liberdade religiosa e diÁlogo inter-religioso em …

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LIBERDADE RELIGIOSA E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO EM PORTUGAL: 2001-2021 Testemunhos do Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso (GT DIR)

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LIBERDADE RELIGIOSA E DIÁLOGOINTER-RELIGIOSO EM PORTUGAL: 2001-2021Testemunhos do Grupo de Trabalhopara o Diálogo Inter-religioso (GT DIR)

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Índice

Liberdade Religiosa e Diálogo Inter-religioso em

Portugal: 2001-2021Testemunhos do Grupo

de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso (GT DIR)

Prefácio dos/as Representantes do Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso .................................................................. 3

Nota Introdutória da Alta-Comissária para as Migrações, Sónia Pereira ......................................................................................... 4

Testemunhos dos/as representantes do Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso (GT DIR):

. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em Portugal ....................................................................................................... 5

. Aliança Evangélica Portuguesa ............................................................................................................................................................. 7

. Associação Internacional Buddha’s Light de Lisboa .............................................................................................................................. 9

. Comunidade Bahá’í de Portugal ...........................................................................................................................................................11

. Comunidade Hindu de Portugal ...........................................................................................................................................................13

. Comunidade Islâmica de Lisboa ...........................................................................................................................................................16

. Comunidade Israelita de Lisboa ...........................................................................................................................................................18

. Comunidade Muçulmana Shia Ismaili ............................................................................................................................................... 20

. Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC) ................................................................................................................................... 22> Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal> Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica – Comunhão Anglicana

. Igreja Católica Apostólica Romana (Patriarcado de Lisboa) .................................................................................................................. 26

. União Budista Portuguesa ................................................................................................................................................................... 28

. União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia ............................................................................................................................... 30

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A data de 22 de junho de 2001 ficou marcada em Portugal com a publicação da Lei n.º 16/2001, Lei da Liberdade Religiosa. Tal aconteceu noventa anos após a Lei da Separação entre o Estado e a Igreja e trinta anos depois da entrada em vigor da Lei n.º 4/71, que tornou possível às confissões religiosas minoritárias obterem o reconhecimento pelo Estado. Agora, a Lei da Liberdade Religiosa viria, no dealbar do novo século, concretizar, alargar e aprofundar os princípios fundamentais de um Estado de Direito, livre, democrático e plural. Esses princípios expressam-se nos direitos concretos que compõem a liberdade religiosa, como a inviolabilidade da liberdade de consciência, culto e religião, a igualdade de tratamento perante a lei e a não discriminação em função da religião, a separação entre o Estado e as comunidades religiosas, a autonomia organizativa das comunidades religiosas, entre outros. De uma perspetiva temporalmente mais próxima dessa tão significativa data, chegava ao final um processo, tão longo como minucioso, de auscultação, sensibilização e consensualização sobre a necessidade e premência de tal documento legal. Esta ação, iniciada em 1996 pelo Ministro da Justiça de então, José Eduardo Vera Jardim, teve como principal objetivo o de nivelar os direitos individuais e coletivos dos

cidadãos e das instituições religiosas, através da aproximação dos direitos das sensibilidades minoritárias aos da Igreja maioritária no País. E, logo, do seu sentido de dignidade, legitimidade, integração e participação na vida pública. O texto legislativo, com intervenção particular na redação do Juiz Conselheiro José de Sousa e Brito, foi aprovado na Assembleia da República a 26 de abril de 2001.Se, por um lado, a nova Lei da Liberdade Religiosa cumpria os desígnios expostos, decorrentes das obrigações constitucionais do Estado, por outro, os seus reflexos fizeram-se sentir na vivência de fé dos crentes e das comunidades religiosas minoritárias. Aqueles que eram considerados direitos adquiridos de cidadãos e clérigos da Igreja Católica eram agora vividos e experimentados pelas comunidades com estatuto de radicação em Portugal, segundo os critérios legais. Entre outros, e para lá dos direitos fundamentais da liberdade religiosa, passou a ser possível a celebração de casamentos civis sob forma religiosa, a assistência espiritual e religiosa em hospitais e prisões, a definição e o usufruto do estatuto do Ministro do Culto, a garantia da educação religiosa e até a celebração de acordos, com a necessária aprovação por lei da República Portuguesa. Somou-se a esses novos estatutos e direitos a criação da Comissão da Liberdade Religiosa, órgão consultivo do Governo e da Assembleia da República, com competências legais próprias, que tem vindo a adotar um importante papel na divulgação do princípio e da prática da liberdade religiosa, na audição e aferição da liberdade religiosa em Portugal, tanto dos indivíduos como das comunidades, e como instância de reclamação em matérias de liberdade de consciência, religião e culto. A Comissão foi grandemente valorizada pela notoriedade pública de quem a ela presidiu: José Menéres Pimentel (2004-2007), Mário Soares (2007-2011), Fernando Soares Loja (presidente em exercício de 2011 a 2016) e José Eduardo Vera Jardim (2016 até ao presente, em segundo mandato desde 2020).O quadro legal de 2001 estabeleceu condições para uma maior relação de cooperação entre o Estado e as comunidades religiosas, no respeito pelos princípios constitucionais de separação e não-confessionalidade, retomadas na revisão da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé de 2004.Para lá da legislação de direitos constitucionalmente consagrados, é inegável que as comunidades religiosas minoritárias passaram a perceber e a viver o espaço público em Portugal com maior reconhecimento, segurança e confiança. Desde então, foram emitidos oitenta e oito certificados de radicação a comunidades religiosas, a que se somam muitos outros registos de comunidades que não realizaram ou não têm condições de realizar o seu pedido de radicação.

Não é possível, por isso, compreender o Diálogo Inter-religioso em Portugal sem uma noção do que significou esta alteração do quadro legal. É verdade que em Portugal decorria já um significativo diálogo entre confissões religiosas protagonizado pelos seus líderes, mas também é verdade que esse movimento não englobava um número tão significativo de comunidades como nos últimos vinte anos. Foi nesse novo ambiente de liberdade, de confiança e de crescente heterogeneidade cultural e religiosa que, através do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), o governo lançou um projeto de Diálogo Inter-cultural e Inter-religioso, aprofundado a partir de 2014 pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Coordenados por este organismo público, os representantes de treze das mais significativas comunidades religiosas radicadas em Portugal reúnem-se no Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso (GTDIR) onde, no âmbito dos seus objetivos e das competências estabelecidos, discutem assuntos de interesse comum e organizam iniciativas. Não é despiciendo que o facto desse Grupo ser coordenado por uma entidade pública imparcial assegura o conforto das comunidades. Mas a eficácia do trabalho deve-se também à regra implícita, respeitada ao longo do tempo, de procurar o consenso. Assim se tem construído um percurso feito de reuniões mensais, dois congressos, uma conferência, quatro encontros de jovens MEET-IR, para além de variadas iniciativas e tomadas de posição comuns.Uma das iniciativas que mais entusiasmou e envolveu o Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso foi a de lançar e apoiar, em 2019, a criação do Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religioso. A proposta partiu da Comissão da Liberdade Religiosa, representada pelo seu Presidente, José Eduardo Vera Jardim, e do Alto Comissariado para as Migrações, então dirigido por Pedro Calado. Atesta do compromisso da República Portuguesa com a implementação da liberdade religiosa que tenha sido o Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, o primeiro signatário do Projeto-Lei e que a Assembleia da República a tenha votado por unanimidade, escolhendo como dia o 22 de junho, por ser a data da publicação da Lei da Liberdade Religiosa.Assim se justifica a presente publicação. Deseja o Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso celebrar o vigésimo aniversário da Lei n.º 16/2001 e os benefícios que trouxe para o exercício da liberdade e da diferença. Nos curtos textos que se seguem deixamos registados a visão de cada comunidade religiosa sobre a vigência da Lei, o diálogo desenvolvido com as demais comunidades e a perspetiva de futuro sobre ambos.

Liberdade Religiosa e Diálogo Inter-religioso em

Portugal: 2001-2021Perspetivas do Grupo

de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso

Prefácio

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Esta publicação, em formato digital, representa uma vez mais, o resultado das sinergias e do trabalho conjunto do Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-Religioso (GT DIR) o qual, apesar dos constrangimentos do confinamento, decorrentes da pandemia COVID-19, manteve-se sempre ativo e solidário, com a presença dos representantes das várias confissões religiosas que nele participam. Por ocasião da celebração dos 20 anos da publicação da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho - Lei da Liberdade Religiosa - esta publicação reúne numa expressão de identidade individual e coletiva, tal como é apanágio do GT-DIR, uma reflexão conjunta sobre os contributos da referida Lei em Portugal, tanto ao nível local como nacional, sobretudo para as comunidades religiosas minoritárias que passaram a usufruir de um maior reconhecimento. Após a publicação da Lei, o Governo decidiu criar, em 2005 a Estrutura de Missão para o Diálogo com as Religiões, através da Resolução de Conselho de Ministros n.º 4/2005. A referida Estrutura foi, em 2007, integrada no então Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, I.P. (ACIDI, I.P.), reiterando-se, assim, a importância da promoção do diálogo inter-religioso e do respeito por todas as confissões religiosas na sociedade portuguesa (tal como consagrado no art. 3º do DL n.º 167/2007 de 3 de maio).A Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, de 3 de maio, criou o I Plano para a Integração dos Imigrantes, o qual traduz o compromisso do Estado, mediante o envolvimento direto de 13 Ministérios, na implementação de uma política holística de acolhimento e integração humanista de todos os migrantes. O Plano integrou um conjunto de 20 áreas sectoriais e transversais, com 122 Medidas traduzidas em 295 Indicadores. A Liberdade Religiosa foi desde logo considerada entre as áreas abrangidas, com duas Medidas específicas: Medida 92: Consolidação da Liberdade Religiosa (entre os indicadores de monitorização da implementação desta medida destacaram-se: Número de estudos promovidos no âmbito do Observatório de Imigração sobre a liberdade religiosa) e a Medida 93: Formação específica de profissionais de sectores-chave.Em dezembro de 2008, integrada no Ano Europeu para o Diálogo Intercultural teve lugar, na Fundação do Oriente, a Conferência «Os Jovens e o Diálogo Inter-Religioso», organizada pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, ACIDI, IP. Estiveram presentes representantes da juventude Hindu, Judaica, Budista, Cristã Católica e Protestante, Islão Sunita e Ismailita e Fé Bahá’í.É dentro deste espírito de colaboração entre as diferentes comunidades religiosas e o Estado Português, e tendo em conta a missão do Alto Comissariado para as Migrações– ACM, I.P., que a temática do diálogo inter-religioso foi sendo trabalhada desde 2008, e foi retomada em 2014, com a promoção do Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso – GT DIR.

O ACM e o então Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Pedro Lomba, efetuaram o convite a diversas confissões religiosas, no sentido de se trabalhar em conjunto, em prol do Diálogo Inter-religioso. Assim, em 2015, o ACM promoveu um grupo de trabalho, com a participação de diferentes comunidades/confissões religiosas que têm vindo, desde então, a refletir sobre assuntos de interesse comum e a organizar diversas iniciativas.Não obstante o enquadramento legal das religiões estabelecidas no nosso país, o papel do Alto Comissariado para as Migrações no GT DIR continua a ser crucial como facilitador e dinamizador do Diálogo Intercultural e Inter-religioso para que se continuem a aplicar os princípios constantes na Lei, se simplifiquem procedimentos e através do diálogo aberto com as entidades, organizações e instituições públicas e privadas, entre outras, se possa continuar a contribuir para uma clarificação das representações sociais das diferentes confissões religiosas e através de ações de (in)formação, os cidadãos possam participar em liberdade e democraticamente na nossa sociedade.

Alta-Comissáriapara as Migrações

Sónia Pereira

Nota Introdutória

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20 anos da Leide Liberdade Religiosa

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias

Joaquim Moreirarepresentante d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos

Últimos Dias

Para mais informação contacte:https://pt.aigrejadejesuscristo.org/

https://www.facebook.com/IgrejadeJesusCristoPortugal/

Testemunhos

A liberdade religiosa é um princípio básico d`A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e um direito humano fundamental.

O arbítrio moral, a habilidade de escolha e agir por nós mesmos, é essencial para quem acredita em Deus. A liberdade religiosa garante que as pessoas possam exercer o arbítrio nas questões relacionadas com a fé. A liberdade religiosa engloba não apenas o direito de adorar livremente, mas também o direito de uma pessoa falar e agir com base na sua fé.

A liberdade religiosa, protege o direito a todas as pessoas de terem as suas próprias crenças religiosas e expressá-las livremente sem medo de sofrerem perseguição, ou terem negados os seus direitos iguais de cidadania.

A liberdade religiosa assegura que as pessoas possam escolher ou mudar de religião livremente, ensinar sua fé para seus filhos, receber e divulgar informações religiosas, reunir-se com outras pessoas para adorar e participar das cerimônias e práticas de sua fé. Ela protege os indivíduos contra a discriminação religiosa ao buscarem emprego, residência e outros serviços básicos.

A liberdade religiosa protege não apenas os indivíduos, mas também as organizações religiosas em torno das quais se organizam comunidades de fiéis.

Abrange também o direito de organizar igrejas e outras instituições religiosas, tais como escolas de religião e serviços humanitários. Ela permite a tais instituições a liberdade de estabelecer suas doutrinas e maneiras de adoração; organizar seus próprios negócios eclesiásticos; determinar requisitos para filiação, ofícios eclesiásticos e emprego; e possuir propriedades e construir locais de adoração. “Não cremos, porém, que as leis humanas tenham o direito de interferir na prescrição de regras de adoração” ou “ditar formas de devoção pública ou particular.”1

Muitos desses princípios estão incluídos na Lei da Liberdade Religiosa portuguesa, de 22 de junho; Lei n.º 16/2001, que declara:

“Artigo 1.º

Liberdade de consciência, de religião e de culto

A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos em conformidade com a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito internacional aplicável e a presente lei.

Artigo 2.º

Princípio da igualdade

1 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por causa das suas convicções ou prática religiosa.

2 – O Estado não discriminará nenhuma igreja ou comunidade religiosa relativamente às outras”.

É importante realçar a documentação dos direitos humanos internacionais, a qual, também reconhece a universalidade da liberdade de religião e crença.

“Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular”.2

O profeta Joseph Smith declarou: “Estou igualmente pronto para morrer em defesa dos direitos de um presbiteriano, um batista ou um bom homem de qualquer outra denominação; porque o mesmo princípio que destruiria os direitos dos santos dos últimos dias também destruiria os direitos dos católicos romanos ou de qualquer outra denominação que venha a ser impopular ou demasiadamente fraca para se defender”3

Os primeiros santos dos últimos dias codificaram esse sentimento em um decreto da cidade de Nauvoo, que garantia a tolerância para todas as crenças: “Fica ordenado pelo Conselho da Cidade de Nauvoo que os católicos, presbiterianos, metodistas, batistas, santos dos últimos dias, quakers, episcopais, universalistas, unitarianos, muçulmanos e todos os outros credos e denominações religiosas deverão ter liberdade e privilégios igualitários nesta cidade”4

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias também reconhece que a liberdade religiosa não é ilimitada, como podemos constatar no contexto da pandemia em que vivemos. Limites nas atividades religiosas são adequados quando é necessário proteger interesses importantes como a vida, a propriedade, a saúde ou a segurança de outras pessoas. Mas tais limitações devem ser verdadeiramente necessárias, e não uma desculpa para cercear a liberdade religiosa. Quando a lei restringe a liberdade religiosa, os santos dos últimos dias acreditam em obedecer à lei enquanto buscam proteção para seus direitos fundamentais, através dos meios lícitos disponíveis em cada jurisdição ou país.

Sem dúvida, é com muito agrado e satisfação, na qualidade de representante d`A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias no grupo de trabalho no ACM (Alto Comissariado para as Migrações) ao longo de sete anos, certifico que tem sido para mim muito gratificante e inspirador trabalhar numa periodicidade mensal com os representantes religiosos no GT-DIR, não só pela amizade que nutrimos, como também pelo ambiente familiar que temos uns pelos outros independentemente das práticas e diferentes convicções religiosas.

Como resultado de tudo isto, temos um ambiente de muito respeito e paz uns para com os outros, realizamos atividades em conjunto entre todas as denominações religiosas representadas do grupo de trabalho, para benefício da sociedade em geral e dos jovens em particular.1 Doutrina e Convênios 134:42 O Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas3 History of the Church, pp. 498–499, discurso proferido por Joseph Smith em 9 de julho de 1843, em Nauvoo, Illinois; relatado por Willard Richards4 (Ordinance in Relation to Religious Societies, cidade de Nauvoo, Illinois, sede de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, 1º de março de 1841).

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Uma das primeiras premissas do grupo de trabalho, foi confiar na boa-fé uns dos outros e não termos segundas agendas com interesses individuais, nem tirarmos partido das decisões e atividades a definir, para qualquer proveito próprio no que diz respeito às crenças de cada um.

Outra grande vantagem foi ser o ACM, um órgão do governo português, a tomar a iniciativa, para que o diálogo inter-religioso acontecesse. Este passo tão importante colocou-nos numa posição de respeito mútuo entre todas as religiões independentemente da sua implementação no país.

Como também, o reconhecimento da importância da religião na sociedade para o apoio e suporte da população de diferentes religiões, com o reconhecimento das suas necessidades e seu bem-estar.

Entretanto entre os representantes religiosos do GT-DIR, esforçamo-nos para seguir o conselho do Reverendo Samuel Rodriguez que escreveu:

“A fé capacita-nos para ver o invisível, abraçar o impossível, e dá esperança no incrível.”5

Dentro deste espírito, criou-se um sentimento da boa-vontade entre todos os representantes religiosos, em que decidimos fazer reuniões fora dos escritórios do ACM, sendo que as mesmas foram realizadas em cada edifício mais representativo de cada religião representada. No início da cada reunião, o representante da mesma, fazia uma explanação das suas crenças, práticas, a historicidade da mesma em Portugal e seus contributos importantíssimos para o desenvolvimento na sociedade portuguesa.

Iniciativa ACM “Fora de Portas – Diálogo Inter-religioso” - Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, dias 23 e 24 de maio de 2015

Atividade de Natal para os mais carenciados na Mesquita de Lisboa, com a presença de Sua Excelência o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa em 2018

Uma outra vertente muito positiva, é uma abertura constante na partilha de ideias inovadoras na qual, muitas vezes, surgem opiniões divergentes, mas sempre no respeito de cada um, sem pôr em causa a dignidade de cada representante ou mesmo das instituições religiosas que representam. Após estas discussões surge uma unanimidade comum em torno das iniciativas no respeito de todos, para dar razão a uma premissa da liberdade de expressão a qual refere que nunca sabemos de onde virá a sabedoria. Deste modo, se vozes opostas são livres de falar, essa sabedoria certamente acabará por surgir.

É de realçar o trabalho inexcedível das representantes do ACM, desde o início serem mulheres muito bem preparadas, qualificadas e com um carácter inexcedível para não só coordenar ideias, como também serem pró-ativas nas iniciativas e no diálogo interno entre o GT com as instâncias superiores.

Com tudo isto, a religião está a readquirir uma relevância muito importante na sociedade portuguesa, como também no mundo académico sobre os assuntos religiosos, porque a religião e a espiritualidade inspiram a escavações mais profundas da alma e ligam-nos aos fundamentos morais que sustentam o melhor da nossa humanidade partilhada.

