gabriel de moura pereira ideologia, trabalho e conflito
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GABRIEL DE MOURA PEREIRA
Ideologia, trabalho e conflito social em Ribeirão Preto no início do século XX
Trabalho de conclusão de curso de História do Centro Universitário Barão de Mauá para obtenção do título de licenciatura. Orientador: Prof. Dr. Felipe Ziotti Narita
RIBEIRÃO PRETO – SP
2018
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Bibliotecária Responsável: Iandra M. H. Fernandes CRB8 9878
P491i
PEREIRA, Gabriel de Moura
Ideologia, trabalho e conflito social em Ribeirão Preto no
início do século XX/ Gabriel de Moura Pereira - Ribeirão Preto,
2018. 62p.il
Trabalho de conclusão do curso de Licenciatura Plena em
História do Centro Universitário Barão de Mauá
Orientador: Prof. Dr. Felipe Ziotti Narita
1. Vida urbana 2. Industrialização 3. Conflitos sociais I.
NARITA, Felipe Ziotti II. Título
CDU 94(815.6)
GABRIEL DE MOURA PEREIRA
Ideologia, trabalho e conflito social em Ribeirão Preto no início do século XX
Trabalho de conclusão de curso de História apresentado ao Centro Universitário Barão de Mauá para obtenção do título de licenciatura.
Data de aprovação: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
___________________________________ Prof. Dr. Felipe Ziotti Narita Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto ___________________________________ Prof. Me. Rafael Cardoso de Mello Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto ___________________________________ Prof. Me. Osmair Severino Botelho Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto
Ribeirão Preto 2018
AGRADECIMENTOS
No decorrer de todo o processo de produção não apenas desta
monografia, mas também de alguns outros projetos acadêmicos, aprendi várias
coisas sobre a faculdade, sobre mim e sobre as pessoas ao meu redor. Porém,
a parte que julgo mais importante durante todo esse aprendizado é a que foi
mais dura de se aprender: eu não sou feito de aço. O estresse que a faculdade
traz ao discente é novidade. Muitos acabaram de sair do ensino médio e não
sabem ainda lidar com o ritmo e a maneira como uma instituição universitária
funciona e, se não tivermos a dosagem certa de cuidado, podemos acabar com
uma crise nas mãos. Sendo assim, durante todo o percurso dos três anos do
curso, utilizei diversas maneiras de lidar com a faculdade a minha própria
maneira, talvez não muito ortodoxas em alguns casos, mas eficazes. Por isso,
talvez seja complicado pensar em uma maneira de agradecer a todos aos
quais recorri durante esse período, porém tentarei ser sucinto e não deixar
ninguém de fora. Ao começar, gostaria de agradecer a Thor e Týr por todas as
vezes que busquei os mitos germânicos e as poesias do Edda atrás de
incentivo durante os momentos de desanimo, que foram vários. Queria
agradecer a meu orientador, Prof. Felipe Ziotti Narita, por sempre se fazer
presente durante esse trabalho e auxiliar nos momentos de dúvida. Também
gostaria de agradecer a minha amiga Julia Rabelo da Cunha por corrigir não
apenas este como todos os meus trabalhos acadêmicos. E a minha antiga
professora Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa, por sempre ser uma influência e
pelas discussões que sempre agregaram muito na minha formação acadêmica.
Gostaria de agradecer a minha mãe, Edna, que sempre esteve comigo em
momentos de crise, sempre sendo um porto seguro. Agradeço também por ser
uma das principais influencias na escolha do tema da pesquisa, sempre me
inspirando com suas histórias de militância em greves e participação no
movimento sindical em São Paulo. Por último, porém não menos importante,
quero agradecer a todos os meus amigos, meus irmãos de batalha que sempre
estiveram comigo em momentos felizes, tristes e de fúria. Que eu tenha a sorte
de continuar amigo de todos durante os anos de vida que viram pela frente.
Obrigado por tudo.
“Nós por muito tempo amamos, queremos finalmente odiar. ”
(Carta de Bakunin a seu irmão Pavel)
RESUMO
O trabalho pretende investigar o conflito social na cidade de Ribeirão Preto no
começo do século XX e a influência dos movimentos sindicais nas lutas sociais
e trabalhistas na região, tanto no meio urbano (movimento operário) quanto no
rural. Por meio de discussão de bibliografia especializada e após pesquisa de
documentação no arquivo municipal, a investigação examina a formação da
modernidade capitalista e as consequências decorrentes dessas mudanças
socioeconômicas para a vida da população, analisando a conjuntura destacada
a partir de três vetores principais: vida urbana, industrialização e conflitos
sociais No começo do século XX, em uma região muito marcada pela produção
cafeeira assistindo ao início da diversificação produtiva das atividades urbanas
(com a incipiente presença operária), as marcas da ruralidade e da urbanidade
coexistiam no tecido social, de modo que a dinâmica dos conflitos, orientadas
pela relação capital/trabalho, assumia um lugar central no entendimento das
contradições de nossa modernidade.
Palavras-chave: vida urbana, industrialização, conflitos sociais.
ABSTRACT
The paper intends to investigate the social conflict in the city of Ribeirao Preto
at the beginning of the 20th century and the influence of the Union Movements
in the social and labor struggles in the region, both in the factory workers and in
the rural movement. Discussing specialized bibliography and consulting
documentation in the municipal archive, the work examines the formation of
capitalist modernity and the consequences that these socioeconomic changes
have brought to the lives of the modern population analyzing this conjuncture
from three main vectors: urban life, industrialization and social conflicts. At the
beginning of the 20th century in a region marked by coffee production,
witnessing the beginning of the productive diversification of urban activities (with
the incipient labor presence), the marks of rurality and urbanity coexisted in
society. The dynamics of conflicts, guided by the relation between capital/work,
would take a central place in the understanding of the contradictions in our
modernity.
Keywords: urban life, industrialization, social conflicts.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................9
CAPITULO 1 - MODERNIDADE, CAPITALISMO E MUNDO DO TRABALHO..........13
1.1 Urbanização ....................................................................................................17
1.2. Industrialização .............................................................................................21
1.3. Organizações Trabalhistas ...........................................................................25
CAPÍTULO 2 – ANARQUISMO E GREVES NO BRASIL......................................31
2.1 Movimentos Anarquistas ...............................................................................35
2.2. Sobre as Greves ............................................................................................40
CAPÍTULO 3 – CONFLITOS SOCIAIS E GREVES EM RIBEIRÃO PRETO........42
3.1. Organização Trabalhista nas fazendas de café .........................................43
3.2. Greves ............................................................................................................52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................60
9
INTRODUÇÃO
Tratar de estudos sobre a classe operária e as ideologias que permeiam
os movimentos trabalhistas é sempre um divisor de opiniões e desperta
emoções políticas das mais variadas. A escolha por estudar as greves na
cidade de Ribeirão Preto tem como premissa entender as razões dessas
greves e como o movimento sindicalista e as organizações de trabalhadores
urbanos e rurais tiveram participação crucial nesses eventos no começo do
século XX. Assim, o pesquisador também pode usá-los para entender melhor
esse período tão complexo da história brasileira, com enfoque também nos
ideais que se tornavam presentes na época, tais como o anarquismo e o
socialismo, para assim fazer um panorama da situação socioeconômica e das
dinâmicas do conflito social na formação de nossa modernidade.
O período de maio de 1912 até maio de 1913, por exemplo, é reflexo de
uma conjuntura de precariedade dos trabalhadores na formação do
capitalismo. A partir do momento em que o Brasil aboliu a escravidão em 1888,
a permanência do “ranço escravocrata” na sociedade nacional ficou notável – e
podemos destacar, nesse sentido, os estudos sociológicos de Florestan
Fernandes (2011). Os grandes patrões não faziam diferença entre os
trabalhadores assalariados e os escravos de outrora. Esse reflexo ficou mais
aparente durante a chegada dos imigrantes no Brasil, entre o fim do século XIX
e os primeiros anos do XX, com forte presença nas regiões do centro-sul.
A situação quase análoga à escravidão resultou em movimentos
grevistas da parte dos imigrantes. Em Ribeirão Preto, duas greves foram
marcantes nesse momento: as de 1912 e de 1913 ilustram essa questão, pois
tiveram início após os coronéis do café proibirem que os imigrantes plantassem
cereais entre as fileiras de café. Nesse sentido:
Uma das causas da eclosão dos movimentos de 1912 e 1913 foi a proibição, determinada por alguns fazendeiros, do cultivo de cereais entre as fileiras de cafeeiros. Esse fato chocava-se com o sonho do imigrante de se tornar independente financeiramente, podendo consumir e vender o que plantasse. Esse sonho o imigrante alimentava desde sua viagem ao Brasil: a possibilidade de poupar
para adquirir seu “sitio’’ (ROSA, 1997).
.
10
A monografia será dividia em três capítulos, analisando toda a
contextualização pretendida para abordar o assunto. O primeiro capítulo tratará
da urbanização, da industrialização e das ideologias que permeavam os
movimentos trabalhistas, indicando as crescentes distorções sociológicas entre
cidade e campo na formação da modernidade.
O segundo capítulo investiga a industrialização no Brasil, discutindo a
questão do início da imigração no final da época escravista, com ênfase sobre
os momentos iniciais do processo de industrialização no Brasil, delimitando
transformações materiais importantes da modernidade no país. Neste capitulo,
será discutido a influência do Anarquismo na luta social brasileira, comentando
qual foi sua participação, e qual sua importância nas greves da época.
O terceiro capítulo analisa as greves na cidade de Ribeirão Preto,
buscando situar o conflito social rural e urbano à luz das transformações em
curso. Através da pesquisa documental em jornais e debates bibliográficos, a
monografia discute o processo da greve na cidade, mostrando o porquê de os
trabalhadores aderirem ao movimento, seus desdobramentos e qual a
importância das organizações sindicalistas e dos núcleos de agremiação de
trabalhadores para a greve, bem como as formas de organização operária.
Essa reflexão sobre o contexto social e os acontecimentos envolvendo a
modernização da sociedade exigirá uma abordagem não só social, mas
também filosófica. Quando se trata da modernidade e da História
Contemporânea, Marshall Berman (1986) é um dos primeiros teóricos que vêm
à mente para entender o contexto do recorte histórico que está sendo
estudado.
Berman faz uma análise meticulosa de toda a modernização do mundo,
começando pela mentalidade que permeia esse processo histórico e
concluindo em como a modernização afeta não apenas nossa vida em
sociedade, mas também nossa identidade, ou seja, como ficamos
desorientados diante das contradições entre o velho e o novo. O autor explica
isso de maneira clara logo no início do livro quando fala sobre o renascimento
de Fausto, do clássico livro de Goethe, e depois analisa a luta do personagem
contra a cultura gótica da Alemanha.
Essa tragédia envolvendo a modernidade, essa morte do antigo em
nome do novo, segue movendo toda a discussão sobre a modernidade no
11
âmbito filosófico. A problemática de como o indivíduo se constrói em cima de
contradições e tenta se agarrar em modos de se sentir seguro em meio ao
verdadeiro caos será tema de discussão sempre que o assunto modernidade e
como ela afeta a vida dos indivíduos for abordado.
Ao entrar na parte ideológica, qualquer pesquisador que se proponha a
estudar essa época necessita passar pelos grandes teóricos que influenciaram
os trabalhadores e os movimentos trabalhistas da época, como Engels, Marx,
Bakunin, Kropotkin, etc. Essa leitura é importante para entender quais eram as
ideias da época que influenciaram os movimentos e alimentaram o conflito
capital/trabalho em contextos urbanos e até mesmo rurais. Além da análise
teórica do que era anarquia e socialismo, também é necessária uma visão de
pessoas que viveram na época, tratada na monografia. Sendo assim, serão
discutidos outros teóricos como, por exemplo, Lenin, no desenvolvimento do
trabalho.
No final do século XIX e começo do XX, o Brasil recebeu milhares de
imigrantes após a abolição da escravatura. Nesse momento, não vieram
apenas pessoas para trabalhar no campo, mas também muitas que fugiam de
perseguição política em seus países que, ao chegar no Brasil e se deparar com
a situação de trabalho na área rural, ajudaram os trabalhadores em suas
empreitadas pelo direito. Nesse contexto:
O fluxo da corrente imigratória, que ganhou impulso com a política de imigração subsidiada colocada em prática pelo governo de São Paulo, a partir de 1886, propiciou a vinda de anarquistas estrangeiros para o Brasil. Esses para cá se dirigiam devido, principalmente, às perseguições políticas sofridas em países europeus. As primeiras notícias de anarquistas em São Paulo divulgadas pela imprensa
paulistana datam de 1893 (LOPREATO, 1996).
Apesar disso, o ideário anarquista soa pouco difundido entre as
pessoas, muito confundindo com uma suposta ideologia dionisíaca onde o caos
é a lei, partindo muitas vezes para conclusões antes mesmo de se preocupar
em conhecer mais profundamente a teoria que permeia esses movimentos.
Poucas doutrinas foram tão mal-entendidas pela opinião pública e poucas
deram tantos motivos para confusão pela própria variedade de formas de
abordagem e ação (WOODCOCK, 2007).
12
Sendo assim, o trabalho analisa o final do século XIX e o começo do
século XX, construindo esse contexto até finalmente tratar sobre a questão
ribeirão-pretana, falando sobre as questões sociais e políticas que levaram até
esse acontecimento e fazendo uma revisão bibliográfica e documental com a
pretensão de falar não apenas da questão factual, mas também a dinâmica
socioeconômica implicada no desenvolvimento das ideias e das formas de
conflito social motivadas pela divisão do trabalho.
13
1. MODERNIDADE, CAPITALISMO E MUNDO DO TRABALHO
“Os deuses e os reis do passado eram impotentes diante dos homens
de negócios e das máquinas a vapor do presente. ” (HOBSBAWM, 2016, p.95)
O contexto do final do século XIX e início do XX é claramente tortuoso e
complexo de se compreender, pois se trata de uma época de mudanças
agressivas que causaram consequências irreversíveis à sociedade moderna.
Para falar sobre esse momento da história, é importante que primeiro se
analise os processos de urbanização, ou seja, investigar o porquê de os países
que até então eram rurais se tornarem industrializados, implicando êxodo para
as cidades.
