gestão água canteiro

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Tecnologia 1 Crise hídrica Como gerir a falta dágua em canteiros de obras Diminuição de uso de água potável e aproveitamento de água de chuva são os passos iniciais e mais eficientes para economia de água em canteiros Beatriz Santos Edição 216 - Março/2015 A maior crise hídrica dos últimos 84 anos na região Sudeste do Brasil está forçando pessoas e empresas a reverem seus hábitos em relação ao consumo de água potável e ao aproveitamento de águas pluviais e de reúso. A situação não é diferente na indústria da construção civil, que consome grande volume de água nos canteiros, tanto para execução de serviços típicos da obra quanto para uso humano. Construtoras vêm estudando e viabilizando novas medidas para a fase de execução da obra. Uma das principais vertentes é a diminuição do consumo de água potável para as tarefas em que ela não é necessária, aproveitando-se a água da chuva ou água de reúso. Na Cyrela, por exemplo, além da instalação de equipamentos para captação de água da chuva e dispositivos economizadores para as áreas de vivência dos trabalhadores, a empresa está trabalhando com campanhas de conscientização dos operários quanto à economia do recurso. Os preparos de argamassa e concreto são os processos que mais utilizam água em uma construção - para a confecção de 1 m³ de concreto, são necessários de 160 l a 200 l de água. Para que haja uma economia maior em canteiros, as construtoras podem optar pela utilização do concreto entregue pronto, e não virado na obra. "Dessa forma, a água utilizada para virar o concreto é oriunda das usinas", conta Eduardo Fisher, engenheiro civil e presidente da região 2 (Estado de SP e região Sul) da MRV Engenharia. Desde 2014, a construtora e incorporadora vem adotando melhorias nos canteiros de obra no que se refere à sustentabilidade. "A MRV passou a realizar o reaproveitamento de água, a separação do lixo reciclável e o descarte correto de resíduos de materiais." Em alguns canteiros da empresa foi implementado o sistema de reaproveitamento de água de lavagem de betoneiras. Em outros, um sistema de reúso de água de chuva, no qual a água é tratada e levada para um reservatório para ser usada posteriormente em bacias sanitárias, lavatórios, limpeza de ferramentas e irrigação de jardins. Um exemplo prático de como reduzir o gasto de água utilizada nos vestiários foi a colocação de garrafas PET cheias de areia dentro das caixas acopladas das descargas, para que o volume de água seja menor para cada descarga. Nessa obra, a técnica gerou a redução de 1,2 l de água por descarga em cada cabine sanitária. A captação da água que é descartada de betoneiras também pode ser reutilizada. Em outro exemplo da MRV, foi criada uma adaptação para armazenar a água que escorre das betoneiras em um tanque de decantação. Depois da captação, a água vai direto para a caixa de filtragem com brita e, por meio de uma bomba sapo, é

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Gestão Água Canteiro

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Page 1: Gestão Água Canteiro

Tecnologia

1

Crise hídrica

Como gerir a falta dágua em canteiros de obras Diminuição de uso de água potável e aproveitamento de água de chuva são os passos

iniciais e mais eficientes para economia de água em canteiros Beatriz Santos

Edição 216 - Março/2015

A maior crise hídrica dos últimos 84 anos na região Sudeste do Brasil está forçando pessoas e empresas a

reverem seus hábitos em relação ao consumo de água potável e ao aproveitamento de águas pluviais e de

reúso. A situação não é diferente na indústria da construção civil, que consome grande volume de água nos

canteiros, tanto para execução de serviços típicos da obra quanto para uso humano.

Construtoras vêm estudando e viabilizando novas medidas para a fase de execução da obra. Uma das

principais vertentes é a diminuição do consumo de água potável para as tarefas em que ela não é necessária,

aproveitando-se a água da chuva ou água de reúso.

Na Cyrela, por exemplo, além da instalação de equipamentos para captação de água da chuva e dispositivos

economizadores para as áreas de vivência dos trabalhadores, a empresa está trabalhando com campanhas de

conscientização dos operários quanto à economia do recurso.

Os preparos de argamassa e concreto são os processos que mais utilizam água em uma construção - para a

confecção de 1 m³ de concreto, são necessários de 160 l a 200 l de água. Para que haja uma economia maior

em canteiros, as construtoras podem optar pela utilização do concreto entregue pronto, e não virado na obra.

"Dessa forma, a água utilizada para virar o concreto é oriunda das usinas", conta Eduardo Fisher, engenheiro

civil e presidente da região 2 (Estado de SP e região Sul) da MRV Engenharia.

Desde 2014, a construtora e incorporadora vem adotando melhorias nos canteiros de obra no que se refere à

sustentabilidade. "A MRV passou a realizar o reaproveitamento de água, a separação do lixo reciclável e o

descarte correto de resíduos de materiais."

Em alguns canteiros da empresa foi implementado o sistema de reaproveitamento de água de lavagem de

betoneiras. Em outros, um sistema de reúso de água de chuva, no qual a água é tratada e levada para um

reservatório para ser usada posteriormente em bacias sanitárias, lavatórios, limpeza de ferramentas e irrigação

de jardins.

Um exemplo prático de como reduzir o gasto de água utilizada nos vestiários foi a colocação de garrafas PET

cheias de areia dentro das caixas acopladas das descargas, para que o volume de água seja menor para cada

descarga. Nessa obra, a técnica gerou a redução de 1,2 l de água por descarga em cada cabine sanitária.

