    FREUD AND CIVILIZATION ANDITS DISCONTENTS AT PRESENT TIME

    Abstract

    Today, the clinical manifestations of psychological distress are quite different from

    the paralysis and neuralgia encountered by Freud in the treatment of hysterical

    patients. The most common complaints of patients include clinical symptoms

    such as eating disorders (anorexia and bulimia), drug and alcohol addiction,

    psychosomatic manifestations, excessive consumption of medications, among

    others. This contrast leads us to ask whether these changes in the expression of

    psychological distress suggest that psychoanalysis, as Freud proposed, is outdated

    and thus inadequate to address current clinical issues. In fact, this study aims to

    develop the opposite idea. The purpose of this paper is to specifically defend the

    relevance of the Freudian proposal presented in the book Civilization and its

    discontents, from 1929-1930, aiming to situate the discontent inherent in culture

    in its different periods, although with different forms of expression. Zygmunt

    Bauman, author dedicated to studying the contemporary world, considering it

    a new era postmodernity, develops in one of his books a dialogue with Freuds

    text, placing the current society as quite different from that of Freuds time. In the

    book, Postmodernity and its discontents, Bauman talks about an imperative

    drive for consumption and demand for satisfaction as an implicit order in our

    contemporary society and proposes to discuss the effects of this imperative

    drive in postmodern man; contrasting with the imperative of self-denial and

    restraint, social theme of modernity. What is observed, however, is that the

    discontent persists. The discussion raised by the paper points out the radical

    character and timelessness of the discontent reported by Freud as inherent in

    culture, supporting the hypothesis that the specificities of the contemporary

    context that sometimes appear under the name of postmodernity express our

    cultures responses to the discontent, and not changes in its configuration the

    inadequacy of man in the world persists, as described by Freud.

    Keywords: Present time; discontent; helplessness; psychoanalysis; Freud.

    Magali Milene Silva

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    FREUD ET LACTUALITE DEMALAISE DANS LA CULTURE

    Rsum

    nos jours, les manifestations cliniques de la dtresse psychologique sont

    tout fait diffrent de la paralysie et de la nvralgie rencontr par Freud dans

    le traitement de lhystrie. Maintenant, les prsentations cliniques les plus

    frquentes sont les troubles alimentaires (anorexie et boulimie), la toxicomanie

    et la dependance alcoolique, des manifestations psychosomatiques et de la

    consommation excessive des mdicaments. Ce contraste nous amne nous

    demander si ces changements dans les modes dexpression de la dtresse

    psychologique suggrent que la psychanalyse, comme Freud la suggr, est

    vtuste et inadapt pour traiter les questions cliniques actuelles. En fait, cette

    tude vise dvelopper au contraire de cette ide. Le but de cet article est de

    dfendre la pertinence de la proposition spcifiquement freudien prsent dans

    le livre Malaise dans la culture de 1929-1930, en essayant de localiser le malaise

    comme inhrente culture des poques diffrentes, mais avec diffrentes

    formes dexpression. Zygmunt Bauman, auteur qui se consacre ltude du

    monde contemporain, la considrant comme la post modernit, dialogue avec

    le texte de Freud, plaant la socit daujourdhui comme tout fait diffrente

    de celle de lpoque de Freud . Dans le livre, Malaise dans la post-modernit,

    Bauman parle dune exigence imprative pour satisfaire la consommation

    comme une discourss implicite notre socit contemporaine et il propose de

    discuter les effets de cet impratif pour lhomme postmoderne, contrastant avec

    limpratif de labngation et la modration, le thme de la modernit sociale de

    qui Freud a parl. Ce qui est observ, toutefois, cest que le malaise persiste. La

    discussion de larticle souligne le radicalit et lintemporalit du malaise signal

    par Freud comme inhrente au travail de la culture, en dfendant lhypothse

    que les spcificits du contexte contemporain qui apparaissent parfois sous le

    nom de la postmodernit exprime les rponses dans notre culture au malaise -

    reste le dsaid de lhomme dans le monde, tel que dcrit par Freud.

    Motscls: Prsent; malaise; dsaid; psychanalyse; Freud.

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    FREUD Y LA PUNTUALIDAD DELMALESTAR EN LA CULTURA

    ResumenEn la actualidad, las manifestaciones clnicas de los trastornos psicolgicos son muy diferentes de parlisis y neuralgia encontrado por Freud en el tratamiento histrica. Las manifestaciones clnicas ms frecuentes de los pacientes en la queja son los trastornos alimentarios (anorexia y bulimia), la drogadiccin y el abuso de alcohol, las manifestaciones psicosomticas y el consumo excesivo de drogas, entre otros. Este contraste nos lleva a preguntarnos si estos cambios en los modos de expresin de los trastornos psicolgicos sugieren que el psicoanlisis, como Freud sugiri, es obsoleta e inadecuada para resolver los problemas clnicos actuales. En efecto, en este estudio se pretende desarrollar la idea contraria. El objetivo de este trabajo es defender la pertinencia de la propuesta presentada especficamente freudiano en la cultura Malestar libro de 1929-1930, tratando de colocar el malestar como algo inherente a la cultura en sus varias veces, aunque con diferentes formas de expresin. Bauman, autor dedicado al estudio de la contempornea, teniendo en cuenta que una nueva temporada - la posmodernidad - teje una de sus obras en un dilogo con el texto de Freud, la colocacin de la sociedad actual, muy diferente a la de la poca de Freud . En el trabajo, Malestar en la posmodernidad, Bauman habla de una exigencia imperativa y la satisfaccin del consumidor como el orden implcito en nuestra sociedad contempornea, propone discutir los efectos de este imperativo para el hombre posmoderno, en contraste con el imperativo renuncia y la moderacin, el lema social de la modernidad. Lo que se observa, sin embargo, es que el malestar persiste. La discusin del artculo radicalismo puntos y atemporalidad de malestar sealado por Freud como inherente a la cultura del trabajo, la defensa de la hiptesis de que las caractersticas especficas del contexto contemporneo, que a veces aparecen bajo el nombre de la posmodernidad expresar nuestras respuestas a la cultura malestar general y no constituyen cambios en cmo el malestar se configura a los seres de la cultura. Restos hombre inadecuada en el mundo, segn lo descrito por Freud.

    Palabra claves: Actualidad; malestar; impotencia; psicoanlisis de Freud.

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    Magali Milene SilvaDoutora em Psicanlise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), bolsista da Fundao de Apoio Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), mestre em psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), bolsista CAPES e graduada em Psicologia pela Universidade Federal de So Joo del-Rei (UFSJ), bolsista CNPq. Professora do Centro Universitrio de Lavras (Unilavras). (Lavras, Minas Gerais, Br.) [email protected]

    Recebido/Received: 1.7.2012/7.1.2012

    Aceito/Accepted: 15.9.2012/9.15.2012

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