No contexto europeu, os maiores expoentes desse processo de modernidade
(ou pelo menos os mais estudados) são Londres e Paris, na medida em que
essas cidades passaram por um processo de modernização que envolveram
até mesmo processos de desumanização das pessoas e massificação da
sociedade. Apesar de tanto Londres quanto Paris serem estudadas de maneira
conjunta quando se fala do fim do século XIX, as mudanças se deram de
maneira diferente nas duas cidades. Por isso a importância de entender as
duas cidades separadamente e os processos que diferenciaram duas
revoluções, tanto a Revolução Industrial quanto a Revolução Francesa.
Ao colocar-se uma ótica sobre essas duas cidades, pode-se ver como o
contexto moderno foi prejudicial para as questões sociais em ambas as
cidades. O início da modernização logicamente trará muito avanços,
principalmente tecnológicos, mas é importante que se analise também a
questão trágica sobre a modernidade.
Ao entrar na questão sobre a industrialização e a urbanização das cidades,
é sempre importante que não se deixe de lado o debate sobre a questão social
das cidades. Refletir sobre qual era a situação das pessoas na cidade, como
era o cotidiano dos indivíduos. E precisamente sobre o preço que todo esse
progresso cobrou sobre as sociedades da época. Para que com isso não
acabemos por focar o debate apenas na questão econômica, deixando de lado
14
a questão que realmente irá afetar boa parte da população. A questão dos
proletários e o porquê de suas lutas terem importância.
O filósofo Marshall Berman (1986), em seu livro “Tudo que é sólido
desmancha no ar”, aborda a modernidade comentando os efeitos que ela tem
no cotidiano da população. Até onde a modernidade afeta e muda uma pessoa
em seu contexto social. O autor analisa o personagem Fausto, da obra do
escritor alemão Johann Goethe. Berman classifica o romance de Goethe como
a “Tragédia do desenvolvimento”. Mas por que deveria a história de Fausto ser
chamada de uma tragédia do desenvolvimento?
Berman indica que Goethe começou a trabalhar na história de Fausto
em 1771 quando tinha 21 anos e só considerou a obra como terminada em
1831, sendo assim o autor escreve o livro durante todo o período da Revolução
Industrial, e a obra irá carregar esse contexto histórico turbulento em suas
páginas. O autor divide a narrativa do personagem em três partes, cada uma,
irá demonstrar de maneira lúdica como é a existência do homem moderno.
Berman (1986) define a primeira fase de Fausto como “O sonhador”.
Nesta primeira fase, Fausto entra em desespero por se lembrar de seu lar na
infância perceber que nunca mais poderia voltar àquele conforto que tivera. O
personagem sabe que nunca pode se “distanciar muito de casa”, também sabe
que não é mais o mesmo. Tendo em mente que já não é a mesma pessoa que
antes vivia na casa dos pais. Passando assim pela primeira transição, Fausto
tenta cometer suicídio e, ao falhar, ele tem uma epifania. O personagem ouve
sons de sino e coros vindos dos céus. Nessa metamorfose é possível analisar
a transição do homem moderno, pois aqueles costumes e ideias que haviam
formado Fausto durante a infância e a juventude haviam sumido, pois ele
acabara de transitar para se tornar algo diferente.
A segunda fase do personagem, talvez a mais turbulenta e mais triste da
obra de Goethe, é o momento em que Fausto se apaixona por uma jovem
chamada Gretchen1. Apesar de Margarida não amar Fausto logo à primeira
vista, os dois entram em um relacionamento e a personagem começa a mudar.
Ao se relacionar com Fausto a personagem começa a sentir uma mudança,
1 Existe uma discrepância entre a tradução da obra de Berman e a tradução do Livro de
Goethe, a personagem chamada Margarida no livro de Fausto aparece em “Tudo que é solido se desmancha no ar” como Gretchen
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uma vontade de se desenvolver que antes ela não tinha. Margarida fazia parte
de um mundo camponês, um mundo mais simples. E agora ela já não iria se
encaixar nesse mundo, ela não mais iria se adaptar e se sentir à vontade
naquela existência pacata. Porém essa mudança na vida da personagem não é
positiva, ela começa a se sentir desesperada e desamparada por não saber
como lidar com essa mudança. E a única coisa que a mantem nessa nova fase
é Fausto, essa nova vida de Gretchen a faz se apoiar completamente em
Fausto devido ao amor que ela sente e, ao perceber essa necessidade extrema
da mulher para com ele, Fausto a abandona. Nesse sentido, Berman considera
que
Fausto se assusta ao observar esse crescimento; ele não se dá conta de que é um crescimento precário, pois carece de suporte social e não tem qualquer simpatia ou confirmação a não ser da parte do próprio Fausto. A princípio, o desespero dela se manifesta através da paixão desenfreada, e ele se delicia. Porém, em pouco tempo o ardor se converte em histeria, para além do que ele pode controlar. Ele a ama, mas no contexto de uma vida plena, com passado e futuro, e em meio a um largo mundo que está decidido a explorar; para ela, o amor por ele ignora qualquer contexto e constitui seu único apoio na vida. Forçado a enfrentar o intenso desespero das necessidades
dela, Fausto entra em pânico e abandona a cidade. (BERMAN, 1986, p. 54)
Após essa cena em que a personagem é abandonada, ela entra em
desespero por se encontrar naquele lugar. As paredes parecem lhe sufocar e o
barulho do órgão da igreja parece dissolver seu coração. Entrando em conflito
direto com aquele lugar do qual ela já não mais se encaixava. Após esse
acontecimento o filho de Gretchen morre, ela é julgada culpada e condenada.
Fausto tenta a convencer para que ela fuja com ele, mas Gretchen se nega. A
mulher diz que o abraço do Fausto é frio e ele não a ama
A terceira e última metamorfose do personagem na definição de Berman
é a transição para o Fomentador. Nessa última parte da tragédia Fausto se
sente enraivecido, começa a se perguntar os porquês de o homem não poder
mudar o passado. Agora ele começaria a mudar o mundo a sua mente, mudar
aquele lugar pensando que o “pensamento livre” garantiria a proteção de todos
os direitos.
Durante todo o romance de Goethe percebe-se a forte carga histórica
que é refletida pelo autor nos personagens e nos acontecimentos da tragédia.
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Fausto, é nada mais que o reflexo do homem moderno. A medida que Fausto
vai passando por momentos problemáticos em sua vida, ele vai ficando dividido
entre o velho e o novo. O homem que vive na modernidade é constantemente
angustiado pela duvida de ser viver com dois espíritos dentro de si. O espirito
antigo, carregado por heranças históricas e construções sociais vindas da
família, instituições de ensino, etc., é diluído em meio aos novos contextos. E o
espirito novo entra em contraste com o antigo, querendo sempre algo novo,
algo diferente, visando o novo contexto da vida moderna.
Tanto Gretchen quanto Fausto passam por esse contexto moderno ao
sofrerem metamorfoses em suas vidas. Eles começam a se sentir mal nas
pequenas cidades camponesas e entre as pessoas de vida pacata. Então,
quando Fausto começa a moldar o mundo a sua vontade, ele abre uma guerra
contra a cultura gótica alemã. Isso indica o expurgo do país de todo resquício
de uma possível conexão com o passado, incluindo o assassinato de um casal
de idosos que o lembravam desse passado.
Ao destruir o mundo do passado, Fausto se empenha em industrializar
aquele lugar. Criando grande portos que iriam trazer navios com grandes
quantidades de pessoas e de mercadorias, ele expressa esse novo dinamismo
da economia capitalista moderna. Nesse quadro, emergem pequenas
atividades de indústrias e utilização de energias. Porém isso era construído em
cima de um mundo devastado, ou seja, um mundo destruído. O mundo de
Fausto era o que Goethe via na Europa enquanto escrevia um romance:
grandes indústrias que deixavam um rastro de devastação para trás.
A situação conturbada da Revolução Industrial pode ser percebia nesses
âmbitos. Goethe soube refletir muito bem a angustia de se viver no contexto
moderno. A destruição que o progresso desenfreado trouxe e o niilismo de
Fausto eram situados na referência aos donos de fabricas que mostravam uma
postura apática para com a vida dos operários nas fabricas. Toda a questão de
Gretchen se sentir deslocada em um mundo que ela sempre conheceu é o
próprio sinal que atravessa a modernidade.
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1.1 – Urbanização
Com o advento da industrialização, que será tratado com mais calma ao
decorrer do capitulo, as cidades sofreram uma inflação populacional. As
pessoas saíram do campo, deixando para trás suas vidas pacatas, e foram
para as cidades. Essa constante migração para a cidade não era
acompanhada de uma infraestrutura que abrigasse aquelas pessoas. Nesse
cenário, diversos problemas da vida moderna surgiram.
Maria Stella Martins Bresciani (1989), em seu livro “Londres e Paris”,
mostra que isso se expressa mais claramente nas produções literárias da
época em que essa inflação de pessoas chegava às cidades. Diversas
narrativas e análises, por exemplo, descreviam os impasses decorrentes da
massificação da população e seus desdobramentos para vida cotidiana das
pessoas. Escritores como Walter Benjamin, Baudelaire e Edgar Allan Poe
descreveram as angustias da vida nas cidades dessa época.
A historiadora argumenta que, com o advento da modernidade, entre o
final do século XIX e o início do XX, já não se tem o que antes era concreto. A
calmaria dos campos havia sido trocada pela pressa dos relógios da cidade,
que contavam os minutos com tamanha voracidade que causavam angustias
até nas pessoas mais calmas. Atentando-se à analise literária, Maria Stella
Martins (1989) argumenta que, quando Walter Benjamin estuda a multidão na
literatura do século XIX, ele coloca como decisivo as multidões de pessoas que
vivam nas grandes cidades. Estas estavam agora submetidas a longos trajetos
pelas ruas, a pé ou dentro dos meios de transporte coletivos, e analisando esse
contexto a vida cotidiana nas cidades se faz um espetáculo que pode ser visto
de relance.
A autora também cita que Baudelaire escreve de maneira poética seu
encontro na rua com uma mulher. O foco que ele atribui àquela figura feminina,
deixando de lado as pessoas que estavam em volta, apresenta uma certa ótica
sobre a massificação. A partir do momento que os olhos de Baudelaire focam
na figura feminina, tudo ao seu redor parece de certa forma se desligar e o
tempo parece se suspender. Logo após esse fatídico encontro, ele reflete sobre
um grupo de senhoras avistadas ao longe, e logo depois aparece um grupo de
homens idosos falando sobre o sofrimento dos tempos.
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Essas reflexões feitas pelos autores sobre as multidões mostram muito
sobre a situação das cidades. As relações impessoais entre os indivíduos
tornavam os contatos e a socialização campos mais frios e distantes.
Quando o autor Marshall Berman (1982) analisa o sociólogo Karl Marx em
seu livro sobre a modernidade, ele começa apontando como Marx é um autor
moderno e, ao discutir o marxismo, Berman trata sobre a questão da
“Metamorfose de valores”, indicando a questão do niilismo em Marx. No
contexto moderno, as relações humanas serão guiadas pelo dinheiro. Assim
como mercadorias, o niilismo burguês irá tomar conta de nossas vidas.
O problema do niilismo emerge mais uma vez na última linha do texto de Marx: “A burguesia transmudou toda a honra e dignidade pessoais em valor de troca; e em lugar de todas as liberdades pelas quais os homens têm lutado colocou uma liberdade sem princípios — a livre troca”. O primeiro ponto aqui é o imenso poder do mercado na vida interior do homem moderno: este examina a lista de preços à procura de respostas a questões não apenas econômicas, mas metafísicas — questões sobre o que é mais valioso, o que é mais honorável e até o que é real. Quando afirma que todos os demais valores foram “transmudados” em valor de troca, Marx aponta para o fato de que a sociedade burguesa não eliminou as velhas estruturas de valor, mas absorveu-as, mudadas. As velhas formas de honra e dignidade não morrem; são, antes, incorporadas ao mercado, ganham etiquetas de preço, ganham nova
vida, enfim, como mercadorias. (BERMAN, 1986) Quando se trata da infraestrutura das cidades, costuma-se falar sobre o
surgimento de cortiços ou de periferias, mas a outras questões permeando a
infraestrutura. Nesse sentido, podemos destacar a questão da higiene. Muitos
desses bairros sem estrutura não tinham saneamento básico e condições de
higiene próprias para uma vida digna.
O sociólogo Friedrich Engels (2010) trabalha a questão dos operários
ingleses e sua condição de vida. Ele descreve minuciosamente como eram as
regiões chamadas de “bairros de má fama” que, em suma, eram ocupadas por
operários e por pessoas de baixa renda. Esses bairros tinham em sua maioria
as piores casas da cidade; quase sempre uma longa fila de construções de
tijolos, de um ou dois andares, que eventualmente apresentavam porões que
geralmente eram feitos de maneira irregular.
Essas construções geralmente eram casas pequenas que abrigavam toda
uma família de trabalhadores operários, apresentando três ou quatro cômodos
e uma cozinha. Após essa descrição dos bairros onde boa parte dos
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trabalhadores viveriam sua vida, Engels descreve a questão higiênica desses
bairros:
Habitualmente, as ruas não são planas nem calçadas, são sujas, tomadas por detritos vegetais e animais, sem esgotos ou canais de escoamento, cheias de charcos estagnados e fétidos. A ventilação na área é precária, dada a estrutura irregular do bairro e, como nesses espaços restritos vivem muitas pessoas, é fácil imaginar a qualidade do ar que se respira nessas zonas operárias – onde, ademais, quando faz bom tempo, as ruas servem aos varais que, estendidos de uma casa a
outra, são usados para secar a roupa. (ENGELS, 2010, 71)
A situação da casa em que os operários viviam refletia sua condição
social nas cidades. Muitos vivam uma vida miserável, em que a fome e a
miséria iriam perpassar pelo cotidiano dos moradores desses “bairros de má
fé”. A situação chegava a ser tão precária que, em determinados casos, as
pessoas iriam apelar para crimes, desde crimes pequenos até crimes maiores.
Engels descreve em seu livro sobre a classe operária inglesa o caso de dois
meninos que roubaram um pedaço de carne de uma loja:
Numa quinta-feira, 15 de janeiro de 1844, dois meninos foram levados ao tribunal correcional de Worship Street porque, famintos, haviam roubado numa loja um pedaço de carne bovina meio cozida, que devoraram imediatamente [...] quando a polícia chegou ao lugar, encontrou-a com seis dos filhos literalmente empilhados num pequeno quarto dos fundos da casa, tendo como suas apenas duas cadeiras de vime sem assento, uma mesinha com os pés quebrados, uma xícara
partida e um pequeno prato. (ENGELS, 2010, 75)
Esses crimes cometidos por pessoas devido à sua condição econômica
não eram novidade para as cidades inglesas. A desigualdade social iria
realmente levar as pessoas a cometerem delitos. Porém há algo a ser
acrescentado quando se discute esses delitos em questão.