A captação da água que é descartada de betoneiras também pode ser reutilizada. Em outro exemplo da MRV,

foi criada uma adaptação para armazenar a água que escorre das betoneiras em um tanque de decantação.

Depois da captação, a água vai direto para a caixa de filtragem com brita e, por meio de uma bomba sapo, é

Page 2: Gestão Água Canteiro

levada para reutilização em outras atividades do canteiro. Como esta água continua sendo não potável, seu

uso se limita à lavagem de ferramentas, lava-rodas e descargas.

Aproveitamento planejado

Em todos esses exemplos, é possível perceber a importância do planejamento da utilização dos recursos para

que nada seja desperdiçado. Virgínia Sodré, diretora técnica comercial na Infinitytech Engenharia e Meio

Ambiente, comenta que desde 2014 a empresa segue o programa "Água de Valor", que traz uma visão

estratégica para a gestão da água utilizada na obra. "O plano aborda questões que envolvem esse recurso

desde a fase de incorporação (orçamentação) até a obra e produtos, analisando os riscos e as oportunidades

relacionadas ao uso da água", conta Virgínia.

Dentre algumas soluções de economia de água pensadas e aplicadas em obras, está a adoção de caminhões-

pipa com água de reúso para os processos que não necessitam de água potável. Também se estuda a

utilização da água do lava-rodas, desde que tratada, para usos como lavagem de ferramentas ou em bacias e

mictórios.

O plano estratégico da Infinitytech abordou, ainda, sistema de reaproveitamento de água da chuva, sistema de

tratamento do efluente para reúso, sistema de tratamento de águas cinzas ou negras e sistema de reúso de

águas negras para bacias sanitárias e mictórios.

Técnicas para economia de água

A captação da água proveniente de chuvas é uma das

principais alternativas em canteiros de obra para

economia de água. A água pode ser captada por calhas

instaladas nos telhados dos vestiários e, por meio de

tubos e conexões, levada a caixas d'água de polietileno

para ser armazenada.

São necessárias duas caixas d'água para

aproveitamento de água pluvial: uma para

captação e decantação das partículas grosseiras

contidas na água, e outra para o armazenamento

e utilização.

Page 3: Gestão Água Canteiro

A utilização de bombas submersas, ou bomba sapo,

dentro dos reservatórios de água de chuva, auxilia no

aproveitamento de água de reúso. O volume captado de

águas pluviais pode ser utilizado em atividades como

caixas de descarga e mictórios.

Para que um sistema de captação de água

pluvial seja viabilizado, é necessário a

utilização de materiais como canos de

PVC, caixas d'água, válvula de retenção

(para evitar o fluxo de água) e hidrômetro

(para quantificar a geração de economia).

O sistema de captação de água da chuva

é prático e de baixo custo de implantação,

podendo gerar uma economia de mais de

3 mil l de água em um período de dois

meses, além de ter baixa periodicidade de

manutenção e minimizar os impactos

ambientais do canteiro.

Page 4: Gestão Água Canteiro

Determinados setores do canteiro de obra

também podem ser adaptados para

armazenarem a água descartada em

certos processos. Neste caso, a central de

betoneira foi projetada para captar a água

utilizada para limpeza dos equipamentos e

da própria central.

Estações de tratamento de água captada

também podem ser construídas nos

canteiros. Por exemplo, a água passa

primeiro em uma caixa d'água para ser

filtrada através de três camadas

compostas de areia, brita 0 e brita 1.

Depois, passa para a segunda caixa, que

retém a água tratada para ser utilizada.

A instalação de canaletas de captação de água

pode ser um importante método para a

reutilização do recurso descartado. Assim, o

sistema de drenagem conduz a água para

tratamento e reaproveitamento em outros

processos.

Page 5: Gestão Água Canteiro

A colocação de bloqueios para que a água não

seja perdida ajuda na captação da água

descartada. Uma fiada pode ser construída com

tijolos cerâmicos ou blocos de concreto,

impedindo a passagem da água.

A utilização de água pelos operários da obra

também pode ser reduzida. Por exemplo, três

garrafas PET de 350 ml cheias de areia e

colocadas dentro da caixa acoplada das

descargas podem resultar em uma economia de

até 1,2 l por descarga em cada cabine.

As águas do lençol freático

O rebaixamento do lençol freático deve ser analisado com muito critério, pois pode prejudicar as construções

vizinhas pelo fenômeno do recalque. "Como o rebaixamento do nível d'água altera as condições naturais das

tensões no solo, as tensões efetivas (relativas ao peso próprio do solo) aumentam e as camadas de solo tendem

a se deformar, podendo ocasionar recalques na superfície", explica Kurt André Amann, engenheiro civil e

professor coordenador do curso de Engenharia Civil do Centro Universitário da FEI.

No entanto, o rebaixamento não é em si proibitivo. "Muitas vezes, quando é necessária a escavação do terreno,

como em alguns casos de execução de fundações de edifícios, ou quando se executam cortes no terreno para

implantação de uma via pavimentada, este procedimento se faz necessário", afirma Santi Ferri, engenheiro civil,

pesquisador pela Poli-USP e docente no curso de Engenharia Civil da PUC/SP. Se for executado rebaixamento,

a água captada pode ser reutilizada, mas com ressalvas. Ela não deve ser utilizada para determinadas atividades,

como produção de concreto estrutural. "A água no concreto estrutural não pode ter contaminantes. A cura não é

o problema, mas sim a resistência e a garantia de qualidade do material que estão em jogo", declara Amann.