Com esta confiança, interação e respeito mútuo por cada religião, iniciámos a organização de conferências, atividades em conjunto com os jovens de todas as religiões representadas para melhor entendimento e convivência, para uma paz religiosa mais efectiva, sólida e duradoura no país.

Para além das atividades acima referidas, trabalhamos em conjunto para o bem comum no serviço aos mais necessitados, envolvendo as altas instâncias da nação.

Primeiro MEET IR no Fundão

Congresso Cidadania e Religião - Setembro de 2016

5 Wilfred McClay, “Honoring Faith in the Public Square” (Honrar a Fé na Praça Pública)”, Christianity Today, 21 de nov., 2012.

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20 anos da Leide Liberdade ReligiosaAliança Evangélica

PortuguesaMorada:

Avenida Conselheiro Barjonas Freitas, 16-B1500-204 Lisboa – Portugal

Telefone: 217 710 530Email:  [email protected]

www.aliancaevangelica.ptinstragram.com/aliancaep

facebook.com/aeportuguesa

Testemunhos

Este ano celebramos 20 anos da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, conhecida como a Lei da Liberdade Religiosa, a qual veio pela primeira vez reconhecer o estatuto jurídico das comunidades religiosas de forma distinta das associações privadas, permitindo a liberdade de organização e a celebração de casamentos com reconhecimento civil, entre outros direitos que estavam dispersos por legislação avulsa.

A Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) é a organização representativa dos evangélicos presentes em Portugal, com 400 000 fiéis (segundo dados da Universidade Católica). Estes fazem parte dos 600 milhões que, em todo o mundo, são representados pela Aliança Evangélica Mundial.

A AEP reconhece o importante papel de vários decisores políticos e de representantes de entidades religiosas na preparação e implementação desta Lei, referência de um novo período de reconhecimento legal e regulação de várias matérias importantes para as comunidades religiosas.

Começamos por recordar, com gratidão, um dos grandes impulsionadores da Lei da Liberdade Religiosa: o Juiz Conselheiro Dr. José Dias Bravo (Presidente da AEP entre 1992 e 1997), que acompanhou todo o respetivo processo até que esta finalmente fosse formalizada. Ele que, tal como alguns outros evangélicos, na sua juventude havia sofrido perseguição religiosa, tendo sido várias vezes apedrejado durante as suas pregações do Evangelho, nomeadamente na região de Sintra.

Juiz Conselheiro Dr. José Dias Bravo1992-1997

A publicação da Lei da Liberdade Religiosa, em 2001, veio trazer uma nova esperança na batalha pela igualdade e livre expressão das várias confissões religiosas em Portugal. Foi o abrir portas de um caminho que já tinha sido iniciado, por exemplo, com a criação da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas, que começou a formar-se ainda no final da década de 80, responsável pelos programas “Fé dos Homens” e “Caminhos” na RTP 2 e, mais recentemente, desde 2009, também pelos programas de rádio na Antena 1.

Já na área do Ensino, no ano letivo de 1990/91, deu-se início às primeiras turmas de “Educação Moral e Religiosa Evangélica” nas Escolas Públicas, mais tarde regulamentada pelo Decreto - Lei nº 329/98 de 2 de novembro.

Embora tenham surgido antes da Lei da Liberdade Religiosa, as aulas de Educação Moral e Religiosa Evangélica refletem a importância e os benefícios da mesma vivida em Portugal. Ao longo de 30 anos, têm constituído uma oportunidade singular, de estudo, de reflexão e de interiorização dos valores da fé cristã, essenciais para a construção de cidadãos sensatos e espiritualmente saudáveis, que vivem segundo a luz do evangelho e que contribuem ativamente na edificação de uma sociedade sólida e coerente, fundamentada na justiça, no amor e na graça revelada na pessoa de Jesus.

Em todas estas conquistas, nas diversas áreas da sociedade, lembramos mais uma vez o trabalho incansável do Dr. José Dias Bravo e de outros irmãos, nomeadamente do Dr. Fernando Loja, desde o início indicado como representante dos Evangélicos na Comissão de Liberdade Religiosa (CLR), função que tem desempenhado de forma superior e sendo por todos os membros da CLR reconhecido como o braço direito do atual presidente, Dr. Vera Jardim, bem como dos presidentes que o precederam.

Gostaríamos de destacar também o GTIR - Grupo de Trabalho Inter-Religioso Religiões-Saúde – do qual o Pastor Jorge Humberto (presidente da AEP entre 2009 e 2014) é um dos membros fundadores, juntamente com líderes de outras confissões religiosas. Este grupo esteve igualmente na origem da Lei da Assistência Espiritual e Religiosa do Serviço Nacional de Saúde, a 23 de setembro de 2009 (Decreto-lei 253/2009). Desde então, tem feito o acompanhamento desta lei nos hospitais e tem estado envolvido em questões de natureza ética, como é o caso da Declaração Conjunta sobre a Eutanásia, que o próprio grupo teve a oportunidade de apresentar, já por duas vezes, em audiência ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

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Em 2014, a temática do Diálogo Inter-Religioso foi retomada pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM), tendo sido consequentemente criado, em 2015, o GT DIR (Grupo de Trabalho do Diálogo Inter-Religioso), do qual a AEP também faz parte. Trata-se de uma expressão bem visível da cooperação e do bom entendimento entre as diferentes comunidades e tradições religiosas em Portugal, numa dinâmica de convivência saudável entre todas.

Congratulamo-nos com estes 20 anos percorridos até aqui e acreditamos que ainda temos de continuar esta caminhada. Por isso, temos a reportar que continuam a verificar-se algumas situações que poderão e deverão evoluir para um real e efetivo reconhecimento da importância das religiões e em especial das igrejas evangélicas em Portugal, das quais destacamos as seguintes:

1. O registo de pessoas coletivas religiosas (não católicas) deverá ser o apanágio do cumprimento dos princípios de liberdade religiosa. No entanto, é por vezes limitador do reconhecimento das igrejas ou associações religiosas devido a excessivas exigências burocráticas no momento da constituição. Uma interpretação muito restritiva do conceito de “presença social organizada” limita o reconhecimento da antiguidade ao momento da constituição como pessoa coletiva, mesmo que a comunidade tenha um histórico relevante antes da constituição legal, bem como limita o reconhecimento a entidades que, embora estejam estabelecidas de forma organizada, não obtenham o reconhecimento de outras comunidades religiosas próximas já reconhecidas.

2. Está previsto na Lei de Liberdade Religiosa, no artigo 28.º, que os planos de ordenamento do território devem prever a afetação de espaços a fins religiosos. Sucede que é raríssimo o município que tem essa preocupação, sendo ainda raras as organizações

religiosas não católicas que beneficiam deste artigo, verificando-se, muitas vezes, dificuldades de obtenção de um espaço adequado às celebrações religiosas, ficando estas muitas vezes em prédios, o que tem resultado, não raras vezes, em problemas com os condóminos.

3. A isenção de IMT e IMI na compra de um espaço para fins religiosos está prevista no artigo 32.º da Lei de Liberdade Religiosa. Na prática, muitas vezes, a autoridade Tributária levanta dificuldades no exercício deste direito, alegando que a atividade terá que ser exclusivamente religiosa. Ora, ser uma igreja cristã implica, também, por inerência, ser socialmente responsável, pelo que é de grande injustiça a igreja ver negada a isenção por exercer, no mesmo espaço, atividades sociais.

4. Estamos gratos pelo tempo de emissão religiosa que está previso no artigo 25.º, sendo partilhado entre as várias religiões o programa “Fé dos Homens” e “Caminhos”, ambos na RTP 2, e, desde novembro de 2009, também na Rádio Antena 1. Apesar das oportunidades oferecidas às diferentes comunidades religiosas, consideramos que os tempos de emissão poderiam ser alargados e colocados em melhores horários, atendendo ao grande número de entidades que os pretendem partilhar.

5. O Ensino religioso nas escolas públicas está previsto no art. 24.º, o que tornou possível que a AEP, através da COMACEP (Comissão para Ação Educativa nas Escolas Públicas), agilizasse e alargasse o já existente Ensino de “Educação Moral e Religião Evangélica” (EMRE), em centenas de Escolas.Um dos desafios tem sido a inscrição na disciplina, pois muitos encarregados de educação têm sido erroneamente informados de que a mesma não existe no respetivo Agrupamento de Escolas, o que contraria o disposto no decreto-lei 329/98, ou de que apenas disponibiliza a opção católica (EMRC), dissuadindo assim a respetiva inscrição nas aulas evangélicas (EMRE). Quando as inscrições são efetuadas através do “Portal das Matrículas”, o sistema apenas contempla a inscrição geral na disciplina de “Educação Moral e Religiosa” o que provoca frequentemente o problema de alunos que pretendiam EMRE serem indevidamente colocados em turmas de EMRC. A correção desta situação poderá evitar transtornos desnecessários.

6. As capelanias hospitalares, nas prisões e nas Forças Armadas, foram também mais uma conquista com a Lei da Liberdade Religiosa. No entanto, nem sempre há um reconhecimento pelas autoridades dos direitos dos participantes e dos Ministros de Culto na prestação dos cuidados e serviços pastorais, o que nos parece ser inconstitucional, uma vez que o apoio espiritual deve ser assegurado desde o nascimento até ao luto.

7. Consideramos ainda que há uma grande desconsideração da relevância dos Evangélicos na sociedade Portuguesa. Admitimos

que tal desconsideração se deverá, em parte, a alguns maus exemplos de organizações que se dizem evangélicas, mas que não são reconhecidas como tal pela AEP. Contudo, a verdade é que não é admissível a generalização negativa de que somos alvo, pela comunicação social e por organismos públicos.

Certamente haveria muito mais para apresentar sobre estas e outras matérias mas, para já, desejamos continuar a contribuir para a reflexão sobre estes temas de forma a melhorarmos a implementação da Lei com vista a uma maior Liberdade Religiosa, homenageando, assim, todos os que se esforçaram para que esta lei pudesse existir.

Para finalizar, lembramos a honra que foi, na véspera de natal de 2017, receber a visita de Sua Excelência o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa numa celebração evangélica, na qual declarou o seguinte: “Os evangélicos têm um papel muito importante na comunidade em geral, na comunidade portuguesa em particular. Eu cá estou como presidente da república a agradecer esse papel. Porque contribuem, através do seu exemplo e testemunho, para o enriquecimento daquilo que é fundamental entre os portugueses que é a fraternidade, a solidariedade, o sentido comunitário uns para com os outros, e disso faz-se também aquilo que somos como Portugal”.

GTIR na celebração dos 10 anos da Lei da Assistência Espiritual e Religiosa do SNS

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Liberdade Religiosae Diálogo Inter-religioso em

Portugal 2001-2021BLIA - Buddha’s Light

International Associationhttp://www.ibps.pt/

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Testemunhos

Ao longo de décadas o fundador do templo Fo Guang Shan e da BLIA, criou por todo o mundo condições para que o Budismo Humanista pudesse estar acessível a todos aqueles que sentem afinidade com os ensinamentos de Buda e também com as comunidades em necessidade.

Tal só foi possível pela criação de afinidades e um sentido de conveniência, tal como reportou Jonathan Mair da Universidade de Cambridge. Este sentido de cultivo de afinidades representa um profundo respeito pela cultura, costumes, ética e escolha individual de cada pessoa.

As afinidades são então cuidadas por aquilo que Buda chamou de Nobre Caminho Óctuplo – a compreensão correta, o pensamento correto, a palavra correta, a ação correta, o meio de vida correto, o esforço correto, a plena atenção correta e a concentração correta.

Este caminho representa uma atitude na vida que visa uma mente consciente, atenta a si e ao próximo, seguindo também cinco preceitos – não matar, não roubar, não mentir, não ter má conduta sexual e não se entorpecer com álcool ou drogas. Ou seja, a um Budista é pedido um imenso respeito para consigo e para com todos os seres vivos, independentemente das suas crenças ou escolhas de vida. É esta atitude que o leva a praticar Bons Pensamentos, Boas Palavras e Boas Ações, como sempre nos relembra o Ven. Mestre Hsing Yun. E novamente, podemos encontrar estes três atos bondosos refletidos em todas as religiões.

Na celebração dos seus setenta anos de vida monástica, o Venerável Mestre escreveu:

“Tendo o voto compassivo de libertar todos os seres sencientes,Sou como um barco sem âncora no Oceano do Dharma;Que mérito e virtude eu alcancei com este tempo de vida?Paz e felicidade brilha pelos cinco continentes.”

Este voto de libertar do sofrimento todos os seres sencientes é um abraço, uma mão estendida a todas as pessoas de todas as religiões. Em 2015 tive a oportunidade de vivenciar o diálogo entre China e Taiwan promovido pelo Ven. Mestre Hsing Yun, assim como em vários momentos o diálogo, confraternização e abertura com várias religiões e em 2016, no Congresso Geral em Taiwan, a abertura na liberdade religiosa traduziu-se quando um budista de Singapura questionou que desde criança crescera numa família muçulmana, mas que depois se identificou com os ensinamentos de Buda. No entanto, continua a cumprir alguns rituais muçulmanos. A sua questão era se tal seria permitido? A resposta foi sim.

A 20 de Outubro de 2018, realizou-se mais um seminário inter-religioso, desta vez em Taiwan, acolhido pelo Templo Fo Guang Shan, considerado um parceiro da Santa Sé para a promoção da paz e da liberdade religiosa. Os valores universais de paz, liberdade, igualdade e altruísmo são mais uma vez as pontes pelas quais budistas, católicos, cristãos, muçulmanos, hindus, bahai, entre muitos, se encontram.

O Buda, como um ser que viveu neste mundo, sempre afirmou os princípios-chave da normalidade, simplicidade, imparcialidade e pertinência, bem como do humanismo. É com confiança nestes valores que o Budismo Humanista mostra sua relevância em todos os aspetos da vida, bem como a sua propagação universal.

Pelos ensinamentos escritos nos sutras, podemos perceber como teve um modo de vida modesto, autêntico. Esta autenticidade não só ajuda a gerar mais fé, mas também a favorecer, no mundo de hoje, uma maior aceitação. Em última análise, o Budismo Humanista, conforme ensinado e vivido pelo Buda, é uma filosofia genuína.

Da mesma forma, encontramos estes valores nas várias religiões. Cada uma tem os seus ensinamentos específicos, mas os valores intrínsecos, esses são abrangentes e transversais a todas as crenças e culturas no seu íntimo.

Uma prática no mundo e uma vivência transcendental.

Hoje vivemos tempos de grande exigência. Precisamos da medicina

A Comemoração da Semana Mundial da Harmonia Inter-religiosa de 2020 destaca o diálogo em direção à harmonia – Fonte: Foguangpedia

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para curar os nossos corpos, mas também precisamos da religião para sanar o sofrimento de tão duras provas: o distanciamento, a perda, a doença, a vida limita, as escolhas adiadas. Num tempo de grande sofrimento, poderá surgir um grande entendimento comum que trará benefícios, méritos e crescimento para a humanidade.

O Ven. Mestre Hsing Yun sempre advoga que devemos saber viver neste mundo e que não devemos separar a fé da nossa vida quotidiana.

Ao cultivar os grandes valores universais, encontramos mentes mais pacíficas, saudáveis, por isso mesmo, segundo diz, devemos agir de acordo com a compaixão e a sabedoria, sermos respeitosos e tolerantes, alegres e harmoniosos e assim, em conjunto, criar vidas saudáveis e harmoniosas.

Portanto, a fim de unir o poder das religiões para melhorar a paz mundial e trazer a função da religião na sua totalidade, precisamos começar com harmonia e respeito entre os seguidores de diferentes religiões.

Ao dar exemplos pessoais na busca pela paz mundial, estaremos a tornar a propagação mais persuasiva da religião. Em particular, como vivemos na era da aldeia global, as pessoas aproximam-se e estão envolvidas em interações mais ativas, devendo se esforçar por manter relacionamentos positivos e amigáveis. Como tal, todos devemos desfrutar de uma coexistência auspiciosa, vivendo em alegria e harmonia.

Que todos possamos dar as mãos, unir mentes e corações para um propósito comum – o bem da humanidade, a harmonia entre todos.

Voluntariado da BLIA no Banco Alimentar em PortugalEnfatizando o valor da liberdade religiosa, do diálogo e aceitação encontramos o seguinte pedido do Ven. Mestre Hsing Yun:

DIA DA LIBERDADE

RELIGIOSA 2021

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Liberdade Religiosae Diálogo Inter-religioso em

Portugal 2001-2021Comunidade Bahá’í

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Testemunhos

Comemora-se, neste ano de 2021, no dia 22 de Junho, o 20º aniversário da promulgação da Lei da Liberdade Religiosa.

Para esta Lei ter sido promulgada foram necessários muitos anos de uma paciência inaudita, de um espírito de missão a toda a prova, protagonizados por um pequeno grupo de homens, que se propuseram levar a cabo tão bela e difícil tarefa.

Os bahá’ís, cujo lema é ‘A Unidade da Humanidade’, sabendo que Bahá’u’lláh dizia nos Seus Escritos que a Humanidade só teria paz, quando as Religiões se unissem, sentiam uma necessidade premente de trabalhar para esse fim.

Embora a Fé Bahá’í já fosse conhecida em Portugal desde 1926, só em 1949, foi eleita a Assembleia Local de Lisboa e, em 1962, a Assembleia Nacional.

O conceito de Diálogo Inter-religioso era ainda muito ténue e incipiente mas, como se diz: ‘O Caminho faz-se caminhando’ e, dentro das possibilidades, a Fé Bahá’í começou a abrir caminho, participando.

Durante a década de 60 já se registaram contactos regulares com o Presidente da Comunidade Muçulmana, Dr. Suleman Valy Mamede, com intercâmbio de literatura e encontros muito cordiais.

Em 1971 teve lugar, na Figueira da Foz, o primeiro colóquio cujo tema era “Liberdade Religiosa e Liberdade Humana”, que foi o percursor do Diálogo Inter-religioso, de uma forma mais alargada. Nele estiveram presentes: Cristãos (Adventistas, Presbiterianos, Metodistas), Comunidades Bahá’í e Muçulmana, bem como alguns católicos progressistas e deputados; tendo contado ainda com a participação do Dr. Vasco da Gama Fernandes e do Dr. Francisco Sá Carneiro. Este colóquio tinha a finalidade de analisar as dificuldades existentes e elaborar um documento com as conclusões, para ser entregue a todos os deputados eleitos para a Assembleia Nacional.

Depois da Revolução de Abril de 1974, a sociedade portuguesa, sofreu grandes modificações, nomeadamente no campo religioso, com a vinda de povos da África de língua portuguesa, que professavam, em grande número, as religiões Muçulmana e Hindu.

Em 1975 foi conseguido o reconhecimento jurídico da Assembleia Espiritual Nacional dos Bahá’ís de Portugal, que deu existência legal e importância institucional à Comunidade Bahá’í.

O Diálogo Inter-religioso sofreu um grande impulso com a publicação da Lei 58/90 que regulamentava o tempo de emissão e acesso à televisão, das Confissões Religiosas. Apenas em 1992 se iniciou a Comissão dos Tempos de Emissão, que só ficou formalizada em 1994, com a presidência do Dr. José Dias Bravo, da Aliança Evangélica, tendo como secretário o nosso saudoso amigo Mário Mota Marques, da Comunidade Bahá’í. Só em março de 1997 foi assinado um Protocolo entre a Radiotelevisão Portuguesa, S. A. e a Comissão dos Tempos de Emissão e, em setembro desse ano, começaram a ser emitidos os programas na RTP2.