É necessário que se tenha em mente que muitos desses crimes são tidos
como delitos devido a uma ótica de moral burguesa que condena qualquer ato
contra o comercio como o mais hediondo dos crimes. E é também necessário
entender que muitos desses operários e pessoas pobres não chegavam a
cometer crimes em si, mas eram considerados infratores devido à classe social
à qual pertenciam e a atividades que não chegavam a ser criminosas, porem
consideradas igualmente imorais.
20
No primeiro volume da “Formação da Classe Operária”, o historiador
Edward Thompson (2004) comenta sobre uma pesquisa feita por Patrick
Colquhoun, que apontava que, na virada do século XVIII para o XIX, havia um
total de 50.000 prostitutas, 5000 taberneiros e 10.000 ladrões apenas na capital
Londres. Porém essas estatísticas incluem indiscriminadamente ciganos,
vagabundos, desempregados, mascates e o que podiam ser considerados
antepassados dos camelôs, que estavam ali colocados na mesma categoria de
ladrões, falsificadores de moedas, lojistas fraudulentos, arruaceiros etc.
As mulheres que aparecem como prostitutas. Quando analisadas mais
de perto, eram quaisquer mulheres consideradas imorais e indecentes,
incluindo por exemplo mulheres que tinham relações com homens sem o
casamento. Essas mulheres “imorais” já eram consideradas prostitutas, assim
como os ciganos, já eram considerados bandidos.
Essa pesquisa não mostra apenas como era a situação da classe
operária nas grandes cidades, mas também mostra como era a mentalidade
dos grandes proprietários e da classe burguesa sobre essas pessoas
desfavorecidas. Mostrando um pânico que se seguiu após a Revolução
Francesa. A alta classe inglesa agora se via preocupada com a vida das
pessoas de baixa renda, por medo de que algo de pior pudesse surgir do meio
dessa classe.
Os primeiros anos da Revolução Francesa fizeram as classes mais altas
tremerem com o medo de uma possível revolução viesse a acontecer na
Inglaterra. Essa preocupação com a vida da classe operária não vinha devido a
uma mentalidade social ou de empatia. Ela vinha do desejo da burguesia de
continuar no poder e se mantar privilegiada.
A França apresentava um contexto muito parecido com o contexto social
da Inglaterra. Em Paris, a cidade de manhã se configurava para o trabalho,
para a rotina das ruas e do longo período de trabalho. À noite, a cidade se
configurava para uma espécie de nação noturna, onde pode-se ver prostitutas,
criminosos e mendigos. A questão social invade a política, e ideais
revolucionários que incendiaram a revolução na França passam como uma
ameaça pelos olhos da alta classe burguesa na Inglaterra.
O teórico Mikhail Bakunin, quando faz uma analogia sobre o Estado e
Deus, define as modernizações políticas para o modelo republicano como uma
21
troca de personagens. O poder que antes era da Igreja, de “Deus”, agora
passaria para o Estado. Ele classifica essas tentativas de frear uma ideologia
revolucionária como algo próprio da classe privilegiada.
É próprio do privilégio e de toda posição privilegiada matar o espírito e
o coração dos homens. O homem privilegiado, seja política, seja
economicamente, é um homem depravado de espírito e de coração.
Eis uma lei social que não admite nenhuma exceção e que se aplica
tanto a nações inteiras quanto às classes, companhias e indivíduos. E
a lei da igualdade, condição suprema da liberdade e da humanidade.
(BAKUNIN, 2011)
Essa é a situação do espaço urbano no começo do século XX, onde o
desenvolvimento da infraestrutura capitalista coexistia com massas de
indivíduos submetidas a condições precárias de vida e a um distanciamento
nas relações humanas.
1.2 Industrialização
Falando de Revolução Industrial, então, fala-se de Inglaterra. O contexto
Britânico de 1780 veio como um estopim para que acontecesse essa mudança
na sociedade. Com a construção da ferrovia e da indústria pesada na
Inglaterra, a expansão capitalista foi consolidada ao longo do século XIX. A
França mostrava-se ser mais avançada nas ciências sociais, o pais mostrou
essa vantagem através da Revolução Francesa, com o ideal iluminista sendo
difundido entre a população. Apesar de estar atrasado em questões de ciências
sociais, a Revolução Industrial não necessitou de muitos intelectuais. Eric
Hobsbawm em seu livro “A Era das Revoluções” aponta como a Inglaterra não
carecia de intelectuais devido ao fato de que a industrialização necessita mais
da parte tecnológica das ciências do que a teoria social.
[...] Suas invenções técnicas foram bastante modestas, e sob hipótese alguma estavam além dos limites de artesãos que trabalhavam em suas oficinas ou das capacidades construtivas de carpinteiros, moleiros e serralheiros: a lançadeira, o tear, a fiadeira automática. Nem mesmo sua máquina cientificamente mais sofisticada, a máquina a vapor rotativa de James Watt (1784), necessitava de mais conhecimentos de física do que
22
os disponíveis então há quase um século — a teoria adequada das máquinas a vapor só foi desenvolvida ex post facto pelo francês Carnot na década de 1820 — e podia contar com várias gerações de utilização,
prática de máquinas a vapor, principalmente nas minas. (HOBSBAWM, 2016, p. 39)
Com a Revolução Industrial, o Reino Unido já desenvolvia demandas
pela ampliação do comércio e da circulação de mercadorias. A agricultura já
havia sido direcionada completamente para a direção do mercado. Com o
acontecimento das leis de cerco a uma mudança drástica no contexto
camponês Britânico que faz com que a agricultura do pais mude seu foco e
deixe de lado aquela realidade cheia de resquícios do feudalismo. A agricultura
começou a apresentar, então, as principais características de uma agricultura
industrializada: aumentar a produção e a produtividade de modo a alimentar
uma população não agrícola em rápido crescimento; fornecer um grande e
crescente excedente de recrutas em potencial para as cidades e as indústrias;
e fornecer um mecanismo para o acúmulo de capital a ser usado nos setores
mais modernos da economia. (HOBSBAWM, 2016).
Além da agricultura sendo estabelecida para o viés do lucro também
existem outras áreas da economia que vão influencias na industrialização do
pais, como por exemplo a expansão do mercado inglês com a colonização da
América do Norte. O acumulo de capital devido ao fato de agora os
empresários estarem engatados completamente na questão do lucro. Entre
outras coisas (como reserva de carvão, etc)
A primeira espécie de produção que apresentou uma industrialização, se
mostrando como uma percursora da Revolução Industrial, foi a produção de
Algodão. Que inicialmente não foram tão bem-sucedidas, porém o algodão
britânico não teria concorrente, a partir do momento em que foi proibido a
importação de outros materiais que poderiam substituir o mesmo, como a chita
indiana.
A indústria algodoeira britânica, como todas as outras indústrias algodoeiras, tinha originalmente se desenvolvido como um subproduto do comércio ultramarino, que produzia sua matéria-prima (ou melhor, uma de suas matérias-primas, pois o produto original era o fustão, uma mistura de algodão e linho) e os tecidos indianos de algodão, ou chita, que conquistaram os mercados que os fabricantes europeus tentariam ganhar com suas
imitações. (HOBSBAWM, 2016, p. 42)
23
Porém, a indústria de algodão tinha suas vantagens, além da questão da
matéria prima. Toda sua produção vinha do exterior, então essa produção
poderia sofrer uma expansão com os drásticos métodos de produção que eram
comuns nas colônias americanas como, por exemplo, a escravidão. O escravo
negro, então, iria servir como uma mão de obra barata que levaria o algodão a
outro patamar de produção.
O algodão sofreu com a escassez de mão-de-obra barata e eficiente com
as mudanças políticas ao decorrer de 1860, implicando maior mecanização da
produção, entrando em conflito com o linho. Essa produção de linho tinha
inicialmente uma chance bem melhor de expansão na colônia do que o
algodão. Essa produção passou a sofrer, com o passar do tempo, com a
própria facilidade que as produções não mecanizadas tinham de se expandir
nas regiões pobres e camponesas da Europa, onde se mantinha a questão do
trabalho artesanal entre os camponeses que entregavam as matérias primas
para os donos das fábricas.
Também influenciou na industrialização da Inglaterra um acúmulo de
decisões de empresários e investidores particulares que partiam do principal
“mandamento” do mercado da época: comprar no mercado mais barato e
vender mais caro. Esses produtores seguiam apenas a demanda econômica
desse primeiro momento de ascensão e formação do capitalismo.
O autor Piotr Kroptotkin aponta, em seu livro A Conquista do Pão, a
importância desse avanço industrial para a vida do homem moderno. O
avanço, principalmente tecnológico, agora torna possível coisas que chegavam
a ser inimagináveis para o homem. Se o clima não está propício para a
colheita, o homem pode criar o clima artificialmente2 e plantar em uma estufa.
Piotr reconhece a importância da tecnologia e as maravilhas que ela
pode trazer principalmente ao trabalho. Porém qual será o valor dessa
tecnológica se não é usada de maneira que beneficie a todos os cidadãos e
que acabe com os problemas sociais da sociedade? Cem homens são capazes
de extrair de minas combustível o suficiente para aquecer dez mil famílias em
um inverno rigoroso, porém qual o sentido deste avanço se as famílias
continuam morrendo no inverno?
2 Kropotkin nasceu já no final da industrialização inglesa, no ano de 1842, logo ele presenciou certos avanços que não estavam presentes nesse contexto de industrialização do mundo moderno
24
A grande questão que permeia o contexto industrial e o capitalismo é a
falta de acessibilidade deste desenvolvimento tecnológico e social para as
classes mais baixas. A industrialização das produções serve com o único
propósito de atender as demandas do mercado capitalista, essa mudança para
a produção industrial vem para facilitar, mas não facilitar a vida dos cidadãos
que muitas vezes nem chegavam a ter saneamento básico. Como Engels
aponta em sua obra a “Situação da classe operária inglesa”, a exploração
implicava a desumanização dos trabalhadores. Em linha semelhante, Kropotkin
denuncia que
“Nas sociedades civilizadas somos ricos. Como se explica então tanta miséria
em redor de nós? Para que este trabalho pesado que embrutece as massas? Por que a falta de segurança do dia de amanhã? Tem-no dito e respeito a cada momento os socialistas com argumentos colhidos em todas as ciências. Porque tudo o que é necessário à produção: terra, minas, maquinas, estradas, educação, ciência foi açambarcado por alguns, durante a vasta história de pilhagem, êxodos, guerras, ignorância e opressão, que a humanidade viveu
antes de aprender a dominar as forças naturais. ” (KROPOTKIN, 2011, p.20)
As novas cidades eram feias e os proletários eram mais pobres do que em
outros países. As mudanças tecnológicas já começaram a demonstrar que
afetariam o ambiente, pois a atmosfera das cidades era saturada de fumaça e
envolta em neblina, e as pálidas pessoas caminhavam pelas ruas em forma de
massas, e a única lei era comprar no mercado mais barato e vender sem
restrição no mais caro.
1.3 Organizações trabalhistas
Ao olhar para o mundo industrializado, então, pode-se deparar com uma
tragédia, a tragédia de Fausto concretizada em um mundo onde o avanço
tecnológico e econômico corre de maneira desenfreada sem medir os danos
que causa ao decorrer do caminho. Esse era o mundo massificado onde o
operário era explorado e vivia em condições precárias de existência. Sendo
assim, o povo, que em sua grande maioria, se encontrava agora em bairros de
baixa renda não estava feliz com sua condição e com isso surgem os
movimentos operários.
25
Após a industrialização do povo inglês pode-se deparar pela primeira vez
com a tragédia, agora com o mundo industrializado era necessário se encontrar
uma mão de obra capaz de trabalhar nas fabricas. Então era necessário atrair
trabalhadores para que deixassem de lado a antiga vida camponesa e pacata
para aderir ao novo meio de trabalho. A “arma” utilizada para atrair os
trabalhadores era a questão social e econômica. O trabalhador, por viver uma
situação precária de vida no campo, migrou para a cidade à procura de um
emprego que o tirasse daquela vida. A isso foi atribuído a lei de cerco que
levaria o homem rural a passar por um processo de desvalorização e o forçaria
a ir para as cidades onde poderia trabalhar nas fabricas.
Agora, com a mão-de-obra garantida, surgiria uma nova necessidade: ter
trabalhadores aptos para trabalhar nas fabricas da maneira que exigia o novo
modelo industrial. O trabalhador devia agora ser ensinado a trabalhar de
maneira ininterrupta e não mais seguir o modelo agrícola de trabalho onde as
estações do ano, que de maneira imprevisível iriam influenciar na colheita ou o
modelo de trabalho do artesão, que era autônomo. Além disso, era importante
que o trabalhador aprendesse a responder ao estimulo monetário.
Devido a essa resistência que os trabalhadores traziam da herança do
trabalho camponês e da autonomia do artesanato, os patrões britânicos
reclamavam da “preguiça” dos operários e de seu costume de trabalhar apenas
até ganhar o salário para então pararem de trabalhar. A solução para isso
foram duas, a primeira a criação de multas através da disciplina da mão-de-
obra (que segundo Hobsbawm vem de um código de “senhor e escravo”), essa
multa iria congelar os direitos dos trabalhadores e garantir que fossem voltadas
a favor do patrão. E a segunda maneira era a prática de sempre se pagar um
salário muito baixo para que o operário tivesse que trabalhar por semanas
seguidas para conseguir o dinheiro mínimo para subsistência.
A necessidade de recurso e combustível para o novo mundo industrial
trouxe mais uma categoria de operário para o mundo moderno: o operário das
minas de carvão e de metais. Esse operário trabalharia na extração de metais
e combustíveis que iriam mover as cidades e as grandes fabricas. Engels
aponta que o nível cultural dos trabalhadores estava relacionado com o quanto
eles eram ligados com a indústria. Os operários industriais tinham mais
consciência de seus interesses, enquanto os operários mineiros não têm o
26
mesmo nível de consciência e entre os operários agricultores essa consciência
é era quase inexistente. Os operários industriais estão no cerne dos
movimentos operário desde o começo, enquanto o resto dos operários irão
aderir aos movimentos a medida que seu trabalho for englobado no que Engels
(2010) chama de “vórtice industrial”.
