fundamentos da educação religiosa ecumenismo e diálogo inter-religioso
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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA – ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO
WERKSON DA SILVA AZEREDO 1
WERKSON DA SILVA AZEREDO2
Curso Pós-GraduaçãoEspecialização em Ciências da Religião
FANAN – Faculdade de NanuqueRESUMO
O teólogo suíço Hans Küng afirma que sem diálogo entre as religiões não há a
possibilidade de haver paz “Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre
as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as
religiões. Contudo a história mostra como a tarefa consiste em um trabalho árduo. E
em especial para a comunidade Cristã manter a unidade no ceio da igreja nunca foi
tarefa fácil “"Eu sou de Paulo", e outro: "Eu sou de Apolo" [...] (1 Coríntios). Dessa
forma a História da igreja Cristã ficou marcada por grandes Cismas, porém na
modernidade grupos religiosos buscam um retorno a unidade Eclesial, maior abertura
e tolerância. O movimento ecumênico: “Designa o empenho por reunir os fiéis "todos
sob o mesmo Cristo", cumprindo o desejo do Mestre de que todos sejam um (Jo
17.21)” e O diálogo inter-religioso: “Trata-se do “conjunto das relações inter-religiosas,
positivas construtivas, com pessoas e comunidades de outras confissões religiosas,
para um mútuo conhecimento e um recíproco enriquecimento” nascem de pessoas
comprometidas com sua fé e religião, mas ao mesmo tempo dispostas ao aprendizado
e convívio de forma harmoniosa, o desejo de ir além da tolerância que busca a
compreensão sem contudo abandonar a fé pessoal, logo órgãos como Conselho
Mundial de Igrejas (CMI) fundado em 1948 tem contribuído para que avanços
ocorram, não tratando-se de sincretismo religioso, mas uma busca por maior
compreensão e respeito “As ações do CMI têm propiciado um sentimento ecumênico
dentre as diversas denominações cristãs. Cada vez mais há um espírito de
cooperação e amizade”.
1. INTRODUÇÃO
Segundo a bíblia sagrada Jesus fundou sua igreja “[...] e sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela;
” Mateus 16:18, uma comunidade que teria como uma de suas prioridades a
igualdade entre os homens “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem
livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.
” Gálatas 3:28, e a unidade “Dei-lhes a glória que me deste, para que eles
sejam um, assim como nós somos um” João 17:22, contudo o sectarismo já
nos primeiros anos da nascente igreja já era percebido, como no caso da igreja
que se reunia em Corinto:
Irmãos, não lhes pude falar como a espirituais, mas como a carnais,
como a crianças em Cristo. Dei-lhes leite, e não alimento sólido, pois
vocês não estavam em condições de recebê-lo. De fato, vocês ainda
não estão em condições, porque ainda são carnais. Porque, visto que
há inveja e divisão entre vocês, não estão sendo carnais e agindo
como mundanos? Pois quando alguém diz: "Eu sou de Paulo", e
outro: "Eu sou de Apolo", não estão sendo mundanos? Afinal de
contas, quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servos por meio dos
quais vocês vieram a crer, conforme o ministério que o Senhor
atribuiu a cada um.1 Coríntios 3:1-5
Este não foi um caso exclusivo, um dos primeiros desafios, de amplitude maior,
enfrentados pela comunidade cristã foi a questão da controvérsia judaizante
que somente no concilio de Jerusalém no 50 d. C com os testemunhos de
Pedro, Paulo e a compreensão que Tiago tem dos acontecimentos,
interpretando a profecia bíblia de Amos 9.11,12 a problemática é teoricamente
resolvida. A partir destes apontamentos já pode-se imaginar que manter a
unidade não seria tarefa fácil, movimentos como o: Agnosticismo, Marcionismo,
Docestismo, Arianismo etc. tornaram a tarefa ainda mais difícil e os anos
seguintes assistiriam aos grandes cismas ocorridos entre os Católicos e
Ortodoxos no século XI, mais especificamente no ano de 1054 e no século XVI
o movimento Reformista do qual temos como maior expoente a figura do
monge agostiniano Martin Luther, outras divisões ocorreram, porém não é a
proposta trata-las neste estudo, neste contexto de sectarismo, que instaurou-se
no seio da igreja cristã, é que no século XIX será lançada a base sobre a qual
edificar-se-á o movimento Ecumênico que buscará a unidade Eclesiológica e
maior Diálogo em os diversos segmentos (Católicos, Ortodoxos, Protestantes -
Pentecostais, Neopentecostais etc.) da fé cristã.