No seio da Igreja Católica Romana verificou-se, desde cedo, um movimento de aproximação com as outras Religiões e foi mesmo criado um Departamento dedicado ao Diálogo Inter-religioso. Na EXPO-98, foi incluído um espaço Inter-religioso, por iniciativa da Igreja Católica, cujo representante e grande dinamizador, foi o Bispo Vitalino Dantas. De referir que, na primeira reunião da Comissão Organizadora, o representante da Comunidade Bahá’í, Mário Mota Marques, foi

escolhido para secretário.

Entretanto, a partir de 1998, a Comunidade Bahá’í de Portugal foi autorizada a lecionar a disciplina de Ensino Religioso Segundo os Ensinamentos Bahá’ís, nas escolas públicas, tendo iniciado as aulas em 1999.

Mas, afinal, o que estamos a comemorar é o 20º aniversário da Lei 16/2001 e fomos desafiados para escrever sobre a nossa experiência, durante estes 20 anos. Para a Comunidade Bahá’í não é possível falar apenas deste 20 anos, porque estivemos lá desde o primeiro minuto, e sabemos quantas dezenas e dezenas de reuniões, quantas centenas de horas de trabalho, quantas frustrações, quanto renascer de esperanças, até a aprovação da Lei, que foi elaborada pelo Juiz Conselheiro Dr. José Sousa e Brito, em 1997 e em 1999 teve a primeira apreciação do Conselho de Ministros. Durante esses anos, todas as Confissões Religiosas puderam ir dando a sua colaboração para a melhoria da Lei, que acabou por ficar como nós a conhecemos, testemunhando o grau de respeito e entendimento, ao longo de mais de duas décadas, que os representantes das várias religiões demonstraram, apesar das suas diferenças naturais, bem como a preciosa colaboração de alguns membros do governo. A Lei foi promulgada em 2001, mas só foi implementada em 2003. Ao abrigo desta Lei foi também criada, em 2003, a Comissão da Liberdade Religiosa, órgão independente de consulta da Assembleia da República e do Governo. A primeira Comissão tinha como Presidente, o Conselheiro Dr. José Manuel Menéres Pimentel.

Como gostaríamos de nos lembrar dos nomes de todos os incansáveis obreiros que, durante todos estes anos trabalharam para oferecer à sociedade portuguesa a possibilidade de seguirem livremente as suas tendências religiosas, sem problemas e sem atropelos. Vamos lembrar alguns e pedimos desculpa aos que faltam, mas a pandemia não nos permitiu ir aos arquivos de Lisboa, para fazer pesquisa e a memória não chega.

Mário Mota Marques, José Dias Bravo, Jónatas Machado, Joshua Ruah, José Sousa e Brito, José Vera Jardim, Abdool Vakil, Kantilal Jamnadas, Ezequiel Quintino, Mahomed Abed, entre outros, a quem voltamos a pedir desculpa pela ausência.

A Fé Bahá’í e o Diálogo Inter-religioso e Intercultural, Pós 2001 (Algumas participações)

2001 - Vigília pela Paz, no Seminário da Luz, dos Padres Franciscanos; Reunião de Consulta pela Paz, Igreja de Carcavelos;

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2002 – Primeira reunião institucional com a Igreja Católica Romana, em que o Cardeal Patriarca, D. José Policarpo, referiu que os Bahá’ís, pela sua atitude e compreensão, eram um elemento privilegiado para servir como elo de ligação no Diálogo Inter-religioso;

Encontro Inter-religioso subordinado ao ‘Espírito de Assis’, organizada pela Igreja Católica Romana; Reunião de Oração para a Paz no Médio Oriente, organizada pela Comunidade Israelita de Lisboa; Intervenção nas Jornadas sobre Religião na Universidade Lusófona; Intervenção nas Jornadas de Reflexão “Todo o Imigrante é meu Irmão”, organizadas pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre; Intervenção nos Encontros da Arrábida, organizados pela Fundação Oriente; Participação nos Encontros Ramadão, na Mesquita de Lisboa; Participação no encontro sobre “Globalização: Solução pacífica de Conflitos”, na Torre do Tombo;

2003 – Marcha pela Paz organizada pela Comunidade de Stº Egídio; 47.º Congresso Internacional de Advogados que terminou com uma cerimónia de Orações pela Paz, com a participação das diversas confissões religiosas; Palestra sobre Media e Religiões, na Universidade Católica;

2004 – Tomada de posse da Comissão de Liberdade Religiosa; Centenário da Sinagoga de Lisboa; Encontro Europeu sobre Migrações; Presença na cerimónia em honra do jubileu de D. José Policarpo, na Igreja S. Vicente Fora; Participação no Fórum APEDV (organização de apoio a cegos e sua integração no mercado de trabalho); Intervenção no encontro «Unidade na Diversidade», organizado pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Palestra sobre Diálogo Inter-religioso no Centenário da União Adventista em Portugal; Participação no Seminário da Universidade Fernando Pessoa;

2005 – Oração Ecuménica por intenção de João Paulo II; Palestra no Encontro organizado pelo «Movimento Nós Somos Igreja» sobre as Mulheres no Diálogo Inter-religioso;

2006 – Nomeada a Comissão dos Tempos de Emissão; Lançamento do livro “Religiões – História – Textos – Tradições” onde estão incluídos: Hinduísmo, Judaísmo, Budismo, Cristianismo, Islão e Fé Bahá’í entre outras;

2007 – Foi dado um passo importante na Liberdade Religiosa, com a Lei 324/2007, em que o casamento religioso com efeito civil deixa de ser exclusivo da Igreja Católica; Integramos a Comissão de Honra da visita de Sua Santidade o Dalai Lama a Portugal; Presença na Exposição integrada no ‘Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos’, convidados pelo ACIDI, sob a direção da Alta-Comissária, Dra. Rosário Farmhouse, com quem passámos a colaborar frequentemente, desde então;

2008 – No âmbito do Ano Europeu do Diálogo Intercultural, a Comunidade Bahá’í integrou o Grupo de Trabalho que organizou, a “Feira de Culturas – Promover o Diálogo Intercultural”; Fomos convidados para integrar o Conselho Consultivo da CIG – Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, dependente da Presidência do Conselho de Ministros;

2009 – Fomos convidados a integrar o Grupo Nacional de Trabalho da Campanha “Pela Diversidade contra a Discriminação” com o patrocínio da Comissão Europeia; Passámos a estar incluídos no Calendário do Tempo.

Em 2009 faleceu o nosso querido amigo Mário Mota Marques que, durante quase duas décadas, secretariou quase todas as organizações inter-religiosas que foram aparecendo, deixando um vazio difícil de preencher.

Nesta breve resenha demos uma ideia do reconhecimento que a Fé

Bahá´í passou a ter depois da Lei 16/2001 até 2009, apenas em Lisboa. Não falámos de Braga, Viana, Porto, Aveiro, Setúbal, Évora, Algarve, Sintra, Cascais, etc., onde a Fé Bahá’í teve um enorme incremento. Tínhamos o Caminho aberto!

Devido à limitação de espaço, não vamos conseguir, nem dar uma pálida ideia de como se desenvolveu a Fé Bahá’í em Portugal. Tivemos centenas de convites por ano. Desde as receções ao Príncipe Aga Khan e convites da Comunidade Ismaelita para todas as cerimónias e festas voltadas para o exterior, até à receção da tomada de posse do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, passando pelas cerimónias anuais na Nunciatura Apostólica; nos convites anuais das Embaixadas da Argentina e de Israel, para aniversários dos seus países; para Conferências e Colóquios das mais variadas instituições; Integrámos os encontros inter-religiosos de Meditação Cristã; Passámos a fazer parte ativa do GTIR-Religião Saúde, anteriormente chamado de Capelanias Hospitalares; Encontros na Mesquita de Lisboa; Eventos de outras Confissões Religiosas; Intervenções sobre a Fé em diversos locais: Escola de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias; Câmara Municipal de Odivelas; Liceu Maria Amália; Universidade Lusófona; Prodignitate; Ministério dos Assuntos Parlamentares; Ministério dos Negócios Estrangeiros; Assembleia da República; Fundação Luso-Americana; Instituição “Corações com Coroa”; Museu da Presidência; Associação “O Ninho”, etc.. Repito, isto apenas em Lisboa.

Em 2014, o ACIDI passou a chamar-se ACM-Alto Comissariado para as Migrações, e a Dra. Farmhouse foi substituída pelo Dr. Pedro Calado e, em 2015, foi o ACM Fora de Portas, onde o GT DIR começou a germinar, e criou-se este Grupo formidável, acerca do qual não preciso de falar porque, seguramente, todos os seus membros vão dizer tudo o aqui tem acontecido de maravilhoso, ao longo deste tempo.

Obrigada a Pedro Calado, Cristina Milagre, Neila Karimo, Cristina Rodrigues.

Uma palavra de saudação para Mahomed Abed, da Comunidade Muçulmana e para o Cónego Ricardo Ferreira, da Igreja Católica, e outra de saudade para o Arcipreste Fernando Santos, da Igreja Lusitana, excelentes amigos. Bem-vindos os que vieram substituí-los!

Por tudo o que foi dito e pelo muito que ficou por dizer, a Fé Bahá’í, do grupo das religiões chamadas minoritárias, não pode deixar de agradecer profundamente a resiliência e a determinação daqueles pioneiros infatigáveis, que tanto nos facilitaram a vida.

“Convivei com todas as religiões em amizade e concórdia para que se inale de vós a doce fragrância de Deus” Bahá’u’Llah

Mário Marques discursa durante a visita de Sua Santidade o Dalai Lama à Mesquita de Lisboa

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Liberdade Religiosae Diálogo Inter-religioso em

Portugal 2001-2021Comunidade Hindu

de PortugalComunidade Hindu de Portugal.

TEMPLO RADHA KRISHNA – Lumiarhttps//www.comunidadehindu.org

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SHIV MANDIR PORTUGAL – Santo António dos Cavaleiros www.shiva-pt.org tel: 219888414

BAPS Shri Swaminarayan Mandir – Lisboahttps://baps.orgtel:210181699

Testemunhos

No ano em que se celebra os 20 Anos da Lei da Liberdade Religiosa a Comunidade Hindu de Portugal tem o prazer de testemunhar a sua importância, no que se tem vindo a fazer e o muito que há ainda para percorrer.

Mas, antes uma breve história do percurso da Comunidade Hindu desde que se encontra em Portugal até à data, para melhor podermos avaliar da importância da mesma.

Com a descolonização de Moçambique em 1975, os Hindus imigraram para Portugal, ficando a residir na sua maioria na área Metropolitana de Lisboa e Porto. Eramos na sua totalidade descendentes de Hindus oriundos do Estado de Gujarat. Para nos podermos instalar e construir nosso futuro, o esforço de integração foi difícil com um trabalho muito árduo e duro sobretudo quando pertencermos a uma cultura diferente e a outra religião. O nº de Hindus nessa altura era aproximadamente de 8.000 a 9.000.

Havia a necessidade de:

• Manter viva a Identidade Hindu em Portugal;

• Preservar as nossas origens; promover a nossa Filosofia;

• Valorizar a convivência familiar, muito peculiar nos Hindus, onde os Pais têm uma relevância muito importante;

• Divulgar a nossa cultura;

• Valorizar o regime alimentar vegetariano;

• Criar uma Unidade de todos os membros;

Participar ativamente na sociedade, nas suas diferentes vertentes: como empresários, como trabalhadores criando riqueza; na política, no desporto e nos mais variados eventos e ações sociais e de solidariedade. Para um desafio tão importante foi necessário criar uma Comissão Ad-Hoc em 1976. Esta tinha como finalidade criar e organizar eventos culturais, recreativos, religiosos e, manter contactos com entidades oficiais no sentido de resolver os assuntos que mais afligiam os Hindus como por exemplo a cremação do corpo que parte.

Em 1982 – Foi constituída com escritura pública a Comunidade Hindu – CH – que veio substituir a então existente comissão Ad-Hoc, presidida pelo Sr. Kantilal Jamnadas, que veio a ocupar o cargo de Presidente da Comunidade Hindu.

Com o trabalho árduo e persistente dos componentes defensores da filosofia Hindu perante o Governo, conseguiram-se muitos avanços para os mesmos:

• Cedência dum espaço a título provisório, sito no Alto da Ira (1985-1991) nos Sapadores, na Rua Frei Manuel do Cenáculo para celebrações de festivais do calendário Hindu;

• Após dez anos – setembro de 1985 – com as obras de beneficência foi reativada a unidade de cremação do Cemitério do Alto de S. João.

• Foi adquirido o estatuto duma IPSS como Instituição Particular de Solidariedade Social reconhecida pela Segurança Social, com o principal objetivo de apoiar à integração social e comunitária da população Hindu residente em Portugal.

• A 22/10/1989 lançámos a 1ª pedra para a construção do Complexo da C.H.P. numa área de 8.000 m2 no Lumiar que incluiria Templo, Auditório, edifício para escritórios, área para apoio social, parqueamentos e jardins.Tudo isto na presença do Sr. Engº Krus Abecassis então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

• A 4/11/1998 o sonho tornou-se realidade com a Inauguração do TEMPLO por Sua Excelência o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio. A cerimónia contou, também, com a presença do Sr. Presidente da Assembleia da República, Dr. Almeida Santos, do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. João Soares a par duma extensa comitiva governamental além de reconhecidos teólogos, personalidades internacionais e representantes de outras Comunidades presentes em Portugal de que são exemplos a Casa de Goa, Comunidade Islâmica de Portugal e Comunidade Ismaelita de Portugal.

TEMPLO, esse que se tornou um símbolo da integração da Comunidade Hindu na sociedade portuguesa.

Saber falar, escrever e ler Gujarati é poder usufruir da riqueza Hindu. É ter acesso ao ensinamento dos seus livros, que nos permitem uma integração harmoniosa na sociedade. Tal como o inglês e o português são indispensáveis do ponto de vista profissional, o domínio do Gujarati é uma garantia da afirmação da nossa riqueza cultural e espiritual. E nesse sentido o Gujarati começou a ser lecionado nas escolas oficiais aos sábados. Atualmente já se leciona no complexo da CHP.

Fomos progredindo fora e dentro à medida das necessidades e em

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consonância com o que nos era permitido. Muito já se fez, mas também muito há ainda para se fazer.

Entrando agora no capítulo da Lei da Liberdade Religiosa sobre o qual nos é pedido o testemunho apenas uma pequena referência à mesma. Para pudermos falar ou testemunhar sobre ela não é de mais lembrar que foram gastas pelos responsáveis das diferentes confissões religiosas, então presentes, horas, dias, meses com exaustão, persistência para a sua promulgação poder se realizar em 2001 (22 de Junho 2001). Ao abrigo da mesma foi também criada a Comissão da Liberdade Religiosa um órgão consultivo do Governo e da Assembleia da República com competências legais próprias.

Os Hindus estiveram representados na CLR desde o primeiro mandato pelo Sr. Ashok Hansraj e na presente data pelo Eng. Alpesh Ranchordas.

A Lei da Liberdade Religiosa fez refletir na sociedade a vivência da fé dos crentes e das comunidades religiosas minoritárias. Mas, para poderemos usufruir da mesma ainda foi necessário um outro processo burocrático- A Radicação que conseguimos a 10/7/2008.

Começamos então a projetar para o exterior:

• Fazendo parte da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas, participando na radio, RTP2 nos programas “A Fé dos Homens”; “Caminhos”;

• A Comunidade começa a participar em dois Grupos de Trabalho Inter-Religiosos então existentes dando o seu contributo no que respeita ao Hinduísmo: Grupo de Trabalho Religiões e Saúde, criado em Dezembro de 2009, na sequência da publicação do Decreto-Lei 253/2009 de 23 de Setembro, que regulamenta a Assistência Espiritual e Religiosa no SNS, e o atual ACM – GT DIR, Alto Comissariado para as Migrações desde 2014, pois os primeiros passos do Diálogo Intercultural e Inter-religioso foi através do ACIDI -Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural.

ACM – GT DIR – grupo composto por 14 confissões religiosas tem como finalidade promover o diálogo entre diferentes confissões que compõem o grupo no que respeita a sua cultura, a sua filosofia da fé e outros assuntos importantes, no intuito de nos construirmos com uma atitude de respeito mútuo, não só entre as fronteiras internas mas também em relação com Portugal e o Mundo.

Para isso reunimo-nos com uma periocidade mensal, elaboramos planos, discutimos os mesmos, e sempre, em consonância entre todos trazemos uma solução. É essa característica muito especial deste grupo fazendo dele um grupo muito coeso, em que o respeito mútuo é incalculável independentemente das suas confissões. Cada um pode expressar duma

forma livre e sem receio as suas opiniões. E, como exemplo disso a dada altura as reuniões passaram a se efetuar em diferentes locais de culto, tendo como finalidade no início de cada reunião podermos expressar – agora em loco, a nossa filosofia – experiência pratica. Vejamos então resultado final de algumas destas reuniões:

• 21-22/9/2016 – Congresso “Cidadania e Religiões – no Teatro Armando Cortez em Lisboa;

• 18-19/6/2018 – Seminário Inter-Religioso – Experiência na Argentina e em Portugal – no ISCTE-IUL;

• 3/10/2018 – II Congresso do Diálogo Inter-Religioso “CUIDAR do OUTRO” Universidade Católica de Portugal;Neste congresso foi proposta a criação dum Dia Nacional de Liberdade Religiosa e Diálogo Inter-Religioso, tendo sido aprovada a 21/06/2019, pela Assembleia da República, a celebração anual desse dia, na data de 22 de junho;

• 14/11/2019- Tertúlia GT DIR e Conferência “A Força de Moderação” na Liga de Bombeiros Voluntários de Vila Nova de Gaia-Porto;

• 22/6/2020- Comemoração do 1.º Ano do Dia Nacional de Liberdade Religiosa e Diálogo Inter-Religioso, (formato online) – “Liberdade Religiosa e Diálogo Inter-Religioso – Novos Desafios em Tempos de (mais) incertezas”.

A pensar nos jovens, têm sido organizados Encontros de Jovens – MEET IR. Até à data realizaram-se quatro encontros anuais. Em formato residencial, os jovens das diferentes confissões partilham as suas filosofias e não só aprendem a respeitar uns e outros entre eles independentemente de quem são. No fim de cada MEET IR é elaborada uma Carta Comum que os jovens relatam as suas experiências e determinam os projetos para o Futuro.

A 10/10/2020 realizou-se um encontro online dos jovens que participaram nos quatro MEET IR.

O GT DIR tem ainda colaborado no Lançamento dos Calendários da Celebração do Tempo, desde longa data.

Com o Grupo de Saúde trabalhamos no sentido de dar a conhecer e pôr em prática o Decreto-Lei 253/2009:

• Publicou-se um Manual da Assistência Espiritual e Religiosa Hospitalar. Do Manual, constam de cada religião: As práticas religiosas e os seus textos sagrados; Os ritos do nascimento; A alimentação e prescrição religiosa; Sentido e práticas na doença e no sofrimento; os ritos prescritos perante o mistério da Morte;

• 26-28/11/2016 – Seminário “O Sabor do Dióspiro” Acompanhamento Espiritual e Religioso em Cuidados Paliativos-em Fátima;

• 16/5/2018 – Conferência – Cuidar até ao Fim com Compaixão – debate sobre a EUTANÁSIA – Academia das Ciências de Lisboa, onde cada confissão expressou a sua posição, tendo resultado daí uma Declaração do Grupo de Trabalho Inter-Religioso Religiões e Saúde;

• 7/2/2019- Conferência – Espiritualidade (nos centros de) e Saúde-Hospital Faro, para comemoração dos dez anos do Decreto-Lei 253/2009;

• 5/12/2019 – Conferência – (Cuidados de) Saúde e Espiritualidade – Hospital Sta. Maria também em comemoração dos dez anos do Decreto- Lei 253/2009;

• 1/7/2020 – Audiência do GTIR-Grupo de Trabalho Inter-Religioso/Religião saúde pela Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias no contexto do processo legislativo da Despenalização da Morte Medicamente Assistida na Assembleia da República.