A primeira forma que os operários encontraram de revolta era o crime. O
trabalhador pobre via pessoas vivendo em condições melhores de vida, essa
condição de viver de maneira miserável enquanto outro vive uma vida de luxa
faz com que os homens percam seu respeito pela propriedade por não
conseguir pensar de maneira racional os porquês de apenas aquela classe ter
que viver em condição tão miserável. Visto isso, o trabalhador começa a
roubar. Porém logo essa prática como forma de protesto é abandonada, essa
espécie de delinquência como forma de protesto não servia de nada para os
movimentos.
Os ladrões agem de forma isolada e individual, o ladrão agindo sozinho
tornava-o alvo fácil para o poder público burguês que facilmente iria tirar aquele
indivíduo de circulação. O furto, apesar de receber apoio nunca expressou a
opinião geral publica dos trabalhadores, além de ser uma forma de protesto
mais rudimentar e inconsciente.
O método de resistência encontrado pelos operários se comportando como
uma classe, a princípio, foi se rebelar violentamente contra a introdução das
maquinas nas fabricas. Sendo assim os inventores das maquinas utilizadas na
indústria foram duramente perseguidos e suas maquinas destruídas. Então
inicia-se uma serie de rebeliões contra as maquinas, onde as fabricas eram
demolidas e as maquinas feitas em pedaços.
Esses movimentos violentos contra as maquinas era regional e não
abrangia todos os operários, porém era muito comum a utilização de motins e
revoltas como forma de resistência. Eram as chamadas turbas que, lideradas
por um poder centralizado, funcionavam como forma de pressionar os poderes
devido a injustiças cometidas pelo estado, tendo uma parte sendo diretamente
relacionada a aumentos nos preços de alimentos.
No livro “A formação da classe operária inglesa” (já citado anteriormente no
texto), Thompson (2004) aponta a importância da turba como movimento de
resistência pelos operários. Alguns historiadores usam turba como uma
27
maneira de marginalizar e jogar esses motins como movimentos de arruaça.
Porém seria melhor definida se a turba fosse colocada (segundo o autor) como
uma multidão revolucionária. Que iria encontrar meio de resistir a repressão
contra a classe operária da maneira que achasse mais eficaz. As vezes apenas
como imposição outras vezes com atos de violência.
As turbas organizadas muitas vezes tomavam produtos do mercado e os
revendiam por preços mais baixos. Vender os produtos abaixo do preço de
mercado era um costume muito comum entre as massas devido ao constante
aumento do preço dos produtos. Um exemplo que Thompson descreve em sua
obra é os mineiros que vendiam farinha de trigo por um preço menor do que o
vendido no mercado.
Turbas receberam essa visão negativa, sendo descritas quase como
movimentos de arruaça e de desorganização social, devido ao fato de que
algumas dessas turbas foram utilizadas como uma espécie de massa de
manobra para outros fins que não fossem a resistência proletária. Muitos
religiosos e políticos usaram turbas como forma de lutar por poder.
Em 1824, os operários ganham direito de se organizarem em
associações, essas organizações sociais rapidamente ganharam espaço em
toda a Inglaterra e em todos os ramos do trabalho foram constituídas
organizações semelhantes a essas. Seu objetivo principal proteger os
operários contra exploração que eles estariam sofrendo nas grandes indústrias.
Eram suas finalidades fixar o salário, negociar en massea3, como força, com os patrões, regular os salários em relação aos lucros patronais, aumentá-los no momento propício e mantê-los em todas as partes no mesmo nível para cada ramo de trabalho; por isso, trataram de negociar com os capitalistas uma escala salarial a ser cumprida por todos e recusar empregos oferecidos por aqueles que não a respeitassem. Ademais, outras finalidades eram: manter o nível de procura do trabalho, limitando o emprego de aprendizes e, assim, impedir também a redução dos salários; combater, no limite do possível, os estratagemas patronais utilizados para reduzir salários mediante a utilização de novas máquinas e instrumentos de trabalho etc.; e, enfim, ajudar financeiramente os operários
desempregados. (ENGELS, 2010, p. 251)
3 Termo do francês, significa: “coletivamente”
28
Essas associações propriamente ditas ainda não eram sindicatos, porém
elas teriam a função próxima de um. Essas organizações funcionavam da
seguinte maneira: se um patrão, por exemplo, se recusasse a pagar o salário
fixado pela associação, o grupo então o procuraria com uma delegação ou
enviaria uma petição sobre o caso e se, esses avisos não apresentam
resultado e o patrão continuasse recusando o pagamento do salário. A
associação ordena a suspensão do trabalho nessa indústria em questão.
Existiam então duas espécies de suspensões operárias na Inglaterra. A
suspensão parcial, que acontecia quando um único patrão se recusava a pagar
o salário fixo. E a suspenção geral, que é quando essa relutância ao salário
vem de todos os patrões de um determinado ramo. Isso era um dos meios
legais de reinvindicação encontrados pelas organizações operárias em meio ao
problema de exploração.
O grande empecilho desse movimento era que nem sempre todos os
trabalhadores faziam parte das organizações e muitas vezes os patrões
encontravam meios de contornar as paralisações dos operários. O trabalhador
industrial passou pelo processo de mudança dentro das fabricas para que se
encaixasse no novo modelo de trabalho e respondesse ao estimulo monetário,
sendo assim, quando os operários faziam paralisações, donos das industrias
chamavam outros trabalhadores para trabalhar no lugar.
Mais tarde o operário tem de lidar com outras maneiras de exploração,
como é citado por Engels (2010), a chegada do Fordismo por exemplo,
trazendo uma nova maneira de produzir nas fabricas e vai afetar o trabalhador
de sua maneira. Além disso, Engels se preocupa em pontuar que algumas
correntes radicais dos movimentos operários podem ter sido prejudiciais para o
contexto operário. Não representando a vontade de todos os trabalhadores.
Ao olhar para os movimentos operários é importante que se note a suma
necessidade de união e consciência de classe entre os trabalhadores. Os
operários necessitam dessa união entre o movimento para que assim consigam
ter êxito. É interessante analisar como a arte vai muitas vezes expressar essa
necessidade de união mostrando estórias onde a união traz força e a força traz
a vitória dos trabalhadores sobre a exploração.
É o que pode ser percebido na peça “Greve dos Inquilinos” do autor Neno
Vasco. Neno era um militante sindicalista que teve participação nos jornais A
29
Batalha Anarquista (1914) e O Ferroviário (1915). A peça “Greve dos
Inquilinos” foi encenada pela primeira vez na cidade de São Paulo pelo grupo
do Teatro Social de São Paulo em benefício do jornal A Plebe (1917).
A peça conta a história de seis homens operários de vinte a trinta anos
que não conseguem pagar o alto aluguel das casas onde moram. Devido ao
auto preço do aluguel os operários resolvem fazer greve.
MANUEL: E eu que tinha o dinheiro contado para pagar o mês do restaurante! ANTÓNIO: Ora! Tão bom é um como o outro! SALVADOR: Eu também fico sem um níquel se pagar ao senhorio! Luís: Não pagues! Não paguemos! Justo! Façamos greve! Demos nós o exemplo! Eu, membro activo da Liga e por isso... (VASCO, 1923, pp. 6)
Nenhum dos personagens tem como pagar o aluguel abusivo imposto
pelo senhorio, que se gaba de cobrar cento e vinte mil reis alegando que esse
preço é “quase de graça” e quem em nenhum lugar do Rio de Janeiro pode-se
encontrar uma casa mais barata. Os operários acusam o senhorio de ladrão,
porque alguém que cobra um aluguel tão alto capaz de deixar o inquilino sem
dinheiro, sem levar em consideração que ele tem outras contas a pagar, família
para sustentar.
Os personagens então decidem tomar uma atitude pouco esperada.
Salvador, um dos operários participava de um grupo de teatro, inspirado em
uma das peças desse grupo amador, decide montar uma armadilha. Um dos
personagens, um refugiado chamado Ramon, se veste de mulher e finge um
desmaio quando o senhoril passa em sua casa para cobrar o aluguel.
Fernando, que tinha o papel de fingir ser pai da suposta moça, finge raiva e diz
que pretende linchar o senhoril por ter desonrado sua filha. Luiz, que é outro
inquilino envolvido, oferece nesse momento uma alternativa para que não seja
usada de nenhuma violência.
Luiz: A minha proposta é a seguinte: A liga dos inquilinos apresenta como tabela de reivindicações, que marca uma redução de 40 por cento nos alugueis das casas de cómodos. É esta redução que o sr. Anastácio assinará perdoando, além disso, o mês vencido hoje. E ficará tudo saldado. (Põe-se a
escrever.) (VASCO, 1923, pp. 37)
30
A peça termina com o senhoril aceitando o acordo, apesar de
primeiramente apresentar alguma resistência, tentando se colocar como pobre,
e a estória termina com os personagens cantando vivas a liberdade e vivas a
greve. Com isso vencendo a exploração do aluguel e conseguindo uma vitória.
Apesar do tom cômico da situação, a peça apresenta um contexto onde
a organização desses inquilinos os leva a conseguir suas exigências. Usando
dos mais diversos meios para conseguir esse resultado, o autor preferiu usar
uma situação criativa para ilustrar essa situação, porém houveram ocasiões
mais sérias na vida real como citado anteriormente no texto, como crimes,
sabotagem e entre outros.
É nesse momento que a importância da associação se faz presente.
Neno Vasco (1923) constata que a greve é de suma importância, porém ela é
um momento do movimento operário, e para que o trabalhador consiga
realmente defender seus interesses e seu direito é necessário uma
organização mais fixa e sólida
A greve não passa dum episódio. Ainda que ela fosse um fim (e deve ser apenas um meio e um exercício), a ação das organizações operárias seria constituída dum modo permanente pela preparação para a luta, pela acumulação de meios de defesa, morais e materiais, pela educação
associativa, pela instrução, etc. (VASCO, 2018, pp.3)
Esse então era a situação industrial do mundo durante o fim do Século
XIX e começo do Século XX, a industrialização e a modernização trouxeram
uma mudança agressiva na vida dos cidadãos, e até hoje pode-se sentir os
reflexos dessa mudança drástica no cotidiano. Mostrando porque em
momentos de relações frias a união se faz tão necessária.
31
2. ANARQUISMO E GREVES NO BRASIL4
Ao pensar sobre a situação do país durante a época industrial, pode
causar certa estranheza pensar na situação econômica e social do Brasil
durante a época em que o resto do mundo passava pelo processo de
modernização e industrialização. O Brasil já apresenta nessa primeira parte da
história republicana vários polos industriais, apesar de, ao mesmo tempo, ter
uma forte presença rural. É necessário agora colocar uma lente sobre o que
acontecia em solo nacional e que consequências isso acabaria gerando,
principalmente ao trabalhador.
Logo após o fim da escravidão com a Lei Áurea de 1888, o Brasil
recebeu diversos imigrantes europeus que vinham ao país em busca de
condições melhores de vida. Esses imigrantes eram, sobretudo, italianos,
espanhóis e até mesmo portugueses. Em suma, os trabalhadores vinham com
a premissa da mão-de-obra barata para os trabalhos no campo e condições de
proletarização nos centros urbanos em expansão desde a segunda metade do
século XIX.
Devido ao longo período de escravidão negra, os patrões brasileiros
lidavam com a mão-de-obra livre de maneira muitas vezes análoga à
escravidão, deixando os trabalhadores em um estado de vida precário nos
grandes latifúndios, onde agora estavam instalados.
Esse ranço escravocrata fez com que esses trabalhadores vivessem em
uma condição constante de exploração, de modo que as pessoas viviam
muitas vezes apenas com o necessário para subsistência. Esse quadro era
particularmente mais grave no campo. As condições precárias fizeram com que
muitos imigrantes se rebelassem contra sua condição. Aqueles que
conseguiam, voltavam para seu país de origem ou iam para a cidades,
formando assim a primeira geração de trabalhadores operários no país.
Christina da Silva Lopreato (1996) aponta, em sua tese de doutorado,
que em meio a esses trabalhadores imigrantes havia aqueles que viajavam por
outros motivos. Alguns cidadãos vinham fugindo da perseguição política de
4 Trechos deste capítulo foram apresentados e publicados nos anais da XXI Semana da
História do Centro Universitário Barão de Mauá.
32
seus países de origem. Os imigrantes que apresentavam comportamentos
muitas vezes considerados subversivos eram anarquistas e socialistas. Essas
duas ideologias políticas da modernidade auxiliaram o trabalhador em seus
movimentos de resistência no período.
Essa passagem do século XIX para o século XX marca a chegada da
industrialização no Brasil e, nessa época, começam a surgir vários polos de
indústrias no país. A situação do operário brasileiro não era muito diferente da
situação do trabalhador operário britânico, além de ser também insalubre e
pobre.
Rodrigo Janoni Carvalho (2011), em seu artigo Vida e trabalho dos
operários brasileiros na passagem do século XIX para o XX, aborda como era a
situação de vida do operário brasileiro. Os operários moravam, em suma, em
bairros desvalorizados e cheios de cortiços. O autor aponta, inclusive, que,
segundo o jornalista Luiz Edmundo, a moradia dos operários era “o maior
ultraje às leis e posturas municipais”.
Claudio Batalha (2000) em sua obra O Movimento Operário na Primeira
República aponta que o operário no início do século XX atingia uma carga
horária de 14 horas de trabalho no Distrito Federal5 e 16 horas em São Paulo.
Outro detalhe que chama a atenção para a condição das fábricas é o fato de
que eram empregadas mulheres e crianças, principalmente no setor têxtil, onde
a porcentagem de mulheres empregadas era de 58% em São Paulo e 39% no
Distrito Federal, onde a produção têxtil, segundo o autor, era menor.
No livro A Era das Revoluções, o historiador Eric Hobsbawm (2016)
menciona que a necessidade de a indústria contratar mulheres e crianças para
o trabalho industrial se dá pela questão de que os mesmos recebiam um menor
salário comparados a homens adultos e pela disciplina, sendo mais fácil para
os patrões das indústrias manter o controle sobre mulheres e crianças. Para o
autor:
Nas fábricas onde a disciplina do operariado era mais urgente, descobriu-se que era mais conveniente empregar as dóceis (e mais baratas) mulheres e crianças: de todos os trabalhadores nos engenhos de algodão ingleses em 1834-47, cerca de um-quarto eram homens adultos, mais da metade era de mulheres e meninas, e o
5 Claudio Batalha usa o Termo “Distrito Federal” para se Referir ao Rio de Janeiro que durante
a época da Primeira Republica foi a capital do Brasil.