_____________________ Aluno do Curso de Pós Graduação- Especialização em Ciências da Religião - Lato – Sensu- Faculdade Vale do Cricaré.2 Graduado em Teologia.
2. ECUMENISMO
Brakemeier lança algumas perguntas que poderão nos ajudar a formular um
conceito, sobre o que seria o Ecumenismo e sua proposta “Será sinônimo da
tentativa de converter o parceiro e de imprimir-lhe a própria identidade? Limitar-
se-á à preservação da boa vizinhança ou à cooperação em assuntos de
comum interesse? Vai esgotar-se em intermináveis diálogos sem jamais
produzir resultados de ordem político-eclesiástica? ”. Porém, começaremos
analisando o termo em questão e sua origem para em seguida aprofundarmos
a compreensão.
A palavra ecumenismo se origina da palavra grega (oikoumene),
formada a partir de duas outras palavras: do substantivo (oikos), que
significa casa, habitação, família, habitantes da casa, estirpe,
descendência, vivenda, aposento ou povo; e do verbo (meno), que
significa ficar, permanecer, esperar, persistir, continuar a ser, a existir,
a subsistir. Termo em questão significa: casa, terra habitada, mundo
habitado, ou humanidade. Neste sentido, seria o mundo habitado por
diferentes povos.
O primeiro significado atribuído a palavra ecumenismo referia-se a questões de
ordem política fazendo sentindo a um território conquistado, assim Gregos e
Romanos outorgaram tal semântica a palavra Ecumenismo. “Pressupõe-se
que, neste sentido, oikoumene se trata do Império Romano ou todo o mundo
sob o poder dos romanos cujo símbolo do poder político-ideológico era a Pax
Romana. ” (LIRA, 2006) “As perspectivas geográfica e cultural, entrelaçadas,
aparecem como significado primeiro da palavra ecumenismo” (NAVARRO,
1995). Mas como é conhecido, atualmente Ecumenismo refere-se a busca pela
unidade Eclesial.
Houve épocas em que o significado de "ecumenismo" parecia
consensual. Tratar-se-ia do resgate da unidade visível dos cristãos.
Era esse o propósito que estava na raiz do movimento ecumênico
moderno e que lhe conferiu a dinâmica. Embora fosse uma iniciativa
protestante, predominantemente do mundo anglo-saxão, a Igreja
Católica Romana, impelida por teólogos como Y. Congar, K. Rahner
e, sobretudo, pelo Papa João XXIII acolheu o compromisso da
"Reintegração da Unidade", como o decretou o Concílio Vaticano 112.
Portanto, "ecumenismo" é termo de conotação eclesiológica. Tem a
unidade da Igreja por meta. Designa o empenho por reunir os fiéis
"todos sob o mesmo Cristo", cumprindo o desejo do Mestre de que
todos sejam um (Jo 17.21). Cresce a consciência desse mandato não
ser opcional, e, sim, obrigatório da Igreja. Se ela é essencialmente
uma, como dizem a Escritura e o Credo, a preocupação pela sua
unidade é tarefa inalienável. (BRAKEMEIER, 2001)
A acepção que temos do referido tema tem o início de sua formulação no
século XIX, mais precisamente em 1846 quando da constituição da Aliança
Evangélica constituída com membros de várias denominações cujo objetivo era
convocar um concilio ecumênico mundial, outro evento marcante foi a
Conferencia Ecumênica Missionária realizada na cidade de Nova York em
1900. Segue – se a essa a Conferência Missionária Mundial com realização em
Edimburgo em 1910. Segundo Fontana desta se originará três movimentos:
a) Fé e Ordem é um movimento dedicado a trabalhar pela reconciliação das
denominações divididas. As conferências foram realizadas em 1927, Lausanne
e em 1937, Edimburgo.