A Comunidade Hindu além de participar nestes dois grupos, tem a sua colaboração com as várias instituições e a convite das mesmas tem a oportunidade expor a sua filosofia nas suas diferentes vertentes. Veremos algumas destas participações:

• 04/11/2016 – “Encontro Interculturalidade…que desafios” – Hospital. D. Estefânia;

• 18/03/2017 – “Hinduísmo” – Escola do Agrupamento 342, em Vialonga;

• 12/5/2018 – “Aspetos Importantes sobre a Vida e Morte” e “Cuidados em fins da vida” – para alunos de enfermagem na Universidade Católica;

• 21/6/2018 – “Benefícios Terapêuticos do Yoga – Universidade Lusófona de Lisboa;

• 20/11/2018 – Colóquio-Debate “70 Anos de Declaração Universal dos Direitos Humanos – Liberdade Religiosa em Portugal e Espanha – Centro de Estudos judiciários (Largo do Limoeiro Lisboa) – a pedido da Comissão da Liberdade Religiosa;

• 18/3/2019 – Conferência- “O Hinduísmo e o Trabalho” no Instituto de Emprego e Formação Profissional – Lisboa;

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• 15/5/2019-UCP – Seminário inter-religioso no Mestrado em Cuidados Paliativos;

• 17/5/2019 – “O Hinduísmo” no Centro Cultural Franciscano;

• 24/9/2019 – Encontro “Um olhar Inter-Religioso sobre os Cuidados Paliativos” Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

• 15/7/2020 – Aula “Hinduísmo” para Jovens da Igreja de Jesus Cristo dos Santos do Últimos Dias;

• 4/2/2021 – Colaboração no estudo “Espiritualidade e Cuidados Paliativos – O Olhar da Comunidade- para um aluno do 6º ano de Medicina;

• 17/4/2021 – “Curso Diferentes Perspetivas Espirituais no Final da Vida ” – organizado por uma Enfermeira.

A Comunidade foi também palco de algumas atividades dentro do contexto da Lei a Liberdade Religiosa:

• 2007 – Foi anfitriã no encontro da Comissão da Liberdade Religiosa;

• 22/12/2017 – Cerimónia da Inauguração das Placas Comemorativas dos Símbolos das Tradições Religiosas em Portugal e que constam do Calendário Inter-religioso “Celebração do Tempo” numa iniciativa em colaboração com o Alto Comissariado para as Migrações em Portugal. Mantendo viva uma Filosofia Milenar do Hinduísmo-VASUDHAIVA KUTUMBALAM “O MUNDO É UMA FAMILIA”;

• 27/11/2018 – Reunião Mensal do grupo ACM;.

• 12/12/2019 – Lançamento do Calendário Celebração do Tempo 2020. Evento organizado em parceria com o GT DIR – Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-Religioso;

• 31/1-5/2/2020 – III Congresso Lusófono de Ciência das Religiões – «Religião, Ecologia e Natureza» – organizado pela Universidade Lusófona Lisboa.

Recentemente conseguimos:

• Fazer parte dos Censos 2021

• Depois duma luta de vários anos foi finalmente autorizada à Comunidade Hindu a prática do último ritual aos seus entes após cremação- deitar cinzas em águas fluviais. (1/3/2021).

Haveria muito mais a referenciar mas, respeitando o limite que nos

é proposto termino fazendo uma referência breve sobre o Encontro Milenar para a PAZ realizado em 2000 na ONU. Neste encontro estiveram presentes líderes de várias confissões religiosas entre elas o Líder Espiritual do Movimento Internacional Hindu-BAPS- Sua Santidade Pramukh Swami Maharaj que deixou como nota:

” DEVEMOS VIVER EM COMUNHÃO COM DEUS E EM HARMONIA COM A HUMANIDADE” Explicando de seguida que, para isso, deveriam contribuir três fatores fundamentais:

1) Uma intercomunicação entre os diferentes líderes religiosos no sentido duma UNIÃO-nenhuma religião é superior à outra;

2) Um diálogo aberto entre os seus fiéis – mudança da vida e progresso na espiritualidade;

3) Diálogo para com ele próprio – uma reflexão do mesmo no sentido da sua lealdade com o que professa.

Um agradecimento muito especial à equipa do ACM que nos permite esse diálogo aberto, franco e sem receios e que de certeza poderemos contribuir juntos para uma melhoria da nossa sociedade.

Lisboa tem três locais de Culto:

TEMPLO RADHA KRISHNA – Lumiarhttps://www.comunidadehindu.org

SHIV MANDIR PORTUGAL – Santo António dos Cavaleiroswww.shiva-pt.org

BAPS Shri Swaminarayan Mandir – Lisboahttps://baps.org

DIA DA LIBERDADE

RELIGIOSA 2021

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Liberdade Religiosae Diálogo Inter-religioso em

Portugal 2001-2021Comunidade Islâmica

de Lisboa

Khalid Abdool Sacoor D. JamalSenior Advisor to the President

Associação Religiosa e Cultural Reconhecimento Oficial - 27.03.68 

Diário do Governo N.º 83 | III Série | 06.04.68 Pessoa Colectiva N.º 592 001 091

Rua da Mesquita, n.º 2, 1070-238 Lisboa T: +351 213 874 142 F:  +351 213 872 230

comunidadeislamica.pt

Testemunhos

Desde os anais da história da humanidade não têm faltado aqueles que acreditam - e para acreditar, é preciso acreditar em algo - seja num Deus, que se dá a conhecer e é Bondoso e Misericordioso para com toda a Sua criação e mesmo para com aqueles que n’Ele não acreditam - seja nas inúmeras qualidades humanas que reflexo da natureza divina se espelham nas atitudes de compaixão entre os seres vivos e que nos acalentam a alma e o ser.

Islão significa literalmente “submissão voluntária à vontade de Deus”. Daqui se extrai a ideia de que não há religião sob coacção e o conceito de voluntarismo está intrinsecamente ligado à noção de se ser muçulmano. Ora, para o exercício pleno e livre dessa vontade é preciso que se reconheça a liberdade de pensamento e de consciência - da que decorre a liberdade de ter ou não uma religião; este direito atesta a Declaração Universal dos Direitos Humanos inclui a “ liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular ”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)

“(…) E se Deus quisesse, teria feito de vós uma só nação; porém, fez-vos como sois, para testar-vos quanto àquilo que vos concedeu. Emulai-vos, pois, na benevolência, porque todos vós retornareis a Deus, o Qual vos inteirará das vossas divergências. (Alcorão Sagrado 5:48)

A Lei da Liberdade Religiosa, que celebra os seus 20 anos de existência no presente ano, é um assinalável progresso no garante dos direitos das comunidades religiosas e dos seus fiéis em Portugal, mas também no plano das relações entre estas, reconhecendo-lhes um estatuto especial - e decorrente deste, a sua liberdade de conformação, do ensino dos seus valores e da sua publicidade, em suma, do pleno e cabal exercício dos seus direitos - que outrora era apenas equiparado a uma outra qualquer associação privada. Sendo difícil e de menor importância verter para aqui todas as conquistas - é, no entanto, de particular importância enfatizar a criação da Comissão da Liberdade Religiosa - donde decorre um amplo diálogo e muito frutífero, designadamente na aplicabilidade da referida Lei, mas também na concretização dos objetivos e agendas almejados pelos seus membros, em representação dos legítimos anseios das suas comunidades - v.g. na criação de um instrumento jurídico como a figura dos casamentos civis sob forma religiosa, que constituiu algo inédito e que comprova o salutar convívio entre os diversos actores em Portugal.

Mas, tão importante quanto a criação da Lei e das conquistas que dela derivam, é falar do espírito que presidiu à criação desta. Porquanto as leis são conformadoras dos comportamentos sociais e reflectem

tendencialmente o clima que se vive em determinada circunscrição - nesse âmbito, Portugal é herdeiro de uma cultura pluralista que é exemplo mundial como prova de sã confluência entre as diversas religiões - ancorando-se no bom acolhimento que oferecemos a todos, independente da sua religião num bem-sucedido fenómeno de miscigenação que faz parte da nossa história.

“O princípio da liberdade religiosa consagrado na Constituição está irreversivelmente enraizado” na sociedade portuguesa. Negá-lo é negar a nossa natureza.” (S. Ex.ª, O Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa, 2018)

Por isso, os casos de discriminação religiosa são nulos, fazendo quase parecer que “vivemos num Paraíso!” cfr. relato do Co-Fundador e Presidente Honorário da CIL, num encontro do EMN, Abdool Magid A. Karim Vakil.

A integração das comunidades islâmicas em Portugal (hoje são cerca de 53 locais de culto e mais de 50.000 associados) foi feita de forma muito natural e espontânea, considerando as suas origens e que a comunidade fora criada por um punhado de jovens oriundos das ex-colónias, e tal porventura explica o sempre presente vínculo afectivo-emocional à Pátria - o que promove uma ligação que bastante coesa e harmoniosa.

No plano da nossa experiência pessoal e do contributo que a CIL deu, ao longo dos seus 50 anos de existência - podemos pois afirmar, que somos também produto dessa cultura consubstanciada na premissa de que a diversidade deve ser encarada como uma riqueza - gostamos de pensar que a CIL soube dar o exemplo e percorrer a sua parte do caminho, tendo promovido diversas iniciativas com vista à prossecução do diálogo inter-cultural e inter-religioso, das quais destacamos:

• Primeira visita de SS, o Dalai Lama a uma Mesquita - Mesquita Central de Lisboa

• Iniciativa ecuménica no dia da Tomada de Posse de S. Ex.ª, O Presidente da República em 2016

Acreditamos que a Mesquita Central de Lisboa é uma Casa de Deus que é de Tod@s e por isso, optamos por abri-la sempre à sociedade civil e à curiosidade de todos aqueles que a queiram vir conhecer e à nossa forma de viver o Islão - como portugueses, que somos.

Promotores de um espírito aberto e de diálogo permanente, orgulhece-nos a circunstância de todos os governantes da República Portuguesa terem passado pela Mesquita Central de Lisboa, seja em cerimónias ecuménicas, de celebração religiosa ou por ocasião de variadas efemérides.

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Um dos momentos altos, neste contexto, foi a celebração dos 50 anos da CIL, que contou com a presença de Suas Excelências, O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, o Imám de Al-Azhar Ahmed Tayyeb e o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, e que foi objeto de um artigo do Prof. Doutor Dr. George E. Rupp na rubrica “Academic impact” das Nações Unidas subjacente ao tema “desaprender a intolerância” realçando o magno contributo da CIL porque “incorpora um objetivo ao qual as comunidades em todo o mundo devem aspirar: ser fiel aos valores centrais e aos compromissos de uma determinada comunidade, mesmo que essa comunidade participe de forma construtiva numa sociedade mais ampla que pode incluir uma série de outras normas e expectativas”. 1

Este aniversário, que teve na agenda um conjunto de reflexões e encontros, culminou com a condecoração da Comunidade com a Ordem da Liberdade, comprovando que “O Islão está na alma de Portugal” (S.Ex.ª, O Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa, 2018) e augurando-nos votos para o futuro:

“Saibamos todos nós transmitir às futuras gerações estes valores humanistas que são, por natureza, os valores do Islão. Saiba a Comunidade Islâmica de Lisboa continuar a promover estes mesmos valores e consigam as futuras lideranças da comunidade respeitar e prosseguir o legado dos seus fundadores”. (S.Ex.ª, O Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa 2018)

Saibamos todos concretizar este ideal tão nobre e próprio de todos os crentes e não crentes: dar a alguém que tenha sido excluído, um lugar no seu coração, semeando assim a semente da paz, do amor e da concórdia entre os povos.

1 https://www.un.org/en/academic-impact/fiftieth-anniversary-comunidade-isl%C3%A2mica-de-lisboa

On the invitation of the United Nations Academic Impact (UNAI) initiative, George E. Rupp contributed this

reflection on the fiftieth anniversary of the Comunidade Islâmica de Lisboa. Dr. Rupp has served as President

of Rice University and Columbia University (United States) as well as of the International Rescue Committee.

His contribution launches a series of intellectual reflections on “unlearning intolerance” on the UNAI website

in the context of United Nations Secretary-General António Guterres’ focus on conflict prevention.

I am honored to salute the Comunidade Islâmica de Lisboa in celebration of its fiftieth anniversary.

The milestone of 50 years marks an accomplishment that is all the more significant because it embodies a goal

toward which communities across the globe must aspire: to be faithful to the core values and commitments

of a particular community even as that community participates constructively in a broader society that may

include a range of other norms and expectations.

To preserve a particular identity that is respectful of different perspectives is especially significant and even

urgent at a time when two further alternative orientations are very much in evidence. The first is a position

that has been prominent in the West since the Enlightenment, even if it has at times been questioned quite

vigorously. It is the presumption that modern secular liberalism and its affirmation of the individual will in due

course prevail over all countervailing views. The other is that what is required is a return to the dominance of a

traditional order that alone is true and therefore must be embraced. In recent years, this position has become

more vividly expressed even in Europe and America, where secular individualism had seemed to prevail.

Over against these two positions, it is imperative that communities embrace the particular commitments of

their traditions. This embrace should include a critique of every effort to render each individual as the final

and independent arbiter of value. At the same time, such particular communities should participate in larger

social orders that welcomes diversity instead of accepting insistence on a single homogenous whole that does

not allow for respectful disagreement.

Insofar as the Comunidade Islâmica de Lisboa exemplifies this position of affirmation of particular traditions

combined with respect for alternative interpretations, I register my admiration and commendation and join

in celebrating this fiftieth anniversary.

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Liberdade Religiosae Diálogo Inter-religioso em

Portugal 2001-2021Comunidade Israelita

de LisboaE-mail: [email protected]

Website oficial: www.cilisboa.org Avenida Miguel Bombarda, 1 – 4º Andar

1000-207 Lisboa – PORTUGALTel.: +(351) 21 393 1130

Testemunhos

Para a Comunidade Israelita de Lisboa as grandes diferenças entre a lei da Liberdade Religiosa, anteriormente existente, e a atual Lei da Liberdade Religiosa publicada em 2001 são:

1) Casamentos

2) Capelães/Rabinos

3) Fiscalidade

O primeiro casamento desde a publicação da nova Lei foi celebrado na nossa Sinagoga Shaaré Tikvá em 2007.

Anteriormente à publicação da Lei da Liberdade Religiosa, os casamentos eram registados no Registo Civil antes de serem celebrados na Sinagoga, seguindo o ritual religioso judaico.

Hoje, o casamento civil e o religioso são simultaneamente celebrados na Sinagoga, pelo Ministro de culto designado pela comunidade Israelita de Lisboa. O Ministro de Culto/Rabino designado terá que estar previamente registado na Conservatória do Registo Civil antes da celebração do casamento religioso na Sinagoga. As devidas formalidades de registo são efetuadas após celebração de casamento religioso na Sinagoga e posteriormente entregues na Conservatória do Registo Civil.

À semelhança dos Capelães, a presença do Rabino quando solicitada nos hospitais, prisões, Forças Armadas já era uma realidade. A Lei da Liberdade Religiosa veio, no entanto, formalizar a situação.

A Lei da Liberdade Religiosa veio também equiparar a fiscalidade a que se aplicava à pessoa colectiva da Igreja Católica.

A Lei contribuiu ainda para que passasse a existir um verdadeiro diálogo inter-religioso entre todas as confissões registadas em Portugal, num espírito de liberdade, paz e fraternidade, diálogo esse institucionalizado e apoiado pelo Alto Comissariado para as Migrações.

O Calendário Judaico

A contagem dos anos no calendário judaico estabeleceu-se a partir da Criação do mundo.Quando o povo judeu estava prestes a sair do Egipto, D’us ensinou a Moshê Rabêinu (Moisés) as leis de Rosh Chôdesh (inicio do mês que geralmente coincide com o Novilúnio) e chamou àquele mês - Nissan - primeiro mês (o mês da primavera em Israel), pois foi quando o povo judeu se formou como povo.

Assim, o calendário judaico é ao mesmo tempo lunar e solar: O mês é sempre lunar. Para compensar os onze dias anuais de diferença entre o ano lunar e solar, é acrescentado um mês no 3º, 6º, 8º, 11º, 14º, 17º e 19º ano, a cada círculo de dezanove anos. Nestes anos, o calendário judaico tem treze meses, com o mês anterior a Nissan duplicado, para que Nissan ocorra sempre na primavera.

As Festividades

Cada solenidade religiosa é, principalmente para o judeu, uma evocação. Não se trata de relatar ou comemorar factos históricos, mas sim de os viver, ou melhor, de os reviver.

As comemorações judaicas são essencialmente reconstituições e os judeus que nelas participam sabem que o passado é passado, mas colocam-se sentimentalmente ao lado e, às vezes, na pele dos seus antecessores desaparecidos.

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Ele é Adão, expulso do Paraíso; ele é Noé, construindo a Arca; ele é Moisés, conduzindo o Povo para o Sinai; ele é Abraão, recebendo ordens de D’us para tudo abandonar e cumprir a sua missão. Sente-se escravo dos egípcios na festa de Pessach, e é salvo por D’us, sofre vicissitudes no Deserto; os milagres fascinam-no como se os vivesse e empolga-o o ambiente solene da eminente Promulgação da Lei. Na festa de Purim vive a leitura da Meguilá, aterroriza e odiando Haman, receia que os bons esforços de Mordechai e Esther para salvar o Povo não sejam bem-sucedidos. O passado e o presente fundem-se num só corpo irradiante de vitalidade, característica principal das solenidades que se comemoram durante o ano.

Dias Festivos

Os Dias são consagrados às comemorações a que se referem, e são proibidas quaisquer outras tarefas, devendo ser consagrados à oração, ao repouso, à alegria decorrente do convívio familiar e amigos.

O Shabat

O Dia mais importante de toda a semana consagrado a D’us; Dia de repouso, de paz, de oração, de convívio com a família, com os amigos e com os pobres. D’us criou o Mundo em 6 dias e no 7º descansou.

Deste modo, cada Sábado converte-se para o Judeu na sua profissão de Fé. D’us não suspendeu a sua obra no Sábado por necessitar de descanso, mas sim para mostrar que este dia não tem sentido sem a tranquilidade e o repouso contemplativo que lhe sucedem. Assim, o sábado irradia a luz sobre todos os outros.

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Liberdade Religiosae Diálogo Inter-religioso em

Portugal 2001-2021Comunidade Muçulmana

Shia IsmailiContatos:

E-mail: [email protected] oficial: https://the.ismaili/portugal

Centro Ismaili, LisboaAv. Lusíada nº 1

1500-650 Lisboa

Testemunhos

“Os princípios da laicidade do Estado e da separação entre Estado e igrejas, conquistas irreversíveis da modernidade, não implicam o desinteresse pelo fenómeno religioso como importante facto de coesão social, e de dinamização de forças de solidariedade e espiritualidade nas sociedades modernas. Portugal é hoje uma sociedade cada vez mais aberta à multiculturalidade e onde por força de fatores como a imigração e o desenvolvimento recente de novos movimentos religiosos, as religiões minoritárias têm uma presença não desprezível em muitas áreas do nosso país” (Vera Jardim, 2001).