33
restante de rapazes abaixo dos 18 anos. (HOBSBAWM, 2016, p.58)
Essa decisão de contratar crianças e mulheres para assim existir um
controle maior sobre os operários também é presente no Brasil. Um exemplo
que ilustra esse fato é trazido pelo historiador Rodrigo Janoni Carvalho que,
usando um trecho do livro Belenzinho, 1910: um retrato de época do cronista
Jacob Penteado, descreve a violência sofrida por um jovem aprendiz dentro de
uma vidraçaria:
Vi, certa vez, um vidreiro, furioso porque a peça ficara inutilizada, despedaçá‐la na cabeça do mal‐aventurado aprendiz, que berrava feito louco, pois os pedaços de vidro, ainda quente, penetraram‐lhe pela camiseta adentro. E o monstro ainda ria, ao ver sua vítima
pulando de dor. (CARVALHO, 2011, p.101)
José de Souza Martins (1993) descreve, em um artigo chamado A
aparição de um demônio na fábrica, um acontecimento um tanto curioso. Em
uma indústria de São Caetano do Sul, subúrbio da cidade de São Paulo,
durante uma semana, operários viram a presença de um demônio em meio a
fábrica durante a produção. Assim, em meio às condições de trabalho junto à
nascente indústria, os operários acabavam apelando para o imaginário arcaico
para compreender melhor a situação que viviam.
Além da relação cultural sublinhada pelo autor, fundamental é entender,
junto aos grupos trabalhadores, o apelo para o imaginário religioso colocando
um demônio em meio a fábrica. Pode-se perceber também que os operários
poderiam estar tendo uma alucinação devido ao estresse, visto que as cargas
de tempo no trabalho eram de 12 a 16 horas, muitas vezes com apenas uma
única pausa para o almoço.
Em vista da exploração que imperava nas fábricas, foi marcante a
presença de movimentos revolucionários e organizações operárias entre as
indústrias da cidade. Com isso, os movimentos anarquistas e socialistas tomam
forma e começam a tomar atitudes, tendo ali suas diversas ramificações,
alguns sindicalistas, outros internacionalistas e etc. O presente capítulo tratará
bastante sobre a presença desses movimentos operários no Brasil e as
reflexões sobre o que acontecia com o operariado durante esse período.
34
2.1 Movimentos anarquistas
Ao colocar uma lente sobre a história do operário no mundo, pode-se
perceber que os movimentos sindicais e trabalhistas eram muito presentes em
seu cotidiano. As ideologias políticas não eram, logicamente, o único foco na
vida do operariado. Como o historiador Eric Hobsbawm (2015) comenta em seu
livro Mundo do Trabalho: Novos estudos sobre a História Operária, os trabalhos
sobre ciências sociais não eram realizados por historiadores de formação, o
que fez com que muitos dos trabalhos sobre o operariado tivessem um
compromisso maior com questões políticas e não com análises puramente
socio-históricas, sendo então produzidos por pessoas que tinham certas
ligações com a classe operária. Porém, o foco da presente monografia é
justamente a história sobre a política operária brasileira, sendo assim, será
dado um enfoque nos movimentos anarquistas, devido à grande participação
que tiveram na época.
Ao tratar sobre a anarquia no Brasil, é necessário entender o processo
de imigração europeia no país. Sabe-se que os imigrantes viviam em situações
precárias, mas o que incentivava a vinda dessas pessoas?
O historiador Edgar Rodrigues (1984) aponta que a Itália havia acabado
de passar um longo período conturbado de conflitos devido ao processo de
unificação italiano, e as consequências dos conflitos foram um pais com um
alto número de desempregos e superpopulação – visto que agora todas as
províncias haviam se tornado um único país. Segundo Rodrigues, os patrões
que então começaram a contratar esses imigrantes que vinham da Itália não
pensavam nas vidas das pessoas que agora estavam vindo e, por isso,
ignoravam questões essenciais para a vida dos mesmos, como por exemplo o
fato de que muitos tinham que sustentar famílias. Nesse sentido,
Por cima de uma cega ambição que lhes impossibilitava de enxergar os direitos, as necessidades de quem trabalha, os patrões ainda pensavam que os trabalhadores não tinham cérebro! Por isso cometeram brutalidades de todos os níveis, levando os trabalhadores a organizar associações de classe, sociedades de resistência, e
tornar funcional os movimentos de ação direta. (RODRIGUES, 1984, p.13)
35
Essa ambição cega nomeada por Edgar Rodrigues (1984), que vai ser
chamada de “ranço escravocrata” por Christina da Silva Lopreato (1996) é
então o causador da condição precária dos trabalhadores. Rodrigues então
começa a discorrer sobre os movimentos revolucionários no Brasil. Ele começa
constatando como o Quilombo dos Palmares teve importância para difundir as
ideias de luta entre as linhas do povo brasileiro. A influência do anarquismo
começa a crescer consideravelmente entre os trabalhadores, sendo normal
encontrar descendentes de italianos com nome Malatesta, Cafiero, Liberto
entre outros. A influência anarquista se estendeu de tal maneira que foram
feitas comunidades anárquicas, como Guararema e a Colônia Cecília.
Toda essa forte presença anarquista no Brasil acontece na época do
império, logo ao fim da escravatura, porém qual era a luta anarquista durante a
república? E quais mudanças a república trouxe aos anarquistas? Edgar
Rodrigues responde o questionamento sobre as mudanças ao apresentar o
dado de que, ao começo da primeira república, os integrantes da Colônia
Cecília receberam um “ordeno” dizendo que teriam que pagar um imposto de
oitocentos e cinquenta contos de réis, dinheiro esse que seria uma cobrança de
impostos atrasados que a comunidade não havia pagado até então.
O historiador Paulo Alves (1986), ao escrever o artigo O Anarquismo e o
Estado no Brasil no século XX, aponta sobre o posicionamento do libertário
José Oiticica para com a república, publicado no Jornal Correio do Amanhã.
Para ele,
O republicanismo, o parlamentarismo, o sistema representativo, em suma, teve seus apóstolos, seus teoricistas, seus executivos fieis, desafogou um pouco a ânsia de rebeldia e logrou, como resultado principal, iludir o proletariado, dar-lhe a crença de libertação com a
velha moeda do Sufrágio. (ALVES, 1986, p.42)
O texto de José Oiticica6, que se chama Sufrágio Universal7, começa
comentando o significado do sufrágio segundo o anarquista francês Jean
Grave, que o define como algo medíocre. José demonstra nesse texto sua
6 O Correio do Amanhã, Rio de Janeiro, 28/08/1918. 7 Bakunin também comenta sobre a questão do voto e da ilusão de poder no texto “Ilusão do Sufrágio Universal”, onde analisa a ilusão do voto, a desmoralização dos partidos radicais, e que a posição de poder em relação ao povo torna impossível a representatividade por parte dos governantes.
36
crítica ao governo republicano e ao que ele diz, como já citado acima, ser a
ilusão de liberdade e poder que o Estado passa ao povo. A população tem a
impressão de que, ao votar, está escolhendo candidatos que lhe representam
para ocupar cargos de poder no Estado e assim tomar medidas para que os
interesses da população sejam levados em conta, porém, por trás do discurso
político de representatividade estava na realidade o interesse em poder e
opressão.
Ao analisar a raiz do pensamento anárquico, vemos que a república já
começava a ser questionada. O economista francês Pierre-Joseph Proudhon
(1975) foi o primeiro a se proclamar abertamente anarquista. Em seu livro O
que é a propriedade?, Proudhon (1975) faz um interessante jogo de palavras
para questionar os conceitos políticos de república:
Que forma de governo vamos preferir? - Eh! podeis perguntá-lo, responde, sem dúvida, algum dos meus leitores mais novos; sois republicano. - Republicano sim; mas essa palavra nada precisa. Res publica, é a coisa pública; ora quem quer que queira a coisa pública,
sob qualquer forma de governo que seja. (PROUDHON, 1975, p.234)
Nesse mesmo livro, Proudhon critica abertamente a Revolução Francesa
pois, segundo o autor, a dita Revolução havia causado um espírito de
contradição. O movimento francês, segundo Proudhon, não havia sido
planejado, havia crescido se baseando apenas em cólera e ódio e, por isso,
não havia apresentado mudanças, sofrendo influências de todos os
preconceitos que buscava banir e todas as grandes reformas que alegavam
acontecer eram mentira.
Mikhail Bakunin (2011) aborda em Deus e o Estado, obra já citada
anteriormente, o fato de que o olhar que o Estado e a Igreja têm para com a
sociedade é um olhar de pai para filho, e essa posição de patriarca não muda
independente de qual espécie de governo se instaura em uma sociedade:
O Estado não se chamará mais monarquia, chamar-se-á república, mas nem por isso deixará de ser Estado, isto é, uma tutela oficial e regularmente estabelecida por uma minoria de homens competentes, gênios, homens de talento ou de virtude, que vigiarão e dirigirão a conduta desta grande, incorrigível e terrível criança, o povo. Os professores da Escola e os funcionários do Estado chamar-se-ão republicanos; mas não deixarão de ser menos tutores, pastores, e o
37
povo permanecerá o que foi eternamente até agora: um rebanho.
(BAKUNIN, 1975, p.29)
Pensar então, segundo os autores anarquistas citados, que haverá
alguma mudança no sistema opressivo em relação ao povo causada por uma
mudança na gestão do governo é nada mais que ilusão. A base sobre a qual
qualquer Estado se estrutura é em uma base de desigualdade e assim eles se
mantêm, mantendo inclusive estruturas sociais de repressão social.
No Brasil, a mudança para a república também não apresentou
mudanças significativas no que diz respeito ao direito popular e à
representatividade. Inclusive, podemos afirmar que a situação nacional chegou
a piorar, tendo desencadeado movimentos antirrepublicanos, tais como
Canudos.
A historiadora Silza Maria Pasello Valente (1994) toma a liberdade de
dividir o anarquismo no Brasil em três fases para assim ter uma compreensão
maior sobre a influência do movimento anarquista no Brasil. Eis o roteiro:
1ª Fase – compreende o período 1850-1888: proibição do tráfico negreiro até a abolição da escravatura. 2ª Fase - abrange o período 1889-1906: proclamação da República - até o I Congresso Operário Brasileiro. 3ª Fase - abarca o período 1906-1922: data de fundação do Partido
Comunista. (VALENTE, 1994, p.4)
A primeira fase e o começo da segunda já foram abordados
anteriormente: o período de fim da escravatura, chegada do imigrante europeu,
e a república substituindo o império no Brasil. Já a outra metade da segunda
fase se refere ao Congresso Operário Brasileiro.
Esse congresso foi organizado por grupos anarcosindicalistas no ano de
1906 e contou com a participação de quarenta e três delegados vindos de
vários estados brasileiros representando as vinte e oito associações de
trabalhadores do país, aprovando a filiação das teses do congresso ao modelo
revolucionário francês8.
O historiador Tiago Bernardon (2009) em sua tese Anarquismo, sindicato
e revolução no Brasil disserta sobre a relação entre o anarquismo e o
sindicalismo como ideologias políticas. É fato, segundo o autor, que as duas
8 Referente ao modo de organização sindical francesa.
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estão diretamente relacionadas, tendo inclusive uma ideologia que une as duas
sobre o mesmo nome, o anarco-sindicalismo, tendo como autor base Bakunin.
Porém, segundo o autor, parece não existir um consenso sobre a identidade
dessas duas em trabalhos historiográficos.
Jean Maitron, ao analisar a história do anarquismo na França, já ponderou sobre a falta de consenso entre os historiadores quando tratam do sindicalismo revolucionário e do anarquismo. Para uns, o sindicalismo revolucionário nasce do anarquismo, e a história de ambos passa a ser dissociável uma da outra a partir dos anos subsequentes à Comuna de Paris. Para outros, são duas correntes completamente diferentes, e o sindicalismo revolucionário seria, quando surgiu, algo novo, um herdeiro do anarquismo e do socialismo, ao mesmo tempo em que é uma ruptura com o
anarquismo, assim como este foi com o socialismo. (OLIVEIRA, 2009, p.64)
Apesar dessa afirmação por parte do autor de que não existe consenso,
o historiador Anderson Romário Pereira Corrêa (2016), em seu artigo
Sindicalismo Revolucionário e Anarco-sindicalismo: um estudo dos Congressos
Operários no Rio Grande do Sul (1898 – 1928), oferece uma definição da
diferença entre o sindicalismo e o anarco-sindicalismo.
O Sindicalismo Revolucionário não se coloca explicitamente vinculado ao anarquismo. Porém pode-se afirmar que o Sindicalismo Revolucionário é uma estratégia dos anarquistas. Havia anarquistas que defendiam o Sindicalismo Revolucionário e outros que defendiam o Anarcosindicalismo. A diferença é que o Sindicalismo Revolucionário não exige a filiação a uma ideologia ou a um partido e o Anarcosindicalismo defende que o sindicato é anarquista. (CORRÊA, 2016, p.2)
O Congresso não tem apenas participação anarquista, porém é evidente
sua grande influência para com o movimento trabalhista. O historiador Claudio
Batalha (2000) cita que o anarquismo e as correntes anarquistas no Brasil
começaram a ser difundidas através de jornais periódicos e grupos de
propaganda. Batalha também comenta que em São Paulo esses jornais eram
todos feitos por imigrantes italianos, porém no Rio de Janeiro já surgiam jornais
de brasileiros, portugueses e espanhóis. Os grupos anárquicos no Brasil eram
influenciados por Pietr Kropotkin e Erico Malatesta, que são considerados
39
anarco-comunistas9. Há também a influência de Max Stirner com o anarco-
individualismo10.
Claudio Batalha (2000) então discorre sobre greves que ocorreram em
1906 e 1907, com paralisações nas atividades portuárias em Santos e no Rio
de Janeiro, nas áreas de mercadorias, além da greve ferroviária da Companhia
Paulista e das famosas greves pela jornada de trabalho de oito horas, entre
outras. Todos esses movimentos grevistas tinham como objetivo melhorias no
trabalho, como por exemplo a Revolta da Chibata em 1910, na qual
marinheiros tomaram um navio para reivindicar o fim dos castigos físicos a
bordo. Grande parte dessas revoltas sofreram repressões imediatas do Estado,
mas, mesmo com isso, os movimentos por melhores condições no trabalho
continuavam a crescer a tomar forma.