b) Vida e Trabalho é movimento preocupado com a relação da fé cristã com as
questões sociais, políticas e econômicas. As conferências foram realizadas em
1925, Estocolmo e em 1937, Oxford.
c) Concílio Missionário Internacional foi formado em 1921 e em 1961 se
integrou formalmente ao Conselho Mundial de Igrejas.
E nas conferencias Vida e Trabalho e Fé e Ordem é aprovada a criação de um
conselho mundial de igrejas (CMI) com local e data para sua efetivação
(Utrecht em 1938), porém somente em 1948 que objetivo é alcançado, pois a
segunda grande Guerra mundial impossibilita a realização.
[...] O Conselho Mundial de Igrejas foi formalmente constituído em
1948 em Amsterdã por delegados de 147 igrejas de 44 países. Hoje
ele congrega mais de 340 igrejas, denominações e associações de
igrejas em mais de 100 países e territórios no mundo, representando
cerca de 400 milhões de cristãos e incluindo a maioria das igrejas
Ortodoxas no mundo, representações das denominações das igrejas
tradicionais da Reforma Protestante como a Anglicana, Batista,
Luterana, Metodista e Reformada, bem como muitas igrejas unidas e
independentes. Exceto a Igreja Católica e algumas (mas não todas)
igrejas evangélicas pertencem ao Concílio Mundial de Igrejas. Os
romanos atuam conjuntamente com CMI em várias questões comuns
relacionadas ao ecumenismo. (FONTANA, 2006)
Vale ressaltar que mesmo não sendo membra do CMI desde 1961 a Igreja
Católica Romana tem enviado observadores oficiais às assembleias gerais. O
conselho mundial de Igrejas tem atuado principalmente através de suas
assembleias gerais das quais já houverem oito realizações sendo a primeira
realizada em 1948 na Holanda (Amsterdã) “Entre 22 de agosto e 4 de
setembro, mais de 350 delegados, representando 147 igrejas de 44 países,
reuniram-se em Amsterdã. O tema foi As desordens humanas e os desígnios
de Deus. Esta reunião completou a tarefa de criação de um conselho
ecumênico internacional.” E a última realizada em 1998 no Zimbábue “com o
tema Volte-se para Deus,
A atuação do CMI tem permitido o surgimento de um sentimento ecumênico
tem se instaurado cada vez mais entre a diversas denominação como afirma
Fontana e mesmo a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) começa a
reconhecer não possuir toda a verdade, assim há um sentimento de
cooperação e amizade entre as diversas denominações. Ainda perdura entre
os evangélicos um dualismo há os que reconhecem a necessidade de maior
abertura e diálogo, contudo outros vêem com maus olhos a aproximação inter-
religiosa.
As ações do CMI têm propiciado um sentimento ecumênico dentre as
diversas denominações cristãs. Cada vez mais há um espírito de
cooperação e amizade. As igrejas, na maioria, reconhecem que elas
não possuem a verdade toda e estão abertas a aprenderem umas
com as outras. Observa Tony Lane que "até a Igreja Católica Romana
tem modificado significativamente suas reivindicações anteriores de
possuir a verdade toda. Os evangélicos estão divididos em sua
atitude com o movimento de unidade ecumênica, mas a maioria está
pronta para reconhecer os outros como cristãos iguais de quem eles
podem aprender" (FONTANA, 2006).