Poderá dizer-se que em Portugal, existe um claro sinal de interesse pelo fenómeno religioso, reconhecendo o papel importante que poderá ter em termos de coesão social. Exemplo primordial dessa realidade é a Lei de Liberdade Religiosa, de 2001, considerada por vários especialistas, nacionais e internacionais, como uma lei progressista e que confere um âmbito de legalidade, liberdade e dignidade ao fenómeno religioso nas suas múltiplas formas. É ao abrigo desta lei que as confissões religiosas podem ver-lhes conferidos direitos fundamentais para o seu dia-a-dia e para os seus crentes. Esta lei instituiu também a Comissão da Liberdade Religiosa, que tem um papel fundamental em todas as matérias relacionadas com a aplicação desta Lei.

Outros exemplos relevantes deste interesse do Estado pelo fenómeno religioso são nomeadamente a criação do Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religioso (22 de junho) e do Grupo de Trabalho do Diálogo Inter-Religioso, entre outros.

Existe um longo caminho que foi percorrido em Portugal relativamente à liberdade religiosa, enquanto direito fundamental de uma sociedade. No entanto, existe ainda um caminho a fazer no sentido de tornar a sociedade portuguesa, uma sociedade verdadeiramente pluralista, mas com base no conhecimento do outro.

Acredito que a construção de sociedades pluralistas passa pela educação das gerações futuras. “Uma sociedade segura e pluralista requer comunidades que são educadas e confiantes em ambas, na identidade e profundidade das suas próprias tradições e naquelas dos seus vizinhos” (Aga Khan, 2004). Embora as diversas confissões religiosas se tenham organizado ao longos dos anos, para promoverem a educação religiosa das suas comunidades, a abordagem das diferentes religiões nos manuais escolares, usados na generalidade das escolas portuguesas, é imprecisa e muitas vezes incorreta. O ensino das diferentes cosmovisões, e das diferentes formas de ser e estar no mundo, através da religião, ou não, podem contribuir em muito para educar as futuras gerações do nosso país.

Quando os materiais amplamente utilizados nas escolas portuguesas

apresentam o Islão de uma forma abreviada, resumida a um conjunto de rituais, o que fica por explorar são nomeadamente os valores universais que esta religião propõe, à semelhança de outras confissões religiosas. Seria um passo importante, promover o conhecimento das diversas confissões religiosas para se cultivar o espírito do diálogo nas gerações futuras. Para que este diálogo seja mais efetivo é necessário promover o conhecimento do ‘outro’ e enaltecer a dignidade do ser humano. Os jovens convivem cada vez mais com uma grande diversidade de religiões e crenças, quer nas suas relações, quer através dos media. Então há que educar as gerações futuras sobre o papel importante da religião na experiência de vida dos seres humanos. Esta é uma aprendizagem necessária, independentemente da origem ou da crença pessoal de cada indivíduo. E é por isto que o grupo de diálogo inter-religioso (GT DIR) deve dar continuidade ao trabalho desenvolvido com os jovens, inspirando-os para o reconhecimento da diversidade como uma força.

Uma experiência de diálogo permanente

O grupo de diálogo inter-religioso (GT DIR) é constituído por membros pertencentes a várias tradições religiosas, que se reúnem em torno de valores universais e transversais à humanidade. São várias as confissões religiosas, com representação na sociedade portuguesa, que fazem parte do grupo de trabalho, sendo a comunidade Muçulmana Shia Ismaili uma delas.

A comunidade Muçulmana no mundo constitui hoje um mosaico de diversidade cultural e de interpretações da fé, que reflete uma história de interação e de diálogo permanentes. A mensagem inicial do Islão, o conjunto de revelações recebidas pelo último Profeta – Muhammad (que a Paz de Deus esteja com ele e com a sua família) –são o ponto de partida de uma história com mais de mil e quatrocentos anos.

A diversidade cultural do Islão, mas também a diversidade de interpretações da sua mensagem, são características fundamentais do mundo muçulmano. Dentro deste enquadramento, a comunidade Muçulmana Shia Imami Ismaili representa um exemplo que atesta essa diversidade e que representa uma interpretação, entre outras, da mensagem inicial do Islão. Os Muçulmanos Shia Imami Ismailis, geralmente conhecidos por Ismailis, pertencem ao ramo Shia do Islão. Mas, tal como todos os Muçulmanos, os Ismailis afirmam o testemunho fundamental de fé chamado de Shahada, na qual afirmam a existência de Deus - Único, Criador do Universo, na língua árabe diz-se Allah; e afirmam que Muhammad (que a Paz de Deus esteja com ele e com a sua família) é o último mensageiro de Deus. Os Muçulmanos Ismailis constituem uma comunidade culturalmente diversa, eles vivem atualmente em mais de 25 países do mundo, nomeadamente em

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países como a Índia, Paquistão, Moçambique, Tajiquistão, Inglaterra, Canadá, Portugal, entre outros.

Um dos aspetos particularmente interessante e relevante do GT DIR é, não só a inclusão de membros pertencentes a várias confissões religiosas, mas a inclusão de diferentes comunidades interpretativas dentro dessas mesmas confissões. Isto reflete-se nomeadamente, na presença de duas comunidades Muçulmanas dentro do grupo de trabalho, sendo uma delas a comunidade Muçulmana Ismaili. Muitas vezes a comunidade Muçulmana global é geralmente vista como sendo monolítica e não diversificada, não reconhecendo a riqueza da diversidade dentro do Islão. Esta representação da diversidade é demonstrativa da abertura do próprio grupo que procura a inclusão das várias ‘vozes’ do fenómeno religioso em território nacional. Nesta perspetiva, o grupo de trabalho é verdadeiramente um exemplo de pluralismo, uma vez que promove a cooperação entre as diversas tradições religiosas, no sentido de reforçarem a ideia de apreço por esta diversidade junto da sociedade civil.

Tal como diz o líder espiritual da comunidade Muçulmana Ismaili, sua Alteza o Aga Khan1: “As sociedades pluralistas não acontecem por acaso como acidentes da história. Elas são um produto da educação esclarecida e do investimento contínuo dos governos e de todas as forças da sociedade civil em desenvolverem a valorização e o reconhecimento de uma das maiores características da humanidade: a diversidade das suas gentes. (…)” (2004:3), o GT DIR tem sido ao longo dos anos um verdadeiro ‘investimento’ que tem dado visibilidade à ideia de diálogo e do bom entendimento entre as diversas comunidades e tradições religiosas.

Sabemos que as diversas religiões têm percursos histórico-culturais, crenças e tradições diferentes, mas é no diálogo e trabalho conjunto que pode residir a força das religiões como um fator de coesão social, baseada em valores éticos, reconhecidos por todas as comunidades, tais como: O Respeito e o Diálogo. No entanto, também penso ser importante passar do diálogo, ao concreto e à ação e ao longo dos anos o GT DIR tem procurado esta concretização através das suas diferentes iniciativas. Acredito que as diferentes tradições religiosas devem-se reunir em torno das preocupações comuns da humanidade, ajudando a fortalecer uma ética Cosmopolita. E o que é uma ética cosmopolita? “Uma ética cosmopolita significa uma ética para os povos. Não significa uma ética orientada por uma fé. Ou para uma sociedade. Cosmopolita significa todos os povos. E portanto, estamos a falar de uma ética em que todos os povos possam viver eticamente numa mesma sociedade. E não numa sociedade que reflita apenas a ética de uma só fé. E a essa ética eu

chamaria “qualidade de vida”. E isto é absolutamente crítico” (Sua Alteza o Aga Khan, 2008).

O GT DIR tem contado com a participação de vários membros da comunidade Muçulmana Ismaili, ao longo dos anos – com vista a contribuírem para os vários objetivos do grupo, de promoção do diálogo e da harmonia entre todos. A participação neste grupo de trabalho tem sido muito enriquecedora por causa do contributo que procura dar à sociedade Portuguesa. Este é o testemunho de um dos membros da comunidade Muçulmana Ismaili que fez anteriormente parte do GT DIR que fala da sua experiência como algo deveras enriquecedor:

1 Enquanto Muçulmanos Shia, os Ismailis afirmam que depois da morte do Profeta Muhammad (que a Paz de Deus esteja com ele e com a sua família), o primo e genro do Profeta - ‘Ali Ibn Abi Talib, tornou-se no primeiro Imam ou líder da comunidade Muçulmana, este ofício de liderança espiritual chama-se de Imamato. Esta liderança espiritual continuou através da sucessão hereditária pela descendência de ‘Ali e sua esposa Fátima, filha do Profeta. Os muçulmanos Ismailis acreditam que em cada era existe um Imam que interpreta a fé à luz das necessidades dos tempos. Sua Alteza o príncipe Karim Aga Khan é o quadragésimo nono Imam dos Muçulmanos Shia Ismailis. Como no Islão, a fé e o mundo estão intrinsecamente ligados, o papel e responsabilidade do Imam é a de orientar os seus fiéis no que diz respeito às suas vidas materiais e espirituais. O Imam tem a função de interpretar a fé para a comunidade, e para fazer tudo o que estiver ao seu alcance para melhorar a qualidade de vida, e velar pela segurança, não só dos seus seguidores, mas também das demais sociedades.

“Para mim foi uma bênção e honra fazer parte do GT DIR durante cerca de dois anos, mas foi muito intenso. Todos os meses o grupo reunia-se em lugares de culto das diversas confissões religiosas. Houve uma altura em que o grupo sentiu que havia uma grande necessidade de nos compreendermos e por isso considerou-se que deveria haver uma maior partilha em relação às nossas religiões, culturas, princípios e valores. Quando a reunião teve lugar no Centro Ismaili, tive a oportunidade de fazer uma apresentação sobre a nossa religião, seguida de uma visita guiada ao centro. O mesmo se passou com a comunidade Bahái, os Mórmons, Adventistas do Sétimo Dia, e isto permitiu uma partilha verdadeira e genuína – no sentido de nos conhecermos e de abertura de conhecer o outro. Como ser humano isto acrescentou muito à minha experiência, em termos de conhecimento intelectual, mas também emocional e espiritual. A grande conclusão a que cheguei foi a de que os nossos valores são comuns, e que são os valores que nos unem, o valor da liberdade, respeito, honestidade, entrega, partilha, da busca por

Lançamento do calendário inter-religioso pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) no Centro Ismaili, a 11 de dezembro 2018.

conhecimento. Todos nós buscamos o conhecimento interno e externo, ou seja, interno enquanto ser humano, na minha procura individual e busca de sabedoria individual de quem sou e de como posso evoluir – e esta é a minha entrega ao Divino. Senti que isto era partilhado por todos, aprendi muito e esta partilha foi algo fenomenal. No entanto, o desafio foi o de tentar perceber qual a melhor forma de traduzir estas aprendizagens para a sociedade civil, para fora do grupo. A iniciativa de trabalho com os jovens foi também muito significativa, uma vez que se proporcionou a convivência entre jovens pertencentes a religiões diferentes, para que pudessem aprender mais uns sobre os outros. Este trabalho com os jovens é muito importante para prepararmos as gerações vindouras em

relação ao pluralismo e tolerância – este trabalho é necessário! Para que o trabalho do GT DIR seja mais completo falta ainda inclusão de membros que tragam outras perspetivas, nomeadamente alguém da comunidade científica e alguém que não pertença a nenhuma confissão religiosa.”

Referências bibliográficas: ‘Address at the Leadership and Diversity Conference Gatineau by the Aga Khan’, Quebec, Canada, May 19, 2004. Entrevista a Sua Alteza o Aga Khan, ‘O Ocidente devia aceitar que o Islão não separa o mundo e a fé’, Público, 2008.‘Liberdade Religiosa - uma lei necessária e urgente’, Vera Jardim, Público, 2001.

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Contributos Ecuménicospara o afirmar da

liberdade religiosaCOPIC

Conselho Portuguêsde Igrejas Cristãs

Testemunhos

I - O COPIC e os desafios atuais à liberdade religiosa

Bispo Jorge Pina Cabral – Presidente do COPIC

O Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC) celebra no corrente ano, o 50º aniversário da sua constituição (1971 – 2021). Desde a sua fundação e ainda no contexto da ditadura fascista, o COPIC sempre advogou o respeito do Direito de Liberdade Religiosa como fundamento base para uma plena vivência dos Direitos Humanos e promoção dos valores da paz, da justiça e da integridade da Criação. No presente mês de maio, o Conselho esteve representado na reunião de alto nível realizada em Lisboa entre a Presidência portuguesa da União Europeia e os representantes da Comissão das Conferências Episcopais Europeias (COMECE) e da Conferência das Igrejas Europeias (CEC). Neste encontro foi considerado pelos representantes religiosos, que na União Europeia, muitas comunidades religiosas estão a experimentar discriminação, intolerância e até mesmo perseguição, situações que começam também

a ser vividas e sentidas na sociedade portuguesa. Foi sublinhada também a necessidade de a União Europeia promover a liberdade de religião não apenas enquanto um direito humano, mas enquanto estratégia para a liberdade democrática, prevenção de conflitos e aprofundamento da paz social, da justiça e da reconciliação. Urge, pois, que as comunidades religiosas se integrem e contribuam nos processos de definição de políticas que visam a construção de uma União Europeia mais solidária e inclusiva. Lado a lado com outros agentes da sociedade civil, as religiões têm este dever no assumir do seu contributo próprio.

Também e na Escola de Direitos Humanos o COPIC conjuntamente com a CEC organizou em Lisboa, no Verão de 2019, foi sublinhada a necessidade de as religiões trabalharem em conjunto para combater o discurso de ódio e as falsas notícias que procuram minar a convivência e a cooperação entre grupos religiosos diferentes. Para tal, torna-se necessário um processo de educação permanente particularmente entre os jovens, que promova a partilha e a convivência que permitam afirmar de um modo muito claro, que a mensagem cristã é a da esperança, da vida e do amor que requerem respeito, abertura e inclusão.

Assim, e no Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-Religioso, o COPIC assinala efusivamente a celebração do XX aniversário da Lei da Liberdade Religiosa em Portugal e o contributo tão positivo que a mesma tem proporcionado quer para a sociedade portuguesa, quer para a União Europeia da qual também fazemos parte.

Volvida esta primeira página da sua existência, importa agora que a Comissão da Liberdade Religiosa assuma e integre na sua constituição e para além dos membros que dela já fazem parte, outras Igrejas e religiões, que historicamente presentes na sociedade portuguesa, querem também dar o seu contributo para o aprofundamento da

vivência da religião em liberdade, no Portugal democrático que todos somos chamados a construir.

II - Liberdade religiosa em Portugal e as Igrejas do COPIC

David Valente, Soc. Ed. Moreira, Soc. Port. História do Protestantismo

As questões relativas à liberdade de consciência sempre estiveram no horizonte do Conselho Português de Igrejas Cristãs – COPIC e das Igrejas integrantes: Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal e Igreja Evangélica Metodista Portuguesa. A liberdade religiosa nunca foi um marco caracterizador da sociedade portuguesa. Mas depois da extinção do Tribunal da Santa Inquisição, em 31/3/1821, fez agora 200 anos, criaram-se expectativas de melhor acolhimento da diversidade religiosa, seja por via jurídica seja por via das mentalidades. Mas o paradigma da unicidade religiosa portuguesa vai perdurar, e ainda hoje persistem fortes sinais dessa situação.

No liberalismo

A Constituição de 1822 e a Carta Constitucional de 1826, apesar de consagrarem a liberdade de pensamento e de esta última declarar que ninguém pode ser perseguido por motivos de religião, afirmam que a religião católica romana é a religião do Reino, e que é permitido aos estrangeiros o exercício particular dos respetivos cultos. Significava isto, “a contrário”, que aos portugueses não era reconhecido na ordem constitucional qualquer liberdade de culto.

É nesse ambiente e com essas limitações que surgem em Portugal iniciativas de diversificação religiosa cristã, lideradas por estrangeiros que, não obstante, cedo tiveram a adesão de muitos portugueses. É o

Fig. 1 - Delegação Ecuménica com a Presidência Portuguesa da União Europeia - Maio 2021

Fig. 2 - Participantes de diferentes Igrejas e Religiões na Escola Ecuménica de Direitos Humanos em Lisboa – Verão 2019

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caso da comunidade anglicana de Vicente Gomez y Tojar (1796?-1878), da comunidade presbiteriana de Robert Kalley (1809-1888) no Funchal, em 1845, da comunidade anglicana de James Cassels (1844-1923), no Porto, da comunidade presbiteriana de Robert Stewart, em Lisboa, da comunidade congregacional de George Robinson (1815-1895) em Portalegre, a de Ângel Herreros de Mora (1815-1876), em Lisboa, e a de Robert Moreton (1844-1917). Todas foram iniciativas pessoais, exceto o trabalho de Moreton, enviado pela Sociedade Missionária Metodista Wesleyana.

O COPIC é, de certa forma, herdeiro de todas estas comunidades locais oitocentistas que, podemos dizer, desde o berço sentiram na pele o ambiente hostil e persecutório daquela época.

Os Códigos Penais de 1852 e de 1886, ao arrepio da Carta Constitucional, tipificam crimes como propaganda religiosa, fazer conversões (proselitismo) e celebrar cultos públicos não católicos.

Além das muitas tensões entre o protestantismo nascente e o catolicismo instalado, houve da parte de diferentes órgãos do Estado reações muito adversas, como as perseguições de 1846, no Funchal que levaram à fuga de centenas de pessoas da Ilha da Madeira. Também no Funchal chegou a condenar-se à morte uma protestante, Maria Joaquina Alves, pelo crime de apostasia, sentença que felizmente veio a ser revogada. Outro exemplo é o encerramento, em 1901, de todas as comunidades protestantes de Lisboa por ordem de um juiz de instrução criminal, só tendo sido reabertas por intervenção pessoal do Rei D. Carlos.

I e II República

Os protestantes viram a República com simpatia e acolheram com entusiasmo a Lei da Separação de 20/4/1911. Militaram com o Governo na laicização da sociedade contra a Igreja Católica Romana. Só mais tarde se apercebem que a Lei da Separação não era uma lei para garantir a liberdade religiosa, mas tinha por fito, em primeira linha, conter a omnipresença e o poder da Igreja Católica Romana. Líderes protestantes da época como José Augusto Santos e Silva, congregacional, Alfredo da Silva, metodista, Eduardo Moreira, congregacional, Joaquim Santos Figueiredo, da Igreja Lusitana, Mota Sobrinho, presbiteriano, e muitos outros mantiveram contatos com Afonso Costa e com o Governo Republicano.

Apesar disso, e a partir da Lei da Separação, foi possível em Portugal constituir legalmente corporações religiosas com personalidade jurídica, com a forma de associações, construir edifícios para culto com forma exterior de templo, e surgiram entidades de cooperação entre igrejas, como a Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) em 1921, com origem na Associação Protestante Portuguesa, que juntou todos os responsáveis das confissões protestantes da época (congregacionais,

lusitanos, metodistas, presbiterianos, baptistas e irmãos).