2.2. Sobre as greves
Tratar sobre greves é tratar sobre indústria e operariado. É de fato
necessário quando se coloca uma lente sobre um movimento grevista entender
que a origem do movimento grevista vem na mesma época da industrialização
do trabalho. Vladmir Lenin trata em um capítulo de seu livro Sobre os
Sindicatos dos movimentos grevistas e de suas origens.
Lenin (1961) de antemão começa explicando que o movimento grevista
é advento direto do capitalismo industrial, pois no contexto da industrialização
do trabalho e do sistema econômico é onde o operário e o patrão irão travar de
vez uma luta: a luta pelo salário. Lenin dá então a definição do capitalismo e de
suas consequências.
Denomina-se capitalismo a organização da sociedade em que a terra, as fábricas, os instrumentos de produção, etc., pertencem a um pequeno número de latifundiários e capitalistas, enquanto a massa do povo não possui nenhuma ou quase nenhuma propriedade e deve,
por isso, alugar sua força de trabalho. (LENIN, 1961)
9 Também conhecido como “Comunismo Libertário”, tem como objetivo construir uma forma confederal nas relações de ajuda mútua e livre associação entre comunas, com organização autogestionária deixando de lado a organização estatal. 10 Influenciada também pelo alemão Friedrich Nietzsche, visa a satisfação própria acima de qualquer outra coisa. Acima da sociedade, da cultura, da economia, da política, deve imperar a vontade individual. Após a emancipação total, os indivíduos deveriam se aliar voluntariamente, através dos acordos mútuos, compondo uma união, um conceito que visa a satisfação e acordos mútuos entre todos os integrantes livres.
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Ou seja, o capitalismo se dá pela concentração de riquezas em uma
determinada classe, que no caso é o patrão. Sendo assim, a riqueza ficando
concentrada apenas na classe em questão fará com que o operário e o patrão
entrem em um conflito pelo salário. O patrão terá a liberdade de contratar o
trabalhador que achar melhor qualificado para que este lhe produza mais lucro,
e o operário tem a liberdade de escolher um patrão que pague um salário mais
alto.
Porém, Lenin aponta que o operário por si só não é capaz de sustentar
esse embate por conta. O operário, ao contrário do seu adversário na luta de
classes, vive em uma condição precária de vida. A luta é desigual. O operário,
devido a sua condição de pobreza, não consegue resistir a salários baixos,
muitas vezes sendo forçado a aceitar empregos com salários menores para
pelo menos ter alguma fonte de renda. A indústria agravou esta pobreza, visto
que o operário que é substituído pela máquina ficou sem emprego.
Sendo assim, entende-se que o contexto industrial foi o principal
causador da greve entre os operários. Mas qual é a importância da greve para
o movimento operário? Lenin responde essa pergunta citando a frase de um
ministro do interior alemão: “A greve é a Hidra da revolução”. O movimento
grevista é importante porque mostra ao trabalhador sua força e que, com luta
organizada, o mesmo pode exercer poder contra a opressão.
Toda esta engrenagem é movida pelo operário, que cultiva a terra, extrai o mineral, elabora as mercadorias nas fábricas, constrói casas, oficinas e ferrovias. Quando os operários se negam a trabalhar, todo esse mecanismo ameaça paralisar-se. Cada greve lembra aos capitalistas que os verdadeiros donos “não são eles, e sim os operários, que proclamam seus direitos com força crescente. Cada greve lembra aos operários que sua situação não é desesperada e
que não estão sós. (LENIN, 1961)
É então que Lenin conclui o texto falando que a greve é crucial para a
criação da consciência de classe. Porém, o movimento grevista não é a única
forma de luta, e sim uma forma de luta. O operário, segundo Lenin, não deve
se prender apenas à greve e sim de maneira gradativa iniciar a revolução por
um estado operário. Essa gradação seguirá em várias formar de luta até que
todos os movimentos operários estejam unidos e se tornem socialistas, e é
nesse momento, quando for fundado um partido operário socialista, que os
41
operários terão organização e força para fazer a revolução e conseguir seus
direitos.
A fala de Vladmir Lenin sobre a greve como forma de despertar a
consciência de classe nos operários é bem condizente com o contexto
brasileiro. A historiadora Christina da Silva Lopreato, já citada anteriormente,
em sua dissertação Espirito de Revolta – A greve geral anarquista de 1917
mostra logo no início do primeiro capítulo como o início da greve dos tecelões
da fábrica Mariângela no bairro do Brás em São Paulo influenciou na greve
geral de 1917, mostrando como o sentimento de indignação foi crescendo aos
poucos nos operários, indignação essa que começa com a morte do operário
José Ineguez Martinez durante a ação da polícia contra a greve.
Sendo assim, o movimento de greve se faz importante durante a luta
social não apenas pelas esperadas vitórias quando se iniciam o movimento,
mas também pelas consequências trazidas para a luta social.
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3. CONFLITOS SOCIAIS E MODERNIDADE EM RIBEIRÃO PRETO
Neste capítulo será dado um enfoque na região de Ribeirão Preto, no
interior paulista. O Brasil ainda não tinha uma industrialização em massa,
tampouco um processo de Revolução Industrial como no caso da Inglaterra;
porém já começavam a surgir os primeiros polos de industrialização contando
com algumas fábricas e indústrias no interior. Com as transformações do
mundo urbano-industrial em um país periférico, a presença do conflito social e
das questões trabalhistas também começou a ser sentida e vivida nas regiões
do interior.
Uma análise do conflito social e trabalhista em uma região interiorana,
contudo, não pode ficar limitada ao contexto urbano. Por isso, no presente
capítulo, ao contrário dos momentos anteriores da pesquisa, discutiremos
também o lugar dos trabalhadores rurais no contexto dos conflitos sociais e da
construção de formas de solidariedade e agremiação (sindicatos). A ideia, com
isso, é conferir uma reflexão mais abrangente sobre o movimento trabalhista na
cidade, falando sobre os cafeicultores, os movimentos nas fazendas, etc.
3.1 Organização trabalhista nas fazendas de café11
No presente tópico, o texto será guiado pelas indicações de pesquisa
apresentadas no livro Os Comunistas de Ribeirão Preto, da historiadora Lilian
Rosa (1997), e no livro Trabalhadores Rurais em Ribeirão Preto, da
historiadora Maria Angélica Momenso Garcia (1997). No começo do século XX,
com a ascensão da economia cafeeira, o interior paulista passou por
transformações importantes. As cidades onde o café impulsionava a economia
são atualmente objeto de estudo de historiadores que pesquisam sobre o
“coronelismo” e a “política do café-com-leite” (ROSA, 1997).
Segundo a historiadora Maria de Lourdes M. Janotti (1989), o
coronelismo foi uma herança do período colonial na república, onde o interior
11 As fontes desta parte do texto provem do jornal O Engenheiro, escrito por Divo Marino. Existe uma escassez de informações para referenciar o jornal e o artigo em questão, mas o mesmo pode ser encontrado no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto.
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era, em contraste com os centros urbanos, um polo no poder das pessoas que
possuíam terra. Janotti (1989) começa então a caracterizar o coronel como
figura social, uma vez que, durante muito tempo, os coronéis eram
característicos por serem fazendeiros possuidores de várias propriedades em
diversos distritos.
Esse coronel fazendeiro era o que mais se aproximava do senhor de
engenho da antiga sociedade patriarcal, sendo uma espécie de elo. Mas seu
prestígio, convém reforçar, provém da distribuição de patentes da Guarda
Nacional nos tempos do Império. Esse coronel representava uma figura
sociológica e econômica do Brasil escravocrata e das transformações do Brasil
moderno capitalista. Esse elo de transição, segundo a autora, não é
revolucionário e não é uniforme, ou seja, os coronéis eram uma espécie de
manifestação de poder específica de certas regiões do interior.
Apesar de ter essa figura de transição, de representar a evolução
econômica, o coronel também tem um paradoxo referente a ele, ou seja, os
coronéis auxiliam o processo de centralização do poder do Estado. A região do
interior brasileiro, segundo Janotti (1989), sempre fora abandonada pelo poder
público, ficando à mercê da autoridade discricionária dos donos de terra.
Na cidade de Ribeirão Preto, os coronéis do café também tinham poder
não apenas econômico como também político. Pode-se dizer que isso já era de
praxe para os possuidores de terra nas regiões do interior, com isso chegando
até a formar um partido político na cidade, como diz Lilian Rosa:
O Partido Republicano Paulista, criado em 1873, era o órgão que representava a política dos “coronéis do café”. O PRP defendia a autonomia municipal que daria aos cafeicultores maior poder econômico para efetuar transações comerciais com o mercado externo. Seus representantes negociavam com o governo federal medidas que pudessem beneficiar os produtores do café, fundindo os
interesses econômicos pessoais com os interesses públicos [...]. (ROSA, 1989, p.23)
Focando na questão do trabalho, a situação na qual se encontrava o
trabalhador na cidade era também precária. Os trabalhadores eram, em boa
parte, imigrantes e viviam com apenas o que era necessário para
sobrevivência. Um exemplo disso é um costume que foi adotado pelos
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trabalhadores rurais de plantar cereais entre as fileiras de café para, assim,
conseguirem o sustendo da família e, mais tarde, mudar-se para a cidade.
O grande problema no Brasil nessa época, no que se refere a questões
trabalhistas, é que o trabalhador não tinha como reivindicar legalmente os seus
direitos. A CLT (Consolidação dos Direitos dos Trabalhadores) ainda não havia
sido criada, e o trabalhador então tinha escassas opções de atitudes a tomar
caso algum patrão o fizesse passar alguma situação onde seus direitos fossem
feridos. Lilian Rosa (1997) comenta que, em casos de abuso por parte do
patrão, o imigrante do campo poderia recorrer ao consulado de seu país,
porém, apesar deste se dizer a favor dos trabalhadores imigrantes, geralmente
mantinha uma posição conciliatória entre o patrão e o trabalhador.
Devido à situação crítica em termos de condições por parte desses
trabalhadores, surgem então movimentos de organização dos trabalhadores e
de contestação. Segundo Lilian Rosa (1989), os dois movimentos mais
expressivos nesse começo do século XX são as greves de 1912 e 1913, que
envolveram milhares de trabalhadores das fazendas de café na região de
Ribeirão Preto. A autora constata a escassez de fonte para analisar de
maneira mais profunda esses movimentos; porém, a partir do que temos sobre
eles, é possível tirar algumas conclusões, como por exemplo o fato de uma das
reivindicações do movimento ser melhoria na condição de trabalho.
A historiadora Maria Angélica Momenso, em seu livro Trabalhadores
Rurais em Ribeirão Preto (1997), faz também um estudo sobre as tendências e
as lutas sociais nos trabalhadores da cidade. Entre os anos 1890 e 1920
começam a surgir entre os trabalhadores, de maneira difusa, as ideologias
socialistas e anarquistas. Essas ideologias estavam presentes sobretudo junto
a líderes imigrantes e um exemplo disso é o português Neno Vasco, já citado
anteriormente.
Momenso aponta que é importante analisar que, junto ao movimento
socialista brasileiro, costumava-se adotar também uma medida reformista além
da revolucionária. O socialismo reformista liderado por Antônio Piccarolo tinha
como foco as reformas sociais de maneira gradativa, tendo em vista uma
espécie de socialismo que encontrava algum espaço entre os trabalhadores do
movimento que eram imigrantes.
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O socialismo reformista de Piccarolo tinha como objetivo a mudança
social, porém, mantendo o avanço do capitalismo, de modo que o objetivo do
movimento reformista era diminuir o poder das oligarquias, mas ainda assim
manter o sistema de exploração da força de trabalho, tendo um discurso de
ascensão pelo emprego e facilitando assim a industrialização da área rural.
A autora, após explicar o socialismo reformista de Piccarolo, aponta que
em 1902 houve o Segundo Congresso Socialista em São Paulo, onde diversas
frentes socialistas participavam. O interior também estava presente e, sendo
assim, alguns movimentos socialistas foram representar a cidade de Ribeirão
Preto. Entre eles estavam o Grupo Socialista Feminino de Ribeirão Preto,
representado por Rina Ranzenigo, e o Ciclo Socialista Internacional de Ribeirão
Preto, representado por Andrea Ippolito. Havia também outras frentes
socialistas de outras cidades do interior como Batatais, Cravinhos, etc. O
objetivo do congresso, segundo a autora, é a formação de um partido socialista
para que, assim, a luta operária fosse organizada. A autora lista as propostas
de partido decididas durante esse congresso:
Foi aprovado um programa mínimo de 36 reinvindicações, entre elas jornadas de 8 horas de trabalho; reconhecimento dos direitos de cidadãos brasileiros a todos os estrangeiros que tivessem um ano de residência no país; direito de instrução as crianças de até 14 anos encarregando-se o governo de providenciar escolas rurais e
profissionais [...]. (MOMENSO, 1997, p.107)
Após a relação entre o Congresso Socialista e a região de Ribeirão
Preto, Maria Angélica Momenso (1997) trata sobre os jornais socialistas, com
destaque para a criação do Jornal Avanti, que era escrito em italiano e
abrangia boa parte da população imigrante divulgando ideias socialistas. Em
Ribeirão Preto, um dos jornais que ajudou a divulgar as ideias na cidade foi o
jornal O Operário, que tinha também um viés de luta trabalhista.
Outra tendência que se destacou no movimento operário e logo chegou
com sua influência no interior foi a tendência anarquista. O anarquismo,
segundo a autora, teve tanto no Brasil quanto na Europa diversas correntes
que originaram tendências diferentes no interior do movimento. Ela cita as três
principais: o anarcomutualismo, o anarcossindicalismo e o anarcocomunismo.
O anarcomutualismo proudhoniano pretendia substituir o Estado por uma livre-
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associação de produtores diretos que iram possuir os meios de produção. Um
exemplo dessa ideia de mutualismo pode ser entendido ao pensar-se em uma
fábrica. Segundo o conceito proudhoniano do que deveria ser o trabalho em
uma fábrica, os próprios funcionários iriam se organizar em assembleias
autogestionárias nas quais iriam decidir os rumos da fábrica, compra de
materiais, etc. Ao fim do mês, os lucros tirados do trabalho são divididos
igualmente entre todos os empregados.