O teólogo dominicano Francês Yves Congar (1904-1995) tem a visão do termo
ecumenismo como sendo uma “amplitude” uma representação de um todo,
logo dentro deste há um dinamismo expresso por diferentes propostas das
quais Lira elenca algumas em seu artigo “O Ecumenismo como instrumento de
Ação Afirmativa do Centro Ecumênico de Cultura Negra (CECUNE).”:
Ecumenismo institucional - O ecumenismo não pode ser entendido sem a
tensão entre o institucional e o pessoal. Os pioneiros ecumênicos nunca
renunciaram a vinculação eclesial.
Encontramos exemplos dessa forma organizada e estruturada nos organismos
ecumênicos: Conferencia Missionaria Mundial de Edimburgo (1910),
Assembleias de Lausane e de Edimburgo, que geraram os movimentos ‘Fe e
Ordem’ e ‘Vida e Ação, que constituem elementos de uma estrutura coerente e
organizada a fim de zelar pelo objetivo do ecumenismo.
Ecumenismo doutrinal - O ecumenismo doutrinal e uma expressão
subjacente ao ecumenismo institucional. O que não quer dizer que esteja fora
do institucional. Cientes de que as causas das separações da Igreja se deram
a partir de questões ligadas a profissão da fé verdadeira (ortodoxia),
precisamos admitir que estes problemas de ordem doutrinal continuam gerando
infindos colóquios. Por esta razão, o ecumenismo doutrinal se torna importante,
pois ele constitui como verdadeiro passo em direção a unicidade crista em sua
totalidade.
Ecumenismo espiritual - Nos textos litúrgicos e devocionais de católicos,
ortodoxos, anglicanos e protestantes, apresentam-se orações que pedem a
Deus pela unidade da Igreja. Sem negar a tarefa doutrinal, e notório que a
unidade em sua plenitude e contemplada pela convergência na espiritualidade
compartilhada entre todas as pessoas cristas. Estas orações comuns que
relatam a intensidade de petição pela unidade constituem um passaporte valido
para a unidade: a oração compartilhada nos leva a um sentimento de união
com o Senhor de todos e todas.
Ecumenismo local ou de ‘base’ - O ecumenismo local se dá mediante uma
realidade expressiva, rica e diversa; diferentemente das outras antes citadas.
Embora o ecumenismo local não deixe de ser um ecumenismo institucional,
doutrinal e espiritual, a medida que exigia a representação da hierarquia nos
movimentos sociais que lutavam por justiça, costumava identifica-lo como
‘ecumenismo de base’. Em linhas gerais, ecumenismo local significa o
ambiente ou âmbito em que pessoas leigas, paroquias, constituem uma ‘base’
ecumênica, ou, em termos eclesiológicos, representa o espaço do povo de
Deus.
Ecumenismo secular - Diante de alguns problemas quanto a uma decisão e
atitude para uma unidade, o ecumenismo eclesiástico parecia insustentável.
Por esta razão, surge o chamado ‘ecumenismo secular’, como fruto de uma
reflexão teológica, em uma proposta por meio de um método indutivo, partindo-
se da história de nosso tempo e considerando a encarnação como tema central
dessa reflexão, terá a capacidade de revivificar um ecumenismo que jazia entre
as paredes e muros das fronteiras eclesiásticas.
Através da apresentação dos diversos tipos de ecumenismo fica claro como
não cabe um mero reducionismo que o coloque apenas como a busca pela
unidade eclesial há os que não querem fugir desta visão (doutrinal-teológica),
uma vez que “Enfrenta a suspeita de promover o sincretismo”, porém tanto na
esfera política quanto social o ecumenismo é atuante - “Para o CMI, a unidade
da Igreja jamais tem sido um fim em si mesma. Deveria ser instrumento de paz
entre todos os habitantes desta terra” -, pois reconhece o que dialogo pode ser
a forma de mediar e remediar conflitos como esclarece Brakemeier.