Mesmo quando diversos diplomas legais vieram a reverter a situação da Igreja Católica Romana sob a República (caso do Dec. nº. 3856 de 22/2/1918, de Sidónio Pais, do Decreto nº. 11887 de 6 de Julho de 1926, já em ditadura militar, e a Concordata de 1940 e Acordo Missionário), não voltaram a existir perseguições violentas aos não católicos, e a liberdade de consciência e culto foi respeitada no plano do Estado, apesar do espaço de privilégio que era garantido à Igreja Católica Romana. O que não quer dizer que não houvesse dificuldades, como as previstas no Código Administrativo de 1940, que regulava as associações religiosas, e que criava verdadeiros obstáculos legais às Igrejas não-católicas.

Foi o caso que levou o recém-consagrado bispo da Igreja Lusitana, D. Luís César Pereira, em 1962, a interpor recurso para a Auditoria Administrativa do Porto e depois para o Supremo Tribunal Administrativo do ato do Governador Civil do Porto que recusou o registo dos estatutos da Igreja Lusitana. Só depois de algumas peripécias desprestigiantes para os seus opositores, D. Luís conseguiu o objetivo.

No campo das mentalidades e atitudes individuais, por seu lado, subsistiu muita intolerância.

A AEP limitava nos seus estatutos o acesso de membros que fossem pessoas coletivas religiosas e tinha posições contrárias à visão ecuménica que, sobretudo desde 1948 (data da criação do Conselho Mundial de Igrejas), animava os esforços da Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica (ILCAE), da Igreja Evangélica Metodista Portuguesa (IEMP) e da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (IEPP). Tal facto levou à criação, em 1956, de um organismo informal de cooperação a que se deu o nome de Comissão Intereclesiástica Portuguesa (CIP). A CIP desenvolveu amplo trabalho a nível social e profícua reflexão teológica, dando origem em 10/6/1971 ao Conselho Português de Igrejas Cristãs (COPIC).

Por essa época discutia-se no campo político um diploma chamado Lei da Liberdade Religiosa, que seria a Lei nº. 4/71, de 21 de agosto. Na verdade não se tratava de uma lei da Liberdade Religiosa, mas de um instrumento que visava, sobretudo, dotar o Estado de meios para conhecer e controlar o espectro religioso não católico. O crescimento exponencial das denominações não católicas, como as Assembleias de Deus, os Adventistas e as Testemunhas de Jeová e o crescente peso das “missões protestantes” na África portuguesa criavam ao Estado Novo um grande desafio e preocupação. Mas se retirarmos alguns registos de confissões religiosas na Secretaria Geral do Ministério da Justiça, tratou-se de uma lei que, apesar de regulamentar (Dec. Lei. Nº. 216/72, de 27/6) nunca cumpriu o seu papel.

No âmbito da discussão sobre esta lei marcelista, o COPIC organizou

entre 4 e 6 de Março 1971, no recém inaugurado Centro Ecuménico Reconciliação na Figueira da Foz, um importante debate sobre liberdade religiosa, em que participam entre outros, o então padre Serafim Ferreira da Silva, o bispo lusitano D. Luís César Pereira, Daniel Almada, Dr. S. Valy Mamede, Dr. Mário Marques, Rev. Pinto Ribeiro, os deputados da ala liberal da Assembleia Nacional Francisco Sá Carneiro, Raquel Ribeiro, Vasco da Gama Fernandes e outros.

III República

Na Constituição de 1976, a liberdade de associação, de consciência, religião e culto fica realmente assegurada. Mas faltava a liberdade de organização e a efetiva equiparação de direitos com a religião dominante. As Igrejas passaram a ser reguladas diretamente pela Constituição e pelo diploma relativo às associações (Dec. Lei 406/74, de 29/4), que era inadequado para a problemática religiosa, sobretudo no que respeita à liberdade de organização.

Entretanto, por imposição constitucional, e por intermédio de comissão constituída para o efeito entre a AEP- Aliança Evangélica Portuguesa e o COPIC – Conselho Português de Igrejas Cristãs, foi concedido às Igrejas e comunidades religiosas tempo de antena na televisão pública, ainda na década de 1980, e muito mais tarde na rádio. Posteriormente é criada a Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas e a Lei nº. 58/90, no artigo 25º, vem consagrar esse direito.

Noutro campo, o acórdão nº. 423/87, de 26/11/1987 vem declarar a inconstitucionalidade por omissão, pela lei não assegurar a todas as confissões religiosas o mesmo direito ao ensino público, com aulas de religião e moral da respetiva confissão (“o Estado não pode abster-se de,

Fig. 3 – Colóquio no Centro Ecuménico Reconciliação, Figueira da Foz – Comissão Intereclesiástica/COPIC, a propósito da Lei de 1971

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no tocante às demais confissões religiosas, lhes conceder um tratamento afim, tendo em conta, é certo, as circunstâncias próprias de cada uma delas …. sob pena de não respeitar o princípio da igualdade e, por via omissiva, violar o texto constitucional”). De novo o COPIC se colocou em campo, e juntamente com a AEP é constituída a COMACEP. Depois de várias reuniões com o Ministério da Educação, em 1988 e 1989, é publicado o Despacho Normativo nº. 104/89, de 16 de novembro, e as aulas de religião e moral evangélica nas escolas públicas arrancam ainda esse ano, com apenas 4 turmas (mais tarde chegarão às 700 por ano). O Dec. Lei nº. 329/98, de 2 de novembro, vem pôr fim à experiência pedagógica e tornar as ditas aulas como corpo integrante do currículo escolar. Mais tarde o COPIC deixaria a COMACEP só com a AEP, mas o reconhecimento do direito estava garantido.

Mas faltava na verdade um regime que enquadrasse todas as confissões religiosas, e apesar da iniciativa do Deputado Professor Sousa Franco em 1979, do Projeto de Lei de Jorge Miranda e de Vilhena de Carvalho em 1981, e de outro projeto da ASDI em 1983, foi necessário esperar até 1996 para o Ministro da Justiça, Dr. José Vera Jardim, nomear uma Comissão para a Lei da Liberdade Religiosa (despacho 96/MJ/96 de 8 de abril), presidida pelo Conselheiro José Sousa Brito que com sabedoria logo se rodeou de pessoas de diversas confissões, designadamente o Dr. Dias Bravo, e um grupo de jovens juristas de que fiz parte.

Neste âmbito, o COPIC organizou várias ações. Indicam-se duas, pelo seu relevo, no Centro Ecuménico Reconciliação: i) Colóquio “Os novos movimentos religiosos e a liberdade religiosa”, de 19 a 21 abril 1996, com o Pastor José Manuel Leite, Professor Jonatas Machado, Consº. Dias Bravo, David Valente e muitos outros; ii) Colóquio “A Lei da Liberdade Religiosa”, dias 9 e 10 de maio de 1997, com Cons.º Dias Bravo, Consº. Sousa Brito, Prof. Jonatas Machado, David Valente, Rev. Ireneu Cunha, Bispo D. Fernando Soares, Sheik D. Munir, Joshua Ruah, e muitos outros. Além destes colóquios, o COPIC e as Igrejas membros participaram ainda em diversas atividades neste âmbito.

A proposta de Lei, depois de diversas consultas às diferentes confissões religiosas, foi colocada em discussão pública em 1998, tendo vindo a cair com a dissolução do Parlamento. Mais tarde, e com base nesta proposta, mas com soluções diferentes em diversas matérias, o Governo de António Guterres faz aprovar a Lei. Nº. 16/2001, de 22 de junho, que tem sido o diploma que enquadra todas as entidades religiosas em Portugal, exceto a Igreja Católica Romana.

O COPIC e as Igrejas membros, sempre preocupadas com o presente tema a nível europeu e mesmo global, também pontuaram em conferências internacionais onde a Liberdade Religiosa era tópico de discussão: como a reunião da CEC -- Conferência das Igrejas Europeias, em Varsóvia, de 16 a 19 de abril de 1996; a reunião da CEC de 13 a 16 de março de 1997 em Celakovice, na República Checa; a Assembleia da Conferência das Igrejas Protestantes dos Países Latinos da Europa -- CEPPLE, em 1998, em Roma; a Consulta de Cap Soumion, na Grécia, de 27 a 30 de abril 2001, da World Alliance of Reformed Churches, sobre a Liberdade Religiosa na Grécia e muitas outras.

A lei nº. 16/2001 (LLR)

Esta lei, que vigora há quase 20 anos sem alterações, sofreu diversas críticas, sobretudo por excluir da sua abrangência a Igreja Católica Romana, que viu as suas relações com o Estado Português passarem a ser reguladas por uma nova Concordata.

Mas a lei tem servido bem as pessoas e entidades não católicas, e foi sendo implementada com diversos diplomas regulamentares: como o relativo ao registo das pessoas coletivas religiosas (Dec. Lei nº. 134/2003, de 28/6); à Comissão da Liberdade Religiosa (Dec. Lei nº. 308/2003, de 10/12); e à assistência religiosa nas Forças Armadas, no Serviço Nacional

de Saúde, e nas prisões, respetivamente Decretos Lei nº. 251, 252 e 253 de 2009, de 23 de setembro, e outros.

A LLR prevê também a relevância civil dos casamentos religiosos, a objeção de consciência e alguns direitos coletivos da liberdade religiosa, como a fundamental liberdade de organização.

Conclusão:

Em resumo, o COPIC – Conselho Português de Igrejas Cristãs e as Igrejas que o formam, sempre estiveram na linha da frente da luta pela liberdade religiosa em Portugal, e não só em Portugal, manifestando desde a sua fundação, desde o séc. XIX até ao presente, um empenho profundo no aperfeiçoamento das normas necessárias a que todas as pessoas possam usufruir da liberdade religiosa. Em fevereiro de 2006 o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, chamou a Belém os representantes da Igreja Presbiteriana -- IEPP para agradecer a esta Igreja, o contributo dado, aquando da elaboração da LLR.

O COPIC promoveu em 5 e 6 de maio de 2011, na Faculdade de Direito de Lisboa, um Colóquio para avaliar a implementação da Lei, que vigorava então há 10 anos, onde esteve presente o Dr. José Magalhães, Secretário de Estado da Justiça e Modernização Judiciária, e ainda os Drs. David Argiolas, Fernando Loja, Bispo Fernando Soares, o então Rev. Jorge Pina Cabral, Pastor José Salvador, Bispo Sifredo Teixeira, Pastor Eduardo Conde e muitos outros.

Fig.4- Colóquio promovido pelo COPIC em 1997 - Anteprojeto da Lei da Liberdade Religiosa

Fig. 5 - Colóquio promovido pelo COPIC em 2011 - 10 anos da Lei da Liberdade Religiosa

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No rescaldo da conferência foram feitas sugestões de melhoramento da situação religiosa em Portugal, que foram as seguintes:

– A Comissão da Liberdade Religiosa, que tem apenas um protestante em representação da Aliança Evangélica, deve ter outro representante da área protestante do COPIC, o que a tornará muito mais abrangente e capaz, sobretudo porque as igrejas membros do COPIC representam uma linha diferente de protestantismo, com fortes e regulares ligações às suas comunhões confessionais internacionais, ao mundo das Igrejas protestantes e ortodoxas ecuménicas europeias (Conferência das Igrejas Europeias) e mundiais (Conselho Mundial de Igrejas) e tem existência relevante em Portugal, desde há mais de 150 anos, onde delinearam uma cultura cristã de diálogo, liberdade de consciência, sensibilidade ecuménica e de serviço;

– Os acordos entre o Estado e as pessoas coletivas religiosas, previstos no artigo 45º e seguintes da LLR devem ser generalizados, como forma de reconhecer a importância e riqueza da pluralidade religiosa em Portugal, e deverão ser celebrados por iniciativa da entidade religiosa ou do Estado, por meio de processo simplificado;

– A possibilidade de utilização de prédios para fins de culto religioso deverá ser ampliada e juridicamente densificada (art. 29º da LLR), nomeadamente com normas urbanísticas para novos bairros, para que a falta de licença de utilização adequada não possa ser impedimento à existência das Igrejas não católicas e de outras comunidades religiosas.Estas sugestões estão ainda em cima da mesa. E, na minha leitura, o COPIC e as Igrejas que o integram continuam atentas e ativas na procura de uma maior e melhor liberdade religiosa.

III - A Liberdade Religiosa consagra a virtude da diversidade de expressões espirituais

Pastor Paulo Medeiros Silva, Presidente da Igreja Presbiteriana

A tolerância religiosa é um valor apreciável a partir do século XVI quando na Europa alguns importantes pensadores perceberam a sua pertinência como forma de consagrar sensibilidades religiosas distintas dentro do próprio cristianismo.

Mais do que tolerar as diferenças, hoje aceitamos a diversidade como um sinal da vontade de Deus que, no sopro do seu Espírito sobre a Igreja, sublinha a comunicação que acontece necessariamente num ambiente de diversidade e respeito pelas diferenças.

A religião é assim o lugar do acolhimento do diverso e do respeito pelas culturas e sensibilidades diferenciadas.

A lei da liberdade religiosa é um marco na consagração do respeito por todas as expressões religiosas em Portugal.

IV – O Princípio do Encontro – Diálogo Inter-religioso em Portugal

Pastora Miriam Lopes, representante no GT-DIR- ACM da Igreja Presbiteriana

A progressiva consciência da diversidade religiosa no nosso país tem sido um processo contínuo desde a segunda metade do séc. XX, para a qual concorreram vários factores sociais, políticos e religiosos. O país foi marcado num primeiro momento pela emigração dos anos 50 a 70 para países europeus, da América do Norte e colónias de África o que proporcionou o encontro com outros modos religiosos e societários. Depois foram diversas ondas migratórias que trouxeram o afluxo de populações professantes de outras igrejas e religiões não-cristãs. Foram sobretudo as exigências de democratização, a par da mudança de mentalidades nos anos 60, que conduziram ao 25 de Abril, à Constituição atual e à Lei da Liberdade Religiosa. E foi também o impacto do processo da nossa integração europeia. Tudo isso provocou mudanças profundas no tecido social, religioso e de mentalidades o que conduziu ao atual convívio pacífico com a diferença, à pugnação pela não-discriminação, pela liberdade de consciência e de culto, pelo direito à fé e à não-fé. E resultou na consciência da pluralidade como enriquecimento do todo, e como desejo comum de paz.

Mas nem as leis nem as mentalidades mudaram de um dia para o outro. Todo o processo, anteriormente descrito, de democratização e de reconhecimento do estatuto da diversidade religiosa no nosso país se deveu a numerosos encontros e ao diálogo entre responsáveis de Igrejas e comunidades religiosas com individualidades de sectores sociais e políticos que em clima de debate promoveram a liberdade de culto e de consciência.

Dos vários encontros e grupos de cooperação, há a destacar naturalmente a participação de responsáveis das confissões minoritárias, de diversas Igrejas e religiões e também de relevantes personalidades da Igreja Católica que, depois do Concílio Vaticano II em espírito ecuménico, promoveram espaços de debate e de tomada de consciência sobre questões pertinentes para o país, nos anos 60 e 70, quando tal era visto com suspeita pelas autoridades políticas. Foram os Encontros da Capela do Rato, em Lisboa, do Colégio do Rosário, no Porto. E foram os Colóquios organizados pelo Centro Ecuménico Reconciliação na Figueira da Foz e pelo Conselho Português de Igrejas, desde a discussão da Lei da Liberdade Religiosa de 1971 até à de 2001, antes e depois dela.

No mesmo espírito de cooperação e partilha foram-se constituindo, na sequência da atual Constituição, diversos Grupos inter-denominacionais

e inter-religiosos para promover a presença das confissões não-católicas no espaço público. Foi o Grupo que esteve na origem da presença das diversas confissões, na Televisão e Rádio Públicas; o Grupo que organizou o Espaço Inter-religioso na Expo 98 em Lisboa; o Grupo para o acesso das confissões à disciplina de Educação Moral e Religiosa nas Escolas Públicas; os Grupos Inter-religiosos para o acompanhamento da Assistência Hospitalar, na sequência da Legislação de 2009, no Hospital de S. João no Porto, no Centro Hospitalar em Coimbra, e o Grupo de Diálogo Inter-Religioso para a Saúde, onde participa o Conselho Português de Igrejas Cristãs.

No âmbito do trabalho do Alto Comissariado para as Migrações, foi promovido o Diálogo Inter-religioso e Intercultural. Desse trabalho nasceram as Festas dos Povos, nomeadamente em Moura 2010, 2012, e 2013 com participação de imigrantes membros das Igrejas Presbiteriana, Lusitana e Metodista, do Conselho Português de Igrejas. E por último e com grande relevância, foi constituído, a partir de 2014, o Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso no qual participam também representantes das Igrejas Lusitana e Presbiteriana, e cujo trabalho consiste na promoção do conhecimento e reconhecimento mútuo, e se tem feito sentir no clima de salutar convivência e cooperação das diversas comunidades religiosas no país e na promoção da paz na sociedade.

Fig. 6 – Celebração na Festa dos Povos em Moura com representantes de diversas Igrejas

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Liberdade Religiosae Diálogo Inter-religioso em

Portugal 2001-2021 Igreja Católica

e Liberdade Religiosa

Pe Peter StilwellDirector

Departamento das Relações Ecuménicase Diálogo Inter-religioso

Patriarcado de LisboaIgreja Católica

Websites Oficiais:Santa Sé – www.vatican.va

Patriarcado de Lisboa – www.patriarcado-lisboa.ptConferência Episcopal Portuguesa

www.conferenciaepiscopal.ptAgência de Informação da Igreja Católica

em Portugal – NACIONAL - Agência ECCLESIA

Outras fotos do Encontro Internacional “Oceanos de Paz” encontram-se online em Incontri Internazionali Uomini e Religioni - Lisbona 2000 - Oceani di pace. Religioni e culture in dialogo (santegidio.org)

Testemunhos

A Lei da Liberdade Religiosa de 2001 não visava a Igreja Católica, abrangida por um tratado internacional, a Concordata de 1940. Contudo, os valores e critérios consagrados na Constituição de 1976 que presidiram à feitura da Lei representaram uma evolução positiva no entendimento da liberdade religiosa a que a Igreja Católica não era indiferente. Pareceu oportuno, por isso, ao Estado Português e à Santa Sé, assinar em maio de 2004 uma nova Concordata, mais em sintonia com a Lei.

Revisitemos, sumariamente, a atribulada história da liberdade da Igreja Católica em Portugal, e o salto qualitativo que representou para todos a Lei de 2001.

Uma liberdade tutelada

O estatuto largamente maioritário do catolicismo em Portugal, desde os primórdios da nacionalidade, permitiu à Igreja Católica beneficiar de um regime de excepção frente ao poder político – o que, diga-se de passagem, não facilitou a clareza da sua mensagem nem a autonomia da sua missão. Com efeito, as religiões propõem uma fidelidade alternativa à reclamada pelos governos, despertando noções de liberdade interior. A legitimação transcendente de valores e comportamentos pesa mais nas consciências que a convergência política de interesses temporais. As autoridades civis têm reagido a esta situação, ao longo dos tempos, favorecendo, subordinando ou eliminando as religiões, conforme as circunstâncias.

Ora, Portugal nasceu a partir do século XII de uma relação estreita entre o alargamento geográfico, a organização política e a implantação da Igreja Católica. A rede de paróquias, mosteiros e ordens militares, em Portugal continental, e mais tarde as missões além-mar, contribuíram para um tecido cultural e social coeso, facilitando a unidade administrativa do território.

De início, a Igreja Católica afirmou a sua liberdade perante a Coroa por via de uma ligação estreita com a Santa Sé. Como os primeiros reis dependiam do beneplácito de Roma para legitimarem a sua independência de Castela, respeitar a Igreja trazia vantagens políticas.