O anarcossindicalismo bakuniano já se diferencia do mutualismo por
optar por uma coletivização dos meios de produção e principalmente pelas
organizações sindicais. O anarcossindicalismo de Bakunin propõe dividir a
sociedade em organizações sindicais, e assim, o povo poderia se governar por
meio de assembleias. A ideia principal do anarcossindicalismo e do
anarcomutualismo é focar o poder na população, de modo a não abolir o poder,
mas sim dividi-lo entre todos.
O anarcocomunismo, já explicado anteriormente no trabalho, se
diferencia dos dois outros sistemas anárquicos por afirmar que eles manteriam
o sistema de exploração e assim abririam espaço para surgir novas espécies
de desigualdade. Os métodos sociais bakuniano e proudhoniano mantêm a
base na quantidade e qualidade de trabalho e mantêm a lógica do salário que
seria administrado pelos “bancos operários”.
O movimento anarquista tem grande força entre os trabalhadores,
apesar de existirem conflitos entre os empregados devido à cor, nacionalidade
e diversas ideologias que circulavam no período. Mas não é de se negar que
os movimentos socialistas e anarquistas tiveram grande influência nos
movimentos sociais para levantar as massas populares na cidade,
principalmente para os eventos de reinvindicação de direitos.
Colocando sobre a cidade um olhar historiográfico, pode-se perceber
várias formações sindicais que serão tratadas com mais vagar durante este
tópico. Ao iniciar este assunto é necessário ter a definição de três conceitos-
chave: (1) O que é o sindicato? (2) O que é o movimento sindicalista? E (3)
qual é a importância desse sindicato para a luta dos trabalhadores?
O historiador Edgar Rodrigues (2004), na obra O ABC do Sindicalismo
Revolucionário, aborda justamente esse assunto. O sindicato não é
necessariamente revolucionário, inclusive uma das bases da teoria sindicalista
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é não se apoiar ideologicamente em nenhuma teoria, apesar de a prática
costumar ser contrária, como já citado anteriormente no segundo capítulo deste
trabalho com o texto de Anderson Romário Pereira Corrêa (2016).
Porém, especialmente nessa época, a organização sindical se dá muitas
vezes por grupos sociais de cunho político, como anarquistas, comunistas,
socialistas reformistas, etc. Rodrigues (2004) inicia a obra oferecendo uma
definição de o que é o sindicato, já que, segundo o autor, é:
Célula da organização corporativa, constituída por assalariados da mesma profissão, da mesma indústria, executando trabalhos similares ou correlatados. O objetivo do sindicato é tornar-se uma força, criar para seus associados condições capazes de resistir as ambições patronais no plano individual e profissional. (RODRIGUES, 2004, p.15)
O autor então começa a explicar as várias correntes sindicalistas que
existem no Brasil, tais como o sindicalismo autônomo, sindicato político,
sindicato reformista e outros. O que será destacado devido à proximidade com o
assunto é um ponto específico, ou seja, o sindicato revolucionário ou
anarcossindicalista. Segundo as historiadoras Lilian Rosa (1997) e Maria
Angélica Momenso (1997), o anarcossindicalismo teve sua forte influência entre
os trabalhadores na cidade, principalmente italianos.
Rodrigues (2004) explica que o sindicato revolucionário é aquele
formado a partir de doutrinas aprovadas nos congressos da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT). Esse sindicato prevê, dentro de suas
múltiplas funções, a educação social, a instrução racionalista, a disseminação de
uma cultura ampla e a preparação para que os vinculados ao sindicato consigam
desenvolver habilidades artísticas, entre outras atividades culturais que o
sindicato julgasse necessário para instruir o filiado. Com isso, esse sindicato
revolucionário pretende preparar o filiado para a resistência, tendo um viés
libertário/revolucionário. Por isso, o sindicato é onde o trabalhador irá se
preparar para o confronto com qualquer um que o negue de seus direitos.
Na cidade de Ribeirão Preto, o movimento sindical tem início na zona
rural com os trabalhadores do campo. O jornal O Engenheiro, com o artigo de
Divo Marino, cita que o primeiro registro de greve vem da fazenda “Iracema”
pertencente a Francisco Schmidt em 1912. Essa possivelmente foi a primeira
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greve nas fazendas da Alta Mogiana. O sucesso da greve, segundo o jornal, se
deve ao fato de que os trabalhadores se organizavam de uma forma que seria o
primitivo de um sindicato. Os participantes dessa organização sindical eram
imigrantes chamados de “schiavibianchi”, que eram orientados por um diretório
secreto.
A vitória da greve foi fruto do trabalho de um de um primitivo “Sindicato” firmado por setenta famílias de colonos, imigrantes eram chamados de “schiavibianchi”, que, sem chefes visíveis eram orientados por um “diretório” secreto.12
Ao pensar na organização das famílias desses colonos, conforme o texto
publicado pelo jornal, percebe-se uma influência anarcossindicalista na
organização pela parte dos trabalhadores. Percebe-se esse detalhe ao pensar
sobre a falta de líderes, uma vez que a organização sindical era feita pelos
próprios trabalhadores que, pode-se deduzir, deliberavam a respeito dos atos
grevistas através de reuniões. Essa organização sindical auxiliava greves
contra os oligarcas do café e foi, segundo próprio jornal, peça-chave no conflito
por reinvindicações trabalhistas no período.
A Alta Mogiana sempre foi um polo econômico durante a época cafeeira,
de modo que a ênfase regional na produção do café durante o apogeu deste
período econômico gerou, além da urbanização e da diversificação
socioeconômica, transformações de infraestrutura – especialmente após o
advento da ferrovia na cidade nos anos 1880. Devido a isso, as formas de
organização sindical e de agremiação por lutas trabalhistas foram perseguidas
duramente naquele período. Porém, convém enfatizar, a perseguição a esses
movimentos libertários não durou apenas durante o momento do café. O jornal
então cita que em 1955, diante da greve dos trabalhadores assalariados da
fazenda São Sebastião do Alto, o líder do sindicato, Nazareno Ciavata, foi
preso.
Em 1903 foi permitida por lei a função dos sindicatos para a
representação profissional das atividades ligadas a agricultura e a pecuária;
passados 41 anos, em 1944, foi novamente promulgado um decreto-lei que
novamente permitia a organização sindical no campo. Porém essas leis
12 Trecho retirado da primeira parte da matéria onde o jornal trata sobre os sindicatos.
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funcionaram como “palavras mortas”, pois apenas nos anos 1960, a Frente
Agrária, organização ligada à Igreja e advogados, criou na Alta Mogiana uma
rede de sindicatos direcionados a trabalhadores do campo. Então, a partir
dessa época, a justiça do trabalho ribeirão-pretana começou a reconhecer as
primeiras reclamações trabalhistas dos empregados rurais.
O sindicalismo citado anteriormente diz respeito ao sindicalismo rural,
que é dedicado aos sindicatos no campo. Contudo, a partir do momento em
que a cidade começa a apresentar indícios de industrialização e urbanização
em massa, surge uma nova espécie de sindicalismo para atender ao
trabalhador, de modo que agora o sindicalismo urbano passou a ficar mais
presente.
Dessa maneira, o sindicalismo urbano já nasceu em outro contexto, pois na
cidade de Ribeirão Preto o número de trabalhadores nunca conseguiu uma
organização exatamente concreta em questões de sindicatos. Nessa época, o
movimento sindical já havia sido altamente desmoralizado, ao olhar o jornal O
Engenheiro, a comentários sobre a desmoralização das organizações sindicais.
Nos primeiros anos do Século XX era geralmente pequeno o número de trabalhadores de cada categoria, profissional em Ribeirão Preto, realidade que pulverizava as tentativas de aglutinamento dos operários de uma profissão numa entidade que defendesse interesses obreiros. E se por ventura fosse instalada uma “associação” agrupando os trabalhadores de uma categoria (por exemplo, só de pedreiros) dedicada a defesa de interesses de classe, era normal esta entidade ser marcada, pelo preconceito, como “anarquista”, e padecer de repressão policial.13
Essa desmoralização dos movimentos sindicais vem aliada a outro
processo que já acontecia há muito tempo: a desmoralização dos movimentos
anarquistas no Brasil. Os jornais republicanos como Correio Paulistano, que
era o principal órgão do Partido Republicano Paulista, já noticiavam a chegada
desses imigrantes e já colocavam os anarquistas como “perigosos indivíduos” e
“chefes e partidários dessa ideologia destruidora” (LOPREATO, 1996).
13 Esse trecho se refere ao início do movimento sindical urbano na cidade, pelo Jornal o Engenheiro.
50
Imagem 1: Trechos do Correio Paulistano onde o jornal fala sobre os imigrantes e anarquistas
Fonte: Biblioteca Terra Livre, 2016
É com a chegada da estrada de ferro e com a crescente presença do
anarcossindicalismo, que os trabalhadores foram convocados para formar a
primeira organização trabalhista, a União Geral dos Trabalhadores (UGT), que
começou com o objetivo de ser uma entidade de auxílio mútuo entre os
trabalhadores. A UGT, além de questões políticas e trabalhistas, trazia
possibilidades de lazer e etc.
Ao analisar o primeiro estatuto da UGT, a historiadora Lilian Rosa (1997)
aponta que é possível perceber várias influências diferentes de ideologias
variadas no texto. Segundo a autora, o texto teria influência anarquista,
comunista e dos reformistas que eram então chamados de amarelos pelos
outros componentes da organização sindical. As três ideologias presentes são
as principais protagonistas de movimentos de cunho trabalhista e
principalmente operário, sendo assim a organização sindical contou com vários
componentes necessários na reinvindicação de direitos.
51
3.2 Greves
No que se refere às greves, no segundo capítulo já tratamos de sua
importância para os movimentos trabalhistas, principalmente operários, de
modo que aqui focaríamos na questão das greves no interior paulista. Ao
começar por greves urbanas, a historiadora Lilian Rosa (1997) aponta como a
cidade se tornou um polo de atração de migração no início do século XX, e
com isso vem a diversificação da zona comercial. Devido ao fato da cidade ser
do interior, o número de trabalhadores rurais era maior. Os operários estavam
espalhados por toda a cidade em pequenas e médias oficinas.
Com essa questão, os operários enfrentavam uma divisão geográfica, o
que dificultava, a primeiro momento, os movimentos operários de se formarem
e agirem. Os movimentos mais tarde seriam palco de disputas entre grupos
socialistas, anarcossindicalistas e reformistas. Porém, isso seria um pouco
mais para frente no tempo (ROSA, 1997).
Como consequência do primeiro congresso operário, em 1906, duas
greves se deram em cidades do interior de São Paulo: uma em 1906 e outra
em 1907, como a autora aponta sobre a greve a influência anarquista:
Como consequência da agitação iniciada com o Primeiro Congresso Operário, eclodiram movimentos grevistas em 1906 e 1907. O primeiro deles aconteceu entre os dias 15 e 17 de maio de 1906, entre os trabalhadores da Companhia Paulista de Estradas de Ferro de Campinas e Jundiaí, local em que Edgar Leuenroth realizara um comício sobre o Congresso, do qual participara. Refletindo acontecimentos a greve espalhou-se pela capital e arregimentou outras categorias. O movimento terminou no fim do mês de maio, esmagado pela polícia, temerosa que a greve se estendesse por
outras companhias ferroviárias. (ROSA, 1997, p.33)
Esses acontecimentos tiveram alguma repercussão. As notícias sobre as
greves corriam o estado e chegavam até as cidades do interior, de modo que,
já no ano seguinte, a greve influenciou movimentos congêneres na cidade de
Ribeirão Preto. Em 1907, os movimentos grevistas explodiram novamente em
São Paulo, chegando também à cidade de Ribeirão Preto, onde 300
trabalhadores que trabalhavam em pequenas indústrias entraram em greve. A
52
decisão de greve havia sido feita em uma reunião feita pelos trabalhadores na
União Italiana.14
Nessa greve, os operários reivindicaram a redução da jornada de
trabalho e o aumento de salário. Segundo Lilian Rodrigues (1997), nessa
ocasião o anarquista Alfredo Faria, que publicava nos jornais Il Mensageiro e
Lo Scudio, foi preso e deixado incomunicável. Infelizmente, a escassez de
fontes impede a pesquisa de fornecer mais detalhes sobre esses jornais em
questão, porém sabe-se que eram anarquistas e que, em suma, eram escritos
para os imigrantes que moravam na cidade.
O jornal Diário da Manhã (1907) diz que, com o temor de a greve se
estender, a Companhia Ferroviária Mogiana aderiu à jornada de trabalho de
oito horas, evitando assim que seus funcionários entrassem e aderissem ao
movimento. Essas duas greves em questão terminaram sem muitos resultados
para os operários da cidade. Ribeirão ecoava, então, uma onda de greves que
aconteceram em São Paulo de 1901 até 1908 (ROSA, 1997).
As duas greves acima mencionadas expressaram conflitos sociais na
área urbana entre os operários e os donos das indústrias presentes na cidade,
indicando as contradições e as tensões da modernização. Em relação à
organização destes eventos, uma questão importante é refletir sobre como os
trabalhadores se organizavam, usando de influencia os movimentos da capital
e de outras cidades do interior, para aderir ao movimento grevista.
A historiadora Lilian Rosa (1997) aponta que os trabalhadores da cidade
nessa época eram organizados pela Liga Operária. A autora diz que a
escassez de fonte impede uma análise mais aprofundada da Liga Operária e
sua organização. Nem mesmo nos cartórios mais antigos pode-se encontrar
alguma espécie de registro sobre a Liga.15 Os únicos registros da existência
desta organização sindical seriam o jornal Diário da Manhã e a obra de Azis
Simão (1966), intitulada Sindicato e Estado, em que o autor cita a Liga
Operária.
Segundo Lilian Rosa (1997), outros jornais locais atestam a existência
dessa Liga atribuindo a ela a publicação de diversos manifestos, principalmente
14 Diário da Manhã. Ribeirão Preto, 17 de maio de 1907. 15 Em janeiro de 1907, o governo sancionou a lei número 1.637 exigindo que os sindicatos fossem registrados em cartório, sendo assim, a Liga Operária deveria ter um estatuto arquivado em algum dos cartórios da cidade.
53
os manifestos em relação a comemoração do 1° de maio. Ao pensar a Liga
Operária como uma organização sindical, a autora aponta que ela sofreu
significativa influência do Primeiro Congresso Operário e muito provavelmente
seguiu as regras que o congresso determinou as organizações sindicais, como
resistência ao patronato e etc.