Fica claro, pois, que o problema da unidade não se esgota numa
questão de dogmática cristã. É assunto eminentemente prático, de
abrangentes relações sociais. Busca evitar o tão falado clash of
cívilizations, a colisão das culturas1? É engajamento em favor da
"paz na terra, entre as pessoas a quem Deus quer bem" (Lc 2.11). O
"Ecumenismo" pode ser o mutirão em favor da dignidade humana, do
que tem sido um bonito exemplo a "Campanha da Fraternidade
Ecumênica" no ano 2000. Diante do desprezo pela vida humana, as
Igrejas se vêem compelidas a cooperar, a despeito de suas
diferenças doutrinais. Buscam o consenso ético numa práxis diaconal
que a seu modo questiona o dissenso no dogma. Mais desta vez o
termo "ecumenismo" adquire um significado peculiar. Reúne um
público distinto daquele que busca o consenso na teologia, processa-
se em outros moldes, persegue não exatamente os mesmos
objetivos.
Refletindo sobre a natureza etimológica da palavra ecumenismo que seria a
casa ou o local de habitação (Oikos) e futuramente entendido sobre
perspectivas políticas seja por Gregos ou Romanos. Uma aplicação coerente
do ecumenismo seria a de preservar nossa casa de habitação (planeta) por
meio de uma congregação política, como os Romanos deve-se fazer do campo
religioso uma área de influência de domínio, da cordialidade, dialogo e respeito.
Num país em que a cada dia cresce a miséria e se multiplicam as
mortes causadas por fome, subnutrição e violência, a divisão dos
cristãos se constitui em escandaloso luxo. Nessa consciência reside,
sem dúvida, o principal motivo da extraordinária dinâmica que
caracteriza o ecumenismo brasileiro e latino-americano. A unidade
dos cristãos é uma exigência prática, imposta pelas indignas
condições de vida da maioria do povo e decorrente do compromisso
com a luta por justiça e libertação. (BRAKEMEIER)
Segundo Fontana, que é partidário da visão que atualmente o movimento
ecumênico apresenta-se em estagnação. Por parte do ICAR que não participa
do CMI não se colocando como mais uma denominação. Ou por parte de
protestantes que “influenciados pelo Pietismo ou pelo fundamentalismo”
também colocam-se como sendo os Cristãos “verdadeiros”.
O quadro atual não é dos mais positivos. O ecumenismo, segundo
Gottfried Brakemeier, depois de uma época de avanços sofre agora
estagnação.5 O rev. Carlos Calvani é da mesma opinião e chama a
atenção em seu artigo "Pezinho pra frente, pezinho pra trás" –
reflexões de um anglicano sobre o ecumenismo6 para a
inflexibilidade da Igreja Católica Romana quando se fala de
ecumenismo. Não obstante devemos apontar também que existe no
meio protestante uma grande resistência à proposta ecumênica.
(FONTANA, 2006)
A unidade no corpo de Cristo (igreja) foi vivida nos primeiro séculos de sua
existência, assim não é tarefa futura, mas de retorno e de necessidade
teológica, pois foi solicitada por Cristo “Dei-lhes a glória que me deste, para
que eles sejam um, assim como nós somos um” João 17:22 e expressa nas
escrituras Cristãs “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes
chamados em uma só esperança da vossa vocação; Um só Senhor, uma só fé,
um só batismo;
Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós.”
Efésios 4:4-6, logo o ecumenismo pode ser visto como processo de
restauração de uma ordem já vivida como afirma Brakemeier “a palavra
"ecumênico" passa a qualificar determinada mentalidade. Consiste na
consciência do vínculo que há entre todos que professam o nome de Jesus
Cristo, e da necessidade da reconciliação entre as Igrejas divididas. Pois a
unidade das Igrejas e de seus membros é anterior às suas divisões. A unidade
está em Cristo. Ela é dom antes de ser tarefa. Não cabe ao ecumenismo
construir ou produzir a unidade. Cabe-lhe, isto sim, visualizar a unidade que em
Cristo já existe”.
3. DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO
Diálogo consiste no processo de conversação entre duas ou mais pessoas,
quando aplicado ao contexto das religiões o diálogo assume papel de
mediador, para relações construtivas no âmbito religioso.
O diálogo autêntico traduz um encontro de interlocutores pontuado
pela dinâmica da alteridade, do intercâmbio e reciprocidade. É no
processo dialogal que os interlocutores vivem e celebram o
reconhecimento de sua individualidade e liberdade [...] (TEIXEIRA)
Neste caminho é que o diálogo inter-religiosos se estabelece, pois na relação
com pessoas de outras confissões religiosas haverá o enriquecimento e
valorização do outro, busca-se com isso um conhecimento mútuo que venha
ampliar a cosmovisão que faça entender a natureza das diferenças
estabelecendo-se um ambiente propicio para o respeito e tolerância.
Dentre a extensa variedade de formas de diálogo, situa-se o diálogo
inter-religioso com sua peculiaridade própria. Trata-se do “conjunto
das relações inter-religiosas, positivas construtivas, com pessoas e
comunidades de outras confissões religiosas, para um mútuo
conhecimento e um recíproco enriquecimento”. O diálogo inter-
religioso instaura uma comunicação e relacionamento entre fiéis de
tradições religiosas diferentes, envolvendo partilha de vida,
experiência e conhecimento. Esta comunicação propicia um clima de
abertura, empatia, simpatia e acolhimento, removendo preconceitos e
suscitando compreensão mútua, enriquecimento mútuo,
comprometimento comum e partilha da experiência religiosa.
(TEIXEIRA)
Há que se ressaltar que o diálogo inter-religioso não pode ser confundido com
sincretismo religioso, uma vez que nasce de pessoas comprometidas com sua
fé e religião, mas ao mesmo tempo dispostas ao aprendizado e convívio de
forma harmoniosa, o desejo de ir além da tolerância que busca a compreensão
sem contudo abandonar a fé pessoal o que ressalta a importância do outro na
vivencia e construção da identidade pessoal com esclarece Martin Buber, “o
homem se torna EU na relação com o TU”. É no diálogo que os interlocutores
têm a possibilidade de expressar suas opiniões e ultrapassar seus pré-
conceitos estabelecidos que sem a conversação podem atuar como barreiras a
boa convivência religiosa. O teólogo suíço Hans Küng faz pontual reflexão
sobre a importância do diálogo inter-religioso como meio de estabelecer um
contexto de paz por meio de uma atitude austera:
Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões.
Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as
religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existirem
padrões éticos globais Nosso planeta não irá sobreviver, se não
houver um ethos global, uma ética para o mundo inteiro. (KÜNG,
2004, p. 17)
O que muitos consideram como marco inicial do diálogo inter-religioso
contemporâneo ocorreu em 1893 com o Parlamento Mundial das Religiões,
que ocorreu nos EUA na cidade de Chicago “Reuniu 4000 pessoas na sessão
inaugural. Durante 18 dias, dos 400 delegados, 150 tomaram a palavra. Teve a
adesão de religiosos orientais e a curiosidade de líderes judeus, cristãos e
muçulmanos mais abertos”. Um século depois a cidade de Chicago voltaria a
ser palco de outro marco importante para o processo dialogal das religiões.
Em 1993, um século depois, novamente em Chicago, o “Parlamento”
fazia nova assembleia-geral. Neste, os participantes aprovaram a
“Declaração por uma Ética Mundial”, a partir da ajuda teológica de
Hans Küng e da “Fundação por uma Ética Mundial”, organismo de
caráter internacional e inter-religioso. (BARROS)
É neste evento que são formulados os seis princípios que buscam uma ética
mundial estabelecidos na “Declaração por uma Ética Mundial”:
1. Não é possível uma nova ordem mundial sem uma Ética mundial.
2. A exigência fundamental desta Ética é que todo ser humano seja tratado de
forma humana.
3. É urgente criar uma cultura da não violência e do respeito por cada ser vivo.