Os bispos de Roma representavam nessa altura, na cristandade do Ocidente, não só a suprema autoridade espiritual, herdada dos apóstolos Pedro e Paulo, mas também os vestígios de uma autoridade civil. Após a queda, em 476, do último imperador de Roma, a Santa Sé viu-se gradualmente investida dos vestígios do seu poder sobre aqueles territórios onde perdurava ainda uma memória ténue, mas saudosa do Império Romano do Ocidente. No imaginário colectivo, o papa passara a ser o garante e última instância da ordem eclesiástica, doutrinal e política. As autoridades civis, religiosas e académicas nas nações

emergentes procuravam, por isso, em Roma legitimações paralelas que lhes assegurassem alguma autonomia local.1

Em Portugal, no entanto, essas autonomias nunca foram claras. A sul, as ordens militares assumiram, por razões estratégicas, responsabilidades tanto civis como religiosas e de seguida, com o envolvimento da Ordem de Cristo nos descobrimentos, projectaram esta dupla missão nos novos territórios sob o domínio da Coroa portuguesa. Para simplificar a situação, em 1551 o papa Júlio II incorporou na Coroa portuguesa os mestrados das três ordens militares, eliminando a multiplicidade de poderes intermédios e estabelecendo as bases do futuro Padroado. Aos reis portugueses incumbia agora, para além dos seus naturais deveres políticos e militares, a responsabilidade de enviarem missionários e fundar igrejas nos seus domínios além-mar.

No século XVIII, essa tutela real sobre a Igreja alargou-se, quando o papa Bento XIV concedeu aos reis portugueses o privilégio de proporem à Santa Sé também os candidatos a bispos das dioceses da metrópole. Oitenta anos depois, dando expressão às ideias liberais do Iluminismo, a Carta Constitucional de 1826 concentrou na Coroa – ou seja, nas mãos do governo – a nomeação de todos os párocos e demais detentores de ofícios eclesiásticos, para além do já adquirido direito de apresentação ao Papa dos candidatos ao episcopado. Na prática, a tutela do Estado sobre a Igreja Católica deixava de ser vista como privilégio concedido pelo papa, e a Igreja era agora encarada como “corporação pública”.2

Com a instauração da República, o governo tentou, em relação à Igreja Católica, adoptar o regime anterior. Mas os bispos resistiram. Então, a 20 de abril de 1911 foi publicada a Lei de Separação do Estado das Igrejas. Durante séculos, a Igreja Católica tinha procurado conjugar a sua natureza e missão com os serviços que prestava aos interesses do Estado. Uniformizara o tecido religioso da nação e beneficiara, por isso, de um reconhecimento e proteção especiais e a restrição de qualquer concorrência. Às demais confissões religiosas, mesmo com o advento do Liberalismo, era tolerada quanto muito a prática em privado. Agora, caíam sobre a própria Igreja Católica restrições que não conhecera até aí, e a brusca mudança foi sentida por muitos como perseguição. Passou-se da “doirada sujeição do liberalismo” à “separação jacobina do laicismo”3, comentou mais tarde o Cardeal Cerejeira. Apesar disso, os bispos, muitos dos quais desterrados das suas dioceses, seguiram a 1 Na ausência de uma instância extraterritorial equivalente ao papa, a relação entre trono, altar e academia evoluiu de forma diferente no mundo bizantino e nos territórios onde a Reforma Protestante ou a Igreja Anglicana se afirmaram. A constituição norte-americana inaugurou um novo paradigma, ao proibir a interferência do estado e do poder político na vida religiosa dos cidadãos.2 Jorge Miranda. Sobre a Lei de Separação do Estado da Igreja de 1911. 1118-2437.pdf (icjp.pt), p. 4. As congregações religiosas continuavam, em grande parte, a ter nos seus “gerais” uma autoridade extraterritorial, o que ajuda a explicar o desagrado do Marquês de Pombal com os Jesuítas e a expulsão das ordens religiosas e apropriação dos seus bens pelo Estado, tanto pelos Liberais como pela I República.3 Na Hora do Diálogo. União Gráfica. Lisboa 1967. A lista de desacatos da populaça contra a Igreja Católica e de expropriações e outras medidas governamentais ocupa uma coluna inteira do artigo de Manuel Braga da Cruz, “Igreja e Estado”. In Dicionário de História Religiosa de Portugal. Vol. C-I. Círculo de Leitores. Lisboa 2000, p. 406.

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orientação do papa e optaram por não combater a mudança mas ver nela uma oportunidade. Em vez do confronto, elegeram uma nova independência em relação ao Estado cuja formulação jurídica viria a ser consignada, anos mais tarde, na Concordata de 1940.

A doutrina da Igreja sobre a “liberdade religiosa”

As repercussões da Revolução Francesa na península italiana e em Roma resultaram no exílio de três papas, nas primeiras décadas do século XIX. Enfrentando o novo ambiente cultural e político, e tendo ele próprio sido obrigado a fugir por algum tempo de Roma, o Pio IX condenou uma lista de doutrinas liberais, entre as quais o conceito de liberdade de consciência – a que se associava a liberdade religiosa. O papa considerava inaceitável que se afirmasse a autonomia do indivíduo a ponto de entendê-lo livre da obrigação fundamental de procurar a verdade, e sem qualquer dever de obediência à autoridade legitimamente constituída, fosse ela civil ou religiosa.

Ganharam ascendente, a partir daí, na Igreja Católica, dois princípios já implícitos na gestão da questão religiosa um pouco por toda a Europa: primeiro, que só a Verdade tinha direitos; segundo, que a disseminação de doutrinas erróneas punha em causa a estabilidade do tecido político e social de uma nação, e devia, portanto, ser impedida. Assumindo a Igreja Católica – como terceira premissa – que era ela a detentora da Verdade religiosa, retirava daí o corolário que os países de maioria católica deviam adoptar o catolicismo como religião de Estado e restringir a prática religiosa das demais confissões ao domínio privado. Nos países em que fosse minoria, porém – como nos EUA e na Grã-Bretanha –, a Igreja Católica batia-se por lhe ser reconhecida a liberdade de associação, de culto e de missionação.

Esta política de dois pesos e duas medidas, embora comum a várias confissões religiosas, feria o sentido de equidade e tornava-se cada vez mais insustentável nas sociedades plurais do século XX. A questão foi retomada, por isso, no Concílio Vaticano II (1962-1965). O debate foi longo e difícil, até que por fim os padres acordaram num “ovo de Colombo”, e a reflexão evoluiu: as doutrinas, verdadeiras ou não, não são detentoras de direitos; só as pessoas o são. Nasceu assim a “Declaração sobre Liberdade Religiosa Dignitatis humanae” (1965), tida por alguns como o documento mais revolucionário do Concílio. A pessoa e as comunidades humanas têm direito à “liberdade social e civil em matérias religiosas”, o que “deve ser reconhecido e sancionado como direito civil no ordenamento jurídico da sociedade”. Contudo, não se trata de um direito absoluto. Antes assenta nos princípios: que “todos têm o dever de buscar a verdade [… mas] a verdade não se impõe de outro modo senão pela sua própria força, penetrando nos espíritos de um modo ao mesmo tempo suave e forte”.4

Outros documentos completaram esta transformação. O “Decreto Unitatis Redintegratio sobre o Ecumenismo” (1964) assinalou a entrada da Igreja Católica no movimento ecuménico, que há décadas promovia o diálogo e a colaboração entre confissões, comunidades e Igrejas cristãs. Na “Declaração Nostra Aetate sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs” (1965), aprovada na sessão seguinte, o Concílio, sem ocultar a missão de anunciar Jesus Cristo: deplorou “todos os ódios, perseguições e manifestações de anti-semitismo, seja qual for o tempo em que isso sucedeu e seja quem tenha sido a pessoa que os promoveu” (4); sublinhou as referências religiosas e os valores morais partilhados com o Islão (3); e olhou “com sincero respeito os modos de agir e viver, os preceitos e doutrinas [das demais religiões] que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que [a Igreja Católica] segue e propõe, todavia, reflectem não raras vezes um raio da verdade que ilumina a todos” (2).

O contexto da Lei da Liberdade Religiosa

Em maio de 1975, em Portugal, dez anos depois do Concílio e na sequência da Revolução de Abril, foi revista e assinada uma emenda à Concordata de 1940, estendendo o divórcio civil a pessoas casadas na Igreja Católica. Mas em termos do reconhecimento geral de direitos e liberdades, a Igreja Católica era ainda a excepção entre as confissões religiosas. Os princípios consagrados na Constituição de 1976 tornaram mais flagrante essa discrepância. Faltava uma definição jurídica da liberdade religiosa alargada a todas as confissões legitimamente constituídas. Foram necessários, porém, 25 anos até se aprovar a Lei da Liberdade Religiosa de 2001.

A Lei foi publicada pouco antes da destruição das Torres Gémeas em Nova Iorque. Não se tratou, portanto, de uma reacção ao conflito internacional de feição religiosa que eclodiu em setembro desse ano. Pelo contrário, a legislação portuguesa acolhia e enquadrava juridicamente um clima de respeito mútuo e diálogo amadurecido entre as confissões religiosas. Elas partilhavam já o acesso aos meios públicos de comunicação, e intervinham conjuntamente em eventos como a Expo 98. Se dificuldade havia, era que o Estado reconhecesse a relevância social e cultural das confissões, e os direitos fundamentais dos seus membros em matéria religiosa.

A Igreja Católica observava a evolução do processo com alguma apreensão. Atenta aos ventos de positivismo, laicismo e ateísmo militante que nos séculos XIX e XX varreram a Europa do Sul e do Leste, e consciente da secularização do Ocidente, preocupava-se que viesse a perder, em Portugal, os direitos e a autonomia tão dificilmente alcançados com a Concordata de 1940, sob o pretexto de se respeitar por igual todas as religiões. É verdade que a doutrina do Concílio Vaticano II pedia um reconhecimento alargado da liberdade religiosa. Contudo, a dificuldade em abrir espaço para o estudo do fenómeno religioso na educação, a ignorância de alguma opinião pública quanto à vida

comunitária, os serviços prestados à sociedade e a relevância cultual das confissões, não faziam prever a solução positiva que acabou por emergir na formulação da Lei.

Entretanto, a nível internacional o papa João Paulo II ressituava a questão religiosa. Retomando as orientações do Concílio, e apesar de forte resistência interna, promoveu em outubro de 1986 o primeiro Encontro de Assis, para o qual convidou altos representantes das religiões do mundo. Foi um gesto inédito; realizado em Assis, não em Roma, para evocar o desprendimento e a fraternidade universal de São Francisco. Juntos, comprometeram-se a promover o diálogo entre as suas tradições religiosas e a paz entre os povos. Atendendo à repercussão da iniciativa, o papa incumbiu a Comunidade de Santo Egídio de reeditar anualmente um grande encontro inter-religioso do mesmo género em cidades diferentes pelo mundo fora. Coube a Lisboa acolher o XIII Encontro Internacional de Povos e Religiões, “Oceanos de Paz. Religiões e Culturas em Diálogo”, em setembro do ano 2000. Organizado com a colaboração do Patriarcado de Lisboa e da Fundação Mário Soares, o evento foi um sucesso mediático, mas sobretudo consolidou os laços entre as confissões religiosas em Portugal e preparou o terreno para a Lei da Liberdade Religiosa, aprovada um ano depois.

Decorridos 20 anos, está provado que em Portugal o convívio entre as confissões religiosas é pacífico e construtivo. Instâncias existem que facilitam a integração das comunidades, a justa aplicação da Lei e a promoção do diálogo entre dirigentes. As redes de solidariedade que se alargam a partir de cada confissão contribuem para atenuar desigualdades, acolher imigrantes, integrar periferias, discernir valores e responder às inquietações espirituais e religiosas de muitos.

Do património espiritual das suas comunidades religiosas, o país aguarda apoio no discernimento dos caminhos de fraternidade, e uma avaliação crítica do que melhor serve o bem comum de todos.

25.09.2000 - Caminhada pela Paz. Rossio, Lisboa

4 Dignitatis humanae, 1.

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Portugal 2001-2021 União Budista Portuguesa

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Testemunhos

Enquadramento histórico

Após o 25 de Abril, no novo quadro legal de liberdade e igual dignidade de todos os cidadãos, na Carta Política de 10 de abril de 1976, consagra-se a liberdade de ter, de não ter, de deixar de ter, de passar a ter e de mudar de religião, alterando a visão da identidade religiosa cristã de Portugal, até aí tida. Este quadro jurídico foi depois elaborado e tornado mais abrangente na Lei da Liberdade Religiosa de 2001. Celebramos este ano os 20 anos da sua implementação que legitimou às comunidades religiosas minoritárias, a dignidade de usufruir da liberdade de consciência, de crença, e culto.

Na sequência da Lei da Liberdade Religiosa surgiu a Comissão para a Liberdade Religiosa, em 2003, cujas atribuições incluem, entre outras, “a protecção do exercício da liberdade religiosa, de controlo da aplicação, desenvolvimento e revisão da Lei da Liberdade Religiosa, de pronúncia sobre as matérias relacionadas com a mesma lei e, em geral, com o direito das confissões religiosas em Portugal”. Mais tarde, em 2009, a par

do Regulamento da Lei da Assistência Espiritual e Religiosa no Serviço Nacional de Saúde, surgia o Grupo de Trabalho Inter-Religioso Religiões e Saúde, o GTIR, integrado pela União Budista Portuguesa (UBP).

Com o intuito de zelar para que a prestação do serviço de assistência espiritual das várias confissões se efectue nos espaços hospitalares, este grupo foi e continua a ser de extrema importância, pelo seu pioneirismo no trabalho conjunto e reflexão sobre a experiência da espiritualidade em situações de vulnerabilidade humana. Em 2014, surge o Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR) no âmbito das atividades do departamento das Ciências das Religiões da Universidade Lusófona, que numa ação cívica e académica pretende observar o fenómeno Religioso, no respeito pelo princípio das liberdades associativa, individual e de consciência.

Em 2015, é criado o Grupo de Trabalho Inter-religioso, o GT-DIR, dinamizado pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM), o qual a UBP integrou. Entre outros objetivos como a concretização de atividades conjuntas, é também competência do GT-DIR analisar o panorama geral da diversidade religiosa em Portugal e no contexto europeu, assim como avaliar e responder conjuntamente a fenómenos e acontecimentos de base religiosa e cultural relevante na sociedade portuguesa. Fazer parte deste percurso do GT-DIR, tem sido para a UBP um privilégio e uma aprendizagem. Partilhamos do mesmo ideal, tal como está enunciado na publicação Diálogo Inter-religioso no tempo e 33 ideias para pensar e agir, do ACM, 2011, onde se afirma que “o diálogo é uma forma de estar, de ser e de viver o que cada um é e acredita. Deste modo, nunca estará concluído nem acabado”.

Para a UBP o ano de 2016 foi um marco. Salienta-se a nomeação de um especialista em religião budista para a Comissão da Liberdade Religiosa, e a intensificação nos anos seguintes do diálogo e encontro inter-religioso, do estreitamento de relações com as várias confissões, num trabalho conjunto para a paz, harmonia e responsabilidade social, derivado do foco da Presidência da República nestes temas. Realçamos o mérito do debate de questões éticas fundamentais para toda a sociedade, em particular a discussão nestes últimos anos sobre a problemática da legalização da eutanásia que levou à elaboração de uma Declaração Conjunta das várias confissões sobre esta matéria.

A Presença do Budismo no Ocidente e em Portugal

O Budismo é uma religião com cerca de 2600 anos, fundada a partir dos ensinamentos do Buda Shakyamuni e nos seus princípios de não-violência e visão da interdependência. A presença do Budismo na Europa começa a estabelecer-se de uma forma mais consistente a partir dos

anos 60, com a vinda de mestres do Japão, do Vietname, da Índia, do Tibete, entre outros. Inicialmente as comunidades monásticas e laicas estabeleceram-se principalmente no Reino Unido, Alemanha e em França, tendo-se posteriormente espalhado por outros países europeus. Em 1975 é fundada a União Budista Europeia (UBE).

Em Portugal destaca-se a visita do mestre zen Taisen Deshimaru no início dos anos 70 e uma década mais tarde instalaram-se o zen japonês e o Budismo tibetano, sendo seguidos nos anos 90 pelas tradições chinesa, tailandesa e vietnamita. A partir de 2000, com o crescente número de praticantes e interesse dos portugueses, o nosso país passa a ser ponto de visita de grandes mestres de renome mundial dos quais se destaca S.S. o Dalai Lama, S.S Sakya Trizin e S.E. Garchen Rinpoche da tradição tibetana, Raphaël Dôkô Triet da tradição

zen japonesa, Luang Por Sumedo da tradição theravada tailandesa e o mestre Hsing Yun da tradição chan chinesa.

A União Budista Portuguesa é formalmente constituida em 1997, para agregar e apoiar os praticantes e comunidades budistas no nosso país, iniciando-se um percurso mais comprometido para com o Budismo em Portugal e no seu papel ativo para uma cidadania inclusiva.

Uma data importante foi a primeira visita de Sua Santidade, o Dalai Lama, e dos temas abordados do diálogo Inter-religioso e da defesa dos valores da liberdade. Pelo seu empenho nestas causas, foi-lhe atribuido o Prémio Nobel da Paz em 1989. Nessa sua primeira visita, como convidado de honra do Porto - Capital Europeia da Cultura, SSDL proferiu uma conferência, perante mais de 5 mil pessoas, intitulada “Percursos Éticos no Futuro”, integrada no ciclo “O Futuro do Futuro”. Em Fátima, com o Bispo de Leiria-Fátima, fez um momento de meditação na Capelinha das Aparições e confessou-se comovido com a imagem de Nossa Senhora. Apelou depois ao diálogo inter-religioso, considerando que “todas as religiões têm o mesmo potencial de transformar as nossas emoções em emoções positivas”. Em 2007, a sua segunda visita ao nosso país, foi marcada evento histórico na Mesquita Central de Lisboa, a Sua primeira visita a uma mesquita.

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Inspirado no seu trabalho e no trabalho de várias outras figuras budistas do diálogo inter-religioso, este projecto na UBP tem sido alinhado com os seguintes pontos: encontrar a base comum que nos torna idênticos como seres humanos, respeitar a diferença através do respeito e aceitação e finalmente preservar a diversidade, tendo consciência de que a contribuição de cada religião é essencial.

A UBP partilha também dos mesmos valores expressos pela União Budista Europeia, da qual é membro, dos quais salientamos: o apoio à implementação dos Direitos Humanos, igualdade e responsabilidade individual para todos, independentemente da etnia, género, orientação sexual, língua, religião, nacionalidade, origens sociais, estatuto de nascimento ou qualquer outra distinção; e a partilha dos valores que inspiraram os fundadores do Conselho da Europa e da União Europeia: de criar e manter a paz, solidariedade e diversidade em toda a Europa, após séculos de guerra e discriminação, através de Estados livres, democráticos, abertos e não discriminatórios.

Recentemente, a propósito da situação de pandemia em que nos encontramos, Pema Wangyal Rinpoche, Presidente da Songtsen – Casa da Cultura do Tibete, membro honorário da UBP, relembrava o compromisso de Sua Santidade o Dalai Lama de respeitar todas as religiões, comum a todos os Mestres, salientando que no Budismo, “se deve desejar o bem

e a felicidade a todos e não estabelecer barreiras entre as religiões ou entre crentes e não crentes”. E como budistas.[...] “devemos prezar todos aqueles que trazem alguma paz aos nossos companheiros seres humanos [...] devemos realmente estimar e respeitar todas as formas de crença, e mesmo aqueles que não são crentes, que têm o direito a não crer. Todos têm o direito de pensar como querem pensar. Este é o tipo de direitos que estamos à procura, de direitos humanos, os direitos de todos”.