Tendo então a noção de como se formam as greves e o movimento
operário urbano, discutiremos agora como funcionavam a organização e esses
movimentos trabalhistas no campo. Afinal, o crescimento urbano do começo do
século XX ocorria a partir das atividades nucleadas no café em uma região
marcada pela ruralidade. Entender a dinâmica do conflito social e trabalhista no
período, portanto, implica discutir como os trabalhadores das fazendas de café
reagiram às condições de trabalho e como as organizações sindicais ajudaram
o trabalhador da fazenda.
Maria Angélica Momenso (1997) aponta que os trabalhadores rurais
começavam as greves na época de colheita, porque é uma época em que os
patrões e os donos de fazenda estavam mais vulneráveis e o risco de perder a
colheita os obrigava a ceder a certas reinvindicações.
A autora também aponta que, devido ao isolamento dos trabalhadores e
ao regulamento das fazendas, essa greve mantinha-se apenas entre os
trabalhadores rurais das fazendas especificas. Com isso a greve tornava-se
menor em comparação às outras. Como já dito anteriormente, consideram-se
os dois maiores expoentes grevistas a greve de 1912 e 1913 em Ribeirão
Preto.
Em 1912, é sintomática a já mencionada greve dos trabalhadores da
fazenda Iracema de Francisco Schmidt. Os trabalhadores fizeram suas
reinvindicações e foram atendidos. Segundo o jornal La Battaglia, o que
impulsionou a greve foi o motivo dos trabalhadores diante da “miséria e a
condição de verdadeiros escravos” em que os mesmos viviam. O jornal aponta
que a greve durou oito dias e adotou um sistema diferente do que é adotado
geralmente em movimentos grevistas. Nesse sentido:
Não se adotou o sistema da cabeça ou chefes, porque isso seria reduzir a miséria ou a perseguição alguns dos membros dessa união. Procedeu-se por grupos de quatro ou cinco famílias, de acordo com a amizade desses grupos, havendo não apenas um chefe para esse grupo, mas sim apenas uma família encarregada de transmitir os
54
pensamentos do Diretório Secreto que era quem resolvia todas as pendencias.16
A greve de 1913, por outro lado, teve uma organização diferente. Ela foi
um marco já no movimento operário, tendo vários registros em jornais
libertários, como Avanti, Germinal, La Barricada, entre outros. Essa greve teve
menos êxito do que a anterior por algumas diferenças na maneira de
organização dos envolvidos e em suas formas de manifestação.
Especificamente essa greve se diferenciou por, primeiramente,
apresentar uma discrepância da organização anterior por meios ideológicos.
Ela não adotou o sistema de famílias, tal como haviam feito os trabalhadores
na greve de 1912. Os trabalhadores preferiram aderir ao socialismo reformista
de Piccarolo. Em segundo lugar, ao contrário da primeira greve, essa sofreu
uma repressão maior por parte dos fazendeiros, contando com registro de
diversas ameaças de expulsão e violência por parte dos policiais acionados
pelos grandes fazendeiros da cidade.
Ao fim da greve de 1912, as famílias haviam com êxito conseguido suas
reinvindicações, ganhando um salário de 600 réis por cada 50 litros de café
colhidos nas fazendas, enquanto que a greve de 1913 acabou com a dispensa
de inúmeras famílias, que pediram ao consulado italiano para serem
repatriadas.
Ao analisar essas greves, pode-se perceber um certo “problema” entre
elas. As greves na cidade careciam de mais organização, com isso não
querendo dizer apenas disciplina, mas sim uma associação propriamente dita.
Apesar de a greve de 1912 ter a participação do Diretório Secreto, havia ainda
a necessidade de associações e movimentos maiores.
Não é apenas questão de ter em mãos um movimento de insurreição
popular; o movimento trabalhista necessita controlar as emoções e manter um
movimento de reinvindicação centrado em seus objetivos e, principalmente,
tomando decisões que influenciem na continuidade das ideias que permeiam o
movimento.
O teórico anarquista Mikhail Bakunin, em seu livro Socialismo Libertário,
faz um pertinente comentário sobre a questão da greve e da associação. O
16 Greve de Iracema, La Battaglia, São Paulo, 18/05/1912. Apud. MOMENSO. Trabalhadores Rurais em Ribeirão Preto, p.128.
55
autor comenta sobre a greve de Genebra e como a burguesia está pronta para
responder com violência. Ele explica que liberdade sem igualdade é privilégio
e que o único jeito de o trabalhador superar as mazelas sociais e se organizar
de maneira a conseguir se libertar da miséria é através da associação. Assim,
Mas como chegar, do abismo da ignorância, da miséria, da escravatura em que vivem os proletários dos campos e das cidades até este paraíso, a esta realização da justiça e da humanidade sobre a terra? – Para tal, os trabalhadores têm apenas um meio, a associação. Através da associação instruem-se, e esclarecem-se mutuamente e põem fim, por si próprios, a essa fatal ignorância que é uma das principais causas da escravatura [...] e acabarão por criar um poder muito maior do que de todos os capitais burgueses e
poderes políticos juntos. (BAKUNIN, 1979, p.7)
A colocação de Bakunin é bem pertinente para a ocasião dos
trabalhadores de Ribeirão Preto, em função do contexto de suas lutas sociais.
A falta de organização entre os grupos grevistas causa uma desunião e,
portanto, vulnerabilidade à resposta que os patrões darão, como repressão
policial, sistemática e etc. Entre os trabalhadores de Ribeirão havia uma falta
de comunicação entre as lideranças, como cita a autora Maria Angélica
Momenso:
A comunicação entre as lideranças e o conjunto dos trabalhadores rurais era muito frágil ou inexistente, razão pela qual focamos nossos estudos nas razões cotidianas isoladas e muitas vezes individuais desses agentes sociais vezes marginalizados contra a opressão e atos injustificáveis de violência por parte de
responsáveis pela administração das fazendas. (MOMENSO, 1997, p.140)
A greve é um importante componente da luta social pelos direitos dos
assalariados, mesmo não sendo o único método de reinvindicação. Além disso,
como conflito social, ela requer mais preparo do que um protesto costumeiro.
Mas a necessidade de entender essas greves em uma visão mais próxima, em
cidades especificas, mostra como a população pode tomar partido nas lutas
sócias e que, com a determinada organização, podem perceber sua
importância enquanto personagens históricos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O início do século XX se mostra claramente como uma época de
mudanças tortuosas no que se refere à sociedade e à cultura. Ao começar
analisando o contexto europeu, onde Paris e Londres são geralmente o foco
para se entender o que se passava com a população na época, pode-se
perceber como a formação da modernidade implicava diversos conflitos e
contradições envolvendo, por exemplo, as questões sociais (especialmente em
relação às condições do trabalho e das classes trabalhadoras).
A presente pesquisa, ao privilegiar recortes para a discussão desse
tema, destaca justamente o problema da condição social da população em
meio àquela conjuntura de amplas transformações nos modos de vida. Olhar o
início do século XX com um olhar puramente econômico pode significar uma
visão equivocada (reducionista) de que a Revolução Industrial trouxe única e
exclusivamente benefícios à sociedade moderna.
A angustia social decorrente do advento da modernização e da
amplitude das transformações em curso é demonstrada amplamente pela arte
do período. Podemos pensar, nesse sentido, o caso de escritores como Walter
Benjamin, Baudelaire e Edgar Allan Poe – além da própria pintura. Como os
contos e as poesias dos autores em questão, a formação da modernidade
capitalista implica as condições de massificação do mundo novo, com destaque
para a incerteza de viver em um mundo onde tudo se tornava mais líquido e
menos sólido.
Tratando de massificação e de industrialização no começo do século XX,
o trabalho analisa a Revolução Industrial, na Inglaterra, o primeiro grande polo
industrial da Europa. Lá o avanço tecnológico se faz presente na indústria de
algodão para depois se expandir para todo o mercado. O grande problema dos
avanços trazidos pela Revolução Industrial é que os mesmos não são
acessíveis a toda a população, de modo que, mesmo que a sociedade tenha
avançado em uma velocidade quase absurda, esses avanços eram fechados
apenas a uma classe.
Grande parte dos trabalhadores vivia em condições de vida precárias nas
cidades, tal como a famosa denúncia publicada por Engels (2010). As classes
trabalhadoras, então, viviam em casas sem espaço e muitas vezes apelavam
57
para pequenos crimes como roubar comida etc. Além disso, as próprias
cidades industriais eram compostas por diversas áreas insalubres,
comprometendo necessidades básicas da população. À luz dessa situação, os
trabalhadores passam a se organizar em movimentos sociais de
reinvindicação. Como citado por Thompson (2004), esses trabalhadores
usavam diversas formas de protesto, de modo que o historiador inglês destaca
a presença da turba nas grandes aglomerações; porém existiam diversas
formas de movimento e de organização do conflito social em função da lógica
capital/trabalho, alguns mais radicais e outros menos radicais.
Com isso foi analisado o contexto europeu, vendo como a mudança de
século pode causar problemas e desencadear movimentos dentro da Europa.
No caso do Brasil, algumas diferenças devem ser consideradas. No início do
século XX, o Brasil ainda não tinha exatamente uma industrialização em
massa, como é no caso da Inglaterra, porém o pais já apresentava polos
industriais e contava com alguns grupos de trabalhadores operários reunidos
nas principais cidades – formadas desde as décadas finais do século XIX.
Segundo a bibliografia debatida no trabalho, a situação do operariado brasileiro
e das formas de trabalho eram também bastante precárias.
No início da Republica, o operário brasileiro trabalhava 14 horas por
dia no Rio de Janeiro e 16 horas em São Paulo. Além da carga horária abusiva
de trabalho nas fabricas, ainda, o trabalhador brasileiro tinha que lidar com
constantes agressões da parte dos patrões, como um exemplo dado durante o
segundo capitulo, quando destacamos as agressões sofridas por um jovem
pelo patrão, que ri enquanto o agride.
Outra questão que permeia essa violência sofrida dentro das fabricas é
o fato de que a maior parte dos trabalhadores era rapazes muito novos
(adolescentes e crianças) e mulheres. O que também demonstra certas
questões de gênero dentro das fabricas. Havia alguns casos em que havia
apenas trabalhadoras em industrias de tecidos. Isso se dá porque é mais fácil
para os patrões controlarem trabalhadores muito novos e mulheres, como
citado por Hobsbawm (2016).
Com o fim da escravidão e a chegada em massa de imigrantes, entre o
final do século XIX e o início do XX, o Brasil começa a ter contato pela primeira
vez com a ideologia anarquista. Os anarquistas tiveram grande participação
58
nos conflitos sociais no início do século XX, tendo inclusive muitas pessoas que
homenageavam autores anarquistas quando iam nomear os filhos. Os
anarquistas participaram não apenas de movimentos em si, como também dos
congressos operários, onde eram decididos os métodos de reinvindicação dos
trabalhadores.
Nesse sentido, o trabalho discute a importância da greve para o
trabalhador em um contexto de transformações – por isso, a presença do
conflito social nos espaços cidade/campo era um importante indicativo das
contradições sociais em curso. Segundo Lenin (1961), a greve é de extrema
importância para o movimento trabalhador, porque é através dela que os
trabalhadores conseguem perceber o poder que tem nas mãos e conseguem
perceber a importância da sua mão-de-obra. A greve não é apenas a única
maneira de resistir a opressão, mas, aliada a outros atos, é uma ótima maneira
de despertar o trabalhador para questões sociais e de consciência de classe.
Tendo em vista o lugar e o desenvolvimento da cidade de Ribeirão Preto
no período, devemos considerar o desenvolvimento da urbanidade
paralelamente ao peso da economia cafeeira. Com isso, a cidade se torna um
polo de migração para alguns trabalhadores. Assim, ocorre uma diversificação
maior na área comercial. Por ser uma cidade do interior, é possível perceber
um número maior de trabalhadores rurais, estando os operários presentes
apenas em pequenas e médias oficinas. Então, pode-se dizer que, a princípio,
a posição geográfica e até o deslocamento em região às regiões
metropolitanas (São Paulo, por exemplo, começava a arrancar como cidade
central na vida brasileira) dificultou organização por parte dos operários.
Durante o começo do século XX, entre 1901 e 1908, o estado de São
Paulo passa pela chamada “onda de greves”, quando diversas organizações
operárias organizam manifestações. Essas greves, cujos repertórios e ideias
percorriam diversas cidades do interior, chegavam aos trabalhadores de
Ribeirão Preto, inspirando movimentos grevistas e forma de conflito social
decorrentes do trabalho dentro da cidade. A greve urbana estudada no trabalho
é a greve de 1907, quando 300 operários se reuniram na União Italiana e
decidiram pela ação.
Os trabalhadores reivindicavam redução na carga horária de trabalho e
aumento salarial. Há indícios de que os movimentos da cidade eram
59
organizados pela Liga Operária, que seria uma organização sindical
responsável por auxiliar os movimentos grevistas. Porém, diante da escassez
de fontes para dar maiores detalhes sobre como funcionava a organização da
Liga, é difícil analisar de maneira mais detida esse problema.
Tendo então essa noção de como funcionava a greve urbana, o trabalho
analisou como funcionavam as organizações e os movimentos trabalhistas no
âmbito rural. Afinal, o crescimento urbano na cidade se dá pelo crescimento da
economia cafeeira no período. Portanto, entender o conflito social dentro da
cidade também implícita debater como os trabalhadores das fazendas reagiam
às condições de trabalho e como se organizavam. Aqui, as marcas da
ruralidade ficavam mais visíveis nas contradições implicadas na transformação
de uma região do interior no contexto da modernidade.
As greves dos trabalhadores rurais eram organizadas da seguinte
forma: os trabalhadores esperavam para que se iniciasse a época de colheita,
porque assim os patrões estariam mais vulneráveis devido ao medo de perder
o produto da colheita. Nesse cenário, então, começava a greve. Existe uma
discrepância ideológica da greve de 1912 e 1913, sendo que as organizações
familiares de 1912 demonstrem uma clara influência anarquista e a greve de
1913 carrega traços do socialismo reformista
A necessidade de entender essas greves, mesmo que a primeiro
momento essas não demonstrem tanto resultado, mostra como a população
pode tomar partido nas lutas sócias e que, com a determinada organização,
podem perceber sua importância como personagens históricos situados na
formação da modernidade e seus choques.
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