4. Uma cultura da solidariedade e uma ordem econômica justa.
5. Cultura da tolerância e de paridade de direitos e igualdade entre homem e
mulher.
6. É necessária uma transformação de consciência sem a qual estas propostas
anteriores não seriam profundas.
Por parte da ICAR o Concílio do Vaticano II marcou uma abertura do
Romanismo às outras religiões, visto que passam a reconhecer que em outras
expressões religiosas estão presentes manifestações da “verdade” transmitida
pela ICAR.
“Com sincera atenção, a Igreja considera os modos de viver e agir, os
preceitos e doutrinas das outras religiões. Nada rejeita do que, nelas,
existe de verdadeiro e santo. Mesmo que, em muitos pontos, seus
ensinamentos estejam em desacordo com o que a Igreja pensa e
anuncia, não raro, refletem lampejos daquela Verdade que ilumina
todo ser humano” (...)“A Igreja exorta seus filhos a reconhecer,
manter e desenvolver os bens espirituais e morais, como também os
valores socioculturais que existem nas outras religiões que, mesmo
contendo elementos doutrinais que a Igreja não concorda, têm
lampejos da verdade que iluminam todos os seres
humanos” (CONCILIO VATICANO II, apud, BARROS).
Já em território nacional um marco para o contexto brasileiro foi a Eco-92,
Conferência Mundial sobre o meio ambiente, que aconteceu em julho de 1992
na Cidade do Rio de Janeiro fato relevante ocorrido na Eco-92 foi a “celebração
inter-religiosa: um novo dia para a terra”:
Foi uma experiência única para todos aqueles que participaram das
atividades ocorridas na “aldeia sagrada”, que transformou o aterro do
Flamengo com suas tendas espalhadas por todos os cantos. Como
acentuou o antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, cerca de “3000
fiéis de 25 religiões e credos tão diversos como o catolicismo, o
hinduísmo, o judaísmo e o candomblé, esperaram o amanhecer da
sexta feira como a chegada de um novo dia para a Terra”.
(TEIXEIRA)
Quando refletimos sobre o campo religioso brasileiro vislumbramos um
contexto de pluralismo religioso, no qual o convívio mostra-se difícil e uma
realidade de disputas por fieis de pouco diálogo e muitos anátemas. Zabatiero
define algumas características do campo:
Dinamicidade - Os dados estatísticos do Censo 2000 e pesquisas mais
recentes do CPS/FGV indicam, basicamente, que o campo religioso brasileiro
atual possui elevado grau de dinamicidade: * algumas instituições religiosas
crescem em ritmos elevados, algo semelhante ocorrendo com pessoas sem
religião; * a ICAR, que vinha experimentando um intenso declínio quantitativo
até o ano 2000 parece, segundo dados de 2003, estar começando a se
equilibrar e a recuperar terreno; * o trânsito religioso é intenso, embora a
sociedade brasileira continue predominantemente cristã (90%);
Midiatização - Outro dado a se ressaltar no campo religioso brasileiro atual é a
intensa midiatização do discurso religioso, tanto na TV aberta – mais usada
pelos neo-pentecostais – quanto na TV a cabo – mais usada pela ICAR. *
Através da mídia, a conflitividade do campo se destaca, com intensa busca de
novos fiéis e, especialmente, novos contribuintes/investidores; *
Aparentemente, as estruturas discursivas da TV estão influenciando os modos
de pregação e comunicação em âmbito local (templos); * O discurso religioso
na mídia, especialmente na TV aberta, sugere que a mundanização da fé cristã
continua seu curso, paralelamente a uma reinserção de aspectos mágicos nas
práticas litúrgicas e pessoais.
Mundanização - Continuo usando o termo mundanização no sentido da teoria
da secularização, sem qualquer tipo de conotação moral (o processo mediante
o qual as pessoas se tornam menos preocupadas com questões
transcendentais e mais voltadas às questões intra-mundanas). Talvez se possa
dar uma formulação mais precisa ao termo a partir da análise da pregação
midiática no Brasil: “o processo mediante o qual as pessoas, mediante o
recurso a fatores transcendentais, buscam respostas a questões intra-
mundanas”. Da Mundanização decorre a Mercadorização.