Budismo, democracia e paz

O Buda ensinou que estamos todos interligados. O conceito de interdepêndencia entre todas as coisas, tão importante para o Budismo, está na base do princípio de causalidade dos fenómenos e determina a nossa experiência no mundo, assim como a nossa transformação interior. É por ter consciência desta interdependência, num ciclo contínuo de causas e efeitos, que se torna importante desenvolver uma ação positiva no mundo e abster-se de causar sofrimento. Esta base de respeito teve o seu fruto na comunidade budista em Portugal. “Apesar destas duas religiões [Budismo e Hinduísmo] se relacionarem de forma bastante distinta com a restante sociedade portuguesa e de opinarem de forma diferente sobre as causas e consequências da discriminação religiosa em Portugal, encontram-se aqui agrupadas na medida em que ambas referem uma quase ausência de comportamentos discriminatórios contra os membros da sua comunidade. De facto, a discriminação dita “social” é, na opinião dos líderes hindus e budistas, muito pouco relevante em Portugal, e a existência de estereótipos negativos sobre estas religiões não alcança, para eles, uma expressão significativa no nosso país”.1

Apesar de alguma reserva, em situações pontuais, desde o seu início que os grupos budistas não sentiram no povo português nenhuma hostilidade. Antes pelo contrário. Os monges da comunidade monástica Theravada da tradição da Floresta, na Ericeira, saem todos os dias para receber oferendas de alimentos e fazem-no em silêncio. Em nenhum momento, nestes oito anos, a população da Vila da Ericeira deixou de lhes dar esse apoio. No início as pessoas perguntavam-lhes o que estavam a fazer nas ruas, mas agora, até mesmo quando vão à missa, a oferta aos monges não fica esquecida. Claustros de mosteiros acolheram retiros de Zazen, onde a harmonia do silêncio continua a ser praticada.

Na Serra do Malhão, no Algarve, onde também se instalou uma comunidade, as bandeiras de oração, os cânticos e o stupa - um monumento budista – suscitaram de início algumas inquietações, entre as aldeias próximas, que rapidamente se desfez e foram acolhidos. Da mesma forma que tem havido esta aceitação, as comunidades budistas têm oferecido a sua contribuição à sociedade e nesse sentido a Lei da Liberdade Religiosa, tem feito toda a diferença. Alguns exemplos são o apoio espiritual nas prisões, o diálogo com o mundo académico e da saúde, em especial na área da psicologia que começam a reconhecer os

benefícios da prática da meditação budista, tanto do mindfulness com o do loving-kindness, que podem ser adoptados por quem esteja interessado independentemente da sua religião ou crença.

Em termos internacionais a UBP inicou a colaboração nas Metta Conventions, encontros anuais internacionais com objetivo de criar awareness para o desenvolvimento da sabedoria e compaixão, onde as várias tradições budistas se encontram com as religiões locais, nos vários países de acolhimento, para a prática e promoção do amor incondicional e solidariedade nas comunidades.

Em termos futuros gostaríamos de terminar com as palavras de Sua Santidade, o Dalai Lama sobre a articulação de valores como o amor e a bondade, com os de uma

sociedade democrática que em si mesma proporciona a vivência da liberdade e a construção da paz:

“Atualmente, os valores da democracia, sociedade aberta, respeito pelos direitos humanos e igualdade estão a tornar-se reconhecidos em todo o mundo como valores universais. A meu ver, existe uma ligação íntima entre os valores democráticos e os valores fundamentais da bondade humana. Onde há democracia, há uma maior possibilidade para os cidadãos do país expressarem as suas qualidades humanas básicas, e onde estas qualidades humanas básicas prevalecem, há também uma maior margem para reforçar a democracia. Mais importante ainda, a democracia é também a base mais eficaz para garantir a paz mundial. Contudo, a responsabilidade de trabalhar pela paz recai não só sobre os nossos líderes, mas também sobre cada um de nós individualmente. A paz começa dentro de cada um de nós. Quando temos paz interior, podemos estar em paz com aqueles que nos rodeiam. Quando a nossa comunidade está num estado de paz, pode partilhar essa paz com as comunidades vizinhas e assim por diante. Quando sentimos amor e bondade para com os outros, não só faz com que os outros se sintam amados e cuidados, mas também nos ajuda a desenvolver a felicidade interior e a paz. Podemos trabalhar conscientemente para desenvolver sentimentos de amor e de bondade. Para alguns de nós, a forma mais eficaz de o fazermos é através da prática religiosa. Para outros, pode ser através de práticas não religiosas. O que é importante é que cada um de nós faça um esforço sincero para levar a sério a nossa responsabilidade uns pelos outros e pelo mundo em que vivemos”.2

Temos um caminho a percorrer e com a celebração destes 20 anos da Lei da Liberdade Religiosa de 2001 fazemos a aspiração de que o caminho de paz, harmonia e liberdade que temos vindo a trilhar se mantenha e desenvolva em Portugal e em todo o mundo.

Sua Santidade, o Dalai Lama na Mesquita de Lisboa

4 Dignitatis humanae, 1.

1 Soares, P. P., Santos, T. F. P. D., & Tomás, M. I. (2018). A discriminação religiosa na perspetiva das confissões minoritárias. In Liberdade Religiosa: Prémios 2010 | 2011| 2012 | 2017 (pp. 11-53). Secretaria Geral do Ministério da Justiça.

2 https://www.dalailama.com/messages/world-peace/human-rights-democracy-and-freedom

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Liberdade Religiosae Diálogo Inter-religioso em

Portugal 2001-2021União Portuguesa

dos Adventistasdo Sétimo Dia

Paulo Sérgio MacedoUnião Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia

(1) https://www.irla.org (2) Revista Signs of the Times, 22 de novembro de 191Sítio oficial: www.adventistas.org.pt / www.aidlr.org.pt

Testemunhos

do Governo Provisório, Dr. Afonso Costa, sobre a liberdade de culto, antes da Lei da Separação, de 1911. No fundo, na simplicidade dos escritos de um missionário, está aqui patente a visão de que a liberdade religiosa é um direito fundamental, universal e inalienável, que deve ser materializado nas leis que governam as sociedades, mas que é primeiramente encarado como uma dádiva e uma bênção vindas de Deus.

Desde esses anos do início do século passado, a realidade da Igreja e dos seus crentes em Portugal tem sido a de praticar e partilhar a fé e participar na vida social, procurando sempre interpretar os tempos e a sua influência sobre a liberdade religiosa. Tempos esses nem sempre fáceis, em que se passaram décadas sem reconhecimento oficial e sem equidade de direitos para as igrejas minoritárias; tempos que foram também de preconceito e de discriminação na sociedade, em diversos pontos de diferença cultual, nomeadamente em relação à observância do Sábado como dia de descanso religioso e aos efeitos dessa opção individual de consciência nos mundos dos estudos e do trabalho. Hoje, num tempo de liberdade, respeito e abertura sem precedentes, é justo relembrá-lo, em homenagem a todos os que sofreram por essas razões.

É por isso que a celebração das datas significativas que, no nosso País, tiveram impacto no usufruto da liberdade religiosa é tão necessária: para que nos lembremos como era antes e como passou a ser depois. O ano de 1911 trouxe a Portugal a separação entre o Estado e as Igrejas, princípio constitucionalmente respeitado desde então. Sessenta anos depois, as comunidades religiosas foram reconhecidas, como tais, pelo Estado. Mas só no ano de 2001 se caminhou para o nivelamento do conjunto de direitos das comunidades religiosas e dos seus crentes, fazendo cumprir os princípios constitucionais de igualdade e de não discriminação dos cidadãos perante a Lei. Esse é o significado maior e último da existência deste documento legal, que trouxe com ela um impacto na vida dos cidadãos, das comunidades, do relacionamento destas entre si e de cada uma com o Estado.

Quando olhamos para a Lei 16/2001, verificamos que é um texto completo e minucioso, que se orienta desde o mais essencial da liberdade de consciência, culto e religião para o mais concreto e funcional da sua aplicação. Ele concretiza os princípios constitucionais de liberdade religiosa, separação entre Estado e Religiões, não confessionalidade, e introduz o desafio novo da cooperação em valores fundamentais; passa pela definição dos direitos individuais, coletivos e o estatuto das comunidades religiosas; alarga a possibilidade de acordo com o Estado às comunidades religiosas; e cria uma Comissão de aplicação, acompanhamento, observação e consulta em matéria

A Igreja Adventista do Sétimo Dia nasceu no ambiente de reavivamento espiritual e de interesse pelo estudo bíblico vivido em meados do século XIX nos Estados Unidos da América. Ao longo do tempo, para além do crescimento como congregação, construiu ferramentas de apoio à sua mensagem evangélica e de contributo para a vida e a organização sociais, nas áreas de educação, saúde e assistência, pelas quais é hoje reconhecida. Como minoria religiosa, mas principalmente pela compreensão dos valores cristãos e bíblicos em relação à individualidade, à liberdade e à responsabilidade pelo outro, também desde muito cedo valorizou a defesa e a promoção do princípio da liberdade religiosa e incentivou a criação de estruturas de apoio a todos os que são discriminados e perseguidos por motivo da sua crença. Por isso foi fundada, em 1893, a IRLA – International Religious Liberty Association, que, nos seus estatutos, anunciava que iria “divulgar os princípios da liberdade religiosa em todo o mundo; defender e salvaguardar o direito civil de todas as pessoas de adorar ou não adorar, adotar uma religião ou crença da sua escolha, para manifestar as suas convicções religiosas em observância e ensino, sujeitas apenas ao respeito pelos direitos equivalentes dos outros”(1). Para além desta visão da liberdade religiosa, os primeiros Adventistas do Sétimo Dia cultivavam o hábito de visitar e se apresentar aos líderes das denominações dos lugares onde se implantavam, na procura de um diálogo aberto e confluente nos assuntos comuns, nomeadamente a própria liberdade religiosa, o relacionamento com o Estado e o apoio aos mais desfavorecidos. É nestes dois pilares que se funda, até hoje, a ação dos Adventistas quanto à liberdade religiosa e ao diálogo institucional.

Clarence e Mary Rentfro foram os primeiros missionários Adventistas a chegar a Portugal, em 1904. Este casal procurou de imediato conhecer a realidade portuguesa e apresentar-se às autoridades eclesiásticas e públicas locais, deixando registo da sua passagem através de numerosos artigos para revistas denominacionais. Por exemplo, relatam que, a 14 de outubro de 1910, nove dias após a Implantação da República e num país em ebulição, um conjunto de irmãos adventistas do sétimo dia, que havia muito pouco tempo tinham aceitado a mensagem trazida por Rentfro, entregaram ao Presidente do Governo Provisório da República um texto sobre a liberdade religiosa e informações sobre os princípios da nova fé. Relatam ainda que, no sábado seguinte, o Ministro do Interior escreveu aos Governadores Civis sobre a obrigatoriedade do respeito pelo culto, independentemente da sua origem. Clarence Rentfro escreveu o seguinte sobre estes desenvolvimentos no país em que era pioneiro: “Recebemos estas notícias como um grande motivo de regozijo na nossa primeira reunião de Sábado após a revolução. (...) Ao nosso Deus sejam dados louvor, honra e glória, para sempre” (2). Rentfro relata também uma reunião com o futuro Ministro da Justiça

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relacionada com a Religião e as comunidades religiosas.

Na prática e na atuação da Igreja Adventista do Sétimo Dia, esta Lei teve um impacto muito relevante, quer institucional quer eclesiástico. É necessário compreender tudo o que não era legalmente previsto, e, logo, possível, antes da entrada em vigor da Lei, para perceber o seu alcance. A União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia tornou-se numa igreja com estatuto de radicada em Portugal no ano de 2007, a quinta comunidade a completar tal processo. Desde então, por exemplo, os casais que o desejem podem ver o seu casamento religioso, celebrado por um Ministro do Culto credenciado para o efeito, produzir efeitos civis, o que só acontecia até então na Igreja maioritária. Após 2009, e decorrente da regulamentação desta Lei, um Ministro do Culto passou a ter a possibilidade de visitar um doente num hospital, a seu pedido, fora do horário das visitas... algo tão simples, mas que fez uma grande diferença na reserva da intimidade, nomeadamente, em momentos de consolo e oração; oportunidade, aliás, que deu origem a um interessante e relevante projeto de diálogo e cooperação entre as comunidades, no âmbito do Grupo de Trabalho Inter-religioso Religiões-Saúde.

É inegável que este novo quadro geral proporcionou um novo conjunto de oportunidades de vivência da fé e de intervenção na vida social às comunidades religiosas; mas também, num elemento que não é de menor importância, conferiu nova legitimidade e dignidade à presença e à prática das comunidades religiosas, abrindo-lhes o espaço público, em liberdade e em oportunidade, de uma forma que lhes trouxe respeito e visibilidade e uma noção de equidade nos seus crentes, como cidadãos.

Para os Adventistas do Sétimo Dia, em especial, a Lei da Liberdade Religiosa e a interpretação do seu espírito trouxeram, ainda, um outro suplemento de liberdade. O artigo 14º da Lei da Liberdade Religiosa, que se refere ao direito à observância de dias de descanso por motivos religiosos, conferiu segurança jurídica a um direito fundamental,

indispensável para a vivência da fé Adventista em consciência. Veio, aliás, concretizar no quadro legal português legislação internacional sobre a matéria. A partir da entrada em vigor da Lei, os alunos e os trabalhadores adventistas viram ser-lhes concedida a oportunidade de viver o seu dia de adoração, com a consequente legítima dispensa de aulas e interrupção do trabalho, de uma forma gradualmente mais generalizada. E, mesmo quando a interpretação restritiva, felizmente minoritária, de empregadores relativamente a esse direito o pôs em causa, quer o Governo quer os Tribunais repuseram tal possibilidade num nível de acomodação proporcional desse direito.

É também por este quadro legal, para lá do próprio espírito do tempo, que surge o contexto do presente espaço de Diálogo Inter-religioso. É verdade que existiram, no passado, iniciativas bilaterais e multilaterais de diálogo entre as comunidades, no interesse e no ritmo de cada uma, de que as mais interventivas darão testemunho. E deve também ser registada a oportunidade fornecida pelo Estado às confissões, desde há décadas, para o usufruto de espaços de emissão televisiva e radiofónica nos canais públicos. Mas é inegável que um ambiente distinto surgiu após a Lei da Liberdade Religiosa, por iniciativa dos Governos e por predisposição das comunidades radicadas.

A partir de meados da década de 2000, é revelada uma preocupação de valorização do papel e do encontro entre as comunidades religiosas, mais visíveis também pela sua presença e participação na Comissão da Liberdade Religiosa, em cursos universitários e fóruns científicos sobre o fenómeno religioso e no aumento sensível da variedade e diversidade das crenças presentes em Portugal, fruto de imigração. Portugal ia mudando, e, com tal mudança, o quadro e os relacionamentos religiosos também se iam alterando. O ano de 2014 marca um novo espaço de relacionamento entre as comunidades religiosas, agora promovido pelo Estado. O convite a várias comunidades religiosas radicadas no País para o início de um processo de contacto organizado deu origem ao Grupo de Trabalho para o Diálogo Inter-religioso, hoje com 14 elementos representativos, que traz à existência esta publicação. Com reuniões regulares, praticamente mensais, este tem sido um espaço de encontro, de partilha de cosmovisões, de discussão, e, por vezes até, de interajuda em questões específicas. Um espaço onde, para além da representação oficial que obriga cada membro, se têm vindo a construir laços de respeito e amizade. Merecem uma palavra de relevo e gratidão as Coordenadoras do Grupo, colaboradoras do Alto Comissariado para as Migrações, Cristina Milagre, Neila Karimo, Cristina Rodrigues e Ana Ramos, bem como os Altos Comissários e a sua tutela.

Vale a pena uma reflexão sobre as razões que levam a que tal Grupo exista e se mantenha, com as características atrás descritas. Em primeiro lugar, sendo o convite para a participação e a coordenação por parte

de uma agência governamental, as comunidades sentem estar num patamar de igualdade, voluntário e de boa vontade. Em segundo lugar, tem havido uma procura, respeitosa e paciente, de consenso em relação a todos os temas e atividades propostos e definidos, preferindo sempre o estar junto do que o ir mais longe. Em terceiro lugar, uma consciência comum de que os objetivos são os de promover o encontro e o debate, sem agenda final que não o contributo para a liberdade religiosa, a paz, a solidariedade e o apoio à integração.

Desde então, em nome do Grupo, foram realizados congressos e conferências, presenciais e online; encontros de jovens pertencentes às comunidades, que até ganharam marca: MEET-IR; reuniões nos diferentes templos, com apresentações de princípios, valores, história, património e hábitos; e, agora, até esta publicação. Para além de tudo isto, e em nome da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, que em 1978 viu nascer uma Secção Portuguesa apoiada pela Igreja Adventista, foi um privilégio ter recebido o Grupo na entrega do Prémio Consciência e Liberdade ao Prof. Doutor Jorge Miranda, em 2018, e organizado uma conferência em conjunto com o Grupo, em 2019, no Porto, com o título “A Força da Moderação numa Era de Extremos”.

Em todo este ambiente, merece relevo a ação de S. E. o Senhor Presidente da República, valorizando, no início dos seus mandatos e com a visita às comunidades religiosas, a presença e o contributo de cada uma, constituindo-se, institucional e pessoalmente, como promotor desse respeito e dignidade legalmente adquiridos. Foi, assim, com honra e satisfação, que, em 2018, o Templo Central de Lisboa recebeu oficialmente o Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa.

Por todas estas razões, merecem ser celebrados os vinte anos da Lei da Liberdade Religiosa. E relembrada a ação daqueles que a imaginaram, construíram e trouxeram à existência. Entre eles, o Dr. José Eduardo

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Vera Jardim, que deu início ao processo de discussão pública deste tão necessário documento, no qual participou o então Presidente da União Portuguesa dos Adventista do Sétimo Dia, Pastor Mário Brito; Dr. Vera Jardim que foi também o deputado primeiro subscritor do projeto-lei no Parlamento, e é o atual Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, tendo sido, nestas funções, co-proponente (com o na altura Alto Comissário Dr. Pedro Calado) da criação do Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religioso, votada unanimemente no Parlamento. O seu nome, pela sua intervenção institucional e presença pessoal, está perenemente gravado nesta História. Relembramos a preparação do texto e o contributo do Juiz Conselheiro José de Sousa Brito. Relembramos a dedicação nas exigentes funções de Presidente em Exercício, por um longo período, do Dr. Fernando Soares Loja. Relembramos todos os dirigentes, públicos e eclesiásticos, que valorizaram e valorizam esta Lei, o seu espírito, o seu cumprimento e a convivência respeitadora dos direitos constitucionais por ela concretizados.

A liberdade religiosa é o espaço comum sagrado onde a consciência, o culto e a religião veem reconhecidos o seu inestimável valor, que deve estar ao dispor de todos. Que este seja um momento de celebração, mas também de profunda reflexão, para que o esforço feito para chegarmos até aqui seja honrado com o nosso contributo, ainda mais esforçado, para o defender e aprofundar, concretizando a liberdade e respeitando a diferença.

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