Mercadorização - O processo mediante o qual as crenças e práticas religiosas
são ressignificadas como bens ou produtos a serem consumidos
individualisticamente. Neste caso, pode-se aceitar a validade parcial do
conceito de compensador da teoria da religião, de Stark & Bainbridge: “quando
os seres humanos não conseguem obter recompensas intensamente
desejadas com facilidade e rapidez, eles persistem em seus esforços e podem,
com frequência, aceitar explicações que ofereçam apenas compensadores.
Estes são substitutos intangíveis para a recompensa desejada, tendo o caráter
de dívidas, cujo valor deve ser aceito pela fé”.
Pierre Bourdieu citado por Zabatiero define campo de seguinte forma: “O
campo se define como o locus onde se trava uma luta concorrencial entre os
atores em torno de interesses específicos [...] onde se manifestam relações de
poder [...]” sua aplicabilidade expande-se ao campo religioso brasileiro onde
fieis são vistos como clientes que devem ter suas necessidades atendidas. A
dinâmica de mercado toma conta das relações religiosas, nas quais teologias
como a da prosperidade legitimam as riquezas como favor divino. Nesta
perspectiva, os fiéis transitam entre diferentes propostas religiosas na busca de
suprir seus desejos e consumir do que lhes é oferecido no mercado da fé,
assim aplica-se a Mundanização, homens e mulheres que se dirigem ao
transcendente na busca de suprir demandas mundanas. Denominações
disputam palmo a palmo novos clientes-fieis, cada denominação é vista como
concorrente, opositora aos objetivos de crescimento (vertiginoso foi o
crescimento experimentado pela IURD “conforme os dados dos dois últimos
Censos Demográficos, essa igreja cresceu nada menos que 718% entre 1991
e 2000”). Logo, diálogo não é a palavra mais comum a ser ouvida entre
algumas denominações (em especial pentecostais e neopentecostais, esses
atuam expressivamente através do meios midiáticos, compreendendo a
sociedade, altamente imagética), o Brasil apresenta elevada pluralidade
religiosa, assim é preciso haver maior abertura, diálogo, de modo que os
anátemas deixem de existir, o monge italiano Enzo Bianchi (citado por Barros)
estabelece algumas atitudes para se chegar ao diálogo que se faz tão
necessário no contexto brasileiro e mundial:
1 – Aceitar que haja uma diferença entre nós e reconhecer o direito que o outro
tem a ser outro (direito à alteridade)
2 – Iniciar o diálogo pela escuta interior e profunda do diferente.
3 – Deixar que seja o outro que se defina e aceitar esta autoleitura. (Por
exemplo, como eu não sou do candomblé, não devo defini-lo)
4 – Assumir a própria identidade e aprofundá-la para distinguir na minha fé o
que é essencial do que não o é.
5 – Olhar o outro como igual. Não há diálogo sem igualdade entre os parceiros
6 – Excluir toda atitude de autossuficiência e de arrogância teológica ou
doutrinal ou ritual.
7 — Para dialogar com o outro, partir do mais próximo e sublinhar os pontos
em comum.
REFERENCIAS:
BRAKEMEIER G. Ecumenismo: Repensando O Significado e a
Abrangência de um Termo, Revista Perspectiva Teológica Vol. 33, 2001, pag.
195-216.
BARROS, M. Panorama Atual do Diálogo inter-religioso.
BORGES, A. Religião e Diálogo Inter-Religioso (Estado da Arte) Imprensa da Universidade de Coimbra.
DE LIRA, LILIAN C. DA SILVA PESSOA. O Ecumenismo como instrumento
de Ação Afirmativa do Centro Ecumênico de Cultura Negra (CECUNE)
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